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FUNDAGAO OSWALDO CRUZ Presidente | Paulo Gadtibe Vice-Presidente de Ensino, Informagio © Comunicagio Nisia Trindade Lima EDITORA FIOCRUZ Diretora Nibia Trindade Lima Editor Executivo Jodo Carles Canasta Mendes Eeditores Cientificos Gilerta Hochman Ricardo Ventura Santor Conselho Editorial Ana Lia Tees Rabel Armando de Obra Scbubech Carls EA, Coimbra Jt Gerson Oliveira Penna Joseli Lanes Vieira Ligia Vieira da Sioa Maria Ceca de Sous Minayo | Concho Texas ew SaoDe Editores Responsiveis ‘Mana do Carmo Leal Nisia Trindade Lima Ricardo Ventura Santer PAULO AMARANTE Sadpe MENTAL E— ATENCAo PstcossocrAL 3* Edigio Revista © Ampliada 36] meros paises, ¢ aio apenas na sociedade ocidental, como obser: va Eric Hobsbawn (1996). Principalmente apés a promulgagio da lei francesa de 30 de junho de 1838, a primeira lei de assisténcia 20s alienados de toda a histéria, varios hospitais de alienados foram criados nos mais diferentes paises, reproduzindo os principios e as estratégias ado- tadas e estimuladas por Philippe Pinel. E, pot seu pioneirismo lideranca, muitas delas levam seu nome e valorizam sua (inega- vvelmente) grande obra. Das PsiquraTrias REFORMADAS AS Rupruras com A PSIQUuIATRIA Desde 0s primeiros momentos de sua instauragio, 0 alienis- ‘mo foi objeto de muitas crticas. Muitos de seus contemporaneos observaram que 0 isolamento ¢ o tratamento moral representa- vam paradoxos com os ideais libertirios da Revolusio Francesa Que estranha instituigio seria essa que sequesttava ¢ aprisionava aqueles aos quais pretendia libertar? “Como tio pouco saber pode gerar tanto poder?” fi como Foucault (2006: 70) resume a questo. No Brasil, temos uma das mais importantes e perspicazes ctiticas a0 alienismo ou mesmo 4 sua versio contemporinea, a psiquiatra. Alids,tratase de uma critica nfo apenas a0 alienismo, mas 20 modelo de ciéncia positivista que o autorizou ¢ o legiti- mou. Mas, curiosamente, esta ctitica tio vigorosa nfo é proveni- cnte de uma obra cientifica, e sim literéria. Estou me referindo a 0 Alienista, de Machado de Assis, que é, certamente, uma obra ‘que todos os profissionais que lidam com a psiquiatra, a psico- logia, a satide mental ea atengio psicossocial deveriam conhecer como base de sérias e profundas reflexdes € nfo apenas como satisfacio literdria. O debate sobre a normalidade/anormalidade, sobre a ciéncia como produtora de verdade, sobre 0 mito da sneutralidade cientifica; todos estes aspectos sio ricamente abor- dados por Machado de Assis. B no minimo provocativa a analogia estabelecida entre 0 Abienistaeahist6ria real de criagio e transformacio do Hospicio lo 38] de Pedro Il, 0 primeito hospicio brasileiro que praticamente reproduz os similares franceses. Suspeito que Machado de Assis pudesse ter se inspirado em Joio Catlos Teixeira Brandio, 0 primeiro diretor da Assisténcia Médico-Legal a Alienados do Brasil e primeito diretor geral do Hospicio Nacional de Aliena- dos, considerado 0 “Pinel brasileiro”, pois muitas situag6es do conto sio semelhantes & realidade. Mas, retornando as eriticas dos contemporineos de Pinel, de fato, ocorteu que os primeiros asilos ficaram rapidamente su- perlotados de internos. A enorme dificuldade em estabelecer os limites entre a loucura e a sanidade; as evidentes fungies sociais (ainda) cumpridas pelos hospicios na segregacio de segmentos marginalizados da populagio; as constantes dentincias de vio- lencias contra os pacientes internados, fizeram com que a credi- bilidade do hospital psiquidtrico e, em iiltima instancia, da pr6: pria psiquiatria, logo chegasse aos mais baixos niveis. , Uma primeira tentativa de resgatar 0 potencial terapéutico da instituigéo psiquidtrica ocorreu com a ptoposta das ‘coldnias de alienados’. A ideia surgiu de um convincente relato de um alienista francés sobre Geel, uma estranha aldeia belga. A historia ‘comecou no século VI, na Ielanda, num misto de lenda ¢ hist6- ria, Fala-se de uma princesa, de nome Dymfna que, na premén- cia de escapar do assédio de seu pai viivo que queria desposé- 1a, foi refugiar-se no interior da Bélgica. O esconderijo seria perfeito, nio fosse 0 proprio Diabo que, além de ser 0 res- ponsivel pela tara do Rei, também aproveitasse para denunciar © paradeiro da princesa. Encontrada, em decotréncia de sua forte devogio e convicgio crista, recusa-se a entregar-se a0 pai. Por sua itredutbilidade foi decapitada em praca publica pelo proprio pai ‘A historia se reduziia a mais um caso de filicidio, dentre os tuntos patricidios, fraticidios etc., existentes nas familias reais, nao fosse o fato de que um alienado que assistira& cena tivesse recuperado subitamente a Razio. A princesa foi canonizada pelo Vaticano, sendo considerada a Santa Protetora dos Insanos. Na data de sua morte, passaram a ser organizadas romarias com os familiares e seus loucos, que provinham de todas as partes da Europa em busca de uma cura milagrosa, Na medi- fem que muitos no eram curados no primeiro ano, as familias ais abastadas passavam a pagar aos aldedos para que cuidas- sem de seus parentes até a festa do ano seguinte, Resumindo a histéria, a comunidade passou a adquirir um trato muito especial com os alienados que, para surpresa dos alienistas, pas- saram a trabalhar, com foices e enxadas, e a se recuperarem, ‘nio mais por milagre, mas pelo trabalho. Trabalho terapéutico, coneluiram, E se puseram a organizar instituigdes, denominadas colénias de alienados, construidas em grandes areas agricolas, onde os alienados pudessem submeter-se ao trabalho terapéutico. Para as colénias eram contratados familiares (denominados de muti cios), que passavam a habitar em tais asilos protegidos para cui- dar dos internos. 5 alienistas brasileiros do inicio do século XX, a exemplo dle Waldemar de Almeida, foram adeptos fervorosos das col nias de alienados, pois consideravam que o trabalho seria ‘o meio terapéutico mais precioso’, que estimulava a vontade e a energia © consolidava a resisténcia cerebral tendendo fazer desaparecer ‘os vestigios do delitio’. As primeiras coldnias brasileiras foram criadas logo apés a Proclamagio da Repiiblica e chamavam-se Colonia de Sao Bento [39 0] Coldnia Conde de Mesquita, ambas na Ilha do Galedo, atual Tha de Governador, no Rio de Janeiro Com a gestio de Juliano Moreira, psiquiatra baiano que dici- gia Assisténcia Médico-Legal de Alienados por quase trés dé- cadas, foram criadas dezenas de coldnias pot todo o pais, ten-

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