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A nova ordem mundial Como por forca de alguma lei natural, parece que em cada século surge um pais com poder e vontade, impeto intelectual e forga moral para moldar todo o sistema internacio- nal aos seus proprios valores. No século XVIL a Franga do cardeal Richelieu introduziu a maneira moderna de tratat as relagdes internacionais, baseada no estado-nagio e tendo 05 préprios interesses nacionais como objetivo permanente. No século XVIII, a Inglaterra criou o conceito de equilfbrio de poder, anos seguintes. No século XIX, a Austria de Metternich reconstruiu o Concerto Europeu a Alemanha de Bismarck o demoliv, politica de poder a sangue-frio. No século XX, nenhum pal forte —e ao mesmo tempo tao ambivalente — como os Estados Unidos. Nenhuma socie- dade foi tio firme em nao a que dominou a diplomacia europeia nos 200 reconduzindo a diplomacia europeia ao jogo da {fs influenciou as relagdes internacionais de maneira tio mitir intervengSes nos assuntos internos de outros estados, ‘ue seus proprios valores tém aplicagao universal. Nagio sm mais fervor 4 alguma foi mais pragmética ne conduta diplomtica do dia a dia, nem mais ideolégica morais. Pafs nenhum de alcance amplitude sem precedentes. mas sustentou CO’ nas convicgdes relutou mais em engajar-se no exterior, enquanto fez aliangas e assumiut ‘compromisso: As peculiaridades que os Estados Unidos se atribuiram ao longo da histéria result: a ram em duas posturas ve radiérias de politic externa, Primera, a de que os Estad los 2 | DIPLOMaCIA Unidos methor atendem aos seus valores aperfeigoando a democracia em casa e servindo, assim, de farol para o resto da humanidade; segunda, a de que os valores american poem a0s Estados Unidos a obrigaglo de promové-los no mundo inteiro. Dividido 10s im- nostalgia de um passado limpo ¢ 0 desejo de um futuro perfeito, o pensamento am, entre a, iericano tem oscilado entre o isolacionismo e o engajamento, embora predomine, desde o fim dg Segunda Guerra Mundial, a realidade da interdependéncia. Ambas as escolas de pensamento — a dos Estados Unidos como farol ea dos Estados Unidos messianico — partem de que a normalidade é uma ordem internacional global baseada na democracia, no livre comércio e na obediéncia internacional das leis, Consi- derando que um sistema dessa natureza jamais existiu, sua invoca¢do as outras sociedades ‘ais parece ut6pica, se nao ingénua, Mesmo assim, 0 ceticismo estrangeiro nunca abalou 0 idealismo de Woodrow Wilson, Franklin Roosevelt, Ronald Reagan, aliés, de nenhum Presidente americano do século XX. De certa forma, estimulou mesmo a crenga americx za de que a historia pode ser deixada de lado, e se o mundo realmente deseja a paz, deve aplicar as receitas morais americanas, Ambas as escolas de pensamento brotaram da experiéncia americana. Apesar de haver existido outras reptiblicas, nenhuma foi conscientemente criada ara vindicar a ideia de liberdade. Povo nenhum de outro pats decidiu vir Para um novo continente com 0 intuito de domar-the a imensidao para criar a liberda ide e a prosperidade de todos. Deste modo, duas abordagens, a isolacionista ea missionéria, tHo contraditérias na superficie, refletiam “renga comum de que os Estados Unidos detinham o melhor sistema de governo do mundo © que © resto da humanidade poderia ter Paz ¢ prosperidade abandonando a diplomaci= ‘radicional e adotando 0 respeito americano pela legalidade internacional e a democracis. ‘\ Passagem americana pela politica internacional demonstra o triunfo da fE sobre SvPetiénca, Desde sua entrada na arena politica mundial, em 1917, os Estados Unidos ‘ém se mostrado tao imbativeis em forsa e tao . Principais acordos internacionais deste século foram a materializagao dos valores cae 1d-Kellog & Carta das Nagbes Unidas ¢44' : 10 soviético foi a confirmacio intelectual 6 ironicamente, ‘ undo deixou os Estados Unidos frente ao tipo de ™ do qual tentaram fugir por toda s ta, “anos — da Liga das Nagoes e do Pacto Brian Final de Helsingue. © colapso do comunismn, ideais americanos ¢, am ‘ : oper s elevados, € muito mais competem que ¢ ‘Anova ordem mundial | 3 pela primeira vez, os Estados Unidos O que, sim, é novo na ordem das coisas é que, me nao querem mudar nao podem nem largar do mundo nem domini-lo. Nao pode: a maneira como sempre viram seu papel através dos tempos. Quando pisaram a are- na internacional, os Estados Unidos eram jovens e fortes, tinham o poder de fazer 0 mundo ajustar-se a sua visdo das relagoes internacionais. Ao fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o pais era tao poderoso (em dado momento, cerca de 35% de toda a produgao econémica do mundo era americana) que parecia destinado a moldar 0 mundo as suas preferéncias. John F. Kennedy declarou atrevidamente, em 1961, que os Estados Unidos tinham forca para, “a qualquer prego, com quaisquer 6nus,” garantir o triunfo da liberdade. Trés décadas depois, os Estados Unidos esto em pior posigao para insistir na realizagao ime- diata de seus anseios. Outros paises ganharam status de grande poténcia. Os Estados Uni- dos tém agora 0 desafio de atingir suas metas por etapas, cada qual um amélgama de valores americanos e necessidades geopoliticas. Uma dessas novas necessidades é que um mundo com virios estados de forga equivalente deve basear sua ordem em algum concei- 0 — ideia com a qual os Estados Unidos jamais se deram bem. americano em politica externa e a tradi¢io diplomatica euro- encia de Paz de Versalhes, em 1919, a diversidade na expe- to de equilibri Quando o pensamento peia se enfrentaram na Confer ridncia histérica de ambos ficou evidente. Os lideres europeus queriam renovar o sistema os promotores americanos da paz achavam que a tos geopoliticos sem solugdo, mas das erradas pré- ze Pontos, Woodrow Wilson disse aos europeus existente segundo métodos familiares; Grande Guerra nao resultara de conflit ticas europeias. Em seus famosos Quator intZo o sistema internacional deveria basear-se nto mo equilibrio de poder rminagao étnicas que sua seguranga nfo via de aliangas militares mas a; e que sua diplomacia nao podia mais ser conduzida secretamente pasear-se em “acordos abertos, negociados ’s claras”, Wilson viera, mm de remodelar todo um sistema de relagbes internacionais pra- os que de discuti os termos da conclusio da guerra ou restau- quea partir dee ¢ sim na autodete da seguranga coletiv’ por especialistas ¢ sim evidentemente, mais a fi ticado por quase trés sécul dem internacional antes existente. «m sobre politica externa, tio de poder. E desde que a Europa vit-se obrigada a levar seus lideres veem com maus olhos a missio de re- rar aol ‘os americanos atribuem as dores da Desde quando reflete! stema do equill litica exterior ™ :stados Ui Europa ao si i : mericanay snidos se atribue aie atuacio diplomasticae deveseadotar algum métogg menos belicosa, em conta a po mm. Cada parte age como sea outra houvesse forma global 4 escolhido livrem™ mais satisfatorior 4 | DIPLOMACIA Na realidade, as vias americana ¢ europeia de politica externa vém de suas circuns. ¥ncias multo préprias. Os americanos habitavam um continente quase vazio, Protegido Palses fracos, los mal tenham mesmo que seus governos tivessem tido a ideig Para um povo que dera as cost. Os angustiantes dilemas de seguranga que atormentaram as na fizeram sentir na América por quase 150 anos. das poténcias predatérias por dois vastos oceanos, e tinham como vizinhos Nao havendo poder a ser equilibrado, é compreensivel que os Estados Unid, se ocupado dos problemas do equilibrio, bizarra de copiar as condigées europeias 288 Europa 6€S europeias nig ge Quando surgiram, a América participoy diuasveres de guerras mundiais deflagradas pelas nagdes da Europa. Fm cada €250, quan. do por fim os Estados Unidos entraram, o equilibrio de poder jé deixara de equilibrio de poder, americanos, garantira, na realidade, a devia; foi seu colapso qui fancionar, esultando no seguinte paradoxo: desdenhado pela maioria dos Seguranga americana enquanto funcionou coma © Puxou os Estados Unidos para a politica internacional, As nagdes da Europa nao optaram a interagir, s6 hé dois resultados possiveis: todos 0s outros, criando um império, ou nnenhum chega a0 poder suficiente para alcangar esse objetivo, Neste tiltimo caso, as pre dade internacional so contidas através de ‘uma combinaglo dos outros sécios; 6m Outras palavras, pelo equilibrio de poder. © equilibrio de poder nao visay ‘4 evitar crises ou mesmo guerras, Funcionando bem, destinava-se a restringir a capaci idade de alguns estados dominarem outros e a limitar a extensio dos conflitos, definicao, Seu objetivo nao era a paz, era a estabilidade ¢ a moderagio, Por um quadro de equilibri ‘Anova ordem mundial | 5 guerreiros, hé mais de 2 mil anos. Para a maior parte da humanidade e nos perfodos mais Jongos da hist6ria, o império tem sido a forma normal de governo. Impérios ndo tém 0 menor interesse em operar num sistema internacional; aspiram ser o sistema internacio- nal. Impérios nao precisam de um equilibrio de poder. £ como os Estados Unidos vém sua Politica exterior nas Américas —e a China, durante a maior parte da sua histéria, na Asia. ‘No Ocidente, os tinicos exemplos de equilibrio de poder ocorreram entre as cida- des-estados da Grécia antiga e da Itdlia renascentista, e no sistema de estados europeu que surgiu da Paz da Vestfélia, em 1648. O que caracterizou esses sistemas foi elevar um fato da vida — a existéncia de varios estados de forga praticamente igual — a principio diretor da ordem mundial. Intelectualmente, 0 conceito de equilibrio de poder refletiu a convicgao dos gran- des pensadores politicos do Iuminismo. Como eles viam, o universo, inclusive a esfera politica, operava segundo principios racionais que se equilibravam. Atos aparentemente aleatérios de homens razodveis tenderiam, no conjunto, ao bem comum, apesar de a prova disso ser pouco visivel no século de conflitos quase constantes que se seguiu Guerra dos Trinta Anos. ‘Adam Smith, em A riqueza das nagées, sustentou que a “mao invisivel” proveria 0 bem-estar econdmico a partir de ages econdmicas individuais egoistas. Nos artigos de 0 federalista, Madison ponderava que numa replica suficientemente grande, as virias “facgbes” atuando de maneira egotsta em prol de seus préprios interesss,forjariam, por um mecanismo automitico, uma adequada harmonia nacional. Os conceitos da separa ao de poderes e dos controlese balangos, concebidos por Montesquieu ¢ incorporados 3 constituigdo americana, refletiam perspectiva idéntica. O objetivo da separasio de po- ler um governo harménico; cada ramo do deres era evitar 0 despotismo € nao o de obt busca de seus préprios interesses,coibiria excessos, atendendo, desse modo, aaa ee ee: Os mesmos princtpios foram aplicados aos negécios internacionais. Vi- cada estado terminaria contribuindo para o pro- governo, ni a0 bem comum. préprios interesses egotstas ase se eit na discreta mito provest, dessa liberdade de scolha de cada estado, gresso, como se alg dos. A co bem-estar de to areceu o caso. Ap6s os desarranjos causados pela Revo- ais de um século tal P* .s Napolednicas, em 1815, ¢ atenuaram o apoio brutal na forga, Pom os lideres da Europa restauraram 0 equi- ncesa e pelas Guerra sso de Viens uta internacional por peu de equilib lugo Frai Ifbrio de poder no Congr buscando moderar a com Mas para o fim do século cipios da politica de Po meio de obrigagdes morais legais XIX, o sistema euro] de poder retornou aos jeg numa forma ainda mais inflexivel, Forear adverssrig 6 | DIPLOMACIA & humilhagdo pela ameaga tornou-se o método padrao da diplomacia, levando a uma prova de forga apés outra, Até que em 1914, finalmente, formou-se uma crise da qual ninguém se acovardou. A Europa jamais recuperou de todo a lideranga mundial, depois da catéstrofe da Primeira Guerra Mundial. Os Estados Unidos safram dela como joga- dor principal, porém Woodrow Wilson desde logo deixou claro que o pats se recusavaa jogar pelas regras europeias. Em perfodo nenhum de sua histéria, os Estados Unidos tomaram parte num sistema de equilibrio de poder. Antes das duas guerras mundiais, beneficiaram-se do equilibrio de poder sem se envolverem em suas manobras e desfrutando do luxo de vergasté-lo a vonta- de, Na Guerra Fria, os Estados Unidos engajaram-se numa luta ideol6gica, politica eestra- ‘tégica com a Unido Soviética, na qual um mundo de duas poténcias funcionou de acordo com principios bem diferentes daqueles de um sistema de equilibrio de poder. No mundo a dois poderes nao pode haver a escusa de que o conflito leva ao bem comum; o ganho de um a perda do outro. Vit6ria sem guerra foi o que tiveram os Estados Unidos na Guerra Fria, uma vit6ria que os apresentou ao dilema de George Bernard Shaw: “Ha duas tragédias na vida. Uma € ndo realizar 0 maior anseio. A outra é realizé-lo”, Os americanos a tal ponto tém como ébvios seus valores que raramente percebem ui podem ser revolucionérios e um transtorno para os demais. Outra sociedade ndo asseverou que os principios éticos se aplicam & conduta internacional do mesmo modo ue valem para o individuo — nocdo exatamente oposta a raison d'état de Richelieu. Os Estados Unidos sustentam que evitar a guerra é um desafio tanto legal quanto diplomé- tico, e que nao resistem & mudanga em si mas ao modo de mudar, especialmente 20 Us0 da forga. Um Bismarck, um Disraeli ririam dessa nogdo de que politica externa diz mais Tespeito ao modo que a substincia, alids, se fossem capazes sequer de entendé-Ia. Nagi? alguma jamais se imps regras morais como os Estados Unidos. E nenhum pais te? atormentado tanto com a desproporgao entre seus valores morais, por definiglo absol™ 0s, €a imperfeicdo inerente ds situagdes concretas em que aplicé-los. Durante a Guerra Fria, a singular abordagem americana de politica externa ae -se admiravelmente ao desafio concreto. Foi um profundo conflito ideolégico, © es tum pals — 0s Estados Unidos — possuia a pandplia completa — 0s recursos Po!” ¢con6micos e militares — para organizar a defesa do mundo nao comunista. Um? it assim pode fincar pé em seus pontos de vista e consegue, o mais das vezes: evi ima reservado aos estadistas de paises menos favorecidos: o de que os meias Ines i" oot ee is +. mesme metas menos ambiciosas que as desejadas, e as circunstincias exigem lidar ™ estas, por etapas. No mundo da Guerra Fria, os conceit tradicionais de poder softeram forte modifi- casao. Em grande parte da histéria, a sintese de forcas militares, politicas e econdmicas foi em geral simétrica, No periodo da Guerra Fria, os varios elementos do poder se decom- Puseram. A ex-Unido Soviética era uma superpoténcia militar e, ao mesmo tempo, um nanico econémico. Um pais podia, também, ser um gigante econémico e militarmente irrelevante, caso do Japio. No mundo pés-Guerra Fria, os virios elementos provavelmente serio mais con- Bruentes ¢ mais simétricos. O poder militar relativo dos Estados Unidos ira gradualmente diminuir. A auséncia de um inimigo evidente resultara na pressio interna para o uso dos recursos de defesa em outras prioridades — processo que jé comegou. Nao havendo mais aquela ameaga singular, cada pats enxerga seus prop ©as sociedades que se haviam juntado sob a protecio americana sentir-se-o compelidas a s perigos pela perspectiva nacional, assumir uma responsabilidad maior pela prépria seguranca. Desse modo, o novo sistema internacional ird na diresao do equilibrio até militar, mesmo que leve algumas décadas Para chegar a esse ponto. A tendéncia seré ainda mais pronunciada na economia, onde a Predominancia americana jé esta em declinio e onde se tornou menos perigoso desafiar os Estados Unidos. O sistema internacional do século XXI seré marcado por uma aparente contradigzo: de um lado, a fragmentacao; de outro, a crescente globalizacao. Quanto as relagdes entre estados, a nova ordem mais parecerd o sistema de estados europeu dos séculos XVIII € XIX do que 0 padrio rigido da Guerra Fria, Consistira de no minimo seis poténcias maiores — Estados Unidos, Europa, China, Japao, Russia e, provavelmente, India — e grande ntimero de paises de tamanho médio e pequeno. Ao mesmo tempo, as relagdes in- ternacionais tornaram-se globais mesmo. As comunicacoes sio instantaneas; a economia mundial opera simultancamente em todos os continentes,Surgram viras quests que s6 se podem tratar em base mundial, como proliferagio nuclear, meio ambiente, explosio populacional e interdependéncia econdmica. bain a3 Para os Estados Unidos, concliar valores divergenteseexperiéncas histricas mui to diferentes entre paises de importincia compardvel seré uma experitncia inéditay ¢ er do isolamento do século passado, quer da hegemonia de fato da ito diferente, qu pent : {do que este livro pretende esclarecer. Do mesmo modo, os outros Fria, num senti f mea ificuldades para adaptar-se a ordem mundial que ai vem. undo moderno onde ja funcionou um sistema de multies- m tado-nagao, soberania ¢ equilibrio de poder, Estas ideias ‘onais na maior parte da Europa durante trés séculos, protagonistas enfrentam d A Europa, tinica parte do tados, inventou os conceitos de es dominaram as questdes internaci 8 | DIPLomacia aoe fet —— ee da raison d’état esté forte 0 suficiente, no oe de na ordem emergente, Tentam compensar a fraquers ando uma Europa unificada, esforgo que absorve muito de sua energia. Anda que 0 consigam, nao dispdem de instrugdes para o funcionamento automitico de uma Europa unificada no palco mundial, j4 que tal entidade politica jamais exis A Rissia, no desenrolar de sua hist6ria, € um caso especial. Chegou tarde a cena europeia — bem depois de Franca e Inglaterra terem se consolidado — e nenhum dos princfpios tradicionais da diplomacia europeia parecia aplicar-se a ela. Engloban- do trés esferas culturais diferentes — Europa, Asia e o mundo muculmano —, a Ris- sia compreendia populacées de cada uma e, portanto, jamais foi um estado nacional no sentido europeu. Com a geografia em mudanga constante, 4 medida que seus governantes anexavam territ6rios contiguos, a Russia transformava-se num império fora de escala comparado a qualquer outro pais europeu. Ademais, a cada nova conquista o carter do estado mudava, pela incorporacdo de um novo e inquieto grupo étnico nao russo. Esta foi uma das razes pelas quais a Russia foi obrigada a manter exércitos enormes, de tamanho desproporcional a qualquer ameaga plausfvel & sua seguranga externa. Dividido entre a inseguranga obsessiva e 0 zelo proselitista, entre as exigencias da Eu- ropa eas tentagées da Asia, o Império Russo sempre teve um papel no equilibrio europeu sem jamais fazer emocionalmente parte dele, As exigencias da conquista e da segurans: transformaram-se numa s6 questéo na mente dos Iideres russos. Desde 0 Congresso de Viena, 0 Império Russo teve forcas militares em solo estrangeiro mais vezes que qual- quer outra poténcia, Analistas frequentemente explicam o expansionismo russo como resultado de uma sensagio de inseguranga. Mas os escritores russos explicam melhor as investidas externas da Ruissia como vocagio messidnica. A Riissia em marcha raramente demonstrou percepgio de limites; quando via seus esforcos baldados, tendia a isolarse num ressentimento sombrio. Na maior parte de sua hist6ria, a Riissia tem sido uma cau em busca de oportunidade. a sa em redefi cedente histérico. Como a Europa, teré de usar grande parte da sua encre2 ie fa erdide? a "ante ris locard seu centro de gravidade para o leste, transformando-se em participante ae i jes a0 F da diplomacia asistica? Por que principios ¢ métodos reagiré 3s convulsées el i il i i i sempre suas fronteiras, especialmente no voldtil Oriente Médiot A Russia ser sem inaveis li nt cordem mundial e, nas agitagdes inevitaveis ligadas &s respostas destas peng ‘A Russia pés-comunista esta contida em limites que refletem uma situagao uma identidade. Tentard retomar seu ritmo histérico e restaurar 0 império P' sera uma ameaga a essa ordem, ee ena para ela, Por dois mil anos 0 A China também enfrenta uma ordem mundial nova al. Esse dominio, porém, as Império Chinés uniu seu mundo sob um s6 dominio imperii vezes falhava. Houve guerras na China, com uma frequéncia nai Mas como em geral eram entre disputantes do poder imperial, forai que internacionais, e invariavelmente levaram, mais cedo ou mais tarde, a instalagdo de 0 menor que na Europa. m mais guerras civis um novo poder central. Antes do século XIX, a China jamais teve um vizinho capaz de contestar sua primazia € nunca imaginou que tal estado pudesse vir a existir. Conquistadores estrangeiros derru- bavam dinastias chinesas apenas para verem-se absorvidos pela cultura chinesa a ponto de prosseguirem com as tradicées do Império do Meio. A nogao de igualdade soberana dos estados nao existia na China; estrangeiros eram barbaros, relegados a um relacionamento tributario — assim foi recebido o primeiro enviado inglés a Pequim, no século XVIII. A China desconsiderava 0 envio de embaixadores para o exterior, embora nao dispensasse ‘© concurso de barbaros distantes para vencer barbaros mais préximos. Mas essa era uma estratégia para emergencias, ndo um sistema operacional habitual como 0 equilibrio de poder europeu, e nao produziu a instituigao diplomética permanente caracteristica da Europa. Apés tornar-se um stidito humilhado do colonialismo europeu no século XIX, a China sé ressurgiu recentemente — desde a Segunda Guerra Mundial — num mundo multipolar sem exemplo em sua hist6ria. © Japao também se excluira de todo contato com © mundo exterior. Durante 500 es de ser aberto a forga pelo comodoro Matthew Perry, em 1854, 0 Japao sequer a tirar proveito dos conflitos entre os bérbaros ou a inventar relacionamentos como a China. Isolado do mundo, o Japao orgulhava-se dos seus costumes saciava sua tradicao militar em guerras civis e repousava sua estrutura interna anos, ant se dignou tributérios, inimitaveis, na convieezo de que sua cultura singular era impermedvel influéncia externa, superior a derrotaria em ver. de absorvé-la. quando a Unio Soviética era a principal ameaga a seguranca, 0 -xterna com a dos Estados Unidos, a milhares mundial, com sua multiplicidade de desafios, ela e, a0 cabo, Na Guerra Fria, paz de identificar sua politica & Anova ordem assado tao soberbo a reexaminar esse remanso ais sensivel ao equilibrio de poder Japao foi ca de quilometros de distancia. tamente obrigaré um pats de ps lo a tornar-se m hemisfério diferente e ante trés diregoes — do quase cert de um $6 aliado, O Japao esta fadad iti dos Estados Unidos, num pares Ss palo « da América do Sul. A China, a Coreia eo sudeste da Asia virio a tlantico, do pio um significado be a sm diverso do que tém para os Estados Unidos e langa- ter para 0 Jal iitica externa japonesa mais autonoma e autoconfiante, olitica rio uma p* 1p | DIPLOMACIA Quanto a India, que aparece atualmente como principal poténcia do sul da Asia, sua ‘i , * sali de muitas formas, o sltimo vestigio do apogeu do imperialismo euro- ica externa é, ea ‘ma cultura antiga. Antes da chegada dos ingleses, 0 peu, temperado pelas tradigdes de ™ subcontinente nao fora governado com cap A se fer com pequenas forgas militares, pois, de inicio, & populacao local as via uum grupo de conquistadores por outro. Mas apés a criagio o unidade politica por milénios. A colonizacao brit: apenas como a sucessio de de um governo unificado, 0 Império Britanico foi gradualmente solapado pelos mesmos alismo cultural que importara para a India. Mesmo valores de governo popular ¢ nacion: assim, como estado-nagao a India ¢ novata- ‘Absorvida na luta para alimentar sua imensa populagdo, a India participou superficialmente do movimento dos paises ndo alinhados durante a Guerra Fria. Mas ainda falta assumir um papel proporcional ao seu tamanho no palco da politica internacional. Quer dizer, entdo, que nenhum dos pafses mais importantes que devem compor a nova ordem mundial tém qualquer experiéncia com o sistema de multiestados. Nenhuma nova ordem mundial teve de organizar-se a partir de tantos entendimentos diferentes ou em escala tio global. E nenhuma ordem anterior teve de combinar os atributos dos sistemas histéricos de poder equilibrado com a opiniao democritica global ¢ a explosio tecnolégica do perfodo contemporaneo. Retrospectivamente, todos os sistemas internacionais aparentam uma simetria ine- vitavel. Uma vez estabelecidos, ¢ dificil imaginar como poderia ter sido a histéria se ou- tras escolhas fossem feitas, ou mesmo se outras escolhas seriam possiveis. Quando uma ordem internacional passa a existir, muitas escolhas podem abrir-se. Porém cada decisio limita as opgées restantes. Considerando que a complexidade inibe a flexibilidade, 6 primeiras escolhas sao especialmente cruci Se a ordem internacional é relativamente estivel, como a que surgiut do Congresso de Viena, ow altamente volitil, como as da Pat da Vestfilia ¢ do Tratado de Versalhes, 0 que faz as sociedades componentes se sentire™ oe com 0 que consideram justo depende do grau em que conseguem conciliar pelos Seer ‘acionais mais estaveis — 0 do Congresso de Viena ¢ 0 isl de peeepgesunlfoinca See Guerra Mundial —tinham em comum 8 an intanghvel da mesma a Os estadistas de Viena eram aristocratas que compreendiam ira. concordavam sobre o fundamental. Os lideres ameiea™®? que moldaram 0 mundo ai : le p6s-guerra vinh: igao i eee € vitalidade extraordinérias, eee Aordem : ue ora se forma tera de ser construida por estadistas que representa att turas imen: é di : samente diferentes, Fes administram vastas burocracias de complexi#s@* Anovaordem mundial | IT i i i amé- que, com frequéncia, a energia desses homens é mais consumida no atendimento quina administrativa que na definigio de uma finalidade. Tornaram-se superiores 20s demais por qualidades nao necessariamente indispensaveis para governar ¢ ainda menos adequadas & construcio de uma ordem internacional. E 0 tinico modelo disponivel de uum sistema de multiestados é aquele construido por sociedades ocidentais, que muitos participantes podem rejeitar. Contudo, a ascensio e queda de ordens mundiais anteriores baseadas em muitos esta- dos — da Paz da Vestfalia A nossa época — é tinica experiéncia para a qual podemos nos voltar na tentativa de compreender os desafios enfrentados pelos estadistas contempora- neos. O estudo da histéria nao fornece um manual de instrugdes que possa ser seguido automaticamente; a histéria ensina por analogia, indicando consequencias provaveis de situages comparaveis. Mas cada geracaio tem de verificar por si mesma quais circunstan- cias sto de fato comparaveis. Os intelectuais analisam o funcionamento dos sistemas internacionais; os estadistas montam os sistemas. H uma enorme diferenga entre a visio do analista e do estadista. O analista pode escolher que tema estudar, enquanto os problemas do estadista Ihe sio impostos. O analista pode dedicar 0 tempo que quiser para chegar a uma conclusio clara; © maior problema do estadista é a pressio do tempo. O analista nao corre risco algum se suas conclusdes estiverem erradas, pode escrever outro ensaio. Ao estadista dé-se apenas ‘uma chance; seus erros sio irreparaveis. O analista dispoe de todos os fatos e sera julgado 1c intelectual. O estadista age a partir de estimativas que nao se podem por sua capacidad comprovar no momento, sera julgado na hist6ria pela sensatez com que administrou a transformacao inevitivel ¢, sobretudo, pela maneira como haja preservado a paz, Por esse motivo, ver como os estadistas lidaram com 0 problema da ordem mundial — 0 que funcionou ou falhou e por qu porinea, mas pode ser seu comeso. é— nao éa compreensio completa da diplomacia contem-

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