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Artigo Walter Gomes o Novo Sna Avancos Desafios e Frustracoes
Artigo Walter Gomes o Novo Sna Avancos Desafios e Frustracoes
Tão logo foi anunciada, a nova ferramenta digital catapultou as expectativas das
pessoas de norte a sul do Brasil e fomentou a crença a respeito da possível redução do
tempo de espera para a concretização de uma adoção e de maior agilidade na tramitação
de processos no âmbito da Justiça Infantojuvenil. No imaginário de muitos, a partir de
agora eventuais entraves, barreiras ou óbices desaparecerão e a tão desejada adoção se
concretizará em um curtíssimo espaço de tempo. Entretanto, sem querer frustrar os
anseios legitimamente alimentados, necessário se faz que todos compreendam as
peculiaridades e especificidades que circundam o instituto da adoção em nosso contexto
sociocultural, pois só assim ficará descortinado aos olhos de todos que não basta apenas
mudar sistemas ou implementar a legislação sem que a cultura de adoção no país também
passe por modificações, isto porque prevalece ainda entre a maioria das famílias habilitadas
o forte desejo de acolher adotivamente crianças com o chamado perfil clássico: de tenra
idade, saudável e sem irmãos. Destaque-se que tanto o novo sistema quanto a legislação
vigente, por mais avançados e contextualizados que sejam, não são suficientes para alterar
essa cultura de adoção já consolidada, na qual se prioriza um perfil restrito para o
acolhimento.
Sendo assim, devemos agir com realismo e objetividade e ter a coragem de destacar
que, enquanto o perfil desejado para adoção não for flexibilizado, a espera continuará a ser
longa. Para entender essa realidade, basta conferir os relatórios estatísticos gerados pelo
novo SNA: a quantidade de requerentes habilitados em todo o Brasil e o número de
crianças e adolescentes disponíveis para adoção. O primeiro grupo envolve cerca de 42.500
famílias inscritas que aguardam uma adoção; e o segundo, cerca de 4.920 disponíveis à
espera de uma família. O referido relatório estatístico também informa a quantidade de
famílias habilitadas e interessadas por cada faixa etária e sua leitura nos leva a concluir que,
à medida que a faixa etária dos aptos para adoção avança, decresce o interesse dos
candidatos por sua adoção. A faixa etária com menos interesse por parte dos candidatos
habilitados é a que envolve pré-adolescentes e adolescentes, ou seja, entre 10 e 18 anos
incompletos. De outro lado, essa é a faixa etária predominante no SNA e a que mais tem
merecido desatenção por parte do candidato que almeja concretizar uma adoção. Diante
disso indaga-se: de quem é a culpa por essa equação não fechar? Da legislação? Do novo
sistema? Dos magistrados e das equipes técnicas?
Convém destacar ainda que a Lei 13.509/17, que alterou vários dispositivos do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especialmente no que tange ao tempo de
tramitação processual, fixou o prazo máximo para a conclusão da ação de adoção em 120
dias, prorrogável por uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da
autoridade judiciária (artigo 47, § 10, do ECA), assim como fixou também, por igual período,
o prazo máximo para conclusão do processo de habilitação (artigo 197-E do ECA). Há que se
considerar ainda que a mesma legislação abreviou o tempo de reavaliação da criança ou
adolescente em acolhimento familiar ou institucional, determinando que a autoridade
judiciária competente, a cada três meses, com base em relatório elaborado por equipe
interprofissional, decida pela reintegração familiar ou pela inserção em família substituta
(artigo 19, § 1º, do ECA).
Fica evidente, portanto, que não é por ausência de previsão legal que a celeridade
processual envolvendo feitos adotivos não poderá efetivamente ser alcançada. O que se
deve acrescentar é que outras variáveis também estão constelando em torno dessa
matéria, e delas também depende a almejada agilidade e brevidade do processo de adoção,
sendo que a principal, sem dúvida alguma, é o perfil de criança desejada apresentado pelos
candidatos à adoção. Nesse particular, o Poder Judiciário não pode se imiscuir por se tratar
de âmbito privativo. Ele há de respeitar as deliberações, escolhas e tomadas de decisões
intimamente elaboradas pelos postulantes, entretanto não poderá se comprometer em
atendê-los a tempo e a hora, pois isso foge a sua competência e dever. A responsabilidade
da Justiça Infantojuvenil neste particular se encontra bem delineada no artigo 19, § 1º, acima
mencionado. A depender de cada caso concreto e de suas especificidades, o juiz decidirá ou
não pelo cadastramento de uma criança ou jovem para adoção, e isso ocorre dentro de um
processo judicial, com prazos a serem observados, o respeito ao contraditório e à
manifestação do Ministério Público, considerando sempre o primado do melhor interesse
da criança. Uma vez sopesados todos os aspectos técnico-legais, o juiz poderá, mediante
decisão fundamentada, determinar o cadastramento de uma criança ou adolescente para a
adoção.
Convém destacar ainda uma veemente crítica que vem sendo apresentada pelas
famílias habilitadas a respeito da presença de um campo no SNA destinado ao registro das
chamadas adoções diretas ou intuito personae, caracterizadas exatamente por se
materializarem em um contexto alheado à intermediação judicial e na maioria das vezes
envolvendo postulantes não previamente habilitados e crianças não cadastradas para
adoção. Ou seja, no entendimento dessas famílias habilitadas, o referido sistema
homologará a coexistência de quem se submeteu a todas as regras e etapas de habilitação
para o acolhimento adotivo de uma criança cadastrada com aqueles que por meios
próprios, sem o escrutínio jurídico e psicossocial, lograram êxito no acolhimento de uma
criança mediante tratativas informais com a própria família biológica e depois acorreram ao
Judiciário para regularizar o arranjo parental já formatado. Para muitos postulantes, o SNA
está a enviar uma mensagem ambígua de que há dois caminhos e você escolhe um deles: o
primeiro é o da habilitação e da espera para receber uma criança pelo próprio Poder
Judiciário; o segundo é o da procura do adotando por meios próprios, sem a mediação
estatal, e que pode resultar em um acolhimento informal com um futuro e possível
provimento judicial. No primeiro caminho, a Justiça realiza a mediação da adoção; no
segundo, a própria família realiza a adoção sem a mediação da Justiça.