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4. MATERIAL E MÉTODO

Como nesta pesquisa se pretendeu analisar a noção que a criança


disfônica tem da Voz e se a intervenção fonoaudiológica a modifica,
resolvemos selecionar dois grupos num total de 60 sujeitos. Formamos
um grupo que havia recebido intervenção fonoaudiológica na Santa Casa
de Misericórdia de São Paulo, um outro que aguardava em fila de espera
e aplicamos em ambos as mesmas quatro perguntas.

A partir das respostas foram criadas categorias de análise para a


investigação da noção que a criança disfônica tem em relação à voz e
quais as implicações de uma intervenção fonoaudiológica, comparando-
se os dois grupos.

Para facilitar a exposição das etapas da presente pesquisa,


resolvemos apresentar este capítulo em sub-itens, iniciando com a
seleção e caraterização dos sujeitos. Será descrito como foi realizado o
contato com o Setor de Fonoaudiologia da Santa Casa e o período
utilizado para a seleção. Será explicada também a maneira como foi
acessado o arquivo geral.

A seguir, será exposto de forma ampla, o funcionamento do Setor


de Fonoaudiologia com a sua filosofia e metodologia de trabalho, no
que diz respeito às triagens, às terapias individuais e grupais, às
orientações dadas aos pacientes que estão em fila de espera (pré-
intervenção), aos pré-cirúrgicos, aos critérios para a alta e o curso de
especialização.
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Na seqüência, serão explicitados os critérios que foram utilizados


para seleção das crianças na pesquisa, na qual levou-se em consideração
a exploração realizada nos prontuários, para a formação dos dois grupos
pesquisados (pré-intervenção e pós-intervenção fonoaudiológica). As
características dos dois grupos serão apresentadas em relação ao número
de crianças escolhidas e a situação em que elas se encontravam no Setor,
ou seja, em atendimento ou não.

Serão descritos os procedimentos que foram utilizados para a


coleta dos dados, inclusive os contatos com os grupos, o método
utilizado para realizar as entrevistas e as medidas tomadas em relação à
ética da pesquisa.

Os questionamentos que resultaram nas perguntas aplicadas às


crianças e a explicação de cada uma delas, também estarão relatados.

A descrição dos fatores que foram analisados e a sua distribuição


em categorias e sub-categorias, com os elementos que as identificavam
na amostra estarão também explicados na seqüência.

No final deste capítulo apresentaremos um fluxograma para


melhor detalhamento das etapas que foram descritas.
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4.1. Seleção e caracterização dos sujeitos

Para este estudo prospectivo, foram selecionadas 60 (sessenta)


crianças, com o diagnóstico de disfonia, em acompanhamento
fonoaudiológico e médico, na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo, no período de janeiro de 2.000 a março de 2.001. O
problema vocal apresentado por estas crianças era decorrente de lesões
benignas de laringe como: nódulos, cisto, fenda, entre outros, como
descrito na seqüência.

O levantamento dos prontuários foi precedido por um período


exploratório, no Setor de Fonoaudiologia, para que a investigação
pudesse ser realizada com pequena interferência do ambiente (ALVES
MAZZOTTI & GEWANDSZNAJDER, 1999), e na rotina de trabalho
das fonoaudiólogas. Neste Setor, o fluxo de atendimento aos pacientes é
bastante intenso e, para isso, foi necessário um conhecimento prévio de
como os pacientes estavam registrados para que o acesso aos prontuários
fosse realizado, necessitando do mínimo de ajuda das terapeutas.

São cadastrados, no computador, todos os pacientes atendidos no


setor, tanto crianças como adultos, recebendo um número de registro
(“T”), pelo qual é possível localizar, por ordem alfabética, os sujeitos
por diagnóstico, nome, data de nascimento e idade, no dia da triagem
inicial. Todos estes prontuários são remetidos para o arquivo geral da
Santa Casa, onde cada paciente tem o histórico de consultas, exames e
atendimentos, dos setores da Instituição, pelos quais passou e, nesse
momento, recebendo um outro número de registro (“C”).
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Para os pacientes em atendimento, há um outro arquivo, que


registra os dados pessoais como nome, endereço, telefone, filiação,
escolaridade, além do controle de freqüência, que é bastante rigoroso.

No arquivo com dados da entrevista, avaliação e terapia, há uma


subdivisão em grupos a saber: de Voz, de Canto, de pré-Cirurgia,
Pediatria e Cabeça - Pescoço, todos em ordem alfabética, onde estão
incluídos adultos e crianças.

Em relação às triagens realizadas, há um arquivo denominado


Triagens Voz, no qual encontram-se os prontuários de todos os pacientes
que foram avaliados pelo setor, sendo subdivididos em “Aguarda Vaga
no Setor” ou “Fila de Espera” e “Não Chamar Mais” para pacientes de
outras localidades ou que desistiram do atendimento. Esta fase da
pesquisa ocorreu de outubro a dezembro de 2.000, principalmente com o
levantamento dos dados do grupo pós-intervenção; com o pré-
intervenção, ocorreu praticamente durante toda a pesquisa pela
dificuldade de selecionar as crianças.

A realização deste estudo foi possível em graças à aprovação do


projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (CONEP –
ISCMSP - processo 003/2001).
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4.1.1. O funcionamento do setor

O atendimento às crianças com disfonia será exposto a seguir, com


base em dados retirados de entrevistas realizadas com as supervisoras
responsáveis pelo Setor de Fonoaudiologia (Anexo I).

O Setor de Fonoaudiologia da I.S.C.M.S.P. possui duas


supervisoras que coordenam o Curso de Especialização em Voz, com
duração de dois anos, cujas alunas realizam os atendimentos aos
pacientes. São ao todo 16 alunas, sendo oito do primeiro ano e oito do
segundo, estas também atuando na função de monitoras.

Todo o paciente que chega ao Setor, passa por uma triagem geral,
com uma monitora, que indicará a criança para uma triagem específica,
de acordo com os distúrbios atendidos, (Disfonia, Insuficiência e
Incompetência Velo-Faríngea, Fissura e Motricidade Oral) ou a
encaminhará para outra Instituição.

A triagem específica é realizada por uma aluna do primeiro ano,


que realiza também a anamnese. As supervisoras do Setor sempre
propõem que a função desta triagem seja a de selecionar a criança que
necessita de trabalho fonoaudiológico, levando em conta se ela se
beneficiará da terapia, se ela se encaixa nos moldes da Instituição, se tem
facilidade para chegar ao local de atendimento, além da manifestação
vocal.
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O diagnóstico é concluído, após discussão entre a monitora e a


supervisora, o paciente a seguir é encaminhado para uma fila de espera.
Quando não há uma conclusão do caso, ele pode retornar outras vezes,
realizando os exames necessários e complementando os dados para
fechar o diagnóstico.

De qualquer forma, toda a criança com disfonia, quando indicada


para terapia, vai para uma fila de espera que pode durar em média de 6 a
10 meses ou mais. Esses pacientes de pré-intervenção, juntamente com o
familiar que o acompanha, recebem no dia da triagem uma orientação
fonoaudiológica específica. Há casos em que o Setor opta por chamar
periodicamente a criança e o familiar, para orientações sistemáticas e
muitas vezes a criança supera a dificuldade vocal sem ter tido a
necessidade de freqüentar a terapia tradicional.

Neste acompanhamento ao grupo pré-intervenção, a orientação é


realizada, conforme o caso, levando-se em conta a queixa da família e a
da criança. Quando há necessidade, são discutidos aspectos de higiene
vocal, ambiente familiar, atitude da família em relação a criança,
explicação do problema vocal, quais as mudanças que podem ser
realizadas para melhorar a dinâmica familiar em relação à voz, além de
exercícios de vibração das pregas vocais.

As terapias fonoaudiológicas são realizadas em grupo ou


individualmente, sendo esta a forma da maior parte dos atendimentos.

As terapias grupais são compostas em média de três crianças, com


sessões semanais de 45 minutos. As crianças são selecionadas pela faixa
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etária (4 a 6 anos, 7 a 9 anos, os pré-adolescentes e os adolescentes) e


pela manifestação vocal, independentemente da alteração apresentada.

As terapias individuais ocorrem semanalmente em sessões de 30


minutos, realizadas por alunas do 1º. ano e monitoras (2º. ano). Durante
os atendimentos, permanecem na sala a criança e a aluna, sendo que as
monitoras eventualmente podem participar; as supervisoras muito
raramente, só em casos especiais. Quando ocorre a presença de outra
fonoaudióloga na sala, a criança é sempre avisada previamente e esta
permanência tem um tempo restrito.

No trabalho com as disfonias infantis, quer sejam individuais ou


grupais, a participação da família é efetiva e ocorre mensalmente ou duas
vezes ao mês, sempre no término da sessão. Nesta orientação familiar,
procura-se verificar a inserção da criança na família, abordando o que
pode ser modificado no ambiente cotidiano, além da explicação de
exercícios vocais para serem realizados em casa. Há, ainda, os
atendimentos pré-cirúrgicos, que são as terapias convencionais, cujo
objetivo é tentar eliminar a necessidade de cirurgia ou de preparar a
criança para a intervenção médica.

O objetivo da terapia fonoaudiológica da Santa Casa para a


disfonia infantil é a comunicação efetiva e não apenas os parâmetros
vocais e com a participação total da família durante o tratamento. Então,
o que o setor busca é a melhor comunicação que aquela criança possa
produzir de maneira efetiva.
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O critério de alta ocorre quando as terapeutas consideram que a


comunicação apresenta-se estabilizada, que aquele é o limite e a família
e a criança estão satisfeitas com o resultado obtido.

Após a alta, a criança retorna depois de três meses para ser


avaliada quanto ao quadro vocal e então é dada a alta definitiva. Se, em
um outro momento de sua vida, a criança não estiver utilizando a sua voz
de maneira adequada, ela retornará para uma nova avaliação.

4.1.2. Critério de inclusão

Após a avaliação das variáveis citadas, para se verificar o impacto


da intervenção, optou-se por se realizar os levantamentos nos prontuários
em dois grupos distintos, o Pré-intervenção (a seguir chamado de Pré-) e
o Pós-intervenção, (a seguir chamado de Pós-). A partir do período
exploratório, foi elaborado um protocolo que recebeu o nome de
Avaliação-Perceptivo Auditiva da Voz (Anexo II) com o objetivo de se
descrever o perfil da criança, uma vez que o resultado desta avaliação faz
parte da conduta do caso quanto à indicação ou não de terapia
fonoaudiológica.

Nele constam dados como postura corporal, tipo respiratório,


coordenação pneumofonoarticulatória, pitch e loudness, ressonância,
ataque vocal, articulação dos sons, ritmo, mastigação, deglutição,
sucção, órgãos fono-articulatórios (Sistema Sensório-Motor) e
observações complementares.
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A caracterização dos sujeitos foi realizada com dados desse


mesmo protocolo, no qual foram considerados nome, data de
nascimento, para se certificar da idade atual, hipótese diagnóstica
otorrinolaringológica, hipótese diagnóstica fonoaudiológica e data de
triagem inicial. O levantamento deste protocolo encontra-se no Anexo
III, sendo as crianças do grupo Pré-numeradas de 01 a 21 e as do grupo
Pós-, de 22 a 60.

O critério utilizado para a inclusão das crianças foi o de terem


disfonia (não acompanhada de outros quadros de dificuldades,
neurológicas, mentais ou auditivas), com indicação médica e
fonoaudiológica para a terapia e condições de compreensão para
responder a questionário realizado com quatro perguntas, sem direcionar
as respostas. No caso das crianças em fila de espera, não foram
selecionadas as que tinham tido mais que uma orientação
fonoaudiológica.

Os pacientes foram selecionados da lista de Voz, Canto e pré-


Cirurgia. A faixa etária escolhida foi de 5 a 14 anos, porque é o período
em que a voz ainda pode ser considerada infantil (ZEMLIN, 1988).

4.1.3. Grupos estudados

As 60 crianças foram selecionadas após verificação minuciosa nos


diferentes arquivos mencionados, com levantamento nos prontuários do
Setor de Fonoaudiologia, do Arquivo Geral e Triagens - Voz.
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O grupo Pré-, que ainda não havia tido uma interferência


fonoaudiológica, foi constituído por 21 crianças, dos sexos masculino e
feminino, da faixa etária de 5 a 14 anos. Essas crianças tinham sido
submetidas a uma nasofibroscopia pelo Ambulatório de Laringe e triadas
pelo Setor de Fonoaudiologia. Foram indicadas para tratamento
fonoaudiológico mas aguardavam vaga no setor. As crianças em fila de
espera podem receber mais de uma orientação, dependendo do quadro
apresentado ou da necessidade de se concluir o diagnóstico. Para esta
pesquisa, foram selecionadas crianças apenas com uma orientação
básica, dada no dia da triagem, sem se configurar como intervenção
terapêutica.

O grupo Pós- foi constituído por 39 crianças, das quais 12 já


haviam recebido alta. Foram selecionadas as crianças que se
encontravam em atendimento fonoaudiológico há pelo menos dois
meses. Este período foi escolhido porque, segundo ANDREWS (1998), a
criança quando se submete a um programa de intervenção
fonoaudiológica, passa por quatro fases a saber: a de Conscientização
Geral, a de Conscientização Específica, a de Produção e a de Transporte.
O foco da nossa pesquisa está justamente nas fases de Conscientização
Geral e Específica e para elas a autora considera que o período de dois
meses seja suficiente para que as crianças atinjam as metas do terapeuta,
como acontece com o tratamento realizado na Santa Casa, que é de uma
vez por semana. As 12 crianças que participaram já tinham recebido alta
no período aproximado de um ano. Foram incluídas as crianças em alta
definitiva e circunstancial. Este termo é utilizado pelo Setor de
Fonoaudiologia para caracterizar as crianças que foram afastadas por
apresentarem mais de quatro faltas consecutivas sem justificativa, por
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apresentarem desinteresse ao tratamento, por não estarem mais


apresentando evolução, ou por solicitação dos pais em decorrência de
dificuldades financeiras. Estas crianças foram incluídas na presente
investigação por estarem em acordo com o seu objetivo.

4.2. Procedimento para a coleta de dados

4.2.1. Contato com os grupos Pré- e Pós-intervenção

A coleta de dados foi realizada por meio do recurso metodológico


de entrevista formal, conduzida por questões cujas respostas atendessem
ao objetivo da pesquisa, conforme propõe PÁDUA (2001).

As crianças selecionadas foram contatadas por meio de ligação


telefônica e/ou aerograma, momento em que foi explicado, sucintamente,
que se tratava de uma pesquisa e marcado o dia e a hora para a sua
realização.

No dia agendado os sujeitos ficaram aguardando em uma sala,


também comum a outro ambulatório e, no horário determinado, eram
chamadas juntamente com os pais ou responsáveis.

Em decorrência da demanda do Ambulatório, a sala de entrevista


era designada pela responsável pelo setor, apenas antes do início da
pesquisa.
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De forma geral, as salas do Setor são pequenas, sem tratamento


acústico, divididas por divisórias, sem janelas e com porta, com o
mobiliário semelhante em todas, constituído de uma mesa do tipo
escrivaninha, com materiais de terapia sobre ela (canudos, bolachas e
espátulas), três cadeiras e, na parede, espelho e lousa pequenos.

O contato com os pais foi realizado com o objetivo de se explicar


a pesquisa e se obter a necessária autorização para a realização da
mesma.

O projeto de pesquisa foi apresentado ao pai ou responsável, na


presença da criança, por meio de explicação clara e objetiva acerca do
que se tratava a entrevista, qual a sua intenção, como seria realizada e
qual o destino das respostas.

O pai ou responsável foi alertado de que a qualquer momento


poderia retirar o termo de consentimento e, conseqüentemente, as
respostas da criança deixariam de fazer parte da amostra. Também foi
explicado que as informações eram confidenciais e sigilosas e só a
pesquisadora teria acesso a elas. Após a apresentação dos documentos de
identidade do responsável e da criança, para a identificação de ambos
(Anexo IV), foi oferecido um resumo da pesquisa com os seus objetivos,
metodologia, esclarecimentos das garantias e identificação do
pesquisador (Anexo V). A conversa com o responsável era finalizada
com a assinatura do termo de consentimento (Anexo VI) , seguida da
saída dele da sala de entrevista.
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Após o consentimento do responsável legal, a criança era avisada


que lhe seriam feitas quatro perguntas que, a princípio, não haveria
respostas certas nem erradas e que ela deveria responder o que estava
entendendo e dar a própria opinião. A partir daí, o gravador era acionado
e a criança era submetida às perguntas, acerca da voz e das suas funções.

Para as crianças menores, era oferecida a possibilidade de um


desenho antes das perguntas, para facilitar a interação com a
pesquisadora.

As entrevistas foram realizadas somente com a criança, sem a


presença dos pais, não tendo havido problema de adaptação de nenhuma
delas à situação.

O registro das respostas foi realizado em gravador (G.E. "Personal


Portable Recorder", modelo 3-5027-A) e com fitas cassete (Sony E F X
C 60).

Os dois grupos foram submetidos a procedimentos semelhantes


uma vez que os objetivos eram coincidentes.

A técnica de entrevista por meio de perguntas simples foi


escolhida para a coleta de dados, uma vez que os participantes eram
crianças e por se apresentar coerente com o objetivo proposto.

As digressões das crianças foram controladas pela intervenção da


pesquisadora por meio da repetição da pergunta e de marcadores
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conversacionais, quando ocorriam os desvios dos tópicos de centração,


conforme propõe RODRIGUES (1999).

As intervenções da pesquisadora foram transcritas em negrito e


são do tipo [que mais], [repetição da pergunta] entre outras.

Os dados das fitas foram levantados pela própria pesquisadora, em


transcrição corrida, seguindo os critérios de PRETI (1999) (Anexo VII) .
A seguir digitados em computador, completando um protocolo que
recebeu o nome de “Disfonia Infantil”, onde constam os seguintes dados:
nome da criança, idade, data de nascimento, se estava em tratamento, a
data da pesquisa, se tinha recebido alta ou aguardava vaga, além do
questionário com as quatro perguntas, conforme pode ser verificado
(Anexo VIII). O levantamento deste, foi numerado de um a 60, sendo as
crianças de grupo Pré- as de número 1 a 21 e as do Pós-, 22 a 60.
Omitiram-se os dados pessoais dos pacientes para preservar o sigilo da
pesquisa (Anexo IX).

4.2.2. O Questionário

Considerando-se que a noção de Voz do presente estudo tem uma


perspectiva comunicativa, passaram diversos questionamentos pelos
nossos pensamentos. Interessava verificar:

- se a criança teria conhecimento do que é a voz em geral;


- da sua própria voz e de suas dificuldades;
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- se as alterações na voz lhe trouxeram limitações sociais;


- se o tratamento trouxe, está trazendo ou vai trazer benefícios para
ela;
- como entende ou entendeu a terapia fonoaudiológica;
- se o que ela fez ou faz, ajudou-a ou vai ajudá-la na voz e se acha
que melhorou ou precisa melhorar mais.

Para que pudéssemos verificar tais itens, foi elaborado um


questionário para se aplicar aos dois grupos, composto por quatro
perguntas, como se segue abaixo:

- Para que serve a voz?


- Por que as pessoas usam a voz?
- Por que você trabalha (trabalhou ou vai trabalhar) a sua voz na
terapia fonoaudiológica?
- Você acha que falar serve para quê?

O tempo mínimo para a aplicação dos questionários, mesmo para


as crianças pouco loquazes foi em média trinta minutos.

Essas perguntas foram validadas por meio de um estudo-piloto


realizado com 5 (cinco) crianças atendidas no Setor de Saúde Pública da
Cidade de Salto de Itu, SP e 3 (três) crianças de clínica particular da
Cidade de São Paulo - SP em dezembro de 2000.
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4.3. Procedimento para a análise dos dados das entrevistas

A análise de todo o material referente às 60 entrevistas foi baseada


na proposta metodológica de BARDIN (1977).

Após a realização dessas entrevistas, seguiu-se um período longo


em que se estabeleceu um contato com o material a ser analisado, por
meio de leitura “flutuante”, realizada na íntegra, para que fosse possível
apreciar cada discurso totalmente.

Depois deste período, as entrevistas para cada grupo (Pré- e Pós-),


receberam outra leitura, agora visando ao levantamento de categorias por
blocos de assunto, de acordo com os relatos apresentados.

Esses relatos foram agrupados em categorias maiores, recebendo


símbolos e a seguir foram novamente contabilizados em subcategorias,
desta vez por cores.

Os agrupamentos por aproximações semânticas ligeiras


permitiram representar a informação de maneira condensada e as
categorias foram criadas por meio destas unidades de significação.

Apesar de termos estabelecido previamente perguntas específicas,


as respostas das crianças proporcionaram a emergência de categorias de
análise, que não haviam sido propostas inicialmente (PERRONI, 1996).
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Para que se pudessem delimitar as categorias maiores, foram


contempladas respostas que falavam da voz da seguinte forma:

FUNÇÕES DA VOZ

Para analisar as funções da voz e a sua utilidade foram


identificadas sub-categorias, por meio de palavras ou frases que
apontavam para:

Meio de comunicação, no qual foram consideradas


palavras/frases como “para falar”, “para conversar”, “para conversar
com as pessoas”, “para se comunicar”, “prá gente falar com as pessoas
e as “pessoas falarem com a gente”.

Instrumento de trabalho, identificado no discurso toda a vez que


aparecia palavra ou frase que fizesse menção a trabalho, dinheiro,
profissão, serviço.

Fator de impedimento social, todas as vezes em que apareceram


palavras/frases relativas a dificuldades encontradas socialmente; quando
utiliza a voz para adquirir bens materiais.

Essencial para a vida, quando a criança fez colocações acerca do


mundo, da vida, como: “a voz é tudo na vida”, “a minha voz é a minha
vida”, “a pessoa precisa da voz para poder viver no mundo né?”.
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Expressar sentimentos, quando identificadas palavras do tipo:


“prá falar o que a gente sente”, “prá poder expressar nossos
sentimentos”.

Sinônimo de respiração, quando identificado este último termo.

Sinônimo de fala, este sub-item foi considerado na fala da criança


toda a vez que ela usou termos como: “falar”, “prá falar”.

CONHECIMENTO DO PROBLEMA VOCAL

Para analisar se a criança tinha conhecimento do problema vocal,


foram considerados sub-itens como:

Auto-percepção auditiva, identificada no discurso da criança por


meio de palavras ou frases, do tipo: “falar baixo”, “porque eu sou
rouco”, “porque eu acho que ela é feia e grossa”, “eu mesmo falo baixo
e preciso falar mais alto”.

Localização corporal, quando na fala da criança foram


identificadas expressões como: “cordas vocais”, “na garganta”, “aqui
na garganta”, “cirurgia na garganta”.

Alterações, (cisto, calo) quando identificadas palavras do tipo:


“cisto”, “calo”, “galo”, “carocinho”, “caroço”.
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Fatores desencadeantes e agravantes, quando a criança fez uso


de argumentos do tipo: “também porque eu grito”, “problema na
garganta”, “porque eu ficava gritando”.

Noção do aparecimento, quando a criança fez a menção de que


percebeu o aparecimento do problema por meio de frases do tipo: “eu
era pequena e falava para a minha mãe que a garganta estava doendo”,
“quando eu nasci ele nasceu dos dois lados”.

Melhora ou piora, quando a criança fazia menção a “mas eu não


estou mais rouco”, "a minha voz era alta, agora está sendo leve", tá
sendo bom prá mim”.

TERAPIA

Este item contemplou respostas que levaram aos seguintes sub-


itens:

Restrições, identificadas por meio de colocações do tipo: “eu


grito bastante... não pode”, “é prá mim não gritar”, “prá mim não ficar
falando muito lá em casa”.

Realização de exercícios, quando identificada na fala da criança


referência a exercícios, treinos, em palavras ou frases como: “tenho que
fazer exercícios”, “aí que cada médica passa um exercício”.
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Beber água, quando na resposta da criança foi identificada a


palavra “água”.

Realização de jogos, quando a criança fazia colocações do tipo:


“vamos jogar”.

Identificação do terapeuta: este item foi identificado quando as


crianças citavam a terapeuta, tratando-a pelo nome ou por “doutora” e
comentando sobre o que elas tinham conversado.

VOCABULÁRIO

Este item surgiu em função de, nas sucessivas leituras, ter


aparecido um número maior, e mais específico de palavras para relatar o
problema vocal, tais como os verbos: falar, ler, comunicar, gritar,
conversar, cantar, dialogar, expressar; dos substantivos: cordas vocais,
calo, cisto, jogo, exercício; das que representaram sensações corporais
como: dor, bolo, caroço na garganta; além dos adjetivos: rouca, fanhosa,
soprosa, fina, grossa, alta e baixa.

LOQUACIDADE

Para este item foram consideradas crianças em três categorias:

Muito loquazes, quando para cada resposta elas discorriam


longamente, muitas vezes se distanciando da pergunta inicial.
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Pouco loquazes, quando nas respostas se limitavam a usar frases


simples do tipo: “é prá conversar”.

Moderadamente loquazes (falantes intermediários), para aqueles


que responderam em frase de tamanho médio e exemplificaram para
complementar sua fala.

CITAÇÕES DE REFERÊNCIAS EXTERNAS

Este item surgiu quando nas leituras observou-se que algumas


crianças buscavam a definição do seu problema a partir de citação de
outros. Foi identificado no texto por meio de colocações do tipo: "minha
mãe/pai, tia, doutora, professora, falou", "a minha mãe/pai acha que eu
tenho problema".

RECEIOS

Esta categoria foi privilegiada em função de se ter observado, nas


sucessivas leituras, que algumas crianças manifestavam o receio por
intervenção, a que poderiam se submeter, quer na garganta, quer no
nariz. Foi identificada no texto por intermédio de expressões do tipo: “...
eu vou operar...”, “... fazê operação...”, “... prá mim não precisá
operá...”, “... não quero operá da garganta...”.
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HESITAÇÕES

Esta categoria foi escolhida em função de se ter percebido, através


das leituras, que algumas crianças apresentavam dúvidas ao responder às
perguntas. Para se identificar se elas eram mais ou menos hesitantes, foi
levada em conta a intervenção da pesquisadora, por meio de repetição da
pergunta ou com expressões do tipo “então”. Um outro ponto
considerado foi quando a criança demonstrava dificuldade para
desenvolver o assunto, justapondo frases ou apresentando períodos de
silêncio. Nestes casos, as crianças foram classificadas na categoria de
"hesitou". Quando a criança respondia às perguntas sem demonstrar
dúvidas, era selecionada para a categoria de "não hesitou".

COERÊNCIA NA EXPOSIÇÃO DO TEMA

Este item surgiu uma vez que, em contraposição ao anterior,


muitas crianças eram bem loquazes. A identificação no texto é feita
quando observado que algumas crianças falavam sobre o tema pedido e o
exemplificavam; vivenciavam o problema a ponto de comentar o assunto
não constituindo repetição de fala de outra pessoa. Tal aspecto pode ser
identificado quando a criança, mesmo com poucos adjetivos, ou alguma
hesitação, conseguia definir e explicar o tema pedido, com clareza de
discurso.
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4.4. Procedimento para a aplicação da estatística

Os dados foram submetidos a tratamento estatístico, tendo sido


utilizado o pacote SPSS - Versão 10.0 para a confecção das nossas
listagens.

Foi realizada a descrição da amostra em todas as variáveis


constantes da pesquisa.

O teste Mann-Whitney foi aplicado no sentido de se realizar a


comparação dos dois grupos.

Foi adotado o nível de significância de 5% (0,05) a fim de


detectarmos diferenças estatísticas significativas na comparação dos dois
grupos.

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