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(Artigo) Objeto Impróprio, Ou - Será Mesmo Que A Arte Contemporânea Brasileira Acabou
(Artigo) Objeto Impróprio, Ou - Será Mesmo Que A Arte Contemporânea Brasileira Acabou
ISSN 1981-4062
Nº 30, jan-jun/2022
N°30
http://www.revistaviso.com.br/
CADERNOS DE ESTÉTICA A PLICADA
Partindo de uma análise comparativa de dois conceitos centrais da arte dita contemporânea -
"não-objeto", de Ferreira Gullar, e "objetos específicos", de Donald Judd - o artigo põe em
questão a herança construtiva brasileira e, com ela, a susbsistência da 'arte contemporânea
brasileira".
Palavras-chave
arte contemporânea brasileira; neoconcretismo; o contemporâneo; Ferreira Gullar; Donald Judd
ABSTRACT
Inappropriate Object, or: Has Brazilian Contemporary Art Really Ended?
Starting witha comparative analysis of two central concepts of so-called contemporary art -
"non-object", by Ferreira Gullar, and "specific objects", by Donald Judd - the essay challenges
the idea of a Brazilian "constructive heritage" and along with it, the value of so-called "Brazilian
contemporary art".
Keywords
brazilian contermporary art; neoconcretism; the contemporary; Ferreira Gullar; Donald Judd
LEONIDIO, Otavio. “Objeto impróprio, ou: Será mesmo
que a arte contemporânea brasileira acabou?”. Viso:
Cadernos de estética aplicada, v. 16, n° 30 (jan-
jun/2022), p. 56-105.
DOI: 10.22409/1981-4062/v30i/486
© 2022 Otavio Leonidio. Esse documento é distribuído nos termos da licença Creative
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original work is properly cited and states its license.
License: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
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O texto fundador do Neoconcretismo, pra mim, é
Teoria do não-objeto. Só que eu me dei conta de
que, até aquele momento, em 1970, que foi quando
eu fiz as Inserções em circuitos ideológicos, havia
uma teoria do não-objeto mas de fato não havia um
não-objeto. Porque, no que era chamado de não-
objeto, o objeto ainda estava ali
Cildo Meirelles, Praticamente tudo é um ato de inserção.1
1.
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objeto) pelo crítico e artista minimalista estadunidense Donald
Judd (1928-1994).
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Hélio Oiticica (Jeu de Paume, Paris, 1992); Lygia Clark (Barcelona, Marselha, Porto,
Bruxelas e Rio, 1999).
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escultura avant-garde que emergiu nos anos
60, como da body art posterior, apesar de que
Lygia pode ser considerada como uma
inovadora em termos puramente escultóricos,
tal como pode ser considerada como uma
pioneira do ‘retorno ao corpo’, muitas vezes
descrito como uma das características mais
marcadas da arte recente. Por exemplo, a obra
de borracha de Lygia Clark, Obra mole,
antecipou em vários anos algumas obras
como as esculturas de feltro mole de Robert
Morris e a Rosa Esman’s Piece, em borracha,
de Richard Serra (um fato desconhecido pela
história da arte europeia e americana). As suas
Máscaras abismo têm paralelos a um nível
formal com os pesos pendurados em redes de
Eva Hesse, como a escultura Sem título, de
1966, mas as diferenças são óbvias. As peças
de Morris, de Serra e de Hesse são objetos
para a vista. As de Lygia Clark não tem
existência nem significado sem o suporte e a
manipulação do ser humano.8
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Eloquentemente, a leitura de Brett reproduz quase que
literalmente um dos argumentos centrais de Teoria do não-
objeto, segundo o qual
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L. Clark, Bichos, 7ª Bienal SP (1963), Foto: Athayde de Barros .13
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J. Vermeer, A leiteira, 1657-58; P. Mondrian, Composição II, 1930.
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não pretende designar um objeto negativo ou
qualquer coisa que seja o oposto dos objetos
materiais com propriedades exatamente
contrarias desses objetos. O não-objeto não é
um antiobjeto mas um objeto especial em que
se pretende realizada a síntese de experiências
sensoriais e mentais: um corpo transparente
ao conhecimento fenomenológico,
integralmente perceptível, que se dá à
percepção sem deixar rasto. Uma pura
aparência.17
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“quase objetos”)21 não é fortuita. Como argumenta Jacques
Derrida, a ideia de transparência é, de fato, um dos elementos
essenciais da ideia (e além dela, do ideal) de “pura significação”,
na qual
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se confundir com meros objetos cotidianos (não-estéticos,
portanto).
A esse respeito, aliás, Gullar e Judd pareciam estar uma vez mais
alinhados: tanto “não-objeto” quanto “objetos específicos” não
se confundiam absolutamente com meros objetos cotidianos;
eram, em ambos os casos, objetos extra-ordinários.
Significativamente, tanto Judd quanto Gullar estabelecem a
excepcionalidade categórica de seus objetos extraordinários por
oposição àquilo que efetivamente não eram nem poderiam ser:
objetos ordinários. A primeira definição de não-objeto proposta
por Gullar em sua Teoria não poderia sem mais explícita a esse
respeito. Em suas palavras,
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objeto: o não-objeto não se esgota nas
referências de uso e sentido porque não se
insere na condição do útil e da designação
verbal.26
2.
Uma leitura atenta dos escritos de Judd deixa claro que foram
de fato necessárias centenas de resenhas até que Judd
chegasse, em 196529, a sua descrição dos “objetos específicos”
(porque Objetos específicos é basicamente uma descrição do
novo trabalho, em contraste com a teoria gullariana do não-
objeto).
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Ter feito crítica como um “mercenário” (como alegou certa vez
Judd) 30 foi de fato uma vantagem; ajudou Judd a despojar a
crítica de arte de seu congênito excepcionalismo. Lendo as
resenhas de Judd, percebe-se que, ao fim e ao cabo, a crítica de
arte consiste (ou pelo menos pode consistir) em olhar
atentamente para determinados objetos e descrevê-los a suas
leitoras. Ocorre que, no início dos anos 1960, esses objetos
vinham se tornando cada vez mais intrigantes, notadamente no
que diz respeito ao contraste que mantinham (ou pelo menos
deveriam manter) com relação aos objetos ordinários.
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Robert Morris, Slab (Black, White and Gray) 1964.34
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fundamental, Black, White and Gray era de fato desconcertante:
a maioria dos trabalhos expostos visivelmente desafiava esse
axioma. Os trabalhos de Morris, em particular, sintetizavam o
que Judd descrevia como “a visão achatada e não hierárquica
da exposição”:
Ele não teria de começar do zero, contudo: Black, White and Gray
tinha lhe ensinado algumas coisas importantes sobre “como o
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mundo é” – notadamente isto: no “modo mais mínimo”, tudo que
existe, existe igualmente. Uma das peças de Morris, em
particular, atestava isso. Slab era de fato “quase nada” e “mal
estava presente”; e, no entanto, Slab tinha boa parte das
qualidades que Judd supunha serem essenciais para a arte. Era,
afinal, propositadamente construída, sem utilidade e não
identificável. E era construída para existir de modo mais claro e
importante do que objetos comuns. De resto, Slab não era
apenas arte como ideia (como era o caso da maioria dos
trabalhos na exposição anterior de Morris, que eram “mais
específicos e complexos como ideias”) 42 mas, de fato,
interessante de ver – bem mais interessante de ver, aliás, do que
os três outros trabalhos de Morris expostos em Black, White and
Gray.
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escultura, mas que tampouco se pareciam com meros objetos
reais.44
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Lee Bontecou, Untitled, 1965.
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Robert Morris, L Beams, 1965.
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medida em que eram propositadamente construídos, sem
utilidade e não identificáveis; construídos para existir de modo
mais claro e importante do que objetos ordinários – numa
palavra, construídos como arte), eles não se limitavam a
reivindicar o status institucional de “arte”. Eram, de fato,
interessantes de ver; interessantes de um modo que nem a
pintura nem a escultura tradicionais eram. Daí, precisamente,
seu aspecto paradoxal: como podiam ser eles extra-ordinários
se pareciam tão ostensivamente ordinários?
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se tornassem “específicos” e “interessantes”. E era exatamente
isso o que Morris tinha sido capaz de fazer: ele tinha conseguido
produzir objetos que diferiam não apenas dos objetos de arte
convencionais, mas também dos objetos comuns.
3.
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Para Fried, de resto, essa incapacidade não se restringia ao
objeto ele mesmo, mas compreendia uma dimensão muito mais
ampla e importante: a ordem espaço-temporal que, segundo ele,
caracterizava a realidade ordinária. Segundo Fried, era este, de
fato, o grande pecado do Minimalismo: a incapacidade de (e
além dela, o total desinteresse em) transformar “presença” (o
estado no qual, alegadamente, todos nós, querendo ou não,
ordinariamente vivíamos) em “presentidade” – estado que Fried
associava à condição extática, quase religiosa, de “graça”.
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único e infinitamente breve instante fosse
longo o suficiente para ver tudo, para
experimentar o trabalho em toda sua
profundidade e integridade, para ser para
sempre convencidos por ele. (Cabe notar aqui
que o conceito de interesse supõe a
temporalidade na forma de uma atenção
contínua dirigida ao objeto, o que não ocorre
com o conceito de convicção.) Quero afirmar
que é por força de sua presentidade e
instantaneidade que a pintura e a escultura
modernistas derrotam o teatro.54
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era tudo menos ordinário. Uma arte que nos fazia ver que,
contrariamente ao que afirmava Fried, nós simplesmente não
somos “literalistas na maior parte de nossas vidas” 56, muito pelo
contrário.
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particulares de estilo e estrutura tomadas por
Judd.59
4.
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revelar o sentido da obra – e o espectador passa da
contemplação à ação” (sugerindo com isso que essa ação se
daria no tempo ordinário/histórico 64 da vida, e não na
intemporalidade da contemplação estética). Dito isso, contudo,
ele afirma que “o espectador age, mas o tempo de sua ação não
flui, não transcende a obra, não se perde além dela: incorpora-se
a ela, e dura” – uma ideia, em parte pelo menos, alinhada com a
suspensão temporal que Fried atribui a uma “presentidade
contínua e plena, equivalente, por assim dizer, à criação perpétua
de si mesma”.65
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“premissa[s] de ordem transcendental”, era chegada a hora –
uma vez passada a “época neoconcreta” – de superar esse
compromisso.
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todo: o insuperável compromisso com a construtividade. Uma
construtividade que, desde meados dos anos 1920, em suas
múltiplas configurações71, sempre esteve no centro do que
descrevi em outra ocasião como “o doloroso percurso histórico
que aos trancos e barrancos, bem ou mal, nos conduziu do
modernismo ao moderno e do moderno ao contemporâneo”. 72
Brasil diarreia, uma vez mais, é exemplar nesse sentido: se por
um lado, Hélio segue afirmando a necessidade de “construir”, de
assumir uma “posição construtiva”, por outro lado, pergunta (a
si mesmo?), desafiador: “quem ousaria enfrentar o surrealismo
brasileiro?” – uma pergunta que, pela simples conjugação
destes dois termos, “surrealismo” e “brasileiro”, soa quase
escandalosa a ouvidos moldados pela ideologia construtiva.
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construtivas) nas diversas etapas do nosso “desenvolvimento”
moderno, passa a optar, como faz tão exemplarmente Cildo, por
inserções parasitárias e disruptivas numa modernização com a
qual, sobretudo a partir de 1964, já não é mais capaz de se
identificar.
Uma vez mais, não se trata aqui de fazer o elogio da arte que
porventura supera as ambivalências, compromissos e
contradições do Neoconcretismo e, no limite, da modernização
conservadora que lhe é inerente (como ocorre com obras
verdadeiramente relevantes, a produção de Cildo é atravessada
por suas próprias contradições e compromissos)76, mas de
investigar como, na prática, esse esforço de superação se dá.
Dito de outro modo, em vez de buscar comprovar (ou desmentir,
pouco importa) a tese de que, como quer Cildo, passados dez
anos de sua publicação, “havia uma teoria do não-objeto mas de
fato não havia um não-objeto”, interessa identificar de que modo
e em que sentido, exatamente, suas (supostamente não-
objetuais) Inserções em circuitos ideológicos divergiam não
apenas do conceito de “não-objeto” de Gullar, mas sobretudo dos
“não-objetos existentes” a que Gullar alude, mas que não chega
propriamente a identificar, em sua Teoria.77
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pressupõem essa coisa que se dispersa”, e que, portanto,
ressalta ele, “sempre me recusei a comercializar”, Cildo tem
plena consciência de que, inevitavelmente, elas “vão cair na mão
de alguém ... É o mundo da arte”.78
5.
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Jota Mombaça e Patrícia Tobias, Corpo Colônia, Que pode o Korpo?, 2013.82
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quando a fantasia – mesmo a fantasia erótica – era uma palavra
para a conta do observador” [one word for the viewer’s share].88
Não por acaso, esse outro Minimalismo (que, pelo menos até o
momento em que Wagner escrevia, em meados dos anos 1990,
seguia obliterado pelas leituras objetuais, anti-eróticas e,
portanto, eminentemente repressoras de Morris e Fried) tinha à
sua frente duas mulheres: Lucy Lippard e Yvonne Rainer.
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Mas, repare-se: não se trata aqui de reiterar um conceito
colonialista/neocolonialista de propriamente estético – antes o
contrário. Não por acaso, no centro da reflexão de Ferreira da
Silva está a desconstrução do discurso “crítico” moderno, com
destaque para seus postulados kantianos e neokantianos. Entre
as inúmeras contribuições da reflexão de Ferreira da Silva está,
por isso mesmo, a sutura do corte epistemológico que separa
“compreensão” e “ação” – como se sabe, um dos pilares
epistêmico-políticos do pensamento moderno (sobre o qual se
assenta justamente a separação entre o propriamente estético e
o propriamente político).93
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epistemologicamente próprios) em um objeto impróprio:
anacrônico, atópico, destemporâneo.
Para que ele venha a existir será preciso, contudo, mais do que
revisões historiográficas, desconstruções acadêmicas ou
ensaios críticos (☝). Será preciso, eu suspeito, que as novas
gerações de artistas a que me referi agora há pouco vejam
interesse no Neoconcretismo e que, assim, se disponham a
fazer dele um outro objeto.
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Lyz Parayzo, Top dentado, 2018, foto Ana Pigosso; Bixinha, 2018, edição por Ana
Pigosso, foto Eduardo Ortega.102
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um “não-objeto”, manipulam e interagem com um super-objeto:
o objeto/não-objeto mágico e aurático que, junto com alguns
poucos outros super-objetos (com destaque para os Parangolés
de Oiticica) nos abriu as portas para “O Contemporâneo”,
inaugurando com isso a “arte contemporânea brasileira”.
Helio Oiticica, Relevo Espacial V11 (1959/98), Foto Juan Guerra.104; Helio Oiticica, Relevo
Espacial calcinado, carregado por Neville d’Almeida, Rio de Janeiro, 17 de outubro de
2009. Foto minha.
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violência. Parafraseando Gullar, se os Bichos reclamam o
participante, “não como testemunha passiva de sua existência,
mas como condição mesma de seu fazer-se”, Bixinha reclama
um participante-cúmplice, não como mera testemunha passiva,
mas como condição mesma de seu desfazer-se.
Que tenham sido necessários tantos anos para que essa re-
objetificação ocorresse é por si só indicativo da força
persistente da ideologia construtiva brasileira. É indicativo
também do alcance e significado da ação de Parayzo.
Quantas outras Bixinhas virão por aí? Quantas outras ações irão
inapropriar o Neoconcretismo e, além dele, nossa “tradição” ou
“herança” construtiva? Seguirão esses trabalhos sendo
chamados, e sobretudo admitindo ser chamados, de
“contemporâneos”, de “brasileiros”, de “nossos”? É difícil dizer.
Só depois disso, em todo caso, será possível dizer se a arte
contemporânea brasileira acabou ou não.107
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Lyz Parayzo, Bandeira #2, 2021. Foto de Ana Pigosso.108
Referências bibliográficas
BRETT, Guy. “Lygia Clark: seis células”. In: Lygia Clark. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies; Marseilles: MAC; Porto: Funcação
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Serralves; Bruxelles: Société des Expositions du Palais des Baux-
Arts; Rio de Janeiro: Paço Imperial/MinC, 1999, p. 17-35.
_____. “The Crux of Minimalism”. In: _____. The Return of the Real.
Cambridge [MA] and London: The MIT Press, 1996, p. 35-69.
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
_____. “Art and Objecthood”. Artforum, v. 5, n. 10 (Summer 1967),
p. 12-23.
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
KRAUSS, Rosalind. “A View of Modernism”. Artforum, v. 11, n. 1,
(Sept. 1972), p. 48-51.
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NGAI, Sianne. “Merely Interesting”. Critical Inquiry, v. 34, n. 4
(Summer 2008), p. 777-817.
OITICICA, Helio. “Brasil diarreia” [1970]. In: Arte brasileira hoje. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1973, p. 147-152.
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
_____. A Critique of Postcolonial Reason. Toward a History of the
Vanishing Present. Cambridge (MA): Harvard University Press,
1999.
1
LEONIDIO; MULLER, 2022.
2
GULLAR, 2007 [1959], p. 93.
3
LIPPARD; CHANDLER, 2013; MORRIS, 1968.
4
Esclareço que não adotei a (excelente) tradução que Pedro Süssekind fez
de Objetos específicos (FERREIRA; COTRIN, 2009, p. 96-106) por julgar que, no
contexto deste ensaio, uma tradução mais literal do texto de Judd era
recomendável (a exemplo do que ocorre nesta frase, onde, em vez de “os
melhores novos trabalhos”, optei por “o melhor novo trabalho”, no singular).
Ressalto, de resto, que mesmo em sua versão original, em inglês, o texto de
Judd soa muitas vezes estranho. Judd, aliás, foi demitido em 1965 da revista
Art International justamente por conta de sua escrita “sem forma” e
“cambaleante” (James Fitzsimmons, “Letter to Donald Judd” [Apr. 24, 1965].
Reproduzida em JUDD, 2005, p. 171. Minha tradução). Nessa estranheza,
contudo, reside a excepcionalidade e a força do texto de Judd.
5
V. FOSTER, 2009.
6
V. FOSTER, 1996.
7
LEONIDIO, 2013.
8
BRETT, 1999, p. 24.
9
“Um passeio pelas caixas do passado” [1967]. In: PEDROSA, 2007, p. 154.
10
GULLAR, 2007, p. 100.
11
V. NGAI, 2008.
12
“The idea is clever. The style is ordinary capable constructivism.” JUDD,
1963a. Minha tradução.
13
Fonte: http://www.bienal.org.br/exposicoes/7bienal/fotos/3871
14
In: BATTCOCK, 1995, p. 123-124. Minha tradução.
15
In: BATTCOCK, 1995, p. 149. Minha tradução.
16
Frank Stella. In: BATTCOCK, 1995, p. 150-151. Minha tradução.
17
GULLAR, 2007, p. 90.
18
Derrida apud RODRIGUES, 2008, p. 92.
100
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19
GULLAR, 2007, p. 95.
20
V. BOHRER, 1994.
21
GULLAR, 2007, p. 94-95.
22
Derrida apud RODRIGUES, 2008, p. 98-99.
23
GULLAR, 2007, p. 91.
24
V. DANTO, 2010. A exemplo do que ocorre com outros autores, em Gullar
essa transfiguração do objetual em não-objetual é também acompanhada de
uma série de outras transfigurações: do conceitual ao estético, do mundano
ao transcendental, do trivial ao especial, da significação convencional e
linguística à pura significação.
25
Fonte: https://noyesmuseum.org/online-art-projects
26
GULLAR, 2007, p. 94.
27
São, salvo engano, 42 ocorrências da expressão “não-objeto” no singular,
contra apenas três ocorrências de “não-objetos” no plural. Gullar faz aqui,
claramente, uma opção por dar conta do conceito de não-objeto em
detrimento do que chama de “não-objetos existentes”: “Nessa altura, cabe
esclarecer que não digo como deve ser o não-objeto, mas apenas defino o
que já existe, o que está feito. A maioria dos não-objetos existentes implicam,
de uma forma ou de outra, no movimento sobre ele do espectador ou do
leitor” (GULLAR, 2007, p. 99). Na publicação original de Teoria do não-objeto,
no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil de 19 e 20 de dezembro de 1959,
há uma nota (não reproduzida em pelo menos duas reedições da Teoria, em
especial a “caixa” publicada em 2007 pela editora Cosac & Naify) na qual
Gullar afirma: “A expressão não-objeto foi, por sugestão minha, adotada por
Lygia Clark para designar os seus últimos trabalhos que são construções
feitas diretamente no espaço. Mas o sentido de tal expressão não se restringe
a ser o nome de trabalhos particulares, pois não-objetos são também as
esculturas de Amílcar de Castro e Franz Weissmann, as últimas obras de
Hélio Oiticica, Aloisio Carvão e Décio Vieira, bem como os livro-poemas dos
poetas neoconcretos”.
28
JUDD, 1965, p. 74. Minha tradução.
29
Na Introdução de Complete Writings Judd afirma que “Specific Objects” foi
publicado “talvez um ano após ter sido escrito”. JUDD, 2005, p. vii. Minha
tradução.
30
“Escrevi crítica como um mercenário e jamais teria feito isso de outro
modo”. JUDD, 2005, p. vii. Minha tradução.
31
JUDD, 1964b. Minha tradução.
32
JUDD, 1963b, p. 32. Minha tradução.
33
A exposição ocorreu no Wadsworth Atheneum, Hartford, Connecticut, entre
9 de janeiro e 9 de fevereiro de 1964.
34
FONTE: https://docplayer.com.br/187842593-Patricia-leal-azevedo-correa-
robert-morris-em-estado-de-danca-tese-de-doutorado.html
35
JUDD, 1964a, p. 36. Minha tradução.
101
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
36
JUDD, 1964a, p. 37. Minha tradução.
37
V. DANTO, 2010.
38
JUDD, 1964a, p. 38. Minha tradução. Outra definição de arte de Judd é:
“Algo tem claramente de ser arte – isto é, já desenvolvido e reconhecível”.
JUDD, 1963b, p. 32. Minha tradução.
39
JUDD, 1964a, p. 37. Minha tradução.
40
In: BATTCOCK, 1995, p. 151. Minha tradução.
41
In: BATTCOCK, 1995, p. 151. Minha tradução.
42
JUDD, 1964a, p. 37. Minha tradução.
43
JUDD, 1964b, p. 63. Minha tradução.
44
Não estou evitando o uso da palavra “teoria” à toa. Como destacou David
Raskin, a atitude de Judd estava inteiramente sintonizada com o argumento
de William James de que, em contraste com “o temperamento da filosofia” –
em especial, com o “temperamento racionalista”, o pragmatismo não era uma
teoria, mas “apenas um método” – um método que rejeita “razões a priori
ruins”, “princípios fixos” e “sistemas fechados” em favor de “concretude e
adequação”, “fatos” e “ação” (RASKIN, 2010, passim. Minha tradução). A
leitura que Suzanne P. Hudson faz da “pintura pragmatista” de Robert Ryman
enfatiza algo semelhante (HUDSON, 2009, p. 22-23).
45
JUDD, 1964c, p. 64. Minha tradução.
46
FONTE: MoMA, New York, 1964, catálogo da exposição Twentieth Century
Engineering.
47
FONTE: MoMA, New York, 1964, catálogo da exposição Twentieth Century
Engineering.
48
GULLAR. 2007, p. 92.
49
Cf. AUSTIN, 1962.
50
DE DUVE, 2001, p. 25. Minha tradução. Vale notar, contudo, que se
Duchamp intui que seu performativo poderia ser eficaz (ou, para usar a
terminologia de Austin, “feliz”), ele se assegura de complementá-lo com
alguns importantes gestos: colocar o urinol na posição vertical, colocá-lo
sobre um pedestal e apor sobre sua Fonte uma assinatura autoral
51
DANTO, 2010, p. 163.
52
FRIED, 1967, p. 15. Minha tradução.
53
BOHRER, 1994, p. 137. Minha tradução.
54
FRIED, 1967, p. 22. Minha tradução.
55
Estou reproduzindo/parafraseando a terminologia empregada por Stella e
Judd ao longo da famosa entrevista de 1964. In: BATTCOCK, 1995, passim.
Minha traduação.
56
FRIED, 1967, p. 23. Minha tradução.
57
FONTE: Wikiart.
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
58
FRIED, 1964, p. 26. Minha tradução.
59
FRIED, 1964, p. 26. Minha tradução.
60
Era justamente por essa razão que, nas palavras de Fried, a pintura recente
de Stella havia se tornado “impalatável para a sensibilidade literalista” (FRIED,
1966, p. 24. Minha tradução).
61
FRIED, 1966, p. 22. Minha tradução.
62
JUDD, 1969, p. 184. Minha tradução.
63
GULLAR. 2007, p. 97. Ênfase minha.
64
LEONIDIO, 2015.
65
FRIED, 1967, p. 22. Minha tradução.
66
In: FERREIRA; COTRIN, 2009, p. 159.
67
In: FERREIRA; COTRIN, 2009, p. 157. Ênfase minha.
68
Em contraste como isso se deu nos Estados Unidos, por exemplo, onde o
rompimento aberto com o modernismo é o móvel principal dessa
constituição. V. KRAUSS, 1972.
69
OITICICA, 1973, p. 150.
70
OITICICA, 1973, p. 147.
71
Ao romper com o modernismo Sérgio Buarque de Holanda denunciava –
em 1926! – “as ideologias do construtivismo”, “essa panaceia abominável de
construção”. Apud LEONDIO, 2008, p. 94-95.
72
LEONIDIO, 2013.
73
FONTE: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra12915/parangole-p15-
capa-11-incorporo-a-revolta
74
LEONIDIO; MULLER, 2022.
75
“No Brasil os movimentos inovadores apresentam, em geral, essa
característica única, de modo específico, ou seja, uma vontade construtiva
marcante. Até mesmo no Movimento de 22 poder-se-ia verificar isto, sendo,
a nosso ver, o motivo que levou Oswald de Andrade à célebre conclusão do
que seria nossa cultura antropofágica, ou seja, redução imediata de todas as
influências externas a modelos nacionais. Isto não aconteceria não
houvesse, latente na nossa maneira de aprender tais influências, algo de
especial, característico nosso, que seria essa vontade construtiva geral. Dela
nasceram nossa arquitetura e, mais recentemente, os chamados
movimentos Concreto e Neoconcreto, que de certo modo objetivaram de
maneira definitiva tal comportamento criador” (FERREIRA; COTRIN, 2009, p.
155).
76
A ênfase no indivíduo, reiterada na entrevista aqui publicada, é, me parece,
um desses limites.
77
Ver nota 27 acima.
78
LEONIDIO; MULLER, 2022.
79
Ver, por exemplo, KOSELLECK, 1999.
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Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
80
OITICICA, 1973, p. 147.
81
Para lançar mão da expressão de Ivana Bentes (2020).
82
FONTE: https://vimeo.com/64778343
83
MARQUES, MATTOS, ZIELINSKY, CONDURU, 2013.
84
V. QUINDERÉ, 2022.
85
V. LABRA, 2014.
86
Em princípio, pelo menos, a questão é válida para o “Contemporâneo” como
um todo. Sua mera transformação em “Contemporâneo Global” é nesse
sentido, ou essencialmente vazia, ou simplesmente cínica.
87
WAGNER, 1995, p. 16. Minha tradução.
88
WAGNER, 1995, p. 13. Minha tradução.
89
BRITO, 1999 [1975], p. 77 e 83, respectivamente.
90
MARQUES, MATTOS, ZIELINSKY, CONDURU, 2013. Não cito Conduru à toa.
Trata-se de um estudioso tanto do Neoconcretismo quanto do papel do
“agente preto como fator da modernização brasileira”. Poderia citar também
Rafael Cardoso, que tem ampliado e complexificado nossa compreensão do
modernismo brasileiro. V. CARDOSO, 2022.
91
V. SPIVAK, 1999. Sobre os limites do discurso decolonial no campo da
literatura, ver BRUGIONI, 2019.
92
FERREIRA DA SILVA, 2020, p. 39. Walter Mignolo se referiu a esse
fenômeno como a colonização da “aesthesis” pela noção moderna/kantiana
de “estética”. MIGNOLO, 2010.
93
“For even Adorno’s proposition of the artwork as ‘sedimented’ content relies
on the very distinction between the empirical and the aesthetic which
presumes the empirical as the site of intervention of the understanding […]”.
FERREIRA DA SILVA, 2018. Ênfase minha.
94
Cf. LEONIDIO, 2021.
95
Não me refiro apenas aos chamados “arquivos históricos”, mas ao que
Foucault chamou de “enunciado”. FOUCAULT, 1969.
96
V. “A idade da história” in FOUCAULT, 2000, p. 297-303.
97
HARTMAN, 2008, p. 11. Spivak tratou disso de modo contundente. “Esse
espaço filosófico, entretanto, não acomoda a mulher que imola a si mesma”
(SPIVAK, 2010, p. 100).
98
V. PRECIADO, 2020.
99
Sou grato a Bernando Bazani por chamar minha atenção para esse aspecto
específico do trabalho de Parayzo.
100
RJEILLE; CARNEIRO, 2019.
101
RJEILLE; CARNEIRO, 2019.
102
FONTE: https://www.premiopipa.com/pag/artistas/lyz-parayzo/
104
jan-jun/2022
Viso: Cadernos de estética aplicada n. 30
103
Desenvolvo a noção de “inapropriação” em LEONIDIO, 2022 (inédito). Trato
ali, em especial, das inapropriações feitas por Adirley Queirós em Branco sai,
preto fica e Carlos M. Teixeira em Brasília: Cidade Serrado.
104
FONTE: http://www.bienal.org.br/post/263
105
Fonte: https://revistacult.uol.com.br/home/la-bete-dois-anos-depois-
wagner-schwartz/
106
Apud SANDES, 2018, p. 98.
107
Agradeço a leitura e os comentários de Bernardo Basani e Natália
Quinderé. Sou grato também aos mestrandos e doutorandos que
participaram de dois seminários que conduzi nos programas de Pós-
Graduação em Arquitetura e História Social da Cultura da PUC-Rio no
segundo semestre de 2021 e primeiro semestre de 2022. A elas e eles, minha
gratidão.
108
FONTE: https://www.premiopipa.com/pag/artistas/lyz-parayzo/
105