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O INFERNO DO DEVER O discurso do obsessivo apego da mie vai se revelar muito particular. A mae se aliena no filho. Quem ama quem? Podemos falar de amor? Freud encontrou insuperdyeis dificuldades quanto a andlise do édio da mae com respeito a seu filho. Ele preferiu insistir na ambivaléncia amor/édio recalcada. O que exatamente esta em jogo entre a mae € o filho? Nao basta sugerir que a mae do obsessivo seria doce, passiva, e seu filho um garoto bem mau, apegado 4 sua mamae que o amou tanto. A da histérica, injusta, cheia de édio, teria dado a luz uma infeliz garotinha cuja queixa em relacéo a uma mae que nao soube améla seria justificadal Discurso um pouco simplista. Dizer, com Bouvet, que a mae do obsessivo é falica, castradora e fascinante nao & mais aceitdvel. Estes j4 sao efeitos de sua ligaco com o filho, Ela nao é nada disso a priori. Quando 0 filho nasce, a maelé bruscamente privada de seu objeto totalizador imagindrio. Freud falava de Narciso privado desse objeto pelo aparecimento de um objeto real e da depressdio que se segue. A mae tem outras solugées. Depois de uma fase quase parandica de onipoténcia, a queda da libido apés o nascimento pode provocar todos os tipos de sintomas. Como uma mae enfrenta a castragio simbélica reativada pela perda do filho? Ele nao est4 mais no lugar onde estava ¢ a distancia entre O inferno do dever O discurso do obsessivo O inferno do dever O discurso do obsessivo TRADUGAO Sandra Regina Felgueiras ee ro ee Copyright © by Editions Denoel Trruto Onicina Lenfer du devoir — Le discours de Vobsessionnel Direitos de ediggo em lingua portuguesa adquiridos pela Eprrora Camro Matesco Proibida a reprodusio total ou parcial Ebrroragéo BuErRONICA FA - Editoragao Eletrénica Cara “Minoraure” Paris maio de 1993, Pablo Picasso ' TRADUGAO Sandra Regina Felguciras Eprror ResronsAvat José Nazar Consttito Eprroriat Bruno Palazzo Nazar Jost Nazar José Mario Simil Cordeiro Maria Emilia Lobato Lucindo Teresa Palazzo Nazar Ruth Ferreira Bastos Rio de Janeiro, 2007 FICHA CATALOGRAFICA 1143n Lachaud, Denise O inferno do dever: 0 discurso do obsessivo / Denise Lachaud ; tradusdo Sandra Regina Felgueiras ; editor José Nazar. - Rio de Janeiro : Cia de Freud, 2007. ‘Tradugao de: Lienfer du devoir le discours del'obsessione! Inclui bibliografia ISBN 978-85-7724-018-0 1. Transtorno obsessivo-compulsivo. 2. Dever. 3. Outro (Psi- | ccanilise). I, Titulo. ; 07-0285 CDD: 616.8527 CDU: 616.891.7 INTRODUGAO... Capitulo 1 Freud ¢ seu ensino . Capitulo 2 Hoje PRIMEIRA PARTE: Fungdo materna na disposigao a neurose obsessiva ..... Capitulo 3 ‘A mac, agente das modalidades da disposigio ..... Capitulo 4 Bindrios objetais ¢ pseudotriangulacao ... Capitulo 5 Encontro de uma ligag - Capitulo 7 Causalidades .... Capitulo 8 A fantasia, via para a realizacao do desejo TERCEIRA PARTE: O pai, o dever e 0 analista Capitulo 9 Pelo amor do pai .. Capitulo 10 O inferno do dever-nio . il Capitulo 11 Para nao concluir 237 A Jean Martial Aqui, no entanto, o caminho por Freud nao nos é apenas tracado; é pavimentado em toda a sua extensao pelas afirmag6es mais macigas, mais constantes e mais impossiveis de desconhecer™ . Assim comprometido até 0 limite do posstvel, ¢ sem duvida além de nossa intengfo, com a histéria em acao da psicandlise, diremos aqui coisas que s6 hao de parecer ousadas caso se confunda parti-pris com relevante* *. it — Commi jon présentée a la Société ‘ 57”, Paris, Seuil, 1996, p. a tradugao brasi- 1956”, ob. obstinava em que nao mais se decifrasse Freud liagonal, com a seguranga, portanto, de descobrir as coisas que j4 se sabia — mas como se explora uma terra desconhecida. G. Lapouge O. estudos relativos 8 neurose obsessiva depois de Freud nao tém nada de homogéneo. O quebra-cabegas é constitufdo por pecas originais, exten- sdes e conceitualizacées freqiientemente pouco compativeis. © retorno aos textos fundadores é indispensdvel para a apteensio do nascimento ¢ do desenvolvimento da neurose, A obsessao se antecipou a clinica, No final do século XIX, os médi- cos continuavam espantados com ela, mas ela permaneceu obstinadamente como uma “extensao” da histeria’. Bem cedo Freud se interessou pela neurose obsessiva, a mais rica, segundo ele, para o futuro da psicandlise?. Em 1909, defronta-se com ela? * Como O. Mannoni observava, “o conceito de histeria jé estava bem estabelecido quan- do Freud o recebeu de Charcot e de Breuer; esse foi 0 acaso histérico que fez com que a psicandlise tenha se apresentado primeiro como a teoria da histeria ¢ tenha parecido aplicar-se aos obsessivos apenas por extensdo” (grifo meu), Encyclopoedia Universalis, ar- tigo “La névrose obsessionnelle”, Paris, 1981, 2 Em 1913, ele afirma que “um caso de neurose obsessiva bem exposto valeria como a exposigao da psicandlise inteira’, em “Extraite de I’histoire d’une névrose infantile (Homme aux loups)”, em Cing psychanalyses, trad, francesa M. Bonaparte, R Loewenstein, Paris, rur, 1975 (Utilizaremos como regra a traducio direta do francés para os textos de Freud, jd que freqilentemente hé discrepancias significacivas entre o texto francés ¢ 0 texto da tradugdo brasileira, (NT), > Cf. S. Freud, em “Remarques sur un cas de névrose obsessionnelle (L’ Homme aux rats)”, em Cing pychanabyses, ob, cit,: “Nao vou empreender aqui um estudo psicoldgico do pensamento obsessivo. Uma tal investigagio forneceria resultados extremamente precio- 505 ¢ faria mais para a elucidagao de nossos conhecimentos sobre a natureza do conscien- tee do inconsciente que o estudo da histeria e dos fendmenos hipnéticos”, p. 247 0 inferno do dever 4 om ahonestidade do pesquisador que lhe reconhe- Em 1926, ele se rende, ¢ : : cemos: nao chegou a dominar o conhecimento dessa neurose. Freud fez dela uma figura de prest{gio. Talvez isso tenha valido ao obsessivo as represdlias que sempre deve esperar aquele ou aquela que ima- finamos como “filho querido” ou “favorito dos deuses™ oo feano do dever A neurose obsessiva nfo é redutivela essa formu. Ja lapidar. Entretanto, © dever, objeto de um mandamento e ao mesmo iva : s efeitos maiores da obsessa tempo exp! negativada deste, € um dos bsessio. Hoje, a histeria continua na manchete. Nao nos surpreenderemos de ver essa estrutura proteiforme se fortificar com sintomas que o psicanalista nao conseguiria vencer. Lacan nem mesmo podia afirmar, em 1978, que ela ainda existisse. Por outro lado, fala-se sempre mais resumidamente do obsessiyo. Portanto, pode-se pensar que essa dissimetria tem um sentido. Exceto al- guns estudos, artigos ou relatérios noréveis como os apresentados pelos slunos de Freud® , essa neurose mais precisamente foi objeto de observagées e de estudos de textos. Muitos testemunhos se contentam com a simples descrigao. Muitos casos clinicos incluem uma andlise semioldgica e, quan- do muito, psicopatolégica, operacdes que na maioria das vezes tém mais a ver com a atividade do socidlogo. Os relatérios de psiquiatria continuam preciosos, mas se prestam a interpretacdes. Quando sao retomados, * Termos que Serge Leclaire utiliza em “Philon, ou Pobsessionnel et son désis, un essai sue 7 ee! en psychanalyse”, em Démasquer le réel, Patis, Seuil, 1971, pp. 147-167 sobretudo Ennest Jones, “Haine ct érotisme anal dans la névrose obsessionnelle”, em Traité théorique et pratique de la psychanalyse, Paris, Payot, 1925, pp. 705-714, & pene obra, “Traits de caractére en rapport avec I’érotisme anal”, pp. 863-894; P. Jane’ i pest i) Distasi Paris, Alcan, 1903, e Névroses et idées fixes, Paris, Alcan, Ree etbeten i Ala théorie du caractére anal”, em CEuvres completes eee ies Sure. 314-331 © “Mélancolie et névrose obsessionnelle ~ Klein, “Repport even lique-anale du développement de la libido”, pp. 258-26 M tre la névrose obsessionnelle et les premiers stades de la formation du enfanes, Paris, PUB, 1978, pp. 163-190; os importantes 2 surmoi", em Prychanabse des trios de A. Peres eE, Régis, _— Introdugao0 15 como que re/raduzidos numa outra lingua: a psicandlise. As mais recentes inyestigagdes se mostram muito lacunares* — ¢ poderiam nao ser? Paradoxalmente, a neurose obsessiva foi tomada como um dos exem- plos mais prodigiosos de nossa commedia delliarte analitica. E verdade que estamos lidando com um sujeito que nao nos oferece terreno sdlido de observagao. O obsessivo, homem ou mulher, é escravo; de qué? De quem? Prisioneiro, condenado aos trabalhos forgados; quais? Por que esse sujeito se dedica a uma tarefa to esgotante que exige uma tensio permanente, que traz objecao ao prdprio princfpio de prazer? Qual é a terrivel coisa em jogo? Poderiamos dizer que J. Lacan deu seus primeiros passos no campo da pesquisa psicanalitica’” ao retomar os dois ilustres casos de Freud. Embora Lacan tenha fieqiientado muito essa pretensa periferia da megalépole histeria’ que elevou A dignidade de um discurso, de um laco, até mesmo de ideal do ser social, ele nunca formalizou a neurose obsessiva. Por que esse sujeito escaparia ao discurso que é “o que parte do Je ¢ vai até © Outro””? Para Freud e para Lacan, ainda que 0 obsessivo nao se preste facilmente & cura analitica, ele representa a melhor indicagdo de andlise; ou melhor, se hd uma “verdadeira”"® neurose, é a neurose obsessiva. © As“Références bibliographiques” do nimero da Revue francaise de psychanalyse, La Névrose absessionnelle, sob a direcao de B. Brusset e C. Couyreur, Paris, PUR, 1993, sao comple camente restritivas. 7 De 1951 a 1953, com alguns amigos que reunia em sua casa, Lacan estudava os textos freudianos do Homem dos ratos e do Homem das lobos. Seus semindrios nao exam ainda Piiblicos, mas dispomos de algumas notas escritas, no publicadas, tomadas durante essas reunides de estudos. * S. Freud: “Os meios de que se serve a neurose obsessiva para expressar seus mais secretos Pensamentos sio apenas, de algum modo, um dialeto no qual deveriamos penctrar mais facilmente, sendo dado que parece mais com a expressio consciente que o da histeria”, em “Remarques sur un cas de névrose obsessionnelle (L’Homme aux rats)”, ob. cit., p 200. j, 2; Lacan, séminaire, Livre V, 1957-1958, “Les formations de linconscient”, inédivo Jd em 1895, S. Freud o dizia assim: *Primeito, vou tratar de explicar 0 mecanigmo psicologico das obseides verdadeiras..” (grifo meu), em “Obsessions et phobies”, p. 40, em Névrose, psychose et perversion, Paris, PUB, 1973. 16 O inferno do dever A anilise de casos de neurose obsessiva freqiientemente se baseia cm conhecimentos adquiridos ou apenas em leituras. Com muita frequiéncia também os psicanalistas fazem uma idéia do obsessivo através das queixas de seus pacientes histéricos. Monolitico, 0 obsessivo tora mais aguda a impoténcia da histérica vida de poder e de poténcia. Supos sddi- Vo porta em si, escrito, 0 rastro do gozo, tao potente een z consigo a peste de seu interdito, co”, 0 obsess enigmitico, do Outro. Um gozo que tra O obsessivo, formidével maquina de pensar, é mal visto. Sua comple- xidade tanto seduz quanto nos afasta quando nos poe a trabalhae trabalho de paciéncia, de precaugées, de prudéncia, de experiéncia do tempo. Se, no anonimato do social, 0 obsessivo é, antes, bem aceito, ele muito raramente atrai a simpatia, ea experiéncia clinica nao deixa de mostrar que o interes- Se que suscita revela s6 ter como objetivo manter a rejeigao, a contradic Gao, a reprovacdo, a agressividade, até mesmo a tentativa de destruigéo = com a béngao do analista tomado por uma pretensa contratransferéncia problematica. mn E “um tirano massacrador vido ¢ sem freio”"', “seu empreendimen- to € totalitario [...] tem uma imperiosa necessidade de sujeitar 0 outro [... 212 essencialmente pela forga [...] seu trabalho ¢ [...] destrutivo”””, ele “é cruel, grossciro [...) trapaceia nos combates”!>, Por que a manutengao dessa ce- gucira? De onde vem esse desejo de fazer dobrar-se? Por que manter o dis- curso do bdio? Se a intengao agressiva é “amortecida” na neurose obsessiva, ela o € muito menos na histeria ¢ na fobia, com seus cortejos de intencionalidades'*. O obsessivo de bom grado oferece suas ‘ omposi defensivas” em forma de “fortificagoes 2 Vauban”!?. Com certeza a agressi- vidade nao € 0 ddio, mas com freqiiéncia rapidamente se considera assim De onde vem essa aversio pelo obsessivo? Sera que Freud amou um pouco demais seus dois “Homens-dos”, nos quais 0 leito da neurose foi "J. Kristeva, “Loobsessionnel et sa mere” tomo LII, novembro-dezembro, Traumatismes, Paris, PUF, 1989, 1358. ER, Dorey, Le Désir de savoir, Paris, Denodl, 1988, pp. 130-132. : CfA. Adler, Connaissance de homme, Paris, PB. 2, 1966. “CE J, Lacan, ibid, p. 108, Il em Revue francaise de psychanalyse, 6, 1988) 7 iga¢do muito particular organizada pela mae? : Homem-da-mac, a que conduz ao pai, cuja voz foi tao fraca que se tornou quase inaudivel para o casal imagindrio formado pela mae ¢ pelo filho. Freud teve muita dificuldade em levar em conta 0 édio da mae. “Mae boa” do obsessive? “Mae md” da histérica? Que papel a mae vai ter na formagao do supereu to intransigente do obsessivo? Ora, é 0 supereu que traga o caminho para a realidade e ordena um gozo que 0 sujeito recusa ¢ do qual se defenderé na cura psicanalitica. O obsessivo é um experiente na clinica. Buscar situar como se instala sua neurose feita de eclipses jé é um risco, j4 que toda aproximagao € perce- bida por ele como intrusiva. Ele contrapoe a nés um noli me tangere. Nunca estamos, com ele ou ela, protegidos de gafes. Lidamos com um grande resistente; 0 que lemos perfeitamente na etimologia do nome que Freud escolheu para essa neurose com muita intui¢ao: Zwangsneurose, “a neurose das obsessdes”'*, A clinica, a partir de Freud, nos convida a delimitar um tipo de neu- rose € nao “relagdes tipicas”"”, j4 que as do obsessivo sao a-tipicas, tanto mais porque estéo ligadas ao pulsional com seus “pensamento compulsi- vo”, “representag6es compulsivas” e “compulsao ao agir”. Esse “hiperemotivo” vive “demais nos processos primérios para po- der pensar sobre eles”'*. O trabalho do analista procede, entao, do futuro [avenir] de uma ilusdo? Ilusao de um a-vir [4-venir]? Com um tal sujeito, o trabalho ¢ érido ¢ com freqiiéncia esgotante. A carta” estd, e permanece, sem destinatirio. A literatura referente ao obsessivo € tao pobre quanto suas relagdes. E também n4o tem destinatdrio; tem apenas um destino que, freqiientemen- '6 “Obsessions et phobies ~ Leur mécanisme psychique et leur étiologie” (1895), em Névrose, psychose et perversion, Paris, Seuil, 1973, pp. 38-45. "”'R. Dorey, Le Désir de savoir, ob. cit. "0, Fenichel, La Théorie psychanalytique des névroses trad. franc. M. Schlumberger, C Pidoux, M, Cahen, M. Fain, Paris, PU, 1979, tomo 2, p. 574, * Em francés, lettre, palavra que pode ser traduzida, basicamente, por “carta” ou “letca”s as Principe Negro que éo i se im poe. Enquanto a i Rlivide de nada ¢ nao cré em ninguém, mais © obsessivo cré ¢ mais ele duvida. Capftulo | Freud e seu ensino AGE de Freud, a neurose obsessiva era considerada como um estado intermediario, uma patologia entre-dois. De imediato, a relagao com 0 ob- sessivo se estabeleceu de uma maneira que trafa o embaraco ¢ a irritagao dos observadores, os quais, embora discretos, intentayam a andlise cientifica. Os obsessivos eram, para eles, os semiloucos que se encontravam fora dos asilos. Estado-limite, diagndstico que serve como reftigio ainda hoje para o psicanalista ou o psiquiatra, a obsessdo ocupava uma posi¢ao desconfortavel! . Para a quase totalidade dos autores, nao hd ligagao entre obsessao ¢ delirio. As tentativas ainda recentes de aproximar a neurose obse a dos delirios com ou sem alucinagoes, da psicose, da parandia, da perversio ne- gligenciam o fato que Kraepelin ja delimitara: nao ha relagao entre obses- sao e delirio*; Bleuler, de sua parte, se deu conta de que trabalhava com * B interessante norar os diferentes quadros nosogrdficos aos quais os sintomas obsessivos cram ligados: a degenerescéncia (Magnan), a constituigao emotiva (Dupré), a neurastenia, as manias sem del{rio (Pinel), a monomanias raciocinadoras (Esquirol), a loucura de consciéncia (Baillarger), o delirio emotivo (Morel), a vertigem mental (Lastgue), as idéi as incoerciveis (Tamburini), a loucura da duivida (Falret), 0 delirio da divida (Legrand du Saulle), morbid fears (Beard), a doenga dos escripulos (Duguet), a monomania exal- tada, Wabnsinn (Griesinger), que dela faz uma obsessio com consciéncia, as pseudomanias (Delasiauye), a autodismorfofobia, a dismorfofobia (Pryse-Philips), o delirio dermatozdico (Ekbom), a ativude interrogativa (Minkowski), delirio de interrogacao (Capgras e Abély), __ delftio das negagoes (Cotard), delitio dos sensitivos (Kretschmer), etc, sem esquecer o _ telatério importante de Picres et Régis, Les Obsessions et les Impulsions, ob. cit., ou PB Les Obsessions et la Psychasthénie, Alcan, 1903. peli i» New York, Arno, 1976. ay O inferno do dever doentes que se revelavam esquizofrénicos*; Schiff se empenhard em r trar as diferencas essenciais entre a obsessio ea parandia‘; Abély disting, com exemplos decisivos os esteredti pos da obsessio’ ; Guiraud atestard, m estudo importante, que a obsessio munca passa para a alucinagao®. Em ce, tos casos de alucinages visuais, como aquela de que fala a propésito de Pascal, Freud dird, j4 em 1895, que se trata de obsessdo traumatica que deve ser ligada & histeria”. Henri Ey retomard essa observa¢ao bem mais tarde*, A contribuigao essencial da psicandlise foi revelar as fungées dos sin. tomas obsessivos: séo mecanismos de defesa intrapsiquicos. Freud os faz perder seu carter estranho e sua ininteligibilidade; vai inclui-los no quadro das psiconeuroses de defesa. As defesas tem sua origem numa neurose infan- til. Gragas a esse esclarecimento, a interpretabilidade da ncurose obsessiva se tornou possivel. : Com efeito, em 1894, Freud criou, ao /ado da histeria, uma entidade — nosografica nova: a Zwangsneurose. Nessa data, a neurose obsessiva é definitivamente extraida do grupo confuso e controvertido das monomanias. Os contemporaneos de Freud no ficaram na sombra. A ambivaléncia deles para com 0 mestre criou alguns conflitos importantes, com conse- giiéncias por vezes draméticas. Se Freud se volta para 0 aspecto positivo dessa neurose, para Janet 0 distirbio é negativo e fundamental num doente com aces “de ordem inferior’. * E, Bleuler, “The Theory of Schizophrenic Negativism”, The Journal of Nervous and Men- zal Diseases, Publishing Company, New York, 1912. * P Schiff, “Les paranoias et la psychanalyse”, em Revue francaise de psychanalyse, Pats PUE, 1935, pp. 44-105. * X. Abély, “Les Stéréotypies”, Mémoire, Toulouse, 1916. “ B Guiraud, “Analyse des symptémes stéréotypic”, em Lévolution psychiatrique, 2° Vols ne 4, novembro de 1936, pp. 269-270. *'S. Freud, Resumo por Freud de sua conferéncia sobre “Mécanisme des représentations de contrainte et des phobies”, em CEuvres completes, Psychanalyse, III, 1894-1899, Pats PUE, 1989, p. 81 ¢ p. 83 * H. Ey, P. Bernard, Ch. Brisset, Manuel de psychiatrie, Patis, Masson, 1978, p. 497: 0 leitor poderd ainda se referir & bibliografia detalhada ¢ ao notivel trabalho de sintes Publicado por R. Girard, “Les obsessions avant Freud”, em Confrontations psychiatrique n° 20, Paris, 1981, pp. 11-30, Freud e seu ensino e Digna das tcorias cognitivistas atuais, que falariam de “postulados perfeccionistas”, sua perspectiva é resolutamente comportamentalista’, a0 mesmo titulo que serd a de Lobo!, defensor incondicional do “tratamento moral”. Seu trabalho de 1903 € 0 primeiro a dar uma descrigao clara e coerente das obsessées ¢ das compulsdes; mas qual é 0 quid da causalidade para a qual Freud se inclina? Para Janet, as ideias fixas estao ligadas a delitios passageiros que j4 se encontravam nas pitonisas, nas sibilas, no tripé sagrado de Delfos, depois nos possufdos pelo diabo, nos misticos, que ele chama de “extdticos” € aos quais consagra um importante estudo™, Para mostrar que 0 médico deve se encarregar do “tratamento moral”, chega a se referir a Shakespeare, que, no século XVII, com o drama de Lady Macbeth, magistralmente colocou em cena rituais obsessivos, idéias de assassinato ¢ remorsos, as m4os manchadas de sangue. Conyido o leitor a se reportar a esse interessante quadro ao qual um bom ntimero de nossos contemporaneos adere'?, numa confusdo total entre sintoma e estrutura. Mas Janet estaria de acordo, e isso me parece essencial: “O histérico nao tem apenas impulsos, ele atua’ |...) atua seu sonho [...] algu- mas veres chega ao crime... ¢, se nao ¢ bem-sucedido, é por causa de sua falta de jeito e de sua falta de percepeiio da realidade”. Mais adiante, actes- > obsedado “tem um centa o que foi profusamente demonstrado depoi medo atroz de ser arrastado a cometer um crime. Ele pede, suplicando, que seja protegido de si mesmo [..1], ele nunca faz: nada, a0 menos na grande maioria dos casos”, Janet dir que nunca observou um acidente real, mas, antes, fendmenos inversos de paralisacao e de inibigao ou de insuficién- cia, Para ele, o obsessivo é um yerdadeiro enigma’: sua mente ¢ apenas > CE, em particular, P Janet, Les Medications psychologiques, Paris, Alcan, 3 tomos, 1919 R.A, Lobo, “Les thérapeutiques comportementalistes dans le traitement des névroses obsessionnelles”, tese, Paris, 1973. "P Janet, De Vangoisse 4 Vextase, 2 volumes, Paris, Alcan, 1926, ” Observemos aqui que os critérios diagnésticos, ja bem situados por Janet, serdo escrupu- losamente retomados no Manuel diagnostique et statistique des troubles mentaux, dio DSM III, Paris, Masson, 1984. Esse manual é hoje usado como referéncia maior. Janet, Les Névroses, Paris, Flammarion, 1903, p. 36 (° grifo meu). “ Ibid., pp. 347-348. ” Thid., p. 349. a O inferno do dever um instrumento de tortura. E terminard por concluir: “Algumas vezes, cles S40 psicdlogos, gostam sobretudo da filosofia ¢ se tornam terriveis metafisicos”; assim, podem “deixar tudo pra Id [...], renunciar a tudo”!®, Como Pujol e Savy sublinharam, “embora a obra de Janet tenha sido carac- terizada como uma psicologia dinamica por Schwartz'’ , sua perspectiva se situa aquém de uma verdadeira psicogénese”". Com efeito, Janet sempre se recusou a admitir a contribuigao freudiana do sentido do sintoma, a nogao de conflito e de recalque, indispensaveis para conceber uma psicogénese. Para Freud, a questo nunca serd a degencrescéncia mental, mas um conflito entre duas instancias psiquicas, duas energias. A teoria freudiana é dindmica de safda. Hoje, estamos suficientemente familiarizados com 0 inconsciente para admitir sem dificuldade, com Sutter”, que o neurético se engana € nos engana para melhor chegar a se enganar. Mas nem sempre foi assim. Em 1932, Adler falava da “ma-fé”?” do obsedado. O que o levou a juizos de valor reveladores de sua verdadeira aversdo pelo obsessivo. Nisso ele fez escola. Foi o primeiro a enunciar esse movimento de rejei¢ao que jd vemos perfilado nos classicos. Essas assergoes, por vezes das mais contest4- veis, talvez nao sejam estranhas ao freio que sofreram os trabalhos com sujeitos obsessivos até Lacan, Sem aderir as teorias de Baruk, concordemos com ele que “a idéia de fazer um outro pagar em seu lugar satisfaz plenamente o egoismo. Em uma palavra, a no¢ao de bode expiatério constitui um dos aparelhos de defesa ' Ibid., pp. 356-357. "'L. Schwartz, Les névroses et la PUB, 1955. *R. Pujol eA. Savy, “Le devenir de 'obsédé”, em Ray neurologic de langue francaise, LXVIe de 1968, Paris, Masson, 1969, p. 90, 1M, Suttet; “anticipation psychasthénique de Vobséde ris, Pfizer, 1976, p. 20, "A. Adler, Religion et psychologie individuelle comparte, Paris, Payot, 1958, Toda a obra é convincente. Psychologie dynamique de Pierre Janet, L., E, Thomas, Patis, »em Rapport du Congrés de psychiatrie ede session, Clermont-Ferrand, 16-21 de setembro "na revista Vapewrs, n® 2, Pax seguido de La Névrose obsessionnelle, Freud ¢ seu ensino ee mais poderosos da indoléncia ¢ da covatdia e é por isso que seu sucesso é tao grande ¢ sua persisténcia tao tenaz”" Em 1932, Freud poe Adler e sua “psicologia individual” no mesmo saco que “a loucura [que] nao pede mais uma razao como explicagao [ nao € reconhecida a ciéncia por suas sutilezas [...] quer ter solugdes simples considerar os problemas liquidados””. Abraham, de sua parte, insistiu muito nas relagdes da neurose obses- siva com a melancolia”. Por outro lado, estudou em detalhes o caracer anal nessa neurose, de um ponto de vista clinico € tedrico™. Depois de Jones, exp6s dois aspectos narcisicos importantes do prazer anal na primeirissima infincia do sujeito futuro obsessive: 0 contato com os excrementos ¢ 0 prazer do dominio das fungoes excrementicias. Por fim, mostrou as rela- goes estreitas da analidade com a posse®*. Todavia, nada veio transformar os dados fundamentais trazidos por Freud Quanto a Ferenczi, ele “se tornou, apesar de si, vitima de sua cria ivi- dade e de seu estilo, bode expiatério de todos os conformismos pés- freudianos”°, Freud nao conseguia tolerar a pratica de sua “técnica ati Sabourin sublinha a modernidade das teorias de Ferenczi sobre a insistén- cia do desejo do Outro, a mae, no caso” 21H, Baruk, Pychiatrie morale expérimentale, Paris, PUF, 1965, p. 250. 2§. Freud, “Eclaircissements, applications, orientations”, em Nouvelles conférences dinsroduction a la psychanalyse, trad. franc. R. M. Zeitlin, Paris, Gallimard, p. 191 3K, Abraham, “Mélancolie et néyrose obsessionnelle”. Deux étapes de la phase sadique- anale du développement de la libido", em CEuvres completes, trad. franc. 1. Barand Grin, 2 volumes, tomo 2: Développement de la libido, Paris, Payot, 1996, pp. *K. Abraham, “Contribution 4 la théorie du caractére anal”, ob. cit., pp. 314-331 %K, Abraham, ob. cit., pp. 324-325: “Lembro o exemplo de um rico banqucito que ensinava seus filhos a prender 0 maximo possivel antes de ir 3 privada a fim de tirar 0 maximo proveito possivel de sua custosa alimentagio [...]. Mencionarei 0 caso de um sovina excénitico que andava em casa com a braguilha desabotoada a fim de que seus botées nfo se gastassem muito rdpido...”. 2 P Sabourin, “Vizir secret et téte de Ture”, prefacio do volume 4 das Euures completes de S, Ferenczi, Paris, Payot, 1982, p. 10. ” Cf., em particular, Ferenczi, “Confusion de langue entre les adultes et l'enfant”, em Pychanalyse, Ewvres completes, 1927-1933, trad. pela equipe do Cog Héron, Paris, Payot, tomo 4, p. 132; “.. a crianga, desde sua mais tenra idade, se torna o lugar cletivo do sadismo inconsciente de seus pais [...] a ternura ¢ a sensualidade da crianga por vezes se chocam com respostas do adulto de movimentos passionais ¢ de erotismo sedutor, ou perverso”. Eo que Freud afirma sem hesitagao a propésito de Leonardo da Vinci, 24 O inferno do dever Hoje, a tendéncia, pés-freudiana ou lacaniana, a levar essa neurose na diregao dos estados-limites ¢ forte, Constatagao de fracasso? Dificuldade de diagnéstico? F raro que se possa resolver uma problematica fechandowa num bat. Lacan mostraré com firmeza, desde seus primeiros semindrios, que € preciso se proteger dessa associagio psicose-obsessio. Com efeito, Freud havia extrafdo coisa completamente diferente da observacao do neurdtico obsessivo, Para ele, a tealidade ¢ ocupada por um agente cuja ou cujas agresses deve incessantemente rechacar. O obsessing nao ¢ perseguido, esperado, espiado. Ele € asialtado por uma quantidade de pensamentos importunos e dolorosos; 0 observador vé apenas os efeitos des- se conflito permanente. O mundo o vé gesticular, ¢ tudo. E, segundo a forma como percebemos ou nao 0 que o faz assim se debater, atribuimos | sentido ou falta de sentido a essa conduta. Ela seré racional, legitima ou absurda ao olhar exterior. No discurso do obsessivo, Freud descobriu a coexisténcia de dois componentes antagénicos que insistem muito particularmente: um mun- do ingénuo, puro, ¢ um mundo impuro, corrompido; © primeiro fica as voltas com o segundo, que o parasita, que Ihe cola na pele, penerra-o. O vocabulério do sujeito revela a tentativa de arrombamento exercida pelo mundo infectado. Cercado, o obsessiyo nada teme mais do que a bre- cha por onde alguma coisa indefinivel, nao controldvel se introduziria em sua economia, cujo fundamento é a homeostase A desproporcio entre as medidas defensivas, tirdnicas ¢ 0 carter vago do agente ameacador foi freqiientemente observada. © obsessivo & seme- thante a uma fortaleza formidavel que monta guarda a beira de um deserto. Mas s6 uma coisa conta, s6 uma é essencial: a fortaleza’® . A propria expres- sao “psiconeurose de defesa”, utilizada por Freud desde 1894, coloca em destaque 0 esforgo do Sujeito para rechagar, afastar, manter a distancia Embora reconheca essa situagio absurda, o obsessivo Quixote estava louco; migo real. Nao é 0 ca insensato ¢ que se jul a assume, Dom lutava com moinhos que considerava como um ini- s0 do obsessivo, que sabe que se conduz como um G4 com uma /ucidez das mais cruéis, Ele nao cede a va] € particularmente destinada a |...) atenuar a inten- en psychanalyse” (1948), em Berits, ob, cit p i a 25 Freud ¢ seu ensino nenhuma complacéncia para consigo, Em outras palavras, nao se dd ne- nhum presente? . Por qué? Porque a energia de desespero que cle mobiliza e que o empurra ao desafio s6 visa a0 vazio, Qual € 0 conflito que desencadeia os mecanismos? “O desenvolvi- mento do eu precede o da libido”®, escreye Freud. O isso arcaico propoe uma politica pulsional inaceitével para um eu evolufdo ¢ um supereu mui- to exigente; hd desarmonia entre as instancias psfquicas. Antes de Freud, nenhuma explicagao causal tinha sido fornecida. E em 1894, a partir da neurose obsessiva considerada como o tipo privilegiado de afecgao psicoldgica, que Freud modifica sua concepgio da histeria e das neuroses em geral”* Ele mais tarde admi compreender = ¢ 0 é bem menos ainda que um caso de histeria’ ird “que uma neurose obsessiva nao é muito facil de O que é que o levava a isolar esse modo neurético? Em 1895, apresenta uma distingao radical entre o que chama de “0b- sessoes verdadeiras’”? referem a mulheres. , ahisteria e as fobias. As observacoes que ele relata se ® Lembremos aqui um mondélogo do personagem central do admiravel romance de E Kazan: “Eles nao podiam me matar, fossem quantos fossem, com seus desejos, c tes ou inconscientes, nem com sua indiferenga. Porque o tinico que tinha o poder matar € que podia me matar era eu (...]. De alguma maneira invisivel, mais silenciosa, mas também mais mortal e mais terrfvel [...] era auto-assassinato [...] eu Ihes disse que € devia forgosamente encontrar uma catdstrofe que me salvasse [...] eu me bo e contemplei meu rosto durante um bom tempo, O rosto de meu inimigo... eu havia feito o que inconscientemente desejara. Havia entrado num caminho sem volta’, em Arrangement, trad. francesa F, M. Watkins, Patis, Stock, 1987, p. 204 »S. Freud, “La disposition 4 la névrose obsessionnelle, Une contribution au probléme du choix de la névrose”, em Névrose, psychose et perversion, ob. cit., p. 196. »!'S, Freud, “Les psychonévroses de défense. Essai d’une théorie psychologique de I’hystérie acquise, de nombreuses phobies et obsessions et de certaines psychoses hallucinatoires” (1894), em Névrose, psychose et perversion, Paris, PUB, 1973, pp. 1-14. “O estudo de um certo ntimero de doentes nervosos atingidos por fobias € obsess6es [...] me permitiu adivinhar com sucesso (...] a origem de representagies patoldgicas da mesma espécie [.J;a observacio de meus doentes culminou numa contribuicdo para a teoria da histe- tia, ou antes, numa modificagao desta”, p. | (grifo meu). *S. Freud, Cing psychanalyses, ob. cit., p. 200. » S. Freud, “Obsessions et phobies”, ob. cit., pp. 22-26 (° grifo meu). 5. Freud, “Les psychonévroses de défense”, em Névrose, psychose et perversion, ob. cit., pp. 9-10, E sobretudo em “Obsessions et phobies” (ibid.), onde, em onze casos apresen- tados, oito sao de mulheres ¢ um ¢ indeterminado. ascien: de me poiei no lava 26 O inferno do dever Em 1896, Freud ainda esté atrapalhado, na elaboracao do Edipo, por sua teoria do trauma ¢ da sedugéo. Nas experiéncias sexuais vividas, nao se trata mais de passividade, mas de participagao ativa, sentida com prazer, Com freqiiéncia se esquece o que vem depois no texto freudiano: “Mas nao posso ainda dar uma apresentagéo definitiva precisamente no que se refere iva; simplesmente tenho a impressao de que 0 A etiologia da neurose obs ponto decisivo [...] depende das relagdes temporais no desenvolvimento da libido”, Af Freud chega, portanto, & questo essencial: qual é a natureza dessa realidade na qual o sujeito vai encontrar 0 elemento desencadeador da neurose obsessiva? Ora, embora em plena elaboragao apreenda o meca- nismo das formagées da neurose, ele nfo se aprofiunda na causa. Num primeiro periodo, sobrevém acontecimentos que so portado- res do germe da neurose ulterior. A sedugao s6 tem efeito traumatico apres ios tempos, em diversos momentos da histéria do coup. Portanto, é em sujeito que aparecem acontecimentos ou fatos psiquicos patégenos. Assim, nao é surpreendente encontrarmos, em 1896, contemporaneo da teoria da sedugao e enredado com cla, um esbo¢o evolutivo da pré-histéria da neuro- se obsessiva em quatro fases. Trata-se de situar os acontecimentos que o sujeito atravessou — ou que o atravessaram — antes que aparecesse a neurose constitufda. Nesse texto aparece essa idéia em Freud: um acontecimento sexual, pré-sexual, sobrevém num sujcito que, por causa de sua prematurasio, ¢ ainda incapaz de emocao sexual propriamente dita ¢ néo pode integrar a crianga pe- Como a experiéncia nos ensina, em sua prematura quena nao se distingue do mundo como objeto. Ela é a mae, 0 seio que a nutre; ela ¢ Toda. O que se passa no vivido dessa infancia? Ela é “um lugar temporal no qual certas experiéncias [...] produziram smpressdes que deixaram rastros inapagaveis [...] e quando se fala, com Freud, de rastros inapagaveis produ- zidos durante experiéncias de prazer nao se trata simplesmente de materiais inertes”’, Essas primeiras percepgées estao ligadas a das Ding, a Coisa’ , cujas vestes a mae, na neurose obsessiva, sempre portard. O que Freud cha- ma primeiro de fremde Hilfe (ajuda alheia) apenas alivia uma tensao, intro- duz 0 sujeito no simbélico; ela satisfaz a demanda, criando um estado de desejo, Esse individuo compassivo ser4 chamado por Lacan de Outro pri- mordial. De jeito nenhum é um semelhante. 7 Como mostram néo apenas Freud, mas também numerosos autores depois dele, inclusi ve € principalmente Lacan, que disso fez 0 eixo de seu trabalho de 1936, jé citado, La famille, de seus seminarios, “La relation d’objet et les structures freudiennes” (1956- 1957), inédito, ¢ “Le désir ct son interprétation” (1958-1959), inédito, * M. Dayan, “Linfantile et la remémoration”, em Psychanalyse & l'université, dezembro de 1980, tomo 6, pp. 9-10. Freud havia definido o rastro de memédria desde 1895, “Esquisse d'une psychologie scientifique”, em La Natssance de la psychanalyse, Paris, PUP, 1973, p. 315: “.., a memoria é representada pelas facilitagbes entre os neurdnios’. ® Lacan fer de a Coisa (das Ding) 0 objeto de amor primeiro, a mae, 0 Outro primordial ao qual a libido fica fixada. = ; ; es O inferno do dever Toda a teoria freudiana do sistema percepgao-consciéncia ¢ da méria gira em torno de uma sucesso de inscrig6es. Na carta de 6.12. 1g a Fliess, Freud fala de percepgao; ¢ a impressao do mundo exterior, br original, primitiva, efetivamente inserita, alguma coisa que constitui signg ¢ que é da ordem da escrita. “A defesa patolégica é dirigida apenas contra gy rastros mneménicos ainda nao traduzidos e que pertencem a uma fase gy. terior”, A fase dita anterior é marcada, aprés-coup, pela inacessibilidade do objeto sitwada no principio, quando a crianga é privada de algo real. Ora, cabe por em dilvida essa assergao na neurose obsessiva. De 1895 a 1930, com Mal-estar na civilizagao, Freud opés principio de prazer — processo primdrio — ¢ principio de realidade — processo secun- dério, Ble postula que, na busca da satisfacdo, o princfpio de prazer conduz a alucinar 0 objeto que falta. Esse processo é alterado no caminho da new rose obsessiva, na medida em que a primeira satisfagao foi muito intensa, marcada de letalidade. O obsessivo evita o caminho para trés, 0 que o leva: ria para a satisfagao completa. As resistencias nao bastarao para isso. A forga primordial da neurose obsessiva nao é uma tendéncia a repro- duzir, mas a evitar 0 que foi. Na hipotese de 0 Homem dos lobos ter sido testemunha da cena originéria, ele foi ao mesmo tempo testemunha da repeticao do ato que esteve na origem de sua concepgao. Dai a viver como espectador excluido, como agente... Como passar ao lugar de agente? O sujeito s6 dispde de meios muito limitados para simbolizar o que se dé a ver € para sair desse campo de passividade no qual ele vai manter 0 Outro. O Homem dos lobos esta em posicao de ler 0 que nao é engodo — nao esta na hora” —, questao essencial, problematica, tenaz ¢ insistente para ele. Se a conduta da histérica tem como objetivo recriar um estado centrado no objeto como suporte de uma aversao, de uma insatisfagao Para 0 obsessivo o objeto é considerado como tendo trazido prazer demais: ue Sempre se vira para evitar o objetivo eo fim de seu desejo, Nele, 0 modo de funcionamento do principio de prazer ¢ evitar todo excesso. O prinefpio de WS. Freud, “Letee n° 52, du 6 décembre 18 ob. cit, p. 154. ( grifo meu), s leurree | 96 a W, Flies”, em La Naisance de theure no twecho lire ce que nest pas lewrre — Uheure. (N s da organizagao da objeto 4 distancia; A clinica mostra que a inibigdo!! tem um lugar importante na neu- rose obsessiva. Em 1895, nao hd ainda além do princfpio de prazer na teoria freudiana. A questéo do trauma é posta quando a inibigao falha como defésa do eu contra os processos primdrios, contra 0 aumento das tensoes. O enlagamento entre inibigao, trauma e aprés-coup € indispensavel para compreender como a inibicao culmina no conflito das vontades posto em televo sobretudo no fim dos procedimentos de figuracao do sonho'? . Freud pode mostrar que é porque o objeto falta que hd simbolizagao e subjetivagio. Nos primeiros momentos de sua vida, a crianga aprende a diferenciar suas impressoes. E provavel que a primeira distingao feita seja entre as fm presses nas quais ela pode confiar e as impressdes estranhas. A qualidade inabitual é sentida como perigosa. As provisdes narcisicas sio esperadas do que é conhecido. As partes da mae que sao conhecidas ¢ proporcionam con- fianca séo amadas. Reconhecida como um todo, ela se torna o objetivo simultaneo de necessidades eréticas € narcfsicas indiferenciadas. E assim que a mae se vé em posse de um poder muito particular de exercer uma influéncia. Menino ou menina, a crianga fica ligada a seu primeiro objeto de amor, a mae, que a fara sofrer algumas frustragdes; assim ela podera, mais "Uma das etimologias latinas da nogao de inibigéo encontra sua origem num vermo téc- nico de marinha que, nos tempos de galera, tinha um sentido muito preciso. /nhibere signfcava:remar para rds, remar em sentido contrério. Q substantivo inhibivo designava remar em sentido contrério, at indica nao apenas uma a O inferno do dever tarde, Ihe dedicar algum édio. Mas verdadeiramente poderd? Porque 0 amor pela mae continua dominante durante a primeira fase infantil... e depois, ‘A mie, aparentemente, deveria ser “a primeira proteao contra a an guistia”’> No entanto, ela serd a causa mais poderosa da angiistia na estry- tura obsessiva. Porque é a demanda do Outro primordial — a mae ~ que faz a funco anal do excremento entrar na subjetivacao da crianga. Essa parte dele mesmo que o sujeito tem algum receio de perder é ainda mais valoriza. da porque satisfaz 0 capricho do Outro; ela simbolizard a castrag40 como tal, “Convém lembrar que é na mais antiga demanda que se produz a iden- tificagdo priméria, a que se ofecua pela onipoténcia materna, isto é, aquela que nao apenas faz a satisfagao das necessidades depender do aparelho sig- nificante, mas também as fragmenta, as filtra, as modela nos desfiles da estrutura do significante”™. Lacan observa que a neurose obsessiva tem uma relacio privilegiada com o que “hé de escrita original na questao do significante”’. a pa pe VAwenir d'une illusion (1927), t J. Lacan, “La direct 1a Hection de la cure et les principes de son pouvoir”, em Herits, ob. cits P J, Lacan, séminaite, Li ee ‘minaire, Livre IX, 1961-962, “identification” ee trad. franc. M. Bonaparte, Paris, PUB, 1973,P: , ligdo de 6 de dezembro de Capitulo 4 Bindrios objetais e pseudotriangulacao E comum ouvir dizer que a primeira relagao mae-filho nao ¢ triangular Ora, a partir do momento em que a questio é 0 filho, antes mesmo que cle nasca, Ad triangulagdo. Depois do que, é essencial que 0 sujeito, que se coloca a questao de sua existéncia, encontre o pai na palavra da mae. O desejo da mae toma sua significagao fora da crianga. O envelope do nao do pai terd dois enderegos: o da mae ¢ o do filho. Na disposigao obsessiva, o pai estd presente na palavra da mée, que pouco caso dele. Ela nega esse pai, seu esposo, ¢ até mesmo sua existéncia; ¢, simultaneamente, 0 pai simbélico, suporte ¢ referente da lei para o filo O papel do pai é atenuado pela pouca consideragao que sua mulher tem por ele, mas e/e existe. Entretanto, o filho sabe que nao tem que intentar set 0 falo imagindrio da mae. Entao, ele vai permanecer, num semblante congelado, esse objeto de morada protbida num lugar que a mac lhe assina- lou; o lugar da falta materna. O filho, que a mae possui como objeto causa do desejo dela, se considera como a causa do afastamento do pai pela mie. Ele sabe que tem alguma coisa a ver com esse assunto obscuro. As interdigGes sao, em princfpio, enunciadas pelo pai. Ora, estamos lidando aqui com interdigoes formuladas pela mae. Por que nao dar aten- G40 a isso? Por que deverfamos ficar no fato de que a mae é tida como veiculadora das interdig6es do pai, numa sociedade em que, hoje mais do que nunca, os pais falam a mezza voce e em que a monoparentalidade toca macigamente as mulheres? Os pacientes o dizem: “A lei de minha mae”. yo permanecerd sujeitad “Tu desejards api meu desejo”. 7 Ja que ela nao reconhece o pai como podendo satisfazé-la, como 9 filho poderia reconhecé-lo capaz de sarisfazé-la? Um homem néo pode satis. fazer uma mulher, Um homem que nao é detentor desse objeto, o falo, ¢ um homem fraco. Uma mulher nao poderia satisfazer um homem, porque nao é detentora do objeto que pode causar seu desejo. A mae mantém a relagao com seu filho inscrita no registro do imagindrio, Mas, contrariamente ao perverso ou ao fetichista, o filho renunciarg a sua identificagao primeira e forgosa com 0 falo imagindrio materno, Q lho nao € reaimenteemmmrmone ss inde nao deixard de siguiticnlo a ele Na homossexualidade', a mae é vivida como fazendo lei para o pai; casal sem terceiro. De jeito nenhum ¢ esse o dispositivo na neurose obsessi- va — ainda que estejamos diante de uma mae-senhor ou senhora. E uma mae de forte componente peryerso, intrigante, perturbadora, exigente, in- satisfeita, tomada pelo desejo de destrutr 0 desejo do outro, do semelhante’. O pai nao tem o poder de, por alguma intervengao, desassujeitar seu filho da manta (a amante)* . E nao acha necessdrio. Ora, éa fungao paterna que autoriza 0 sujeito a advir como tal. Menina ou menino, é para o pai que o filho vai se voltar para se desassujeitar. Para um pai que, embora nao permi- ta que a mulher faca a lei para ele, nao pode fazer a lei para sua mulher. A atitude ambigua de observador trangililo e passivo de um pai-que-nao- quer-saber-de-historias faz da esposa uma mulher que geralmente nao leva em nenhuma conta suas interdicoes, de tanto que sua voz é fraca. O pai deixava rolar muito “trangiiilamente” com a mie do pequeno Hans’. Este *S. Freud, “Sur la psychogendse d'un cas d'homosexualité féminine” (1920), trad. D ineau, em Névrose, prychose et perversion, ob. cit., pp. 245-270, © 0 imagindrio de muitos se compraz em buscar peri : s da histeria freqtientemente negligenciaram o ¢ versio no obsessivo, ¢ em vaio, 08 ez un petit gargon de cing ans”, em Cing psychanalyse i 45 Bindrios objetais ¢ pseudotriangulagao entao sé péde substituir o pai por um objeto, o cavalo, ele sim capaz de morder, O obsessivo, tal como 0 Homem dos ratos', nao substitui seu pai pelo capitao cruel capaz de infligir torturas, conformemente a suas fantasi- as? Objeto que lhe permite, entao, imaginariamente, suprit a caréncia da fungdo paterna, Nao podemos ignorar a imagem de sedutora perversa que a mae do sujeito oferece, sujeito que também poderia afirmar: “Sou perseguido pelas Erinias de uma mae”. Por que Freud rejeitou a id¢ia de que uma mie possa nutrir senti- mentos de hostilidade com relagao a seu filho? Ele também nao podia acei- tar que um menino pudesse estar habitado por votos de morte com relacao asta mae. Do lado da menina, em contrapartida, nao viu nenhum incon- yeniente. No entanto, é uma mae quem decide fazer de seu filho um objeto sobre o qual exercer seu poder absoluto. O nome do pai ea lei esto no centro do complexo obsessivo. Se os atos do pai so desqualificados ou ignorados pela mac, o filho, identifican- do-se com ele, s6 pode tomar-lhe emprestados tragos desprovidos de senti- do. O sentimento do servilismo, da inépcia para o trabalho de um pai, desenvolve no filho pendores para realizar ritos incompreensiveis, estéreis € que nunca terao yalor de ato. O pai tem tendéncia a teagir de maneira hostil ao fato de nao ser portador do objeto que satisfaz a mae. Freqiientemente, nao para de abor- recer ¢ humilhar esse filho, menino ou menina, proximo demais da mae. é a mae que segura o filho; e de jeito Ele comete um erro quanto ao agente: nenhum é questao de sexo, mas de imagem e de completude gracas a um objeto que ela tem a disposicao para um jogo de tolos. A mae se opde a toda interyengao do pai. * S. Freud, “Remarques sur un cas de névrose obsessionnelle (Lhomme aux rats)”, ob, cit., pp. 199-261; ¢ L’Homme aux rats, Journal d'une analyse, trad. franc. E. Ribeiro Hawelka, Paris, pur, 1974, * © Stein, Les Erinyes d'une mere. Essai sur la haine, ob. cit., p. 24. : F oO inca A sexo ratio é perfeitamente respeitada. Seja qual for sey anatdmico, o filho esté no lugar de objeto-ersatz. O objeto ¢ assexuada; Ihe pode ser concedido nenhum valor de feminilidade ou de masculini de no lugar que lhe foi designado pela mae. Os obsessivos, embora freqiientemente estejam em excelentes rela. gGes com sua mie, sejam sensiveis as exigéncias das mulheres, com as quais eles encontram uma intimidade assexuada, estio, inegavelmente, em busea de pai. Nao o pai imagindrio, destinatario das reivindicagSes permanentes da histérica, mas um pai que saiba fazer respeitar a lei, terceiro realmente simbélico, apto a Ihes permitir um advento como sujeitos desejantes atta. vés de sua intervencio. Nao ha romance familiar obsessivo em que 0 sujeito nao se sinta esmagado pelo “privilégio” de ter sido entrevisto como “filho-que-serviu- para’, Nas questbes do desejo, mobilizadas pela Logica filica, esse privilégi inevitavelmente desperta na ctianga um investimento libidinal precoce. Do amor, com toda razao, ela duvida. Ela também naturalmente se fecha numa crenga que a designa para um lugar de objeto no qual a mae poderia encon- tar 0 que supostamente espera do pai. Toda ambigiiidade do discurso ma- terno pode favorecer a instalagio imagindria do filho num dispositivo de supléncia cuja visada seria a satisfagao do desejo materno. A ligica da organizagao obsessiva toma apoio nesse dispositive imagind- rio de supléncia. Convém precisar que nao se trata, nesse caso, de uma supléncia do objeto que causa o desejo da mae. Neste tiltimo caso, estarfamos em pre- senga de disposicoes propicias a eclosao de estruturas perversas, até mesmo psicéticas; essa confuséo manteve amélgamas por longo tempo. O objeto’ nao tem ser. Como poderia haver identificagao com o objeto a, jd que esse objeto nao tem imagem especular?? Se “cada um goza do inconsciente n& medida em que o inconsciente o determina”®, deve-se ficar atento a0 que © J, Lacan, séminaire 1973-1974, 1974. ” J, Lacan, séminaire 1962-1963, “Lanpoisse” * J. Lacan, séminaite 1974-1975, "RSI" ined, “Les non-dupes ertent”, inédito, ligdo de 9 de abril risse”, inédito, ligdo de 9 de janeiro de 1963: inédito, ligao de 18 de fevereiro de 1975+ Bindrios objetais ¢ pscudotriangulagao Freud apresentou como sendo o inconsciente. Nao temos acesso ao inconsci- “No plano libidinal, 0 objeto jamais ¢ apreendido a nao ser através do crivo da ente do outro. Desde os primeiros anos de seu ensino, Lacan observ: relacao narcisica”®. Como o sujeito saberia o que falta ao Outro a nao ser por um dado a ver ou a ouvir vindo dese Outro? O falo recobre © objeto a que s6 se pode — macho* = imaginar'. O Outro identifica sua falta com a crianga. O incesto é aqui posto em jogo pelo Outro primordial, a mae, um Outro que no ignora a interdicao; a crianga em sua prematuragao, nao sabe ainda. E.a mae quem identifica seu filho com 0 objeto imagindrio fllico. O filho sé é convocado, imaginariamente, a su prir a satisfagao do desejo materno na medida em que esta parece faltar & mae. Assim, veremos mais tarde, o obsessivo tende a se constituir como tudo para o outro, velando permanentemente para que 0 outro de jeito ne- nhum possa se apropriar de sua pessoa como objeto. ‘A mic onipresente, tomada pela preocupacao permanente de provo- car 0 pai na expressao de sua impoténcia, intenta manter seu filho na riva- lidade e na competigéo, Uma tal atitude materna pode inclinar a menini- nha nao apenas para se constituir como tudo para o outro, mas também a tudo controlar e dominar para que o outro de nenhum jeito the escape - num processo de identificacao com a mde-toda. Serd preciso que nada filte, porque, se alguma coisa viesse a faltar, entao a imagem do Outro nao teria 0 objeto que a menininha ¢ para o Outro materno. “Bu era tudo para ela’, diz uma paciente. Temos que retificar aqui: “Eu lhe faltava para que ela fosse Toda”. * J. Lacan, séminaire, livre II, 1954-1955, Le Moi dans la théorie de Freud et dans la psychanalytique, Paris, Seuil, “Le Champ freudien, 1977, p. 199 (tradugao brasileira: O eu na teoria de Freud e na tenica da psicandlise, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985, p 213}. * Em francés, méle, que é homéfono a mal (“mal”). (NT) J, Lacan, “Les non-dupes errent’, inédito, “o objeto a [...]. E um fato que isso se imagina [uJ com o que se quiser, isto é, com 0 que se suga, 0 que se caga, o que faz esse olhar, 0 que domina esse olhar (...] ¢ depois a voz”, ligo de 9 de abril de 1974 nique es O inferno do dever Uma mie fora da lei A neurose obsessiva se constitui em torno da castragéo da mae. 0 corpo da mae do futuro obsessivo se revela como um corpo do qual nenhy. ma “coisinha”!! pode ser separada. Ele éa coisinha. Na sua relacdo com 0 Pai, a crianga nao para de desenvolyer uma atividade continua e insistente nao para substituir o pai — estratégia do dispositivo edipiano —, mas convocar o Pal, OU seus representantes, parg que cle intervenha. Ela dele espera explicitamente uma intervengao em ye. lasao & mae, Nao para de convocar uma castracdo que ela poe em jogo, ¢ volta a colocar, e exibe: a da mae. O obsessivo tem necessidade de um Pai que the pareca pai e permanega como ral. Tem necessidade de se assegurar de que 0 lugar nao pode ser tomado de assalto, De fato, o pai estd em seu lugar, ea Prova reiterada tem como objetivo reassegurar-se da existéncia salvadora dy castragao, temperando assim a erotizagao incestuosa que a atitude materna induz ¢ na qual o sujeito estd inconscientemente prisioneiro, Toda mac tem um trabalho de luto a fazer apés o nascimento de seu filho. A mae do futuro obsessivo faz o luto do filho, nao 0 do érgio que cle representa. De imediato, o filho é alienado pela mae num engodo, jé que cle é para cla, sempre “significagao de outta coisa”. como Maud Mannoni sublinha. Para toda mae, o sonho ¢ primeiro o de fusio, O filho-fetiche nao vem preencher 0 vazio, jd que a relacao é fantasistica? O sonho ¢ puramente narcisico, O mal-entendido trdgico que se institui entre a mae € 0 filho vem de “Sutra coisa’, “O filho, destinado a preencher a falta em so da mae’, 36 tem como significacao existir para ela, nao para ele mesmo*'3 . Essas mies poderi- am ser “psicotizantes’, como sublinham Maud Mannoni ou ainda Piera Aulagnier, j4 que a lei, para essas maes, é uma lei perfeitamente pessoal, “de Pura conveniéncia individual?" , 1, S: Freud, “Homme aux loups’, em Ging prychanalyses, ob. cit, p. 389 i S M. Mannoni, LEnfant arritré et sa mere, Paris, Seuil, Le hamp freudien, 1964, PP: 6-67. i, bbid., p. 67 ( grifo meu), CF Piera Aulagnier, Remarques sur la structure Psychotique”, em revista La Prychanaby, a 2 me, eet 47-67, retomado em Un interprote en quéte de sens, Paris, Ramsay, Sobjetais ¢ pseudotriangulagao = Essas maes esta, propriamente falando, fora da lei, j4 que nao dei- xam nenhum lugar vacante para a intervengao de uma lei terceira que viria mediar a fusao entre elas ¢ 0 filho. Nao é 0 caso na neurose obsessiva, na qual, embora a mae se coloque fora da lei do pai, este nao falta ao chamado. Na neurose obsessiva, o filho serve 4 mae. Nao podemos dizé-la ver- dadeiramente falica, j4 que ela tem necessidade a0 menos desse objeto, o filho, para dizer ao pai que ele ¢ impotente, fraco. O filho é um meio, um érgao para a mae. Assim, 0 Nome-do-Pai de modo algum é foracluido; 0 desejo da mie permanece referido ao pai. Na psicose, existe uma complementaridade légica entre a reconstru- sao fusional ¢ a institui¢ao de uma lei pessoal. Jamais investido como sujei to distinto do corpo da mae — nao ¢ 0 caso na neurose— 0 filho permanece integralmente submetido ao poder absoluto materno. E porque o poder absoluto marerno reina que a fun lo paterna nao pode existir. Jamais es- tando o desejo da mae referido ao pai, o do filho fica circunscrito 4 mae sob modo imagindrio e arcaico bem conhecido: ser sozinho ¢ unicamente objeto do desejo do Outro, ser seu falo imagindrio. O psicético esta num gozo do qual 0 neurdtico se defende absolutamente, chegando a garanti sua impossibilidade. O Nome-do-Pai esta excluido “de sua posi¢ao no sig- Da- nificante”. Em tiltima instancia, o filho cativo dessa relagao fusion: toldgica sofrerd necessariamente de uma falha de filiagio. Capturado pela Tecusa materna da fungao paterna, jamais poderd ser reconhecido e defini- do como filho de um pai. Talvez nao haja melhor definigao do que Jacques Lacan entende por foraclusio do Nome-do-Pai. Nada disso ocorre na neurose obsessiva, embora sejam numerosos os autores que tentam hoje leva-la, alguns para o lado da psicose, outros para © da perversao, outros para o dos estados-limites. "J. Lacan precisa: “o ponto em que queremos insistir (..] €a importancia que ela dé a Palayra dele ~ digamos com clareza, a sua autoridade —, ou, em outras palavra que ela reserva ao Nome-do-Pai na promogao da lei “Nome isto é, 0 significante que, no Outro como lugar do significante, ¢ 0 significante do Outro como lugar da lei”, em “D’une question préliminaire & tout traitement possible de la Psychose”, em Ferits, ob. cit., pp. 579 ¢ 583. o lugar lo-Pai 50 O inferno do dever Tal como um heréi, 0 obsessivo sofre de um conflito épico entre lg do pai, que implica certos sacrificios, ¢ essa mesma lei (Ue, POF Outro lado, € preciso fazer fracassar do lado materno. Essa luta implacavel se deslocg Por miiltiplos objetos de investimento, contribuindo Para definir 0 per especifico da personalidade obsessiva definida sob o nome de Cardter ana)”, Embora ele s6 demande isso, a onipoténcia materna nao dé nenhy. ma seguranga para um filho, “nenhuma seguranga em sua atmosfera de nursery”. “[Para um obsessivo,] a questdo nunca é deitar com a Mae. Por qué? Decerto nao é por causa da crueza dos termos [...] mas simplesmente Porque essa expressao, que se cré resumir vulgarmente o Incesto, nao corresponde a verdade de sua experiéncia’*. O que ele div no diva? “Eu er a coisa dela’, “ela se servia de mim”, “ela nao tirava os olhos de mim”, “E como se ela encontrasse em mim a satisfacao do que nao encon- trava em meu pai”. O que é que a mae nao encontrava nesse Pai que teria Podido ou devido satisfazé-la? O agente do incesto nfo pode, de jeito ne- nhum, ser a crianga; esse conhecimento nao é inato! O verdadeiro né da situagao pode ser articulado de maneira um pouco diferente no texto de S. Leclaire: 1) mamée espera alguma coisa; 2) au Papai pode lhe dar; 3) que ele nao Ihe dé; 4) ela mostra a ele que eu poderia Ihe dar”, Ja antes de seu voto ser formulado, o filho imagina que é cumulado de favores pela mie — com efeito, é antes de mais nada disso que ele sofe Dése-lhe a imaginar e ele o faz. Ele é, segundo toda a aparéncia, jé que cla Ihe impoe essa crenca, o objeto eleito de seu amor, Ele nao vé de imediato que esse falso semblante é uma mensagem dirigida ao pai para além dele mesmo, filho-ferramenta, filho-fetiche. A histéria do obsessivo, contrariamente 4 da histérica, comega por uma satisfacao sexual precoce, dificil de reencontrar, E, lembremos, para a mae 0 sexo importa Pouco; o filho é um anjo. 1S, Freud, “Caractare et érotisme anal”, trad. D, Berger, P. Bruno, D. Guérineau ¢ E 1 OPP Enet em Merese,prychaeo Perversion, ob. cit, pp, 143-148 fi Sobre essa questao, as anilises de §, Leclaire, “Trois observations”, em Démasguerl rel ob. cit, pp. 119-188 : i" S. Leclaire, “Phy 9 Ibid, p. 153, 10” 2H obsessionnel et son désie, cin Deémasquer le réel, ob. cit. p. 152 — Bindrios objetais ¢ pseudotriangulagao 4 Ainda que o falo simbdlico, significante do desejo, tenha algum moti vo de ser na relagéo da mae com seu companheiro, aos olhos da crianga o pai aparece antes de tudo como privador ou castrador com relagdo & mie. Lembremos uma sesso na cura psicanalitica do Homem dos ratos. Ble esté com sua irma, eles trocam juramentos. Ele tem trés anos ¢ meio. Nessa sesso, Ernst evoca a masturbacio ¢ a representacao de seu membro cortado. Fica muito atormentado com isso: “Ele softia desejos ardentes de se masturbar [...] néo é uma sensacdo grandiosa? Para isso, poderiamos fa ret qualquer coisa — por exemplo, assassinar nosso proprio pail”. Segue-se seu medo de ser espancado: “Quando ainda era pequeno [...] seu pai o havia espancado; 0 homenzinho teria entéo ficado muito encolerizado ¢ teria injuriado seu pai”, Em outras palavras, a crianga nao aceita a inter- vengdo paterna como 0 que é: a expresso de um interdito. Em lugar e posto do temor ou da dor, éa cdlera que explode no garotinho. O pai reage de uma forma muito estranha. Surpreendido pelos arguments do filho, “vocé guardanapo, vocé lampada...”, 0 pai esquece seu lugar e se faz pitia: meu filho sera um grande homem ou um grande criminoso; em outras palavras o pai toma o lugar de uma mulher. O Edipo ¢0 momento em que o objeto do desejo aparece submetido 4 lei do Outro. E, pois, 0 momento crucial no qual hé a descoberta da relagao da mae com a palayra do pai. Ora, a crianga vé a mae questionar 0 poder do pai. Ela confunde o ser € 0 ter. Seu esposo nao ¢ grande coisa, se € que nao é nada, ¢ nao tem nada. O pai ideal é, a cada instante, posto em diivida pelo obsessivo, ja que, como dizia Kierkegaard, ele falhou. Toda a tragédia pessoal do fildsofo re- pousa num desfalecimento paterno que, para a crianga, teve o efeito de um “grande tremor de terra [...] uma atroz reviravolta [...], um erro que ia pesar sobre sua familia inteira”*’ . “Certo dia, Soren derruba um saleiro. O velho 2922.) entra em violenta célera e 0 trata como filho prédigo”™! S. Freud, L'Homme aux rats. Journal d'une analyse, ob. cit., pp. 105-107. 2S, Kierkegaard, Crainte et tremblement, em CEuvres completes, Paris, UOrante, 1972. * Cf M. Grimault, Kierkegaard, Paris, Seuil, “Ecrivains de toujours’, 1978. Curiosas pa- lavras, muito proximas das do pai de Ernst. al 52 O inferno do dever Ele vivia num lar austero no qual a mae era “apagada”. Ele nunea falou de sua mae. “Pui criado severamente desde a infancia na consideracgg de que a verdade deve padecer o sofrimento, ser ultrajada, insultada. Apreng} que a mentira, a baixeza, a injustiga dominavam © mundo”. De que ele falava? Soren admirava apaixonadamente seu pai. Por que esse siléncio rela. tivo & mae? Por que “sempre considerar4 as mulheres como criaturas infer}. ores, de reflexdo limitada’, mais que como seres instéveis € mentirosos, crj- ados para a perdigao do homem”™? Ele afirma “Eu nunca soube o que é sep uma crianga” e, num texto de 1848: “de um ponto de vista estritamente humano, eu nao vivi [...], minha infelicidade, consumada pela educacio, foi nao ser homem”. Que “segredo” o desencoraja de casar com Regina 03 “Eu nunca quis, porque ela teria se tornado minha concubina e eu entio ig mais é querer maté-la (..], ¢ onde cu teria buscado apoio quando eu sabia ou suspeitava que o tinico homem que cu havia admitado por sua grandera sua forca tinha vacilado?””. O que Soren associou a um imenso eremor de terra abalou seu desejo O obsessivo, como Kierkegaard testemunha na sua relacéo com Re- gina, intenta tomar, regressivamente, o lugar do objeto amado. Essa identi ficagao parcial regressiva com o traco undrio do objeto perdido nao tem éxito, jd que 0 gozo da Coisa, da mae, é fundamentalmente interdito. O trago undrio sustenta a coercao de repeticao. Com esse trago se acomodard toda visada narcisica do sujeito que se possa ligar a sua intra-subjetividade O ideal do eu ¢ uma necessidade estrutural, um momento essencial da identificagao do sujeito. No obsessivo, ele repousa numa identificagdo com um trago do poder da mie. A formagao dos ideais, uma das fungdes do supereu, que Melanie Klein fazia remontar aos estddios pré-edipianos — enquanto Freud dele faz o herdeiro do complexo de Edipo —, para 0 obsessivo rend como fundamento uma imagem feminina, a 3,5: Kierkegaard, Crainte et remblement, ob. ci. M. Grimault, ob. cit, p. 16 (+ grifo meu) aie ’ S. Kierkegaard, Ou bien, ou bien, “Diapsalmata’, env EBuvres completes, Patis, LOre® * Passou pela castragao, mas que foi aspirado para seu estado anterior de objeto, & evitar reencontrar seu estatuto de objeto. Bis 0 que vai selar seu destino. “Meu tinico objetivo & ser apenas a tinica coisa necessdria 4 minha mae”, diz Philon, o paciente de Serge Leclaire*. E a proposta tipica da histérica, na medida em que o agente é 0 préprio sujei- to. Um obsessivo nunca se prenderé a ser 0 objeto necessdrio ao gozo da mae. Essa perspectiva s6 pode engendrar a mais inibidora angustia. Um paciente, comediante de teatro, me disse certo dia: “Minha mae queria que eu fosse como meu pai: um criminoso de aluguel”. Filho imagi- ndrio de um homem imagindrio. Seu pai, um ebanista, tinha feito seu filho cursar a Ecole Boule. O dito filho sai dela... artista comediante... Isso teve ms conseqiiéncias; cle nao foi aceito sob 0 teto materno. De cidade em cidade, ele se produzia. “Hoje, sou um yelho adolescente”. Thécle tinha entao 43 anos e um grande talento. Culto, fino, de uma sensibilidade exa- cerbada, tinha casado com uma mulher, também atriz, muito conhecida do grande piblico parisiense... ¢ vinte anos mais velha. Estava tudo arrumado para respeitar 0 oréculo materno: “Vocé seré um criminoso de aluguel — amanha*”. No tablado, se apresentava cotidia- namente; tdbuas de madeira, material de base que outrora seu pai trabalha- va, COM suas proprias maos. O obsessivo entra, com sua espera, sua demanda ¢ suas necessidades, no campo do desejo da mae. Ela mesma é tomada nas armadilhas do cam- po de seu filho, que a solicita ¢ a quem ela maci¢amente impée sua insatis- facao. E uma das condigoes do curto-cireuito que funda a neurose obsessiva O desejo nascente da crianga se encontra assim, brutalmente, confirmado e, além do mais, satisfeito. A ctianga nao poderd mais demandar sem que surja esse desejo mor- tife.v e enganador, Nao ha mais uma parte da demanda que possa escapar ee s 2 S. Leclaire, Démasquer le réel, ob. cit., p. 158. _” Em francés, provavel jogo equivoco entre un homme de main (criminoso de aluguel/ a O inferno do dever & exuberancia fantas{stica do mais violento desejo”’, marcado com da perversio do desejo materno, aquele mesmo que pretendeu py seu filho e que buscou fazer com que ele cresse nele. Para o obsessivo, bém a demanda ¢ exclusivamente vivida sob 0 modo do desejo. O o| do desejo se torna, assim, substituto fantasistico da busca do ser; esta denado, por essa confusio, a ficar eternamente inacesstvel. F errado afirmar que 0 desejo do obsessivo ¢ atingido pelo im vel. O obsessivo pode inteiramente ter acesso a seu desejo: a cura anal disso testemunha amplamente. Em troca, por esséncia, 0 objeto € inacessivel ao sujeito, seja qual sua estrutura. O obsessivo sabe, melhor do que ninguém, que o objeto esd irremediavelmente perdido. Na cura psicanalitica, impossfvel e interdito estao, para o obsessive, confundidos, 0 que tem como efeito a impoténcia. Contrariamente ao que nao é raro ouvir, o desejo do sujeito nada | tem de ambiguo. Ele é insistente, até mesmo irritante pela precisdo. Sede | deseja caviar, nao aceitard salmao. Sera ow caviar ou nada. E aceitdvel que se 0 enfarpele com um desejo nao livre’? Deixemas | Freud falar: se seu desejo nao é livre, é porque seu desejo é ter um desejo néo lord O obsessivo busca ser reconhecido como sujeito; tal € seu desejo, cap- turado na armadilha do desejo do Outro, pelo qual ele deve passar. Quanto’ sua liberdade, ela é jogada num terreno totalmente outro. O obsessivo busca | | antes de mais nada, até mesmo arriscando perder sua vida, um reconhecimet= to do outro. Por via desse olhar do outro, sua imagem lhe ¢ reenviada. Quanto a seu estatuto de sujeito, ele duvida, ¢ com razao. O objet que cle é (que ele odeia*) s6 pode ser colecionado. Nao ¢ ele, por excelém cia, um colecionador? * Ora, “a demanda é feita para a satisfagao da necessidade, enquanto que a satisagao desejo é ter © objeto ~ 0 que nio se pode demandat”, J. Lacan, séminaire 1962-1 4 Eangoisse”, inédito, ligfo de 6 de maxgo de 1963, Nao me parece aceitével encarar seu desejo como “impotente quanto a recobrat autonomia ¢ seu valor mediador entre a necessidade ¢ a demanda”, nem afirmar: “el cle prolifera no grande sonho que ¢ sua vida”, em S, Leclaire, Démasquer le réeh 0B: _ P:163.A experiéncia mostra que o obsessivo é precisamente alguém que no st Pe * 4 “ Jeg entre quit ext “que cle ee gull hai, “que ele odeia’, (NT) = Bindrios Wis € pseudor O que o obsessivo busca destruir, se é que ele busca destruir? Para Melanie Klein, que identificou, como muitos autores, a rela- gao particular do futuro obsessivo com sua mie, é a crianga que busca destruir a mae. Ao evocar as necessidades epistemofilicas da fase de exa- cerbagio do sadismo, ela encontra, na crianga, tendéncias a “penetrar por arrombamento” o corpo da mae para destruir seu contetido” . Seu imagi- nario é muito rico em roteiros! Mas ela deixa de lado as intengdes mater- nas, Nisso ela foi amplamente seguida, Hoje, em numerosos centros, edu- cadores “observam”, durante horas, a crianga que € “deixada no tapete”, sob o olhar acompanhador ~ benevolente, por que nao? — de cameras de video”? na caixa negra? ngulagao se, as vezes, durante anos. O desejo da crianga é “penetrar a forga” Capturado na armadilha do interesse que busca suscitar, o infans vive aexperiéncia de prazer primeiro com sua mie. A uniao mée-filho teve como efeito separar este de qualquer outro desejo. Ora, nao hd desejo que possa se sustentar isoladamente. O obsessivo, cativo desse lugar, objeto-de-uma- paixao, esta fundamentalmente isolado de seu semelhante, ao qual, no en- tanto, serd preciso que tenha acesso para que seu desejo viva. Mas 0 outro é Pt. suporte de um desejo inrerdito — e nao “estéril”®’ ; a esterilidade une impo- téncia e imposstyel. O outro nao é um “objeto inanimado”. E claro que o objeto inanimado € 0 sujeito e que 0 que ele busca destruir, para além de mesmo, é das Ding, a mae, o indestrutivel. ® Sob a pluma dela encontramos essas observagbes curiosas: “Seu primeiro objeto parece ser o interior do corpo da mac [...] Querendo penetrar a forga no corpo da mae para se apoderar de seu contetido e destruf-lo |...]. Os desejos de conhecer o interior do corpo da mae ¢ de penetrar nele por arrombamento sfo assimilaveis entre si...”, em M. Klein, “Les rapports entre la névrose obsessionnelle et les premiers stades de la formation du surmoi”, em La Pychanalyse des enfants, tradugio franc. J. B. Boulanger, Paris, PUF 1978, p. 188 * Ver, por exemplo C.N.O.F, Informations sociales, Des bébes ‘efficaces’, n° 25, 1993 Paris. *! Nao podemos ficar na descrigao de S. Leclaire: “Nesse impasse, tudo ¢ valido para ctiar um outro imagindrio, suporte ilusério de um desejo estéril. Dar ao objeto inani- mado as aparéncias da vida, fazé-lo nascer, viver e morter, elegé-lo, mimé-lo ¢ depois destruf-lo, tal é 0 jogo derrisério ao qual [o obsessiva] esta reduzido”, Démasquer le réel, ob. cit., p. 164.

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