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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

OTÁVIO GILIOLI SPINACE

A BURGUESIA INDUSTRIAL EM CONFLITO: A TRAJETÓRIA DA


CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA ENTRE O NEOLIBERALISMO E
O NEODESENVOLVIMENTISMO

CAMPINAS
2019
OTÁVIO GILIOLI SPINACE

A BURGUESIA INDUSTRIAL EM CONFLITO: A TRAJETÓRIA DA


CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA ENTRE O NEOLIBERALISMO E
O NEODESENVOLVIMENTISMO

Dissertação apresentada ao Instituto de


Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas como
parte dos requisitos exigidos para a obtenção
do título de Mestre em Ciência Política.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Andréia Galvão

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELO ALUNO OTÁVIO
GILIOLI SPINACE, E ORIENTADA PELA
PROF.ª DR.ª ANDRÉIA GALVÃO.

CAMPINAS
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação, composta pelos Professores


Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 26 de março de 2019, considerou
o candidato Otávio Gilioli Spinace aprovado.

Prof.ª Dr.ª Andréia Galvão


Prof. Dr. Armando Boito Júnior
Prof. Dr. Wagner Pralon Mancuso

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema


de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Ciência
Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
A meu pai e meu avô.
AGRADECIMENTOS

A elaboração desta pesquisa contou com a ajuda de muitas pessoas, sem as quais
não seria exagero dizer que ela não seria possível. Cabe, por isso, reservar um espaço para
agradecer a todos que colaboraram nesse processo.
Agradeço, em primeiro lugar, à professora Andréia Galvão, pela atenção e apoio
dispensados na orientação deste trabalho, e por todo o conhecimento transmitido. A
professora Andréia colaborou não apenas em seu papel de orientadora, mas ao longo do
período de mestrado se tornou uma referência acadêmica que certamente terei daqui em
diante.
Agradeço também aos professores Armando Boito e Alvaro Bianchi pelos
comentários, sugestões e correções feitos na banca de qualificação. Depois de algum tempo na
Universidade, é comum colher relatos de colegas que passaram por maus momentos em
bancas. Definitivamente não foi esse meu caso, pois tive o privilégio de contar com a leitura
generosa de ambos ao meu trabalho. Quero agradecer também ao professor Wagner Mancuso
pela participação na banca de defesa.
Aos professores, colegas e funcionários do IFCH e da Unicamp que tornaram a
tarefa de elaborar uma dissertação um pouco menos difícil.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento
de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
À minha família, e em especial minha mãe, Ivone, e meu irmão, Murilo, por me
apoiarem em todos os meus objetivos, desde sempre, e me acompanharem em todos os
momentos.
A todos os meus amigos e amigas, que me ajudaram de inúmeras maneiras, pelas
quais não tenho como agradecer devidamente. Aos colegas de CMJ, Angélica e Carlos, pelo
convívio diário; à Cintia, pelas conversas mais do que agradáveis na reta final da pesquisa;
aos amigos de longa data Allan, Gabriel e Gustavo; aos amigos da História 011 e da
República Casa Nostra, que fizeram o tempo em Barão Geraldo se tornar muito mais
agradável; ao Gui, Goiano, Michel, Menini, Moralez e Viking, por terem me acompanhado
neste caminho e pela grande amizade construída ao longo desses anos.
E à Ana Luiza, por todo o companheirismo desses anos, e com quem tenho o
privilégio de dividir os melhores dias.
RESUMO

O objetivo da pesquisa é analisar a ação política da Confederação Nacional da Indústria (CNI)


enquanto representante do conjunto da burguesia industrial no Brasil, e seu posicionamento na
disputa entre neoliberalismo e neodesenvolvimentismo no período que vai de 1990, com a
posse de Fernando Collor, a 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff. Com grande
capacidade de formulação econômica, a CNI apresenta uma trajetória oscilante entre apoio e
rejeição ao programa neoliberal ortodoxo, defendido principalmente pelo capital financeiro e
pela burguesia associada ao grande capital internacional. Depois de inicialmente apoiar uma
agenda neoliberal nos anos 1990, os industriais se distanciaram gradualmente desse programa
e formaram uma frente política ampla e heterogênea com setores da classe trabalhadora. Essa
frente logrou vencer as eleições presidenciais de 2002, 2006, 2010 e 2014 com um programa
que procurava amenizar os efeitos da política neoliberal retomando alguns princípios do
desenvolvimentismo, sem, no entanto, romper totalmente com o modelo anterior. No primeiro
governo de Dilma Rousseff foi realizada uma inflexão em direção ao aprofundamento do
programa neodesenvolvimentista, que coincidiu com o afastamento da burguesia industrial
dessa frente, e resultou em uma crise política. Esse processo viabilizou a restauração do
neoliberalismo em sua versão ortodoxa, mesmo após a reeleição de Dilma em 2014. Nosso
intuito é identificar evidências que caracterizem o movimento pendular da CNI, através dos
documentos e formulações produzidos pela entidade e seus dirigentes, à luz da bibliografia
sobre classes sociais e da análise de sua ação política. Para isso, utilizamos uma perspectiva
relacional, que permita compreender a atuação da CNI através das relações de forças nas
quais a entidade está inserida.

Palavras-chave: Confederação Nacional da Indústria; Neoliberalismo;


Neodesenvolvimentismo.
ABSTRACT

The aim of the research is to analyze the political action of the Brazilian National
Confederation of Industry (CNI) as representative of the industrial bourgeoisie in Brazil, and
its position in the dispute between neoliberalism and neo-developmentalism, in the period that
begins in 1990, with the election of Fernando Collor, to 2016, in the impeachment of Dilma
Rousseff. With great capacity for economic formulation, the CNI presents an oscillating
trajectory between support and rejection of the orthodox neoliberal program, defended mainly
by the financial capital and the bourgeoisie associated to the great international capital. After
initially supporting a neoliberal agenda in the 1990s, industrialists gradually moved away
from this program and formed a broad and heterogeneous political front with working-class
sectors. This front managed to win the presidential elections of 2002, 2006, 2010 and 2014
with a program that sought to soften the effects of neoliberal politics by retaking some
principles of developmentalism, without, however, totally breaking with the previous model.
In the first government of Dilma Rousseff, an inflection was made towards the deepening of
the neo-developmentalist program, which coincided with the departure of the industrial
bourgeoisie from that front, and resulted in a political crisis. This process enabled the
restoration of neoliberalism in its orthodox version, even after the re-election of Dilma in
2014. Our intention is to identify evidences that characterize the pendulum movement of the
CNI, through the documents and formulations produced by the entity and its leaders, under
the light of the bibliography on social classes and the analysis of its political action. For this,
we use a relational perspective, which allow us to understand the CNI’s action through the
relations of forces in which the entity is inserted.

Keywords: Brazilian National Confederation of Industry; Neoliberalism; Neo-


developmentalism.
SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................................10
Metodologia, fontes e estrutura da dissertação....................................................................17
A ação coletiva da burguesia sob uma perspectiva relacional.............................................18
Capítulo 1. Constituição e trajetória da Confederação Nacional da Indústria..........................24
1.1 – A formação da CNI e a consolidação do sistema corporativo....................................24
1.2 – Crise de representação e surgimento do sistema extracorporativo..............................32
1.3 – Redemocratização e constituição do “novo” sistema corporativo..............................40
1.4 – A burguesia industrial brasileira: uma burguesia nacional ou interna?.......................45
Capítulo 2. Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo: continuidades e rupturas...................52
2.1 – Neoliberalismo: origens e definições..........................................................................52
2.2 – Neoliberalismo e classes sociais..................................................................................58
2.3 – Neoliberalismo e burguesia industrial no Brasil.........................................................66
2.4 – O neodesenvolvimentismo como alternativa ao neoliberalismo.................................74
Capítulo 3. A CNI na crise do neodesenvolvimentismo...........................................................91
3.1 – A agenda da CNI: entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo......................92
3.2 – A nova matriz econômica: o programa dos industriais.............................................111
3.3 – A burguesia industrial em conflito: a crise da frente neodesenvolvimentista...........118
Considerações finais...............................................................................................................136
Referências bibliográficas.......................................................................................................143
10

Introdução

O objetivo desta pesquisa é analisar a atuação da burguesia industrial na política


brasileira durante o processo de ascensão, enfraquecimento e retomada do neoliberalismo a
partir da crise do governo de Dilma Rousseff. Para isso, teremos como objeto a Confederação
Nacional da Indústria (CNI), sua principal organização de classe, considerando os conflitos
entre classes e frações de classe nos quais esteve envolvida no período compreendido entre os
anos 1990 e 2016.
A ação política do empresariado brasileiro tem sido um tema bastante relevante
nas ciências sociais, a exemplo de trabalhos como os de Eli Diniz e Renato Boschi (1978;
2007), Maria Antonieta Leopoldi (2000) e Mancuso (2007). Contudo, no âmbito da análise de
classes, a atuação da burguesia ainda é pouco debatida se comparada à das classes
trabalhadoras. A literatura recente que se dedica a entender o empresariado como ator político
muitas vezes não dialoga com a literatura marxista, ou que se pauta pelo conceito de classes
sociais, e a recíproca é verdadeira, a despeito de grandes trabalhos sobre a burguesia brasileira
produzidos por autores como Caio Prado Jr. (1966) e Florestan Fernandes (1975). Alguns
estudos mais recentes, como os de Armando Boito Jr. (2012) e André Singer (2015), têm
mudado esse cenário ao analisar questões como a natureza de classe dos governos petistas e,
em especial, a relação desses governos com os diferentes setores da burguesia.
Entidade de cúpula do sindicalismo patronal do setor industrial, a CNI é
representante na esfera institucional – mas não apenas – da burguesia industrial brasileira.
Fundada em 1938 a partir da Confederação Industrial do Brasil (CIB), sua trajetória política
recente desperta interesse, entre outros motivos, por conta de sua inserção peculiar na
conjuntura do neoliberalismo e sua relação, ora de maior proximidade, ora de maior
distanciamento, com o programa neoliberal. Cabe ponderar que, a despeito de sua posição na
hierarquia do sindicalismo patronal, a Confederação Nacional da Indústria não é o espaço
único e absoluto na definição de interesses dos industriais, num sistema representativo
complexo que engloba sindicatos, federações e associações. No entanto, por ser responsável
por representar todo o setor industrial em um país marcado por profundas desigualdades
regionais como o Brasil, a CNI tem a capacidade de organizar diferentes visões e definir uma
pauta política e estratégia de ação conjunta que a diferencia das federações estaduais. Com
efeito, após algum tempo de domínio da FIESP como grande representante do empresariado
11

industrial e de perda de protagonismo para as associações setoriais, a partir da década de 1990


houve um ressurgimento da CNI na articulação dos interesses da indústria, ligado
principalmente a essa capacidade de formular uma pauta conjunta para o setor industrial.
Através do acompanhamento da atividade política e do desenvolvimento de
estudos técnicos, a CNI passa a definir uma agenda própria com o intuito de intervir mais
claramente no debate político. Essa ação também foi acompanhada pela expansão das
atividades da Confederação no sentido de criar organismos internos capazes de formularem a
“visão da indústria” sobre a política econômica e outras questões de relevância, com vistas a
influenciar o debate no âmbito dos três poderes. É o caso, por exemplo, da criação do Fórum
Nacional da Indústria e da Unidade de Assuntos Legislativos (Pont, 2012, p. 30). Mais do que
influenciar a cena política através de lobby e outros mecanismos de pressão, a recuperação da
CNI como interlocutora da indústria nacional envolve a tentativa de construção de um
programa político próprio que represente os interesses de sua fração de classe. Nesse sentido,
nosso objetivo é entender como esse processo se relaciona com a disputa entre neoliberalismo
e neodesenvolvimentismo no campo político1.
Depois de apoiar os princípios do modelo econômico introduzido no país pelo
presidente Fernando Collor, houve um afastamento gradual entre a burguesia industrial e o
campo neoliberal ortodoxo, que a partir de 1995 passou a ser representado na cena política 2
pelo governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Esse afastamento culminou na aproximação
da entidade com setores populares organizados, também insatisfeitos com os resultados dessa
política. O resultado desse processo foi a composição de uma frente ampla e heterogênea, que
serviu de sustentação para um programa neodesenvolvimentista (Boito Jr., 2012).
Desenvolveremos esse ponto um pouco mais adiante. O neodesenvolvimentismo, por sua vez,
foi representado na cena política pelas candidaturas Lula em 2002 e 2006, e Dilma em 2010 e
2014, e procurou retomar a ideia de desenvolvimento nacional pautado no crescimento
econômico e no fortalecimento do mercado interno. Esse processo se deu de forma
contraditória, sem romper com alguns pilares do neoliberalismo.
Em razão da recuperação da CNI como um importante locus de elaboração e
divulgação da agenda política dos industriais, pretendemos investigar quais as pautas
1
O conceito de neodesenvolvimentismo e suas diferenças em relação ao neoliberalismo serão discutidos
detalhadamente no capítulo 2 da dissertação.
2
O conceito de cena política é originário da obra de Marx, e diz respeito ao locus onde ocorre a dissimulação
dos interesses de classe na sociedade capitalista. Marx elaborou uma distinção entre a realidade aparente, ou
superficial; e a realidade essencial, ou profunda, que diz respeito aos interesses de classe. Para analisar a
política, portanto, é necessário ultrapassar os limites da cena política (Boito Jr., 2007).
12

defendidas pela burguesia industrial e como elas se transformam neste período, observando o
posicionamento político da CNI e de suas lideranças. Em quais conjunturas a Confederação se
aproxima das organizações de trabalhadores e em quais adota uma postura mais agressiva e
menos conciliatória com os trabalhadores? Que pautas defende em cada um desses
momentos? Como se posiciona em relação aos governos para viabilizar a implantação de suas
pautas? Quais os resultados de seu posicionamento? Tomemos o exemplo da reforma
trabalhista. Essa é uma pauta histórica do conjunto da burguesia, que se manifestou
principalmente ao longo dos anos 1990 sob o argumento de “modernização da legislação
trabalhista”, mas que permaneceu relativamente adormecida durante a maior parte dos
governos petistas. A retomada dessa pauta no final de 2012, expressa uma fissura na frente
política que a burguesia industrial mantinha com a classe trabalhadora, evidenciando seus
interesses distintos, e denota seu afastamento gradual em relação ao governo. Embora a
reforma trabalhista constitua parte permanente do discurso da burguesia brasileira, e mais
especificamente da agenda da CNI, a ênfase concedida a esses e outros pontos aproxima o
conjunto da burguesia. Ao mesmo tempo, como assinalado por articulistas na imprensa a
partir de 2013 (Singer, 2013b), empresários passam a subir o tom na crítica ao que classificam
como intervencionismo excessivo adotado pelo governo Dilma. A própria presidente, à época,
denunciou que estava em curso uma “guerra psicológica” contra seu governo.
Com o intuito de recuperar apoio entre a burguesia, já em um cenário de cerco ao
governo que se formou após a eleição de 2014, a presidente Dilma intensifica as concessões a
diferentes setores burgueses, em um movimento que vinha pelo menos desde 2013 e que ficou
marcado com a nomeação de Joaquim Levy, um quadro oriundo do sistema financeiro, para o
Ministério da Fazenda. O discurso que sustentou o novo programa econômico consistia na
“recuperação da credibilidade”, o que se traduziu em um pesado ajuste fiscal, na elevação dos
juros, e no fim da política de pleno emprego, para controlar a inflação, entre outras ações. Em
alguma medida, esse programa foi defendido em 2014 não apenas pelo setor financeiro e pela
burguesia associada, mas também por setores da burguesia interna3. À época, a CNI passou a
defender uma “política econômica rumo à estabilidade” (Branco, 2014).

3
Partimos da análise de Boito Jr. (2012), que se baseia na categorização elaborada por Nicos Poulantzas em
sua obra “Poder político e classes sociais”. O autor aponta a grande burguesia interna como força dirigente
da frente neodesenvolvimentista. Isso significa dizer que essa fração de classe foi responsável por dirigir o
sentido mais amplo da política econômica, e que seus interesses foram privilegiados pelos governos petistas.
Como veremos no capítulo 1, a burguesia interna corresponde à fração burguesa situada entre a burguesia
associada, perfeitamente integrada ao capital estrangeiro, e a antiga burguesia nacional, que a depender da
conjuntura poderia tomar posições anti-imperialistas.
13

Nossa pesquisa aborda, portanto, a problemática das relações entre industriais,


neoliberalismo e neodesenvolvimentismo. Pretendemos identificar em que momento as teses
neoliberais ganham novamente força entre a burguesia industrial, e como esse movimento
leva ao rompimento da frente neodesenvolvimentista. Nosso intuito é o de entender qual foi o
papel da burguesia industrial nessa conjuntura de crise, e de formular algumas hipóteses sobre
por que, mesmo tendo grande parte de suas reivindicações atendidas, os industriais deixaram a
base de apoio ao governo Dilma.
Para delimitar melhor o problema, é necessário partir de uma visão mais ampla da
conjuntura neoliberal no Brasil. Nesse sentido, a bibliografia é relativamente consensual ao
classificar o período que vai de 1990, com o início do governo Collor, até 2002, com o
término do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso – considerando as diferentes
conjunturas que atravessaram esses 12 anos – como de alinhamento do Brasil ao
neoliberalismo, que pode ser entendido, em linhas gerais, como uma política de
desestatização, desregulamentação e abertura da economia brasileira (Saes, 2001, p. 87). No
entanto, mais do que a política executada pelo Estado brasileiro, cabe pensar em que medida o
neoliberalismo se relaciona com interesses de classes. A relativa unidade política da burguesia
em torno do neoliberalismo durante a maior parte da década de 1990 no Brasil pode induzir
ao erro de inferir que a política neoliberal atinge de maneira equivalente as diferentes classes
sociais e frações de classe. Boito Jr. (1999, pp. 50-51) mostra que os efeitos das principais
políticas neoliberais, a saber: desregulamentação do mercado de trabalho, supressão de
direitos sociais, privatizações e concessões, abertura comercial e desregulamentação
financeira, impactam de maneira diferente as frações burguesas. Esse processo foi responsável
por provocar contradições e disputas dentro da coalizão que sustentou o neoliberalismo, e
provocaram conflitos em torno da aplicação do programa, principalmente a respeito da
velocidade e do alcance da implementação das chamadas “reformas para o mercado”.
A partir da primeira crise cambial pós-Plano Real, em 1999, o caráter radical da
política neoliberal foi reforçado com a institucionalização do que ficou conhecido como “tripé
macroeconômico”, conjunto de medidas que marcou a política econômica do segundo
governo FHC, e consistia em metas de inflação mantidas com altas taxas de juros, câmbio
flutuante e superávits primários elevados. Embora a CNI tivesse apoiado o programa
neoliberal num primeiro momento, o ritmo e a amplitude da abertura comercial, bem como a
política de juros elevados e a sobrevalorização do real, dificultavam ainda mais as condições
14

da burguesia industrial num contexto de acirramento da competição global. O afastamento


gradual do setor industrial do governo FHC, que já não contava com apoio significativo vindo
do conjunto da classe trabalhadora, que não teve seus interesses contemplados por essa
política, culminou com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2002, com um
programa que procurava apoio nos setores burgueses que perderam com a política neoliberal.
Uma vez no poder, contudo, o governo Lula não logrou reverter o “tripé”. O que
justificaria, então, diferenciá-lo dos governos anteriores? Segundo Bastos (2017, p. 14), o
governo Lula cometeu “três heresias” relevantes em relação à agenda neoliberal: freou a
política de privatizações, um dos temas de disputa ideológica mais acirrada no governo FHC;
recuperou o papel dos bancos públicos no estímulo ao investimento produtivo; e sustentou o
crescimento do mercado interno através da política de valorização do salário mínimo, do
fortalecimento do emprego formal e de políticas de transferência de renda.
A partir dessa breve consideração, é possível ter uma dimensão do caráter
complexo dos governos petistas, que foram sustentados por um arco de forças frágil,
contraditórias entre si, e sem alinhamento a um projeto de longo prazo. Esse conjunto de
forças, envolvendo uma parcela da burguesia e setores das classes trabalhadoras, permanecia
unido pela defesa de algumas medidas, como o crescimento econômico; a recuperação de
setores-chave da indústria; a melhora nas condições de distribuição de renda dos
trabalhadores e na própria oferta de empregos, importantes para o fortalecimento do mercado
interno. Em razão disso, optamos por utilizar o conceito de frente neodesenvolvimentista,
como elaborado por Boito Jr. (2012), por remeter a uma frente ampla e heterogênea,
permeada por contradições, composta principalmente por três forças principais: a burguesia
interna, que se aproximou do Partido dos Trabalhadores no final dos anos 1990; o movimento
sindical, este historicamente ligado ao PT; e os trabalhadores da massa marginal, ou
subproletariado, que se deslocaram para o apoio a essa frente durante o governo Lula.
Os governos neodesenvolvimentistas, na interpretação do autor, representam uma
melhora da posição da burguesia interna no bloco no poder em relação ao período anterior, o
que significou ter uma série de interesses atendidos pela política de governo. A burguesia
interna, porém, não é um bloco monolítico com um programa político bem definido. Pelo
contrário, é uma fração de classe que reúne diversos setores econômicos, com diversas
divisões internas, mas que possuem como principal demanda comum a proteção do Estado
contra o grande capital internacional (Boito Jr., 2012, pp. 95). Nesse sentido, a manutenção da
15

frente exige a conciliação mínima dos interesses entre os diferentes setores capitalistas, e
dessa fração da burguesia com os trabalhadores. Dentro dessa composição heterogênea,
focamos nossa atenção nas ações de um dos segmentos da burguesia interna, a saber, a
burguesia industrial.
Ainda que não tenha sido definido de forma clara pelos seus defensores, nem
rompa em sua integralidade com o programa neoliberal aplicado nos anos 1990, o
neodesenvolvimentismo apresenta pontos de contraposição ao neoliberalismo. Desse modo,
tal arranjo político não exclui, tampouco interdita, o “poder estrutural” do capital financeiro
na conjuntura neoliberal e sua capacidade de influenciar a política, mesmo que este não faça
parte da frente que está no governo (Bastos, 2017, p. 11). Ao mesmo tempo, nutre importantes
conflitos com os setores mais interessados na manutenção do modelo neoliberal ortodoxo.
Tendo em vista esse amplo – porém frágil – arco de forças, a frente
neodesenvolvimentista obteve sucesso em apoiar os governos petistas, ao menos no período
entre 2003 e 2014, dentro do qual destacamos momentos de elevada instabilidade política,
como na chamada “crise do mensalão” em 2005 e na crise econômica mundial de 2008.
Com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010, houve uma inflexão na política do
governo em direção às demandas da burguesia industrial, apresentadas em especial pela CNI e
FIESP, a fim de manter o crescimento econômico depois da crise internacional e implantar
uma agenda industrialista. Podemos sintetizar esse programa em nove ações principais:
redução dos juros; uso intensivo do BNDES; reindustrialização; desonerações à produção;
investimento em infraestrutura; reforma do setor elétrico; desvalorização do real; controle de
capitais; e proteção ao produto nacional (Singer, 2015, pp. 46-49).
Essas medidas tomadas no governo Dilma, por sua vez, compunham o eixo
principal da política batizada de “nova matriz econômica” (NME) e sinalizavam o
rompimento com o modelo do tripé macroeconômico. Dessa forma, a NME ia além do
programa inicial proposto pelo governo Lula, o que foi suficiente para que analistas alinhados
com novos projetos de desenvolvimento4, como Bresser-Pereira (2013, p. 13), afirmassem que

4
Entre o que denominamos “novos projetos de desenvolvimento”, podemos estabelecer algumas
diferenciações: enquanto o novo-desenvolvimentismo, perspectiva desenvolvida principalmente por Luiz
Carlos Bresser-Pereira, enfatiza a preocupação com os preços macroeconômicos, em especial a manutenção
da taxa de câmbio em patamares que promovam a competitividade da indústria nacional e estimulem o
investimento privado, o social-desenvolvimentismo, ligado principalmente a economistas da Escola de
Campinas, volta suas preocupações ao papel do investimento público no crescimento econômico. Apesar de
possuírem diferenças importantes, ambas as perspectivas foram apresentadas no debate econômico da última
década como alternativas ao neoliberalismo. Sobre este debate, ver, entre outros, Bastos, 2012; Bresser-
Pereira, 2013; Morais e Saad-Filho, 2011; Singer, 2015.
16

Dilma “certamente pensa em liderar um projeto nacional com amplo apoio da sociedade”. Por
uma série de motivos que discutiremos mais à frente, as medidas adotadas pelo governo
Dilma, em grande parte com apoio da CNI, não lograram atingir seu objetivo principal, qual
seja, o de promover o crescimento econômico puxado pela indústria. Tal fato acabou por
amplificar os ataques à NME de setores alinhados ao neoliberalismo e, como apontado
anteriormente, a reação do governo diante desses ataques foi um recuo gradual, colocando em
xeque qualquer perspectiva de política desenvolvimentista depois de vencer a eleição de 2014.
Feita essa exposição preliminar, nosso principal objetivo consiste em entender o
papel desempenhado pela burguesia industrial nas conjunturas neoliberal e
neodesenvolvimentista, a partir da ação de uma de suas mais importantes entidades
representativas, a Confederação Nacional da Indústria. Ao longo desse período, identificam-se
três momentos distintos: o apoio inicial dos industriais ao neoliberalismo nos anos 1990; a
defecção gradual do campo neoliberal e aproximação da frente neodesenvolvimentista entre
2002-2012; e a crise dessa frente a partir de 2013, com o afastamento da burguesia industrial e
a restauração do neoliberalismo em sua versão ortodoxa. Como explicar essas mudanças de
posição? Baseamo-nos na bibliografia existente para compreender a primeira mudança, entre
os anos 1990 e 2000, uma vez que há muitas análises produzidas a esse respeito. Assim, nossa
principal hipótese diz respeito à segunda mudança. Consideramos que a burguesia industrial
realizou um movimento pendular durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a exemplo
do que ocorreu outras vezes no processo de desenvolvimento capitalista no Brasil. Um
movimento que envolveu, por um lado, o rompimento com a frente neodesenvolvimentista –
que parecia estável o suficiente para seguir em direção a uma nova perspectiva de
desenvolvimento – e, por outro, uma inflexão dos industriais, que mesmo tendo diversas de
suas demandas atendidas, não mantiveram o apoio ao governo. Ao contrário, o que se viu foi
um distanciamento cada vez maior do setor industrial em relação ao neodesenvolvimentismo
e seu realinhamento ao campo neoliberal.
De maneira complementar, nossa segunda hipótese é de que as contradições no
interior da frente neodesenvolvimentista, quando tensionadas, influenciaram para seu
rompimento. Essas contradições foram aguçadas a partir de 2012 por uma conjuntura de baixo
crescimento econômico e queda nas taxas de lucro, sem que os industriais pudessem contar
com a salvaguarda dos retornos de investimentos financeiros, atacados pela nova matriz
econômica. A burguesia industrial, principalmente em razão de sua dependência externa,
17

financeira e tecnológica, e do próprio local que o Brasil ocupa na divisão internacional do


trabalho, não logrou construir um projeto político independente dos setores burgueses que têm
maior interesse na retomada do programa neoliberal ortodoxo. Somando-se a isto, a atual
configuração dos grandes grupos empresariais, atravessada pela financeirização neoliberal,
faz com que o capital das empresas seja investido tanto em atividades produtivas quanto
rentistas, como forma de auferir grandes taxas de lucro e maximizar seu valor acionário
independentemente das condições econômicas em geral. Embora uma das atividades seja
predominante, esse “duplo caráter” dificulta que a burguesia industrial conduza um projeto
desse alcance. Enfatizamos que essa configuração não elimina as diferenças entre frações da
burguesia e os tipos de capital, mas exerce influência na definição de interesses de sua parcela
ligada a atividades produtivas. Esse movimento foi acompanhado por uma ofensiva
ideológica do campo neoliberal, que teve seus interesses afetados pela política industrialista
dos dois primeiros anos do governo Dilma, e foi capaz de atrair a burguesia industrial.

Metodologia, fontes e estrutura da dissertação

A análise da ação política da CNI no período pesquisado compreendeu uma


pesquisa empírica, a partir da documentação produzida pela entidade, associada a uma
pesquisa bibliográfica acerca das relações de classe nos períodos que denominamos de
neoliberal e neodesenvolvimentista no Brasil. Como apontamos no início, desde os anos 1990
a CNI produz uma grande quantidade de documentos, através dos quais é possível identificar
posicionamentos a respeito de políticas ou temas específicos. Nesse sentido, nossa principal
fonte são os documentos contendo propostas aos candidatos à presidência da república,
elaborados pela CNI desde a eleição de 1994, por constituírem os textos de maior fôlego da
entidade em relação ao que seria seu programa econômico, e refletirem posições tomadas em
diferentes conjunturas.
O rol de documentos que utilizamos compreende, ainda, outras publicações de
maior alcance temporal, como o Mapa Estratégico da Indústria, que traçou metas para a
indústria brasileira no período 2007-2015 e serviu de referência para a elaboração das
publicações relativas às eleições de 2006 e 2010. Todos os documentos citados foram
organizados pela CNI em parceria com as federações das indústrias estaduais, associações da
indústria e empresários. Desse modo, as posições analisadas de certa forma refletem
18

interesses relativamente consensuais dentro das organizações da indústria, embora, caiba


sempre ressaltar, não sejam unânimes. Ademais, os dirigentes da entidade assinam
constantemente artigos de opinião, seja em periódicos próprios, como a Revista Indústria
Brasileira, ou na grande imprensa, e concedem entrevistas se posicionando acerca de temas
de interesse da CNI.
Utilizamos, ainda, periódicos da imprensa em geral, que vocalizam e veiculam o
pensamento empresarial, dentre os quais destacamos Folha de São Paulo, O Estado de São
Paulo e Valor Econômico, bem como a Revista Exame. Com isso, buscamos englobar um
amplo espectro de publicações que divulgam o pensamento de intelectuais orgânicos e
entidades ligadas à burguesia, e que nos permitem identificar seu posicionamento.
No processo de análise documental, lançamos mão de um procedimento que
enfatiza a perspectiva histórica da consolidação de posições da CNI e permite entendê-las
através dos conflitos nos quais ela está envolvida, bem como de sua relação com a conjuntura.
Assim, analisamos a documentação sob dois aspectos principais: 1) a definição da posição da
CNI, levando em conta a conjuntura em que foi estabelecida; 2) quais as disputas envolvidas e
como remetê-las a conflitos de classe entre as diferentes frações da burguesia, entre estas e a
classe trabalhadora, e o Estado.
Essa perspectiva permite analisar a ação das entidades de classe a partir das
relações de forças que se estabelecem ao longo de seu desenvolvimento histórico e se coloca
em oposição às visões essencialistas que procuram deduzir o comportamento político dessas
associações a partir de um determinado aspecto ideal e esperado, encontrado em sua própria
essência, ocultando sua condição de classe social em movimento (Bianchi, 2007, p. 127),
como veremos a seguir.

A ação coletiva da burguesia sob uma perspectiva relacional

A partir da segunda metade do século XX, houve um debate nos meios políticos e
intelectuais sobre o papel da burguesia industrial brasileira, que havia ascendido politicamente
após a Revolução de 1930. Alguns dos autores que publicaram nesse período, bem como
intelectuais nacionalistas e vinculados ao Partido Comunista Brasileiro, elaboraram algumas
das principais análises sobre esse tema. Abordaremos com mais cuidado esse debate ao tratar
da caracterização da burguesia industrial brasileira, mas o tomaremos, neste momento, como
19

ponto de partida para tecer algumas considerações a respeito do enfoque relacional que
utilizaremos em nossa pesquisa. Nossa principal referência para os comentários a seguir é o
estudo de Bianchi (2010) sobre o associativismo do empresariado paulista nas décadas de
1980 e 1990, que propõe algumas considerações para a utilização desse tipo de perspectiva.
Em que pesem significativas diferenças nas análises que foram feitas sobre a
burguesia industrial brasileira nas décadas de 60 e 70 do século XX, tanto as que destacavam
a submissão dessa fração da burguesia brasileira, como as que acreditavam em seu potencial
hegemônico, concebem sua ação política a partir de um viés essencialista. Por viés
essencialista nos referimos ao elemento comum presente nessas análises, de que caberia à
burguesia brasileira desempenhar um papel histórico determinado, o de liderar um projeto
hegemônico, apoiada em setores das classes trabalhadoras, e em oposição aos setores
atrasados da sociedade brasileira, identificados nos capitais agrário-exportador e estrangeiro.
O elemento essencialista desse tipo de análise consiste em identificar como principal variável
para a determinação da ação política da burguesia brasileira a realização de uma essência
inerente a essa fração de classe, que corresponderia ao seu papel histórico enquanto fração de
classe (Bianchi, 2010, p. 48).
Por sua vez, essa essência – e, consequentemente, seu papel histórico – seria
realizada através de uma aliança com a classe trabalhadora que levasse a burguesia industrial
a ocupar um lugar hegemônico no interior da formação capitalista nacional, o que também
incluiria assumir posições anti-imperialistas. Segundo Bianchi (2010, p. 48), essa construção
teórica remonta a um tipo ideal de burguês, que levara a cabo as revoluções liberais na Europa
do século XIX, mas que não correspondia à burguesia que se desenvolvera no Brasil. A partir
daí se construíram análises que, de modo geral, ou acreditavam que a burguesia brasileira
teria condições para replicar as revoluções burguesas da Europa Ocidental e liderar um
projeto nacional de desenvolvimento, ou atribuíam a não realização desse potencial à
incapacidade política da fração industrial, que optara por uma política de conciliação com as
demais frações da classe dominante (Boschi, M., 2000, pp. 19-20).
Como discutiremos ao analisar a trajetória da Confederação Nacional da Indústria,
a própria experiência histórica demonstra os limites de abordagens essencialistas para a
análise do associativismo. Reconhecer esses limites não implica ignorar as diversas
contribuições presentes nesses trabalhos, mas assumir que a ênfase em características
inerentes a um determinado sujeito histórico não guarda consigo seu potencial de realização,
20

já que não considera as condições históricas de uma determinada conjuntura. Como veremos
no caso da burguesia industrial brasileira, mesmo alguns dos elementos comumente atribuídos
como inerentes a essa fração de classe podem se mostrar imprecisos. Novamente recorremos à
analogia do burguês típico do século XIX: embora a análise empírica permita afirmar que
tanto o burguês europeu do século XIX como o burguês brasileiro do século XX sejam, de
fato, burgueses, as condições históricas que produziram o primeiro não valem para o segundo.
Sob esse ponto de vista, as abordagens essencialistas da ação coletiva tendem a analisar seus
objetos mais pelo que deveriam ser do que pelo que de fato são (Bianchi, 2010, p. 45, grifos
do autor).
Como alternativa às teorias essencialistas sobre a ação coletiva dos capitalistas 5,
Bianchi (2010, p. 37-38) propõe uma abordagem que leve em consideração o papel jogado
pelas relações de forças presentes dentro de uma determinada formação social. Para isso, seu
ponto de partida são as relações que se desenvolvem entre as diferentes frações da burguesia,
os trabalhadores e o Estado. Cabe ressaltar que essa divisão em três conjuntos de relações –
entre a burguesia, com as classes trabalhadoras e com o Estado – só é possível com fins
analíticos. No processo histórico real, essas relações estão sempre interligadas e se afetam
mutuamente (Bianchi, 2010, pp. 39). A partir dessa consideração inicial, o modelo de
organização da ação coletiva burguesa pode assumir formas diversas, a depender dos conflitos
existentes na sociedade e como expressão de relações de forças. Tais conflitos, por sua vez, se
manifestam em sentido vertical, entre as classes sociais (a exemplo do conflito
capital/trabalho), suas organizações representativas e instituições, inclusive o Estado, e os
conflitos horizontais, que se dão entre as diferentes frações da burguesia (Bianchi, 2010, p.
60).
A organização da burguesia enquanto classe social dominante, portanto, remonta à
necessidade de coordenar interesses diversos, típicos da atividade concorrencial do
capitalismo. Nesse sentido, o surgimento de organizações para mediar disputas no interior da
burguesia, dentre as quais o problema da concorrência, não elimina os conflitos entre essa
classe social, mas tem impacto no contexto econômico, na regulação do conflito social e na
implantação de determinadas políticas. Seguindo lógica parecida, temos a formação de

5
Bianchi (2010) constrói seu modelo de enfoque relacional a partir da crítica, de um lado, ao individualismo
metodológico de Olson, e de outro, da análise sociológica das classes sociais de Offe e Wiesenthal. Nesse
sentido, o autor faz uma longa explanação a respeito das diferenças entre a teoria de Olson, e de Offe e
Wiesenthal, apresentando as duas teorias em conjunto apenas no que se refere ao viés metodológico
essencialista, presente em ambas.
21

associações de empregadores, preocupadas com as questões relativas ao mercado da força de


trabalho, que surgem em resposta à ação coletiva dos trabalhadores (Bianchi, 2010, p. 37-38).
As relações com o Estado, por sua vez, também podem impactar na organização e
ação coletiva da burguesia. A intervenção estatal na economia tende a reduzir o poder
patronal no controle dos mercados, fazendo com que a burguesia se sinta ameaçada.
Frequentemente esse tipo de ação pode estimular uma resposta por parte da burguesia, cuja
atuação coletiva é uma maneira de influenciar a própria ação do Estado. Ao contrário,
dependendo da conjuntura ou do tipo de ação estatal, em vez de provocar uma atitude reativa,
ou até inibir o associativismo burguês, o Estado pode induzir a ação coletiva dos capitalistas
através de arranjos políticos que incentivem a representação das classes sociais na
implementação de políticas públicas (Bianchi, 2010, pp. 39).
Tendo em vista essa breve introdução, podemos dizer que as formas institucionais
derivadas da ação coletiva da burguesia são resultado da consolidação de relações de força e
conflitos sociais, e não produto da realização da essência dos atores envolvidos (Bianchi,
2010, p. 39-40). Procuraremos abordar com mais cautela esse processo recorrendo à
reconstituição da trajetória da CNI para compreendê-la como forma institucional da
representação de interesses da burguesia industrial brasileira.
A partir desse enfoque relacional, podemos recolocar a questão da ação política da
burguesia, considerando as disputas existentes em um contexto histórico determinado para
definição de seus interesses de classe e constituição de suas formas institucionais. Parte das
análises sobre a burguesia brasileira se pautaram em definir um interesse prévio para essa
fração de classe, sem considerar como os conflitos reais moldam esses interesses. Como
aponta Bianchi (2010, p. 43),
Os choques entre as diferentes frações do capital, os conflitos existentes
entre as diferentes frações da burguesia, as classes subalternas e suas formas
institucionais, moldam, dando-lhe forma, o processo de reprodução do
capital, redefinindo constantemente suas necessidades. Não é possível,
portanto, falar de um interesse geral desse capital sem analisar as relações de
forças sociais que cristalizam os conflitos citados e o papel de mediadores na
formulação desses interesses ocupados pelos intelectuais orgânicos 6.

6
Bianchi se refere, recuperando Gramsci, aos empresários que exercem atividades de organização desde a
esfera de seu próprio capital até a organização do capital em geral e do conjunto da sociedade. Dessa forma,
existem diferentes níveis de “empresários-intelectuais”, de acordo com suas funções de organização numa
determinada formação capitalista. Voltaremos a esse tema no capítulo 3.
22

Transportando essas considerações para o campo da organização de classe que se


dá pelas formas institucionais, a mesma perspectiva é válida, ou seja, as manifestações
institucionais de classes e frações de classe não são a realização da essência desses grupos
sociais, mas uma consolidação das relações de forças moldadas pelo conflito social. Como
veremos no item em que fazemos uma reconstituição da formação da CNI, é possível
identificar o papel desses conflitos na consolidação da entidade: entre os industriais e a
burguesia comercial e agrária, a classe operária que se organizava nos grandes centros
urbanos, e o Estado, especialmente na constituição do modelo corporativista do Estado Novo.
Em resumo, analisar os conflitos que atravessam as frações da burguesia permite, dentro de
nossa proposta de trabalho, entender o surgimento e o desenvolvimento de suas associações
de classe, assim como sua ação política. As disputas que ocorrem dentro do próprio setor
industrial também são relevantes nesse processo, na medida em que provocam contradições
que impactam na própria coesão e direção de sua ação política.
*******
Feitos esses esclarecimentos metodológicos, passemos à estrutura da dissertação.
O texto está dividido em três capítulos.
No primeiro, esboçamos um breve histórico sobre o desenvolvimento da
burguesia industrial no Brasil, sua organização política e econômica, e a criação do sistema
corporativo, na década de 1930, que consolidou a CNI como entidade de cúpula para
representação da indústria. Com isso, nosso objetivo é compreender como esse sistema de
representação de interesses foi formado, a partir de uma perspectiva relacional, isto é, de
conflitos entre classes, frações de classes e o Estado. Posteriormente, discutimos como a
bibliografia a respeito da burguesia industrial, em especial a partir da segunda metade do
século XX, procurou caracterizar esse segmento da burguesia brasileira para compreender sua
atuação política, defendendo sua identificação com o conceito de burguesia interna.
No segundo capítulo, intitulado “Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo:
continuidades e rupturas”, tratamos do conceito de neoliberalismo, de sua história, e das
implicações da adoção desse modelo na política brasileira, indicando como ele afetou a
indústria instalada no país. Em sequência, apresentamos as contradições e conflitos contidos
no interior do modelo neoliberal que deram condições ao surgimento de uma frente
neodesenvolvimentista. Na parte final do capítulo analisamos como se deu a construção do
neodesenvolvimentismo na cena política, com ênfase para seu caráter heterogêneo e suas
23

contradições internas, e defendemos o uso desse conceito para melhor explicar as relações de
classe nos governos petistas, apontando suas rupturas e continuidades em relação ao modelo
anterior.
Por fim, no terceiro capítulo abordamos a crise da frente neodesenvolvimentista e
a ruptura da burguesia industrial com o programa industrialista adotado no primeiro governo
Dilma. Para isso, apresentamos as principais medidas que constituíram a nova matriz
econômica e discutimos sua repercussão entre os industriais e a CNI. Em seguida,
reconstituímos as posições defendidas pela CNI a partir das propostas apresentadas aos
candidatos à presidência da república de 1994 a 2014, e verificamos como elas oscilaram
entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo. Apresentadas as premissas do debate,
buscaremos algumas pistas sobre as razões que levaram os industriais a romper com a frente
neodesenvolvimentista, procurando identificar quais foram os conflitos políticos e
econômicos que envolveram a frente neodesenvolvimentista e a burguesia industrial. Como
destacamos anteriormente, utilizaremos uma perspectiva relacional como fio condutor para
compreender a ação política da burguesia, suas frações de classe e organizações políticas.
Nesse sentido, desenvolveremos a argumentação em torno de dois eixos principais: os
conflitos horizontais, entre as diferentes frações da burguesia, e o papel do Estado; e os
conflitos verticais, que envolvem a relação capital/trabalho.
24

Capítulo 1. Constituição e trajetória da Confederação Nacional da Indústria

1.1 – A formação da CNI e a consolidação do sistema corporativo

Fundada oficialmente em 1938, sob a legislação que formalizou o sindicalismo


patronal durante o Estado Novo, a Confederação Nacional da Indústria ocupa o papel de
organização superior de representação de interesses da indústria brasileira, congregando as
federações, de abrangência estadual, e os sindicatos, estes de caráter regional e divididos por
setor de atividade. Ao resgatarmos a origem do modelo sindical brasileiro, é comum nos
depararmos com análises que apresentam o sistema corporativo – também chamado de
corporativista – como algo monolítico, imposto de cima para baixo pela ditadura varguista e
aceito sem resistência pela frágil burguesia industrial brasileira. O inegável peso do Estado na
formação do sistema de representação de interesses da indústria, contudo, pode omitir o
percurso histórico marcado pela disputa de projetos e por conflitos inerentes ao processo
político.
Ainda que esse fosse o desejo de parte da burocracia do Estado Novo, é difícil
conceber que a burguesia industrial brasileira se organizou, como num passe de mágica, a
partir de um modelo determinado pelo governo, ou que a estrutura desenhada em 1938 não
tenha sido alvo de múltiplas pressões e que tenha permanecido inalterada desde então.
Partindo dessa premissa, não temos por objetivo ignorar, tampouco negar, o papel central que
o Estado varguista teve na configuração da institucionalidade brasileira, mas procurar resgatar
os conflitos que ajudaram a moldar a CNI ao longo dos mais de 70 anos que nos separam de
sua data de oficialização. Para isso, faremos uma breve reconstituição histórica das
organizações que buscaram representar a burguesia industrial instalada no Brasil e como
deram origem à CNI, com o objetivo de compreender melhor nosso objeto de pesquisa e
subsidiar a análise que buscamos realizar.
No intuito de se legitimar como representante, de fato e de direito, da burguesia
industrial brasileira, a história da instituição é apresentada como a própria história da indústria
nacional em quase todos os documentos oficiais da CNI que utilizamos nesta pesquisa. Desde
as tímidas tentativas de criar alguma indústria em território nacional, ainda no século XIX, até
o salto industrial promovido no período do nacional desenvolvimentismo. No livro “Trajetória
25

da Confederação Nacional da Indústria”, escrito por Gabriel Hermes e Osório Nunes a pedido
da própria CNI, os primórdios da Confederação são encontrados na “capacidade
empreendedora dos colonos que ousavam produzir tecidos finos às vésperas do alvará de D.
Maria I proibindo o funcionamento de fábricas no Brasil” (Hermes e Nunes, 1994, p. 11).
Ainda que a história da representação de interesses da burguesia industrial esteja intimamente
relacionada com o processo de industrialização, resumi-la à “história da industrialização”,
como geralmente é apresentada, é insuficiente para os objetivos de nossa pesquisa. Desse
modo, se faz necessário recorrer especificamente à trajetória da organização dessa fração de
classe e como se moldaram suas formas institucionais.
De maneira um pouco mais concreta, podemos localizar o embrião do
associativismo empresarial brasileiro na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN),
criada em 1827, no Rio de Janeiro, então capital do Império. Na realidade, mais do que
representar uma burguesia incipiente em território nacional, a SAIN tinha, em seus
primórdios, caráter acadêmico-consultivo. Vinculada à Secretaria de Negócios do Império, e
em sintonia com a “vocação agrícola” do país, a SAIN, em suas primeiras décadas, se dedicou
à questão agrícola, e em como a mecanização da agricultura poderia impulsionar a produção
nacional (Bueno, 2008, p. 53). Esse trabalho era feito através da promoção de estudos e
debates, e se manifestava principalmente na publicação “O Auxiliador da Indústria Nacional”,
produzida por quase seis décadas (Leopoldi, 2000, pp. 62-63).
Já por volta de 1870, período de auge da SAIN, a organização havia incorporado
demandas relativas à questão fabril, abrindo espaço, antes restrito aos interesses da agricultura
e do comércio, a posições industrialistas. Nesse período, “O Auxiliador” foi palco de debates
entre protecionistas e livre-cambistas, e a SAIN também passou a discutir a substituição da
mão de obra escrava. A preocupação com a formação da mão de obra livre impulsionou a
criação da “Escola Nocturna Gratuita de Instrucção Primaria para Adultos”, comandada pela
SAIN, no que podemos identificar como uma questão cara à indústria, e que posteriormente
levaria à criação do SESI e SENAI (Bueno, 2008, p. 55; Hermes e Nunes, 1994, pp. 15).
Em razão de disputas internas e com o fim da monarquia, da qual dependia em
grande medida, a SAIN entrou em decadência e praticamente encerrou suas atividades durante
os anos 1890. Ainda assim, conseguiu sobreviver à virada do século e, em 1904, fundiu-se
com o Centro de Tecelagem e Fiação de Algodão, formando o Centro Industrial do Brasil
(CIB), dando início a um novo capítulo da história da indústria. Apesar da decadência da
26

SAIN, o final do século XIX e início do século XX são importantes para a indústria local. A
adoção de políticas de incentivo pelo ministério da Fazenda, associada a uma reforma
bancária que facilitou o acesso ao crédito, impulsionaram o capital industrial nesse período.
Em sequência, a Primeira Guerra Mundial traz à ordem do dia a necessidade de suprir o
mercado interno, e fortalece, pela primeira vez de maneira significativa, o movimento em prol
da substituição de importações (SÁ, 2008, pp. 46-47). O resultado desse processo é visível
quando observamos os números de estabelecimentos industriais no Brasil: em 1889 eram 600
empresas dedicadas a atividades industriais no país; enquanto em 1920 esse número havia
subido para 14.000 estabelecimentos (Baer, 1965, p. 13 apud Queiroz e Evans, 1977, p. 9), e a
indústria contribuía com 21% do produto físico do país (Leopoldi, 2000, p. 69).
Esse período não representou apenas um salto econômico para a indústria que
nascia no Brasil, mas também teve importância para a organização política da burguesia
industrial, o que implica participar concretamente dos conflitos que buscamos resgatar neste
capítulo. Entre 1898 e 1906 foram registrados 36 movimentos de operários no Rio de Janeiro,
sendo 17 deles grevistas. Em 1903, uma greve de maiores proporções, envolvendo
trabalhadores do setor têxtil, sapateiros, gráficos, pintores, chapeleiros e estivadores, passa a
reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas e aumento salarial. Os trabalhadores
acabaram derrotados, vítimas de forte repressão policial e de demissões. Contudo, apesar da
derrota, a classe trabalhadora demonstrava ali sua crescente organização. Essa movimentação,
por sua vez, teve reflexos entre o patronato, o que possivelmente contribuiu para a formação
do CIB no ano seguinte (Leopoldi, 2000, p.64).
Alguns anos depois, em 1917, tem início a primeira greve geral operária do Brasil,
atingindo em cheio o centro industrial do país, que naquele momento já se deslocava do Rio
de Janeiro para São Paulo. Para mediar o conflito, foi apresentado na Câmara dos Deputados
o projeto para instituir o “Código do Trabalho” que, entre outras coisas, fixava a jornada em 8
horas diárias e proibia o trabalho de menores de 14 anos. A oposição ao projeto foi liderada
pelo CIB, que o considerou absurdo, conseguindo que não fosse aprovado (Bueno, 2008, p.
144; Leopoldi, 2000, p. 70). Ainda nesse contexto, duas novas organizações patronais
surgiram em 1919: o Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de Algodão do Rio de
Janeiro (CIFTA-RJ), que rompe com o CIB, e o Centro da Indústria de Fiação e Tecelagem de
São Paulo (CIFT-SP), comandado pelo importante industrial Francisco Matarazzo (Leopoldi,
2000, p. 70).
27

Durante seus primeiros anos de vida, o CIB atuou simultaneamente na defesa de


empresas individuais, como representante da indústria do Rio de Janeiro e também como
porta-voz da indústria brasileira. Em aspectos gerais, procurou ampliar seu acesso ao
congresso através do lobby e defender medidas de proteção à indústria. Dessa forma,
contribuiu com a construção de um discurso industrialista e conquistou gradualmente espaço
no governo republicano (Leopoldi, 2000, p. 64-68). Em 1912, o militar Serzedelo Correia
deixa a presidência da entidade, dando lugar a Jorge Street, neto de um imigrante britânico e
dono de grandes empresas têxteis no Rio de Janeiro e em São Paulo (Leopoldi, 2000, p. 68).
Esse momento é representativo para a história do CIB e para a própria história da
representação industrial, uma vez que, embora fosse defensor da indústria nacional, Correia
não era um representante orgânico do setor industrial. Pela primeira vez os industriais
passavam a administrar diretamente sua principal entidade de classe.
Em paralelo à atuação do CIB, a partir da década de 1910 começam a surgir as
primeiras associações setoriais da indústria com caráter permanente. A maioria das
organizações que havia surgido até então se limitava a interceder em questões pontuais, sendo
desmanchadas logo em seguida. Os setores contemplados foram os de maior importância na
economia doméstica até aquele momento: têxtil e calçados. Um detalhe importante é que,
como algumas atividades industriais ainda estavam profundamente ligadas ao comércio
naquele momento, algumas das entidades que surgiam levavam o nome de Centros de
Indústria e Comércio (Leopoldi, 2000, 69).
Esse aspecto é importante para posicionar historicamente o desenvolvimento da
burguesia industrial, já que os anos 1920 marcam justamente os primeiros conflitos de maior
intensidade com o setor comercial, que levam ao surgimento de organizações exclusivas. No
início do século XX, sua configuração institucional ainda demonstra o caráter de dependência
e subordinação do setor industrial em relação ao setor comercial. Nesse sentido, a Associação
Comercial de São Paulo (ACSP), órgão fundado em 1894, congregou os interesses do
comércio e da indústria paulistas durante os primeiros anos da República. Isso se deveu
principalmente em função do papel decisivo ocupado pelos cafeicultores na formação da
indústria em São Paulo. Embora as associações rurais tenham se organizado à parte de
comércio e indústria, a interdependência econômica desses outros setores se refletiu na ACSP.
Como já mencionamos, com o grau de desenvolvimento e organização atingidos
pela indústria, a década de 1920 marcou o início dos primeiros conflitos com o setor
28

importador, principalmente em razão da questão tarifária. Não apenas pela disputa política em
torno de questões como esta, mas diante da própria crise do regime oligárquico que se
desenhava no horizonte, em 1928 a elite da burguesia paulista cria o Centro das Indústrias do
Estado de São Paulo (CIESP), presidido por Francisco Matarazzo, e tendo como membros
importantes nomes da indústria como Jorge Street, Roberto Simonsen, Horácio Lafer, José
Ermírio de Moraes, entre outros. (Leopoldi, 2000, pp. 71-72).
Os anos 1920 foram, portanto, de formação das primeiras entidades
representativas da burguesia industrial brasileira, que se manifestava ainda em caráter
regional nos principais polos industriais do país: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e
Rio Grande do Sul. A forma institucional desse movimento se deu a partir da criação de
entidades privadas, basicamente associações que se reuniam em um centro industrial regional.
Fora os já citados casos do Rio de Janeiro, com o CIB – que também se pretendia uma
entidade nacional –, e São Paulo, com o CIESP, foram criados o Centro Industrial de Juiz de
Fora (CIJF), em 1926, em Minas Gerais, e o Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul
(CINFA), em 1930 (Leopoldi, 2000, pp. 74-75).
Quando chegou ao poder com a Revolução de 1930, Vargas se deparou com o
cenário que acabamos de descrever brevemente. Cabe, agora, tentar explicar quais foram os
conflitos que transformaram este modelo “corporativista privado” (Leopoldi, 2000, p. 75),
pré-Vargas, no modelo corporativista efetivamente consolidado durante o Estado Novo. Antes
de tecermos nossas considerações, retomamos um comentário feito no início do texto para
anunciar a premissa da qual partimos: a construção do modelo corporativista de representação
de interesses da indústria não foi uma imposição do governo Vargas à burguesia industrial,
tampouco seu inverso é verdadeiro. Esse sistema, e consequentemente a Confederação
Nacional da Indústria, são produtos de diversos choques entre forças sociais, em especial da
disputa entre, de um lado, a burguesia industrial e seu modelo próprio de representação criado
ao longo das primeiras décadas do século XX e, de outro, o governo Vargas e o modelo de
sindicalização almejado pela burocracia estatal, que procurava manter as entidades sob maior
controle do aparelho de Estado.
Partindo dessa premissa, os anos 30, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder,
são de formulação do sistema corporativo que seria adotado, definitivamente, em 1938. Ainda
em 1931, através do decreto 19.770, o governo provisório estabeleceu as normas para a
sindicalização das classes patronais e trabalhadoras, mesmo sob protestos dos industriais. O
29

decreto previa que as organizações de classe seriam divididas em sindicatos, de âmbito


regional e setorial, federações, em âmbito estadual, e uma confederação, de abrangência
nacional. O registro e controle dessas entidades estariam a cargo do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio, criado no ano anterior. Em troca, as lideranças industriais aumentariam
seu espaço no Estado e suas organizações receberiam o status de órgãos técnicos e consultivos
(Leopoldi, 2000, p. 76).
As principais reclamações da burguesia industrial davam conta de que a legislação
proposta por Vargas não se adaptava às organizações já existentes, e que a regulamentação do
sindicalismo patronal não deveria atender os mesmos critérios adotados para a sindicalização
de trabalhadores. Apesar disso, os industriais optaram pela oficialização de suas associações
buscando, principalmente, ter maior acesso ao Estado. A primeira delas é o CIESP, que a
partir de 1931 se transforma em Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).
Em seguida foi a vez do CIB que, a despeito de suas aspirações nacionais, em seus quase 30
anos de história permanecia fortemente vinculado à indústria do Rio de Janeiro. O antigo
Centro Industrial do Brasil dá lugar à Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, então
denominada pela sigla FIRJ. A Federação fluminense se torna importante nesse contexto, pois
é durante a gestão da entidade por Francisco de Oliveira Passos que ganha espaço Euvaldo
Lodi, jovem industrial com raízes no setor siderúrgico de Minas Gerais, e que se tornaria o
primeiro presidente da CNI após sua oficialização em 1938 (Leopoldi, pp. 77-78).
A representação nacional dos industriais, por sua vez, passou a estar a cargo de
uma entidade que também atendia pela sigla CIB, fundada em 1933, mas dessa vez –
seguindo os critérios estabelecidos pela legislação sindical – era denominada Confederação
Industrial do Brasil. Na realidade, antes de ser uma confederação, de fato, com abrangência
nacional, a CIB estava vinculada às entidades estaduais existentes no país até então. Além da
FIESP e da FIRJ, o Centro Industrial de Juiz de Fora (CIJF) e o Centro das Indústrias do Rio
Grande do Sul (CIFRS). Ao contrário do que ocorreria na maior parte da existência da CNI, a
CIB foi comandada por grandes nomes ligados à burguesia industrial em seus respectivos
estados. Entre 1933 e 1938, estiveram no comando da entidade, nesta ordem: Francisco de
Oliveira Passos (RJ); Luís T. A. Pereira (SP); Euvaldo Lodi (MG/RJ); Gastão de Brito (RS); e
Roberto Simonsen (SP), em 1937 (Leopoldi, 2000, p. 80).
Através de uma forte união entre os industriais dos estados representados, a CIB
conseguiu pressionar o governo em direção a algumas de suas demandas, sendo a principal
30

delas a diferenciação dos critérios de reconhecimento dos sindicatos de trabalhadores e


patronais. Além disso, a articulação promovida pela CIB foi fundamental para fortalecer a
representação classista na Assembleia Constituinte de 1933. Entre outras medidas
influenciadas pela CIB, a legislação sindical de 1934 permitiu a criação de associações
regionais de caráter privado, em paralelo às federações oficiais. Isso permitiu à representação
da indústria brasileira a manutenção de uma entidade privada em conjunto com as Federações
estaduais (Leopoldi, 2010, p. 80-81).
A CIB manteve um caráter semioficial até 1938, quando se transformou em
Confederação Nacional da Indústria, se adequando à legislação do Estado Novo. Contudo,
não acabariam aí os conflitos entre a representação patronal e a burocracia de Estado:
Na prática, contudo, o corporativismo da Constituição de 1937 assumiu
características bem diversas das do projeto original. Foi o poder de veto dos
setores organizados da indústria e do comércio que inviabilizou o sonho
corporativo estadonovista. A FIESP e a CNI comandaram a luta contra a
“corporativização” dos industriais nos moldes desejados pelo governo. Nessa
ocasião os industriais mostraram que se, por um lado, vinham usufruindo das
vantagens oferecidas pela estrutura corporativista anterior (…), por outro,
impunham limites à ação do Estado sobre as entidades representativas do
setor (Leopoldi, 2000, pp. 81-82).
Nos dois anos seguintes, CNI e FIESP, presididas respectivamente por Euvaldo
Lodi e Roberto Simonsen – este acumulando o posto de vice-presidente da CNI, disputaram
com o governo os moldes da estrutura sindical que nascia. Entre os pontos de divergência, os
industriais se opunham ao sistema de “organização vertical” proposto pelo governo, que
almejava a criação de federações regionais setoriais, no lugar das “federações ecléticas” então
existentes. Entre os demais pontos que foram alvo de disputa com a burocracia do Estado
Novo estavam as exigências sobre a taxa de filiação para reconhecimento de sindicatos; a
possibilidade de manter as associações de caráter privado; a limitação para reeleição de
membros da diretoria das entidades; e a classificação utilizada pelo Ministério do Trabalho
para a definição de setores da indústria, considerada inadequada pelas entidades oficiais
(Leopoldi, 2000, pp. 82-84). Em alguns casos, como na luta pela manutenção de entidades
privadas, a burguesia industrial se uniu à comercial, que também tinha interesse semelhante.
Dessa forma, retomando a discussão sobre a perspectiva relacional na análise da ação
coletiva, as disputas em torno da estrutura sindical no governo Vargas são representativas de
31

como conflitos e afinidades entre os diferentes setores sociais são construídas na disputa
política real, e não derivam apenas da essência de cada um desses atores.
De maneira geral, os princípios que delinearam as propostas dos industriais eram
de que o controle que caberia ao governo sobre a representação patronal deveria ser restrito –
o espaço almejado dentro do governo exigia algum sacrifício – e que as associações de
empregadores não deveriam ter o mesmo tratamento das organizações de trabalhadores. O
debate em torno da diferenciação entre a organização sindical de trabalhadores e empresários,
especificamente, se prolongaria pelos anos seguintes. Frequentemente surgia, da parte de
líderes industriais, a justificativa de que as organizações dos trabalhadores defendiam
interesses profissionais, enquanto as entidades patronais eram responsáveis pela defesa de
interesses econômicos diretamente relacionados com os interesses nacionais (Leopoldi, 2000,
p. 84). Na realidade, a burguesia industrial, então liderada por Lodi e Simonsen, não estava
apenas disputando a construção de um modelo de representação de interesses, mas dava sinais
de também estar formulando seu projeto político.
O resultado prático da ofensiva dos industriais, principalmente através da CNI e
da FIESP, foi que
o corporativismo desejado pelos burocratas do Estado Novo (dentre eles
Oliveira Vianna) teve de se adaptar aos limites colocados pelos industriais:
em 1940 uma série de decretos “corrigiu” a legislação sindical, atendendo a
uma série de reivindicações das associações privadas e oficiais da indústria e
do comércio (Leopoldi, 2000, p. 85).
Em resumo, o processo de consolidação das associações de classe, e mais
especificamente em relação ao sistema corporativo implantado no primeiro governo Vargas,
esteve mais próximo de um embate de forças, que envolveu a ação consciente da burguesia
industrial, do que uma mera imposição do governo. Isso não significa, é claro, que o governo
tenha saído derrotado desse processo, ou que tenha encontrado nos industriais uma força de
oposição. Pelo contrário, durante os anos seguintes houve uma intensa colaboração entre a
CNI e Getúlio Vargas. No entanto, a percepção de que esse processo foi moldado por
conflitos permite compreender com mais clareza a ação da burguesia industrial.
32

1.2 – Crise de representação e surgimento do sistema extracorporativo

O período 1943-1945 marcou o auge da aliança entre a burguesia industrial e o


governo Vargas. Encerrado o debate sobre a oficialização dos sindicatos patronais, as
lideranças da indústria passaram a ter papel central nas ações econômicas do governo. Além
do importante desenvolvimento industrial do período, foi nesse momento em que, a pedido de
Vargas, o setor ficou responsável pelos recém-criados Serviço de Aprendizagem Industrial
(SENAI) e Serviço Social da Indústria (SESI) (Leopoldi, 2000, 86-87). Esses dois órgãos,
integrantes do chamado de Sistema S, se constituíram como os principais veículos para
divulgação do pensamento industrial no setor educacional (Rodrigues, 1997, p. 28). Os
recursos para manutenção de SESI e SENAI são provenientes do imposto sindical pago pelas
empresas, que é repassado às Federações e à CNI. Abordaremos essa questão mais à frente.
Os anos seguintes, contudo, não permitiram a continuidade do que ocorrera entre
1943-1945. Vargas, de quem Lodi era grande interlocutor, deixa a presidência em 1945.
Embora as lideranças da indústria mantivessem boa relação com o novo governo, houve o
enfraquecimento das lideranças “getulistas” no interior do sistema corporativo. Em 1948, com
a morte de Simonsen, Lodi se torna a única grande liderança da “velha guarda” da indústria,
que já passava por uma renovação geracional com a formação de novos quadros, muitos dos
quais provenientes de empresas estrangeiras, ocupando postos na FIESP e na FIRJ.
Simultaneamente, o mineiro passa a sofrer críticas crescentes dentro da FIRJ, entidade que
presidia simultaneamente à CNI. As acusações davam conta de que o industrial mineiro
centralizara excessivamente sua ação na Confederação e, consequentemente, seria responsável
pelo esvaziamento da entidade estadual (Leopoldi, 2000, pp.87-88). Ou seja, o sistema que
havia atingido seu auge nos anos 1940 começa a dar sinais de crise na década seguinte, e o
conflito que se manifestava como geracional, também possuía raízes em conflitos entre
diferentes setores da burguesia industrial.
Já na esteira da crise do segundo governo Vargas, as críticas que Lodi vinha
sofrendo se intensificaram a ponto de gerarem grandes pressões acerca de sua continuidade no
comando da CNI. Os ataques ao industrial não se resumiram a seu papel enquanto líder
empresarial, mas também por sua posição de parlamentar aliado do então presidente. Em meio
a um crescente cerco ao varguismo, dois episódios marcaram a perseguição a Lodi, sendo
decisivos para seu futuro e, consequentemente, da CNI: o industrial teve que responder a uma
33

CPI no Congresso sobre a concessão de empréstimos ao jornal “Última Hora”, que apoiava o
presidente; além de ter sido acusado de fornecer recursos para a guarda pessoal de Vargas,
que havia se envolvido no atentado da Rua Tonelero contra o líder oposicionista Carlos
Lacerda (Leopoldi, 2000, pp. 241; 281-282). A campanha contra Lodi, como é possível
imaginar, não estava ligada apenas a denúncias de condutas ilegais, mas era indissociável da
dinâmica política mais ampla que levou ao fim do governo Vargas. No interior do sistema
corporativo, o declínio dos antigos líderes da indústria facilitou a ascensão de quadros liberais
ou ligados a empresas estrangeiras. O próprio ataque às lideranças getulistas, levado a cabo,
tanto dentro das organizações patronais como na cena política, esteve ligado a disputas por
interesses políticos e econômicos. Como exemplo podemos citar as movimentações visando
facilitar a importação de veículos, em clara oposição ao projeto de Vargas de instalar uma
indústria automobilística no país, e também criando dificuldades para o setor de autopeças
(Leopoldi, 2000, p. 241).
Com o suicídio de Vargas, Lodi se afasta da cena política, deixando também o
comando da CNI e da FIRJ, que passam, respectivamente, para Augusto Viana Ribeiro dos
Santos e Zulfo Mallmann. O afastamento de Lodi poucos anos depois da morte de Roberto
Simonsen, e intimamente relacionado com a crise do governo Vargas, marca uma nova fase
da história da representação de interesses da indústria brasileira, com o declínio das primeiras
lideranças do sistema corporativo e a convivência com a entrada cada vez maior de capital
estrangeiro no país.
Já em um novo contexto, a política econômica e industrial dos anos 1950 colocou
dois desafios para a CNI e o conjunto da burguesia industrial. Em primeiro lugar, a política de
desenvolvimento industrial adotada, que incluiu a criação da Petrobras e, posteriormente, o
incremento da indústria automobilística, passa a privilegiar interesses setoriais em detrimento
da “indústria em geral”, representada junto ao governo pela CNI. Não por acaso, nesse
período surgem algumas das mais importantes associações privadas da indústria, se
aproveitando, inclusive, do decreto de 1940, então apoiado pela CNI, que permitiu a criação
das associações privadas em concorrência com as entidades do sistema corporativo.
Associações como ABDIB (Associação Brasileira da Indústria de Base, 1955), Anfavea
(Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, 1956), e Associação da
Indústria de Autopeças (1951) – que daria origem ao Sindipeças dois anos mais tarde –
surgem nesse contexto, em um processo que continua na década seguinte. A fragmentação em
34

interesses setoriais acaba por enfraquecer o “projeto nacional” simbolizado por Simonsen e
Lodi, o que, no longo prazo, enfraquece também a CNI.
Ao mesmo tempo, e guardando relação com o crescimento das associações
privadas, esse período é marcado pela maior abertura da economia brasileira ao capital
estrangeiro, principalmente durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961). Ou seja,
o quadro geral com o qual a CNI e o conjunto da burguesia industrial se depararam a partir de
meados da década de 50 foi de fragmentação na representação de interesses imposta pelo
desenvolvimento do parque industrial nacional e o aumento da entrada de capital estrangeiro
no mercado brasileiro.
O posicionamento da CNI e da burguesia industrial em geral a respeito dessa
questão é controverso. A perspectiva desenvolvimentista do segundo governo Vargas e,
principalmente, do governo JK, promoveu o aumento da entrada de capital estrangeiro no
Brasil, concentrado nos setores de ponta da indústria. A posição das lideranças da indústria
frente a essa questão foi dúbia. Ao mesmo tempo em que não se colocam contra a entrada de
capital estrangeiro no país, e até são favoráveis em alguns casos, pedem proteção do Estado
para os setores em que o capital nacional já está estabelecido. Abordaremos com mais cuidado
a relação da CNI com o capital estrangeiro no item em que discutimos a natureza dessa fração
de classe no capitalismo brasileiro. Podemos adiantar, contudo, que esse comportamento em
relação ao capital estrangeiro será constante na trajetória da CNI. Ao longo de sua história, a
entidade não se colocou frontalmente contra a entrada do capital estrangeiro no Brasil, pelo
contrário, como mencionamos, em muitos casos se mostrou favorável à entrada de capital que
pudesse contribuir com a expansão do parque industrial brasileiro, independentemente de sua
origem.
Durante os dois anos em que esteve sob a presidência de Augusto Viana, em um
período de turbulência, a CNI não conseguiu superar a crise que se instalara ainda sob o
comando de Lodi. O Departamento Econômico da Confederação, liderado por Ernesto Street,
José Octavio Knaack de Souza e João Paulo de Almeida Magalhães, se colocava como “órgão
de defesa da ideologia sustentada pelos líderes da indústria” (Leopoldi, 2000, p. 240). A
“ideologia da indústria”, reivindicada pelo Departamento Econômico, se constituía
principalmente em oposição à política de Eugênio Gudin, então Ministro da Fazenda do
governo Café Filho. Além de Gudin, os alvos preferenciais do Departamento Econômico
eram instituições como a Fundação Getúlio Vargas e o Conselho Nacional de Economia,
35

cujas posições eram apontadas como “antiindustriais”. Os anos de 1954 e 1955 foram
marcados, portanto, pela disputa entre a posição da burocracia da CNI, ainda herdeira da
tradição de Lodi e Simonsen, e as posições liberais adotadas pelo Ministério da Fazenda,
sintetizadas pelo programa de estabilização monetária de Gudin, que vinculava o processo
inflacionário ao desenvolvimento industrial. O debate se tornou público, e a posição adotada
pela CNI e pela FIESP era de que a política de estabilização não deveria ser promovida em
prejuízo do desenvolvimento industrial (Leopoldi, 2000, pp. 240-241).
O assunto extrapolou os círculos econômicos, e os economistas da CNI chegaram,
inclusive, a realizar conferências na Escola de Estado Maior do Exército e na Escola Superior
de Guerra, buscando angariar apoio dos militares para suas posições. Desde o afastamento de
Lodi, a revista da CNI, intitulada “Estudos Econômicos”, parara de ser publicada. Dessa
forma, para responder às críticas de Gudin, o Departamento Econômico da CNI lançava mão,
além de periódicos econômicos, de recursos que o SESI dispunha para a imprensa7. Assim,
obteve espaço para responder ao ministro da Fazenda e defender suas posições (Leopoldi,
2000, p. 240). O Departamento Econômico criaria uma revista própria para dar voz às suas
ideias em 1957, que recebeu o nome de “Desenvolvimento e Conjuntura” (Leopoldi, 2000, p.
265).
Em 1956, pouco depois da posse de Juscelino Kubitschek na Presidência da
República, Lídio Lunardi assumiu o comando da CNI. Mineiro como Euvaldo Lodi e o
próprio JK, Lunardi manteve boas relações com o novo governo, homenageando o presidente
da república com a primeira “Medalha do Mérito Industrial”, o que rendeu, em retribuição,
diversas visitas de Kubitschek à sede da CNI (Guilmo, 2015, p. 36). As boas relações não
eram apenas pessoais, já que no ano anterior, diante da crise que se criara a respeito da
sucessão do presidente Café Filho, a CNI defendeu a posse do candidato eleito Kubitschek
(Leopoldi, 2000, p. 258). No entanto, apesar das boas relações entre o comando da CNI e JK,
o Departamento Econômico da entidade continuou fazendo críticas ao governo. Dessa forma,
as relações entre Confederação Nacional da Indústria e o governo Juscelino Kubitschek foram
contraditórias: ao mesmo tempo em que Lunardi mantinha uma relação institucional de
proximidade com JK, o Departamento Econômico apresentava críticas ao governo, em

7
Aqui cabe um parêntese em relação à discussão principal: episódios como esse ajudam a entender a
importância concedida ao Sistema S pela CNI, que empreendeu uma grande disputa política durante a
Assembleia Constituinte de 1988 para manter SESI e SENAI sob sua tutela.
36

especial em relação à Instrução 113, acusada de favorecer o capital estrangeiro em detrimento


do capital nacional, e ao Plano de Estabilização de 1958-59 (Leopoldi, 2000, 264).
Ainda que possamos localizar, de maneira pontual, pontos de maior atrito entre a
CNI e o governo federal ao longo dos quase 80 anos da entidade, os levantamentos que
fizemos para a pesquisa mostram que essa tradição, iniciada com Euvaldo Lodi e mantida por
Lídio Lunardi, típica do corporativismo, permanece presente até os dias de hoje, qual seja, a
tentativa de manter relações de proximidade com os presidentes da república e a alta
burocracia de Estado, reservando eventuais críticas à condução política como exclusivamente
técnicas. A própria sucessão de presidentes da CNI, que foram substituídos em momentos de
crise por figuras mais próximas dos interesses que estavam no poder, demonstra isso (Guilmo,
2015, PP. 36-37). Embora os conflitos sejam parte constitutiva de sua ação de representação
de classe, e estejam presentes na própria consolidação da Confederação Nacional da Indústria,
como tentamos expor neste capítulo, a ideia de cooperação e proximidade com o poder
público é a todo tempo destacada nos documentos oficiais da entidade. Os livros de Hermes e
Nunes (1994), e Bueno (2008), publicados pela própria CNI acerca de sua história, buscam
ressaltar esse aspecto. Contudo, tendo em vista a própria perspectiva teórica que utilizamos
neste trabalho, isso não implica assumir que a CNI se constitui em órgão de apoio aos
sucessivos governos, relegando a política adotada a um segundo plano, mas que, na maior
parte dos casos, esses conflitos aparecem de maneira silenciosa.
Com efeito, embora tenha havido intenso crescimento industrial durante os anos
JK, parte da burguesia industrial guardou críticas ao governo por se ver como “sócia menor”
em relação ao capital estrangeiro. A posição do Departamento Econômico, contudo, não se
constituía única, tampouco majoritária, no interior da indústria. No mesmo período, como já
mencionamos, ganham força no sistema corporativo quadros ligados ao liberalismo e ao
próprio capital estrangeiro, como Zulfo Malmann, na FIRJ. Ao mesmo tempo, a FIESP passa
a ocupar lugar cada vez mais importante na representação da burguesia industrial brasileira,
em detrimento da CNI.
Dentro desse cenário de dificuldades, os acontecimentos que datam do final dos
anos 1950 e início da década seguinte são marcantes na trajetória da Confederação. O
enfraquecimento da entidade, que resultou na perda de espaço na representação industrial para
a FIESP, culmina com as três intervenções pelas quais a CNI passaria nos anos 60. A própria
legislação sindical garantia ao governo federal, através do Ministério do Trabalho, a faculdade
37

de intervir na Confederação, ainda que nunca se tivesse lançado mão desse expediente. Até
1961, quando Jânio Quadros atende a setores da FIESP e FIRJ, que demandavam uma
intervenção na CNI, e afasta Lídio Lunardi. Em seu lugar, institui uma junta governamental, a
primeira da história da entidade, composta por José Vilela de Andrade Jr. (FIESP), Osmario
Ribas (FIRJ) e Zulfo Mallmann (FIRJ). Com a renúncia de Quadros, João Goulart assume a
presidência da república e promove nova intervenção, e assim Fernando Gasparian (FIESP),
Paulo Figueiredo Barreto (FIES) e José Pironnet assumem a Segunda Junta Governamental.
Meses depois, em fevereiro de 1962, Domício Velloso da Silveira assume um mandato
tampão até outubro do mesmo ano, quando Haroldo Correia Cavalcanti, presidente da
Federação das Indústrias do Estado do Maranhão (FIEMA), é eleito novo presidente da CNI
(Leopoldi, 2000, pp, 89-90).
Com Cavalcanti na presidência, a CNI se manteve praticamente como a única
entidade patronal a apoiar o governo Goulart às vésperas do golpe (Leopoldi, 2000, p. 89;
Guilmo, 2015, p. 38). Com a tomada de poder pelos militares, a CNI passou por nova
intervenção, que empossou Hiaty Leal (TRT), Orlando Ferraiuolo (empresário da indústria
química) e Eurico Amado (empresário da indústria têxtil) para comandarem a Terceira Junta
Governamental. Ainda em 1964, Edmundo de Macedo Soares e Silva – ex-governador do Rio
de Janeiro e de origem militar – assumiria a presidência de Confederação de forma definitiva.
Leopoldi (2000, pp; 89-90) classifica as sucessivas intervenções como “o começo da
decadência da CNI”, que se prolongaria pelo menos até o final da ditadura militar e
consolidaria o papel da FIESP como instituição superior da indústria “de fato”, pelo menos
até a redemocratização do país.
A disputa pelo comando da CNI durante o início dos anos 1960 é representativa
para compreender a dinâmica da entidade, de forma que é possível relacionar os conflitos e a
polarização de posições entre os industriais com os conflitos presentes na sociedade naquele
momento. Como apontado por Leopoldi (2010, p. 428 apud Guilmo, 2015, p.37), “a
radicalização do debate entre nacionalistas e internacionalistas trazida para o interior das
organizações industriais (…) aprofundou a cisão no sistema corporativo”. A terceira
intervenção, em particular, permite visualizar com clareza essas disputas. Cavalcanti, que já
havia declarado apoio ao presidente João Goulart, foi afastado de seu cargo cerca de uma
semana antes do golpe de 1964. Ocupando a direção da entidade, a nova junta declara que
38

o objetivo da indústria é o de colaborar com o patriótico governo do


marechal Castelo Branco, para que os altos objetivos da revolução de 31 de
março sejam plenamente alcançados com a retomada do desenvolvimento
nacional (Bueno, 2008, p. 207).
Guilmo (2015, p. 37-39) ressalta que “a preparação para o golpe militar envolveu
conquistar e organizar o apoio dos diversos setores da burguesia. E abafar possíveis
oposições”. Dessa forma, não apenas Haroldo Cavalcanti foi afastado da presidência da CNI,
como a Federação das Indústrias do Maranhão (FIEMA), criada em 1957 por Cavalcanti, teve
seu registro cassado em 1965, retomando as atividades apenas três anos mais tarde, já em
plena ditadura. A ausência de maiores justificativas, associada ao fato de ter sido o único
episódio registrado de cassação de uma federação estadual pelo Ministério do Trabalho, são
evidências que apontam para uma tentativa da ditadura de minar possíveis focos de oposição
dentro da burguesia industrial (Guilmo, 2015, pp. 38-39).
Cabe ressaltar, como também destacado por Guilmo (2015, pp. 38-39), a escassez
de documentos das federações e da CNI a respeito das votações e afastamentos desse período,
o que dificulta o preenchimento de algumas lacunas quanto às disputas internas da
Confederação, e entre as lideranças das entidades estaduais. Mesmo estudos mais densos
sobre a atuação das associações empresariais, como o de Leopoldi (2000), se baseiam
principalmente em entrevistas e declarações de pessoas ligadas aos acontecimentos ao tratar
dessas questões. Pudemos constatar essa dificuldade também para a coleta de dados mais
recentes sobre as disputas internas pelo comando da Confederação. Os processos eleitorais
internos, dos quais destacamos os que elegeram os presidentes de 1994 em diante, são
divulgados pela CNI como consensuais e, em geral, há apenas uma chapa em disputa. Em que
pese o peso relativo da FIESP devido à quantidade de empresas filiadas e ao capital industrial
do estado, o fato de cada federação ter direito a um voto para escolha da diretoria da CNI tem
resultado, até hoje, na predominância de presidentes oriundos dos estados do Nordeste,
conforme a tabela 1.
39

Tabela 1 – Presidentes da CNI

Presidente Período Estado


Euvaldo Lodi* 1938-1954 MG/RJ
Augusto Viana Ribeiro dos Santos 1954-1956 BA
Lídio Lunardi 1956-1961 MG
1ª Junta Governamental 1961 -
2ª Junta Governamental 1961-1962 -
Domício Velloso da Silveira** 1962 PE/PB
Haroldo Correia Cavalcanti 1962-1964 MA
3ª Junta Governamental 1964 -
Edmundo de Macedo Soares e Silva 1964-1968 RJ
Thomas Pompeu de Souza Brasil Netto 1968-1977 RJ
Domício Velloso da Silveira 1977-1980 PE/PB
Albano de Prado Pimentel Franco 1980-1994 SE
Mario Amato*** 1994-1995 SP
Fernando Luiz Gonçalves Bezerra 1995-2002 RN
Armando Monteiro Neto 2002-2010 PE
Robson Braga de Andrade 2010-2018 MG
Fontes: Bueno, 2008; Hermes e Nunes, 1994. Elaboração própria.

Durante a ditadura militar, o papel da CNI enquanto representante da burguesia


industrial se reduziu quando comparado ao período anterior. Isso se deu através de um modelo
de governo que, embora privilegiasse os interesses da indústria, deixou em segundo plano
suas entidades representativas. Como aponta Leopoldi,
[…] O regime militar fragilizou ainda mais as entidades oficiais, quer pela
intervenção feita em 1964 na CNI, quer pelo fato de que a política
econômica passou a ser formulada por tecnocratas em gabinetes, sem que os
industriais tivessem capacidade de pressionar a equipe econômica.

*
Euvaldo Lodi iniciou a carreira como industrial em Minas Gerais, mas também ocupou a presidência da
FIRJ.
**
Domício Velloso nasceu em Pernambuco, mas passou a maior parte da carreira como industrial na Paraíba,
tendo sido um dos fundadores da Federação das Indústrias da Paraíba.
***
Mario Amato assumiu a presidência da CNI durante a licença do titular, Albano Franco, para concorrer ao
governo de Sergipe.
40

A indústria beneficiou-se com o período do ‘milagre econômico’, mas as


suas entidades de classe corporativas permaneceram sem representatividade.
Enquanto isso, as associações paralelas, de caráter extracorporativo,
continuaram ativas, evidenciando que o corporativismo das federações
unitárias dera lugar a um pluralismo setorial (2000, p. 90).
Depois de um período ocupando papel secundário como representante do setor industrial, a
CNI intensificou sua ação política nas últimas décadas do século XX, processo que foi
intensificado com a redemocratização. Veremos com mais detalhe as transformações
atravessadas pela indústria nos anos 1990 no capítulo 2, mas antes cabe passar rapidamente
pelas disputas da década anterior.

1.3 – Redemocratização e constituição do “novo” sistema corporativo

Os anos 1980 são significativos para a CNI, em particular, e para o próprio


sistema corporativo em geral. A entidade passava por um processo de renovação desde 1977,
quando Domício Velloso, que havia presidido a Confederação durante alguns meses em 1962,
é eleito novamente presidente. Velloso apresentou sua candidatura em chapa única, em
oposição à gestão do então presidente, Brasil Netto, que desistira de concorrer a mais um
mandato. O ex-presidente da FIEP contou com o apoio de setores do governo, que almejavam
restaurar a representatividade das entidades corporativas, que haviam perdido espaço para as
associações setoriais (Domício…, 2018). Já sob o comando de Albano Franco, substituto de
Velloso, a década de 80 registra uma atuação política mais intensa da Confederação se
comparada à década anterior, muito em virtude da abertura democrática e das disputas para
elaboração da nova Constituição.
Diante das propostas de estatização do SESI e SENAI, impulsionadas por setores
populares, a CNI demonstrou sua capacidade de pressão política para manter o controle sobre
as entidades, provocando forte mobilização dos industriais, em especial os que estavam
ligados ao sistema corporativo (Guilmo, 2015, p. 35). Em que pese a vitória da Confederação
na questão da manutenção do controle sobre SESI e SENAI, a CNI passou a lutar por
alterações constitucionais desde a promulgação da Constituição de 1988. Dentro desses
esforços, mobilizou recursos para influenciar o plebiscito constitucional de 1993, e incorporou
41

em sua agenda política uma série de medidas que implicam a aprovação de emendas à
Constituição, em geral ligadas às pautas tributária, trabalhista e previdenciária.
Consolidando o processo que se iniciara na década anterior, a Confederação
Nacional da Indústria recuperou, nos anos 1990, o antigo protagonismo como representante
da burguesia industrial. Ainda que dividindo espaço com outras entidades do sistema
corporativo e extracorporativo, das quais destacamos a FIESP, a posição ocupada pela CNI no
sistema de representação de interesses a coloca em condição de representante exclusiva do
conjunto do setor industrial, em contraposição aos sindicatos e associações setoriais, voltados
à defesa de ramos específicos, e às federações, de abrangência estadual (Mancuso, 2007, p.
58). Em face às mudanças promovidas pela redemocratização, mas observando seus aspectos
centrais, o sistema corporativo criado na década de 1930 se mantém como principal estrutura
institucional para representação da indústria até hoje. Contudo, apesar de ter sido mantido
após a redemocratização, passou por algumas importantes modificações na constituição de
1988. Em relação às principais alterações, foram suprimidos os mecanismos que permitiam ao
governo federal exercer controle direto sobre as organizações. Dentre esses mecanismos,
destacamos a “exigência de autorização prévia para a fundação de sindicatos, o poder de
intervir nas eleições para postos de liderança, e a faculdade de interferir no funcionamento
cotidiano das entidades” (Mancuso, 2007, p. 139). Esses expedientes foram mais utilizados
durante os regimes autoritários do Estado Novo e militar, e relativamente menos comuns no
período 1945-1964.
Em oposição, dois dispositivos que também caracterizaram o sistema corporativo
desde a sua fundação foram mantidos pela nova constituição: a unicidade sindical e a
contribuição sindical compulsória (Mancuso, 2007, p. 139). Ainda que tenha sido mantida por
quase 30 anos depois da promulgação da Constituição de 1988, a contribuição sindical se
tornou facultativa em 2017, através da Lei 13.467, que alterou os artigos 578 e 579 da CLT,
descaracterizando seu caráter tributário. Os recursos arrecadados pela contribuição voluntária
são distribuídos da mesma forma que ocorria enquanto a contribuição foi compulsória, a
saber: 60% destinado ao sindicato, 15% para a federação estadual e 5% para a confederação.
Os 20% restantes são destinados à Conta Especial Emprego e Salário (CEES), do Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE). Considerando o pouco tempo desde que a nova legislação
entrou em vigor, ainda existem poucas análises sobre como o fim do imposto sindical impacta
42

as entidades do sistema corporativo. Serão necessários estudos para verificar se essa mudança
afetará a própria natureza do sistema, ainda que a unicidade sindical tenha sido mantida.
Contudo, essa alteração significativa não eliminou integralmente a natureza
tributária do financiamento das entidades da indústria. Como mencionamos, a CNI é
responsável pela manutenção do SENAI e do SESI, entidades de caráter privado financiadas
pela contribuição dos trabalhadores da indústria desde a sua criação, na década de 1940. Em
outras palavras, cabe à CNI, em parceria com as federações estaduais, a responsabilidade de
administrar o orçamento dessas entidades (Hermes e Nunes, 1994, p. 39). Mensalmente, as
empresas recolhem entre 0,2 e 2,5% da folha de salários para esse fim. O dinheiro é
arrecadado pelo governo e repassado integralmente à CNI e às Federações (Landim, 2017)8.
Historicamente, questionamentos ou tentativas de modificar a destinação e distribuição desses
recursos provocaram reações firmes, como visto na disputa travada durante a Assembleia
Constituinte e, mais recentemente, em 2015, quando o governo tentou reter 30% das verbas
arrecadadas para o Sistema S (Cortes no Sistema…, 2015).
Outra das características constitutivas do sistema corporativo, ainda em vigor, a
unicidade sindical prevê que apenas um sindicato pode ocupar o papel de representante e
mediador dos interesses das empresas que atuam em atividades econômicas idênticas,
similares ou conexas, localizadas numa determinada região. Nesse arranjo, os sindicatos
podem ter abrangência municipal, intermunicipal, estadual, interestadual ou nacional,
(Mancuso, 2007, pp. 139-140). A filiação das empresas aos sindicatos é voluntária e, como
mencionamos, desde 2017 o pagamento da contribuição sindical também possui caráter
voluntário, rompendo com a legislação original que estabelecia a contribuição compulsória,
mas mantendo a regra que não permite sobreposição de representação.
Atualmente, a base do sistema é composta por mais de 1250 sindicatos e 700 mil
empresas distribuídos por todo o país9. O segundo nível de representação é composto pelas
federações estaduais, que desde os anos 1990 possuem representação em todos os estados,
além do Distrito Federal, totalizando 27 federações. O terceiro nível do sistema é composto

8
Não encontramos dados sobre a participação do valor repassado para o Sistema S na composição da receita
total da CNI. A título de comparação, o orçamento da FIESP para 2016 foi composto em 11,1% por recursos
do imposto sindical, enquanto 61,1% eram destinados ao Sistema S. No mesmo ano, na Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), os repasses para o Sistema S corresponderam a 72% do orçamento
(Landim, 2017). Os repasses totais recebidos pelas entidades patronais da indústria destinados à manutenção
do Sistema S naquele ano totalizaram 3,7 bilhões de reais, sendo R$ 2,18 bilhões referentes ao SESI e R$
1,52 bilhão ao SENAI (Lupion, 2017).
9
Informações disponíveis na página oficial da CNI, em
<http://www.portaldaindustria.com.br/cni/institucional/conheca-cni/>. Acesso em 18. set., 2018.
43

pela Confederação Nacional de Indústria, que engloba o conjunto das federações estaduais
(Mancuso, 2007, p. 141).
Em torno dessa estrutura institucional, uma das grandes controvérsias da
legislação corporativista diz respeito à regra que prevê paridade em processos eleitorais, nos
níveis superiores, a todos os entes que compõem cada um desses níveis. Desse modo,
sindicatos de relevância econômica distinta possuem o mesmo peso na eleição das federações.
Processo equivalente ocorre nas eleições para a Confederação Nacional da Indústria, em que
todas as 27 federações têm direito a um voto, sem que se considere o número de sindicatos
filiados, ou o volume de produção de cada um dos estados no PIB industrial (Mancuso, 2007,
pp. 143-144). Ao ressaltar esse aspecto, não temos como intuito emitir juízo crítico ao
processo eleitoral, mas apenas destacar essa característica definidora do sistema corporativo
que, evidentemente, acaba por refletir no comando das entidades. Alguns autores creditam a
essa distorção promovida pela legislação corporativista um efeito negativo sobre a
representatividade das associações superiores, já que os principais líderes empresariais não se
veriam representados pelas lideranças escolhidas, em grande medida, por associações
economicamente pouco relevantes. Esse “déficit representativo” seria um dos responsáveis
pela debilidade política da indústria no Brasil (Mancuso, 2007. p. 144). Embora não
desprezemos as características introduzidas pela legislação corporativista, procuraremos
apontar, ao longo do texto, como outros fatores, de ordem externa às entidades, e ligados aos
conflitos entre classes e frações de classe, influenciam sua ação política.
Cabe pontuar que, ao menos no período pesquisado, há uma tendência importante
no interior da CNI para a eleição de diretorias em composição com as 27 federações,
apresentando uma única chapa. Como exemplo, o empresário mineiro Robson Braga de
Andrade foi eleito para o terceiro mandato consecutivo como presidente da CNI em 2018,
sem que fosse lançada chapa de oposição em nenhuma das três oportunidades. Essa
constatação não permite inferir que não exista oposição dentro da entidade, mas é uma
importante evidência de que as disputas internas costumam ocorrer “por fora” do embate
eleitoral.
Por fim, ressaltamos a tendência de recuperação da CNI observada a partir do
final dos anos 1980, retomando o lugar de principal representante da burguesia industrial no
país, posto que divide com a FIESP, em razão da importância do parque industrial paulista.
Depois de ter sua atuação reduzida durante o período militar, a CNI ganhou força com a
44

redemocratização, atuando, inclusive, como uma importante representante classista na


assembleia constituinte. Já na década de 1990, a Confederação passa a atuar como entidade de
cúpula, de fato, do sistema corporativo. Essa atuação procurou reforçar seu caráter consultivo
e sua capacidade de pressão política, e restabelecer o papel da CNI como um importante
representante da indústria no debate público, contrariando a tese da debilidade política.
Em 1994, a entidade elabora seu primeiro caderno reunindo as propostas do setor
industrial ao governo eleito. A Confederação passaria a confeccionar um novo caderno de
propostas em todas as eleições seguintes, sintetizando as principais demandas e pontos de
vista dos industriais, para apresentá-los aos candidatos à presidência. Esses documentos, por
sua vez, não são produzidos exclusivamente pela diretoria da CNI, mas se baseiam em
consultas às federações, sindicatos, associações privadas e empresários do setor. De modo
que, se não refletem plenamente os anseios dessa fração burguesa, são importantes
“termômetros” para indicar posicionamentos majoritários dos industriais em cada conjuntura.
Em paralelo, a CNI passou a desenvolver, a partir de 1996, a “Agenda Legislativa
da Indústria”. A exemplo das propostas aos presidenciáveis, essa publicação é elaborada a
partir de um amplo sistema de consulta às bases chamado RedIndústria. Uma nova edição da
Agenda Legislativa é feita todos os anos com o posicionamento sobre os projetos que
tramitam no Congresso Nacional e são de interesse da indústria, visando, principalmente, a
redução do Custo Brasil. No mesmo ano, a CNI liderou, em conjunto com outras entidades da
burguesia interna, a criação da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB). A organização tinha
como principal objetivo transformar as principais demandas dos diferentes setores do
empresariado em pressão junto ao governo, e aumentar a participação da burguesia nas
negociações internacionais (Boito Jr. e Berringer, 2013, p. 35). Além disso, outras ações são
realizadas periodicamente, como o Fórum Nacional da Indústria e o Encontro Nacional da
Indústria, para a discussão de questões e apresentação de propostas de interesse da indústria
(CNI, 2009). Em conjunto com essas ações, também houve um aprimoramento do corpo
técnico da CNI, reforçando seu caráter de órgão consultivo do governo federal, a fim de
elaborar uma visão autônoma da condução econômica para além das questões empresariais
(Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 13). Esse reforço resultou na produção de uma série de
índices, estudos e publicações divulgados periodicamente pela entidade.
Essa recuperação da CNI fez parte de um processo de mobilização em reação às
reformas neoliberais da década de 90 que impactaram profundamente o setor industrial. A
45

Confederação procurou meios para intensificar sua ação política com intuito de minimizar os
impactos provocados pela política neoliberal sobre o setor industrial (Mancuso, 2007). Cabe
destacar, no entanto, que esse processo não implicou assumir uma posição contrária ao
conjunto dessas reformas, mas uma postura contraditória, que as entendia como “inevitáveis”
(CNI, 1994). Na prática, isso significou apoiar o sentido geral da liberalização econômica
mas, ao mesmo tempo, reivindicar proteção aos principais setores da indústria por ela
afetados. Abordaremos esse assunto com mais detalhes nos capítulos seguintes.
Em resumo, procuramos demonstrar como os conflitos e as relações de forças
sociais moldaram a configuração do sistema corporativo do qual faz parte a CNI, e a própria
atuação política da entidade. Seu papel na disputa política esteve, portanto, vinculado aos
conflitos entre classes e frações de classe, e com o próprio Estado, em diferentes contextos.
Nos próximos capítulos, retomaremos esse debate acerca da atuação da CNI e do conjunto da
burguesia industrial dos anos 1990 em diante, face às conjunturas neoliberal e
neodesenvolvimentista. Enquanto condensação institucional das disputas políticas em que
esteve envolvida, cabe retomar o debate sobre as próprias características estruturais da
burguesia brasileira para melhor compreender sua atuação política.

1.4 – A burguesia industrial brasileira: uma burguesia nacional ou interna?

A partir da segunda metade do século XX, em especial a partir das décadas de 60


e 70, muitos estudos foram publicados a respeito da burguesia brasileira com o objetivo de
compreender o sentido e a intensidade de sua atuação política. Nosso objetivo nesta seção não
é retomar esse debate em profundidade, mas tomá-lo como ponto de partida para fundamentar
e clarear a visão sobre nosso objeto. Em que pesem as diferenças de cada um desses estudos, a
bibliografia que aborda essa questão os distingue em dois grupos (Barbosa, A., 2003;
Mancuso, 2007b; Boschi, M., 2000). O primeiro deles, composto por autores como Fernando
Henrique Cardoso (1964), Luciano Martins (1968) e Florestan Fernandes (1975), apontou o
papel secundário da burguesia industrial brasileira em relação aos demais setores dominantes.
Em geral, esses autores apontavam a desorganização política dessa fração de classe como
causa que levava a burguesia nacional a não ocupar uma posição hegemônica dentro do
capitalismo brasileiro, atuando à margem de seus interesses de longo prazo, para se aliar aos
demais setores dominantes e atrasados, notadamente o latifúndio. À desarticulação política e
46

desorientação ideológica da burguesia brasileira também se atribuía o atraso do país, já que a


esta fração da classe dominante, aliada com setores da classe trabalhadora, caberia o papel
histórico de realizar o combate aos segmentos atrasados da sociedade brasileira. Dessa forma,
para que a burguesia nacional exercesse seu papel hegemônico, seria necessário também
assimilar interesses de outras classes para apresentar seus próprios interesses políticos como
interesses nacionais.
Essa interpretação toma como referência a ação das burguesias nacionais nos
países desenvolvidos durante seus processos de industrialização, e pressupõe o
estabelecimento de uma aliança entre a fração produtiva e autóctone da burguesia com a
classe operária local, em oposição aos interesses identificados como atrasados. Essa aliança
havia sido defendida principalmente por intelectuais da década de 1950, ligados ao Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), como Hélio Jaguaribe de Mattos e Nelson Werneck
Sodré, e setores do Partido Comunista Brasileiro. A não correspondência entre o
comportamento esperado e a ação política real da burguesia brasileira levou esses analistas a
caracterizarem essa fração de classe como fraca, politicamente desorganizada e
ideologicamente desorientada. Como apontamos anteriormente, essas análises possuem um
forte componente essencialista, ao identificarem elementos típicos da “essência” desse sujeito
político – nesse caso a burguesia brasileira – como fatores determinantes de sua ação política.
Há ainda outro problema em relação a essas análises, quanto à própria caracterização da
burguesia industrial brasileira como uma burguesia nacional, mas voltaremos a esse ponto
mais adiante.
Com divergências em relação ao primeiro grupo de autores abordado, outra parte
da bibliografia que se dedicou a estudar a ação política da burguesia no Brasil, em especial a
partir de meados da década de 70, encontrou evidências de uma ação política mais intensa
dessa fração de classe. Estudos como os de Eli Diniz (1978) e Renato Boschi (1979)
identificam a burguesia brasileira como força política atuante nesse contexto, se distanciando
das análises que caracterizavam a passividade e desorganização política dessa fração de
classe. Leopoldi (2000)10, por exemplo, resgata a organização política da burguesia industrial
desde os anos 1930 e seu papel ativo em defesa da política tarifária e cambial.

10
Obra publicada originalmente em 1984, como tese de doutorado, com o título “Industrial Associations and
Politics in Contemporary Brazil. The Association of Industrialists, Economic Policy Making and the State
(1930-1961)”.
47

A despeito de diferentes abordagens e conclusões, cabe notar, contudo, que ambos


os grupos atribuem à burguesia industrial um papel secundário no interior das classes
dominantes do capitalismo brasileiro. Ou seja, ainda que os dois grupos guardem diferenças
significativas entre si, e essas diferenças existam mesmo entre autores de uma mesma
“geração”, ambos convergem ao apontar a falta de hegemonia política da burguesia brasileira
e sua camada industrial. Esse papel secundário é explicado, entre outros fatores, por uma
imaturidade ideológica que a impediu de realizar, em diversos momentos de sua trajetória,
uma aliança com a classe trabalhadora, a fim de combater e superar os interesses dos setores
atrasados que dominavam o capitalismo brasileiro. Assim, a ação política real da burguesia
brasileira seria incompatível com a de uma burguesia nacional – e as explicações do porquê
isso ocorria variavam.
Essa visão comum acabou por difundir uma imagem da burguesia brasileira como
comprometida exclusivamente com seus interesses imediatos, incapaz de vislumbrar cenários
de longo prazo, combater os setores atrasados e estabelecer um projeto hegemônico. Nosso
intuito com essa breve caracterização das análises mais conhecidas sobre a burguesia
brasileira não é o de descartar suas inúmeras contribuições à compreensão dessa classe. Tendo
em vista que foge a nosso objetivo realizar uma análise detalhada de cada um desses autores,
buscaremos apenas estabelecer dois pontos de divergência, amparados em estudos mais
recentes, que nos permitam compreender a burguesia brasileira mais sob a ótica do que ela de
fato é, e não do que ela deveria ser.
O primeiro ponto é o de que a burguesia existente do Brasil, e em especial sua
fração industrial, não pode ser classificada como uma burguesia nacional, se tomado como
referência o processo histórico de desenvolvimento capitalista nos países centrais. Dessa
consideração entendemos que não se deve inferir automaticamente que a burguesia brasileira
seja politicamente frágil ou tenha uma atuação incompatível com suas determinações
históricas. Ao contrário, a tentativa de compreender a ação política da burguesia existente no
Brasil a partir de um modelo de burguesia nacional pode induzir a análises que necessitam
justificar essa incompatibilidade, como as que apresentam a tese da imaturidade ou
inconsistência ideológica (Barbosa, A., 2003, p. 42). O segundo ponto, derivado do primeiro,
consiste em defender que não cabe atribuir à burguesia brasileira, necessariamente, a tarefa
histórica de estabelecer uma aliança com a classe trabalhadora a fim de combater outras
frações dominantes. As condições de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e de
48

desenvolvimento da própria burguesia, se deram sob circunstâncias diversas daquelas


observadas na Europa do século XIX, apenas para nos limitarmos à principal referência no
estudo da burguesia.
Quando se fala em estrutura histórica, é preciso deixar claro que a
problemática da burguesia nacional não se atém, apenas, a uma questão de
tempo. É numa situação estrutural particular que se deve entender o alcance
da consciência dos interesses de classe da burguesia empresarial nacional
(Prestes Motta, 1979, p. 107).

Dessa forma, análises que identificam a burguesia industrial brasileira com o conceito de
burguesia nacional, ou esperam dessa fração de classe um comportamento semelhante ao
exercido pelas burguesias nacionais durante as revoluções burguesas da Europa e dos Estados
Unidos, tendem a “se frustrar” quando em face de sua ação política real.
Na visão de Motta, a construção de uma frente popular desenvolvimentista
não seria a opção exclusiva para a ação burguesa no país, pelo contrário, a
aliança entre burguesia e capital internacional, tendo em vista à conquista do
poder de Estado, configurava-se como um caminho perfeitamente possível
(Barbosa, A., 2003, p. 40).

Com efeito, apesar de guardar proximidade em diversos aspectos com os autores


do segundo grupo, Prestes Motta (1979) apresenta uma perspectiva um pouco diferente
(Barbosa, A., 2003, p. 39). Segundo o autor, seria um erro projetar uma atuação
revolucionária da burguesia brasileira, a exemplo das ocorridas na França e nos Estados
Unidos, em razão das condições de desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Contudo, seria
um erro equivalente subestimar a capacidade organizativa dessa fração de classe, tendo em
vista sua ascensão política e social ao longo do século XX. Nesse sentido, conclui o autor,
(…) imaginar que uma classe ascendente não tenha um projeto hegemônico
é ignorar a própria natureza da luta de classes. O projeto pode não ser claro e
geralmente não o é, pode ser aleatório e geralmente o é, mas isto não implica
a sua inexistência, a menos que o pensemos em termos de planejamento
estratégico formal (Prestes Motta, 1979, p. 106).

A respeito dessas questões, Márcia Boschi (2000) apresenta uma perspectiva que
entendemos esclarecer alguns pontos sobre a constituição da burguesia brasileira. Em sua
concepção, inspirada principalmente por Nicos Poulantzas, a autora afirma que a ação política
da burguesia brasileira não poderia ser caracterizada como uma burguesia nacional. Com
49

efeito, pensar sua ação política dentro dos parâmetros esperados de uma burguesia nacional
acabaria por resultar em imprecisões. Como alternativa, M. Boschi lança mão do conceito de
burguesia interna, desenvolvido por Poulantzas, para melhor qualificar essa fração de classe,
caminho também percorrido por Boito Jr. (2012; 2018).
Antes de nos debruçarmos sobre o conceito de burguesia interna, cabe explicitar o
percurso realizado pela autora para chegar a essa conclusão. Segundo M. Boschi (2000), a
classificação da burguesia brasileira como uma burguesia nacional se deu a partir da
constatação de duas características principais: a de que esta não se tratava de uma burguesia
compradora, ou seja, que representasse a extensão dos interesses imperialistas dentro de sua
formação nacional; e que possuía um segmento industrial, responsável por uma base de
acumulação de capital e extração de mais-valia própria. Contudo, a despeito de possuir essas
características, a análise de sua ação política real não permite sustentar essa classificação.
Nesse sentido, não se poderia esperar que a burguesia existente no Brasil assumisse posições
típicas de uma burguesia nacional, dentre as quais destacamos a oposição ao imperialismo e a
realização de uma aliança com o proletariado.
Segundo M. Boschi (2000, pp. 24-25), as características definidoras de uma
burguesia nacional podem ser resumidas em três pontos principais: 1) Pode se envolver em
lutas anti-imperialistas e de libertação nacional; 2) Pode adotar posições que incluem as
camadas populares e formar alianças com segmentos da classe trabalhadora; 3) Apresenta
uma unidade política própria e relativa autonomia política e ideológica. A partir dessa
esquematização, mas analisando a ação concreta da burguesia paulista durante o governo
Dutra, M. Boschi verifica que esta não corresponde a uma burguesia nacional. Na realidade,
essa fração de classe se encontra mais próxima do conceito de burguesia interna 11, como
elaborado por Poulantzas. Esse conceito corresponde a uma fração burguesa em posição
intermediária, entre a burguesia compradora, que se reduziria a uma extensão dos interesses
externos, e a burguesia nacional que, como vimos, a depender da conjuntura poderia assumir
posições nacionalistas e anti-imperialistas ao lado dos trabalhadores.
Seguindo esse conceito, uma burguesia interna se definiria pelas seguintes
características: 1) Fraca resistência ao capital estrangeiro; 2) Coexistência com setores da
burguesia compradora; 3) Possui relação de dependência com o capital estrangeiro, podendo

11
Conforme aponta M. Boschi, na versão traduzida da obra do marxista grego o conceito é denominado de
“burguesia interior”. A autora opta pela substituição por “burguesia interna” por entendê-lo como mais
adequado para o contexto. A mesma adaptação é feita por Boito Jr. (2018).
50

transferir parte de sua mais-valia para esse capital; 4) Tem sua autonomia política e ideológica
reduzida frente ao capital estrangeiro; 5) Possui fundamento e base de acumulação próprios,
ao contrário da burguesia compradora (Boschi, M., 2000, p. 27). Tomando por base as
definições acima, em conjunto com a análise da trajetória da burguesia brasileira, acreditamos
ser mais preciso classificá-la como uma burguesia interna. Nesse sentido, à CNI corresponde
a representação do segmento industrial dessa burguesia interna, também composta pelo setor
bancário e o agronegócio, em especial, que têm suas respectivas confederações, a saber:
Febraban e CNA. Embora os diferentes segmentos da burguesia interna guardem conflitos e
contradições entre si, sua unidade política se constitui principalmente pela necessidade de
proteção do Estado diante do capital estrangeiro12 (Boito Jr., 2018, p. 325). Como procuramos
apontar na seção anterior, é possível constatar essa luta pela proteção estatal desde a
institucionalização do sistema corporativo. Ainda assim, cabe a ressalva de que a burguesia
interna não se opõe frontalmente à presença do capital estrangeiro na economia nacional. Ao
contrário, por vezes até demanda do Estado a abertura do mercado local, desde que entenda
que essa abertura lhe seja benéfica. No caso da indústria, isso é notado principalmente nos
setores em que as empresas brasileiras não estão presentes, ou não possuem interesse em
explorar. Já nos setores controlados por empresas de capital nacional, defende-se a proteção
estatal, ou a realização de parcerias e investimentos que não prejudiquem o capital local.
Desse modo, a burguesia interna nutre uma relação complexa com o capital
estrangeiro. Ao contrário do que se espera de uma burguesia nacional, não empreende lutas
anti-imperialistas, tampouco é uma extensão dos interesses do capital estrangeiro em território
nacional, como a burguesia compradora. No que se refere à ação política da burguesia interna
em relação ao capital estrangeiro, esta é mais bem compreendida como um movimento
pendular, ou seja, ora mais próximo, ora mais distante. É possível fazer analogia parecida
acerca da relação entre o segmento produtivo desta burguesia, concentrado no capital
industrial, e a classe trabalhadora. Ao longo da história política brasileira, compromissos de
baixa intensidade se alternaram com períodos de conflito de classes mais intenso.
O surgimento de burguesias internas, por sua vez, se deve principalmente ao
processo de internacionalização do capital promovido pelo imperialismo, que atinge tanto as

12
Em sua análise sobre a natureza de classe dos governos do PT, Boito Jr. emprega, na realidade, o conceito de
“grande burguesia interna”, distinguindo o grande capital do médio e pequeno. No entanto, o autor aponta
que as pequenas e médias empresas nacionais, na maior parte dos casos, integram o grupo mais amplo da
burguesia interna (2018, p. 307).
51

economias de países centrais como as de países periféricos13. O avanço do imperialismo,


liderado pelos Estados Unidos, aumenta a dependência do capital local frente ao capital
estrangeiro, e a reprodução desse capital passa a ocorrer também no interior das formações
nacionais submetidas ao seu domínio político. Devido a essa internacionalização, o capital
estrangeiro passa a atravessar as diferentes frações do capital autóctone, alterando a
composição das burguesias internas (Boschi, M., 2000, p. 29).
Ainda segundo M. Boschi (2000, p. 24), mesmo que burguesias nacionais possam
eventualmente surgir em alguns países, tendem a desaparecer devido ao processo de
internacionalização do capital. A busca incessante pelo incremento das taxas de lucro,
associada ao intenso fluxo de capitais típico do neoliberalismo, são fatores que contribuem
para que as burguesias locais ultrapassem os limites da defesa dos interesses econômicos e
políticos nacionais. Um dos resultados mais notáveis desse processo é que as contradições
entre capital nacional e capital estrangeiro não ocupam mais o papel de contradição principal
no seio das formações nacionais. Nessa nova configuração, os Estados nacionais ocupariam o
papel de mediadores entre as pressões exercidas pelo capital estrangeiro e pela burguesia
interna (Poulantzas, 1974, p. 80 apud Boschi, M., 2000, p. 29). No mesmo sentido, Boito Jr.
afirma que:
[…] Os diferentes segmentos da burguesia interna possuem, de um lado,
interesse comum na proteção do Estado nacional nos conflitos que entretêm
com o capital estrangeiro – conflitos, não oposição ou antagonismo –, mas,
de outro lado, pelejam entre si sobre questões como taxa de juros, política de
crédito e política fiscal. […] Se esses conflitos sobrepujarem em importância
o conflito com o capital internacional e com a burguesia associada, a grande
burguesia interna sofre defecções e pode, no limite, dissolver-se (2018, p.
325).
Dessa forma, a partir dos pontos que procuramos explicitar brevemente, e da
análise da trajetória da burguesia industrial, acreditamos que o conceito de burguesia interna é
mais preciso para classificar a burguesia brasileira e, em especial, seu segmento industrial.
Como veremos mais adiante, a relação com o capital estrangeiro e a classe trabalhadora, e o
movimento pendular a que fizemos referência, são os principais pilares que justificam essa
definição. Ao mesmo tempo, seguindo a premissa da perspectiva relacional, procuramos
compreender o ator – nesse caso a CNI – a partir de sua ação política efetiva.
13
A despeito de atingir tanto países centrais como periféricos, a internacionalização do capital promovida pelo
imperialismo os atinge de maneira diferente (Poulantzas, 1974, p. 80 apud Boschi, 2000, p. 29).
52

Capítulo 2. Neoliberalismo e neodesenvolvimentismo: continuidades e rupturas

2.1 – Neoliberalismo: origens e definições

Neste capítulo, temos como objetivo apresentar como o neoliberalismo se


fortaleceu enquanto modelo político econômico e se tornou dominante nos países ocidentais a
partir dos anos 1980. Posteriormente, abordaremos sua chegada ao Brasil com a eleição de
Fernando Collor à presidência da República, a predominância desse modelo na década de
1990, os focos de resistência a essa política, e como sua crise levou à ascensão dos governos
neodesenvolvimentistas. Para isso, iniciaremos esta seção com uma introdução a partir de
duas abordagens: em primeiro lugar, faremos uma breve reconstituição de sua trajetória
histórica; em seguida discutiremos o conceito de neoliberalismo sob uma perspectiva
marxista, a fim de compreender a relação entre política neoliberal e classes sociais.
A primeira dificuldade para analisar o neoliberalismo se dá em sua definição, já
que o termo compreende diversos significados e é definido de muitas maneiras diferentes
(Novelli, 2011, p. 1). Este autor sistematiza o debate apresentando o neoliberalismo como um
conjunto de “ideias econômicas que fornecem uma ‘visão de mundo’ e uma ‘visão científica’
do funcionamento da economia, mas que também fornece as ferramentas para operar a
economia, isto é, um conjunto (saudável) de políticas e instituições (Novelli, 2011, p. 1)”.
Essas ideias e ferramentas para operar a economia podem ser resumidas em um grupo
principal de políticas, qual seja, “a abertura comercial e financeira, a política de privatização,
a redução dos direitos sociais e a desregulamentação do mercado de trabalho” que, ao mesmo
tempo, expressa e interfere sobre a composição, o poder e os interesses de classe e de frações
de classe (Boito Jr., 2002, 12). Desse modo, o neoliberalismo não se caracteriza apenas pela
adoção das políticas citadas, mas por sua relação com as classes sociais e a conjuntura,
levando em conta, portanto, a historicidade desse processo, que é marcado pelo “desmonte
das políticas de incentivo à independência econômica nacional, de promoção do bem-estar
social, de instauração do pleno emprego e de mediação dos conflitos socioeconômicos (Saes,
2001, 82)”.
A partir desta definição, podemos dizer, em linhas gerais, que a essência do
discurso político neoliberal se baseia em uma crítica à ineficiência do Estado e na defesa do
mercado como o lócus, por excelência, da atividade econômica. Essa crítica ao Estado e a
53
exaltação dos agentes privados, posicionados como polos opostos um do outro – e nesse ponto
já marcando uma diferença fundamental com as análises marxistas –, levou à formulação da
tese do Estado mínimo, que pode ser resumida pela ideia de que o aparelho de Estado deve ser
reduzido ao máximo, ao ponto que todas as suas antigas funções econômicas e sociais –
típicas do Estado de bem-estar social – sejam delegadas ao mercado. Discutiremos essa
caracterização com mais profundidade mais à frente, já que nosso objetivo, em um primeiro
momento, é resgatar suas origens históricas. Desse modo, é possível perceber que o
neoliberalismo não se trata de um conjunto de ideias soltas e dispersas, criadas no vazio por
intelectuais como um “modelo ideal” de política econômica, mas surge, na realidade, dentro
de um contexto histórico. Vejamos essa questão com mais detalhes.
Como já mencionamos, o neoliberalismo ganhou força no Brasil, enquanto
discurso ideológico e programa político, apenas no final da década de 1980. Antes disso,
contudo, já possuía uma história de quase uma década em países desenvolvidos, notadamente
Estados Unidos e Inglaterra, e se espalhava também em outras regiões do mundo. As raízes
teóricas do neoliberalismo podem ser encontradas no grupo que ficou conhecido como
Sociedade de Mont Pèlerin. Tendo como principal organizador o economista austríaco
Friederich Hayek, um grupo de economistas, filósofos e estudiosos de diferentes vertentes
teóricas, mas identificados com perspectivas liberais, se reuniu pela primeira vez em 1947, na
região de Mont Pèlerin, na Suíça, com o intuito de formular uma alternativa econômica às
políticas de inspiração keynesiana e à social-democracia, identificadas com um papel ativo do
Estado como indutor do crescimento econômico e com alguma preocupação com a questão
social, que ganhavam força nos países desenvolvidos no contexto do pós-guerra. O texto
fundamental que estruturou o pensamento neoliberal, “O caminho da servidão”, fora
publicado por Hayek em 1944, e consistia em uma crítica direcionada às propostas social-
democratas que se tornavam dominantes na Europa, e principalmente ao Partido Trabalhista
inglês (Anderson, 1995, p. 9).
Durante as décadas seguintes, essas ideias permaneceram quase totalmente
restritas a círculos acadêmicos e em polêmicas entre intelectuais, e pouco influenciaram
governos ao redor do mundo capitalista. No período do pós-guerra, os países capitalistas
desenvolvidos viveram, por quase 30 anos, sua “época de ouro”. Caracterizada por altas taxas
de crescimento e desemprego relativamente baixo, as crises sociais foram razoavelmente
controladas por mecanismos institucionais que garantiam ganhos às classes trabalhadoras. Os
países desenvolvidos, em especial no norte de Europa, criaram modelos de bem-estar social
54
que garantiam condições de vida até então inéditas à maioria dos trabalhadores, tomando
como referência a história do capitalismo. Para a sustentação desse modelo econômico e
social, foi necessária a manutenção de sindicatos fortes e com poder de negociação, como
parte de um conjunto de concessões feitas pelas burguesias locais para evitar o avanço do
comunismo na Europa. Os países subdesenvolvidos, caso do Brasil, não lograram estabelecer
modelos semelhantes, mas durante o mesmo período aplicaram políticas que admitiam um
elevado grau de intervenção econômica do Estado para induzir o desenvolvimento e promover
a industrialização, conferindo às classes trabalhadoras urbanas o acesso a alguns direitos
(Galvão, 2008, p. 151).
Ainda que não seja possível classificar uniformemente essas experiências, as
principais economias capitalistas passaram por um período de relativo crescimento
econômico, sob consenso keynesiano, mantendo, como mencionamos, as propostas
neoliberais isoladas e com alcance limitado. Essa situação permaneceu relativamente estável
até 1973, quando teve início a primeira crise do petróleo. A crise afetou as economias
capitalistas, modificando a correlação de forças vigente durante os “anos dourados”
(Anderson, 1995, pp. 9-10). A ofensiva neoliberal, contudo, não foi imediata. Diversos
governos adotaram medidas keynesianas para recuperar a atividade econômica. Mas as
consequências econômicas da crise, reforçadas pelo segundo choque do petróleo em 1979,
permitiram um crescimento de forças políticas próximas ao neoliberalismo, abrindo espaço
para a ascensão de propostas alternativas baseadas nos postulados neoliberais (Anderson,
1995, p. 11).
No mesmo ano, Margaret Thatcher se tornou primeira-ministra do Reino Unido,
com um programa que tinha como bases o controle da emissão monetária, elevação dos juros,
redução de impostos sobre rendimentos elevados, liberalização de fluxos financeiros e corte
de gastos sociais (Anderson, 1995, p. 11). As ações do governo Thatcher, adaptadas à
conjuntura em que a “dama de ferro” assumiu o governo, estavam de acordo com os pilares
econômicos e filosóficos defendidos em Mont Pèlerin14. A economia deveria ser comandada
pelos agentes privados, e para isso era necessário que o governo reduzisse gastos e
liberalizasse os fluxos comerciais e financeiros, o que garantiria maior credibilidade perante o

14
Décio Saes destaca que as políticas neoliberais adotadas pelos diferentes governos não coincidem
integralmente com a doutrina econômica liberal que as inspira, uma vez que não são implementadas num
“espaço social vazio, destituído de qualquer historicidade”, mas em sociedades capitalistas históricas, cujas
políticas estatais repercutem influências de outros princípios econômicos (2001, pp. 80-81). Acrescentamos
que as diferentes conjunturas e correlações de forças também impactam no processo de implementação
dessas políticas.
55
mercado, induzindo o retorno dos investimentos. Para controlar a inflação que havia atingido
as economias europeias nos anos 70, além do corte de gastos, um nível maior de desemprego
era não apenas necessário, mas desejável. Thatcher, ao lado de Ronald Reagan, presidente
americano eleito em 1980, foram as duas faces mais conhecidas em defesa do neoliberalismo,
e principais propagadores dessa política nos anos 80. A propaganda não se limitou apenas à
aplicação dessas medidas em seus governos, mas resultou na construção de uma rede de
difusão, largamente utilizada, de apologia ao neoliberalismo e crítica tanto da social-
democracia, quanto do comunismo que, vale lembrar, eram os principais opositores das
“ideias de mercado”.
Antes de falarmos sobre a expansão do neoliberalismo, cabe fazer uma ressalva.
Ainda que as experiências inglesa e americana sejam consideradas pioneiras, o neoliberalismo
teve sua primeira aplicação prática na ditadura chilena comandada pelo general Augusto
Pinochet. Ainda que só se expandisse pela América Latina, conquistando governos pela via
eleitoral, a partir de meados da década de 1980, a experiência no Chile foi de fato a primeira a
receber a classificação de neoliberal (Anderson, 1995, pp. 17-18). O militar ascendeu ao
poder em 1973, após um golpe militar que destituiu e foi responsável pela morte do presidente
socialista Salvador Allende. Durante os quase 20 anos em que esteve no poder, Pinochet
encontrou poucas resistências para colocar em prática medidas econômicas que o
distanciavam, inclusive, das demais ditaduras da América do Sul, ainda que a afinidade
política permanecesse. De inspiração mais americana do que austríaca – Pinochet foi
assessorado por economistas da Escola de Chicago, importante centro de formulação de
políticas neoliberais – a experiência do neoliberalismo no Chile foi pioneira em implementar
as chamadas reformas para o mercado, como, por exemplo, a substituição da previdência
pública por um sistema privado.
O regime chileno também é representativo para abordar uma questão relativa às
características democráticas da doutrina neoliberal. Embora o discurso ideológico que
acompanha o neoliberalismo frequentemente apresente que a liberdade dos indivíduos decorre
de sua liberdade econômica, o governo de Pinochet demonstrou que a relação não é,
necessariamente, verdadeira. Como aponta Anderson (1995, pp. 17-18), o próprio Hayek
admitia a possibilidade de que a liberdade aos agentes econômicos pudesse se tornar
incompatível com o regime democrático, e que a primeira, como valor em si mesma, deveria
ser resguardada de eventuais ameaças provocadas pelo segundo.
56
Essa perspectiva revela uma tendência observada em diversos governos
neoliberais: o enfraquecimento das instâncias democráticas e participativas. Além da
mercantilização do acesso a serviços que antes eram considerados direitos, as demandas
populares passam a ser entendidas como fonte de ingovernabilidade e desestabilização
(Galvão, 2008, 155-156). Exemplo disso são as sucessivas pressões de instituições financeiras
e agentes econômicos para que os bancos centrais se tornem independentes de poderes eleitos
pelo voto popular. Ao defender o caráter exclusivamente técnico da política econômica, e
submetendo a soberania popular ao conhecimento do que seria mais indicado pelos agentes de
mercado, o neoliberalismo remodela o Estado e, em vez de reduzir sua atuação, o transforma
e torna o Estado menos aberto a demandas populares. Cumpre destacar que a defesa da
autonomia do Banco Central faz parte da pauta de diversas entidades da burguesia no Brasil,
inclusive a CNI15.
O neoliberalismo, contudo, se expandiu para muito além dos países anglo-
saxônicos e do Chile. Na Europa, entre as décadas de 1980 e 1990, partidos defendendo
programas neoliberais venceram eleições na Alemanha, Dinamarca, Itália, Espanha, Suécia,
entre outros (Anderson, 1995, pp. 11; 15). Posteriormente, a crise do comunismo, que
resultou na queda dos regimes do leste europeu, foi seguida por uma ofensiva das forças
neoliberais, que conquistaram governos, ou impuseram medidas liberalizantes, aos antigos
países do bloco socialista. É possível compreender esse movimento sob a lógica da Guerra
Fria: Reagan e Thatcher não apenas fizeram da União Soviética e do comunismo seu alvo
preferencial em discursos e ações diplomáticas, como tomaram medidas – em especial o
presidente americano, muitas delas contra postulados neoliberais – para acelerar a queda da
superpotência rival e dos regimes a ela aliados.
Em relação a essa questão, há dois pontos que merecem destaque e nos ajudam a
compreender o avanço do neoliberalismo no cenário internacional. Em primeiro lugar, o peso
relativo dos Estados Unidos na economia mundial, além de seu poder diplomático e militar,
permite que esse país, mesmo defendendo a adoção de políticas neoliberais, tome medidas
contrárias ao próprio discurso, como em relação à expansão de gastos governamentais que
sustentou a corrida armamentista dos anos 80. A mesma “margem de manobra” não é
observada em países periféricos, com economias dependentes, como é o caso do Brasil. Dessa
15
A reivindicação por maior independência, ou até pela autonomia formal, do Banco Central foi justificada
como necessária para resguardar a instituição – um “órgão técnico” – de ingerências políticas. Segundo esse
argumento, questões técnicas deveriam ser decididas por grupos restritos de especialistas, isolados de
pressões populares, como se as decisões tomadas não tivessem uma natureza política e não exprimissem
interesses (Novelli, 2011).
57
forma, vemos que o próprio caráter de dependência dessas economias tende a ser reforçado
com a adoção de tais políticas – voltaremos a essa questão na próxima sessão, ao analisar as
consequências da política neoliberal no Brasil da década de 1990. Em segundo lugar, como
aponta Anderson (1995, p. 16), a queda do comunismo no leste europeu reduziu as
resistências e permitiu ao neoliberalismo um grau de hegemonia inédito na história do
capitalismo, que as forças social-democratas, sindicais e populares dos países centrais não
foram capazes de combater.
Ao contrário, as forças neoliberais, ligadas ao capital financeiro internacional, não
apenas viram seus interesses defendidos por partidos conservadores, mas também
“assediaram” os próprios social-democratas, ou, a partir da década de 80, forças políticas do
eurocomunismo. Casos como o governo de Felipe González, na Espanha, e François
Miterrand, na França, guardadas suas diferenças, são representativos (Anderson, 1995, pp. 12-
13). Partidos antes associados a políticas intervencionistas, próximos de sindicatos, ou, ainda,
de inspiração socialista, se viram pressionados, por forças internas e externas, a aplicar
programas francamente neoliberais. Posteriormente, movimentos de “terceira via”, surgiram
dentro dos próprios partidos à esquerda, cujo caso emblemático é o do ex-primeiro ministro
britânico Tony Blair, do Partido Trabalhista. A negação genérica às antigas disputas entre
neoliberais e social-democratas era revertida em uma nova rodada de políticas neoliberais,
apresentadas sob um novo discurso. Com efeito, a hegemonia conquistada pelo
neoliberalismo se caracterizou pela ideia de que não havia alternativa às políticas
neoliberais16.
Nesse sentido, é possível verificar que o neoliberalismo, nos diferentes locais em
que foi aplicado, ganhou força em períodos de crise ou, como aponta Novelli (2011), de
“conjunturas críticas”. Medidas restritivas e impopulares, muitas vezes impostas por outros
países ou organismos multilaterais como condicionantes para pacotes de apoio, são
apresentadas como imperativas para a superação da crise. Quando não resultam na
recuperação econômica, em geral os agentes do neoliberalismo alegam que as medidas
tomadas não foram suficientes, e uma nova rodada de corte de despesas, aumento dos juros,
privatizações e redução de direitos trabalhistas, entre outras, é apresentada como inevitável.

16
O slogan TINA, acrônimo da expressão em inglês “there is no alternative” (não há alternativa), é atribuído à
Margaret Thatcher como expressão dessa ideia. Embora, ao que se saiba, a primeira-ministra britânica não
tenha formulado a expressão com essa intenção, seu uso recorrente fez com que se tornasse um símbolo da
defesa de medidas neoliberais e antipopulares. Ver “news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/politics/1888444.stm”,
(Acesso em 20/10/2018).
58
Retomaremos esta questão ao tratar do caso brasileiro, mas antes disso cabe identificar como
essas medidas neoliberais se relacionam com a dinâmica dos conflitos de classe.

2.2 – Neoliberalismo e classes sociais

A partir desta breve contextualização histórica, nosso objetivo seguinte é analisar


o impacto do neoliberalismo nas relações de classe. Para tanto, encontramos nosso referencial
teórico em estudos marxistas que procuram identificar qual a natureza de classe da política
neoliberal, e como essa política, ao mesmo tempo, expressa e altera a correlação de forças
entre classes e frações de classes (Boito Jr., 2002, p. 13). Nesse sentido, estabelecemos uma
diferenciação entre a análise que pretendemos desenvolver e as análises que identificam a
política neoliberal como mera aplicação prática de ideias e teorias formuladas por
economistas de maneira independente de forças sociais. Na perspectiva que utilizamos,
procuraremos demonstrar a relação dessas ideias com interesses de classes e frações de classe.
Galvão (2008, p. 150) aponta que também entre os autores que utilizam categorias
marxistas o neoliberalismo foi abordado de maneira distinta, mas as abordagens convergem
em três ordens de questões: 1) a relação entre neoliberalismo e classes sociais; 2) a relação
entre política e economia, e a natureza de classe do Estado; 3) a relação entre o plano
internacional e o plano nacional (Duménil e Levy, 2006, apud Galvão, 2008, p. 150). Olhando
para cada um desses pontos com mais cuidado, podemos traçar as linhas que delimitam o
neoliberalismo sob uma perspectiva que coloque em primeiro plano as categorias de análise
marxistas, ao enfatizar a relação entre as políticas adotadas e as classes sociais. Abordaremos
cada uma dessas questões individualmente a seguir.
Em relação ao primeiro ponto, o neoliberalismo alterou as relações de classes de
maneira vertical, entre a burguesia e as classes trabalhadoras, e horizontal, no interior da
própria burguesia. Essas mudanças decorrem principalmente dos processos econômicos e
sociais produzidos pela política neoliberal, mas também por aspectos políticos e ideológicos
(Boito Jr., 2002, pp. 13-14). Galvão aponta que, para vários autores, o neoliberalismo pode ser
definido como a restauração do poder e recuperação da renda das classes dominantes, que
beneficiou especialmente o capital financeiro (2008, p. 151). Esse processo tem dimensões
políticas, econômicas e ideológicas e, como mencionamos na seção anterior, pode ser
59
entendido como uma ruptura, ou resposta, ao consenso keynesiano que vigorou durante as três
primeiras décadas do pós-guerra nos países desenvolvidos. Para que isso fosse possível,
foi necessário promover a construção de um consenso em torno dos
princípios neoliberais. Diversos mecanismos produziram esse consenso, com
destaque para o papel dos intelectuais e da mídia. No caso específico da
América Latina, a pressão econômica e ideológica das agências multilaterais,
associada à crise da dívida, forjou um novo consenso das elites latino-
americanas em torno do neoliberalismo (Galvão, 2008, p. 152).
Embora as análises tendam a articular cada um desses aspectos – econômico, político e
ideológico – para viabilizar um novo modelo de dominação burguesa, é comum que a
burguesia seja compreendida como um bloco único, ou profundamente homogêneo, sem que
se ressalvem as diferenças e conflitos internos da classe dominante. Nesse sentido, Boito Jr.
apresenta uma perspectiva diferente ao defender que as medidas neoliberais não beneficiam
por igual o conjunto da burguesia.
Segundo o autor, embora, no caso brasileiro, o neoliberalismo tenha promovido
uma unificação política da burguesia, ele não eliminou diferenças entre as frações burguesas,
tampouco beneficiou igualmente cada uma delas. As análises que sustentam essa visão em
geral possuem como fundamento a ideia de que, com a globalização, as antigas burguesias
locais teriam se convertido em um bloco homogêneo, tanto em relação ao tipo de capital
(industrial, bancário, etc.), como em tamanho (grande, médio e pequeno). Além disso, no
âmbito internacional, estaria em curso um processo avançado de eliminação das burguesias
locais, e sua absorção pelo capital transnacional (Boito Jr., 2002, p. 17). Ainda que, em parte,
esse processo seja verdadeiro, não há evidências de que as diferenças internas entre a classe
burguesa tenham sido eliminadas, e que estaria em estágio avançado de formação uma
“burguesia global”. Boito Jr. aponta que, durante o processo de implantação do
neoliberalismo no Brasil, os partidos burgueses não apresentaram uma ação homogênea.
Diante disso, segue o autor, as análises que tendem a homogeneizar a composição da
burguesia concebem tais conflitos como divergências entre correntes de opinião, ou até
motivados por questões pessoais. Por sua vez, Boito Jr. aponta que esses conflitos foram
causados, em grande medida, por disputas entre diferentes frações da burguesia. Além disso, a
própria divisão da burguesia em associações corporativas distintas, que permanece até hoje,
manifestando, em muitos casos, posições diferentes acerca da política econômica, também é
uma evidência do fracionamento da burguesia (Boito Jr. 2002, pp. 17-18). Ressalte-se que
60
isso não equivale a dizer que as diferentes frações da burguesia não possam construir unidade
política em determinadas conjunturas, mas que essa unidade não é permanente, tampouco
estrutural.
Para representar a maneira com o neoliberalismo afeta as diferentes frações da
burguesia, o autor recorre a uma metáfora que apresenta a política neoliberal a partir de três
círculos concêntricos:
a) o círculo externo e maior representando a política de desregulamentação
do mercado de trabalho e de redução dos direitos sociais; b) o círculo
intermediário representando a política de privatização e c) o círculo menor e
central da figura representando a abertura comercial e financeira (Boito Jr.,
2002, p. 18).
O círculo maior expressa as políticas que contemplam o conjunto da burguesia. São medidas
que têm por objetivo diminuir o custo do trabalho para as empresas, reduzindo a proteção e os
direitos dos trabalhadores. Dentre todos os aspectos da política neoliberal, esse é o único que
atinge de maneira mais ou menos equivalente o conjunto da burguesia, por envolver a relação
dessa classe com as classes trabalhadoras. No círculo intermediário, temos a política de
privatizações, que consiste na venda de empresas públicas, ou na concessão de serviços antes
prestados pelo Estado ao capital privado. Essa política, no caso brasileiro, favoreceu a parcela
da burguesia correspondente ao grande capital monopolista e seus parceiros estrangeiros. A
política de privatizações iniciada pelo governo Collor, e expandida pelo governo FHC, criou
mecanismos para restringir a aquisição das empresas públicas por grandes grupos nacionais,
em vários casos em parceria com o capital estrangeiro. Ao mesmo tempo, colocou à margem
desse processo o pequeno e o médio capital, excluídos dos leilões realizados pelo governo.
Por fim, o terceiro círculo, localizado no centro da figura, é o mais restritivo em relação aos
seus beneficiários, pois não unifica sequer o conjunto do grande capital. A abertura comercial
e financeira irrestrita tende a favorecer apenas o setor financeiro do grande capital e o capital
imperialista. Este que, inclusive, é uma das principais forças a estimular a abertura de novos
mercados, junto a organismos internacionais e governos de países centrais. Como veremos
com mais detalhes na próxima seção, ainda que a burguesia industrial tenha apoiado de
maneira difusa uma abertura comercial no Brasil, em grande medida em oposição às
consequências provocadas pela crise do modelo de substituição de importações, não demorou
para que houvesse um recuo por parte desse setor quando foram sentidos os primeiros efeitos
61
da abertura promovida nos anos 1990. Consequentemente, os industriais passaram de
apoiadores a críticos – ainda que moderados – dessa política.
Fora do círculo estão as classes trabalhadoras, que não são contempladas pelas
medidas fundamentais do neoliberalismo. Ao contrário, as políticas representadas pelos
círculos concêntricos, nos países em que foram aplicadas, resultaram em redução de direitos
dos trabalhadores e aumento das taxas de desemprego. No entanto, como aponta Galvão, as
classes trabalhadoras não apenas sofreram passivamente os efeitos desse tipo de política
(2008, p. 154), uma vez que o neoliberalismo alcançou, em maior ou menor grau, um
consenso entre os setores médios e populares.
Tomando novamente o caso brasileiro como referência, a classe média, e em
especial sua camada de renda mais elevada, composta por profissionais liberais e
trabalhadores com altos rendimentos, apoiou, em sua maioria, os governos neoliberais.
Segundo Boito Jr. (2002, pp. 26-27), esse apoio esteve condicionado principalmente à política
social do neoliberalismo, que atende aos interesses dessa camada da classe média, em, ao
menos, dois aspectos fundamentais. O primeiro diz respeito aos altos níveis de desigualdade
social do Brasil. Essa situação faz com que a classe média alta possa usufruir de serviços – de
educação, saúde, transporte, etc. – que a separa do restante da classe trabalhadora, e a
aproxima da burguesia. Esse fenômeno não se dá apenas em razão de questões ideológicas,
embora esse aspecto também seja importante. A não implantação de um Estado de bem-estar
no Brasil é de interesse de uma parte significativa da classe média que, ao usufruir desses
serviços privados, pode reproduzir o seu status social. O segundo aspecto relevante desse
apoio ocorre em função da política repressiva que os governos neoliberais adotaram contra a
população pobre, sob a justificativa do combate à criminalidade. Assim, consequências da
pauperização de grande parte da classe trabalhadora, acentuada por políticas restritivas, em
especial na periferia das grandes cidades brasileiras, são vistas por esse segmento social como
“caso de polícia”. A política repressiva se estende a movimentos populares os mais diversos,
como os movimentos que lutam pelo acesso à terra ou por moradia.
Ao contrário do segmento de renda mais elevada da classe média, o setor
correspondente à baixa classe média, parte da classe operária e os trabalhadores
desempregados ou subempregados aderiram ao neoliberalismo, em um primeiro momento,
mas, posteriormente, se distanciaram da coalizão neoliberal. Autores como Boito Jr. (2002) e
Saes (2001) consideram o apoio desses setores da classe trabalhadora ao neoliberalismo como
fruto, principalmente, de efeitos ideológicos. Boito Jr. (2002, p. 9) utiliza o conceito de
62
“hegemonia regressiva” para classificar o alcance das ideias neoliberais sobre os
trabalhadores na década de 1990 no Brasil. Essa ideia está vinculada às poucas, ou
praticamente nulas, concessões materiais que a política neoliberal faz aos trabalhadores.
Nesse sentido, ao contrário do que ocorre com o conceito de hegemonia elaborado por
Antonio Gramsci, que prevê algum nível de concessões materiais das classes dominantes às
classes subalternas, a hegemonia regressiva alcançada pelo neoliberalismo está fundamentada
principalmente em questões ideológicas.
Em relação à questão mais geral sobre o apoio de setores das classes trabalhadoras
ao neoliberalismo, Saes (2001, p. 79) levanta a hipótese de que, a partir da década de 1960, o
intervencionismo estatal se mostrou prejudicial às camadas menos abastadas, aumentando a
concentração de renda e a pauperização. Ao contrário do que o ocorreu no mesmo período na
Europa ocidental, o intervencionismo brasileiro não procurou implantar um Estado de bem-
estar, mas representou quase exclusivamente os interesses da burguesia monopolista e da
burguesia de Estado, criando um “efeito socialmente perverso”. Neste contexto, a proposta de
desmantelamento do Estado pode tomar ares progressistas e redistributivistas, sendo comum
ver políticos burgueses apresentarem medidas neoliberais de ataque aos “privilégios” do
funcionalismo público como de interesse dos mais pobres, criando a ilusão de que a “redução
do Estado” provocaria a distribuição de renda.
Boito Jr. (2002, pp. 28-32) vai na mesma direção ao afirmar que o apoio da massa
de trabalhadores não organizados ao neoliberalismo se dá por razões fundamentalmente
ideológicas. Os direitos trabalhistas e sociais implantados pelos governos populistas nunca se
tornaram universais e apresentavam uma série de hierarquizações entre si. Deste modo, o
Estado brasileiro nunca logrou implantar um modelo de cidadania “ampla e igualitária” mas
“um modelo de cidadania social restrito e hierarquizado, que é ligado, de diferentes maneiras,
ao clientelismo do Estado brasileiro” (Boito Jr., 2002, p. 29). A maior parte das classes
trabalhadoras nunca teve acesso pleno a esses direitos ou às benesses do Estado clientelista, o
que o tornou alvo de insatisfação popular.
A adesão ao discurso neoliberal por parte destes setores da classe trabalhadora
decorreria, portanto, de uma revolta popular legítima, porém difusa e sem direção política
definida, contra o caráter particularmente excludente do capitalismo nos países
subdesenvolvidos, e em especial no Brasil. Como apontamos no início do capítulo, esse
processo tende a ganhar força especialmente em conjunturas críticas. A baixa qualidade dos
63
serviços públicos oferecidos pelo Estado brasileiro corrobora essa visão e dá força à retórica
neoliberal.
No caso brasileiro, contudo, cabe uma ressalva sobre essa questão. Embora seja
verdadeiro argumentar que a política neoliberal não ofereceu grandes concessões ao conjunto
da classe trabalhadora, a implantação do Plano Real, em 1994, elaborado pelo governo Itamar
Franco para combater a hiperinflação que se prolongava desde meados da década de 80,
gerou, além da estabilização econômica, um aumento do poder de compra sentido pelos
setores de renda mais baixa da população (Pont, 2010; Novelli, 2011). Esse efeito foi
fundamental para a eleição de Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda e
principal coordenador do Plano, para a presidência da república. A avaliação positiva do novo
plano econômico e o apoio conquistado junto à burguesia enfraqueceram a candidatura de
Luiz Inácio Lula da Silva, que até o início de 1994 liderava as pesquisas, e culminaram na
vitória do candidato do PSDB no primeiro turno, situação que se repetiu em 1998.
O papel do Estado e sua relação com a economia e a sociedade em geral é um dos
principais fundamentos ideológicos do neoliberalismo, já que a doutrina neoliberal, ao
considerar o Estado como uma esfera separada das classes sociais, promove a ideologia do
Estado mínimo e de apologia do livre mercado. Em termos práticos, o programa de redução
do Estado e a adoção das “reformas para o mercado” consistiu na redução do gasto público,
em especial de gastos sociais, redução de direitos, privatizações e concessões de serviços
antes restritos ao Estado para empresas privadas. Essa ideia se ampara na identificação do
Estado – e sua ação econômica – como produtor de ineficiências, responsável por provocar
distorções que prejudicam o funcionamento da economia. Como aponta Galvão (2008, p.
155), essa tese está fundamentada teoricamente na oposição entre Estado e mercado e, dessa
forma, para a concepção neoliberal, é necessário reduzir a área de influência do Estado para
que o mercado – na figura das empresas e do empreendedorismo individual – possa atuar
livremente.
A abordagem marxista, ao contrário, rejeita a oposição entre Estado e sociedade,
procurando identificar a natureza de classe do Estado. Dessa forma, ainda que existam
conflitos entre o Estado, suas instituições e as diferentes frações da burguesia, não é possível
dissociar, numa formação capitalista, Estado e classe dominante. O capitalismo, inclusive em
sua roupagem neoliberal, depende do Estado para manter suas condições de acumulação e
dominação de classe (Wood, 2001, p. 115 apud Galvão, 2008, p. 155). Com efeito, o
64
neoliberalismo não reduz, de fato, o papel do Estado, mas o transforma, influenciando
também as relações de forças entre classes e frações de classes (Galvão, 2008, p. 155).
O caso da legislação trabalhista no Brasil ajuda a compreender esse argumento.
Ao reivindicar mudanças da CLT, de modo a promover a eliminação de direitos e a
prevalência da livre negociação entre empregador e empregado, a burguesia não propõe,
efetivamente, a eliminação de regulações sobre o mercado de trabalho, mas a introdução de
novos contratos (precários) de trabalho e seu reconhecimento pelo Estado. Os novos contratos
previstos em lei, de um lado, e a livre negociação, de outro garantiriam maior segurança
jurídica aos empregadores. Trata-se, portanto, de uma nova regulação, por parte do Estado e
do mercado, que beneficia a burguesia (Galvão, 2008).
Já em relação ao terceiro conjunto de questões que caracteriza as abordagens
marxistas do neoliberalismo, conforme levantadas por Galvão (2008), cabe pontuar as
diferenças entre o plano nacional e internacional. Sobre esse aspecto, ressaltamos dois pontos
principais: em primeiro lugar, a diferença existente entre países centrais e periféricos na
aplicação do neoliberalismo; em segundo lugar, as pressões internacionais para a adesão do
programa neoliberal nos países periféricos.
Para dimensionar a questão, cabe observar o cenário internacional de ascensão do
neoliberalismo. A reunificação do bloco imperialista, liderado pelos Estados Unidos, e o fim
da União Soviética reorganizaram a correlação de forças em âmbito global, resultando em
uma hegemonia capitalista que se espalhou pelos demais países, sob liderança inconteste
americana. Na prática, esse processo representou o fortalecimento do imperialismo norte-
americano e de sua influência sobre um grupo de países cada vez maior, permitindo uma
segunda onda neoliberal que atingiu locais que, até então, haviam resistido à primeira
investida, em especial na América Latina e na Ásia (Boito Jr., 2002, p. 40). Um segundo
efeito provocado pela desagregação do bloco soviético ultrapassou as condições objetivas de
luta dos movimentos operários e populares ao redor de mundo. Ainda que, há muito, o
chamado socialismo real não fosse mais reivindicado como modelo para esses movimentos,
sua dissolução provocou um efeito ideológico em escala mundial que reforçou a tendência
defensiva da luta anticapitalista, potencializado por uma série de análises de intelectuais
argumentando que não havia alternativa ao capitalismo (Boito Jr., 2002, p. 41)
À luz desse cenário, podemos compreender as diferenças entre os países centrais e
periféricos na adoção de políticas neoliberais. Para tanto, é necessário considerar também as
diferenças entre os modelos de Estado de bem-estar e Estado desenvolvimentista, que se
65
refletem não apenas na gama de direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, como
no caráter de país imperialista ou dependente (Galvão, 2008, 151). Essa distinção é relevante
na medida em que o neoliberalismo encontra diferentes níveis de resistência em cada um dos
países em que é aplicado. Ademais, essa questão também se refletiu na tendência regressiva
pela qual passaram as economias dependentes depois da adoção de políticas neoliberais,
provocada, em especial, pela abertura comercial e o fim das políticas de proteção à indústria
local. Em geral, e o caso brasileiro é emblemático, se observou um processo de
desindustrialização e desnacionalização das economias periféricas, e uma tendência ao reforço
de seu caráter de dependência, tecnológica e econômica. Desse modo, procuraremos
desenvolver nossa análise levando em conta a condição de dependência da economia
brasileira em relação ao imperialismo, e ponderar como isso impacta nas ações dessa classe.
Em relação direta com essa consideração, desenvolvemos o segundo aspecto de
nosso argumento. A difusão do neoliberalismo esteve em grande medida relacionada ao que
foi denominado pelo economista britânico John Williamson (1993) como “Consenso de
Washington”: um conjunto de políticas, derivadas da “melhor sabedoria econômica
disponível” que constituiriam uma receita para tirar as economias subdesenvolvidas, em
especial na América Latina e no Leste Europeu, das diversas crises que as acometeram nos
anos 1990 (Mancuso, 2007, p. 30). Williamson sistematizou as principais recomendações
feitas por organismos internacionais aos países periféricos, em especial FMI e Banco
Mundial, como receituário para superar a crise da dívida. Essas propostas estavam centradas
em dois eixos: medidas restritivas que conduziriam à estabilidade e o protagonismo da
iniciativa privada na economia, através das “reformas orientadas para o mercado” (Galvão,
2003, p. 82).
Esse receituário ganhou força no cenário internacional à medida que as crises se
sucediam, e passou a ser recomendado ou, eventualmente, imposto pelas agências
multilaterais e pelos países centrais como condicionante para ajuda financeira aos países
periféricos. Ideologicamente, o neoliberalismo, materializado no Consenso de Washington,
procurou produzir exatamente o que Williamson propôs: construir um consenso em torno de
propostas “exclusivamente técnicas”, o que, por consequência, limitava a ação de seus
críticos. Nesse sentido, destacamos também a ação do governo norte-americano, em resposta
às mudanças no cenário econômico mundial, de defesa de uma ordem econômica liberal. No
caso brasileiro, esse processo foi responsável por exercer pressões crescentes pela abertura
comercial (Cruz, 1997, p. 73 apud Novelli, 2011, p. 6). Dessa forma, o sucesso da difusão
66
desse ideário não pode ser compreendido sem que se considere a influência do capital
financeiro, dos países centrais e seus intelectuais na adoção dessas políticas por países
subdesenvolvidos.
Em resumo, procuramos conceitualizar, sob uma perspectiva marxista, o
neoliberalismo a partir de três aspectos principais: sua relação com as classes sociais, sua
relação com o Estado, e a sua relação com o cenário internacional. A partir dessas
considerações, podemos analisar o caso brasileiro.

2.3 – Neoliberalismo e burguesia industrial no Brasil

O neoliberalismo ganhou força no Brasil na segunda metade da década de 1980,


procurando se viabilizar como alternativa à crise do nacional-desenvolvimentismo. No campo
político ideológico, o fracasso do Plano Cruzado evidenciou a “primeira fratura no consenso
desenvolvimentista” (Almeida, 1996, p. 222 apud Novelli, 2011, p. 5), e alimentou uma
disputa entre desenvolvimentistas e liberais, com a crise da dívida e a alta inflação como pano
de fundo. Como as ideias desenvolvimentistas não deram respostas satisfatórias à crise da
dívida e à inflação, a arena política se viu aberta a novas ideias, em particular às ideias
neoliberais (Novelli, 2011, p. 5). Com isso, ao longo da década de 1980, as propostas liberais
lograram ultrapassar o campo estritamente doutrinário e se converteram em programa político
(Bianchi, 2010, p. 235).
A fim de melhor contextualizar esse processo, podemos identificar três momentos
da implantação do neoliberalismo no Brasil: o primeiro deles tem início com a eleição de
Fernando Collor e o desmonte do modelo de Estado desenvolvimentista. A adoção do
programa neoliberal, associada ao isolamento político do governo, contudo, provocaram uma
crise que culminou com a abertura de um processo de impeachment e a renúncia do
presidente, em dezembro de 1992. Em um segundo momento, temos o governo Itamar Franco,
que procurou solucionar a crise política e reorganizar os interesses da coalizão neoliberal, o
que foi possível com a implantação do Plano Real, em 1994. O êxito na estabilização da
economia impactou diretamente na eleição de Fernando Henrique Cardoso à Presidência da
República no mesmo ano, e a implementação do projeto de “desmonte da Era Vargas 17”. O
17
Em seu discurso de despedida no Senado, em 1994, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso declarou
como objetivo de seu governo “colocar um fim à Era Vargas”, antecipando os rumos neoliberais que
tomaria: “[…] Resta, contudo, um pedaço do nosso passado político que ainda atravanca o presente e retarda
o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas — ao seu modelo de desenvolvimento autárquico
67
terceiro momento se inicia após a reeleição de FHC, em 1998, e a primeira crise cambial pós-
Plano Real. Caracterizamos esse momento como o de crise da coalizão neoliberal que esteve
no poder durante a década de 1990, e de constituição da frente neodesenvolvimentista. Nesta
seção, abordaremos com mais detalhes como se desenvolveu esse processo, e como ele afetou
a burguesia industrial brasileira.
A primeira tentativa relativamente estruturada, embora eivada de contradições, de
apresentar o neoliberalismo como programa político foi feita por Fernando Collor de Mello
durante a campanha presidencial de 1989. Para viabilizar seu programa, o ex-governador de
Alagoas mobilizou um forte discurso ideológico centrado em críticas ao Estado brasileiro.
Apenas como exemplo, podemos citar peças para a TV em que o governo era apresentado
como um elefante que, devido ao tamanho, atrapalhava a vida das pessoas em suas casas. Os
funcionários públicos, que Collor chamava de marajás, eram criticados por receberem altos
salários às custas de elevados impostos, o que impediria o Estado de solucionar as
necessidades do povo. Ademais, sua campanha também foi marcada por uma forte retórica
anticomunista, buscando associar Lula e o Partido dos Trabalhadores aos regimes em declínio
do leste europeu.
Quem trouxe, politicamente, a agenda neoliberal para o país foi o ex-
presidente Fernando Collor de Mello. Naquela disputa entre Collor e Lula,
em 1989, o programa de governo do primeiro era a caça aos marajás, porque
havia a noção de que o Estado só servia para pagar altos salários a quem
nada fazia. Isso estava embolado com a ideia de que era necessário reduzir o
tamanho do Estado, privatizar, ter um controle estrito dos gastos, uma
política monetária rígida, abrir a economia e liberar o fluxo de capitais –
tudo no mesmo pacote (Paulani, 2011).

Já eleito, Collor manteve a mesma retórica inflamada que caracterizara sua


campanha: para justificar a abertura econômica, por exemplo, o presidente comparou os
carros fabricados no Brasil a carroças. Contudo, seria um erro associar Collor apenas a uma
retórica vazia e desprovida de conteúdo, nesse caso, de um programa. Embora fosse evidente
o apelo midiático, havia um programa político por trás do presidente que guardava relações
com seu discurso. O plano proposto para combater a crise econômica que atingia o país há
quase uma década consistia em uma “inflexão liberal” (Mancuso, 2007, p. 29). Dentre as
medidas que caracterizaram esse movimento, podemos destacar a abertura comercial, as

e ao seu Estado intervencionista” (Cardoso, 1995).


68
privatizações e concessões de serviços públicos para a iniciativa privada, a maior abertura
para o investimento direto estrangeiro, a liberalização financeira, a desregulamentação da
atividade econômica, a disciplina fiscal, a reforma administrativa, a reforma tributária e a
revisão de prioridades para os gastos públicos (Mancuso, 2007, pp. 29-30). Grande parte
desse plano econômico foi inspirada pelas diretrizes do Consenso de Washington, como
apontamos na seção anterior, adaptadas à realidade brasileira, a exemplo do que ocorreu em
outras economias da América Latina. Essa seria a receita sem a qual o Brasil não sairia da
crise dos anos 1980. Com efeito, essa receita não apenas tiraria o país da crise, como seria
capaz de impulsionar um novo ciclo de crescimento e prosperidade baseado na eficiência do
mercado. A partir do estabelecimento do neoliberalismo como agenda de governo, cada novo
choque na economia, produzido com cortes no orçamento público, era justificado pela
insuficiência do choque anterior.
As principais medidas econômicas, como o confisco da poupança, eram decididas
pela cúpula do governo de maneira tecnocrática, reforçando a tendência de insulamento
burocrático18. Em relação a essa questão, cabe pontuar que o relativo isolamento do governo
Collor, mesmo em relação à própria burguesia, associado aos próprios efeitos da política
neoliberal que começavam a ser sentidos pelos diferentes setores da sociedade, foram fatores
fundamentais para a crise do governo que resultou na renúncia do presidente. Entretanto, a
crise do governo Collor não impediu que a coalizão neoliberal se reorganizasse e continuasse
no governo ao longo da década de 1990.
“Disfarçada” sob o choque causado pelo confisco da poupança, a verdadeira
espinha dorsal do Plano Collor estava contida na Medida Provisória nº 155, de 15 de março de
1990, que instituía o Programa Nacional de Desestatização (PND). O objetivo central do
PND, nas palavras da ministra Zélia Cardoso de Melo, era “(…) reordenar a posição
estratégica do Estado na economia, transferindo para a iniciativa privada atividades
atualmente exploradas pelo setor público” (Pont, 2012, p. 117). Segundo as intenções do
governo, o Programa seria responsável por promover ganhos na eficiência da administração
pública e modernizar o parque industrial brasileiro, atraindo investimentos que não podiam
ser feitos pelo Estado. Em um primeiro momento, o PND contou com a aprovação da
burguesia, que viu nele não apenas a materialização do ideário neoliberal que a havia

18
O governo Collor se notabilizou pelo uso corrente de expedientes como as medidas provisórias, que não
necessitam de aprovação prévia do Congresso.
69
seduzido, como a possibilidade de passar a deter o controle sobre empresas altamente
estratégicas e rentáveis (Pont, 2012, p. 118).
Em sua essência, o Plano Collor, para seus formuladores, correspondia a um
esperado “salto para a modernidade capitalista”, seguindo as principais orientações do FMI:
“o enxugamento da liquidez, o quadro recessivo decorrente, a redução de déficit público, a
‘modernização’ (privatização) do Estado, o estímulo às exportações e, seguindo a prática
recorrentemente utilizada em nosso país, o arrocho salarial” (Pont, 2012, 119-120). O excesso
de intervencionismo estatal que envolve a tomada dessas medidas, contudo, conforme
observamos, não é incompatível com o modelo neoliberal. Ao contrário, constitui o caráter
“aparentemente paradoxal” das políticas neoliberais. “A desativação das políticas de
independência econômica nacional, de bem-estar social, de pleno emprego e de mediação de
conflitos socioeconômicos tende a suscitar a hipertrofia da ação regulamentadora do Estado”
(Saes, 2001, p. 83, grifos do autor). Dessa forma, embora a intensificação da autonomia de
ação do Estado possa atingir interesses imediatos do grande capital, as linhas gerais dessa
ação, no longo prazo, lhe são favoráveis (Pont, 2012, p. 120).
Apesar da perspectiva inicial otimista, a forte recessão pela qual passou o país em
1990, associada ao insucesso do combate à inflação e à perda de antigos espaços de acesso ao
Estado logo acabou com a popularidade do governo Collor junto aos industriais. Pont (2012,
p. 122) afirma que a modernização proposta por Collor, antes saudada pelas principais
entidades de classe da burguesia industrial, passou a ser vista como uma ameaça à sua
condição de representante do setor. A perda de espaços institucionais para negociação com o
governo foi vista pela CNI como uma ameaça de desmonte dos antigos instrumentos de
elaboração da política industrial e comercial. Com o aprofundamento dessa política, a
Confederação passou a denunciar que a ação do governo Collor “confrontaria com os
objetivos de redução da intervenção do Estado na economia e de ampliação da competição de
mercado” (Pont, 2012, p. 122). Ou seja, ainda que o alto grau de insulamento do Estado seja
compatível, e até esperado, com governos neoliberais, em determinadas conjunturas pode
provocar a deterioração das relações entre o Estado e setores da burguesia.
Na esteira da crise política que derrubou Fernando Collor, o vice-presidente
Itamar Franco assumiu o governo sob forte insatisfação popular, mas sem que houvesse um
programa alternativo ao que havia sido iniciado por seu antecessor. A ampla coalizão política
que deu sustentação ao mineiro, com vistas a superar a crise causada pela queda do primeiro
presidente eleito após a redemocratização, fez com que o novo governo estivesse sustentado
70
sobre um arco de forças instáveis e contraditórias. O passado nacionalista de Itamar,
reivindicado em diversas falas que remetiam ao combate à miséria e à criação de um projeto
nacional, contudo, apenas concedeu novo verniz ao programa que havia sido introduzido por
seu antecessor. Em linhas gerais, houve uma diminuição do ritmo das privatizações, mas a
direção e a velocidade da abertura econômica foram mantidas. A principal ação do governo,
que durou pouco mais de dois anos, consistiu na elaboração do Plano Real. Iniciado em 1993
e lançado no ano seguinte,
O Plano Real, no qual a moeda Real era um dos componentes, tinha por
objetivo, como os anteriores planos, o controle inflacionário e a estabilização
econômica. Para sua concretização e eficácia, o governo adotou medidas
visando conter os gastos públicos. Como o aumento do poder aquisitivo da
população, decorrente da estabilização econômica, provocara um maior
consumo, pressionando para cima a taxa de inflação, o governo recorreu à
velha fórmula macroeconômica de elevar a taxa de juros e, assim, reduzir o
consumo. Ao mesmo tempo, procurou baixar os preços dos produtos, não
por meio de um incremento de produtividade, mas pela abertura da
economia à competição internacional (Pont, 2010, p. 130).
O sucesso imediato do novo Plano, aliando crescimento e estabilização,
associados a um eficiente marketing político, praticamente alçaram o candidato do governo, o
ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, à Presidência da República. Ainda que
atravessando uma conjuntura de dificuldades provocada pela ausência de uma política
industrial e pelo aumento da concorrência, o conjunto da burguesia industrial apoiou o Plano e
a candidatura do ex-ministro (Pont, 2010, p. 136). Isso, contudo, não impediu que houvesse
críticas à condução da política econômica e à abertura comercial. Os industriais procuraram,
com o suporte ao Plano, abrir uma margem de manobra junto ao governo para negociar
medidas de seu interesse, como o controle de gastos e a reforma tributária. Esse apoio deve
ser compreendido também pelo fato de que, na visão da indústria, não havia nenhuma outra
alternativa na cena política, dada a ainda elevada rejeição a Lula e ao Partido dos
Trabalhadores (Bianchi, 2010, p. 238).
Os industriais apoiaram pragmaticamente as políticas liberais no Brasil por
causa dos efeitos da crise econômica, considerados insuportáveis; da
carência de alternativas disponíveis; e dos investimentos que realizaram para
ajustar suas empresas ao novo cenário: a cada passo dado na direção do
ajuste, retroceder tornava-se mais difícil (Mancuso, 2007, p. 30).
71
Nesse sentido, o governo FHC correspondeu ao avanço, com relativa estabilidade política, da
pauta de neoliberal que havia sido iniciada – e atravessado sua primeira crise – no governo
Collor.
Collor, como sabemos, não chegou a implementar essa agenda, mas fez
privatizações importantes. Depois veio o Plano Real, em 1994, que
estabilizou monetariamente a economia. Fernando Henrique Cardoso elegeu-
se presidente e foi, de fato, quem implementou e concretizou a agenda
neoliberal no Brasil […] (Paulani, 2011).
As privatizações dos governos Collor e Itamar Franco se concentraram nos setores siderúrgico
e petroquímico. Já no governo FHC, atingiram bancos, ferrovias, operações portuárias,
companhias telefônicas e de energia elétrica (Folha de S. Paulo, 19 dez. 2002 apud Galvão,
2003, p. 106).
Recorrendo novamente à metáfora dos três círculos concêntricos, vimos que a
burguesia industrial, de maneira geral, apoiou a política de privatizações. Esse apoio esteve
concentrado, principalmente, no setor do grande capital, que viu nessa política a possibilidade
de controlar empresas relevantes e rentáveis. Contudo, não é possível entender a reação da
burguesia industrial aos efeitos da política neoliberal sem fazer referência ao círculo menor,
que corresponde à política de abertura comercial e liberalização financeira. A abertura
comercial, um dos princípios fundamentais do neoliberalismo e alvo preferencial de pressões
dos países desenvolvidos e agências multilaterais, teve efeito crucial para o processo de
reorganização e reestruturação pelo qual passou a burguesia industrial brasileira nos anos
1990. De saída, é preciso pontuar que a abertura não foi um processo homogêneo, tampouco
ocorreu de modo linear. Ao contrário, o processo que iniciou a década de maneira intensa,
sofreu idas e vindas, em virtude da reação dos setores atingidos. Como aponta Mancuso,
podemos dividir a abertura comercial no Brasil em três momentos principais (2007, pp. 29-
30).
O primeiro passo dessa política foi planejado ainda pelo governo Collor, para ser
aplicado em quatro etapas, entre 1991 e 1994. Mesmo com a crise política que culminou com
a renúncia de Collor e sua substituição por Itamar Franco, o plano foi concluído pelo novo
presidente um ano antes do previsto. A meta era reduzir a tarifa modal de importação pela
metade ainda no primeiro ano, e prosseguir com a redução de tarifas para torná-las mais
compatíveis com as de países em desenvolvimento. As duas primeiras etapas se concentraram
sobre os setores de bens de capital e bens intermediários, enquanto as etapas finais atingiram
72
majoritariamente os bens de consumo. Este foi o primeiro grande impacto do neoliberalismo
sobre o parque produtivo nacional, desenvolvido sob o regime de substituição de importações,
e procurou atacar a maioria dos regimes especiais de importação do governo Sarney
(Mancuso, 2007, pp. 31-32).
O segundo momento da política de abertura comercial ocorreu em 1994, ainda sob
o governo de Itamar Franco, e fez parte do conjunto de medidas que serviram de base ao
Plano Real. Para isso, o governo deflagrou uma nova série de reduções tarifárias para dezenas
de produtos industrializados a fim de evitar um aumento de preços domésticos que colocasse
em risco o programa de estabilização (Mancuso, 2007, pp. 32-33).
O terceiro momento ocorreu durante a segunda metade dos anos 1990, já sob o
governo de Fernando Henrique Cardoso. Ainda que as tarifas de importação tenham
continuado baixas em comparação ao que eram nos anos 80, essa etapa se caracterizou por
recuos em relação ao processo iniciado por Fernando Collor. Embora FHC se declarasse
favorável à abertura econômica, o aumento da competição no mercado interno, provocado
pela abertura comercial e potencializado pela valorização cambial19, fez com que segmentos
da indústria local, que atravessavam um processo brutal de reestruturação, se organizassem
através de suas associações de classe, para pressionar o governo por proteção. Dentre esses
segmentos, destacaram-se os fabricantes de equipamentos de transporte, aparelhos
eletrodomésticos, produtos eletrônicos de consumo e alguns ramos da indústria têxtil e de
vestuário (Mancuso, 2007, pp. 33-35).
Apesar do relativo recuo na metade final, o saldo da década de 90 foi um processo
relevante de abertura da economia brasileira. Embora tenha atingido os segmentos da
indústria de forma heterogênea, a redução da proteção foi a tendência geral, e os industriais se
viram diante de um cenário inóspito, elevando o nível de concorrência para patamares
inéditos. O aumento das importações ocorreu de maneira mais intensa nos ramos mais
escassos da indústria instalada no Brasil, como os de tecnologia e capital, e foi menos sentido
nos setores em que o país possuía vantagens comparativas, notadamente os de recursos
naturais e mão de obra relativamente barata. O resultado desse processo pôde ser visto no
aumento do coeficiente de importação para o setor industrial, no período que vai de 1990 a
1998: a depender da metodologia aplicada, essa taxa apresentou saltos de 155% a 227%
19
A política de sobrevalorização cambial durou até o início de 1999. Logo após a reeleição, o governo de
Fernando Henrique Cardoso adotou um regime de câmbio flutuante, que resultou em uma intensa
desvalorização da moeda brasileira. Com a adoção do novo regime cambial, houve uma redução da
importação de produtos industrializados, acompanhada do aumento da taxa de exportação (Mancuso, 2007,
p. 35).
73
(Mancuso, 2007, pp. 34-39). Em resumo, apesar das idas e vindas que caracterizaram o
processo, “(…) a ‘invasão de importados’ nos anos 1990 foi suficientemente significativa para
causar um grande impacto sobre a indústria do país, anteriormente acostumada com alto nível
de proteção (Mancuso, p. 35)”. O impacto da abertura variou por ramo industrial e por
empresa. Entretanto, em linhas gerais, a reestruturação da indústria brasileira vista durante os
anos 1990 resultou em quatro grandes processos: falência, fusão, alienação e ajuste (Mancuso,
2007, p. 39).
Em reação ao processo de abertura comercial e aumento da concorrência, a CNI
apresentou, em 1995, a agenda que se tornaria sua principal pauta econômica naquele
momento, a de redução do “Custo Brasil”. Abordaremos com mais detalhes essa questão no
próximo capítulo mas, de maneira sucinta, Custo Brasil é a expressão utilizada para “designar
os fatores que prejudicam a competitividade das empresas do país diante de empresas situadas
em outros países” (Mancuso, 2007, p. 27). Esses fatores, por sua vez, são: “excesso e má
qualidade da regulação da atividade econômica; legislação trabalhista inadequada; sistema
tributário que onera a produção; elevado custo de financiamento da atividade produtiva;
infraestrutura material insuficiente e infraestrutura social deficiente” (CNI, 1996; 1998a; apud
Mancuso, 2007, p. 28). Por definição, o Custo Brasil engloba fatores externos às empresas
que prejudicam sua competitividade, ou seja, que demandam da atuação do governo para
saná-los. Essa pauta foi motivada não apenas pelo anseio de competir em condições de
igualdade no mercado interno, mas também para buscar novos mercados (Mancuso, 2007, p.
45). Em acordo com a ideia de que a agenda neoliberal, e em especial a abertura econômica,
era inevitável, caberia ao governo tomar medidas para aumentar a competitividade da
indústria nacional frente ao aumento da concorrência externa, e na busca por novos mercados.
A despeito do apoio ao programa neoliberal, o choque causado pela abertura
comercial, como já mencionamos, provocou reações por parte da indústria. A CNI, depois de
apoiar a “modernização” induzida pela abertura econômica, passou a fazer ressalvas, que
evoluíram para críticas, em virtude dos efeitos provocados pelo ajuste sofrido pelo setor
industrial, agravados pelo tímido avanço da pauta de ampliação da competitividade, pelo
desequilíbrio fiscal e pelo aumento da concorrência (CNI, 1998, p. 7). Na prática, isso
significou um afastamento gradual dos industriais da coalizão neoliberal, que havia sido
apoiada pelos principais representantes do setor industrial, em especial CNI e FIESP, ainda
que pela falta de alternativa. O caráter complexo desse movimento é ressaltado pelo fato de
que a “modernização da indústria”, à qual fizemos referência há pouco, foi objetivamente
74
perseguida pelos industriais. Em outras palavras, as consequências econômicas provocadas
pela abertura comercial e pelas demais políticas neoliberais que afetaram negativamente a
indústria instalada no Brasil causou um impacto político relevante para a maior parte da
burguesia industrial. O início da década de 2000 marcou o movimento desse segmento da
burguesia brasileira.
Como vimos, o neoliberalismo adotado nos anos 1990 afetou de maneira distinta
os diferentes setores da sociedade brasileira, e destacamos, em especial, seus efeitos sobre a
burguesia industrial. Mais do que isso, a política neoliberal impactou nas relações entre
classes e frações de classes no Brasil, provocando um reordenamento político das forças
sociais. Em resumo, podemos identificar que a classe trabalhadora sofreu com o aumento do
desemprego, da informalidade e a queda dos salários reais, que afetaram sua própria ação
enquanto classe e a colocaram numa postura defensiva, depois de um ciclo de ascensão entre
1978-1989, marcado por greves, mobilizações e organização institucional, garantindo uma
série de conquistas no processo constituinte. Alguns segmentos mais organizados da classe
operária lograram minimizar esses efeitos, mas a postura ofensiva do movimento sindical e
popular vista na década de 1980 não se manteve na década seguinte (Boito Jr., 2002, pp. 34-
35). Em relação à burguesia, vimos que o neoliberalismo impactou de maneira diferente as
frações que a compõem, beneficiando o setor associado ao capital estrangeiro, em detrimento
dos segmentos que constituem a burguesia interna. A burguesia industrial foi afetada pelo
processo de reestruturação, e o setor financeiro pela tentativa de internacionalização do
sistema bancário (Boito Jr., 2018, p. 312). Na próxima seção, nosso objetivo é compreender
como os impactos do neoliberalismo sobre a fração que denominamos de burguesia interna –
e sobre seu segmento industrial, em particular – culminaram com a formação da frente
neodesenvolvimentista que deu sustentação aos governos do PT.

2.4 – O neodesenvolvimentismo como alternativa ao neoliberalismo

A reestruturação que atingiu a indústria, provocada principalmente pela abertura


comercial e pelo câmbio valorizado, gerou uma insatisfação nesse setor da burguesia que se
acumulou ao longo da década de 1990. Esse movimento, assim como o próprio processo de
implantação da agenda neoliberal, não foi linear, e esteve permeado por avanços e recuos,
criando um cenário político complexo. Isso se deu porque, ainda que de maneira hesitante, a
75
burguesia industrial fez parte da coalizão política que apoiou o neoliberalismo como modelo
econômico em substituição ao nacional-desenvolvimentismo. Essa agenda foi defendida pela
CNI ao longo da primeira metade da década de 90. Ao mesmo tempo, esse apoio esteve
atravessado por contradições, na medida em que, como vimos, alguns pontos da agenda
neoliberal, notadamente a abertura comercial e a liberalização financeira, entram em choque
com interesses da burguesia industrial. Foram esses conflitos que enfraqueceram a ampla
coalizão que sustentou o programa neoliberal no início dos anos 1990, e aproximaram um
novo conjunto de forças sociais e políticas que formou a frente neodesenvolvimentista.
Para tanto cabe, em primeiro lugar, explicitar com maiores detalhes o conceito
que estamos utilizando para descrever esse fenômeno político. Utilizamos a ideia de frente
neodesenvolvimentista, como formulada por Boito Jr. (2012), para fazer referência a uma
frente política20, ampla e heterogênea, liderada pela grande burguesia interna, e que deu
sustentação aos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores na presidência da
República entre 2003 e 2016. Essa frente foi formada por forças sociais distintas, que
guardam contradições entre si, mas que se uniram em oposição aos efeitos do neoliberalismo
que vigorou durante a década de 1990 no Brasil. Dessa forma, é importante ressaltar, não
possuía objetivos estratégicos bem definidos, mas os efeitos provocados pela política
neoliberal permitiram sua aproximação e a formação de uma frente política. Com efeito, ainda
segundo Boito Jr., neodesenvolvimentismo “é o projeto econômico que expressa essa relação
de representação política entre os governos Lula e a grande burguesia interna” (2012, p. 68).
Ao denominá-lo como neodesenvolvimentismo, ao mesmo tempo em que faz um
paralelo com o velho desenvolvimentismo que vigorou entre as décadas de 1930 e 1980, em
suas diferentes variações, o autor também faz ressalvas que distanciam os dois modelos.
Antes de apontar as diferenças indicadas por Boito Jr., vejamos como pode ser definido o
conceito de desenvolvimentismo:
Entendemos por desenvolvimentismo […] a ideologia de transformação da
sociedade brasileira definida pelo projeto econômico que se compõe dos
seguintes pontos fundamentais:

20
De acordo com Boito Jr. (2012, pp. 71-72), uma frente de classes e frações de classe, como a frente
neodesenvolvimentista, possui um caráter mais informal do que uma aliança. As forças envolvidas em uma
frente política possuem objetivos convergentes, mas que nem sempre estão claros. Ao contrário, uma aliança
possui um programa mínimo comum, ainda que as classes e frações que a compõem se organizem de forma
independente e possuam programas políticos próprios. Essa distinção é importante, já que mostra que nem
sempre os interesses da frente estão bem definidos, bem como os compromissos que a sustentam, e ressalta
seu caráter heterogêneo.
76
a) a industrialização integral é a via de superação da pobreza e do
subdesenvolvimento brasileiro;
b) não há meios para alcançar uma industrialização eficiente e racional
no Brasil através das forças espontâneas do mercado; por isso, é necessário
que o Estado a planeje;
c) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores
econômicos e os instrumentos de promoção dessa expansão; e
d) o Estado deve ordenar também a execução da expansão, captando e
orientando recursos financeiros, e promovendo investimentos diretos
naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente (Bielschowsky,
1995. p. 7 apud Singer, 2016, p. 25)21.

A partir dessa definição inicial, podemos comparar com os três fatores que o
diferenciam do neodesenvolvimentismo, segundo a análise de Boito Jr.:
1) o neodesenvolvimentismo apresenta índices mais modestos de crescimento
econômico, por ser limitado pela financeirização típica do neoliberalismo;
2) aceita a especialização regressiva, se concentrando em setores de
processamento de recursos agrícolas, pecuários e minerais, e nos segmentos de
baixa densidade tecnológica, portanto sem tensionar a divisão internacional do
trabalho;
3) em comparação ao seu antecessor, está muito mais voltado ao mercado
externo, isto é, para a exportação. Esse processo foi induzido principalmente pela
abertura de mercados em nível global durante a década de 1990 (2012, pp. 69-70).

Considerando essa caracterização geral, tanto para definição do conceito de


desenvolvimentismo, como para as principais diferenças em relação ao
neodesenvolvimentismo, o que nos permite identificar o segundo como um processo
desenvolvimentista? Antes de discutirmos essa questão, cabe uma ressalva sobre as condições
históricas em que cada um desses modelos vigorou. No período desenvolvimentista, a política
adotada pelos países imperialistas permitia que os países dependentes, caso do Brasil,
tivessem uma política de industrialização relativamente autônoma (Galvão, 2008, p. 151).
21
Singer utiliza essa definição para elaborar sua tese de “ensaio desenvolvimentista” que teria ocorrido no
governo Dilma Rousseff, no período de 2011-2013. Entendemos que essa denominação dá a ideia de que
não havia uma política de desenvolvimento no período anterior (2003-2010), o que implicaria abandonar o
termo neodesenvolvimentismo para classificar o governo Lula, ponto do qual discordamos. De nossa parte,
acreditamos que o que houve a partir de 2011 foi um aprofundamento da política de caráter
desenvolvimentista, voltada ao investimento produtivo, que implicou se contrapor a interesses de setores
rentistas. Desenvolveremos esse debate no capítulo 3.
77
Com a crise desse modelo e a ascensão do neoliberalismo em escala global, houve uma
mudança na conjuntura de tal sorte que não as condições históricas não se repetissem, o que
inviabilizaria uma “reedição” do velho desenvolvimentismo. Feita essa ressalva, entendemos
que o principal aspecto que permite identificar o viés desenvolvimentista no programa
político aplicado pelos governos do PT é a recuperação do papel do Estado como indutor da
atividade econômica em busca do crescimento. Contudo, cabe qualificar melhor esse papel:
durante o período neodesenvolvimentista, o Estado brasileiro não recuperou algumas das
características do velho desenvolvimentismo mas, ao mesmo tempo, apresentou diferenças
importantes em relação ao período neoliberal. Com a chegada ao poder do Partido dos
Trabalhadores, houve uma mudança na condução da política que, embora conservasse
características herdadas do governo anterior, promoveu essa reorientação do papel do Estado.
O governo Lula não reverteu as privatizações realizadas na década anterior, mas
praticamente as congelou e recuperou as empresas que permaneceram sob controle público;
os bancos públicos recuperaram a capacidade de investimento, com destaque para o BNDES,
que passou por uma reestruturação significativa para recuperar a capacidade de incentivo à
atividade produtiva22; o próprio Estado recuperou a capacidade de investimento; o mercado de
obras públicas, praticamente inexistente no período FHC, foi retomado; as compras
governamentais foram direcionadas para produtores locais; e a diplomacia foi reorientada para
um eixo sul-sul, a fim de abrir novos mercados para produtos brasileiros na América do Sul,
África e Ásia.
O resultado dessas políticas pode ser dimensionado pelas taxas de crescimento do
período: enquanto o governo FHC teve uma taxa de crescimento médio de 2,4% ao ano, no
governo Lula esse índice chegou a 4% (Gráfico 1). É certo que esse dado não é absoluto, uma
vez que fatores externos são bastante relevantes em economias dependentes. O governo FHC
atravessou algumas crises internacionais, como as do México, da Ásia e da Rússia, ao passo
em que foi beneficiado pela estabilização da economia, iniciada ainda em 1994 com o Plano
Real. Já o governo Lula viveu o chamado “boom das commodities”, ocasionado pelo aumento
da demanda de muitos dos produtos primários que o Brasil exportava, ao passo que também
enfrentou crises, como a do sistema financeiro americano em 2008. De modo que, se o

22
O caso do BNDES é significativo, já que durante o governo FHC suas funções foram limitadas quase
exclusivamente a financiar os processos de privatização. Durante o governo Lula, o banco passou a cumprir
um papel fundamental para financiar a produção e a formação de grandes grupos nacionais (Boito Jr., 2012,
p. 81).
78
crescimento durante o governo Lula está aquém das taxas vistas no período
desenvolvimentista, apresentou uma melhora significativa em relação ao período neoliberal.

Gráfico 1 - Variação anual do PIB brasileiro - 1990 - 2016 (%)


10

8 7,5
5,9 5,8 6,1
6 4,9 5,1
4,2 4,4 4 4
4 3,4 3,1 3,2 3
2,2 1,9
2 1 1,4 1,1
0,3 0,5 0,5
0
-0,5 -0,1
-2

-4 -3,8-3,6
-4,3
-6
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16
19 19 19 19 19 19 19 19 19 19 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20 20

Gráfico 1: Fonte: FGV: Centro de contas nacionais / IBGE: Diretoria de pesquisas.


Coordenação de contas nacionais. Elaboração própria.

No plano político, e voltando para as relações de classe, esse processo se


manifestou pela ascensão da grande burguesia interna iniciada no governo Lula, e em especial
o seu setor produtivo – setores da indústria, agronegócio e construção civil. Esses setores
foram identificados pelo Estado como prioritários, e receberam uma série de incentivos para
“puxarem” o crescimento da economia brasileira a partir de 2003. Ainda assim, esse processo
guardou diferenças fundamentais com o nacional desenvolvimentismo, como apontamos nos
três aspectos mencionados anteriormente. Portanto, em relação ao neoliberalismo, “o
neodesenvolvimento promoveu uma mudança no modelo, e não uma mudança de modelo”.
Em outras palavras, “o neodesenvolvimentismo é o desenvolvimentismo possível dentro do
modelo neoliberal” (Boito Jr., 2012, p. 69). Ao mesmo tempo, ainda que observados seus
limites, essa mudança no papel do Estado brasileiro, aprofundada nos dois primeiros anos do
governo Dilma, impactou profundamente a conjuntura política, como pretendemos discutir no
capítulo seguinte.
79
No arranjo político que sustentou a frente neodesenvolvimentista, seria um erro
atribuir papéis semelhantes ou equivalentes a forças sociais tão heterogêneas. Cabe explicitar,
portanto, com maiores detalhes, qual foi o papel desempenhado por cada uma dessas forças. O
fato de a burguesia interna ter melhorado sua posição no bloco no poder em relação às demais
frações burguesas não implica dizer que essa fração teve todos os seus interesses atendidos
pelos governos neodesenvolvimentistas, que seu programa político foi implantado
integralmente, tampouco que todos os segmentos que a compõem foram beneficiados
igualmente. Com efeito, observamos, ao longo do período em que a frente
neodesenvolvimentista esteve no poder, variações na política de governo. No período de 2003
a 2005, o governo Lula adotou uma agenda que pouco se diferenciava dos governos de
Fernando Henrique Cardoso no plano macroeconômico, mantendo suas principais medidas
restritivas. Na condução do Ministério da Fazenda, Antonio Palocci deu continuidade à
política de superávits primários, inclusive apresentando maior contração fiscal em relação ao
período anterior, e o Banco Central elevou a taxa de juros para conter a inflação e a
depreciação cambial (Barbosa, 2013, p. 70). Em 2006, ainda sem ter superado integralmente a
crise política, Palocci foi substituído por Guido Mantega, um economista mais próximo a
políticas desenvolvimentistas, no comando da economia. Nossa intenção, contudo, não é
atribuir à ação individual de Mantega as mudanças na política econômica, mas enquadrar esse
processo dentro de uma reorientação mais ampla do governo Lula, que contou com o apoio da
burguesia interna, e teve em seu aspecto mais visível a mudança no comando ministerial.
Voltaremos a esse assunto adiante.
Em um segundo momento, vejamos qual foi o papel das classes trabalhadoras que
compuseram a frente neodesenvolvimentista. Embora tenhamos apontado a grande burguesia
interna como fração dirigente, ela não foi sua força principal. Como aponta Boito Jr. (2012, p.
72), a formação da frente foi possível graças à ação do movimento operário e popular, e em
particular do movimento sindical, que desde os anos 1980, com o surgimento do novo
sindicalismo, esteve muito próximo ao Partido dos Trabalhadores. Mesmo entrando em um
período de refluxo na década seguinte, a mobilização do movimento operário e popular contra
o neoliberalismo se tornou um polo de atração contra os efeitos dessa política. Por força
principal, o autor, novamente utilizando uma definição elaborada por Poulantzas, se refere a
uma força que não dirige o movimento, mas cuja ação é a principal responsável pelo sucesso
da luta.
80
Uma outra fração importante da classe trabalhadora que esteve presente na
composição da frente neodesenvolvimentista corresponde aos trabalhadores da massa
marginal. Essa fração da classe trabalhadora corresponde a um número muito grande de
pessoas em países periféricos, e em especial no Brasil. São trabalhadores superexplorados, em
geral politicamente desorganizados, que possuem uma inserção marginal no nível de relações
produtivas, frequentemente lidando com o desemprego e a informalidade (Boito Jr., 2018, p.
111-113). A participação dessa camada de trabalhadores, que no Brasil se concentram
especialmente na região Nordeste e nas periferias das grandes cidades, ao governo Lula foi
identificada por Singer (2012, pp. 14-15) com mais intensidade a partir da eleição de 200623.
A partir dessa eleição, a parcela majoritária desses trabalhadores votou em Lula – situação
que se repetiu com Dilma Rousseff – e se constituiu em uma importante base de sustentação
dos governos petistas. Cabe destacar que esse apoio se deu quase exclusivamente por vias
eleitorais, já que os governos do PT não procuraram organizar politicamente esse segmento,
mantendo com ele uma relação de tipo populista 24. Desse modo, se constituiu como uma
“maioria silenciosa”, chamada a apoiar eleitoralmente os governos da frente
neodesenvolvimentista a cada quatro anos. Esse segmento foi beneficiado principalmente por
programas sociais como Bolsa Família, Auxílio de Prestação Continuada, Minha Casa Minha
Vida, entre outros, mas também pelo aumento do salário mínimo e pela expansão do crédito.
A questão a respeito do papel ocupado por esse segmento da classe trabalhadora
marca uma diferença importante entre as análises de Boito Jr. (2012) e Singer (2012).
Enquanto o primeiro ressalta o caráter populista da relação entre esses trabalhadores e os
governos neodesenvolvimentistas, o segundo enfatiza os benefícios auferidos pelo
subproletariado pelos governos petistas – processo denominado pelo autor como Lulismo.
Para Singer, os governos do PT se constituíram em um arranjo bonapartista, ou seja, no qual o
governo pairava com relativa autonomia acima das classes sociais, arbitrando os conflitos e
concedendo ganhos ao subproletariado. Por sua vez, Boito Jr., como já apontamos, entende
que a política dos governos Lula e Dilma representou majoritariamente os interesses da
grande burguesia interna. Como essa fração de classe não possuía força para, sozinha, impor
seus interesses aos demais segmentos da burguesia e ao conjunto da sociedade, integrou a

23
Singer denomina essa camada de trabalhadores como “subproletariado”.
24
Boito Jr. define o conceito de populismo de um modo diferente das análises de cunho liberal, que apontam
para um líder carismático que estabelece uma relação direta com as massas, sem a intermediação de
instituições políticas, para manipulá-las. O conceito mobilizado por Boito Jr. se refere a um tipo de relação
que oferece ganhos reais às classes trabalhadoras, ainda que reduzidos, mas as mantém política e
ideologicamente desorganizadas e dependentes do Estado (2018, pp. 122-127).
81
coalizão que o autor denomina de frente neodesenvolvimentista para ter seus interesses
atendidos. Como o êxito da burguesia interna dependia de sua adesão a uma frente ampla, que
englobasse segmentos das classes trabalhadoras, em especial o movimento sindical e popular
e o subproletariado, se viu obrigada a realizar concessões a esses grupos. Essas concessões se
deram principalmente através da política social dos governos petistas, que almejou a criação
de um mercado de consumo de massas. O êxito dos governos Lula e Dilma, no período que
antecedeu a crise de 2014, se sustentou, portanto, no equilíbrio instável entre esse conjunto de
forças contraditórias, dirigido pela grande burguesia interna.
Essa aproximação, como pontuou Boito Jr. (2012, p. 72), foi resultado da
convergência entre a ação do movimento sindical e popular, e de uma fração da burguesia
contra os efeitos do neoliberalismo nos anos 1990. Essa ação acabou por aproximar os
trabalhadores desse setor da burguesia – a burguesia interna – que também se viu prejudicado
por aspectos do programa neoliberal. Cabe destacar, nesse movimento por parte da classe
dominante, um papel central do seu segmento industrial, principalmente através de suas mais
relevantes entidades de classe, CNI e FIESP que, a partir de um certo momento, protestaram
contra aspectos da política neoliberal. Como procuramos apontar na sessão anterior, esse
protagonismo se deveu ao fato de a indústria ter sido um dos segmentos da burguesia mais
afetados pelo neoliberalismo.
Recorrendo novamente à metáfora dos três círculos concêntricos que caracterizam
a economia política do neoliberalismo, vimos que o programa adotado pelos governos
brasileiros dos anos 1990, em maior ou menor medida, teve como resultado a
desnacionalização, desindustrialização e especialização regressiva da economia brasileira.
Esse processo resultou, na prática, em uma reorganização do setor industrial, que se deu
através de fusões e aquisições, aumentando a participação do capital estrangeiro e reduzindo a
participação do Estado na economia brasileira (Bianchi, 2010, pp. 247-248). Embora tenham
apoiado em grande medida o projeto neoliberal, principalmente no que se refere às reformas
orientadas para o mercado, como as reformas da previdência e trabalhista, as entidades de
classe da burguesia industrial foram adotando uma postura crítica a outras medidas, em
especial a abertura comercial, que culminaram, num processo marcado por movimentos
hesitantes, em uma rejeição ao programa que identificamos como neoliberalismo ortodoxo.
Essas críticas não se restringiram a declarações à imprensa e por meio de
publicações das entidades patronais. O primeiro episódio que marcou esse movimento se deu
em maio de 1996, numa manifestação promovida por industriais, liderada pela CNI e FIESP,
82
que levou cerca de três mil empresários a Brasília. O protesto incluía críticas ao
“sucateamento da indústria”, à velocidade da abertura comercial, e pedia a desvalorização do
câmbio e a diminuição dos juros (Boito Jr. 1999, p. 62). Esse movimento, embora restrito a
entidades patronais, promoveu uma aproximação com organizações de trabalhadores, em
especial do movimento sindical, que também protestavam contra a política neoliberal e se
encontravam relativamente enfraquecidas desde o início da década pelo aumento do
desemprego. No campo da cena política, a aproximação entre a burguesia interna e o Partido
dos Trabalhadores foi um processo relativamente longo, que se completou apenas com a
chegada de Lula à presidência da República. Desde 1989, quando Mario Amato declarou que,
em caso de vitória do petista, 800 mil empresários deixariam o Brasil 25, mais de uma década
foi necessária até a formação de uma frente política que incorporasse setores da burguesia e
da classe trabalhadora. Vejamos esses movimentos com mais detalhes.
Em 1989, o conjunto da burguesia apoiou em massa a candidatura de Collor
contra Lula. Se não nutria convicções fortes acerca do candidato alagoano, o que foi
demonstrado pelo apoio, também massivo, ao seu processo de impeachment, era o único meio
de evitar a vitória do candidato petista, que trazia consigo os movimentos sindical e popular
(Boito Jr., 2012, p. 76). Passados quase cinco anos, na eleição de 1994, os industriais
enxergavam na candidatura de Fernando Henrique Cardoso, então com as credenciais de
principal comandante do Plano Real, a única viável para a burguesia. Em visita à FIESP
durante a eleição, o novamente candidato Lula moderou o discurso e atacou a redução das
tarifas de importação, alvo de críticas também dos industriais. Contudo, segundo declarações
à imprensa depois da visita, o próprio Lula não nutria esperanças de conquistar apoio entre o
alto empresariado. Na realidade, embora já apresentasse mudanças no discurso de campanha
em relação à eleição anterior, o que afastava a burguesia industrial do candidato do PT eram
os movimentos sociais identificados com o partido. Aceitando a abertura comercial como
inevitável, e sem força política para apresentar um novo projeto que fosse além da esfera
econômico-corporativa, a burguesia passou a apoiar o governo FHC, procurando combater
alguns dos efeitos do programa neoliberal (Bianchi, 2010, pp. 240-241).
A partir de 1995, e em especial após a eleição de José Dirceu como presidente do
PT, o partido passou a moderar ainda mais o discurso e a discutir uma nova estratégia, o que

25
Em uma frase que gerou grande repercussão à época, Mario Amato, então presidente da FIESP, declarou
que, se Lula ganhasse as eleições, mais de 800 mil empresários deixariam o país (Em 89…, 2000). Era uma
referência à fuga de empresários ocorrida em Portugal em razão da Revolução dos Cravos, na década de
1970.
83
implicou em, gradualmente, transformar o programa democrático popular, elaborado na
década de 1980 e ainda muito vinculado aos movimentos populares, em um novo programa
que propusesse reformas sociais mais brandas e previsse a cooperação com o capital. Em
2002, com o governo de Fernando Henrique Cardoso cultivando grande impopularidade, a
quarta tentativa de levar Lula à presidência se manteve alinhada à nova estratégia e, como
gesto de aproximação, lançou como candidato a vice-presidente o industrial José Alencar, um
importante empresário do setor têxtil e então senador por Minas Gerais, que havia presidido a
Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) de 1989 a 1995. Mais do que um quadro
desenvolvimentista, como diversos economistas próximos ao PT, o partido optou por buscar
um representante orgânico da burguesia industrial. Alencar, então senador pelo PMDB, se
transferiu para o PL para se candidatar a vice-presidente, enquanto seu antigo partido apoiou
José Serra, do PSDB. Um movimento parecido ocorreu com o recém-eleito presidente da
CNI, Armando Monteiro Neto. Mesmo tendo declarado seu voto em Serra, Monteiro, que
havia sido eleito deputado federal pelo PMDB de Pernambuco, disse que não via riscos na
candidatura Lula. O industrial declarou às vésperas do segundo turno que acreditava que o PT
havia “amadurecido” e estava pronto para governar o país (Presidente…, 2002).
Posteriormente, o pernambucano se transferiu para o PTB, e passou a fazer parte da base do
governo, recebendo apoio do PT para se candidatar ao senado e ao governo de seu estado. Já
no período de crise do neodesenvolvimentismo, ocupou o Ministério do Desenvolvimento, da
Indústria e do Comércio Exterior, e foi um dos últimos polos de interlocução entre o governo
Dilma e os empresários do setor industrial.
Apesar da aproximação, contudo, a burguesia interna – nem ao menos o conjunto
de sua camada industrial – não se uniu em torno da candidatura do PT, e o que se viu foi uma
divisão no interior dessa fração de classe durante a eleição. Alguns setores ainda
permaneceram receosos sobre o que significaria uma vitória de Lula, e preferiram apoiar
outras candidaturas, como a do ex-ministro Ciro Gomes e a do ex-presidente Itamar Franco.
Contudo, a densidade eleitoral do PSDB – e mesmo os importantes vínculos que o partido
nutria com a grande burguesia, a despeito de críticas a aspectos de sua política – fez com que
alguns industriais trabalhassem para que o candidato do partido fosse um nome ligado a uma
perspectiva liberal-desenvolvimentista, como José Serra e Tasso Jereissati (Bianchi, 2010, pp.
256-258).
Para isso, desde 2001 setores do empresariado se articularam para evitar a
candidatura do então ministro da Fazenda, Pedro Malan, considerado um neoliberal “linha
84
dura”. A esse respeito, o presidente da CNI à época, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, chegou
a declarar que “não gostaria sequer de imaginar esse governo” (Jornal do Brasil, 10 ago.,
2001, p. 14 apud Bianchi, 2010, p. 256). Entre disputas internas e pressões externas, o
candidato do PSDB foi o ex-ministro José Serra, mais próximo aos industriais de São Paulo.
Portanto, o que se viu no cenário eleitoral de 2002 foi uma divisão da burguesia interna e a
tentativa de abrir flancos no campo neoliberal, sem que houvesse uma candidatura que a
unificasse a exemplo do que ocorrera em pleitos anteriores. Em meio a esse processo, destaca-
se que o grau de “conflitividade” entre a burguesia industrial e Lula era bem inferior ao de
eleições anteriores (Bianchi, 2010, p. 258).
Nesse cenário, apesar dos acenos de moderação, a provável eleição do ex-
metalúrgico à presidência, que foi confirmada em outubro de 2002, provocou uma pequena
turbulência na economia brasileira causada por um ataque especulativo. No final daquele ano,
a inflação atingiu 12,5%, muito em virtude da depreciação da moeda brasileira, e a dívida
líquida do setor público atingiu 60% do PIB (Barbosa, 2013, p. 69). Diante desse cenário, a
opção do novo governo foi manter, com um grau ainda maior de rigidez, as principais
diretrizes de política econômica do governo anterior. Lula indicou Antonio Palocci como
ministro da Fazenda, um dos quadros petistas mais próximos do setor financeiro. O ex-
deputado montou uma equipe de perfil reconhecidamente liberal, composta por nomes como o
dos economistas Marcos Lisboa e Joaquim Levy, todos com formação em centros liberais e
próximos ao mercado financeiro. Para o Banco Central, Lula nomeou o deputado eleito pelo
PSDB de Goiás e ex-presidente do Bank Boston, Henrique Meirelles.
A tentativa de conter a desconfiança do capital financeiro e estrangeiro acabou por
gerar uma antipatia inicial junto ao setor produtivo, manifestada inclusive pelo vice-
presidente. As reclamações mais comuns eram a respeito das taxas de juros, mantidas em
patamares elevados. Ao mesmo tempo, o governo procurou minimizar os conflitos com a
indicação de nomes como o de Carlos Lessa, para o BNDES, e o de Guido Mantega, para o
Ministério do Planejamento, ambos economistas de orientação desenvolvimentista. Durante
os primeiros anos de governo, esses órgãos se constituíram como os principais interlocutores
do setor produtivo, além, evidentemente, do vice-presidente, se constituindo, ao lado da
Petrobras, no que Boito Jr. denominou “centros de poder” do capital produtivo dentro do
governo (2018, pp. 236-241). De acordo com o autor, o governo Lula delegou o comando de
importantes instituições estatais a diferentes frações da burguesia. No caso da burguesia
interna, as principais instituições que estiveram sob seu controle foram o BNDES e a
85
Petrobras. O principal objetivo desta medida era minimizar, ou contrabalancear, os efeitos
negativos que ainda eram sentidos pela burguesia interna em virtude da não ruptura com o
modelo capitalista neoliberal. Em oposição, o Banco Central, por exemplo, permaneceu sob
influência do capital financeiro.
Esse processo pôde ser observado ao longo de todo o governo Lula, contudo,
algumas mudanças devem ser destacadas. Como mencionamos, a política econômica do
período 2003-2005 se manteve muito próxima da executada por FHC. Os superávits primários
foram elevados, a política de juros altos permaneceu, assim como o regime de metas de
inflação, preservando o modelo do tripé-macroeconômico herdado do governo anterior 26.
Além disso, logo no primeiro ano de mandato, o governo Lula aprovou uma reforma da
previdência que atingiu o setor público. Essa política fez com que alguns analistas, logo após
o início do governo, o caracterizassem como simples continuidade do governo FHC27.
De fato, embora existissem diferenças, como a ampliação de programas sociais e a
política de valorização do salário mínimo, os primeiros três anos do governo Lula seguiram
caminhos muito parecidos com os de seu antecessor. O principal ponto de inflexão, que
permite caracterizar o governo Lula como neodesenvolvimentista, ocorreu em 2006, com a
substituição de Palocci por Guido Mantega no Ministério da Fazenda. Na realidade, a
substituição de Palocci por Mantega, que desde a saída de Carlos Lessa ocupava a presidência
do BNDES, correspondeu a uma reorientação do próprio governo, para uma posição que
buscasse mais claramente o crescimento econômico induzido pelo Estado.
Essa reorientação aconteceu após a chamada crise do “mensalão”, iniciada em
agosto de 2005, em que o governo foi acusado de comprar votos de parlamentares no
Congresso28. O presidente Lula, atacado pelos principais meios de comunicação e pelos
partidos de oposição, recorreu a seu ainda amplo apoio junto aos setores populares e
conseguiu se sustentar o governo. Alguns meses depois, uma nova denúncia de corrupção,
dessa vez envolvendo Palocci, atingiu o governo. O presidente demitiu o ministro e nomeou
Mantega para o Ministério da Fazenda. Nesse mesmo contexto, mas alguns meses antes, a
chefia da Casa Civil também fora substituída, com José Dirceu dando lugar a Dilma Rousseff,

26
O tripé-macroeconômico foi um modelo de política econômica adotado pelo governo FHC em 1999, depois
da primeira crise cambial pós-Plano Real. É baseado em três pilares fundamentais, quais sejam:
estabelecimento de metas de inflação mantidas com altas taxas de juros, câmbio flutuante com tendência à
valorização e superávits primários elevados para rolagem da dívida pública (Boito Jr., 2018, p. 237).
Entendemos que essa política consolidou a posição neoliberal do governo.
27
Ver, por exemplo, Boito Jr. (2003) e Oliveira (2003).
28
Para uma análise da crise política de 2005 que considera as disputas entre classes e frações de classes, ver
Martuscelli (2015).
86
então ministra de Minas e Energia. Como se sabe, a nova ministra, também próxima de
posições desenvolvimentistas, se alçaria à presidência da República em 2010 com apoio de
Lula. Durante o período de crise política, foram várias as manifestações do setor produtivo em
apoio ao governo, ou procurando desmobilizar o campo oposicionista. Durante a crise de
2005-2006, a burguesia interna se opôs publicamente, através de documentos e declarações à
imprensa, à investida comandada, no âmbito da cena política, pelo PSDB e seus aliados
(Boito Jr., 2018, p. 315). Nesse sentido, conforme apontado na imprensa à época, o presidente
Lula se aproximou do setor industrial e deu diversas declarações afirmando que a política
econômica continuaria sem alterações, independentemente de quem ocupasse os ministérios.
Em reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), o presidente da
CNI, Armando Monteiro Neto, declarou que
Claro que as pessoas são importantes e caras ao presidente, mas a política
econômica é uma opção do governo, não de pessoas ou de ministros. É um
compromisso que se sobrepõe às pessoas. O presidente é o principal fiador
dessa política (Sofia, 2005).
Declarações como essa devem ser entendidas a partir do contexto em que foram proferidas.
Naquele momento, havia críticas de industriais à política econômica considerada
excessivamente restritiva. Contudo, era também um momento de abertura do governo para
demandas da burguesia industrial. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial fora
criado no final de 2004, como órgão consultivo para formulação da política de
desenvolvimento industrial (Diniz e Boschi, 2007, p. 72). O Conselho contava com a
participação de membros do governo, empresários – inclusive o presidente da CNI – e
trabalhadores. Em outras palavras, o governo Lula abriu um espaço para interlocução com o
setor industrial que não existia no período neoliberal. Essa política de proximidade e,
evidentemente, as medidas adotadas pelo governo em negociação com o setor, se reverteram
no apoio durante a crise política de 2005. Com efeito, o que se viu depois desse episódio foi
que, a partir dos desdobramentos causados pela crise política de 2005, a frente
neodesenvolvimentista se consolidou efetivamente (Martuscelli, 2017, p. 4)29.
As mudanças na composição do governo e o apoio por parte de lideranças
importantes da indústria refletiram uma maior proximidade com as posições defendidas pela

29
Embora também aponte uma aproximação entre a grade burguesia interna e setores da classe trabalhadora
durante o governo Lula, que se consolida no episódio do “mensalão”, Martuscelli (2017) identifica
diferenças entre a “ideologia neodesenvolvimentista”, que influenciou os governos petistas, e sua prática
política concreta, mais próxima do social-liberalismo.
87
burguesia interna, em detrimento, muitas vezes, de interesses da burguesia associada e do
capital internacional. Nesse sentido, Boito Jr. aponta que o governo Lula
Começou cauteloso, com um primeiro governo marcado pela tática
defensiva, cujo principal objetivo era não hostilizar o capital financeiro
internacional, e passou, no segundo governo, para uma tática ofensiva na
implantação da política neodesenvolvimentista da grande burguesia interna
(Boito Jr., 2012, p. 80).
Vejamos com mais detalhes algumas das políticas adotadas pelo governo Lula que permitem
sustentar essa posição.
A atuação do BNDES é um importante exemplo nesse sentido, sendo amplamente
reorientada em relação ao governo anterior. Durante os anos 1990, o banco teve sua ação
voltada quase integralmente ao financiamento de privatizações. Já nos governos petistas, e em
especial sob o comando de Luciano Coutinho, a instituição passou a apoiar centenas de
empresas do setor produtivo, através de empréstimos a juros subsidiados ou participação
acionária, por meio da BNDESPar. Dentre as medidas tomadas pelo banco que beneficiaram a
grande burguesia interna, destaca-se a política que ficou conhecida como “campeões
nacionais”: a tentativa de construir grandes grupos brasileiros que ocupassem posição de
liderança no mercado internacional dentro de seus ramos de atividade (Boito Jr., 2018, pp.
237-238). Além da política de financiamento e de participação para formação de capital, a
política de campeões nacionais foi impulsionada pelos acordos diplomáticos, que abriram
mercados, para que grandes empresas brasileiras, com apoio do BNDES, realizassem obras de
infraestrutura em outros países, notadamente na América do Sul, para a construção de
hidrelétricas, estradas, linhas férras, etc. (Boito Jr., 2018, p. 238).
Uma evidência de como se desenvolveu o conflito entre frações da burguesia
durante esse período é que a atuação do BNDES e, em especial, a política de campeões
nacionais e o financiamento de grandes obras no exterior, foi alvo preferencial da oposição
partidária e da burguesia associada (Boito Jr., 2018, p. 238). Além da elevação do gasto
público, que comprometeu a política de superávit primário, apontada pelo autor como uma
das razões para a mobilização da oposição, acrescentaríamos a entrada de grupos brasileiros
em mercados antes dominados por empresas de países imperialistas, principalmente dos
Estados Unidos e de países europeus, como aspecto fundamental para entender essa oposição.
Podemos acrescentar ao conjunto de medidas adotadas pelo governo Lula a
política de compras governamentais favorecendo o conteúdo nacional e a retomada do
88
investimento por meio de grandes obras públicas, como a construção de usinas hidrelétricas,
rodovias, ferrovias e a transposição do Rio São Francisco. Grande parte dessas obras fazia
parte do Programa de Aceleração do Crescimento, conhecido como PAC, que teve início em
2007. O PAC consistiu em uma série de investimentos em infraestrutura, com intuito de
eliminar os gargalos logísticos do país, através de uma estratégia que apoiava a formação de
capital no setor privado e, simultaneamente, aumentava o investimento público (Barbosa,
2013, p. 75-78). É importante ressaltar que, ainda que as principais beneficiadas pelo PAC
tenham sido as grandes construtoras nacionais que executaram as obras, a questão dos
problemas logísticos fazia parte das reivindicações da indústria, apontados como responsáveis
por elevar o Custo Brasil. O setor agropecuário, por sua vez, também se incorporou a essa
reivindicação, protestando acerca dos custos de transporte dos produtos voltados para a
exportação. Dessa forma, a recuperação e integração do investimento coordenada pelo Estado
foi apoiada por grande parte da burguesia interna. Associado a esse primeiro aspecto, o PAC
também previu o aumento de investimentos na Petrobras e no setor de energia, principalmente
visando a exploração do pré-sal (Barbosa, 2013, p. 75).
No campo da política externa, as principais medidas e posições adotadas pelo
governo Lula também tiveram como objetivo fortalecer a grande burguesia interna (Boito Jr. e
Berringer, 2013, pp. 34-35). Os autores apontam que essa fração de classe se uniu em torno de
três eixos principais com relação à sua projeção internacional: a conquista de novos mercados
para exportação de seus produtos e investimentos no exterior; a prioridade para seus produtos
nas compras do Estado e de empresas públicas; e uma maior proteção do Estado para o
mercado interno. Para a efetivação desse projeto, o governo adotou uma política externa
baseada nos seguintes fundamentos: ênfase nas relações Sul-Sul; prioridade dada à América
do Sul; a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC); e o arquivamento da
proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Acrescentaríamos a esse
conjunto de políticas a constituição dos BRICS, grupo composto por Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul, que busca a cooperação dos países-membros em diversos níveis, e nos
últimos anos se posicionou como polo alternativo aos principais organismos multilaterais30.
A aproximação com o PT foi possível – e necessária, do ponto de vista da
burguesia industrial, e do conjunto da burguesia interna – porque essa fração da classe não

30
O chanceler brasileiro durante os governos Lula, Celso Amorim, classificou em diversas entrevistas e
discursos públicos a diplomacia brasileira do período como “ativa e altiva”. Segundo as declarações de
Amorim, essa política se caracterizaria por uma ação mais “pragmática” do governo, e uma inserção
internacional mais independente dos países centrais, especialmente dos Estados Unidos.
89
organizou seu próprio partido para intervir na cena política 31. Desse modo, foi preciso se
aproximar do PT para que seus interesses de fração de classe pudessem ser representados.
Ainda que houvesse essa aproximação, as diferenças e conflitos entre o PT, um partido
fundado e, em grande medida, dirigido por quadros de origem sindical, com apoio de
movimentos populares, e a burguesia interna continuaram existindo, caracterizando sua face
contraditória. Esses conflitos se manifestaram, por exemplo, na crítica feita pelas
organizações da burguesia interna à política social dos governos petistas, apontada como
grande responsável pelo aumento do gasto público. Setores específicos da burguesia interna,
como o agronegócio, permaneceram críticos à proximidade entre o governo e os movimentos
do campo, em especial o MST, ainda que as desapropriações de terra para a realização de
reforma agrária tenham sido reduzidas a partir do governo Lula. Para a manutenção da frente,
o governo procurou mediar tais conflitos. No caso da CNI, a pauta por uma reforma
trabalhista que eliminasse muitos dos direitos previstos pela CLT, incorporada aos
documentos da entidade desde os anos 1990, se manteve presente, mas ocupou uma posição
relativamente secundária durante o período 2003-2012 – quando é retomada com maior
intensidade. Por sua vez, a aproximação do PT com a burguesia interna a afastou gradual,
embora não integralmente, do PSDB que, em movimento oposto, se aproximou ainda mais da
burguesia associada e do capital internacional (Boito Jr. 2018, p. 327), ao passo em que
procurava atrair a grande burguesia interna sugerindo – quase sempre de maneira velada – que
faria uma redução significativa do gasto público (Boito Jr. 2018, p. 318). Essa tendência foi
observada até 2014, com o início da crise da frente neodesenvolvimentista.
A partir da análise da ação da burguesia interna na elaboração de uma alternativa
à política neoliberal, ainda que sem romper integralmente com o neoliberalismo, cabe
identificar qual o papel ocupado pela indústria nesse processo. Observando a tendência geral
da política econômica do governo Lula, podemos concluir que, no interior dessa fração
burguesa, o setor industrial ocupou uma posição intermediária. Ao mesmo tempo em que
melhorou sua situação em relação ao espaço que ocupou nos anos 90, o que garantiu seu
apoio aos governos do PT, viu outros setores da burguesia interna terem seus interesses mais
contemplados como, por exemplo, o setor bancário, a construção pesada e o agronegócio. Em
outras palavras, podemos dizer que, de modo geral, a burguesia interna melhorou sua posição
dentro do bloco no poder com a eleição de Lula mas, no interior dessa fração de classe, a

31
Agradeço ao professor Armando Boito, que alertou sobre essa questão no exame de qualificação.
90
burguesia industrial, e em particular a indústria de transformação, ocupou um plano
secundário (Boito Jr., 2018, p. 314).
Essa diferença se reflete, por exemplo, quando observamos que o PIB industrial
cresceu nos governos petistas, mas a participação da indústria no PIB permaneceu
relativamente estável entre 2002 e 2010. Se observarmos o intervalo 2005-2010 há, inclusive,
uma tendência de queda (FIESP, 2015)32. Essa redução vem ocorrendo desde a década de
1980, se aprofundou no período neoliberal, e não foi revertida nos governos do PT. As
principais razões são encontradas no cenário de melhora nos termos de troca vivido pelo
Brasil nos anos 2000, que provocou uma apreciação cambial que acabou por comprometer a
competitividade da indústria brasileira (Barbosa, 2013, p. 89). A partir dessas considerações,
buscaremos apontar, no próximo capítulo, como o governo Dilma procurou interferir nesse
processo, em prol do setor industrial, com uma política de aprofundamento do
neodesenvolvimentismo.

32
Existem divergências em relação à taxa de participação da indústria no PIB. A própria CNI questiona os
dados do IBGE, atribuindo parte da queda acentuada a uma mudança de metodologia. Para a CNI, essa taxa
seria de 23% em 2008, em vez de 16%, como aponta o IBGE (CNI, 2010, p. 25). Ainda assim, a
Confederação entende que há uma tendência de longo prazo de queda da participação industrial que deve ser
revertida para que não haja o risco de desinsdustrialização.
91

Capítulo 3. A CNI na crise do neodesenvolvimentismo

É difícil apontar com precisão em que momento a frente neodesenvolvimentista


começou a apresentar sinais de que poderia entrar em crise. Como procuramos destacar em
nossas primeiras considerações, a própria composição da frente foi caracterizada por um
compromisso frágil em torno de algumas medidas: o crescimento econômico baseado em
políticas de estímulo à burguesia interna – de um crescimento médio de 2,4% ao ano no
governo FHC, para 4% ao ano no período Lula – acompanhado de algum grau de distribuição
de renda que fosse capaz de fomentar o mercado interno e sustentar o modelo. Em
decorrência disso, é de se esperar que em uma conjuntura em que o crescimento econômico
apresenta uma desaceleração, os conflitos internos e externos emerjam com maior força.
No entanto, esse é apenas o pano de fundo no qual se desenvolve a crise do
neodesenvolvimentismo durante o governo de Dilma Rousseff, e não sua principal causa,
como procuraremos defender ao longo desse capítulo. A própria piora nos índices de
crescimento do PIB não pode ser considerada isoladamente para entender as dificuldades
enfrentadas pela frente neodesenvolvimentista. Afinal, situação semelhante ocorreu quando
eclodiu a crise internacional de 2008, que fez com que a economia brasileira terminasse o ano
de 2009 com uma ligeira queda, na ordem de 0,1% no PIB, após crescer 5,1% em 2008. É
verdade que as medidas anticíclicas tomadas pelo governo à época foram bem-sucedidas, mas
houve sustentação política para a adoção dessas medidas, que foram em direção oposta ao
receituário neoliberal então aplicado na Europa, de modo que naquele momento a crise
econômica não foi acompanhada de uma crise política.
Tão logo a crise de 2008 começou a mostrar seus primeiros efeitos e tomou conta
do noticiário no Brasil, o então presidente Lula fez um já famoso pronunciamento em rede
nacional pedindo que os empresários não deixassem de investir, e os trabalhadores não
deixassem de consumir. Lula indicava que não lançaria mão da mesma política que
aprofundava a crise europeia, recomendada pela ortodoxia econômica. As ações anunciadas,
afirmava o presidente, seriam capazes de manter a roda da economia girando. Anteriormente,
com a linguagem popular que lhe é típica, Lula já havia dito que os efeitos da crise no Brasil
não passariam de uma “marolinha” (Galhardo, 2008). Assim, em uma das mais graves crises
recentes do capitalismo, a frente neodesenvolvimentista foi testada e demonstrou estar coesa
para evitar um recuo neoliberal.
92
Depois do período de retração do PIB entre 2008 e 2009, a economia brasileira
apresentou rápida recuperação e atingiu 7,5% de crescimento em 2010 – um ponto fora da
curva mesmo para os índices atingidos durante o governo Lula. De modo que, se não
podemos desprezar a piora nos indicadores econômicos em nossa análise, também não se
pode estabelecer uma relação direta entre o declínio da economia e a crise do
neodesenvolvimentismo.
Nesse cenário se iniciou o governo Dilma, sustentando um discurso de
continuidade em relação ao seu antecessor tanto na esfera eleitoral, como na interlocução com
a burguesia, na tentativa de ecoar os altos índices de aprovação de Lula. A partir dessas
considerações iniciais, quais questões políticas, econômicas e conjunturais indicam que a CNI
pendeu novamente em direção à política neoliberal? Como entender a mudança de posição da
burguesia industrial no processo político? Dadas as características que mencionamos, há
sinais que apontam para um processo de desgaste nessa frente política já no segundo ano do
governo Dilma. Para que possamos, enfim, entrar no campo das explicações, no primeiro item
deste capítulo faremos uma reconstituição do programa da CNI a partir das propostas
apresentadas aos candidatos à presidência da República, de 1994 a 2014. Com isso,
procuraremos identificar quais foram as principais mudanças no posicionamento da
Confederação, refletindo o conjunto da burguesia industrial, a fim de verificar a ocorrência de
um movimento pendular entre o neoliberalismo e neodesenvolvimentismo. Na seção seguinte,
apresentaremos um balanço das principais medidas adotadas no primeiro governo Dilma,
procurando demonstrar a existência de pontos em comum entre o programa aplicado pelo
governo, batizado de nova matriz econômica, e as demandas dos industriais. Na terceira e
última seção abordaremos a crise do governo Dilma e o abandono da NME em prol de um
retorno ao programa neoliberal, buscando qualificar a atuação da CNI e da burguesia
industrial nessa conjuntura, a partir dos conflitos entre classes, frações de classes, e
instituições do Estado, e discutiremos algumas hipóteses sobre as razões que levaram à crise
da frente neodesenvolvimentista.

3.1 – A agenda da CNI: entre o neoliberalismo e o neodesenvolvimentismo

Diante da questão central sobre o posicionamento político da burguesia industrial,


cabe observar com mais atenção como as demandas da Confederação Nacional da Indústria
variaram ao longo do período pesquisado. Como apontamos no capítulo anterior, os anos
93
1990 foram marcados por uma intensa reestruturação produtiva da indústria brasileira
diretamente relacionada à adoção da agenda neoliberal. Contudo, como aponta Bianchi (2010,
p. 194), a implantação do neoliberalismo no Brasil não seria possível sem a participação da
burguesia industrial. É nesse contexto que procuramos compreender a ação política da
Confederação Nacional da Indústria e seu movimento ora de proximidade, ora de
distanciamento, em relação ao neoliberalismo. Com o processo de redemocratização, a CNI
recuperou um papel mais ativo na representação dos interesses da burguesia industrial. Esse
processo esteve aliado a um aprimoramento do corpo técnico da entidade, e teve como sua
principal manifestação a publicação, desde os anos 1990, de uma grande quantidade de
documentos e estudos, através dos quais é possível identificar visões a respeito de temas de
interesse dos industriais. Nesta seção, nossa proposta é utilizar uma dessas publicações, o
caderno de propostas apresentado durante as eleições presidenciais contendo as principais
posições da CNI acerca da política econômica. Vejamos, então, como se deu esse processo, a
fim de verificarmos se é possível notar uma mudança de posicionamento ao longo do período
1994-2014.
Para tanto, elaboramos uma tabela (abaixo) resumindo a evolução das principais
demandas da Confederação apresentadas nos cadernos de acordo com seis temas que
identificamos como de maior relevância para a entidade: política macroeconômica; papel do
Estado; Custo Brasil; política industrial; política externa; desigualdade e combate à pobreza.
Posteriormente, apresentaremos considerações a respeito de cada um desses documentos,
procurando estabelecer os principais pontos de continuidades e rupturas entre cada um deles,
realizando uma análise que leve em conta a conjuntura política e o posicionamento mais geral
da CNI quando da publicação dos documentos.

Tabela 2 – Principais propostas da CNI aos candidatos à Presidência da República


Publicação/
1994 1998 2002 2006 2010 2014
Prioridades
- Estabilidade - Redução dos - Deve ir além da - Política de - Crescimento - Estabilidade
juros busca pela câmbio e juros - Investimento - Previsibilidade
Política estabilidade e voltada para o - Ampliação do - Investimento
macroenômica conter agenda crescimento e mercado interno
para o não apenas para - Redução dos
crescimento estabilização juros
94
- Garantir uma - O Estado - Função - “Poder de - Formulação e - Gestão eficiente
economia de possui seu papel, reguladora iniciativa” para planejamento da do gasto público
mercado e livre mas ele pode ser - Condução de implantar uma estratégia
competição mais eficaz políticas típicas agenda de econômica
- Maior - Ciência e do poder público crescimento e - Deve estar livre
autonomia para o tecnologia - Menos desenvolvimen- de influências
BC - Coordenar a interferência nas to partidárias e
- Privatizações política questões - Reforma do ideológicas
Papel do Estado - Fim das industrial, econômicas e Estado para - Aprimoramen-
restrições ao reduzir o Custo maior ênfase na aumentar a to e profissionali-
capital Brasil, produção de um eficiência e zação da gestão
estrangeiro estabelecer ambiente reduzir a pública
- Insulamento parcerias com o favorável burocracia
tecnocrático mercado - Maior
previsibilidade e
transparência do
BC
- Reformas - Reformas - Foco na - Deve estar 1) segurança 1) Tributação
estruturais estruturais competição relacionado com jurídica 2) Relações de
(tributária, (tributária, externa o crescimento: 2) macroecono- trabalho
previdenciária, previdenciária, e - Tributação, 1) redução do mia do alto 3) Ambiente
trabalhista, do trabalhista) financiamento, gasto público crescimento macroeconô-
Estado e - Infraestrutura relações de 2) tributação 3) tributação e mico
privatizações) - Educação trabalho, 3) infraestrutura gasto público 4) Educação
- Meio ambiente infraestrutura, 4) financiamen- 4) financiamen- 5) Infraestrutura
- Custo do meio ambiente, to to 6) Segurança
capital regulação 5) relações de 5) relações de jurídica e
Custo Brasil trabalho trabalho burocracia
(competitividade) 6) desburocrati- 6) infraestrutura 7) Eficiência do
zação 7) educação Estado
7) inovação 8) inovação 8)
8) educação 9) comércio Desenvolvimen-
9) política exterior to de mercados
comercial e de 10) meio 9) Inovação e
acesso a ambiente produtividade
mercados 11) burocracia 10)
10) meio 12) micro e Financiamento
ambiente pequena empresa

- Criação de - Política - Brasil deve - Apoio à nova - Reduzir o - Redução do


estratégias para macroeconômi- superar o dilema política industrial Custo Brasil Custo Brasil
aumentar a ca não é de adotar ou não do governo Lula - Transformar a - Transformação
competitividade suficiente e deve uma política (PITCE) estrutura da estrutura
- Entrada de ser industrial - Maior inserção industrial produtiva
tecnologia complementada - Elevação da na economia - Integração do
externa - Mecanismos competitividade global e mercado
que corrijam e - Fomento da agregação de doméstico
cooperem com o inovação valor às - Internacionali-
mercado, mas - Apoio a exportações zação
não o substituam pequenas e - Câmbio e juros - Inovação
Política industrial - Viés exportador médias empresas devem fazer Projetos
- Uso do BNDES - Redução das parte da PI propulsores (pré-
e bancos disparidades - Maior sal, habitação,
públicos regionais participação e copa e
- Não mais facilidade de olimpíadas)
proteger acesso ao - Baixa emissão
empresas da BNDES de carbono
competição, mas - P&D
prepará-las para
competir
- P&D
95
- Integração à - Prioridade ao - Papel de - Manutenção da - Aumentar a - Mercosul é
economia Mercosul e destaque na dinâmica participação no importante, mas
internacional América do Sul política industrial exportadora mercado insuficiente para
- Multilateralis- - Setor privado - Viés pró- iniciada em 2002 internacional e as necessidades
mo deve participar exportador - Apoio à Camex participar dos da indústria
- Proteção contra das negociações - Prioridade ao (Câmara de elos de maior brasileira
a competição - Outros acordos Mercosul Comércio valor agregado - Expandir os
desleal (ALCA e UE) - Com países Exterior) das cadeias acordos bilaterais
desenvolvidos: - Competitivi- produtivas - Prioridades:
necessário pesar dade e política globais EUA, UE, países
custos e cambial em
Política externa benefícios - Aprimoramen- desenvolvimento
- Com países em to e expansão do - Reformar
desenvolvimento: Mercosul para Mercosul e
objetivos uma área de livre expandir a
ambiciosos comércio da integração na
América do Sul América do Sul
- Foco nos países
em
desenvolvimen-
to

- Poucas - Praticamente - Deve fazer - Programa - Deve fazer - Educação como


referências não há referência parte da política nacional que parte da política principal
- Integração de busque de mecanismo para
social e regional desenvolvimento desenvolvimento desenvolvimen- combate à
se daria pela do país com inclusão to pobreza e à
adoção dos - Ampliar social - Eficiência do desigualdade
mecanismos de investimentos em - Diminuição das sistema
mercado infraestrutura nas desigualdades educacional
regiões mais sociais e - Empreende-
atrasadas regionais dorismo
- Melhorar a - (associado a
eficiência e Aproveitamento micro e pequenas
Pobreza e universalização das empresas)
desigualdade do gasto social potencialidades - Importante para
social - Reforçar a rede de cada região o crescimento da
de proteção Integração economia
social produtiva
- Reformar a Investimento em
legislação infraestrutura
trabalhista para para atrair
reduzir a investimentos
informalidade privados
- Incorporação de -Investimento
mais brasileiros social em
ao mercado educação e saúde
interno

Fonte: CNI (1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014). Elaboração própria.

Depois de uma campanha mal sucedida em defesa da reforma constitucional de


1993, em documento publicado pela CNI no ano seguinte, coordenado pelo seu então
presidente em exercício Mario Amato, a entidade consolida a defesa de posições neoliberais
que já vinham sendo esboçadas desde 1989. Ao apresentar um programa econômico para o
novo governo, a CNI estrutura uma visão que identifica como inevitável o processo de
liberalização pelo qual vinha passando a economia brasileira desde o governo Collor, o que
96
denota uma crítica implícita ao modelo nacional desenvolvimentista que havia vigorado nas
décadas anteriores. Em diversos momentos, a CNI destaca a inviabilidade de se retornar ao
modelo anterior de substituição de importações que caracterizou o período
desenvolvimentista, e que um processo de “modernização” seria imprescindível (CNI, 1994).
Como vimos, essa crítica ganhou força em razão da crise que o país atravessava, e das
tentativas mal sucedidas de controle da inflação no governo Sarney, especialmente pelo Plano
Cruzado (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 3).
Nesse contexto, a entidade constrói seu programa em torno de dois eixos
principais: a estabilidade macroeconômica e a realização das reformas estruturais como
principais condicionantes para recuperação da economia (CNI, 1994, p. 9). A estabilidade
macroeconômica se refere ao controle da inflação, o que levou a CNI a apoiar o recém-
lançado Plano Real; já as reformas estruturais – a versão adotada pela Confederação para as
chamadas “reformas para o mercado” típicas do neoliberalismo – são um conjunto de
mudanças legislativas, a maior parte delas requerendo emendas constitucionais, que têm por
objetivo reduzir os custos das empresas e o gasto público. A adoção dessas reformas, que
impactaria diretamente na redução do desequilíbrio fiscal, também contribuiria para o
controle da inflação e seria sinônimo de uma gestão eficiente na visão dos industriais. Dentre
as reformas, o documento destaca a tributária, a previdenciária, das relações de trabalho, e do
Estado – o que inclui realizar um amplo programa de privatizações. Além disso, o documento
pede o fim das restrições à entrada de capital estrangeiro no país.
A defesa desse conjunto de reformas foi alvo de intensa campanha não apenas da
CNI, mas de outras entidades patronais e associações de empresários, a exemplo do
movimento Ação Empresarial, fundado com vistas a atuar junto ao processo de revisão da
constituição. A estratégia do movimento e das demais entidades de classe era influenciar os
congressistas a aderirem ao posicionamento liberal defendido pelos representantes da
Indústria (Diniz e Bresser-Pereira, pp. 7-9). Porém, como mencionamos, a ação não atingiu os
resultados desejados. Em relação a isso, a CNI destaca por diversas vezes sua frustração com
a conclusão do processo de revisão constitucional, que é qualificado como “fracasso” (CNI,
1994, p. 13).
A crítica da CNI à Constituição de 1988 está centrada nos dispositivos que
oferecem um maior nível de proteção social e, consequentemente, aumentam o gasto público.
Como aponta a entidade, “O maior erro da carta de 1988 foi distribuir benefícios sem
assegurar os recursos necessários para o seu financiamento adequado. Na verdade, o sistema
97
de seguridade social definido em 1988 não tem viabilidade econômica” (CNI, 1994, p. 17).
Nesse ponto, em particular, ficam evidentes as frustrações da CNI em relação às disputas
originadas no processo constituinte, refletindo o aparente paradoxo neoliberal ao qual fizemos
referência no capítulo anterior. Ao defender o fim da estabilidade e a possibilidade de demitir
no serviço público, a Confederação defende que o novo governo, para realizar as reformas
necessárias para viabilizar um novo ciclo de crescimento, deverá aumentar seu grau de
“insulação tecnocrática”. Nesse sentido, seria necessário produzir uma nova administração
pública mais eficiente e bem remunerada, o que incluiria acabar com a estabilidade do serviço
público (CNI, 1994, p. 19). Ou seja, as resistências provocadas em reação a política neoliberal
podem exigir uma ação mais intensa e autônoma do Estado, ainda que se defenda a redução
de suas funções.
Com a abertura comercial “inevitável”, a pauta da redução de custos se tornou o
centro do debate no setor industrial. Em 1995, a CNI organizou o seminário “Custo Brasil –
Diálogo com o Congresso Nacional” (Mancuso, 2007, p. 27), e no ano seguinte publicou o
documento “Custo Brasil” (Diniz e Boschi, 2007, p. 52), sintetizando nessa expressão a nova
agenda, apoiada pela burguesia industrial, que predominou nos anos 1990, a fim de superar o
paradigma do nacional desenvolvimentismo. Segundo a concepção da CNI, conforme
apontamos no capítulo 2, o Custo Brasil reúne todos os fatores que tiram competitividade das
empresas brasileiras se comparadas às concorrentes estrangeiras. Desse modo, a CNI entendia
que elementos externos às empresas eram os grandes responsáveis pela perda de
competitividade do setor industrial, e caberia ao poder público “retirar” esses obstáculos para
permitir o crescimento da produção, com uma agenda ampla que contemplava desde a
reforma trabalhista às negociações de acordos de livre-comércio, como a Área de Livre
Comércio das Américas (ALCA) (Guilmo, 2015, p. 48). Cabe destacar que o “clamor” dos
industriais pela redução do Custo Brasil esteve relacionado não apenas a competir em
melhores condições com concorrentes estrangeiros no mercado interno mas, alinhado com os
princípios do neoliberalismo e da “globalização”, também a conquistar novos mercados fora
do país33 (Mancuso, 2007, p. 45). Essa pauta foi incorporada não apenas pela Confederação,
mas por diversos outros órgãos da indústria, e esteve presente nos documentos da CNI desde a

33
Em discurso durante a cerimônia de posse do novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio,
Sérgio Amaral, em agosto de 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso lançou o lema “exportar ou
morrer”. Na presença de importantes líderes industriais, o presidente declarou que esse lema se comparava a
um “novo tipo de independência” (Silveira, 2001).
98
década de 1990, geralmente relacionada a uma frequente referência à prioridade em exportar
(CNI, 1998, p. 9).
Com efeito, as principais pautas defendidas junto ao governo e ao Congresso
Nacional nesse período, inclusive as reformas constitucionais, estavam relacionadas de
alguma forma com a redução do Custo Brasil. Como procuramos identificar no capítulo
anterior, a formulação da pauta do Custo Brasil esteve relacionada a uma visão de que as
reformas liberais e a abertura comercial eram inevitáveis para a modernização da economia
brasileira. Nesse cenário, só restaria à indústria se adaptar, mas caberia ao governo fazer sua
parte e trabalhar pelo aumento da competitividade das empresas instaladas no país. Bianchi
(2010) aponta que esse processo esteve relacionado a disputas de projetos no interior da
própria burguesia industrial, das quais o projeto neoliberal saiu vitorioso.
Com a crise do modelo desenvolvimentista e os sucessivos fracassos dos planos
econômicos dos anos 1980, diferentes setores da burguesia, incluindo a maior parte da
burguesia industrial, aderiram à agenda neoliberal que naquele momento se tornava
hegemônica, dominada pelos interesses do capital financeiro e do capital internacional, tendo
os industriais como sócios minoritários. Contudo, os conflitos de interesses entre os setores
que compunham a coalizão neoliberal, como observamos na metáfora dos círculos
concêntricos, provocavam um persistente desacordo com relação à forma e ao ritmo com que
a nova agenda seria implementada (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 6).
Cabe mencionar, ainda, como um fator relevante na relação de forças dessa
conjuntura, a reestruturação do movimento operário e popular em torno do novo sindicalismo,
e a ameaça, do ponto de vista da burguesia, simbolizada por Lula e pelo Partido dos
Trabalhadores. Como apontado por Bianchi (2010, p. 235): “a aproximação e o afastamento
das entidades representativas do empresariado industrial do projeto neoliberal stricto sensu
era, portanto, o resultado da relação de forças no interior do empresariado e deste com as
classes subalternas”.
O que os industriais rejeitavam não eram as propostas do candidato petista,
muito embora suas críticas ao plano Real, mesmo moderadas, repercutissem
mal na pirâmide da FIESP. Eram os movimentos sociais identificados com a
história de seu partido o que lhes provocava repulsa. A candidatura de
Fernando Henrique Cardoso condensava um projeto estratégico que
prometia a estabilidade econômica e a continuidade da política liberal como,
também, a desejada pacificação dos movimentos sociais, particularmente dos
99
sindicatos. […] Foi a esse projeto que os empresários aderiram (Bianchi,
2010, p. 240).
Ou seja, na prática, o Plano Real e a direção geral do governo FHC estavam em
acordo com os desejos expressos pela CNI no documento de 1994, resumido em estabilidade
e reformas estruturais, embora houvesse críticas à política de juros e à valorização da taxa de
câmbio (CNI, 1994, p. 13).
O Plano Real tem todas as chances de se constituir no início da etapa final da
longa caminhada até a estabilização. Primeiro porque, tal como acima
descrito, foi lançado em um contexto em que o país amadureceu e no qual as
condições econômicas prevalecentes são as mais favoráveis. Segundo,
porque o plano em si tem méritos que o tornam radicalmente distinto dos
anteriores. Sua principal virtude foi ter sido anunciado com antecedência e
ter se baseado em um mecanismo de desinercialização da economia
negociado e transparente (CNI, 1994, p. 13).
Apesar do apoio inicial da CNI e do conjunto da burguesia industrial, o
aprofundamento das medidas iniciadas por Collor, no governo FHC, em especial a
sobrevalorização do real causada pela suspensão do imposto sobre importações para combater
a inflação, pelo uso do câmbio com o mesmo fim, pela política de crescimento com poupança
externa e a desregulamentação dos fluxos financeiros, acabou por provocar uma crise cambial
em 1998, e também intensificou a reestruturação da indústria brasileira.
Frente a esse processo, as reações dentro da burguesia industrial não foram
uniformes, até porque houve quem ganhasse em meio a essa reestruturação, seja com os
processos de privatizações ou de parcerias com o capital estrangeiro (Diniz e Bresser-Pereira,
2013, pp. 8-9). A própria CNI (1994, p. 21) havia defendido fortemente o fim das restrições à
entrada do capital estrangeiro no Brasil. Essa é uma das faces do neoliberalismo que
permitem o movimento pendular da burguesia industrial: ao mesmo tempo em que apoia
quase integralmente diretrizes fundamentais da política neoliberal, como a desregulamentação
do mercado de trabalho e a redução do gasto público via supressão de direitos sociais, as
demais frentes dessa política provocam fissuras entre os industriais, ou até mesmo, em
determinadas conjunturas, sofrem forte oposição desta parcela da burguesia.
Não se pode, portanto, definir a priori as posturas do patronato em relação a cada
um desses temas. Daí a importância de uma perspectiva relacional que leve em conta as
disputas em que se está envolvido. A abertura comercial, por exemplo, prejudicou a indústria
com o aumento da concorrência externa, mas foi apoiada num primeiro momento pela CNI. O
100
grande argumento neoliberal para promover a abertura comercial era de que ela promoveria
uma modernização da indústria instalada no Brasil, obrigando que as empresas se adequassem
ao novo ritmo de competição, segundo os parâmetros de mercado. A consequência real foi a
reestruturação industrial já mencionada. Mesmo com grande parcela dos industriais
prejudicada, a força do discurso pró-mercado que foi dominante nos anos 1990 não viabilizou
uma retomada do protecionismo que caracterizou o nacional desenvolvimentismo. No que se
refere à desregulamentação financeira, por sua vez, ao mesmo tempo em que facilita a
captação de recursos no exterior, contribui para a valorização da moeda brasileira,
prejudicando as exportações da indústria. Ao mesmo tempo, o documento praticamente não
fazia referência a demandas das classes trabalhadoras, ou tentava incorporá-las à pauta da
indústria. Ao contrário, as propostas de reforma previdenciária e trabalhista, centrais no
programa econômico apresentado, atingiam diretamente os interesses dos trabalhadores. Há
apenas uma referência à questão da redução da pobreza, e o sentido geral da proposta dos
industriais era de que a boa aplicação dos mecanismos de mercado seria suficiente para
enfrentar esse problema (CNI, 1994, p. 10).
Ou seja, enquanto a política neoliberal promovia um ataque às classes
trabalhadoras, também foi responsável, em determinadas conjunturas, por aguçar contradições
no interior da burguesia. Essas contradições não explicam, por si próprias, as dificuldades que
a coalizão neoliberal atravessou ao longo dos anos 1990, a despeito de sua dominância, mas
permitem entender como se deu a aproximação dos setores que constituíram a frente
neodesenvolvimentista. No caso da indústria, a velocidade e o alcance da abertura comercial,
por exemplo, foram alvo de disputa entre os sócios do empreendimento neoliberal (Diniz e
Bresser-Pereira, 2013, p. 6).
Esse processo foi responsável por provocar reações em uma parcela importante do
patronato que teve seus interesses prejudicados. No documento apresentado aos candidatos à
presidência em 1998, a CNI dá os primeiros sinais com maior contundência nesse sentido.
O expressivo ônus do ajuste a que vem sendo submetida a indústria
brasileira, agravado pela insuficiente redução dos entraves ao aumento da
competitividade, pelo persistente desequilíbrio fiscal, de tamanho
inaceitável, e pela timidez no combate à concorrência desleal, torna esta
manifestação da indústria não só oportuna, como inadiável (CNI, 1998).
Em linhas gerais, o documento “Competitividade e Crescimento: A Agenda da
Indústria”, de 1998, mantém como prioridade o aumento da competitividade, cujo principal
101
foco são as exportações. Contudo, como apontamos, a CNI passou a manifestar seu
descontentamento com o ajuste que atingiu a indústria brasileira, intensificado pelo caráter
inconcluso das reformas que reduziriam o Custo Brasil, e o baixo crescimento econômico.
Este, destaca-se, constitui a principal diferença entre os documentos de 1994 e 1998.
Enquanto em 1994 a estabilidade era o principal objetivo a ser perseguido, a partir de 1998 os
industriais afirmam que “A estabilidade é um pré-requisito para o crescimento; porém a
política para o crescimento não se esgota na política de estabilização” (CNI, 1998, p. 9).
A preocupação com a política de juros, que havia sido citada brevemente em
1994, passou a ocupar um espaço importante ao lado dos demais itens que diminuem a
competitividade dos produtos brasileiros. No item “Custo do capital e financiamento de longo
prazo”, as críticas da CNI não se limitam apenas à política de juros altos do governo, como
atingem igualmente o sistema bancário nacional, em razão das elevadas taxas de spread. As
principais medidas da agenda de redução do custo do capital passam, portanto, pela disciplina
fiscal do governo, o aumento da concorrência no setor bancário, e a adoção de uma política de
aumento do crédito, inclusive utilizando os bancos públicos (CNI, 1998, pp. 39-44). No
campo das negociações internacionais, a entidade passa a defender o caráter estratégico do
aprofundamento do Mercosul, o que resultaria na prioridade das negociações com o bloco e os
demais países sul-americanos, independentemente do avanço para a criação da ALCA (CNI,
1998, pp. 91-93).
O documento de 1998 marcou uma inflexão importante no posicionamento da
CNI, que seria confirmada na década seguinte. Com a crise do segundo governo FHC, depois
do terremoto que atingiu a indústria nacional nos anos 1990, a Confederação passou a ver a
eleição presidencial de 2002 como um momento-chave para o país. Naquele ano, marcado
pela eleição de Lula, houve uma divisão entre as forças que deram apoio, em diferentes graus,
ao programa neoliberal. O próprio slogan do então candidato da situação, José Serra,
“continuidade sem continuísmo” (Franco, 2008), marcava um afastamento, pelo menos diante
da opinião pública, do governo que em tese deveria representar. A aproximação do setor
industrial – junto de outros setores da burguesia interna – com o Partido dos Trabalhadores foi
um movimento lento que teve início ainda no final dos anos 90.
A nova estratégia da burguesia industrial se mostrava com maior clareza no
documento público apresentado pela CNI aos candidatos à presidência em 2002. Logo na
apresentação, o então presidente da entidade, Fernando Bezerra, fala em uma frustração
causada pelo “baixo e oscilante” crescimento dos anos anteriores, e que o país precisava
102
mobilizar instrumentos para além das reformas estruturais para garantir um novo ciclo de
crescimento (CNI, 2002, p. 7). Com efeito, essa nova agenda configura um distanciamento do
neoliberalismo ortodoxo da década anterior, como fica claro nas próprias palavras de Bezerra.
As reformas orientadas para o mercado que foram implementadas na década de 1990, tratadas
quase sempre de maneira genérica, são vistas como uma conquista a ser preservada, mas não
possuem mais o protagonismo de outrora. Há, na verdade, uma frustração com o baixo
crescimento verificado no período neoliberal que, em conjunto com a reestruturação sofrida
pela indústria nacional, viabilizou a reordenação de forças políticas nos anos 2000.
Nas novas propostas defendidas pelos industriais – cabe destacar que embora
sejam feitos sob a coordenação da CNI, os documentos apresentados aos candidatos são
elaborados a partir de discussões envolvendo empresários de diversos setores da indústria,
representantes de associações setoriais e de federações estaduais – a política macroeconômica
segue as diretrizes do documento anterior e não está vinculada apenas ao controle da inflação,
mas é defendida como principal mecanismo na busca do crescimento, ao lado de uma política
industrial mais agressiva. Outra diferença no âmbito macroeconômico em relação aos
documentos apresentados nas eleições anteriores é a centralidade da política cambial, e a
consolidação de uma crítica direcionada ao governo FHC: “Em grande parte deste período, a
política cambial esteve voltada muito mais para a estabilização do que para a manutenção das
condições de competitividade dos produtos brasileiros” (CNI, 2002, p. 20).
A política industrial, englobando as políticas de comércio exterior, inovação e
desenvolvimento e integração nacional, passa a ocupar um lugar central, equivalente ao da
“agenda de competitividade”, cuja superação continua sendo considerada importante, mas não
suficiente para os objetivos da indústria. Em relação a essa questão, há a tentativa de superar
um argumento tipicamente neoliberal, que a entidade classifica de “falso dilema”. Tal
argumento defende que, ao viabilizar um ambiente institucional e macroeconômico adequado
para os negócios, a política industrial seria dispensável e até ineficiente. Em oposição, a CNI
passou a defender uma posição central para política industrial que caminhasse ao lado da
agenda de redução do Custo Brasil. A defesa de uma estratégia específica para o
desenvolvimento industrial é apresentada como uma tendência do século XXI, que em nada
teria a ver com os objetivos e instrumentos utilizados pela política que vigorou entre os anos
1950 e 1980, baseada na substituição de importações via subsídios, protecionismo e
interferências no sistema de preços (CNI, 2002, p. 29). Desse modo, a CNI define sua nova
política industrial baseada em três objetivos principais: priorizar as exportações, através da
103
desoneração e abertura de novos mercados – em especial o Mercosul; promover incentivos à
inovação, desde a elevação do nível de escolaridade até o financiamento de atividades de
inovação e proteção à propriedade intelectual; e promoção do desenvolvimento e integração
regional, visando melhorar as condições socioeconômicas das regiões do país (CNI, 2002, p.
35).
Por sua vez, a agenda de competitividade, reunindo os itens que compõem o
Custo Brasil, não se resume às reformas estruturais, mas inclui, além da questão do
financiamento, a exemplo do documento de 1998, os problemas de infraestrutura, ambientais
e regulação do mercado, que exigem um papel mais atuante do Estado. Para clarear a
discussão, é importante ressaltar que os governos dos anos 90, e em especial o governo FHC,
lograram implementar parte dessas reformas estruturais, em especial no que se refere às
questões trabalhistas e previdenciárias. Isso explica, em parte, a redução na ênfase da CNI em
reivindicá-las como ponto central de sua agenda. Contudo, destacamos que explica apenas em
parte, uma vez que as reformas aprovadas, ainda que tenham enfrentado resistência popular,
ficaram aquém da pauta apresentada pela entidade em seus primeiros documentos. O
aprofundamento das mudanças na legislação trabalhista e previdenciária, por exemplo,
aparece “diluído” entre uma série de outros itens que influenciam na competitividade.
Portanto, é necessário entender a mudança da CNI considerando, também, outros aspectos, e
buscar resgatar a historicidade desse processo.
Antes de prosseguirmos a análise, cabe fazer uma última observação sobre
documento de 2002. Pela primeira vez, a CNI inclui uma seção exclusiva para abordar a
questão da inclusão social e desenvolvimento. A entidade apresenta uma análise acerca da
pobreza, desigualdade social e regional do país, que são entendidas como um obstáculo ao
crescimento e desenvolvimento. O caráter liberal da análise é evidente, já que esses problemas
são associados principalmente ao caráter corporativista e patrimonialista do Estado brasileiro,
dominado por grupos que historicamente se apropriaram de suas benesses, criando leis em seu
interesse e reforçando a exclusão social (CNI, 2002, 134). Ainda assim, a inclusão dessa
avaliação guarda uma diferença significativa com os documentos anteriores, que praticamente
não abordam o tema. As soluções apontadas pela Confederação se concentram no
aperfeiçoamento das políticas públicas e do gasto social, o que é compatível com a ideia de
“profissionalização” da gestão pública.
Alguns autores interpretam a mudança estratégica da CNI a partir dos anos 2000
como parte de uma tentativa da burguesia industrial de recuperar o poder perdido para outros
104
setores do capital nos anos 1990 com o processo de abertura econômica. Nesse sentido, Diniz
e Bresser-Pereira (2013, pp. 10-11) apontam que somente por curtos períodos a burguesia
tende a se unificar e a reduzir as tensões internas. Como exemplo, citam o início dos anos
1960, durante a crise do governo João Goulart e o acirramento das disputas internacionais
desencadeado pela Revolução Cubana. Dessa forma, a “década neoliberal” termina com o fim
do relativo consenso que unificou o projeto do “fim da Era Vargas”, marcando uma nova
divisão no interior da classe capitalista, aproximando o conjunto da burguesia interna, em
contraposição à parcela da burguesia perfeitamente integrada ao imperialismo.
Gradualmente foi se tornando claro no Brasil e no restante da América
Latina (a região que se submetera mais claramente ao Consenso de
Washington) que as reformas econômicas neoliberais e as políticas
macroeconômicas ortodoxas não conduziam nem à estabilidade financeira
nem ao desenvolvimento econômico e, sim, ao baixo crescimento, ao
aumento da vulnerabilidade externa, bem como à concentração de renda em
benefício do setor financeiro e dos dois por cento mais ricos da população de
cada país (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 10).
Os autores destacam, ainda, que a identificação dos princípios do neoliberalismo aos Estados
Unidos concederam à crítica ao Consenso de Washington um certo caráter nacionalista. Esse
nacionalismo, por sua vez, era diferente do nacionalismo que vigorou durante o período
nacional desenvolvimentista, e reivindicava, na verdade, retomar a capacidade de o país
internalizar a tomada de decisões. Essa visão encontrou eco nas críticas elaboradas
principalmente pelo Partido dos Trabalhadores à interferência do FMI nas decisões tomadas
pelo Brasil, e na submissão do governo FHC aos Estados Unidos. Foi esse, portanto, o cenário
que viabilizou a aproximação de parte importante dos industriais da frente
neodesenvolvimentista. A mudança do programa defendido pela CNI, consequentemente, está
dentro desse contexto.
Como discutiremos na próxima seção, do ponto de vista das forças que compõem
a frente neodesenvolvimentista, há um importante ponto de vulnerabilidade em torno das
disputas entre a burguesia interna e o movimento sindical e popular. Desse modo, os governos
petistas corresponderam a um equilíbrio instável entre essa parcela da burguesia e a classe
trabalhadora na execução do programa neodesenvolvimentista. Ao passo que a política
econômica procurava atender a interesses da burguesia interna, produziu folgas que
proporcionaram conceder ganhos aos trabalhadores, principalmente através da recuperação do
salário mínimo, dos programas de transferência de renda e da ativação do mercado interno.
105
Essas pequenas concessões, contudo, não eram apoiadas plenamente pelo conjunto da
burguesia interna (Boito Jr., 2012, p. 72-73). Ao mesmo tempo em que, a partir dos anos
2000, a CNI reduz a ênfase na defesa de uma ampla reforma trabalhista, a crítica ao que
chama de gastos excessivos do Estado permanece como pauta importante dos industriais,
mantendo sempre o caráter instável dessa frente.
Em linhas gerais, os documentos produzidos pela CNI nas eleições de 2006 e
2010 seguem – e em alguma medida aprofundam – as diretrizes lançadas em 2002. A partir de
então, passam a se basear no Mapa Estratégico da Indústria (2005), estudo produzido como
referência para o período de 2007-2015, que reúne um conjunto de objetivos, metas e
programas desenvolvido pela Confederação Nacional da Indústria em parceria com
federações, associações e empresários, para impulsionar o crescimento. A exemplo do
processo que vinha em curso, a ênfase se dá em torno da política macroeconômica e
industrial, e a agenda do Custo Brasil, embora nunca tenha saído de pauta, aparece de maneira
complementar.
A principal premissa apresentada é a de que o crescimento econômico é o
principal desafio para o Brasil, que naquele momento tinha um desempenho aquém dos
demais países classificados como emergentes, por exemplo, China, Índia, Chile e México
(CNI, 2006, p. 20). Com efeito, a crítica à condução da política econômica recai sobre a
necessidade de elevar a taxa de investimento e ao binômio câmbio valorizado e juros
elevados, responsável por reduzir a competitividade da indústria nacional. Defendendo a
manutenção do regime de câmbio flutuante, a CNI critica a forte valorização do real no
período 2003-2006 – cabe lembrar que a desvalorização ocorrida a partir de 1999 se deu sob
outro contexto, e não como parte de uma estratégia de competitividade, mas como resultado
de uma crise – e defende a redução da taxa de juros como caminho para uma taxa de câmbio
real em equilíbrio. Para isso, caberia ao governo tomar medidas para a redução do gasto
público e a obtenção de superávits primários que mantivessem a dívida pública estável, e
viabilizassem a queda progressiva dos juros (CNI, 2006, p. 25).
Esse é o aspecto central que orienta o que a Confederação chamou de “Nova
governança macroeconômica e ambiente institucional pró-crescimento” (CNI, 2006). Todos
os dez itens que compõem a pauta de prioridades, selecionados a partir dos levantamentos
feitos durante a confecção do Mapa da Indústria, “têm uma forte conexão com a agenda do
crescimento”. São eles: 1) redução do gasto público; 2) tributação; 3) infraestrutura; 4)
financiamento; 5) relações de trabalho; 6) desburocratização; 7) inovação; 8) educação; 9)
106
política comercial de acesso a mercados; e 10) meio ambiente (CNI, 2006, p. 37). Ou seja, a
questão do Custo Brasil continua presente no discurso da entidade, mas ela se transforma ao
longo dos anos até se tornar um “acelerador” para o crescimento econômico.
Ainda que sem atacar intensamente a questão dos juros, e sob uma forte
apreciação cambial, fruto principalmente do boom das commodities, o segundo governo Lula
promoveu um salto no crescimento econômico em relação aos 15 anos anteriores, que foi
acompanhado pelo crescimento do produto industrial. A taxa de crescimento anual do período
2007-2010 alcançou 4,6%, mesmo considerando o crescimento negativo registrado em 2009,
em razão da crise desencadeada pelo sistema financeiro internacional. Essa média superou em
mais de 1% a registrada no primeiro governo Lula, de 3,5% ao ano, que já era superior à
média de crescimento do período FHC.
O sucesso econômico vivido pelo país foi registrado no documento produzido em
2010. Ao afirmar que o país “mudou para melhor” no século XXI, a CNI defende que o foco
da economia deve ser, a partir dali, crescer “mais e melhor”, o que significa “desenvolver-se
de forma sustentada; reduzir a pobreza e a desigualdade; preservar a sustentabilidade
ambiental; e garantir a diversificação e transformação da estrutura produtiva”. (CNI, 2010, p.
11). Nesse documento, dois pontos merecem destaque em nossa visão: o primeiro deles, de
que a indústria deve ocupar o centro da estratégia de crescimento; e o segundo de que o país
deve passar por uma transformação em sua estrutura produtiva. Os cinco itens apresentados
para concretização desse desafio são: 1) integração do mercado doméstico; 2)
internacionalização; 3) inovação industrial; 4) utilização de projetos propulsores (exploração
do pré-sal, expansão das políticas de habitação, obras estratégicas para a Copa do Mundo de
2014 e a Olimpíada de 2016); e 5) transição para uma economia de baixo carbono,
incorporando novas tecnologias para produção de energia limpa. Isso implica dizer que a
indústria deveria ocupar um lugar diferente do que havia ocupado até agora. Como
mencionamos no capítulo anterior, o setor industrial, embora tenha aproveitado o crescimento
geral da economia durante o governo Lula, esteve em um plano secundário frente a outros
segmentos da burguesia interna. O documento de 2010 reconhece a queda de participação da
indústria no PIB e o risco de que o país passe por um processo de desindustrialização,
apontando para um novo papel para a indústria dentro de um projeto de desenvolvimento mais
intenso.
Nesse contexto ganha destaque a transição para o governo Dilma, que havia se
dado sob a perspectiva de continuidade, mas logo apresentou sua ênfase desenvolvimentista
107
pautada numa agenda industrialista. Com a eleição de Dilma Rousseff em 2010 a mudança do
governo em direção ao novo desenvolvimentismo se acentua. Seu governo é uma
continuidade política ao de Lula, mas enquanto este estava essencialmente preocupado com a
redução da desigualdade, e no plano econômico falhou em baixar substancialmente a taxa de
juros e evitar uma grave sobreapreciação da taxa de câmbio, a nova presidente revelou-se
determinada a enfrentar esse problema (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 20).
Nesse sentido, comparando a reconstituição que fizemos acerca dos dois primeiros
anos do governo Dilma com o documento da CNI publicado em 2010, acreditamos que a
estratégia industrialista, à qual fizemos referência, corresponde em muitos pontos ao
programa de transformação estrutural da indústria proposto pela Confederação (CNI, 2010, p.
25).
No entanto, o otimismo inicial, tanto do governo Dilma, como da CNI, deu lugar
ao “desânimo” do qual falava Singer (2013b), à medida que a desaceleração da economia
caminhou para um quadro de estagnação em 2014 e, posteriormente, evoluiu para uma
recessão. No campo político, esse cenário foi marcado pelo distanciamento gradual dos
industriais da base de apoio do governo, o que fez com que o pêndulo da burguesia industrial
se movesse novamente em direção ao neoliberalismo. Dessa constatação, surge a pergunta:
quando os industriais passaram a dar sinais desse movimento?
Ainda durante o período em que vigorou a nova matriz econômica, a CNI lançou,
no 7º Encontro Nacional da Indústria, realizado em dezembro de 2012, o documento “101
propostas para a modernização trabalhista34”. O documento consistia em uma cartilha extensa
que apresentava medidas que, segundo a entidade, melhorariam a competitividade das
empresas no âmbito das relações de trabalho. Na realidade, a maior parte das 101 propostas já
havia sido apresentada pela CNI e outras entidades patronais desde os anos 90, portanto não
se tratavam exatamente de novidades, sendo seu principal eixo a prevalência da negociação
sobre a legislação (CNI, 2012). Tampouco o termo escolhido, “modernização”, era novo: no
documento apresentado ao governo eleito em 1994 – portanto quase 20 anos antes – as
reformas propostas à legislação trabalhista já eram defendidas como modernização. As
medidas apresentadas seguem na direção da supressão de mecanismos de proteção ao trabalho
previstos na CLT, dentre os quais destacamos a possibilidade de acordos entre empregadores
e empregados se sobreporem à legislação, e a regulamentação da terceirização irrestrita,
inclusive de atividades-fim. Tais medidas são apresentadas como solução para o alto custo da

34
Documento cuja relevância também foi apontada por Singer (2015).
108
mão de obra que, segundo a entidade, seria o principal entrave ao desenvolvimento
econômico do país e à competitividade das empresas.
Em linhas gerais, o argumento apresentado pela CNI é de que tal legislação foi
elaborada nos anos 1940, ainda no governo Vargas e, portanto, seria antiquada e não
responderia às necessidades de uma economia moderna. Embora não esteja entre nossos
objetivos apresentar uma visão crítica sobre as posições da CNI, mas entendê-las sob o ponto
de vista das disputas políticas, cabe destacar, entre outros fatores, que esse argumento não
considera uma série de alterações que foram feitas ao longo de décadas na legislação
trabalhista. Desse modo, a CLT de 2012, quando o documento foi publicado, não é a mesma
promulgada por Vargas (CESIT, 2016, p. 14). Ou seja, embora o controle sobre a organização
sindical tenha se mantido, o sistema de regulação do trabalho foi modificado no decorrer
desses 70 anos, inclusive no período neoliberal. As justificativas também recaem sobre a
possibilidade de gerar mais empregos se os custos do trabalho diminuírem, algo que entra em
conflito com a própria experiência histórica recente, já que no período de maior criação de
vagas35 (Gráfico 2), durante os governos Lula e o primeiro governo Dilma, houve uma relativa
manutenção de direitos trabalhistas e aumento do salário real (Krein e Biavaschi, 2015, pp.
80-81), o que indica que as causas do desemprego não guardam, necessariamente, relação
direta com a legislação trabalhista (CESIT, 2016, p. 20).

Gráfico 2 – Evolução do saldo de emprego formal (Brasil) – 2003 – 2015

Fonte: RAIS - DEC nº 76.900/75 MTB. In: CESIT, 2016, p. 24.

35
Para efeito de comparação, os demais governos do período democrático – FHC (5.016.672), Itamar Franco
(1.394.398) e Sarney (3.994.437), sem considerar o governo Collor, que extinguiu mais de 2 milhões de
vagas – criaram, juntos, 10.405.507 postos de trabalho (Gantois e Londres, 2010), contra 20.887.597
gerados no período 2003-2014 (CESIT, 2016, p. 24).
109
Abordaremos essa questão novamente na próxima seção, ao tratar dos conflitos
entre capital e trabalho no interior da frente neodesenvolvimentista, mas apresentamos essa
consideração inicial como evidência da tese de que as propostas neoliberais, em especial a
retirada de direitos trabalhistas e sociais, ganham força em conjunturas críticas36.
Já em 2013, a CNI organizou o seminário internacional “O trabalho e a
competitividade no Brasil e no mundo”, em alusão aos 70 anos da CLT, em conjunto com a
CUT e o TST, e contando com a participação de quadros do governo Dilma. Embora a
constituição heterogênea do seminário sugerisse a busca de consensos, o discurso geral do
patronato era de que as relações de trabalho no Brasil não estavam de acordo com as
tendências internacionais, o que seria responsável por tirar competitividade da indústria local.
No mesmo ano, por iniciativa de diversas entidades patronais, se recolocou em
pauta o tema da regulamentação da terceirização, que já estava presente nas “101 propostas”.
A CNI, reverberando uma posição ampla do patronato, se colocou favorável à terceirização
irrestrita, inclusive em atividades fins (CNI defende…, 2013). A principal justificativa da
entidade era de que a aprovação da medida aumentaria a segurança jurídica das relações de
trabalho e reduziria a informalidade. A mesma justificativa é apresentada em relação ao
principal ponto proposto pela Confederação para a reforma da legislação trabalhista, a saber,
de que itens negociados entre patrão e empregado possam prevalecer sobre a legislação. Essa
prática era, até então, limitada pela CLT, que entendia que não existe isonomia entre as partes,
de modo que a negociação é permitida apenas para garantir melhores condições aos
trabalhadores, considerados hipossuficientes, do que as previstas na legislação. Diante desse
quadro, não houve acordo com as principais entidades de trabalhadores, em especial a CUT 37.
Assim como a ideia de modernização, o argumento que diz respeito ao aumento da segurança
jurídica é um dos expedientes utilizados pelo patronato para apresentar seu próprio interesse
como sendo do conjunto da sociedade, dos trabalhadores e do próprio Estado, entendido nesse
argumento como uma esfera isolada do tecido social.
Em 2014, a CNI publicou seu documento com propostas aos candidatos à
Presidência da República. Diferentemente dos anteriores a partir de 2002, esse documento,
intitulado apenas como “Propostas da Indústria para as eleições de 2014”, retoma a ideia de
36
Em 2017 foi aprovada uma reforma trabalhista que contemplou muitas das propostas da CNI, das quais a
principal era a de dar força de lei aos acordos entre patrão e empregado, em um cenário de grande
desemprego e ataque aos direitos trabalhistas e sociais.
37
Outras centrais sindicais, em especial a Força Sindical, apoiaram a terceirização irrestrita, endossando a
justificativa da CNI de que essa alteração aumentaria a segurança jurídica dos contratos de trabalho. Essa
posição da Força Sindical, que havia participado dos governos do PT, demonstra a ampliação dos conflitos
no interior da frente neodesenvolvimentista, e dentro do próprio conjunto das classes trabalhadoras.
110
que o crescimento da indústria, e do país, depende do aumento da competitividade (CNI,
2014, p. 13). Dentre os itens que compõem a agenda de competitividade, é dado destaque,
pela primeira vez desde a publicação dos documentos para as eleições, ao crescimento da
produtividade. A entidade cita que nos últimos anos o salário real dos trabalhadores da
indústria cresceu acima dos indicadores de produtividade, o que tem limitado a expansão da
produção, e acrescenta que “ao contrário do passado, não se pode esperar
que o crescimento da força de trabalho seja o principal determinante do crescimento da
economia brasileira” (CNI, 2014, p. 13). Ao lado da questão da produtividade, a
Confederação aponta que outros custos, como o tributário, a energia, e a valorização cambial
contribuem para deixar o país “caro” frente aos principais concorrentes no mercado externo.
Para o combate desses problemas, a CNI apresenta 42 propostas de ações,
reunidas em dez grandes frentes: 1) tributação; 2) relações de trabalho; 3) ambiente
macroeconômico; 4) educação; 5) infraestrutura 6) segurança jurídica e burocracia; 7)
eficiência do Estado; 8) desenvolvimento de mercados; 9) inovação e produtividade; 10)
financiamento. A reconfiguração das propostas remete à pauta original do Custo Brasil, como
elaborada nos anos 1990. O aumento do peso relativo de questões como as relações de
trabalho, por exemplo, vão no mesmo sentido. As medidas relativas a esse ponto convergem
para um diagnóstico de que os custos do trabalho são muito elevados no Brasil, destacando
que nos últimos anos o crescimento dos salários foi muito superior ao crescimento da
produtividade e, por isso, diminuíram a competitividade das empresas brasileiras. As
propostas apresentadas para corrigir o problema seguem as que estão presentes no documento
de 2012, e se resumem a permitir a terceirização em todas as atividades e permitir que as
negociações entre patrão e empregados se sobreponham à legislação.
A leitura dos documentos produzidos para divulgação pela CNI revela a tentativa
de transparecer que suas análises são exclusivamente técnicas e que os interesses da Indústria
são também os interesses do conjunto da sociedade. Contudo, um olhar atento sobre a ação
política da entidade revela que as posições defendidas correspondem a interesses políticos, ora
mais, ora menos explícitos. Dessa forma, vimos que a partir de 2012, a defesa de uma reforma
trabalhista que descaracterizaria a CLT passou a fazer parte da ordem do dia na CNI,
rompendo um dos principais compromissos que mantinham na frente constituída com o
movimento sindical e, evidentemente, dificultando sua manutenção. Na próxima seção,
veremos como esses e outros fatores se relacionaram com a crise da frente
111
neodesenvolvimentista, depois de uma tentativa de aprofundamento do
neodesenvolvimentismo durante o primeiro governo Dilma.

3.2 – A nova matriz econômica: o programa dos industriais

Dado o pouco tempo decorrido desde os fatos abordados na pesquisa, bem como a
relativa ausência de trabalhos discutindo com maior profundidade o papel dos industriais no
período neodesenvolvimentista, a reconstrução histórica da relação entre a principal entidade
patronal da indústria e o Governo Dilma Rousseff é importante para qualificar com maior
precisão o movimento pendular desse setor da burguesia. Procuraremos, dessa forma,
recuperar essa cronologia a partir das relações entre a CNI, o governo e as organizações dos
trabalhadores.
No início de 2011, o recém-empossado governo Dilma dava sinais de que
manteria as diretrizes gerais de seu antecessor. A manutenção de quadros importantes na
equipe ministerial, como o chefe da Fazenda Guido Mantega, era um desses sinais. A
popularidade de Dilma começou elevada (Mazenotti, 2011), e alguns analistas apostavam que
o fato de a nova presidente não ter a mesma ligação que o ex-presidente Lula com o
movimento sindical e popular pudesse ajudá-la a superar a resistência que alguns setores
empresariais ainda nutriam pelo ex-metalúrgico e pelo Partido dos Trabalhadores.
Do ponto de vista da relação com a indústria, a presidente não poderia estar
melhor: em entrevista à Folha de S. Paulo, em fevereiro de 2011, Robson de Andrade,
também recentemente eleito presidente da CNI, demonstrou sua confiança no novo governo –
o que o jornal classificou como “alinhamento” – e afirmou que o Brasil possuía uma oposição
não responsável e pobre no Congresso Nacional (Brito, A., 2011). Coincidentemente, essa
entrevista também aponta para um dos motivos que futuramente causariam problemas ao
frágil equilíbrio que sustentava a existência de uma frente neodesenvolvimentista. A principal
razão da reclamação de Andrade à oposição era a disputa em torno do novo salário mínimo
que seria estabelecido naquele ano. O presidente da CNI defendia a proposta de reajuste do
governo, de R$ 545, enquanto a oposição queria um valor que alcançasse R$ 600, fazendo
alusão à proposta apresentada pelo candidato derrotado na eleição de 2010, José Serra. As
centrais sindicais, por sua vez, reivindicavam um aumento para R$ 580 (CUT…, 2011), o que
demonstra que, mesmo havendo divergência com o governo, a proposta da oposição não havia
sido levada a sério pelas principais entidades dos trabalhadores. Para Andrade, essa seria uma
112
demonstração de que o governo estava disposto a ser austero com o gasto público, um dos
pilares da política econômica defendida pela CNI.
A dificuldade para o governo consistia em um dos obstáculos fundamentais para
manutenção da frente neodesenvolvimentista: dar sinais de responsabilidade fiscal aos setores
empresariais, e manter a política de valorização do salário mínimo em benefício de sua
principal base social, a principal política responsável pelo fortalecimento do mercado interno
que o país havia visto na última década (Singer, 2012). Em meio aos – ainda – pequenos
conflitos, esse era um bom começo para um governo que tinha como objetivo principal
fomentar a reindustrialização do país (Rossi e Mello, 2016, p. 254).
A primeira medida tomada nesse sentido foi o anúncio, em agosto de 2011, do
Plano Brasil Maior, principal projeto de política industrial do governo Dilma. O Plano foi
lançado como Medida Provisória, e previa 287 ações em sua versão original (Singer, 2016, p.
28), a ser avaliada por comissão tripartite formada por governo, sindicatos e setor privado.
Entre outras medidas, contemplava R$ 25 bilhões em desonerações em dois anos (esse valor
seria ampliado ao longo do primeiro mandato de Dilma); a criação de um regime tributário
especial para o setor automotivo; a regulamentação do programa de compras governamentais,
para preferência de produtos e serviços nacionais; abertura de novas linhas de crédito
estratégicas do BNDES; além de outros incentivos às exportações, investimento e inovação
(Veja…, 2011).
A sintonia entre o governo e o setor industrial era nítida, ao ponto de Robson de
Andrade declarar que o plano recolocaria a indústria como eixo do desenvolvimento
(Rodrigues, A., 2011). É interessante notar que, quando do lançamento do plano, não houve
críticas relevantes em relação ao intervencionismo do governo na escolha de setores
prioritários, na definição de alíquotas diferenciadas, ou no impacto das medidas no gasto
público. O setor industrial, nas palavras de Andrade, atuaria como parceiro do governo,
superando o velho dilema liberal que opõe Estado e iniciativa privada.
Depois de um primeiro semestre de ajuste fiscal, o lançamento do Plano Brasil
Maior marcou o início do programa que o governo batizaria de Nova Matriz Econômica.
Segundo Guido Mantega, a NME tinha como objetivo principal corrigir um problema
estrutural da economia brasileira: as altas taxas de juros. O ministro colocava a redução da
taxa básica de juros como caminho natural para a economia brasileira depois da estabilização
monetária promovida pelo Plano Real e do processo de distribuição de renda ocorrido nos
governos Lula (Mantega, 2012).
113
Mais do que medida necessária para o incentivo à produção industrial, o ministro
classificava as taxas de juros brasileiras, historicamente elevadas, como uma “anomalia” que
não se justificava sob nenhuma das explicações de diferentes correntes econômicas. Ainda no
artigo em questão, Mantega responsabiliza os juros altos por outras duas distorções da
economia brasileira, a saber, o câmbio valorizado e a elevada carga tributária. Ao contrário de
análises mais ortodoxas, o então ministro da Fazenda atribui às altas taxas de juros a má
alocação de recursos na economia. Dessa forma, o governo Dilma dá um importante passo em
direção contrária ao receituário dos chamados economistas de mercado, dominantes nos
grandes veículos de comunicação do país. Como veremos posteriormente, essa frente de
disputa com os setores ortodoxos foi crucial para o enfraquecimento da nova matriz
econômica ao longo do primeiro governo Dilma.
A despeito dos conflitos que se seguiriam, ao menos em agosto de 2011, quando
se inicia a redução gradual da taxa de juros, o governo contou com apoio massivo do setor
industrial, em especial da CNI. Em nota publicada após a decisão do Comitê de Política
Monetária (COPOM), a CNI elogiou o corte de juros aliado à política de contenção do gasto
público (Redução…, 2011). Mais do que uma pauta necessária, continua a nota, a medida
demonstrava que o governo estava preocupado com a recuperação da economia no cenário de
crise que se aprofundava, em especial no continente europeu. Posteriormente, Flávio Castelo
Branco, gerente executivo da CNI, também declarou que a expectativa da entidade era de que
a redução impactasse positivamente os indicadores econômicos (Lima, 2011). A trajetória de
queda da taxa de juros continuaria até abril de 2013, chegando a um nível real inferior a 2%
ao ano, quando o Banco Central (BC) dá sinais de ceder à pressão da coalizão rentista, que
intensifica os ataques ao governo, acusando-o de ser complacente com a inflação.
Entendemos esse movimento de fato como uma disputa, uma vez que, segundo relatado por
Singer (2016, pp. 37-39), o diagnóstico do BC que respaldou a interrupção da trajetória de
queda dos juros não era compartilhado pelo restante governo. É importante ressaltar que a
redução da taxa de juros, no contexto em que de fato ocorreu, era uma das principais
demandas da Confederação Nacional da Indústria apresentadas aos candidatos à presidência
da república em 2010 (CNI, 2010). Como veremos mais à frente, apesar de a redução de juros
ser uma demanda central dos industriais, o próprio Mantega apontou, em seu artigo sobre a
NME, que poderia gerar dificuldades para as empresas do setor produtivo no curto prazo.
Nesse interstício, a NME avançou em outras frentes em oposição ao campo
neoliberal. No início de 2012, o governo passa a atuar de maneira mais intensa pela
114
diminuição do spread bancário, também um dos maiores do mundo e alvo de críticas da CNI
e demais entidades industriais (CNI, 2007). Singer (2016, pp. 33-36) faz um relato detalhado
das disputas entre a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e o governo Dilma. Nesse
ponto, cabe um parêntese para ressaltar um aspecto da estratégia utilizada pelo governo na
condução da política econômica: o uso intensivo dos bancos públicos (Rossi e Mello, 2017, p.
21). Tanto no caso do BNDES, para financiamento de investimentos que totalizaram cerca de
R$ 400 bilhões entre 2011 e 2014 (Singer, 2016, p. 29), como a utilização do Banco do Brasil
para forçar os bancos privados a diminuírem seu spread através do acirramento da
concorrência. Essa estratégia é significativa da política assumida pelo governo, se
considerarmos que grande parte da estrutura do Estado desenvolvimentista foi desmontada ao
longo dos anos 1990 com as privatizações. Ou seja, lançando mão dos instrumentos que lhe
restavam, o governo Dilma não hesitou em intervir de maneira vigorosa, ao menos se tratando
do capitalismo brasileiro pós-anos 90, para viabilizar sua nova matriz econômica.
Ao lado da redução da taxa de juros, as duas outras principais distorções da
economia brasileira segundo o ex-ministro Guido Mantega, a carga tributária e o real
sobrevalorizado, também foram atacadas pela nova matriz econômica. Como já
mencionamos, o governo Dilma fez um extenso programa de desonerações, que em 2014
atingiam 42 setores e ao todo totalizaram mais de R$ 100 bilhões (Singer, 2012, pp. 29-30).
Embora criticadas por diversos economistas por terem contribuído com as dificuldades fiscais
do setor público sem que lograssem atingir os efeitos esperados, as desonerações vieram
atender uma demanda antiga da indústria pela redução da carga tributária.
A própria CNI apresentou uma proposta abrangente de reforma tributária no
documento “A Indústria e o Brasil: uma estratégia para crescer mais e melhor”, de 2010.
Contudo, a reclamação sobre o volume de impostos pago pelo setor produtivo é alvo
prioritário das entidades patronais pelo menos desde os anos 1990. É possível que, diante das
dificuldades de realizar uma ampla reforma tributária (Rocha, 2010; Dilma…, 2012) – o que
pressionaria o governo também em relação às demandas do movimento sindical pela
implantação de um sistema mais progressivo – tenha se optado por realizar um amplo
programa de desonerações, sem, contudo, que se tivesse obtido o principal resultado esperado,
qual seja, o aumento na taxa de investimento.
Em relação à taxa de câmbio, tratava-se de uma disputa herdada do governo
anterior. A valorização excessiva da moeda brasileira – cerca de 50% entre 2002 e 2011
(Carneiro, 2017, p. 12), se por um lado havia promovido a modernização dos padrões de
115
consumo de uma parcela importante do mercado interno e ajudara a conter a inflação, por
outro dificultava as exportações de produtos brasileiros, tornando a indústria nacional menos
competitiva. A sobrevalorização cambial foi reconhecida por membros da equipe
governamental como um problema a ser enfrentado (Barbosa, 2013, p. 85), contudo essa
tarefa ficou por conta do novo governo38. Embora seu governo tenha promovido uma ampla
valorização do câmbio, o presidente Lula, após a eleição de sua sucessora, deu declarações à
imprensa se referindo a uma “guerra cambial” promovida por Estados Unidos e China, que
tinham como objetivo tornar suas moedas competitivas num cenário de acirramento da
concorrência global. O então presidente e a presidente eleita foram à Coreia do Sul denunciar
a estratégia, defendendo a competitividade do real e antecipando a política que seria adotada
por Dilma Rousseff.
Nesse cenário, Dilma aumentou os esforços para desvalorizar o câmbio, levando o
valor do dólar para 2,05 reais em 2012, quando permaneceu relativamente estável, sobretudo
no segundo semestre (Rossi e Mello, 2017, p. 17). A questão da taxa de câmbio ainda é
polêmica entre os economistas heterodoxos, em especial os alinhados ao novo-
desenvolvimentismo. Bresser-Pereira (apud Singer, 2016, p. 32), por exemplo, apontava que,
no contexto de 2011-2012, a taxa de câmbio competitiva seria de cerca de 2,75 reais por
dólar, portanto demandaria um esforço além do que o governo havia realizado, o que teria
sido determinante para seu insucesso. A despeito desses questionamentos pertinentes, o
principal interessado no aumento do câmbio – o setor industrial – demonstrava seu otimismo
com a desvalorização promovida pelo governo. Embora endossasse os cálculos que sugeriam
uma taxa entre R$ 2,40 e R$ 2,60 por dólar, Robson Andrade afirmou que a desvalorização
promovida pelo governo seria suficiente para estimular a recuperação da indústria, e inclusive
estimular a substituição de importações de componentes por similares nacionais (Brito, R.,
2012). Do ponto de vista da burguesia industrial, aferido pelo que era exposto através de
declarações à imprensa, não havia dúvidas de que o governo caminhava na direção certa. As

38
A questão em torno da taxa de câmbio é ilustrativa para a discussão sobre as diferenças entre um ensaio
desenvolvimentista (Singer, 2016), expressão que sugere que não havia uma política de desenvolvimento no
período 2003-2010, e outras interpretações que enfatizam a continuidade entre os dois governos, como a
baseada no conceito de neodesenvolvimentismo (Boito Jr., 2012). De nossa parte, acreditamos que houve a
partir de 2011, no primeiro governo Dilma, um aprofundamento de uma visão desenvolvimentista que já
estava presente no governo Lula, principalmente após Guido Mantega assumir a Fazenda, voltada ao
investimento produtivo, e que implicou se contrapor a interesses de setores rentistas e da burguesia
associada. Em razão disso, utilizaremos a ideia de “aprofundamento do desenvolvimentismo” e
“industrialismo” para nos referir às diferenças entre o governo Dilma e seu antecessor. O próprio papel
jogado pela presidente é relevante nesse aprofundamento. Ver a respeito Braga e Fernandes, 2016.
116
discussões, no caso do câmbio, se deram no campo de quanto deveria ser a desvalorização da
moeda nacional.
A pauta industrialista do governo Dilma seguiu também no setor da infraestrutura.
Em entrevista ao Estadão (Dias, 2012), em setembro de 2012, Robson de Andrade atentou
para essa questão como um gargalo para o desenvolvimento do setor industrial. Na
oportunidade, o presidente da CNI pede parcerias com o governo federal, na forma de
concessões e PPPs (Parcerias público-privadas), para viabilizar obras de infraestrutura no
país. O pacote preparado pelo governo incluía ferrovias, rodovias, portos e aeroportos. Ao ser
questionado se a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) seria um avanço para
lidar com essa questão, Andrade foi enfático: “Com certeza, é um avanço. Aliás, é algo que
foi demandado pela CNI e que o governo atendeu”.
Na mesma entrevista, o presidente da CNI toca em outro ponto crucial levado a
cabo no final de 2012, a polêmica MP 579, que promoveu a reforma do setor elétrico. A ação
consistia, entre outras medidas, em antecipar a renovação de contratos de concessão para
produção e distribuição de energia, com investimentos já amortizados, e com isso reduzir as
contas de luz. O objetivo do governo era reduzir o valor das contas para consumidores
residenciais e indústrias. “Na verdade, o problema do setor elétrico não é de abastecimento, é
de preço. E esse problema está sendo resolvido com o novo pacote”, disse Robson Andrade ao
Estadão. Além da CNI, a FIESP também se manifestou enfaticamente a favor da MP e da
redução de custo da energia elétrica (Warth, 2012).
A exemplo do que ocorrera na recém-vencida disputa em torno do spread
bancário, o discurso do governo para lançar mão de sua investida no setor elétrico era de que
o custo de amortização de investimentos na construção de usinas hidrelétricas já havia sido
pago, e por isso a cobrança das empresas era indevida. Novamente o governo Dilma atacava o
que julgava ser o lucro excessivo e injustificável de empresários, responsável por gerar
distorções que impediam a aceleração da economia. Para além das disputas ideológicas, o
impacto das ações do governo nas empresas concessionárias foi imediato, no que se refere à
queda no seu valor de mercado e das perdas dos investidores (Singer, 2012, pp. 29-30). Vale
ressaltar que o debate público em torno da reforma do setor elétrico foi altamente
partidarizado, com as concessionárias de Estados governados pelo PSDB – São Paulo, Minas
Gerais e Paraná – se recusando a participar do processo (Única…, 2017).
Nesse sentido, Singer (2016, pp. 30-31) destaca o papel catalisador da reforma e
concede grande importância à questão da intervenção do Estado na economia, que pode ter
117
provocado uma indisposição – que se transformaria em oposição – de setores da burguesia em
relação ao governo Dilma. Considerando também que nesse caso houve perdas reais de
grandes companhias e fundos internacionais, associadas a uma campanha que reverberava na
grande mídia e na imprensa internacional, é possível considerar que houve um impacto
ideológico em relação ao papel do Estado em setores da burguesia. Entre debates sobre a
natureza das ações realizadas pelo governo, de um lado se estaria em curso um novo processo
de privatização como ocorrido nos anos 1990 (Singer, 2013a), de outro se prevaleceria o viés
desenvolvimentista e intervencionista de Dilma, fato é que a presidente levou em
consideração o pleito das entidades representativas dos industriais em suas decisões. Como
também é fato que as medidas tomadas com esse intuito não lograram induzir o aumento do
investimento.
Do outro lado da disputa política, a coalizão neoliberal intensificava as críticas à
nova matriz econômica, críticas que repercutiam em especial entre a classe média (O
fracasso…, 2013). Um expediente comum dos grandes veículos de comunicação, emissoras
de TV e jornais em especial, majoritariamente alinhados ao discurso liberal, é apresentar o
conjunto de medidas do tripé macroeconômico como algo positivo para o país, e
consequentemente para o conjunto da população. Alguns economistas sustentam que num
primeiro momento a desvalorização cambial, numa economia dependente como a brasileira,
reduz o poder de compra e pode trazer consequências inflacionárias. Dificilmente, porém,
encontramos explicações razoavelmente esclarecedoras na grande mídia a respeito dessa e
outras questões. Não se busca convencer o grande público sobre os efeitos de um câmbio
valorizado, mas confundir a respeito dos eventuais objetivos da desvalorização. Nesse
sentido, a utilização de amplo espaço na mídia para combater políticas como a desvalorização
cambial e a queda dos juros, em uma disputa se não ignorada, mal combatida pelo governo,
foi um fator de desgaste para os construtores da nova matriz econômica.
Após dois anos de avanço da pauta industrialista, que coincidiram com a
aprovação recorde da presidente Dilma (Campanerut, 2013), a partir do início de 2013 o
governo começa a enfrentar dificuldades não apenas em impor sua agenda econômica, mas
também pelos resultados esperados que não vieram. A maior intensidade dos ataques movidos
por veículos de imprensa, associada à queda de popularidade da presidente após a onda de
manifestações que tomou o país em junho de 2013, se manifestou em um mal-estar
generalizado, ainda que, naquele momento, não fosse possível identificar críticas localizadas
no setor industrial.
118
Singer (2013b) também observou algo parecido, já em agosto de 2013, depois das
manifestações que reviraram as peças do tabuleiro político: “Embora o capital não faça
manifestação de rua, existe uma espécie de greve de investimentos, apelidada de “desânimo”,
a qual está longe de ser o menor dos problemas políticos de Dilma Rousseff”. O autor
explicita uma série de medidas tomadas pelo governo atendendo aos anseios do empresariado
do setor produtivo, sem que nada tivesse surtido efeito na reanimação da economia. É certo
que não podemos atribuir, automaticamente, a ausência de investimentos ao posicionamento
político da burguesia frente ao governo. Como veremos mais à frente, alguns fatores de ordem
econômica, como o nível de endividamento das empresas, contribuíram com esse cenário de
queda. Contudo, embora não fosse possível prever esse desfecho em 2013, o cenário que se
desenhou naquele ano demonstrou mais uma tendência do que uma situação conjuntural. O
que se seguiu foram recuos do governo que levaram à flexibilização de seu programa inicial, a
fim de conquistar o apoio que faltou da burguesia industrial. Segue Singer: “Mesmo assim,
nada se moveu. Precisará o governo cortar o gasto até o osso, avalizar leis que reduzam o
custo da mão de obra e demitir o titular da Fazenda para conquistar os capitalistas? Estará
disposto a ir tão longe?”. Singer estava certo em relação à pauta que seria exigida do governo,
mas no que se refere a “conquistar os capitalistas”, como veremos na próxima seção,
tampouco surtiu efeito.

3.3 – A burguesia industrial em conflito: a crise da frente neodesenvolvimentista

“É hora de mudar. Os empresários, assim como todos os brasileiros, esperam que


nossos representantes no Congresso Nacional façam sua parte para que o Brasil possa voltar a
sonhar com um futuro melhor”. Foi assim que o presidente da CNI, Robson Braga de
Andrade, encerrou carta endereçada aos deputados federais no dia 12 de abril de 2016 (Ramos
e Viegas, 2016), menos de três anos depois da análise de Singer, às vésperas da votação que
determinou o prosseguimento do processo de impeachment contra a presidenta Dilma. Na
carta, o industrial destaca o péssimo desempenho da economia e afirma que “os brasileiros
têm reais motivos para a desesperança”. A avaliação da CNI era de que o governo não reunia
as condições necessárias para superar a crise política e econômica, o que exigiria uma
mudança de rumo.
119
Em tom diferente do habitual, Andrade criticou enfaticamente a “guinada da
política econômica”, em referência à substituição de Joaquim Levy por Nelson Barbosa no
Ministério da Fazenda, atribuindo a essa política, representada pelo novo ministro, o “cenário
catastrófico” em que o país se encontrava. A diferença estaria no modelo de política
econômica representado por cada um deles. O ex-ministro, oriundo do sistema bancário e com
credenciais liberais, representava a política de ajuste fiscal que vinha sendo aplicada desde
que a presidente Dilma fora reeleita, em 2014. Já o novo ministro tinha a imagem associada à
política econômica heterodoxa dos dois primeiros anos do primeiro governo Dilma. Em uma
manifestação ainda mais rara, considerando os pronunciamentos típicos da CNI, Andrade
denunciou a complacência do governo com “grupos sociais que pregam a radicalização e o
confronto como forma de impor suas ideias”. Não é difícil imaginar que ele se referia à CUT
e ao MST, os principais movimentos populares organizados que fizeram atos de apoio à então
presidente.
Embora não deixasse explícito, o recado foi claro para os principais veículos de
comunicação, quase todos também apoiando o processo de impeachment (Manfrini e Warth,
2016). A CNI abandonava definitivamente a frente que ajudara a sustentar e apostava suas
fichas num governo de Michel Temer, então vice-presidente, que à época já havia deixado
bastante clara a direção neoliberal que daria à política econômica 39, caso ocupasse o Palácio
do Planalto. A carta da CNI demarcava, assim, dois movimentos simultâneos da entidade em
nome da burguesia industrial brasileira, algo que a FIESP já havia feito há algum tempo: o
distanciamento da política neodesenvolvimentista e o afastamento das entidades
representativas de trabalhadores.
Antes de entrar no cerne da questão do afastamento dos industriais e da crise da
frente neodesenvolvimentista, apresentaremos uma breve consideração das interpretações que
dominaram o debate econômico sobre a nova matriz econômica, para compreender como a
situação política evoluiu a tal ponto. Em linhas gerais, essas análises consideram que a gestão

39
A ofensiva do capital financeiro na cena política ficou evidente em outubro de 2015 quando, ainda como
vice-presidente, Michel Temer apresentou um documento intitulado “Uma ponte para o futuro”. De caráter
ultraliberal, o conjunto de medidas reunia uma proposta de política econômica aos sabores do mercado para
enfrentar a crise. Entre outros pontos do documento, destacamos a prioridade ao ajuste fiscal, com o
estabelecimento de um teto de gastos; ampliação de privatizações e concessões; mudança no regime de
exploração do pré-sal; reorientação da política externa, dando prioridade a Estados Unidos, União Europeia
e Ásia; e a promoção de uma reforma trabalhista que permitisse que as negociações coletivas prevalecessem
sobre as normas legais. Algumas semanas antes, o então presidente do Senado, Renan Calheiros, também
apresentou um programa nos mesmos moldes denominado “Agenda Brasil” (Agenda…, 2015). Já em
setembro de 2016, ocupando a presidência, Temer cometeu um ato falho, falando a empresários em Nova
York, ao confessar que o processo de impeachment havia sido instaurado porque o governo Dilma não
adotara a “Ponte para o futuro” (Fernandes, 2016).
120
econômica do primeiro governo Dilma cometeu erros que levaram ao insucesso do
aprofundamento do neodesenvolvimentisto – vale lembrar a referência feita por Robson de
Andrade à “política econômica que levou o país a um cenário catastrófico”. Para apresentar as
principais correntes envolvidas no debate, utilizaremos o mapeamento formulado por Rossi e
Mello (2016). Posteriormente, defenderemos a análise dos conflitos de classe como forma de
melhor compreender o fracasso da política industrialista, e a consequente crise do
neodesenvolvimentismo, e relacioná-la com características estruturais do capitalismo
brasileiro. Cabe destacar, ainda, que, segundo os autores, até pelo curto período de
distanciamento histórico, o debate econômico sobre o governo Dilma ainda carrega um forte
componente ideológico, que buscaremos considerar para melhor ilustrá-lo.
A primeira interpretação, identificada principalmente com economistas liberais,
atribui a desaceleração da economia ao abandono do tripé-macroeconômico e à mudança para
a nova matriz econômica. Para esses economistas, que possuem espaço de destaque na grande
imprensa, entre os quais podemos citar Samuel Pessôa, Marcos Lisboa e Alexandre
Schwartsman, as medidas que resultaram na recessão foram, principalmente, a política fiscal
expansionista; o abandono do regime de metas de inflação, fixando taxas de juros
artificialmente baixas; a expansão exacerbada de crédito dos bancos estatais, provocando
endividamento excessivo; a manipulação artificial da taxa de câmbio pelo Banco Central;
além da atuação do governo no controle de preços, como no caso dos combustíveis e da
energia elétrica, por exemplo. Ainda segundo a interpretação liberal, o principal mecanismo
que gerou o efeito negativo foi causado pelo excesso de intervenção estatal, gerando uma má
alocação de recursos, o que tirou a capacidade dos agentes privados construírem cenários e,
consequentemente, realizar investimentos (Rossi e Mello, 2016, p. 253).
Essa interpretação ganhou força no debate público com a proximidade das
eleições de 2014, e atribui um papel central à disputa entre empresários, de maneira geral, e o
papel do Estado na gestão de Dilma Rousseff. Independentemente das críticas a essa visão, a
penetração de alguns desses argumentos no meio industrial nos ajudam a entender a mudança
de discurso da CNI40. Por exemplo, as críticas à atuação do governo ganhariam muita força
dentro de setores da burguesia, como o sucroalcooleiro, que acumulou perdas em razão da
política de controle do preço da gasolina pela Petrobras41. Em um primeiro momento, essa
40
Diniz e Bresser-Pereira (2013, p. 21) destacam a influência de uma visão liberal no interior do empresariado
industrial brasileiro.
41
A política de controle do preço da gasolina tinha como objetivo conter a inflação e reduzir custos da
indústria nacional. Já em 2015, no início do segundo mandato de Dilma, essa medida foi amplamente
criticada na grande imprensa e apontada como responsável por causar uma série de distorções na economia,
121
insatisfação foi canalizada no movimento “Volta, Lula”, defendido nos bastidores por
empresários, setores do próprio governo e do Partido dos Trabalhadores, que desejavam que o
ex-presidente se lançasse candidato em 2014. Segundo se noticiou na imprensa à época, Lula
teria melhor diálogo com o conjunto do empresariado do que sua sucessora, o que pode ser
entendido, dado o contexto, como a defesa de uma postura menos intervencionista. Já nas
eleições, os argumentos liberais ganharam força principalmente com a candidatura de Aécio
Neves (PSDB) e Marina Silva (PSB), na defesa da autonomia do Banco Central, por exemplo.
O candidato mineiro chegou a anunciar o ex-presidente do BC no governo FHC, Armínio
Fraga, um quadro fortemente ligado ao mercado financeiro, como seu ministro da Fazenda
caso eleito, o que mostrava uma mudança de ventos vindos da burguesia. Embora a presidente
Dilma tenha sido reeleita com um discurso à esquerda, dois movimentos marcaram sua
capitulação ante a pressão neoliberal: a demissão virtual do ministro Guido Mantega ainda
durante a campanha, e a posterior nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda, um economista
com as credencias da Escola de Chicago e buscado no sistema financeiro, mais precisamente
entre os executivos do banco Bradesco.
A segunda interpretação apresentada por Rossi e Mello (2016, pp. 253-254) que
também aponta para erros na condução da política econômica, mas de natureza bastante
distinta da interpretação liberal, se identifica com a corrente novo-desenvolvimentista. Tendo
como principal expoente o ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, os economistas alinhados
ao novo-desenvolvimentismo creditam ao câmbio excessivamente elevado – principalmente
durante o governo Lula – a inviabilização das medidas tomadas por Dilma e, no limite, do
próprio futuro do governo. Vale ressaltar que, entre as ações da nova matriz econômica,
estava a desvalorização da taxa de câmbio, que chegou a atingir R$ 2,05 em maio de 2012
(Singer, 2016, p. 31). Contudo, tal desvalorização teria sido insuficiente para tornar a
indústria brasileira competitiva em um cenário de acirramento da concorrência global.
Ao lado da sobrevalorização do real, segundo os intelectuais dessa corrente
teórica, a elevação dos salários acima da produtividade – parte fundamental da política social
dos governos neodesenvolvimentistas – teria sido responsável por pressionar as margens de
rentabilidade do setor industrial e impedir os investimentos. No que pesem suas visões
opostas, a questão do crescimento dos salários acima da produtividade encontra eco tanto
entre novo-desenvolvimentistas como entre liberais. Embora esse fator tenha um peso
questionável no aumento de custos da indústria, ao menos no período 2002-2010 (Diegues,
a exemplo do choque inflacionário daquele ano – quando os preços foram reajustados – e por ter contribuído
para o endividamento da Petrobras. Ver a respeito Mello (2014).
122
2015, pp. 70-71), essa foi uma das reclamações da CNI no âmbito das últimas eleições
presidenciais (CNI, 2014, p. 59).
Uma terceira interpretação destaca o impacto negativo do ajuste fiscal realizado
no início de 2011, que teria funcionado como um freio para o desempenho da economia nos
anos seguintes. Segundo os defensores desta visão, a contração fiscal e monetária teve papel
crucial na forte desaceleração do crescimento nos anos seguintes (Rossi e Mello, 2016, p.
254). A despeito das críticas recebidas, o governo defendeu essa estratégia como essencial
para dar início à política de queda dos juros. Posteriormente, o então ministro Guido Mantega
admitiu que a hipótese que sustentara a ação do governo em 2011, de que economia mundial
estaria se recuperando, estava errada (Singer, 2016, p. 39).
A quarta e última linha de interpretação apresentada pelos autores entende que a
política econômica adotada no primeiro governo Dilma tinha por objetivo garantir a
competitividade da indústria nacional em um cenário de acirramento da concorrência externa,
através da redução dos custos de insumos e do crédito, além da desvalorização do câmbio e de
uma série de desonerações fiscais, denominada “estratégia industrialista”. Essa foi uma
tentativa do governo de responder aos desafios estruturais do complexo industrial brasileiro, e
às pressões políticas das entidades industriais42. Entretanto, continuam os autores, as medidas
industrialistas não foram suficientes para superar os entraves da economia naquele momento.
Em um cenário de aprofundamento da concorrência internacional, principalmente após a crise
iniciada em 2008, as empresas brasileiras também sofreram com a queda da demanda interna,
e se utilizaram dos benefícios fiscais concedidos para recompor parcialmente suas margens de
rentabilidade, em vez de utilizá-los para alavancar os investimentos, como era o objetivo do
governo (Rossi e Mello, 2016, pp. 253-254).
Os erros de condução de política econômica, como apontados pelas diferentes
correntes de economistas, contudo, tocam superficialmente as causas da crise do
neodesenvolvimentismo, quando de seu aprofundamento no governo Dilma. Para que
possamos incluir eventuais erros na condução da política econômica em nossa análise,
devemos observá-los à luz do conflito de classes que caracterizou o período
neodesenvolvimentista, e dos próprios entraves estruturais da economia brasileira. Para além
das questões estritamente econômicas, nosso objetivo é identificar qual o papel dos conflitos
entre classes e frações de classe, e como levam à crise do neodesenvolvimentismo. Para

42
Como procuramos destacar, essas ações do governo estavam alinhadas com a pauta apresentada pela CNI
acerca das necessidades da indústria brasileira, em especial no que consta no documento “A Indústria e o
Brasil: uma agenda para crescer mais e melhor”, de 2010.
123
responder nossa principal questão, partimos da análise de Singer (2016), que encontra no
afastamento da burguesia industrial da frente neodesenvolvimentista e no fortalecimento da
coalizão neoliberal, as principais causas para a crise do governo Dilma. Tendo em vista estas
considerações iniciais, pretendemos qualificar os vários aspectos desse processo – políticos,
econômicos e ideológicos – para compreender melhor a crise da frente neodesenvolvimentista
e da própria NME. Singer mapeia as explicações para o afastamento da burguesia industrial
da base de sustentação do governo Dilma a partir de quatro aspectos principais, os quais
buscaremos desenvolver a seguir. Cabe destacar que tais aspectos, embora enfatizem questões
diferentes, não são excludentes entre si, mas, ao contrário, complementares (Singer, 2016, p.
50). Desse modo, seguimos o entendimento de que a crise da frente neodesenvolvimentista é
multicausal, portanto não pode ser explicada por uma única variável (Martuscelli, 2017, p.
16).
Como primeiro aspecto, Singer (2016, p. 45) apresenta o que chama de
“características estruturais” da burguesia brasileira. Segundo essa interpretação, a recente
financeirização do capital em escala global, promovida pelo neoliberalismo, teria provocado
uma fusão entre capital industrial e financeiro, ou ao menos reduzido suas nuances. Nesse
cenário, uma parte considerável dos ganhos dos grupos econômicos tidos como industriais
viria de atividades ligadas à tesouraria 43. Isso contribuiria com a fragilidade das alianças
produtivas entre classes sociais, já que faria com que os empresários tivessem menos ímpeto
em realizar alianças com trabalhadores voltadas ao desenvolvimento produtivo. Nesse
cenário, a burguesia industrial não mais dependeria exclusivamente, ou majoritariamente, de
atividades produtivas, mas obteria cada vez mais lucro em práticas rentistas.
Essa argumentação possui alguns problemas, já que mesmo com as
transformações estruturais características do capitalismo neoliberal, as divisões internas da
burguesia não são abolidas. A própria organização dos empresários em entidades patronais
voltadas a defender interesses específicos de diferentes setores econômicos é um indício em
prol do argumento de que os grupos econômicos possuem uma atividade prioritária e orientam
suas principais ações em torno delas. Ou seja, podemos considerar a hipótese levantada por
Singer se tomarmos alguns cuidados, a fim de incorporar uma série de outros argumentos
econômicos ao debate. Nesse sentido, para entender as mudanças estruturais no interior da

43
Apenas para ilustrar o argumento, em maio de 2017 veio a público um episódio envolvendo a compra de
dólares e venda de ações pela JBS com intuito de obter ganhos com o movimento especulativo do mercado
diante da divulgação da delação premiada dos donos do grupo no âmbito da Operação Lava Jato. Ver UOL,
2017.
124
burguesia industrial brasileira que se iniciam no período neoliberal, recorremos
principalmente às análises de Diegues (2015) e Diegues e Rossi (2016), que veem as
transformações ocorridas na estrutura produtiva como um novo padrão de organização e
acumulação que denominam Doença Brasileira. Embora o nome seja uma referência ao
conceito de Doença Holandesa, as duas definições guardam diferenças entre si, que
abordaremos mais à frente.
Em vez de restringir os problemas da NME à condução econômica do governo
Dilma, essa perspectiva teórica os insere no âmbito da economia política. Em linhas gerais, a
tese da Doença Brasileira parte da observação da coexistência de um processo de
especialização regressiva da estrutura produtiva na primeira década dos anos 2000, com fortes
indícios de desindustrialização, ao mesmo tempo em que há a manutenção, e até ampliação,
da acumulação do capital investido na esfera industrial. Com efeito, o baixo dinamismo da
indústria local, entre o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, seria, na verdade, o
resultado de um novo modelo exitoso de acumulação, em resposta à reestruturação produtiva
sofrida após o processo de abertura econômica (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 2).
Segundo os autores, esse padrão de organização deriva de grandes transformações
levadas a cabo nas últimas décadas do século XX, que permitiram a fragmentação global do
processo produtivo e provocaram mudanças no âmbito das empresas industriais, demandando
grande liquidez e desempenho de curto prazo. Isso exigiu a concentração das empresas em
atividades não manufatureiras, em especial as financeiras, com o objetivo da maximização de
seu valor acionário (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 12). Além das transformações na esfera
empresarial, a indústria brasileira passou por outro condicionante que a induziu ao novo
modelo de acumulação: a crise do nacional desenvolvimentismo e do modelo de
industrialização por substituição de importações que, por sua vez, teve sua origem na
transição para o paradigma da microeletrônica, conforme assinalado por Coutinho (1992 apud
Diegues e Rossi, C., pp. 12-13), colocando o complexo eletrônico como elemento central da
atividade econômica e da competitividade. No campo político, esse fenômeno esteve
associado a uma ofensiva liberal que influenciou a abertura comercial e a liberalização
financeira, que culminaram na reestruturação produtiva atravessada pela indústria brasileira,
como já abordado.
A reação da burguesia industrial brasileira a essas transformações foi defensiva,
no sentido de se adaptar ao novo cenário mundial perdendo complexidade, em lógica oposta à
diversificação do parque industrial ocorrida no período de industrialização por substituição de
125
importações. A tese central da Doença Brasileira dá conta de que essa reação defensiva por
parte dos industriais deu origem a um processo de adaptação em direção a um novo modelo
de acumulação, no qual as empresas brasileiras passam a fundamentar seu dinamismo, em
diferentes graus, no seguinte tripé:
a) reorganização das empresas industriais locais, promovendo sua integração às
cadeias globais de valor como importadoras;
b) aproveitamento do aumento do mercado interno, ocorrido durante os governos
Lula44;
c) consolidação da “vocação” do parque produtivo nacional como grande
exportador de produtos intensivos em recursos naturais (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 13).
Esse movimento, portanto, reforçou a tendência de inserção subordinada da economia
brasileira no capitalismo global (Paulani, 2013).
Como mencionamos, esse novo modelo de acumulação disseminado na indústria
brasileira guarda diferenças com o conceito a que faz referência. De maneira bastante
simplificada, a Doença Holandesa compreende o fenômeno da desindustrialização em
decorrência da apreciação da moeda local, que ocorre em virtude de um desempenho pujante
na exportação de commodities. O fenômeno foi batizado em referência ao processo ocorrido
na Holanda nos anos 1960 que, com o aumento do preço do gás, produto no qual o país era
rico, viu a entrada maciça de capital proveniente da exportação do recurso natural o que, por
sua vez, provocou a apreciação da moeda holandesa, tirando competitividade da indústria
local (Diegues e Rossi, C., 2016, pp. 14-15). Ao contrário da Doença Holandesa, que prevê
que com a perda de competitividade haverá redução da lucratividade das empresas industriais,
a Doença Brasileira explica justamente o efeito contrário. O baixo dinamismo do setor
industrial, dada sua especialização regressiva, constitui parte de um novo padrão exitoso de
acumulação. Esse novo padrão, por sua vez, é resultado de um processo de adaptação à
conjuntura global e se baseia na redução de conteúdo local adicionado à produção, bem como
o crescimento das importações de componentes e até de produtos finais (Diegues e Rossi, C.,
2016, pp. 14-15). A principal diferença entre os dois fenômenos, portanto, é que ao contrário
do que ocorre num cenário de Doença Holandesa, onde se espera a fragilidade da indústria
local com redução de margens de lucro, o lucro da atividade industrial no Brasil, no período
entre 2000 e 2010, quase dobrou (Diegues e Rossi, C., 2016, p. 16).

44
Como apontamos no item anterior, as referências ao mercado interno passam a ocupar maior espaço na
agenda política da CNI nos anos 2000.
126
Em resumo, embora a análise de Diegues ainda seja relativamente recente, alguns
pressupostos nos parecem importantes para melhor compreender o que ocorreu no primeiro
governo Dilma e suas consequências para a estabilidade da frente neodesenvolvimentista.
Retomando o que havíamos ponderado a respeito de sua aplicabilidade no campo da
economia política do neodesenvolvimentismo, o processo de reestruturação da indústria
brasileira ocorrido após os anos 1990, embora não tenha acabado com as divisões no interior
da burguesia, como defendido por algumas correntes teóricas, contribui para entender o apoio
hesitante – que posteriormente se converteu em oposição – dos industriais à nova matriz
econômica. Esse movimento dos industriais em direção à oposição, por sua vez, foi
influenciado pela piora dos indicadores econômicos a partir de 2011, e pela queda da taxa de
lucros no ano seguinte.
A segunda explicação apresentada por Singer (2016, pp. 45-46) enfatiza o
acirramento do conflito entre capital e trabalho. Essa visão parte da consideração do avanço
do número de greves no período que vai de 2008-2013, e do crescimento real do salário médio
nesse período, fruto direto da política de pleno emprego comandada pelo governo Dilma até
2014. A intervenção do governo no mercado de trabalho teria sido responsável por provocar a
indisposição da burguesia, que viu seu poder sobre a política econômica enfraquecido sem ter
a sua disposição o recurso das demissões em massa, e manifestou seu descontentamento por
meio de uma greve de investimentos. As consequências foram mais sentidas pela classe
trabalhadora a partir do final de 2014, com o abandono da política de pleno emprego em razão
de pressões do conjunto da burguesia. Ainda segundo essa interpretação, o desenvolvimento
desse processo estaria ligado ao acirramento da luta de classes no Brasil, que permanecera
relativamente controlada nos anos Lula (Singer, 2012).
Ainda que concordemos com Singer que os dados que apontam para um
acirramento do conflito de classes, também é necessário ponderar que existem – pelo menos
até o momento – poucos indícios de que a burguesia industrial tenha adotado uma estratégia
de greve de investimentos exclusivamente em oposição ao intervencionismo do governo.
Alguns economistas dão conta de que o endividamento do setor produtivo foi um dos fatores
determinantes para o governo Dilma não ter repetido o ritmo de crescimento da taxa de
investimento do governo Lula, que se transformou em queda a partir de 2014. De acordo com
Rezende (2016), durante o momento de maior crescimento econômico e de melhora das
expectativas, algo que durou até 2011, muitas empresas se endividaram com o intuito de
expandir suas atividades. Com a queda na taxa de lucro vista em 2012, e a piora nas
127
expectativas dos empresários que se confirmou nos anos seguintes (Revista PEGN, 2014),
essas empresas do setor produtivo se viram “asfixiadas” pelo alto endividamento e pararam de
investir. As medidas tomadas pelo governo para conter esse processo, principalmente as
desonerações, aliviaram parcialmente a situação de endividamento, mas não lograram
aumentar o investimento, seu objetivo inicial. Com o ajuste fiscal, em 2015, a situação foi
agravada.
Com efeito, esse cenário de aumento do endividamento e queda da taxa de lucro
das empresas correspondeu à ofensiva da CNI e outras entidades patronais por uma reforma
trabalhista, como já mencionado. Ao mesmo tempo, o país atravessava um novo ciclo de
greves (Boito Jr. e Marcelino, 2010) que permitira uma série de ganhos aos setores mais
organizados da classe trabalhadora, ou ao menos evitara perdas. De modo que, a partir de
2012, começou a se construir um cenário em que a NME não logrou produzir o crescimento e
revitalização do parque industrial esperados, mas sustentou o nível de emprego e de renda da
classe trabalhadora, o que pode ter impactado na perda de apoio dos industriais.
Ao longo dos governos Lula e Dilma, setores do sindicalismo já haviam rompido
com a frente neodesenvolvimentista. Em um primeiro momento, parte dessas defecções
ocorreu à esquerda, pelo fato de os governos do PT terem aberto mão de reivindicações
históricas da classe trabalhadora, ou por divergências com a ala majoritária da CUT, e
culminaram com a criação de novas organizações sindicais, em especial Conlutas e
Intersindical (Galvão; Marcelino; Trópia, 2015). A partir do momento em que se inicia a crise
do governo Dilma, outra parcela importante do movimento sindical abandona a frente
neodesenvolvimentista, mas para se aproximar do campo neoliberal (Boito Jr., 2016, p. 160),
cujo caso emblemático é o da Força Sindical. Entretanto, os conflitos não ficaram restritos ao
setor do sindicalismo que rompeu em direção ao campo neoliberal. A divulgação das 101
propostas da CNI foi mal recebida pela CUT, maior central sindical brasileira e principal base
de apoio da frente neodesenvolvimentista entre o movimento operário. Em seu site, a Central
disponibilizou um artigo de seu diretor executivo nacional, Julio Turra (2012), afirmando que
não aceitaria qualquer tipo de negociação em relação às propostas da CNI, que “reduziriam a
pó os direitos inscritos na Consolidação das Leis do Trabalho”. O secretário de relações do
trabalho da CUT-RJ, Marcello Azevedo (2012), foi ainda mais incisivo, ao classificar o
documento da CNI como a “modernidade da selvageria”, responsável por impor, no século
XXI, relações de trabalho do século XIX. Ou seja, ao menos do ponto de vista do governo e
da frente neodesenvolvimentista, se formou uma tempestade perfeita.
128
Cabe ressaltar, contudo, que embora a luta popular tenha contribuído com o
surgimento e agravamento da crise do neodesenvolvimentismo e institua uma contradição
importante no interior da frente, ela ocupou papel secundário se comparada à ofensiva da
coalização neoliberal iniciada em 2012 (Boito Jr., 2016, p. 159). Isso ocorreu porque o
crescimento do movimento sindical visto durante o período neodesenvolvimentista se traduziu
em ganhos reais sem, contudo, resultar em um salto organizativo do movimento dos
trabalhadores. A luta popular se manteve, assim, no plano reivindicativo e segmentada por
categorias (Boito Jr., 2016, pp. 159-160). O cenário que se construiu mostrava que, embora o
aumento dos ganhos dos trabalhadores não fosse a principal contradição enfrentada pela
frente neodesenvolvimentista, era um preço que a burguesia industrial não estava mais
disposta a pagar.
Além do acirramento do conflito distributivo que atingiu o país durante o governo
Dilma, conflitos no cenário internacional impactaram a frente neodesenvolvimentista. Esse é
o terceiro aspecto levantado por Singer (2016, pp. 47-49), que aponta para uma reordenação
internacional ocorrida a partir da crise de 2008 que implicou em mudanças na relação entre a
burguesia interna e o capital internacional. Desde o governo Lula, a política externa brasileira
foi orientada em um eixo Sul-Sul, o que implicou o fortalecimento do Mercosul e das relações
com os demais países da América Latina e da África, a China, e também implicou na
formação dos BRICS. Esse movimento teve como um de seus pontos de inflexão a articulação
de diversos governos de esquerda latinoamericanos para vetar a implantação da ALCA, em
2005. A própria CNI fez parte desse processo, como apontamos no capítulo 2, já que a
política externa neodesenvolvimentista procurou fortalecer a burguesia interna e,
consequentemente, os industriais (Boito Jr. e Berringer, 2013, pp. 34-35).
Essa reordenação das grandes disputas internacionais, ainda segundo Singer, faria
com que o Brasil tivesse que optar claramente entre um bloco liderado pelos Estados Unidos e
outro pela China. Essa disputa entre os dois polos de poder internacionais também guarda
correspondência com disputas na política brasileira que, por sua vez, correspondem a
interesses de classe. Enquanto a política externa iniciada no governo Lula foi fundamental
para levar a cabo alguns pontos do programa neodesenvolvimentista, uma política que optasse
pela maior proximidade com os Estados Unidos implicaria o retorno ao neoliberalismo típico
do Consenso de Washington. Como retomaremos mais à frente, a CNI, que em certa medida
apoiou a política Sul-Sul dos governos Lula, e a grande burguesia interna, sua principal
beneficiária, sinalizam, sobretudo entre 2013 e 2014, para uma reaproximação com os Estados
129
Unidos e a União Europeia, sob a justificativa de se inserirem nas cadeias globais de valor.
Apenas para citar dois exemplos nesse sentido, Robson de Andrade esteve nos Estados
Unidos em 2013 para um encontro entre empresários e defendeu que o Brasil deveria começar
a planejar um acordo de livre comércio entre os dois países (Nicácio, 2013). No ano seguinte,
já nomeado novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando
Monteiro seguiu pelo mesmo caminho de seu sucessor na presidência da CNI, e declarou que
o Brasil deveria “mudar e fazer novas apostas” em relação à política externa, priorizando a
relação com os Estados Unidos e a União Europeia (Saída…, 2014).
Logo, a opção pela proximidade com os Estados Unidos é um fator importante
para compreender a orientação geral da burguesia industrial em uma determinada conjuntura.
Para compreender essas mudanças, cabe recuperar uma visão cunhada pelo neoliberalismo a
respeito da dinâmica das disputas internacionais que ganhou força nos anos 1990:
[…] perdeu visibilidade a clivagem centro vesus periferia, e os países
hegemônicos passaram a ser vistos como colaboradores do desenvolvimento
econômico brasileiro ao invés de seus concorrentes: não se fala mais em
imperialismo e nacionalismo, mas em integração a uma rede transnacional
de interesses diferenciados (Diniz e Bresser-Pereira, 2013, p. 9).
Nesse sentido, embora o neodesenvolvimentismo não se caracterize por uma
postura anti-imperialista, conforme a distinção feita por Boito Jr. (2012, pp. 67-68) entre
burguesia interna e a antiga burguesia nacional, a maneira de inserção do país no cenário
internacional é alvo de disputa com as forças neoliberais. O que se viu a partir de 2013 foi
uma lenta reorganização das forças da burguesia, e nesse caso em especial da burguesia
industrial, em direção ao neoliberalismo.
Essa consideração não é menos relevante quando analisamos a trajetória do
neoliberalismo em perspectiva histórica, já que os Estados Unidos foram os grandes
responsáveis pela disseminação da política neoliberal na América Latina, inclusive apoiando a
eleição de governos alinhados a essa política (Duménil e Lévy, 2014, pp. 19). Esse interesse,
por sua vez, visa tirar os países subdesenvolvidos da competição internacional (Diniz e
Bresser-Pereira, 2013, p 19). A influência histórica dos Estados Unidos na América Latina e a
tentativa de recuperar a influência perdida na região com a eleição dos governos de esquerda
130
nos anos 200045 demonstram que o continente é uma esfera de influência importante para os
norte-americanos em tempos de crise.
O último dos quatro aspectos apresentados por Singer se refere ao componente
ideológico que se manifesta a partir das contradições da frente neodesenvolvimentista e que
levaram a burguesia interna a se reaproximar da coalizão neoliberal. Singer (2016, pp. 49-50)
defende que, diante do aprofundamento da política desenvolvimentista de Dilma, a coalizão
neoliberal mobilizou um extenso aparato de formulação de ideias liberais, que encontra nos
grandes veículos de comunicação seu principal meio de divulgação, embora tenha logrado
desenvolver novos meios de disseminação dessas ideias, como os thinks tanks e novos
movimentos de direita através das redes sociais46.
Cabe destacar que tal ofensiva ideológica teve êxito muito em razão do baixo grau
de sucesso da política desenvolvimentista levada a cabo pelo governo Dilma, que falhou em
seu objetivo de promover o crescimento econômico e impulsionar a indústria nacional, pelos
motivos que já mencionamos. Se não podemos atribuir exclusivamente a crise da frente
neodesenvolvimentista à piora nos indicadores econômicos, podemos afirmar que o baixo
crescimento no governo Dilma abriu flancos que serviram ao ataque da coalização neoliberal.
A grande mídia passou a usar o termo “pibinho” para se referir ao crescimento econômico do
primeiro governo Dilma, em especial a partir de 2013, creditando o fraco desempenho na
economia exclusivamente às mudanças promovidas pela NME, descartando qualquer impacto
externo ou conjuntural. Nesse contexto, prossegue Singer, críticas ao governo se aglutinaram
sob o manto do “anti-intervencionismo”, pauta cara à burguesia desde a campanha contra a
estatização no governo Geisel. Dessa forma, a piora do cenário econômico foi uma condição
necessária, mas não única, para a mudança de posição da burguesia industrial. As
características estruturais de dependência do capitalismo brasileiro também possuem seu grau
de influência, já que levam o setor industrial a ser atraído pela ideologia liberal (Diniz e
Bresser-Pereira, 2013, p. 21).
Há ainda outro elemento destacado por Singer (2016, p. 50) que alimentou a
campanha ideológica movida contra o governo Dilma e a nova matriz econômica: a piora dos
indicadores econômicos acompanhada pela queda generalizada da margem de lucro ocorrida

45
Em um intervalo de pouco mais de 10 anos, a América Latina viu eleitos Hugo Chávez, na Venezuela
(1998), Lula, no Brasil (2002), Néstor Kirchner, na Argentina (2003), Tabaré Vásquez, no Uruguai (2004),
Evo Morales, na Bolívia (2005), Rafael Correa, no Equador (2006) e Fernando Lugo, no Paraguai (2008),
entre outros.
46
Destacamos, entre outros: Instituto Liberal, Instituto Mises Brasil, Instituto Millenium, no primeiro grupo; e
Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua e Revoltados Online, no segundo.
131
em 2012. A retomada da pauta de uma ampla reforma trabalhista por parte da CNI indica que
essa questão tocou profundamente a burguesia industrial, colocando em xeque a frente com a
classe trabalhadora e trazendo ao debate público críticas não só ao intervencionismo do
Estado, mas resgatando antigos jargões como o de “república sindical”, em referência à
participação de quadros no governo oriundos de sindicatos (Galvão, 2012, p. 190). Embora
não sejam temas pautados diretamente por representantes da CNI, é possível perceber sinais
de que ecoam por todo o espectro da burguesia.
A manutenção de parte dos ganhos da classe trabalhadora, como a política de
valorização do salário mínimo e o pleno emprego (Tomazelli, 2014), enquanto a economia
dava sinais de estagnação e o governo já não contava com apoio maciço da burguesia interna,
provocou um cenário complexo que se consolidou na eleição de 2014, no âmbito da cena
política, marcado por uma ofensiva do campo neoliberal. A reeleição da presidente Dilma se
deu com a menor margem de votos em relação ao segundo colocado, o senador Aécio Neves,
do PSDB, desde a redemocratização. O processo eleitoral, além de refletir conflitos de classes
presentes na sociedade brasileira, contou com uma grande reviravolta: a morte do candidato
Eduardo Campos, em um acidente aéreo, já durante a campanha. O ex-governador de
Pernambuco era, até o ano anterior, um dos principais aliados do Partido dos Trabalhadores
em esfera nacional. O rompimento com o governo e o anúncio de sua candidatura pelo PSB,
buscando apoio dos setores da burguesia que estavam descontentes com a presidente, era sinal
de que a frente neodesenvolvimentista não estava coesa como antes.
A morte de Campos alçou ao posto de cabeça de chapa Marina Silva, que havia
rompido com o campo neodesenvolvimentista ao deixar o cargo de ministra do Meio
Ambiente no governo Lula. Ainda que fosse apontada pela mídia como uma candidata
próxima do lulismo47, Marina Silva, assim como Aécio Neves, procurou apoio principalmente
entre a burguesia associada ao capital financeiro, na figura do mercado (Lima e Fernandes,
2014). Embora a candidatura da ex-ministra tenha se esvaziado rapidamente e terminado em
terceiro lugar, num primeiro momento chegou a liderar as pesquisas de intenção de voto.
Publicamente, a candidata apresentou como seu principal assessor o economista Eduardo
Gianetti da Fonseca, alinhado ao liberalismo, além de contar com o apoio da educadora Neca
Setúbal, acionista do Banco Itaú, na coordenação de sua campanha.
O principal aceno em direção ao campo neoliberal, contudo, não se deu através da
escolha de sua equipe, mas pela proposta de independência do Banco Central garantida por
47
Utilizamos aqui o termo lulismo de maneira livre, como o conjunto de forças políticas que se organiza em
torno da figura do ex-presidente Lula, da forma com que frequentemente é usado pela imprensa.
132
lei, também defendida, ainda que com outras palavras, por Aécio Neves (Caleiro, 2014). Essa
era uma proposta antiga do grande capital financeiro, que foi apresentada na campanha
eleitoral como uma maneira de garantir que o BC não estaria submetido a pressões políticas.
Como vimos no capítulo 2, este é um dos pilares da ideologia neoliberal: a redução dos
mecanismos de controle das instituições de Estado, que devem ser comandadas por técnicos
livres de pressões políticas48. A presidente Dilma, por sua vez, foi contrária à proposta e
politizou o debate, sob o argumento de que o governo não poderia abrir mão de qualquer
controle sobre a autoridade monetária. Uma inserção de campanha da candidata do PT gerou
grande repercussão, ao associar a autonomia do BC, que ficaria à mercê dos interesses do
sistema financeiro, com a falta de comida nos lares brasileiros. Ao mesmo tempo em que a
presidente optou por apresentar uma visão oposta à do campo neoliberal, foi durante o
governo Lula que o BC ganhou “autonomia operacional”, flexibilizando os mecanismos de
controle pelo presidente da República e se consolidando como um centro de poder do capital
financeiro (Boito Jr. e Saad-Filho, 2015; Boito Jr., 2018, p. 236). Essa disputa é importante,
pois expõe as próprias contradições da frente neodesenvolvimentista, entre os setores
financeiro e produtivo, e suas limitações em romper com o neoliberalismo, bem como o poder
estrutural do capital financeiro no capitalismo neoliberal (Bastos, 2017, p. 11).
Com a ofensiva do campo neoliberal, a presidente recorreu, em especial no
segundo turno, à sua base de apoio composta pelo movimento sindical e popular, a fim de se
distanciar do candidato do PSDB. A estratégia surtiu efeito, rendendo a quarta vitória
consecutiva em eleições presidenciais ao Partido dos Trabalhadores. Após as eleições,
contudo, ao passo que o campo neoliberal continuou sua ofensiva, o governo desmobilizou
sua base procurando recuperar o apoio do conjunto da burguesia, num movimento de recuo
gradual, adotando diversos pontos do programa apresentado pelas candidaturas neoliberais.
Os dois principais movimentos políticos que enfraqueceram a base de apoio da presidente
reeleita foram a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, o que incluía o
anúncio de um pesado ajuste fiscal; e as sucessivas tentativas de anular o resultado da eleição
por parte de seus adversários, com pedidos de recontagem de votos e uma ação no Tribunal
Superior Eleitoral contra a chapa vencedora. Ou seja, o cenário que se consolidou durante o
período eleitoral e nos meses seguintes foi decisivo para o aprofundamento da crise do
governo Dilma e da frente neodesenvolvimentista.

48
Nesse sentido a política é sempre apresentada como algo pejorativo, e não como a luta entre interesses
conflitantes.
133
Para melhor compreender os efeitos ideológicos que se intensificaram a partir de
2013, partiremos da distinção feita por Martuscelli (2017, pp. 9-12) entre hegemonia política
e hegemonia ideológica. Enquanto a primeira se refere à acomodação de uma fração de classe
no bloco no poder, a segunda, baseada no conceito de fração reinante como elaborado por
Poulantzas, passa a designar a fração que detém hegemonia ideológica sobre o conjunto da
sociedade. O autor aponta que o fortalecimento político da grande burguesia interna no bloco
no poder foi possível graças a sua constituição como fração reinante. Cabe ressaltar que este
fortalecimento não é sinônimo de conquista da hegemonia política dentro do bloco no poder,
já que essa posição continua ocupada pela burguesia associada, mas promove uma melhora
relativa para a burguesia interna. O processo de conquista da hegemonia ideológica, por sua
vez, embora tenha sido bem-sucedido durante os governos do PT, também evidencia as
fragilidades da burguesia interna diante das demais frações burguesas e do imperialismo, pois
exigiu a aproximação do movimento sindical e popular, bem como do Partido dos
Trabalhadores, para lograr êxito. A “ideologia neodesenvolvimentista”, como denominada
pelo autor, “se pautava na ideia de uma recuperação do emprego, do salário, da promoção da
atividade industrial, do ativismo do Estado e do realinhamento em termos de política Sul-Sul”
(Martuscelli, 2017, p. 10), e foi responsável por cimentar a aproximação da frente
neodesenvolvimentista.
Embora classifique os governos do PT como sociais-liberais, principalmente em
razão das diferenças entre seu discurso e sua prática política, Martuscelli (2017, pp. 10-11)
aponta que a ideologia neodesenvolvimentista, que os influenciou e sustentou a hegemonia
ideológica da burguesia interna, se choca contra os pilares da política neoliberal ortodoxa,
pautada nas virtudes do livre mercado e do Estado mínimo. De modo que o processo de
ofensiva do campo neoliberal, que abordamos nos parágrafos anteriores, se dá em
contraposição à ideologia neodesenvolvimentista. É essa a principal disputa no plano
ideológico que se manifesta na crise do governo Dilma.
A ofensiva do neoliberalismo, por sua vez, se dá sob um verniz conservador, uma
vez que a burguesia associada, ligada principalmente a atividades comerciais, bancárias e
financeiras, também tem dificuldades em apresentar seus interesses particulares como
interesses do conjunto da sociedade (Martuscelli, 2017, p. 10). Com efeito, o principal recurso
utilizado pela coalizão neoliberal no ataque à frente neodesenvolvimentista foi a luta contra a
corrupção. O campo neoliberal, com apoio dos grandes veículos de comunicação e respaldado
pela Operação Lava Jato, teve êxito em projetar a corrupção como principal problema
134
nacional e atribuí-la aos governos do PT. Esse movimento contou com a influência da crise
econômica, que se aprofundou em 2015, e a desmobilização de grande parte da base de apoio
do governo com as medidas do ajuste fiscal e o aumento do desemprego.
“Foi a partir desse discurso contra a corrupção que a ideologia neoliberal de
caráter mais ortodoxo, que havia perdido protagonismo nos anos 2000 no
âmbito da cena política, passou a ganhar espaço na luta de ideias e se
apresentar como interesse geral. A luta contra a corrupção foi a máscara
utilizada pelos defensores da política neoliberal ortodoxa para ir ao baile da
cena política. Nesse sentido, o golpe de Estado desferido contra o governo
Dilma pode ser concebido como uma medida de força utilizada pela
burguesia associada para recuperar a hegemonia ideológica perdida nos
governos petistas para aprofundar, assim, as contrarreformas neoliberais”
(Martuscelli, 2017, p. 16).
A partir de 2014, e com maior intensidade no ano seguinte, o tema da corrupção
passou a ser um elemento central na cena política brasileira e serviu de verniz à ofensiva
neoliberal. Como apontamos, esse tema foi instrumentalizado pelo campo neoliberal como
principal meio de ataque contra a frente neodesenvolvimentista, principalmente por meio da
Operação Lava Jato. Conduzida por setores da Polícia Federal, Ministério Público e Poder
Judiciário, desde seu início, em março de 2014, a Lava Jato procurou centralizar ações nos
principais setores da economia ligados à política neodesenvolvimentista: a Petrobras, as
grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e OAS e o Partido dos Trabalhadores
(Martuscelli, 2017, p. 16). Contando com repercussão diária nos grandes veículos de
comunicação, o que fazia parte de uma estratégia deliberada dos membros da força tarefa de
promover a espetacularização de suas ações, a Lava Jato rapidamente se tornou o centro das
manifestações lideradas pelos novos movimentos de direita que pediam o impeachment da
presidente Dilma – Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua, Revoltados Online, etc. – e passou
a ocupar o espaço de partido da alta classe média (Boito Jr., 2016, p. 3). Além de utilizar a
narrativa construída pela Lava Jato como elemento estrutural de seu programa político, esses
movimentos também iniciaram uma campanha de ataque ideológico intensivo ao movimento
sindical e popular, aos partidos de esquerda e ao pensamento crítico de modo geral. O slogan
adotado pelo governo Temer “Vamos tirar o Brasil do vermelho” e o movimento “Escola sem
partido” são os dois principais exemplos dessa ofensiva conservadora (Martuscelli, 2017, p.
14).
135
A burguesia interna, por sua vez, apresentou comportamento oscilante durante
esse processo. Isso ocorre porque as frações que compõem a burguesia em geral não possuem
clareza de interesses, unidade política e capacidade organizativa como alguns analistas
supõem, mas, ao contrário, agem de acordo com circunstâncias dadas (Boito Jr., 2017). A
partir dos conflitos que procuramos apresentar, a presença da burguesia interna na frente
neodesenvolvimentista passou a custar cada vez mais caro para o governo, e os próprios
setores dominantes passaram a questionar a capacidade de a presidente Dilma realizar as
reformas neoliberais exigidas pela burguesia associada e pelo capital financeiro, devido à
relação histórica do Partido dos Trabalhadores com o movimento sindical e popular
(Martuscelli, 2017, p. 16). A burguesia industrial tendeu a se integrar à ofensiva
conservadora, com algumas defecções, como parte do setor naval (Boito Jr., 2017), e
procurando apenas resistir seletivamente a pontos do programa neoliberal (Martuscelli, 2017,
p. 14). Entre as entidades de classe do setor também prevaleceu a aproximação ao campo
neoliberal. Enquanto a CNI apenas apresentou oficialmente seu posicionamento às vésperas
da votação do pedido de impeachment da presidente Dilma na Câmara dos Deputados,
embora estivesse atuando nos bastidores nesse sentido, a FIESP foi uma das lideranças do
movimento pela destituição do governo (Maciel, 2016). O resultado desse processo foi o
realinhamento da maior parte da burguesia interna ao campo político composto pela burguesia
associada e o capital financeiro, apoiando o processo de impeachment a fim de retomar o
controle do governo e impor integralmente esse programa.
Ou seja, observando esse cenário com mais cuidado, percebemos o movimento
pendular da burguesia industrial, representada aqui pela CNI, como um processo complexo e
contraditório. Complexo pelos diversos aspectos envolvidos em sua causalidade, e
contraditório pois o afastamento dos industriais da frente neodesenvolvimentista foi
caracterizado por avanços e recuos, e não houve uniformidade entre os diferentes setores que
compõem essa parcela da burguesia49. Nesse sentido, o aprofundamento do
desenvolvimentismo no governo Dilma, em meio às contradições da frente
neodesenvolvimentista, colocou os industriais novamente em uma encruzilhada típica do
capitalismo brasileiro, como bem resumido por Singer (2016, p. 54): ao mesmo tempo em que
a burguesia industrial apoia uma política desenvolvimentista por se sentir fortalecida, recua
quando se sente ameaçada pelo Estado e pela classe trabalhadora.

49
Algumas lideranças do setor industrial se manifestaram contrárias, ou permaneceram neutras, em relação ao
processo de impeachment da presidente Dilma. Ver, por exemplo, “Setor produtivo apoia Dilma contra o
impeachment”, 2015.
136
Considerações finais

Ao longo desta dissertação, procuramos mostrar as mudanças de posicionamento


político da Confederação Nacional da Indústria desde a implantação do modelo neoliberal no
Brasil. Qualificamos esse movimento como pendular, na medida em que oscilou do apoio ao
neoliberalismo no início da década de 1990, posteriormente se afastando em direção ao
neodesenvolvimentismo, e retornando mais uma vez ao neoliberalismo a partir de 2012, sendo
determinante para a crise do governo Dilma. Procuramos identificar os principais movimentos
da CNI, enquanto representante da burguesia industrial brasileira, como indicativos desse
movimento pendular. Essa mudança esteve relacionada tanto a características estruturais dessa
fração de classe, quanto a circunstâncias conjunturais e aos resultados da disputa política, e
teve no caráter contraditório da frente neodesenvolvimentista um de seus elementos cruciais.
Em um primeiro momento, o conjunto dos industriais apoiou as reformas
neoliberais, consideradas pela CNI e outras organizações patronais como inevitáveis. Esse
apoio esteve relacionado não apenas ao conteúdo das reformas propostas, mas por adesão a
um movimento que unificou politicamente a burguesia brasileira em oposição ao movimento
sindical e popular. Com o avanço da pauta neoliberal, a burguesia industrial, e em especial os
segmentos do pequeno e médio capital que a compõem, acabou prejudicada pela abertura
comercial, um dos pilares desse programa. Ainda que mantivesse o apoio ao sentido geral
dessa política, a reestruturação produtiva imposta à indústria provocou defecções na coalizão
neoliberal, o que, por sua vez, gerou a aproximação do setor industrial, acompanhando o
conjunto da burguesia interna, a setores da classe trabalhadora e, no campo da cena política,
ao Partido dos Trabalhadores. Essa aproximação culminou com a formação da frente política
que denominamos, seguindo Boito Jr. (2012), de neodesenvolvimentista, composta por um
arco de forças amplo e heterogêneo, envolvendo principalmente a grande burguesia interna, o
movimento popular e sindical, e a parcela majoritária da massa de trabalhadores
desorganizados e subempregados do capitalismo brasileiro. Essa frente política foi a principal
base de sustentação dos governos do PT e permaneceu relativamente estável até, pelo menos,
os primeiros dois anos do governo Dilma.
Para melhor embasar a utilização da CNI como objeto, buscamos fazer uma
reconstituição da trajetória da Confederação Nacional da Indústria, a fim de compreendê-la
como resultado da consolidação dos conflitos sociais em que a burguesia industrial esteve
137
envolvida. Amparados por uma perspectiva relacional, abordamos tanto os conflitos
horizontais, entre as diferentes frações da burguesia e o Estado, como verticais, entre a
burguesia e a classe trabalhadora. Essa perspectiva relacional se diferencia das abordagens
essencialistas ao identificar nos conflitos sociais as explicações para a ação política de classes,
frações de classes e suas formas institucionais. A partir da configuração atual da CNI,
buscamos mostrar a viabilidade de utilizar essa organização como fonte para o estudo do
conjunto da burguesia industrial brasileira, bem como apontar os limites de dessa opção.
De maneira complementar, levando em consideração sua constituição histórica,
procuramos apontar a viabilidade da utilização do conceito de burguesia interna para
caracterizar a burguesia industrial brasileira, em vez da utilização do conceito de burguesia
nacional. Ao contrário de uma burguesia interna, uma burguesia nacional pode, a depender da
conjuntura, adotar uma postura anti-imperialista. Como pudemos ver ao longo do trabalho, tal
posição nunca foi reivindicada pela burguesia brasileira, sequer pelos seus setores autóctones.
Pelo contrário, muitas vezes a burguesia industrial defendeu menos restrições para a entrada
de capital estrangeiro no país, a exemplo do início dos anos 1990. A formação de burguesias
internas, por sua vez, está ligada ao processo de internacionalização capitalista promovido
pelo imperialismo, que tende a fazer desaparecer as burguesias nacionais, embora não acabe
com o fracionamento da classe burguesa, tampouco elimine os conflitos entre a burguesia
local (interna) e o capital imperialista. Com efeito, a burguesia interna também guarda
diferenças com a fração da burguesia plenamente integrada ao capital estrangeiro.
Em seguida, procuramos apresentar um breve histórico do neoliberalismo e de
como ele está relacionado com interesses e conflitos de classe. Vimos que, embora essa
política tenha unificado politicamente a burguesia durante a maior parte dos anos 1990, ela
não beneficiou igualmente seus diferentes segmentos, inclusive prejudicando alguns deles. A
reivindicação por proteção frente à concorrência externa foi o que levou alguns desses
segmentos, mais especificamente os setores que compõem a burguesia interna, a abandonarem
a coalizão neoliberal e constituírem a frente neodesenvolvimentista. A formação de um bloco
envolvendo uma parte importante da burguesia interna, em especial a parcela correspondente
ao grande capital, não eliminou as disputas entre os diferentes segmentos que a compõem, dos
quais destacamos os existentes entre o capital bancário e industrial. Esses conflitos surgem
com maior intensidade a partir do segundo governo Lula, quando a CNI e outras entidades
dos industriais passam a aumentar as críticas à política monetária restritiva e às altas taxas de
spread bancário no Brasil. Ainda assim, a frente neodesenvolvimentista permaneceu estável
138
ao longo dos dois mandatos do presidente Lula, superando conflitos políticos de maior
envergadura, como a crise política de 2005/2006.
No capítulo 3, apresentamos de maneira mais sistemática as mudanças de
posicionamento da CNI, expostas nos cadernos de propostas apresentados aos candidatos à
Presidência da República de 1994 a 2014. Além da exposição das propostas em si,
procuramos relacioná-las com a conjuntura atravessada durante as publicações, e do próprio
posicionamento da CNI no embate político em cada um desses momentos. Com isso,
pudemos verificar que esse posicionamento confirmou nossa hipótese de movimento pendular
da burguesia industrial brasileira ao longo desse período.
Em linhas gerais, em 1994 as principais demandas dos industriais estavam
relacionadas com a estabilidade macroeconômica através do controle da inflação. Para
enfrentar essa questão, a CNI defendeu a adoção de reformas neoliberais, a exemplo da
abertura do mercado brasileiro à economia internacional, e de uma requalificação do papel do
Estado brasileiro. Na esfera política, esse movimento se deu através de um apoio em massa à
candidatura de Fernando Henrique Cardoso, com vistas a isolar o candidato do Partido dos
Trabalhadores.
A estabilidade política atingida pelo governo FHC permitiu o avanço da pauta
neoliberal para muito além do que havia sido iniciado por Fernando Collor, e
temporariamente interrompido pela crise que provocou seu impeachment. Procuramos
sustentar, com base na bibliografia sobre as relações de classe e a ação política dos industriais
no Brasil nos anos 1990, que o avanço do neoliberalismo se, por um lado, unificou a
burguesia em torno de propostas de redução de direitos sociais e trabalhistas, causou fissuras
nesse bloco por afetar de maneira distinta as diferentes frações burguesas. A partir de meados
dos anos 1990, a CNI passou a verbalizar críticas à abertura comercial, desenvolvendo a pauta
do Custo Brasil. Essa pauta surgiu do entendimento de que a liberalização da economia era
inevitável, mas que o Estado deveria tomar medidas para evitar a “concorrência desleal” com
produtos estrangeiros. Com efeito, para a CNI, as empresas brasileiras estavam fazendo sua
parte encarando os sacrifícios da abertura comercial, e caberia ao governo fazer a dele.
A questão do Custo Brasil se tornou o carro-chefe da Confederação dali em
diante, e os estudos e diagnósticos que sustentavam a visão da indústria passaram a pautar as
demais organizações empresariais da burguesia industrial. Esse crescimento do papel da CNI
na defesa dos interesses dos industriais esteve ligado ao fortalecimento da entidade observado
na década de 1990.
139
A partir de 1998, os documentos da CNI aos presidenciáveis passam a enfatizar
não apenas a busca pela estabilidade, mas também o crescimento econômico como prioridade
da política do governo. Essa mudança é significativa, uma vez que é compatível com uma
visão de que não cabe ao Estado garantir apenas o funcionamento dos mecanismos de
mercado, mas o de atuar – ainda que moderadamente – como um agente indutor da atividade
econômica. É importante destacar que não identificamos nesse movimento da CNI o retorno a
um padrão típico do nacional-desenvolvimentismo, mas que ele marca uma diferença
significativa em relação ao pensamento neoliberal. Nos documentos seguintes essa inflexão é
mantida, sinalizando a adoção de uma nova agenda pela CNI, que não rompe com o
neoliberalismo, mas busca atenuar alguns dos efeitos dessa política sobre o setor industrial. O
auge dessa pauta se dá em 2010, quando, além do crescimento econômico, a Confederação
apresenta mais claramente uma demanda pela “transformação estrutural da indústria”, e a
participação da indústria brasileira nas principais cadeias internacionais de produção.
Nos dois primeiros anos do governo Dilma, houve uma proximidade muito
grande entre a agenda do Planalto, sintetizada na chamada nova matriz econômica, e as
propostas expostas e defendidas publicamente pela CNI. Identificamos como os principais
objetivos dessa política manter uma taxa de crescimento econômico comparável à obtida no
segundo governo Lula, e garantir a competitividade das empresas brasileiras em um cenário
de aumento da concorrência externa, concedendo um papel central nessa estratégia ao setor
industrial. A frente neodesenvolvimentista, por sua vez, responsável por representar esses
novos interesses na cena política, esteve atravessada por diversas contradições, estruturadas
na existência de interesses conflitantes entre as forças que a constituíram. Ao longo do
terceiro capítulo, procuramos apontar como essas contradições, aguçadas por uma nova
conjuntura e pela ofensiva dos setores neoliberais, acabaram por deflagar uma crise durante o
governo Dilma. Essa situação ficou mais evidente depois que as medidas adotadas pelo
governo, baseadas na NME, não surtiram o efeito esperado.
Ainda em 2012, a CNI passou a conceder maior ênfase à realização de uma a
reforma trabalhista baseada na prevalência da livre negociação entre empregadores e
empregados. Essa pauta foi mantida no documento aos presidenciáveis de 2014 que, a
exemplo de 1994, apontou a estabilidade econômica como principal preocupação da política
macroeconômica. Nesse sentido, pudemos distinguir dois movimentos simultâneos realizados
pela CNI e pelo conjunto da burguesia industrial: o primeiro deles de avanço em relação aos
direitos dos trabalhadores; o segundo de recuo em relação à ofensiva neoliberal liderada pelo
140
grande capital financeiro e internacional. Esses dois movimentos, realizados em conjunto,
caracterizaram a ação pendular da burguesia industrial brasileira.
A fim de qualificar com maior clareza essa questão, no último item do capítulo
procuramos introduzir e desenvolver algumas hipóteses sobre o porquê desse novo
movimento pendular, colocando como ponto central as contradições da frente
neodesenvolvimentista. Partindo de hipóteses apresentadas por Singer (2016), destacamos
quatro aspectos complementares que podem indicar as razões que levaram a burguesia
industrial a uma reaproximação com o campo neoliberal.
O primeiro faz referência a causas estruturais relativas ao desenvolvimento dessa
fração da burguesia, como apontamos também no capítulo 1. O caráter dependente e
periférico da economia brasileira e o processo de internacionalização capitalista conduzido
pelos países centrais tiveram influência sobre a formação da burguesia brasileira. Esse caráter
dependente foi reforçado a partir da adoção do neoliberalismo nos anos 1990, proporcionando
uma regressão tecnológica da indústria instalada no Brasil. Levantamos, ainda, a possibilidade
de que esse caráter de regressividade faça parta de um novo padrão de acumulação, exitoso do
ponto de vista da burguesia industrial, denominado por Diegues (2015) de Doença Brasileira.
O segundo aspecto diz respeito ao acirramento do conflito capital/trabalho,
agravado com a piora do cenário econômico europeu em 2011. A queda da taxa de
desemprego e a melhoria das condições dos trabalhadores, ocorridas durante o governo Lula e
os primeiros anos do governo Dilma, impulsionaram um novo ciclo de greves nos anos 2000,
como apontado por Boito Jr. e Marcelino (2010), que possibilitou uma série de ganhos para as
classes trabalhadoras. Como resposta a esse processo, em seu documento aos presidenciáveis
em 2014, a CNI apontou o crescimento do salário real acima do aumento da produtividade
como uma das principais distorções presentes nas relações de trabalho. Esse diagnóstico foi
acompanhado pelo apoio a medidas que reduzissem o salário real no setor industrial, em
especial o fim da política de pleno emprego e a aprovação de uma reforma trabalhista que
reduzisse direitos dos trabalhadores, tornando inviável a manutenção de uma frente com o
movimento sindical.
O terceiro aspecto considera o impacto provocado na política brasileira pelas
mudanças atravessadas no cenário internacional. Os anos 2000, especialmente depois de
superados os efeitos econômicos provocados pelo atentado de 11 de setembro de 2001 nos
Estados Unidos e a crise mundial em 2008, foram marcados por uma relativa estabilidade
internacional acompanhada de crescimento econômico. Por sua vez a ascensão de governos de
141
esquerda em vários países da América Latina no mesmo período modificou o cenário de
hegemonia norte-americana na região. A integração latino-americana e a ascensão de novos
parceiros comerciais, como a China, ajudou a reconfigurar a geopolítica regional. O Brasil, a
partir da eleição de Lula e da adoção da política externa Sul-Sul, ocupou uma posição central
nesse cenário, não apenas liderando o processo de integração do subcontinente, mas
estabelecendo acordos que concorriam com o centro capitalista, dentre os quais se destaca a
formação dos BRICS.
A partir de 2012, ainda sob influência da crise americana de 2008, o cenário
geopolítico começa a mudar mais rapidamente. Partidos e coalizões de direita passam a
ganhar espaço e a conquistar, com o apoio dos Estados Unidos, governos na América Latina
tanto por via eleitoral, quanto através de manobras parlamentares, como na deposição de
Fernando Lugo no Paraguai, em 2012. Procuramos apontar que a CNI acompanhou esse
movimento ao defender, depois de diversos anos como entusiasta das relações com os países
em desenvolvimento, uma maior aproximação do Brasil com os norte-americanos e a União
Europeia, através da celebração de acordos bilaterais. Gradualmente, a prioridade dos
industriais deixou de ser o comércio com os países da América de Sul e a China, para se
voltar aos Estados Unidos e à Europa. O papel da burguesia interna brasileira diante do
reordenamento geopolítico iniciado em 2012, bem como os ataques sofridos pelos grandes
grupos brasileiros pela Operação Lava Jato, ainda são temas relativamente inexplorados e que
demandam mais pesquisas para serem melhor compreendidos.
O quarto e último aspecto que apontamos no capítulo três se refere ao papel da
disputa ideológica nessa conjuntura. A partir de 2012, e mais visivelmente em 2013, a
ofensiva dos setores neoliberais foi acompanhada de uma forte campanha ideológica contra o
governo Dilma e a frente neodesenvolvimentista. A exemplo de outros momentos na história
brasileira, os setores conservadores se utilizaram do tema da corrupção como forma de
aglutinar apoio popular. Nesse sentido, o julgamento do caso do “mensalão” em 2012 e a
Operação Lava Jato, a partir de 2014, ocuparam papel central na disputa político-ideológica.
O discurso do combate à corrupção utilizado pelas forças neoliberais, por sua vez, foi
fortemente relacionado a medidas tomadas pelos governos neodesenvolvimentistas, como a
política de campeões nacionais do BNDES, o financiamento de obras em países latino-
americanos, em especial Cuba e Venezuela, e a aproximação com países em desenvolvimento.
Essas medidas eram apresentadas como “ideológicas” e fonte de corrupção do governo junto a
aliados “de esquerda”. Cabe ressaltar que essa ofensiva ideológica esteve apoiada na piora dos
142
indicadores econômicos, que se intensificou em 2015, com o aumento da inflação e do
desemprego em um cenário de recessão.
Esses fatores, observados em conjunto, lançam luz ao movimento pendular da
burguesia industrial, que buscamos identificar a partir da CNI. Procuramos, com isso, mostrar
que esse movimento político é complexo e multifacetado, e pode ser melhor compreendido
através da análise dos conflitos entre classes e frações de classe.
143

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