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HISTÓRIA I

Ano letivo 2016/2017

Coletânea de textos
AULA 3
A CIDADE NO MUNDO MEDITERRÂNICO ANTIGO: ESPAÇO POLÍTICO E ESPAÇO CULTURAL.

2. O MODELO ROMANO: CIDADE E IMPÉRIO

• A afirmação imperial de uma cultura urbana pragmática.

• Roma, cidade ordenadora de um império urbano.

• A institucionalização do poder imperial. A unidade política, militar e administrativa do


mundo imperial. A diversidade da administração local e a progressiva extensão da
cidadania.

• A codificação do direito.

• A romanização da Península Ibérica e a integração no universo imperial.

Objetivos da aprendizagem:

• Caracterizar o modelo de organização da sociedade romana.

• Compreender a utilidade de um aparelho administrativo complexo e orientado por leis


racionais e pragmáticas.

• Reconhecer a importância das cidades enquanto unidade base da organização


administrativa do império.

• Identificar algumas das marcas de influência do modelo romano na Península Ibérica.

Bibliografia:

CARPENTIER, Jean, LEBRUN, François (dir.) – História da Europa, Lisboa: Editorial Estampa,
1996. p. 75-81, 95-121.
GRIMBERG, Carl – História Universal. O império romano, Lisboa: Publicações Europa-América,
1966. p. 9-17.
http://www.vox.com/2014/8/19/5942585/40-maps-that-explain-the-roman-empire

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CONCEITOS

CONVENTUS Primitivamente a expressão designava uma assembleia convocada em


determinadas épocas pelo governador de uma província romana, ou
pelo seu adjunto, para administração da justiça. Com o tempo passou a
referir-se ao local onde decorria a reunião e ao distrito onde se exercia
essa atividade.

CULTO IMPERIAL Culto estabelecido em Roma após a morte de Octávio César Augusto.
Visava honrar a memória e o génio dos Imperadores, constituídos
dessa forma numa espécie de divindades.

DIREITO DE CIDADE Conjunto de privilégios que tornava os habitantes de uma cidade iguais
aos de Roma.

FÓRUM Principal praça pública das cidades romanas. Aí se encontravam os


mais importantes templos e edifícios públicos.

IMPÉRIO Conjunto de territórios, com diferentes nações e culturas, geralmente


adquiridos por conquista e subordinados à autoridade de um único
Estado, que exerce o domínio político e a exploração económica.

MUNICÍPIO Cidade do Império romano, em Itália ou nas províncias, com uma


organização administrativa semelhante à de Roma.

MAGISTRATURAS Cargos superiores do funcionalismo público e do exército nos quais era


delegado algum poder do Estado.

PAX ROMANA Clima de estabilidade social e política implementada pelos romanos


nos territórios do Império, essencialmente no governo de Octávio
César Augusto.

REPÚBLICA O conceito tem a sua origem no termo latino res publica, a coisa
pública, não se podendo reduzir a uma forma particular de governo.
Nas obras dos autores clássicos o termo res publica refere-se à
condução dos negócios públicos em geral, fosse sobre um modelo
democrático, aristocrático ou mesmo monárquico. Contudo, no caso
de Roma, aplica-se ao período de governo entre 509 e 27 a.C., após o
fim da monarquia, sendo marcado pela influência do Senado.

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ROMANIZAÇÃO Adaptação aos costumes e cultura dos romanos.

SENADO Órgão político, consultivo e deliberativo, composto pelos


representantes das mais ilustres famílias romanas. A fundação deste
órgão remonta ao período monárquico.

TRIUNVIRATO Em Roma referia-se ao governo formado por três cônsules eleitos pelo
Senado para a chefia da República. O 2º triunvirato era constituído por
Octávio, Marco António e Lépido, durando de 43 a.C. a 31 a.C.

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A OPINIÃO DO HISTORIADOR
ROMA
As instituições
No século III, aparentemente, reina um equilíbrio. A luta das ordens encerrou-se, os
poderes organizam-se, a autoridade do Senado, fortaleza da nobilitas, é indiscutível; o regime
suportará o choque da guerra de Aníbal, dela saindo mesmo reforçado, ao menos por algum
tempo.
Como as poleis gregas, Roma é uma cidade-Estado, onde a vida política se reserva
exclusivamente aos cidadãos, nascidos de casamento legítimo (connubium) de um cidadão, ou
beneficiado com a civitas, ou libertos de um cidadão. O seu número (o dos adultos masculinos
inscritos para o exército) mantém-se no decorrer do século nas imediações de 270.000.
Classificam-se de várias maneiras: em 30 cúrias, cuja assembleia (comícios curiatos) goza
apenas de uma existência formal; em 35 tribos territoriais (4 urbanas, 31 rústicas, total
atingido em 241 e que não mais será ultrapassado), cuja assembleia (comícios tribúcios) se
tornou a principal assembleia popular; enfim, em 5 classes censitárias, cujo conjunto forma o
"sistema centuriata”; complexo e diversas vezes modificado (datas e detalhes obscuros),
combinado com o sistema tribúcio, determina para cada cidadão o seu lugar no exército
(donde estão excluídos os membros da última classe) e seu voto nos comícios centuriatos, que
elegem os magistrados superiores. Cada classe divide-se em centúrias de seniores e de
juniores, e a primeira classe, constituída pelos mais ricos, patrícios nobiles e cavaleiros (os que
servem, ou disporiam de meios para servir, na cavalaria), desempenha papel preponderante
na vida política. Efectivamente, o modo de escrutínio, por centúrias, a começar pelas primeiras
classes, favorece a nobilitas, uma vez que os ricos menos numerosos são melhor
representados (dispondo, além disso, de unidades votantes), e que a votação se interrompe
quando se atinge a maioria, de tal modo que, frequentemente, votam apenas as 18 centúrias
equestres e as das duas primeiras classes.
Os comícios tribúcios são organizados mais democraticamente, embora a plebe urbana
apenas conte com 4 unidades votantes, frente às 31 tribos rurais; eles possuem o essencial do
poder legislativo, depois que as leis hortênsias os libertaram, em 286, da aprovação senatorial.
Contrariamente ao magistrado grego, o romano reveste uma real autoridade; não mais
é o servidor do povo, mas o detentor, temporário e colegial, é verdade, de parte do poder do
Estado. Os magistrados superiores, cônsules, pretores e ditador, chamados ainda curuis, são
dotados do imperium; os censores, eleitos cada 5 anos por 18 meses, fazem a repartição dos

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cidadãos, compõem o álbum senatorial e dispõem de grande autoridade moral, que lhes
permite por vezes audaciosas reformas. Os magistrados inferiores, edis e questores, eleitos
pelos comícios tribúcios, têm competências especializadas, administração das cidades, jogos,
assuntos financeiros.
Os tribunos da plebe, em número de dez, detêm um poder exorbitante (no sentido
jurídico), anárquico e negativo na origem, inviolabilidade, auxilium (defesa dos indivíduos),
veto (impede o voto de uma lei), itercessio (interrompe a execução de uma medida). Desde o
fim da luta das ordens, a sua actividade inseriu-se no quadro das instituições: eles convocam e
presidem normalmente os comícios tribúcios, mas também os centuriatos, em caso de
provocatio; tiveram o direito de entrar no Senado, antes de dele fazerem parte oficialmente.
Sempre mantendo o seu papel de defensores do povo e dos particulares, e muitas vezes
propondo aos comícios tribúcios medidas democráticas, deixam-se, todavia, neutralizar
progressivamente pelo Senado, do qual depende moralmente a continuação de sua carreira
nas honras.
O Senado é o centro da vida política e dos problemas de interesse comum. Composto
de 300 membros inscritos pelos censores (Patres Conscripti), recruta-se, de facto, entre os
antigos magistrados, nele ingressando os próprios questores, após o término de seu período.
Sem eleger os magistrados, sem votar as leis, decide dos comandos, do recrutamento de
tropas, autoriza as despesas, dirige a política exterior (sem ter o direito de paz ou de guerra),
prepara as leis com os cônsules, dá opiniões motivadas (senatus-consultos) e a sua aprovação
(auctoritas). Seu poder não se inscreve nos textos, mas repousa nas tradições, na experiência e
no valor de seus membros, na continuidade da sua política, na coesão e na importância
económica e social da nobilitas.
Aparentemente colorido de democracia através das assembleias populares,
testemunhando em seus magistrados a sobrevivência parcial da autoridade real, o regime
republicano é, de facto, dada a função desempenhada pelo Senado, de tipo aristocrático.
PETIT, Paul – O Mundo Antigo, Lisboa: Edições Ática, 1976. p. 204-205.

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As classes sociais no último século da República.

A classe senatorial
A nobilitas repousa na fortuna, cultura e educação: já na segunda metade do século II,
a conquista teve os seus resultados, o papel do dinheiro tornou-se preponderante, no mesmo
momento em que a classe se esclerosava numa incapacidade de conceber e de realizar a
menor reforma, de fornecer ao regime personalidades de primeira ordem. Entretanto, neste
marasmo distinguem-se duas tendências: uma espécie de terceiro partido de moderados,
frequentemente negocistas e oportunistas, que aceitam as reformas por prudência e se aliam
de bom grado aos cavaleiros (Emílio Escauro, Aurélio Cota), e um punhado de intransigentes
obtusos, rebeldes a qualquer reforma e não raro bastante inábeis (Catão, o Moço). A nobreza
recupera a sua unidade de classe contra a lei agrária que constitui um atentado à ocupação do
ager publicus, contra o direito de cidade aos italianos, em nome da sacrossanta tradição,
contra os generais, em nome da liberdade. Mas, incapaz de ver claramente o perigo, critica o
poder de Sila - que lhe atribuía, todavia, o principal papel - não reconhece a honestidade e a
relativa inocuidade de Pompeu, e não pode deixar de ver em Cícero o homo novus
transparecer sob o aderente.

A classe equestre
Chegada à fortuna pelos impostos arrendados (publica) e pela exploração da
conquista, insere-se ela no Estado e adquire uma consciência de classe com as reformas de
Caio Graco. Mas os cavaleiros jamais atingiram a maturidade política: ligados aos senadores
pelos interesses materiais e pelo medo dos populares, jogam a carta reformista com uma visão
demasiado curta da vantagem mediata e um complexo de inferioridade que os torna ciosos da
nobilitas. Depois, quando da conjuração de Catilina, a ameaça da revolução impele-os para o
lado dos proprietários, o que Cícero já percebera muito bem.

As plebes
Trata-se de uma noção complexa, esta de plebe, e precisamos decompô-la:
1º - A plebe italiana, burguesia de municípios aliados, honesta, fiel e mal conhecida,
suporta o peso das guerras e fornece uma clientela aos ambiciosos; Caio Graco e, em 91, Lívio
Druso foram os primeiros a dar-se conta disto, o que deu origem ao problema da concessão do
direito de cidadania.

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2º - A plebe rural é constituída pelos cidadãos que povoam o Lácio, a Etrúria, a Itália
Central e Meridional. A sua decadência económica é real: suas terras reduziram-se mediante
os abusos da ocupação do ager publicus, o seu número diminui porque as guerras custam caro
em homens, as condições económicas (afluxo do trigo tributário, reconversão das culturas)
causam-lhes a ruína ou o excesso de dívidas; enfim, a partir da reforma de Mário, os generais
tendem a expropriá-los para nas suas terras estabelecer os veteranos. O enfraquecimento
desta classe média priva o Estado de um insubstituível elemento de estabilidade.
3º - A plebe urbana vive em Roma dos proveitos da conquista, em parte desviada do
trabalho pela concorrência servil, corrompida pelo tráfico dos votos eleitorais. O afluxo de
elementos rurais desenraizados, dos imigrantes de todas as regiões e dos libertos avilta-a
ainda mais. Politicamente falando, ela oscila entre o conservantismo egoísta (reservar-se as
vantagens do regime) e dos avanços anárquicos e revolucionários, atiçados por tribunas sem
escrúpulos, como Gláucia e Druso, mais tarde Clódio, por generais demagogos, como Crasso,
por frenéticos, como Catilina. Raros foram os chefes honestos que a dirigiram, os Gracos,
rapidamente abandonados, Licínio Macer, tal como nos é apresentado por Salústio, ao menos.
Jamais os homens do justo meio, como Cícero, tiveram grande auditório junto a esta turba
violenta e sem maturidade política.
Estes interesses divergentes, quando não contraditórios, impediram até ao fim a
formação de um verdadeiro "partido" dos populares: a questão agrária interessava apenas ao
elemento rural e inquietava os italianos; as leis frumentárias eram proveitosas somente para a
plebe urbana e depreciavam ainda mais o preço do trigo; a concessão da cidadania aos
italianos exasperava os que temiam a multiplicação das partes que recebiam vantagens; o
funcionamento regular do regime lesava a plebe urbana, beneficiada com as desordens e com
os sobrelanços, mal sendo do interesse dos outros, dos italianos, enquanto estivessem
excluídos do direito de cidade, dos camponeses muito distanciados de Roma (como os
italianos após 88), destituídos dos meios de se fazerem ouvidos, na ausência de regime
representativo.
PETIT, Paul – O Mundo Antigo, Lisboa: Edições Ática, 1976. p. 232-233.

História I 20
NASCIMENTO DE ROMA
Roma: lenda e arqueologia
A tradição lendária romana dá início à história de Roma com a chegada de Eneias, que, fugido
de Troia, teria procurado refúgio no Lácio, em Itália. Numa primeira fase, a região teria estado
sob o domínio da cidade de Alba. A dinastia dos reis de Alba terminou por uma crise política
durante a qual o rei Numitor foi afastado pelo irmão e por sua filha, Rhea Sílvia, condenada à
virgindade como vestal. A intervenção do deus Marte fez mudar o curso dos acontecimentos e
a sacerdotisa deu à luz dois gémeos, Remo e Rómulo. Escondidos num berço de vime e
lançados ao Tibre, os gémeos foram criados por uma loba e por um casal de pastores. Já
adultos, resolveram fundar uma cidade, mas uma discussão entre ambos causou a morte de
Remo. Rómulo foi, deste modo, o primeiro rei de Roma. Tradicionalmente fixada em 753 a.C.,
a data é, em parte, confirmada pela arqueologia: foram encontrados no Palatino vestígios de
cabanas que demonstram a existência de uma aldeia de pastores no século VIII. Seriam,
porém, necessários dois séculos para que o sítio de Roma ganhasse características de cidade.

A realeza de Roma
Do século VIII ao século VI, Roma foi governada por reis, e os primeiros tempos da sua história
são conhecidos apenas pelas narrativas lendárias - o rapto das Sabinas, os conflitos com Alba e
o duelo dos Horácios e dos Curiácios. Na realidade, Roma era um simples povoado no conjunto
de uma confederação dos povos do Lácio - a Liga Latina. Foi a instalação dos Etruscos que
provocou o aparecimento das primeiras formas urbanas. Com efeito, foram os reis etruscos -
Tarquínio o Antigo, Sérvio Túlio e Tarquínio o Soberbo - que promoveram o arranjo do Fórum,
no sopé do Palatino, a edificação de um templo no Capitólio e a construção de uma cerca. Ao
mesmo tempo, deu-se início à reestruturação da cidade. A sociedade romana repartia-se
então entre as grandes famílias, que constituíam o patriciado, e o resto da população livre, a
plebs, mas o poder político estava nas mãos do patriciado, único participante nos comitia
curiata - as assembleias em que se reunia a população das trinta cúrias - e única origem dos
cem membros do Senado. Para desmantelar esta organização, o rei Sérvio Túlio criou novas
tribos segundo o critério da residência, como em Atenas, e distribuiu a população livre de
Roma por classes segundo a sua fortuna. Esta repartição destinava-se a servir de base ao
recrutamento militar e dava origem à formação dos comitia centuriata.

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509 a.C. e o nascimento da República Romana
A história de Roma situa a passagem do regime da realeza ao regime republicano em 509 a.C.,
paralelamente ao que se passava em Atenas. Na realidade, essa «revolução» caracterizou-se
principalmente pela reação do patriciado, que se opunha aos reis etruscos e tentava recuperar
o poder. Os primeiros decénios do século V são marcados por um duplo confronto: o da plebe
contra o patriciado e os conflitos com os Etruscos, cuja presença no Lácio continuou até aos
anos 470. Durante essas lutas surgiram as primeiras magistraturas - nas mãos do patriciado. Ao
mesmo tempo, a plebe munia-se das suas próprias instituições: os tribunos da plebe e os edis
da plebe. Foi durante as conquistas na Itália que se fez a fusão dos dois elementos da
população - favorecida pela autorização de casamentos mistos a partir de 445.

A ITÁLIA ROMANA
Roma e o Lácio
Roma, membro da Liga Latina nas mesmas condições que as demais cidades do Lácio, como
Tusculum, tinha de enfrentar as ameaças dos seus vizinhos imediatos e, principalmente, das
populações dos Apeninos. As relações de Roma com as cidades latinas evoluíram no sentido de
uma preponderância de Roma cada vez maior - preponderância que ficou definitivamente
estabelecida em 338 a.C. com a dissolução da Liga Latina. O direito romano sobrepôs-se, daí
em diante, ao direito latino das outras cidades.

Roma e os Etruscos
Roma tirou proveito das dificuldades e do declínio da potência etrusca. Entre 406 e 396 a.C.,
cercou e conquistou Veios. Em seguida, deu início à conquista das regiões a norte do Tibre. A
tomada de Volsinium, em 265 a.C., assinala o termo dessa campanha.

Roma e os Gauleses
A penetração céltica na planície do Pó podia constituir uma ameaça por ocasião das investidas
gaulesas - como a dos anos 390 a.C., em que Roma, conquistada, teve de pagar para que os
Gauleses se retirassem. Durante o século IV, Roma teve por diversas vezes de enfrentar
incursões; mas, por sua vez, iniciou um avanço para o norte da Itália. Esse avanço foi mais
nítido, principalmente, no século III com a fundação de colónias na planície do Pó.

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Roma e a Itália do Sul
Forçada a intervir na Campânia por causa da ameaça proveniente das populações sâmnitas dos
Apeninos, Roma aproveitou a situação para se assegurar do domínio de Cápua e, depois de
uma guerra vitoriosa contra o soberano helenístico Pirro, do Epiro, que viera em socorro de
Tarento, acabou por tomar esta cidade em 272 a.C. Podemos considerar que, nessa data,
grande parte da Itália estava já sob a tutela de Roma.

A «res publica»
A passagem de Roma de simples povoado do Lácio a cidade dominante na Itália fez-se
acompanhar por um processo de estabilização das instituições. Uma sucessão de leis
estabeleceu a partilha das magistraturas entre o patriciado e a plebe e foi a origem da nobilitas
- grupo social que englobava as famílias de cujos membros ao menos um, patrício ou plebeu,
tivesse sido já magistrado.

As assembleias
Os antigos comitia curiata não desapareceram, mas o seu papel passou a ser muito mais
restrito. Os cidadãos romanos foram distribuídos por duas assembleias principais: os comitia
centuriata, nos quais eram classificados em centúrias segundo cinco categorias definidas em
função dos seus haveres, e os comitia tributa, em que a classificação em 35 tribos se fazia em
conformidade com critérios de residência. O sistema de votação favorecia, de qualquer modo,
os mais abastados. Estas assembleias partilhavam entre si a eleição de magistrados e o poder
legislativo.

Os magistrados
Duas grandes categorias de magistrados tinham a seu cargo a gestão dos assuntos políticos. Os
magistrados superiores eram eleitos pelos comitia centuriata - pretores, cônsules e censores;
estes últimos procediam de cinco em cinco anos ao recenseamento e à classificação dos
cidadãos segundo as suas posses. Os comitia tributa designavam os magistrados inferiores - o
questor e os edis. A plebe conservou o direito de eleger os seus próprios representantes -
tribunos da plebe e edis da plebe - e o concílio da plebe reunia os plebeus dos comitia tributa.

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O Senado
O Senado era já então constituído por trezentos membros, recrutados pelo censor de entre os
antigos magistrados superiores. Era, essencialmente, o guardião da tradição mas exercia
também funções de fiscalização das finanças públicas e geria os assuntos da política externa.

A cidade tornara-se, pois, sede de uma expressão política cujas formas terão variado conforme
os regimes mas cujos princípios correspondiam a um horizonte bastante limitado. Apesar do
seu progresso em Itália, Roma conservou também um sistema adequado à gestão de uma
cidade. Estaria, porém, esse sistema em condições de corresponder a uma maior extensão? Eis
todo o problema suscitado pela amplitude das conquistas romanas a partir do século III a.C.

DA CIDADE AO IMPÉRIO
No decurso do meio milénio em que se enquadra o nascimento da era cristã, a Europa
repartiu-se por dois conjuntos nitidamente separados - a norte, o mundo mais ou menos
estável dos povos celtas e germanos; e, a sul, a potência romana, que, partindo da Itália,
conquistou e organizou o complexo da bacia mediterrânica.

A partir do século IV a.C., a história da Europa teve uma dupla evolução. Passado o período de
instalação dos povos célticos, a Europa ocidental entrou na esfera de influência mediterrânica,
sob o domínio romano; em contrapartida, a Europa central e oriental manteve-se sob os
efeitos da instabilidade dos povos germânicos, que prosseguiam a gradual ocupação das
regiões a norte do Danúbio e a leste do Vístula, na direção da planície ucraniana.

(…)

A URBS CONQUISTADORA
Roma e o Ocidente
As ilhas e a Península Ibérica
A conquista da Itália veio pôr frente a frente duas potências que disputavam a supremacia no
Mediterrâneo Ocidental: a cidade de Cartago, na África do Norte (perto de Tunes), que possuía
bases comerciais na Sicília e no Sul da Espanha, bem como nas Baleares e na Sardenha, e a
cidade de Roma. Depois de um primeiro choque, entre 264 a.C. e 241 a.C., Roma pôde
recuperar a Sicília, a Sardenha e a Córsega, que transformou em províncias: eram os primeiros
passos para o seu império mediterrânico. Para preparar a desforra, Cartago desenvolveu as
suas atividades na Península Ibérica, onde fundou Cartagena. Foi desta península que Aníbal
fez partir a guerra contra Roma- em 218 a.C. - atravessando o Sul da Gália e os Alpes. Posta em

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situação difícil com a derrota de Canas, no sul da Itália (216 a.C.), Roma reagiu e levou a guerra
para território hispânico, onde foi fundada ltalica, perto de Sevilha, em 206 a.C. Depois de uma
série de vitórias, Roma pôs fim à guerra em Zama, na África do Norte, onde Aníbal foi vencido
em 202 a.C. Esta vitória decidiu o destino de países mediterrânicos. No decurso do século II,
Roma deu início à conquista da Península Ibérica - que foi dividida em duas províncias -,
recuperou as Baleares e explorou em seu proveito as riqueza mineiras e agrícolas de toda a
Península apesar da resistência de povos indígenas - Lusitanos e Celtiberos. A queda de
Numância e suicídio coletivo dos seus habitantes (133 a.C.) dão bem uma ideia do que foi essa
oposição à tutela romana.

Roma e a Gália do Sul


Roma mantinha relações regulares com a cidade grega de Marselha indispensável para a
ligação comercial com a Gália. Esta cidade, contudo, ameaçada pelas populações indígenas,
pediu auxílio a Roma intervenção do exército romano conduziu à instalação permanente, cuja
primeira fase consistiu na fundação, em 122 a.C., de Aquae Sextiae (Aix-en-Provence). A fim de
reforçar a sua presença em solo gaulês Roma criou em 118 a.C. a colónia de Narbonne,
destinada a ser capital da província da Gália Transalpina.

Roma e a Gália cabeluda


Com base no seu território da Gália Meridional, Roma intensificou as suas relações com o
mundo céltico independente, para onde exportava vinho, azeite e cerâmica. Mas o poder
romano continuava a ver na Gália céltica uma ameaça e confiou a César, em 58 a.C., o encargo
de ali intervir aproveitando a oportunidade que se lhe ofereceu num apelo de uma tribo
gaulesa - a dos Éduos - que se sentia ameaçada pela migração de outro povo - os Helvécios.
Apesar da resistência posta pelo arverno Vercingetorix, César conseguiu conquistar a Gália,
definitivamente vencida em Alesia (52 a.C.) depois de um cerco memorável. A maior parte da
Europa ocidental estava já sob o domínio de Roma.

ROMA E O MUNDO GREGO


A situação na Grécia e nos Balcãs
Depois da morte de Alexandre o Grande, o mundo grego dividiu-se em reinos, dois dos quais
repartiram entre si o território da Grécia europeia, a Macedónia e o Epiro. As antigas cidades
tinham uma independência apenas aparente e estavam sob a vigilância dos reis da Macedónia,
que as faziam pagar-lhes tributo e podiam mesmo impor-lhes uma guarnição - como

História I 25
aconteceu em Atenas e Corinto. A noroeste da Macedónia, as tribos ilíricas mantinham um
clima de insegurança efetuando incursões na Macedónia e operações de pirataria nas costas
adriáticas. A nordeste, os Trácios continuavam difíceis de conter. Roma tivera já de lutar (228
a.C.) contra os piratas ilíricos e entrara em choque com o rei Filipe V da Macedónia por ocasião
do conflito com Cartago.

A intervenção romana
Esta intervenção realizou-se em várias fases. Num primeiro tempo, Roma foi levada a
desempenhar um papel na Grécia por causa das alianças que celebrara com as cidades ou suas
ligas. Um novo confronto com Filipe V terminou em 196 a.C. com a proclamação, em Corinto,
da liberdade dos Gregos pelo romano Flamininus. Passados vinte anos, outra guerra terminou
com a supressão da monarquia macedónia (168 a.C.). Novas perturbações incitaram Roma a
transformar a Macedónia em sua província (146 a.C.). Nesse mesmo ano, a cidade de Corinto
revoltou-se e foi arrasada.

Deste modo Roma tinha, em dois séculos, assegurado para si o domínio do Mediterrâneo
europeu - ao mesmo tempo, de resto, que procedia à conquista da Ásia Menor e da África do
Norte cartaginesa.

A CRISE DA CIDADE NO SÉCULO I A.C.


As consequências da conquista
A expansão territorial de Roma teve profundas repercussões na sociedade e na economia da
Itália. A transferência das riquezas dos países conquistados e a chegada do produto do saque
ou das imposições romanas provocaram a modificação das condições de vida. Tal
enriquecimento, todavia, só foi proveitoso para os estratos dirigentes - representados nos
senadores e nos cidadãos mais ricos, os cavaleiros - cujas atividades financeiras e comerciais
beneficiaram com a nova situação. Formaram-se grandes propriedades fundiárias favorecidas
pelo incremento da escravatura - os latifundia. Ao mesmo tempo, a Itália era atingida pelas
influências orientais com a introdução de novos cultos como o da deusa Cybele, o de Dionysos
e o da divindade egípcia Isis. O urbanismo não escapou a esta evolução: assim foram
construídas - no século II a.C. - as primeiras basílicas com finalidades judiciárias. O panorama
da vida privada sofreu, igualmente, transformações: a casa tradicional, com vestíbulo (atrium),
foi prolongada por um jardim rodeado de peristilo com colunas. Subsistia, no entanto, um
sério problema, relacionado com o crescimento da população urbana e com o

História I 26
empobrecimento dos meios rurais parcialmente arruinados pelas guerras. Um primeiro
projeto e repartição das terras, proposto pelos irmãos Gracos - Tiberíus e Caius -, terminou
com o assassínio de ambos. O poder senatorial não parecia capaz de resolver a crise. Estava
aberto o caminho para tentativas pessoais de tomada do poder.

A crise política
As reformas tentadas pelos Gracos haviam feito nascer uma nova corrente política - os
populares -, que reunia os partidários de uma transformação das estruturas em benefício do
povo e se opunha ao meio conservador dos optimates. Por outro lado, o exército, até então
composto de cidadãos recrutados por conscrição, estava a tornar-se cada vez mais num
exército profissional de voluntários - o que vinha reforçar os laços que uniam os soldados aos
seus chefes. Deste modo houve em Roma, a partir do fim do século II a.C., uma série de
confrontos pelo domínio da cidade - objeto das guerras civis. O peso dos exércitos tornou-se
determinante e foi com os seus soldados que Sylla se apoderou de Roma em 88 a.C. e 82 a.C.,
fundando o seu poder na ditadura - uma antiga magistratura temporária que se transformou
em instituição permanente e permitiu a Sylla eliminar os seus adversários por meio de
sangrentas proscrições. Da mesma forma, Pompeu - outro general - julgou ter conseguido
ganhar o domínio da política romana: mas teve de enfrentar a oposição de César, que,
aureolado com as suas vitórias na Gália, atravessou o Rubicão - fronteira do Sul da província - e
veio apoderar-se de Roma em 49 a.C.

O nascimento do Império: de César a Augusto


A evolução interna de Roma anunciava as transformações do fim do século I a.C. A conceção
de um poder confiado a uma única pessoa capaz de restabelecer a concórdia e a paz estava no
centro das reflexões de Cícero, orador e membro do Senado. Durante breve período do seu
governo - entre 49 a.C. e 44 a.C. -, César deu início a uma série de reformas que tendiam a
reforçar o seu poder pessoal, concretizado na sua nomeação como ditador vitalício. O seu
assassínio, a 15 de Março de 44 a.C., apenas serviu para protelar a consumação dos factos.
Depois de nova guerra civil, entre os herdeiros de César - o seu lugar-tenente, Marco António,
e o seu filho adotivo, Octávio -, o triunfo de Octávio em Actium, na costa ocidental da Grécia
(31 a.C.), fez deste o único senhor do mundo romano e o Senado concedeu-lhe, em 27 a.C., o
título de «augusto».

História I 27
O ESPAÇO IMPERIAL EUROPEU
A conclusão das conquistas
Em 31 a.C., o mundo romano não havia ainda chegado às suas fronteiras definitivas; e uma
importante parte da obra do primeiro imperador, Augusto (31/14 a.C.), consistiu em dar
fronteiras coerentes ao espaço romano.

Na Europa Ocidental
As províncias gaulesas e ibéricas, conquistadas na época republicana, não estavam ainda
inteiramente integradas no Império. Assim, Augusto concluiu a sua conquista desencadeando
campanhas militares no Noroeste da Península Ibérica e nas regiões alpestres. Os troféus
edificados em Saint-Bertrand-de-Comminges, nos Pirenéus, e na Turbia, acima do Mónaco,
celebram esses sucessos - acompanhados da criação das províncias alpinas da Nórica e da
Récia. Em contrapartida, César enfrentou maiores dificuldades para realizar o seu programa na
Germânia - onde esperava anexar as regiões compreendidas entre o Reno e o Elba. Apesar das
numerosas campanhas que iniciou a partir do Reno e do Danúbio, Roma não pôde quebrar a
oposição das tribos germânicas e chegou a sofrer um desastre quando, no ano 9, três legiões
suas foram aniquiladas pelo querusco Arminius, que coordenava resistência germânica.
Augusto teve, assim, de renunciar ao seu projeto e de voltar à conceção de uma fronteira
baseada no Reno e no Danúbio. Esta situação concretizou-se no final do século I, sob o reinado
de Domiciano, com a criação de duas províncias: a Germânia Inferior e a Germânia Superior.

Entretanto, o imperador Cláudio tinha decidido conquistar a Britânia repetindo as tentativas


sem futuro de César por ocasião da guerra das Gálias. O desembarque romano efetuou-se em
43 e a tomada da capital dos Catuvelónios, Camulodunum (Colchester), assinalou início do
poderio romano na Britânia - nova província acrescentada ao espaço imperial ocidental.

A Europa Oriental
A Europa Oriental apresentava as mesmas dificuldades que o setor renano. A leste da Nórica,
as regiões da Panónia (Hungria) e da Ilíria (Jugoslávia) constituíam um obstáculo às
comunicações entre o Ocidente e a parte oriental do Império e podiam, mesmo, vir a ser uma
ameaça para a Itália: a revolta dos povos da Ilíria - entre os anos 6 e 9 - obrigou Roma a intervir
a fim de instalar duas províncias no coração da Europa: a Dalmácia e a Panónia. A ocupação
das regiões danubianas ficou concluída, no século I, com a criação da província da Mésia (no
ano 15) e a anexação do reino da Trácia (reduzido a província romana no ano 46). No entanto,

História I 28
além da ameaça dos povos germânicos, havia ainda a norte do Danúbio uma outra, muito
forte: a do rei dácio da Transilvânia e dos Cárpatos. Os Dácios, originários da Trácia tinham-se
organizado em reino e já nos tempos de César o seu rei, Burebista, inquietava Roma. No fim do
século I, o rei Decebal não hesitou em lançar da sua capital, Sarmizegetusa, incursões a sul
Danúbio, em terra romana. Para garantir a segurança das fronteiras e também para poder
apoderar-se das importantes riquezas auríferas dos Dácios, o imperador Trajano promoveu,
entre 101 e 106, duas campanhas em cujo desfecho também a Dácia passou a ser uma
província romana. A coluna trajana, em Roma, ornada de baixos-relevos que recordam as
guerras da Dácia, comemora esses acontecimentos. Esta última campanha veio encerrar o
processo de estabelecimento do espaço imperial - que, em fins do século I e princípios II,
sofreu apenas modificações de pormenor com a repartição Panónia, da Mésia e da Dácia em
duas províncias cada uma.

A DEFESA DO IMPÉRIO
O exército
O poder imperial e a segurança no Império assentavam, fundamentalmente, no exército. A
proteção dos territórios europeus foi, pois, entregue a um dispositivo militar composto de
legiões de cidadãos romanos e de tropas auxiliares, alas de cavalaria e coortes de infantaria
recrutadas nas populações indígenas do Império. A frota estava estacionada na Itália, nos
portos do Miseno e de Ravena, a fim de dominar o Mediterrâneo; e as regiões periféricas da
Bretanha, do Rena e do Danúbio eram protegidas por flotilhas. A repartição de forças era
desigual e dependia não só da importância estratégica dos sectores como também da variação
geográfica dos perigos externos. Enquanto na Península Ibérica - em Leão - se mantinha uma
única legião, a defesa da Grã-Bretanha era confiada a quatro e depois a três, instaladas em
Caerleon, York e Chester. O grosso das tropas estava concentrado no Reno e no Danúbio: de
oito a quatro legiões no Reno, com acampamentos em Nimega, Xanten, Neuss, Mogúncia e
Estrasburgo... e de dezoito a vinte legiões no Danúbio, ou seja: cerca de 200 mil homens com
os seus auxiliares, repartidos pelos acampamentos de Viena de Áustria, de Altenberg, na
Hungria, de Belgrado, na Jugoslávia ou ainda na foz do Danúbio, em Iglita (Roménia).

A EUROPA ROMANA
Nos I e II séculos, Roma disseminou na metade meridional da Europa uma organização política,
um género de vida e uma cultura - com fundamentos principalmente gregos - que traziam

História I 29
consigo um poderoso elemento de unificação. Este, contudo, nem abafou as identidades
regionais nem repeliu as forças de inovação.

Integrada num Império unificado, a Europa conheceu durante quatro séculos um período
único na sua história, no qual as formas de civilização greco-romanas penetraram amplamente
em todas as províncias sem, todavia, apagar as características próprias das componentes
regionais.

A UNIDADE POLÍTICA
O poder imperial
O imperador
O advento do Império não arrastou consigo a supressão das instituições republicanas; mas, de
facto, a nova repartição das competências acarretou o gradual declínio do papel das
assembleias populares - visto que o imperador chamou a si a maior parte das atribuições
dessas assembleias. O título imperator era a expressão desse poder que englobava não só o
comando dos exércitos - função essencial de imperator - como ainda os poderes judicial e
legislativo. No domínio religioso, o imperador tinha o título de «sumo pontífice» - que lhe
conferia o total domínio e direção da religião romana e dos grandes colégios religiosos. Era por
força desse título que ele podia autorizar ou proibir a prática de novos cultos no Império. Além
disso, uma parte importante do poder do imperador baseava-se também nos laços
privilegiados que o uniam ao seu povo - do qual, como «pai da pátria», era ele o protetor. Esta
proteção exercia-se mediante as gratificações por ele oferecidas ao povo de Roma - jogos,
distribuições de trigo, construções - e por via da sua ação junto dos provincianos e do exército,
cuja fidelidade ele reforçava com dádivas em dinheiro (donativum). A evolução destes laços
encontrou prolongamento nas manifestações do culto imperial.

O culto imperial
No reinado de Augusto já se venerava em Roma o seu génio - genius -, e o seu culto era
associado ao de outras divindades como os lares. Por outro lado, o prestígio pessoal do
imperador acrescia-se, logo de origem, com a evocação da sua filiação em César, que fora
divinizado post mortem. Quando um imperador morria, a cerimónia da apoteose, decidida
pelo Senado, vinha consagrar esse acesso dos imperadores à divinização. Nas províncias foi
instituído um culto a Roma e a Augusto que viria a ter grande desenvolvimento durante o Alto
Império. Esse culto reforçava a imagem dinástica, que tendia gradualmente a impor-se muito

História I 30
embora a designação do imperador e a atribuição dos seus poderes continuassem, em teoria,
a pertencer ao domínio do Senado e do povo romano.

A administração central
A reorganização do poder central impunha-se a Augusto para que este pudesse corresponder
às necessidades do Império. O Senado e a ordem senatorial mantiveram o seu lugar, mas o seu
recrutamento foi alargado aos habitantes das províncias: sob Trajano, imperador de origem
hispânica, a Península Ibérica forneceu vários senadores. Os senadores eram amplamente
utilizados na administração, onde ombreavam com os cavaleiros - já organizados numa ordem
equestre dedicada à administração imperial. Era neste corpo de servidores que o imperador
recrutava os prefeitos que dirigiam os grandes serviços do abastecimento de Roma (prefeito
da Annona), da segurança da cidade (prefeito dos Vigiles) ou ainda da guarda imperial
(prefeito do Pretório) e da marinha (prefeito da Frota). Os serviços financeiros passaram a ser
geridos por um cavaleiro - o procurador a rationibus - que desempenhava funções de ministro
das Finanças.

A ADMINISTRAÇÃO CENTRAL
Princípios gerais
Enquanto a Itália continuava a ser um território privilegiado, dispensado do pagamento do
imposto - o tributum -, que fora suprimido aquando da conquista da Macedónia, em 146 a.C.,
as demais regiões da Europa estavam sujeitas ao sistema provincial. O seu solo dependia,
portanto, da imposição, que era a marca da conquista, e o seu governo era confiado a um
representante do poder central. Este representante era escolhido segundo uma repartição das
províncias estabelecida em 27 a.C. entre o imperador e o Senado. Como regime geral, o
Senado enviava diretamente, por um ano, um governador com o título de «procônsul» para as
províncias que não tinham exército; e o imperador escolhia, de entre os senadores, o legado
imperial, que nomeava por um prazo médio de três anos para ficar governar cada uma das
outras províncias. Para províncias consideradas secundárias, o imperador podia designar como
governador um cavaleiro com o título de «procurador-governador».

As províncias europeias
Em conformidade com estes critérios, as províncias europeias dividiam-se, no século I, em três
grandes grupos. As províncias senatoriais eram, em geral, províncias antigas ou regiões
afastadas das fronteiras: a Gália narbonense, a Bética, a Sicília, a Macedónia e Acaia. O

História I 31
imperador tinha plenos poderes no resto das províncias, isto é, na maior parte do território da
Europa romana. O estatuto destas províncias variou em função das circunstâncias. As regiões
governadas por procuradores-cavaleiros eram: as províncias alpina a Sardenha-Córsega, o
Epiro, a Trácia, a Récia e a Nórica. O terceiro grupo era constituído pela Hispânia Citerior, a
Lusitânia, a Aquitânia, Lionesa, a Bélgica, a Bretanha, a Dalmácia e as Germânias, Panónias
Mésias, que eram administradas pelos legados.

O Império: uma federação de cidades


Um orador grego definiu o Império como «uma federação de cidades». Na Europa, no quadro
geral das províncias, a cidade e seu território eram, com efeito, a base da organização política
e da vida social e religiosa dos habitantes.

Tradições e criações
Já antes da conquista romana fora observado nas populações indígenas um fenómeno de
proto-urbanização. Com a formação do Império, esse movimento generalizou-se e a Europa
ficou coberta por uma rede de cidades - resultado, em primeiro lugar, de uma colonização que
Roma impôs, como no caso das colónias de Saragoça, de Mérida e de Barcelona, na Hispânia,
ou de Narbonne, de Béziers e de Lyon, na Gália. Esta colonização estendeu-se a todas as
províncias europeias, muitas vezes em relação com a atração exercida por acampamentos
militares em populações que se instalavam nas suas vizinhanças, em canaboe como
Colchester, Lincoln, Gloucester e York na Grã-Bretanha, Xanten, Colónia, Mogúncia e
Estrasburgo no Reno, Pcetovio (Ptuj) e Aquincum (Belgrado) na Panónia, etc. Ao mesmo
tempo, surgiram mais ou menos em toda a parte cidades indígenas com instituições
decalcadas no modelo das cidades italianas. Este movimento chegou também, em certa
medida, às zonas rurais, nas quais se formaram aglomerados secundários, ou vici.

As estruturas municipais e a promoção jurídica


As cidades eram administradas por magistrados - questores, edis e duúnviros - mas, fora das
colónias romanas, onde os habitantes beneficiavam do direito romano, as demais cidades
tinham um estatuto jurídico restrito. Podiam, contudo, conseguir - num primeiro tempo uma
forma de promoção mediante a concessão de um direito inferior, o direito latino, que era um
passo no sentido da cidadania romana; com efeito, abria esta cidadania aos magistrados da
cidade quando cessavam as suas funções. Os exemplos mais bem conhecidos são, na Península
Ibérica os das cidades de Salpensa (Málaga) e Irni. A cidadania romana progrediu, ao longo de

História I 32
várias gerações, nas províncias da Europa e esta evolução foi confirmada pelo édito de
Caracala, do ano 212, que reconhecia a todos os habitantes livres do Império a condição de
cidadão romano: era o primeiro exemplo de uma única cidadania no território europeu!

A UNIDADE CULTURAL
As condições gerais
A «pax romana»
As províncias da Europa, abrigadas por fronteiras defendidas pelo exército e pelo limes,
puderam desenvolver-se num clima de relativa paz. As trocas económicas e a valorização dos
solos intensificaram-se. A exploração das minas da Península Ibérica (o ouro do noroeste e o
ferro de Aljustrel, em Portugal, etc.), da Dácia, da Dalmácia, da Nórica e da Grã-Bretanha
fornecia os minérios necessários ao Império (ouro, prata, ferro, chumbo, estanho). As
necessidades de azeite eram cobertas pela exportação do azeite espanhol da Bética, que era
enviado para Roma e para as regiões militares. As oficinas de olaria multiplicaram-se, quer na
Península Ibérica quer na Gália, e esta era favorecida pela proximidade da clientela militar
instalada no Reno e no Danúbio. Este clima de segurança era, todavia, frágil e os imperadores
tiveram por diversas vezes de intervir a fim de conter as ameaças germânicas no Reno e,
principalmente, no Danúbio - no sector panónio, onde os Quados e os Marcomanos,
reforçados pelas tribos iranianas dos Sármatas, representavam um perigo permanente e eram,
muitas vezes, difíceis de repelir. A partir do reinado de Marco Aurélio (161-180), a situação
agravou-se nitidamente e o limes foi transposto: foi necessária toda a energia do imperador
para que a paz fosse restabelecida mediante uma série de campanhas que em Roma são
recordadas pela coluna de Marco Aurélio.

Unidade linguística e jurídica


A partir de Augusto, o mundo romano foi dominado pelo bilinguismo greco-Iatino. A língua
latina passou a ser a língua oficial das regiões da Europa Ocidental - se bem que os idiomas
locais pudessem manter-se, como prova o calendário gaulês de Coligny (Ain). O grego
continuava a ser a língua dominante na Europa Oriental, a partir das províncias da Macedónia
e da Trácia. Difundiu-se no conjunto das províncias um modelo de cultura greco-latina que as
crianças aprendiam, pelas obras de Homero ou de Virgílio, com o mestre-escola - o didaskolos
dos países de língua grega ou o magister dos países de língua latina. Roma e Atenas - mas
também Autun, na Gália - tinham escolas de nomeada. Unificaram-se as práticas jurídicas e em
toda a Europa o direito romano se impôs para as relações entre particulares. O esforço

História I 33
legislativo dos imperadores veio acentuar esta evolução - principalmente a partir de Antonino
(138-161), com os grandes juristas Salvianus e Gaius. O direito romano preponderava cada vez
mais sobre os direitos locais.

As comunicações
As comunicações entre as diversas regiões europeias foram amplamente melhoradas durante
o Império. O Mediterrâneo continuava a ser um eixo privilegiado e as rotas marítimas faziam
convergir para os grandes portos mediterrânicos da Europa as produções do Império. Ostia
assegurava o abastecimento de Roma e de toda a Itália e o porto de Aquileia fazia o trânsito
dos produtos entre as regiões da Europa Central e a Itália. No fórum de Roma, um marco
miliário de ouro recordava o papel fundamental das estradas, cuja rede se desenvolveu
consideravelmente na Itália e em todas as províncias. Bastará lembrar a Via Appia, de Roma
para o sul da Itália, ou os grandes eixos europeus como os de Cádis a Roma, o do vale do
Ródano a Bolonha ou a Mogúncia passando por Lyon, o de Londres à muralha de Adriano ou
ainda a rede viária do limes e as grandes estradas alpestres, a estrada do Adriático a Bizâncio
pela Macedónia e pela Trácia. Na realidade, a importância crescente das regiões fronteiriças na
vida do Império tendia a deslocar as grandes correntes de circulação - originariamente
centradas no Mediterrâneo - para as regiões setentrionais do Império, no sector reno-
danubiano.

A INTEGRAÇÃO RELIGIOSA
O sincretismo
O sincretismo foi a forma característica desta integração em que o panteão romano se fundiu,
sem encontrar obstáculos, com os deuses locais. Os grandes deuses romanos como Júpiter,
Marte, Mercúrio e Minerva estão atestados em todas as regiões europeias; mas, em muitos
casos, perderam as suas características propriamente romanas e assimilaram elementos
indígenas: Júpiter, representado com uma roda, recorda o deus céltico Taranis; e a difusão do
culto jupiteriano nas zonas rurais ou montanhosas é o fruto de uma assimilação a deuses
indígenas. As sociedades provincianas aceitavam sem dificuldade estes cultos, muito próximos
das formas das suas próprias tradições religiosas. Ao mesmo tempo, edificando templos ou
altares votivos, Roma introduzia as suas representações iconográficas e monumentais e as
províncias adotavam-nas facilmente.

História I 34
A evolução do culto imperial
Esta evolução inscreve-se nessa vontade de dar coesão religiosa às províncias europeias. O
apego ao imperador podia manifestar-se não só no âmbito da província - em redor do templo
provincial, como em Tarragona ou em Colchester, ou do altar das Três Gálias, como em Lyon -
mas também nas cidades que dedicavam monumentos à família imperial: o templo de
Conímbriga (Condeixa-a-Velha, Portugal), o templo da «Casa Quadrada» e o altar do Jardim
das Fontes, em Nimes, ou ainda o templo de Roma e de Augusto, na Acrópole de Atenas, em
frente do Parthénon. A fim de homenagear a dinastia imperial eram edificados nas cidades
verdadeiros complexos arquitetónicos como o santuário do Ninho das Cegonhas (Avenches,
Suíça), que tem um templo, um pórtico e um teatro. Este culto inscreveu-se, assim,
profundamente na paisagem monumental das províncias.

OS MODOS DE VIDA
Uma civilização do vinho
A introdução do vinho nos hábitos alimentares da Europa foi, na verdade, uma das grandes
transformações que estas regiões sofreram. A parte oriental da Europa Romana já conhecia o
uso do vinho desde a época grega, em que a vinha e o vinho eram os símbolos do deus
Dionysos. O vinho, introduzido pelos Gregos no ocidente, só teve real difusão com a conquista
romana. Exportado, a princípio, da costa italiana (região da Campânia), ganhou rapidamente
uma posição primacial no conjunto da produção das províncias ibéricas e gaulesas em
detrimento dos vinhos italianos - que continuaram, contudo, a abastecer o mercado romano.
Assim se esboçou, durante o Império, uma nova geografia vitícola da Europa em que
predominaram as regiões da Catalunha, do Bordalês, da Borgonha, do vale do Mosela, do
Reno, etc. A produção, transportada em ânforas ou em toneis destinava-se, em grande parte,
aos exércitos das regiões fronteiriças.

O aparecimento da produção de consumo


O consumo de vinho era apenas um elemento de um movimento mais geral no sentido de uma
certa uniformização dos géneros de vida. O crescimento e a multiplicação dos centros urbanos
provocavam o aumento das necessidades. As escavações arqueológicas evidenciam a difusão
de produtos que - com variações regionais - se encontram praticamente em toda a parte. A
planície do Pó, a Aquileia e o sector do Reno foram centros de produção de uma abundante
vidraria que se espalhava pelos mercados europeus da mesma maneira que os variados
objetos de cerâmica (vasos, baixelas, estatuetas) provenientes das numerosas oficinas locais

História I 35
ou regionais. Os notáveis indígenas manifestavam também a sua adesão à civilização romana
adotando os costumes e os modos de vida dos conquistadores - até no envergar da toga, que
consumava a sua integração na cultura romana muito embora se continuasse a usar um
vestuário mais adequado às condições do clima, como o cucullus (manto com capuz) ou as
braccae (bragas).

O habitat
O habitat acompanhou esta evolução e foi mesmo um dos seus aspetos essenciais. Nos
campos europeus, as construções indígenas cederam o seu lugar a villae organizadas conforme
o modelo mediterrânico: os peristilos com colunas, as salas decoradas com mosaicos e
pinturas murais e os jardins adornados com lagos encontravam-se tanto nas villae das
províncias meridionais da Gália e da Península Ibérica como nas da Germânia e da Récia. As
villae constituíam-se em volta de grandes conjuntos urbanísticos com fórum, basílica, templo e
recintos de espetáculos (teatro, anfiteatro, circo); e a construção de termas assinala uma típica
penetração dos hábitos mediterrânicos. Deste modo, um viajante que percorresse a Europa
encontraria nas villae os monumentos mais importantes - símbolos da participação numa
mesma cultura.

IDENTIDADES REGIONAIS E FORÇAS NOVAS


O peso das tradições
O mundo indígena
As transformações que estavam atingindo a Europa não fizeram desaparecer as
particularidades locais. Em numerosos domínios, as formas tradicionais do meio indígena
perduraram e até se reforçaram. A explicação do fenómeno é delicada: desenvolvimento por
ação de novas condições ou resistência à penetração da influência romana? De qualquer
modo, o certo é que se verificou um notável desenvolvimento dos cultos indígenas em todas
as regiões. As dedicatórias votivas multiplicaram-se, todas elas dirigidas a divindades locais,
puramente indígenas: Endovellicus na Lusitânia, Epona ou Borvo na Gália, Nehalennia no delta
do Rena, Brigantia na Bretanha, o culto das Matres (Mães), espalhado nas regiões do Reno e
do Danúbio. Estas divindades estavam, muitas vezes, associadas a deuses romanos - Mars
Ocellus e Apollo Anextlomarus na Bretanha, Hercules Maguusanus na Germânia, Mars
Vesontius, protector de Besançon, Apollo Grannus na Gália e na Nórica. Amplamente
disseminados nas zonas rurais, estes cultos estavam também presentes nas cidades: o templo
de Sulis Minerva em Bath, na Britânia, o de Vesunna em Périgueux. Em muitos casos, os

História I 36
santuários indígenas de planta centrada – romano -céltica, como se costuma chamar-lhes -
eram pura e simplesmente a continuação dos santuários indígenas pré-romanos.

O estudo destes cultos revela igualmente que, embora tenham evoluído durante o Império, as
estruturas sociais indígenas nem por isso perderam a sua originalidade. As tribos dos altos
vales da Macedónia, da Trácia e das regiões alpestres conservaram, em grande parte a sua
organização; e o mesmo fenómeno se observa na Europa Ocidental, onde o estudo dos nomes
(a onomástica) e das relações de parentesco nos dá um precioso testemunho da força das
tradições. Por outro lado, os habitantes continuavam muito ligados aos seus locais de origem -
e tocamos aqui os limites de uma romanização que, por muito importante que tenha sido, não
só não apagou as especificidades regionais como até permitiu, em certa medida, a formação
de uma mais forte consciência de se pertencer a uma comunidade cujo dinamismo podia
manifestar-se no interior do sistema das províncias.

O helenismo
Num outro plano, o helenismo foi também uma componente essencial da tradição cultural do
Império Romano. O peso político do mundo grego era já secundário; mas, em contrapartida, a
cultura helénica conservava todo o seu prestígio e beneficiava mesmo de um novo interesse -
facto que nos permite falar de um renascimento grego no século II, em particular sob Adriano
e Marco Aurélio. Atenas continuava a ser uma capital intelectual onde os jovens romanos iam
iniciar-se nas doutrinas filosóficas da escola platónica ou da escola aristotélica, no epicurismo
ou, principalmente, no estoicismo; Marco Aurélio até ali criou uma cadeira de retórica e de
filosofia. A prática grega do evergetismo - princípio segundo o qual um indivíduo fazia
donativos à cidade na esperança de a sua memória ser por isso conservada pelos concidadãos -
espalhou-se em todas as províncias europeias e veio enriquecer os adornos arquitetónicos das
cidades (o Odéon de Atenas, oferecido no século II por Herodes Ático). Foi também a partir da
Grécia e do Oriente que se difundiram as novas correntes religiosas.

AS NOVAS FORÇAS RELIGIOSAS


Os cultos orientais
Já bem integradas no mundo grego, as religiões orientais, que propunham uma liturgia
baseada em ritos iniciáticos celebrados por ocasião de «mistérios» e ofereciam perspetivas de
salvação, alastraram à totalidade das regiões europeias. A Itália tinha já recebido a deusa frígia
Cybele, associada a Atis. No fim da república, a divindade egípcia Isis - atestada na Grécia e nas

História I 37
ilhas do Egeu frequentadas pelos negociantes italianos, como a ilha de Delos - chegara já à
Campânia e a Roma. No século l, foi a vez do deus iraniano Mithra, que penetrou na Península
Itálica com um tipo de santuário subterrâneo, o mithroeum; encontramo-lo na Campânia, em
Ostia e em Roma. Estes cultos alastraram nas províncias com intensidade variável de uma para
outra. A Península Ibérica, já de há muito aberta ao Oriente, era um terreno propício aos
cultos orientais, que não se fixavam apenas nos portos mas atingiam também as populações
do interior. lsis foi venerada em Tarragona, em Valência e também em Valladolid e em Guadix,
perto de Granada; e Mithra teve um mithroeum em Mérida. A Gália foi sensível,
principalmente, a Cybele - como testemunham a coleção de altares de Lectoure e o
importante centro cultual que foi Lyon. Mas as religiões orientais estavam na moda, acima de
tudo, nas regiões militares. Por exemplo: Mithra gozava de grande apreço dos soldados da
Britânia, da muralha de Adriano, das fronteiras germânicas e das regiões danubianas - onde o
seu culto teve grande curso na Nórica, nas Panónias e nas Mésias.

Nascimento e evolução do Cristianismo


O Cristianismo, que surgira na Palestina, está atestado na Europa por ocasião das missões do
apóstolo Paulo, nos anos 50, com a existência de comunidades cristãs em Tessalonica e em
Corinto, onde o apóstolo viveu. Nessa mesma época, o imperador Cláudio expulsou cristãos de
Roma; e em 64 o imperador Nero deu início à primeira perseguição, que vem pôr em evidência
o grau de crescimento daquela comunidade romana - visitada pelos apóstolos Pedro e Paulo,
que ali morreram. No princípio do século II, o túmulo de Pedro, no Cammpus Vaticanus, era já
local de veneração. A situação dos cristãos continuava, porém, a ser difícil: a recusa do culto
imperial e a asserção de uma religião monoteísta chocavam com o poder do imperador e com
a oposição das populações. A difusão do Cristianismo na Europa foi muito lenta. Por volta do
ano 200, havia na Itália três bispados: Roma, Milão e Ravena. O primeiro testemunho da
presença de cristãos na Gália é o martírio sofrido pela comunidade cristã de Lyon em 177, no
qual foram executados o bispo Pothin e Blandina. Foi preciso chegar-se ao século III para que
surgissem bispados em Arles, Marselha, Narbonne, Vienne, Paris, Reims e Tréveros. Foi
igualmente no século III que começaram a aparecer bispados na Península Ibérica - em Mérida,
Saragoça e Leão-Astorga. Em contrapartida, a Bretanha e as regiões reno-danubianas não
tinham ainda sido atingidas por esta corrente religiosa, que se implantara mais fortemente no
Oriente.

História I 38
No decurso de dois séculos, tinha-se instalado uma organização da Europa Romana, unificada
no contexto de uma mesma cultura greco-latina mas confrontada com outra Europa, a dos
povos germânicos uns «bárbaros» aos olhos de Roma e que, pela contínua pressão que
exerciam nas suas fronteiras, ameaçavam tão frágil equilíbrio de forças.

CARPENTIER, Jean, LEBRUN, François (dir.) – História da Europa, Lisboa: Editorial Estampa,
1996. p. 75-105.

História I 39
A OPINIÃO DO HISTORIADOR
O processo de aculturação desenvolvido na sequência da chegada dos primeiros
exércitos romanos à Península Ibérica parece ter tido nos próprios soldados os seus principais
agentes. A este respeito, pode citar-se o mencionado caso da colónia de Carteia, fundada em
171 a. C., para nela serem instaladas as famílias, mulheres e filhos naturais dos soldados da
Hispânia. Estes processos de miscigenação com as populações locais, bem como a instalação
na Península de antigos soldados que aqui tinham combatido, terão constituído, sem dúvida,
um primeiro e importante passo em todo este processo.
O exército como factor de romanização funcionou, de facto, num duplo
sentido, que devemos sempre ter presente. Por um lado, é evidente que a fixação na
Península de antigos soldados constituiu um importante contributo para a
generalização de um novo modo de vida. No entanto, a participação de auxiliares
hispânicos no exército romano terá contribuído de igual modo para a habituação dos
naturais a esta nova existência, a que não deixaram certamente de ser indiferentes.
Uma vez licenciados, regressados às suas comunidades, estes antigos soldados
auxiliares poderão ter exercido uma influência notória nos seus conterrâneos, embora
se afigure bastante difícil avaliar o seu peso real.
Outra componente não despicienda de agentes de romanização era constituída pelos
inúmeros comerciantes que se encontravam na Península Ibérica, nas proximidades dos
acampamentos militares, durante todo o período da conquista. (...)
O processo de constituição de clientelas locais promovido por diferentes
governadores das províncias hispânicas terá constituído uma outra forma de,
progressivamente, ambientar as populações locais ao modo de vida romano. Todo este
processo sofreu certamente uma significativa alteração qualitativa no período das
guerras civis. A partir dessa época a emigração de romanos para a Hispânia passou a
ter um carácter completamente diferente. Não se tratava já de emigrantes que
tentavam a sorte num novo território ou de representantes dos interesses de ricos
patronos, mas sim de emigrantes políticos, exilados da sua cidade. Tratava-se, pois, de
uma emigração de elite.
No contexto dos confrontos da primeira metade do século I a. C. merece
particular destaque a acção de Sertório. De facto, o partidário de Mário parece ter
firmado sólidas alianças com os poderes indígenas locais e a sua iniciativa de
constituição de uma escola local para os filhos dos magnatas peninsulares deve ter

História I 40
tido enormes repercussões no processo de aculturação das populações locais.
Finalmente, o seu senado em solo hispânico, bem como a constituição de um exército
regular de forte componente indígena constituíram outros tantos factores de
romanização das populações locais.
Durante o reinado de Augusto, a grande reforma administrativa e territorial
consolida o processo pela instalação em solo hispânico de grandes contingentes de
cidadãos romanos com a fundação de diversas colónias. A política de urbanização, não
só das novas cidades, mas também de alguns povoados indígenas, como, por exemplo,
Conímbriga ou Selium, constitui um outro importante contributo na afirmação de um
novo modo de vida. À margem das grandes medidas institucionais houve, contudo,
outras iniciativas, bem mais anónimas, mas certamente não menos importantes. Tais
iniciativas consistiram na instalação de simples cidadãos romanos nos povoados
indígenas. (...)
O complexo fenómeno de aculturação desencadeado pela ocupação romana
teve como um dos aspectos mais importantes a progressiva instalação de um novo
modelo de sociedade. As transformações por que passou então o mundo peninsular
foram extraordinariamente complexas. Sem pretender reduzir tudo a uma explicação
simples e linear, podemos, no entanto, salientar o papel fundamental que a cidade
desempenhou nesse processo. De facto, o Império Romano é a realização política de
uma sociedade de matriz urbana. A sua primeira e principal expressão material é, por
isso mesmo, a cidade. Foi nela e através dela que a cultura romana se afirmou,
expandiu e implantou.
A cidade na Antiguidade é, como sempre, um centro de poder político,
administrativo e religioso. Estas diferentes formas de poder, hoje independentes,
estavam no mundo antigo profundamente ligadas entre si. A cidade constitui,
também, um pólo territorial, que tira a sua subsistência e acumula riquezas extraídas
de um espaço mais vasto, exercendo uma natural atracção não só sobre os habitantes
desse espaço, mas também sobre as de paragens mais longínquas. Por tudo isso,
concentra-se na cidade uma população numerosa e heterogénea, que inclui os
representantes máximos de todos as poderes; uma elite proeminente, com eles
estreitamente relacionada; uma grande multiplicidade de indivíduos, de diversos níveis
sociais, ligados às actividades institucionais; os trabalhadores que se dedicam ao
comércio e ao artesanato; e ainda uma multidão indiferenciada de escravos,

História I 41
assalariados, militares e marginais.
As cidades são, por outro lado, importantes mercados e centros de
transformação, onde, naturalmente, afluem, por vezes vindos de muito longe, os mais
diversos produtos, desde os mais elementares aos mais requintados. Suscitam
também o desenvolvimento de vastas áreas agropecuárias nas suas imediações, para
garantir o abastecimento dos seus moradores. Deste modo, o estudo dos vestígios
materiais conservados numa antiga cidade revela-se sempre da maior importância
para o conhecimento de um grande número de dados referentes à civilização material
da área que ela dominava.
O processo de implantação de uma rede de centros urbanos na Península
Ibérica pelos Romanos foi gradual e complexo, em virtude da diversidade cultural
existente nos diferentes territórios. Assim, nos locais onde o fenómeno urbano já
existia, a romanização consistiu na progressiva assimilação dos hábitos e instituições
romanas, apesar de em muitos deles os indígenas poderem manter o seu direito,
religião e costumes próprios. Foi o que aconteceu nas cidades que adquiriram a
estatuto de cidades federadas, o que lhes conferia esse direito. Deste modo, os
cidadãos romanos que nelas se instalavam, além de se regerem pelas leis de Roma,
teriam de obedecer também ao direito local; os problemas dai decorrentes eram
julgados, em ultima instância, pelo governador provincial ou por um seu legado.
Infelizmente não possuímos quaisquer informações sobre os regimes jurídicos dos
centros urbanos meridionais do actual território português. (…)
Como se sabe, as vias constituem uma das mais famosas e impressionantes
realizações do poder imperial de Roma. Na Península, como em todo o resto do
império, constituíram um dos elementos materiais mais poderosos da administração
romana, para além das cidades. Formavam uma rede constituída par estradas,
pavimentadas com grandes lajes de pedra, frequentemente pontuadas par colunas
cilíndricas, os chamados «marcos miliários», que forneciam ao viajante indicações
sobre as distâncias percorridas ou a percorrer entre os principais centros urbanos.
FABIÃO, Carlos – O passado proto-histórico e romano. In MATTOSO, José, (dir.)
História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1997. Vol. 1. p. 227-234.

História I 42
O QUE DIZEM AS FONTES

«Como dissemos, a primeira região da Europa é, a ocidente, a Ibéria. A maior


parte do seu território é inóspita: para habitar, oferece-nos principalmente montes,
florestas e planuras cobertos por um solo delgado no qual, de resto, a água não reparte
por igual os seus benefícios. O norte acrescenta a estes inconvenientes o de estar
afastado da circulação dos homens e das relações comerciais com o resto do país, não só
por causa do seu solo rochoso mas também por lá prevalecer um frio rigoroso e por estar
à beira do oceano. Deste modo, é excessivamente penoso ali viver. Assim são as
condições desta parte da Ibéria. O sul, em contrapartida, é quase inteiramente fértil [...] A
Ibéria assemelha-se a uma pele de boi estendida [...] cujo rebordo oriental é o monte
Pirineu, uma cadeia contínua que corre de sul para norte, o maciço que separa a Céltica
da Ibéria [...] Os montanheses são todos frugais. Apenas bebem água e dormem no chão.
Deixam os cabelos crescer-lhes até muito abaixo, como as mulheres; mas, para combater,
prendem-nos na testa com uma fita larga. Alimentam-se, principalmente, de carne de
bode [...] Durante dois terços do ano, as populações montanhesas vivem apenas de
bolota de carvalho. Secam-nas, pisam-nas em pedaços e depois reduzem-nas a farinha,
com a qual preparam um pão que se conserva durante muito tempo [...]

Assim é o género de vida das populações montanhesas - e entendo com isto as


populações que se distribuem pela orla norte da Ibéria: os Calaicos, os Astúrios e os
Cantabros, até ao país dos Vascos e ao monte Pirineu. Com efeito, todos eles vivem da
mesma maneira. Dada a canseira da transcrição, não me arrisco a enunciar a
multiplicidade dos seus nomes [...] Hoje, todavia, graças à paz e às frequentes visitas dos
Romanos, a situação é melhor, se bem que aqueles que menos beneficiam destas
vantagens sejam também de um trato mais difícil e de uma natureza mais animal.»

Estrabão, Geografia, III, 1,2-3, 3, 7-8

(sg. F. Lasserre, Paris, Les Belles Lettres, 1966)

Estrabão foi um historiador e geógrafo grego (63/64 a.C. - c.24 a.C.) que passou
grande parte da sua vida em viagem, deixando importantes descrições geográficas do
mundo conhecido no seu tempo. Numa das suas obras consagra um capítulo à Península
Ibérica, que nunca visitou, referindo os rios, a orografia e uma descrição dos seus povos.

Neste texto, note-se a enumeração de um conjunto de características que,

História I 43
segundo ele, eram demonstradoras do barbarismo desses povos: a dieta frugal,
desconhecendo o vinho, o trigo e a oliveira, bem como a aparência física, referindo os
longos cabelos e não mencionando a roupa usada.

Importante salientar a opinião do autor relativamente aos benefícios alcançados


pelas populações indígenas em resultado dos contactos estabelecidos com o invasor
romano. Os que menos beneficiavam dessa proximidade eram classificados como tendo
«uma natureza mais animal».

História I 44
PROPOSTA DE TRABALHO
LEIA COM ATENÇÃO O SEGUINTE TEXTO:

Depois de ter conquistado os soldados pelas suas liberdades, o povo por


distribuições de víveres, toda a gente pelas doçuras da paz, foi-se elevando
insensivelmente, e atraiu a si a autoridade do Senado, magistrados e leis. Ninguém lhe
resistia: - os mais altivos haviam caído nos campos de batalha ou sob a alçada das
proscrições; o que restava da nobreza era tanto mais cumulado de riquezas e de
honras quanto mais servil se mostrava (…). As províncias também não eram contrárias
ao novo poder: tinham antigas queixas do governo, do Senado e do povo, por causa
das querelas dos grandes, da avareza dos magistrados e da impotência das leis contra
a violência, as brigas e o dinheiro.
Tácito (c. 55-120).
(TÁCITO: historiador, orador e político romano. É considerado um dos maiores
historiadores da Antiguidade.)

Após a leitura do texto, elabore uma pergunta sobre o mesmo e forneça uma
proposta de resolução.

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