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INTRODUCAO AO ESTUDO DAS SITUACOES DIDATICAS GUY BROUSSEAU Introducao sempre nos perguntamos quais sao os conhecim tematicos “necessarios” para a educacio ea Beni co evar a cabo sua difusio. So abundantes os textos sobre a finalidade da matemitica, e eles explicam a neces- sidade de, em uma sociedade, cada cidadao dispor de uma cultura matematica suficiente e, a0 mesmo tempo, contar com uma quantidade adequada de técnicos e cientistas para enfrentar 08 desafios do futuro — quando, ao que tudo in- dica, a matematica viré a desempenhar um papel impor- tante nisso. Esses textos falam também da importancia das propriedades formativas inerentes 4 matematica, tanto individualmente, pelas capacidades que parece desenvol- yer, como no ambito coletivo. O comportamento racional de uma sociedade, ou seja, sua relagao tanto com a verdade quanto com a realidade, nao repousa exclusivamente nas virtudes individuais de seus membros; requer uma pratica social e uma cultura que devem ser ensinadas na escola. A matematica constitui um campo no qual a crianga pode iniciar-se mais precocemente na racionalidade, no qual dnomas mal pode forjar sua razdo no ambito das relagées aut € sociais. Também nos questionamos sobr‘ para atender a essa demanda social: em So da transmissiio dos conhecimentos matemiticos ¢ das ciéncias da educagao, da psicologia ou da propria mate- matica? Que lugar ocupam nessa difusao os conhecimentos te didética e, mais precisamente, de didética da matematica’ eos meios que criamos que medida 0 suces- depende 15 Guy Brousseau Quais instituigdes podem garantir a coeréncia e a Pertingn. 7 desses conhecimentos? : Nas tiltimas décadas, um enorme conjunto de estudos ex perimentais e de formulagao de teorias relacionadas a educa. do matematica desenvolveu-se no mundo. Hoje, a aborda. gem da teoria das situages diddticas apresenta-se como um instrumento cientffico. Tende a unificar e integrar aS contri. buiges de outras disciplinas e proporciona uma melhor com. preensio das possibilidades de aperfeigoamento € regulacig do ensino da matematica. Embora os resultados de algumas pesquisas tenham sido adotados como novos métodos de en. sino, ndo é minha intengio fazer proselitismo nesse sentido, Acredito que, no século XX, nao faltaram profetas nem pio- neiros no campo da educagio, Pessoalmente, e em primeiro lugar; quero propiciar a reflexdo sobre as relagées entre 8 contetidos do ensino e os métodos educacionais, Depois, ede forma mais ampla, pretendo abordar a didatica como campo de pesquisa cujo objeto é a comunicagao dos conhecimentos matemiticos e suas transformagoes. Origens da teoria das situacdes Com frequéncia, ©ensino € concebido-como. asrelacdes i 2 ‘pgdo de ensino em que o professor organiza o conhecimento a ser transmitido em uma série de mensagens, das quais 0 aluno toma para si o que deve adquirir, Esse esquema facilita a de- terminagao dos objetos a serem estudados, o papel dos agen- 16 introducao ao estudo da teotia das situacbes didaticas Conhecimento escolar jransposica0 didatica Sistema educacional Comunicacéo Figura 1 tes do processo € a atribuigao do estudo do ensino a diferen- tes disciplinas. A matematica, por exemplo, tem a fungao de legitimar 0 saber escolar; as ciéncias da comunicaciio so responsaveis pela tradugao do conhecimento em mensagens adaptadas; a pedagogia e a psicologia cognitivas responsabi- lizam-se pela compreensao e sistematizagao das aquisigdes e aprendizagens do aluno etc. O propésito essencial dessas mensagens é a aculturagao do aluno pela sociedade. Logica- mente, esse modelo nao exclui a intervengao de outras disci- plinas complementares no esclarecimento de algum aspec- to do processo, mas hierarquiza o impacto que possam vir a ter. Pois bem, psicélogos demonstraram, a propésito dos fendmenos de aprendizagem e em diferentes perspectivas, a importancia da tendéncia natural dos individuos de adaptacao ao meio: Skinner estudou 0 papel dos estimulos € propds a construgdo de um modelo de sujeito'; Piaget —— ' Seus eriticos, como Chomsky, inicialmente, e Nelson ou Arbib, d sigaints « ici ‘LEI © seguidores, como Suppes, criam modelos de sujeito por m : io de autématos formais. Guy Brousseau mente a genese nao escolar dos conhe- nto, com base em sua formacao cient. sitivos experimentals COM OS quais a adres de pensamento e 0 pesquisa- iS comportamentos, as estruturas e conhecimentos matematicos de sua preferéncia; Vigétski estudou as modalidades de influéncia do meio sociocultu- ral na aprendizagem dos alunos; e 0 proprio estudo do meio, consequentemente, deu lugar a um Ambito ideolégi- trabalhou essencial cimentos @, para tal fica, concebeu dispo: crianga revela seus P: dor reconhece, em seu co ou cientffico. : ; Sob essas perspectivas, 0 ensino passa a ser, pois, uma atividade que concilia dois processos: um, de aculturagao, e outro, de adaptagdo independente. Nos anos 60, quando era estudante de matemitica e jé contava com alguns anos de docéncia no ensino fundamen- tal, um professor mandou-me estudar psicologia cognitiva com Pierre Greco. Este me impressionou com sua habili- dade de criar dispositivos experimentais destinados a evi- | denciar a originalidade do pensamento matemético de | criangas nas diversas etapas de desenvolvimento. No en- Hits, percebia que entre suas preocupagées nao estava analisar os dispositivos em si mesmos nem evidenciar a re- a cones os matematica cuja aquisicao estu- } propciadas para ie eo que condigdes podem ser dade de um anal eon qualquer tenha a necessi- \ tomar certas decisdes? E See determinado para \ 740 pela qual o faria? Oo rita explicar de anteméo a ra- \ Tesposta: ensinar e seat Sino tradicional jé tinha uma | Os Cispostivos nigra Podiam se adaptar es 'getianos mostraram que as criangas i env F a ©0S ainda nao ensinados, olvendo conhecimentos mateméti- re Introducdo ao estudo da teoria das situacdes didaticas Estudar os problemas e exercicios que fazem com que uma nogao matemiatica seja usada é trabalho habitual dos matemiaticos, tal como apresentar os conhecimentos tidos como necessarios. Entretanto, como para cada nogao existe todo um conjunto de problemas e exercicios espectficos, po- derfamos pensar que essa via de investigacao tinha poucas chances de oferecer informagées sobre a aquisi¢4o de conhe- cimentos gerais. Dessa perspectiva, 0s comportamentos dos alunos re- velam o funcionamento do meio, considerado como um sis- tema. Portanto, é 0 meio que deve ser modelado. Assim, um problema ou exercicio nao pode ser considerado mera re- formulagaéo de um conhecimento, mas um dispositivo, um meio que responde ao sujeito, segundo algumas regras. Que jogo o sujeito deve jogar para precisar de um conhecimen- to determinado? Que aventura — sucessio de jogos — pode levé-lo a conceber ou adotar esse conhecimento? Dessa perspectiva, 0 sujeito é descrito como um jogador de xa- drez que atua levando em consideragéo somente os pro- prios conhecimentos e 0 estado do jogo. Que informacao, que sangao pertinente deve 0 sujeito receber do meio para tas escolhas e comprometer tal conhecimento em orientar si levam a considerar 0 vez de outro? Essas perguntas, pois, meio como um sistema autOnomo, antagdnico a0 su jeito, e lelo, visto como um | tipo € deste que convém fazer um mod: modelo de interagao de um que. determina um certo ‘sujeito com um meio especffico in rt conhecimento, como 0 recurso de que 0 st! ito dispoe para alcangar ou conservar, nesse meio, um estado favoravel. Algumas dessas situagdes requerem @ aquisi¢ao “anterior” ~ de todos os conhecimentos e esquemas necessarios, mas ha 19 ™ Guy Brousseau outras que dao ao sujeito a possibilidade de Construin, po, si mesmo, um conhecimento novo em uM processo de a nese artificial’ _. Cabe ressaltar que a palavra situagao serve, em sua acep gdo comum, para descrever tanto 0 conjunto (nao Necesga. riamente determinado) de condig6es que delimitam uma acdo como um dos modelos (eventualmente formais) Usados para estudé-la. Em 1970, na Universidade de Bordeaux, estavam pre. sentes as condigdes institucionais necessdrias para propor 9 projeto cientifico de construgao de modelos das situagées usadas no ensino ~ a fim de analisé-las e, eventualmente, criticd-las — e sugerir outras mais adequadas. Com 0 estudo concebido dessa maneira, poderiam ser introduzidos, na an4- lise, argumentos da organizagao do saber matemiatico e ou- tros de cardter econdmico e ergondmico, assim como consi- derar outras restrigdes, em especial as que poderiam surgir como conclusdes de trabalhos de psicologia ou sociologia, com a condigéo de tornd-las funcionais, isto é, de precisar como intervém efetivamente. * A busca das condigées necessérias & concretizagao da aprendiza~ gem levou Brousseau a desenvolver a nogio de engenharia didética como metodologia de pesquisa e como criagao de situagdes de ensi- no. Ver Brousseau (1982) e também Chevallard (1982) e Artigue (1990). (N. da t. da edigdo argentina) 20 A. A modelagem das situacdes na didatica 1. As situac6es ” 6 um modelo de interagéo de um sujeito com um meio determinado. O recurso de que esse sujeito Ima “situe dispde para alcangar ou conservar um estado favordvel nes- se meio é um leque de decisdes que dependem do emprego de um conhecimento preciso. Consideramos 0 meio como. subsistema auténomo, antagénico ao sujeito. Assim, ao to- marmos como objeto de estudo as circunsténcias que regem a difusao e a aquisig¢ao dos conhecimentos, vamos nos inte- ressar pelas situagdes. No comego da década de 70, as situagaes diddticas eram “aquelas que servem para ensinar sem que seja levado em con- tao papel do professor”. Para transmitir um determinado co- nhecimento utilizavam-se “meios” (textos, material etc). A engenharia didatica estudava e produzia esses meios. A situacao era, portanto, o contexto que cercava o aluno, projetado e manipulado pelo professor, que a considerava uma ferramenta. Posteriormente, identificamos como situ- ‘4¢0es matemdticas todas aquelas que levam o aluno a uma ati- vidade matematica sem a intervengao do professor. Reser- Vamos 0 termo situagées diddticas para os modelos que descrevem as atividades do | edo aluno._ a De acordo coma segunda acepgao, que sera estudada na Parte B, a situacdo didética € todo 0 contexto que cerca 0 ~tluno,nele incluidos 0 prof Guy Brousseau Consideremos um dispositivo criado por alguém queira ensinar um conhecimento ou controlar sua tquise cao. Esse dispositivo abrange um meio Material ~ a, Se gas de um jogo, um desafio, um problema, incly exercicio, fichas etc. — e as regras de interagao ¢ dispositivo, ou seja, 0 jogo propriamente dito, Contudo somente o funcionamento e o real desenvolvimento do dispositivo, as partidas de fato jogadas, a Tesolugdo do problema etc. podem produzir um efeito de ensino. Por. tanto, deve-se incluir o estudo da evolucio da situagag, visto pressupor nel, 8 bes Sve um OM esse situago, independentem nte de qualquer intervengio do professor ao longo do processo. Os conhecimentos se mac nifestam essencialmente gomo instrumentos de controle das situacdes. ee Para ilustrar o papel desempenhado pelas relagdes en- tre o funcionamento dos conhecimentos do aluno e as carac- terfsticas das situagées — relagées essas manifestadas nos comportamentos do aluno —, tomemos como exemplo a li- ¢&o “Quem vai dizer 20?”" O objetivo da aula era revisar a operagao de divisio, dando-lhe um sentido diferente do aprendido em ligdes an- teriores, de modo a favorecer, nas criangas, a descoberta ea demonstracao de uma série de teoremas. *Perrin-Glorian (1994, p. 106) afirma: “Essa situagao teré um papel importante nos primeiros fundamentos da teoria. Foi objeto de intt- meras pesquisas tedricas e experimentais, baseadas na probabilida- de e na estatfstica, e permitiré, ao mesmo tempo, desenvolver a teo- ria, bem como ilustré-la durante a década de 70”, (N. da t. da edigfo argentina) >» Introdugao ao estudo da teoria das Situac6es didaticas 0 jogo Entre dois jogadores, cada um deve chegar ao ntimero 90 somando 1 ou 2 ao nimero dito pelo outro, alternada- mente. O que comega diz 1 ou 2; 0 que continua soma 1 ou 9 a esse ntimero. Por sua vez, 0 primeiro jogador acrescenta mais 1 ou 2, € assim sucessivamente. O que chegar primei- ro ao niimero 20 ganha 0 jogo” A estratégia vencedora consiste em encontrar o quanto antes a sucesso 2, 5, 8, 11, 14, 17, 20. Posteriormente, vere- mos que deve ser usada, desde o comego da partida, a pro- gressao aritmética de termo geral, razio 3 (ntimeros que tém o mesmo resto quando divididos por 3)." Descricao geral da situacao O professor explica a regra do jogo e comeca uma par- tida na lousa, jogando com uma das criangas. A seguir, cede seu lugar a outro aluno. Primeira fase: jogo de um contra um As criangas jogam varias partidas (um contra um) e vao anotando os niimeros escolhidos. Apés uma série de partidas, percebem que responder aleatoriamente nao é a melhor estratégia. Alguns logo descobrem a vantagem de dizer 17. * Veja Brousseau (1978) e (1998). (N. da t. da edigdo argentina) 1A ligao “Quem vai dizer 20?” é a primeira de uma série, que con~ tinua com “Quem vai dizer 262”, “Quem vai dizer $72” e, posterior- ‘mente, “Quem vai dizer 3642", somando niimeros compreendidos Entre 1 e 13 etc, Assim, os alunos sio levados a criar um método Para encontrar o resultado das subtragées sucessivas, quando desco- “em que reinventaram a divisao, uma operagao que jé conheciam, 23 Guy Brousseau Segunda fase: jogo de uma equipe contra outra Os alunos sao divididos em duas equipes rivais, ¢ irs fessor escolhe aleatoriamente, em cada grupo, um aking para estar a frente da equipe naquela rodada e jogar diante dos colegas- Enquanto a partida é disputada, os demais ay. nos nao podem intervir. Aquele que ganha soma um Ponto ua equipe. Nessa etapa, as criangas descobrem a im. para sl “ ae discutir e definir estrategias. portancia de Terceira fase: descobrir teoremas O professor propoe que cada equipe apresente as estra- tégias descobertas que @ levaram a vitéria. Aqui, 0 jogo con- siste em demonstrar a veracidade dos enunciados propostos ou criticé-los e eventualmente provar que a estratégia ad- versaria é falsa. 2. Uma primeira abordagem da classificacéo das situacdes didaticas Tendo em vista as fases descritas na ligdo “Quem vai dizer 202”, faremos uma primeira abordagem da classificacao das si- tuagdes. Na proxima parte, veremos uma caracterizagao geral. Situacao de acaéo A primeira fase do jogo corresponde a uma situacdo th pica de ago: a cada passo, e um por vez, 0s alunos, depois de analisar 0 estado da competicao, tomam decis6es € propoem um niimero. Ao fim de alguns passos, vem 0 resultado: @ partida esta ganha ou perdida. , Basore que a crianga joga mais partidas, de atégias, isto 6, razdes que a levam a & senvol- scolher 24 Introduco ao estudo da teoria das situacdes didéticas um nimero em vez de outro. Por exemplo, preferiré o nti- mero 10 a0 9, por acreditar, erroneamente, que de alguma maneira 0 jogo esta relacionado 4 numeragao decimal; o 17 ao 16, porque percebeu, de maneira intuitiva, que j4 yencera antes ao escolher esse ntimero. A partir de entao, tudo acontece como se ela jé soubesse 0 teorema-em-ato" — “tem de dizer 17” — ou como se tivesse uma tatica “comple- ta” (ambos néo se distinguem). O que se observa disso é que sio necessérias varias partidas, até que cada aluno seja capaz de formular uma tatica, justificd-la e, finalmen- te, tirar conclusdes. Em geral, adota-se uma estratégia descartando, intui- tiva ou racionalmente, uma anterior. Submetida 4 experién- ova estratégia pode ser aceita ou nao, conforme a cia, a n a de sua eficdcia. A sucessao de apreciagiio que 0 aluno fi situagdes de acio constitui o aprender um método de resolucao de um problema. jogo, todos os niimeros lhe No final dessa fase, quan- er o 17 pode ganhar, 0 18 processo pelo qual 0 aluno vai Por exemplo: no comego do parecem igualmente importantes. do comega a perceber que se escolh ou 19 j4 nao Ihe soam adequados. Talvez, esse conjunto de relagoe ~ fique completamente implicito. A crianga sr capaz de formula- conjunto de rela: s — “se escolho 14 ou 17, posso ganhar” joga conforme esse modelo antes de se -lo. Denominaremos modelo implicito esse undo as quais 0 aluno toma suas decis6es gdes ou regras segundo as 's de formulé-las. ‘sem ter consciéncia delas e depois de f *O conceito de “teorema-em-ato” foi introduzido por G. Vergnaud, na teoria dos campos conceituais, cuja apresentacao detalhada pode ser encontrada em Vergnaud (1990). (N. da t. da edigao argentina) 25 Guy Brousseau Situagéo de formula¢do Na segunda fase, dois momentos podem sep hg a) quando o representante da equipe fica 4 iia eva los b) quando a equipe debate. *JORando, No caso a), uma crianga que nio est4 4 frent toda a informagao, observando as anotacdes dos dores, mas sem poder participar nem intervir, 0 joga na lousa esta em situacao de acio. No caso b), 0 meio para: cada um dos alunos é Constituig, pelo conjunto de partidas jogadas, especialmente a king: Para chegar a vitéria, nao basta que um aluno saiba como fe nhar. Deve também saber comunicar aos colegas sua Proposta de estratégia, pois essa é a Gnica maneira que tem de atuar na situacdo. Essa comunicagao esta submetida a dois tipos de re troagdo: uma imediata, por parte dos colegas — que a compre- endem ou nao (concordam com ela ou nao) -, e outra, mediata, por parte do meio, quando, no caso de ser aplicada a uma a tida especifica, a estratégia resulte vencedora ou nao. Observou-se que a mera formulagao nao tinha influén- cia alguma sobre os conhecimentos ¢ as convicgées dos alu- nos, mas impedia o desaparecimento dos teoremas-em-ato. fe ecolh, dois jor. aluno que Situacdo de validagado Nessa terceira fase, cada equipe elabora e propde um enunciado “itil para chegar ao ntimero 20” ou tenta de- monstrar que o enunciado do adversario é invalido. parece > ; 7 aluno Note que o meio se modifica nas sucessivas partidas ¢ cad i a faz suas formulacdes em funcdo de sua interpretagao dos rest! das partidas anteriores. (N. da t. da edigao argentina) 26 : | | Introducao ao estudo da teoria das situacdes didaticas : Nesse novo tipo de situacao, os alunos organizam enun- ciados em demonstragées, constroem teorias — na qualidade de conjuntos de enunciados de referéncia — e tanto apren- dem a convencer os demais alunos como a se deixarem con- vencer sem ceder a argumentos retéricos, autoridade, a se- dugo, a soberba, a intimidagoes etc. As razées que um aluno possa fornecer para convencer 0 outro, ou as que possa acei- tar para mudar de opiniao, serao progressivamente elucida- das, construfdas, testadas, debatidas e acordadas. O aluno nao s6 deve comunicar uma informagao, como também pre- cisa afirmar que 0 que diz é verdadeiro dentro de um siste- ma determinado. Deve sustentar sua opinido ou apresentar uma demonstra¢ao. 3, Tipologia das situacoes na didatica Quando um sujeito tenta controlar seu entorno, nem todas as suas agdes manifestam da mesma maneira seus conhecimentos. As relagdes de um aluno com o meio podem ser classificadas, no mfnimo, em trés grandes * troca de informagdes no codificadas ou sem linguagem (agdes e decisdes); * troca de informagées codii (mensagens); * troca de opinides (sentengas referentes enunciados que exercem 0 papel de teo ficadas em uma linguagem a um conjunto de ria). * Veja Brousseau (1986a, cap. 6)- (N- da t- da edigao argentina) 27 Guy Brousseau Na perspectiva da teoria das situagées, os alunos top. nam-se reveladores das caracter{sticas das situacoes as quais reagem (é importante ressaltar essa inversio de posi- sao em relagao as abordagens da psicologia, campo no qual as situagdes costumam ser estudadas como dispositivo para revelar os conhecimentos do aluno). Esquema geral de uma situacdo de acao Para um sujeito, “atuar” consiste em escolher diretamen- te os estados do meio antagonista em fungao de suas motivagdes. Se o meio -topode relacionar algum: back), re proprias ‘age com certa regularidade, o sujei- s informagdes as suas decisdes (feed- antecipar suas respostas e consideré-las em suas futu- decisdes. Os conheci mentos permitem produzir e mudar essas “antecipagdes”. A aprendizagem é 0 processo em que os conhecimentos so modificados, Podemos representar esses conhecimentos por meio de descricdes de taticas (ou procedi- Mentos) que o individuo parece seguir ou pelas declaracées daquilo que parece levar em nsideragao, mas tudo sao sé projegdes. A. manifestagaio observavel é um padrao de respos- ta explicado por um modelo de acao implicito. Feedback Inform. Aco Sujeito Meio Figura 2 28 Introducdo ao estudo da teoria das situagdes didaticas Esquema de uma situacao de formulacdo O repertério dos modelos implicitos de ago e 0 modo como se estabelecem séo muito complexos. Podemos supor, com base nas ideias de Bateson, que a formulacao de um co- nhecimento implfcito muda, ao mesmo tempo, suas possibili- dades de tratamento, aprendizagem e aquisi¢ao. A formula- gio de um _conhecimento corresponderia a uma | capacidade do sujeito de retoma-lo (reconhecé-lo, identifica-lo, decom- po-loe reconstrui-lo em um sistema lingufstico). O _meo que exigiré do su do sujeito 0 uso de uma formulagao deve, entio, en- volver (efetivamente ou de maneira fictfcia) um outro sujeito, a quem primeiro devera comunicar uma informagao. Des- sa forma, pode-se descrever a situagio usando 0 esquema de Osgood (1957). Porém, se quisermos determinar o contetido da comunicagao, também sera necessario que ambos os in- terlocutores cooperem no controle de um meio externo, de forma que nem um nem outro possa fazé-lo sozinho e que 0 (nico modo de ganhar seja obtendo do outro a formulagao dos conhecimentos em questao. ‘A formulacao dos conhecimentos envolve repertérios lingufsticos (sintaxe e vocabulario) variados. A aquisigéo Mensagens > te Informacao Acao Meio eS Figura 3 29 Guy Brousseau desses repertérios acompanha a dos conhecimentos ei dos por eles, mas ambos sao processos diferentes, Esquema de uma situa¢ao de validacdo Os esquemas de agao e de formulacao implicam Proces.. sos de corregio, seja empfrica ou apoiada em aspectog culty. rais, para assegurar a pertinéncia, a adequacio, a adaptaciy ou a conveniéncia dos conhecimentos mobilizados, M modelagem, no que diz respeito & situacao, permite distin guir_um novo tipo de formulacéo: 0 emissor jé nig informante, mas um | proponente, éum © receptor, um oponen- te. Pressup6e-se que possuam as mesmas informagées ne- cessdrias para lidar com uma questo. Colaboram na busca da verdade, ou seja, no esforco de vincular d forma Segura um conhecimento a um campo de » saberes ja conse idados, mas entram em confronto quando ha dtivida Juntos, en- carregam-se das relacdes formulada entre um meio € um conhecimento- relativo a ele. Cada qual pode posicionar-se em relag&o a um enunciado e, havendo desacordo, pedir uma demonstragio ou exigir que 0 outro aplique suas de- Partidas jogadas oa Figura 4 Oponente Proponente 30 | | Introduco ao estudo da teoria das situacdes didaticas Necessidade de institucionaliza¢ao das situagées No passado, acreditévamos que, ao considerarmos as s tuagdes de acao, formulacao e validagao, disptinhamos jé de todos os tipos posstveis de situacio. Tinhamos situagées de aprendizagem — no sentido dos psicdlogos — e se poderia pen- sar que haviamos reduzido o ensino a sucessées de aprendiza- em. Mas, no decorrer das experiéncias desenvolvidas na es- cola Jules Michelet, vimos que os professores, depois de certo tempo, precisavam ordenar um espaco. Nao queriam passar de uma ligdo & seguinte, queriam parar para “rever 0 que ja haviam feito”. Vimo-nos obrigados a perguntar a causa dessa resisténcia dos professores a reduzir a aprendizagem aos pro- cessos que haviamos concebido. Demoramos a perceber que os professores realmente eram obrigados a “fazer alguma coi- sa’: tinham de dar conta da produgéo dos alunos, descrever 0s ados e tudo que estivesse vinculado ao conheci- fatos observ: mento em questo; conferir um_ status aos. eventos da classe_ vistos como resultados dos alunos e do processo. de_ensino;_ determinar um objeto de ensino ¢ identificé-lo; aproximar as produgdes dos conhecimentos de outras criagdes (culturais ou ) e indicar quais poderiam ser reutilizadas. do programa, ~~ Em primeiro lugar, gumentacdo — 0 fato de garantir a consis .das modelagens, eliminando as que sao contraditérias, exige um trabalho teérico — mostraram @ necessidade de conside- rar as fases de institucionalizagao que deram a determinados conhecimentos 0 status cultural indispensdvel de saber” Tal téncia do conjunto (por imitagao, iniciagao, demonstréveis, decon- terminado, de acordo “Os conhecimentos sto meios transmissiveis comunicagao ete.), ainda que nao necessariamente trolar uma situagio e obter dela um resultado de' 31 esses feitos e, posteriormente, a ar- Guy Brousseau s teoremas-em-alo desapareciam rapidamente dig ia de uma formulagao € uma Comprovacio, o. Et particulares, € até mesmo os ptiblicos, Bete ualizados e tenderiam a desaparecer na Maré ¢, ; tidianas, caso nao fossem recolocados em i: al, cuja importancia € uso nao foram confi. ae pela sociedade. como 0 da ausénci nhecimentos riam context! Jembrangas CO repertério especi: mados pela cultur O funcionamento dos conhecimentos nao é igual ao ds saberes, tanto nas relagdes entre as instituigdes quanto na ati vidade isolada dos sujeitos. Uma nogao nao tem as mesmas propriedades como conhecimento e como saber, nem funcio- na da mesma forma como ferramenta de investigagao, nem oferece as mesmas possibilidades de expressao, nem funciona igualmente como instrumento de convencimento ou como ar- gumento, e tampouco foi aprendida da mesma maneira. As dialéticas Cada situagio pode fazer com que 0 sujeito progrida, e por isso também pode progredir, de tal modo que a génese de um conhecimento pode ser o fruto de uma sucessio (es- pontdnea ou néo) de novas perguntas e respostas, ¢m um processo que chamei de “dialética”. Nesses processos, a sll- cessbes de situagdes de acdo, formulagao e validagzo pode conjugar-se para acelerar as aprendizagens (sejam elas es- pontaneas ou provocadas). ae 5 produto cll com uma expectativa e uma exigéncia social. O saber 60 produ? ificar, anali tural de uma instituigdo que tem como objetivo identi organizar os conhecimentos, a fim de facilitar su@ communica (Brousseau e Centeno, 1991). Essa distingao entre conheciment e c ber &ilustrada com um exemplo na deserigao da stwasio sobre tagem (veja a parte 4). (N. da t. da edicao argentina) 32 | Introducao ao estudo da teoria das situacdes diddticas A agao e, posteriormente, a formulagio, a validago cul- tural € a institucionalizagao parecem constituir uma ordem razoavel para a construgao dos saberes. Essa ordem costuma ser observada na origem histérica das nogées, em que vemos uma suces (0 de formas protomateméticas € paramateméticas que precedem as formas matemiticas propriamente ditas* Essa ordem parece ir contra aquela em que os saberes sao pri- meiro reorganizados em discursos comunicaveis conforme o destinatério e, depois, somente “aplicados” a situacdes pesso- ais e “transformados” em decisdes. Na verdade, ndo ha uma lei geral que qualifique ou desqualifique nenhum desses pro- cessos; ha que se analisar as propriedades de cada um deles, 4. Situacao didatica, situacao adidatica, situacéo fundamental Na concepéo mais geral de ensino, a marca de um saber @ a associacao de boas perguntas com boas respostas. O pro fessor propée um problema; se o aluno resolver, demonstra que sabe; caso contrario, fica clara a necessidade de conheci- mento, que requer uma informacdo, um ensino. 4 priori, todo método que permita a memor veis é aceitavel, zac%o das associagoes favoré- A maigutica socrética limita essas associagdes aquelas que 0 aluno pode efetuar por si préprio, restrigao que visa garantir a compreensio do saber pelo aluno, porque ele mesmo 0 produz. Por conseguinte, somos obrigados a supor Pp 8 * Veja Chevall da edigao d (1985, edigao em espanhol: 1997, cap. 4) (N. da t. rgentina) 33 os Guy Brousseau que 0 aluno ja possuia esse conhecimento, seja Por té-lo tidy sempre (reminiscéncia), seja por té-lo construido Por sug atividade prdpria e isolada. Todos os procedimentos em que © professor nao da a resposta so aceitaveis para fazer com que o aluno adquira esse saber. , O esquema socratico pode ser aperfeigoado partindo-se do princfpio de que o aluno é capaz de adquirir conhecimen. to por meio da prépria experiéncia € interac4o com o meio, ainda que esse meio nao esteja organizado para fins didétj- cos: ele aprende vendo o mundo (hipdtese empirista-sensua- lista) ou formulando hipéteses dentro das possibilidades da propria experiéncia (hipdtese apriorista), ou mesmo em inte- racées mais complexas, formadas por assimilagées e acomo- dagdes como as descritas por Piaget. A semelhanca do que acontece na sociedade humana, 0 aluno aprende adaptando-se a um meio que é fator de con- tradigées, dificuldades, desequilibrios. Esse sua adaptagio, manifesta-se por intermédio dé postas, que sto a marca da aprendizagem. Esse processo psicogenético piagetiano opde-se ao dog- matismo escolastico: enquanto, para o primeiro, a aprendiza- gem acontece “naturalmente’, sem intengdo didatica, para o segundo tudo se atribui a arte de ensinar. Assim, a teoria de Piaget corre 0 risco de eximir 0 professor de toda responsa- bilidade didatica, o que representa um retorno paradoxal a uma espécie de empirismo. Porém, um meio sem intengoes di- daticas é incapaz de induzir o aluno a adquirir todos 0s co: nhecimentos culturais que se espera que obtenha. | Asconcepgées atuais doensino exigirao do professor que | _| provoque no aluno — por meio da seleco ) sensata dos “proble- __—__ mas” que propde — as adaptagdes desejadas. Tais problemas, \escolhidos de modo que o estudante os possa aceitar, devem 34 Introducao ao estudo da teoria das situacSes didaticas fazer, pela propria dinamica, com que o aluno atue, fale, refli- tae evolua. Do momento em que o aluno aceita 0 problema como seu até aquele em que se produz a Tesposta, o professor | se recusa a intervir como fornecedor dos conhecimentos que \ quer ver surgir. O aluno sabe que o problema foi escolhido para fazer com que ele adquira um conhecimento novo, mas precisa saber, também, que esse conhecimento é inteiramente f justificado pela légica interna da situagao e que pode prescin- | dir das raz6es didaticas para construf-lo. Nao sé pode como | deve, pois nao tera adquirido, de fato, esse saber até que o con- | siga usar fora do contexto de ensino e sem nenhuma indicagao / intencional. Tal situag%o denomina-se adidética. Pressupomos que cada conhecimento matematico tem pelo menos uma situagao que o caracteriza e o diferencia dos demais. Por outro lado, presumimos que 0 conjunto de situa- g6es que caracterizam uma mesma nogio é estruturado e pode ser adquirido de um pequeno nimero de situagdes di- tas fundamentais, por meio de um jogo de variantes, de varid- veis e de suas cotas.” Como 0 aluno nao pode resolver, de pronto, qualquer si- tuagio adidatica, 0 professor apresenta as que ele é capaz de 2. possivel procurar, por meios mateméticos e experimentais, quais valores dessas varidveis podem determinar as condigdes étimas de transmnissio de determinados conhecimentos ou explicar os que apa- recem como respostas (teoricamente) ideais as condigdes propostas ao aluno, Para alguns valores dessas varidveis, existe, no minimo, uma estratégia étima (do ponto de vista da dificuldade para a sua Projecao, confiabilidade, aprendizagem etc.) e um ou varios conheci- mentos correspondentes. Chamamos de varidvel cognitiva aquela que Se encontra em uma situagio tal que, pela escolha de valores diferen- tes, pode alterar © conhecimento étimo. Entre as variiveis cogniti- Vas, a8 varidveis didéticas sao as que o professor pode determinar. 35 Guy BrousseaU adidaticas elaboradas com fins dig, i r itido em um cos determinam 0 conhecimento trans) ! dete cos de a > senna ti ;nado momento € 0 sentido particular au fo in, a lat oe min das restrigoes € deformagoes adicionadas & situacgo razao das fundamental. situa mo aoe o sistema de interagbes do aluno e seu meio. Esse jogo mais am] plo é a siluagao didética, 4 ~ FE importante considerar, por ora, que uma situa fin. damental nao é a prior: uma situagdo “ideal para oO ensino, tampouco mais eficaz. Seu valor para 0 ensino se verifica em fungao de muitos outros parametros externos, tais como a possibilidade efetiva de realizagao em um ambiente psicos- sociocultural determinado. Para ilustrar o conceito de situagao fundamental, darei o exemplo exigido pela medida de conjuntos finitos, e que solucionar. As situagoes scolhida pelo professo, origina, consequentemente, 0 ntimero natural. O conheci- mento dos primeiros ntimeros naturais se manifesta por meio da contagem. Sua situagao “fundamental” de aprendi- zagem deve ser comunicdvel a uma crianga que nao saiba contar, mas que possa aprender a resolvé-la sem que o pro- fessor intervenha dizendo-lhe que conhecimento precisa usar. A realizagao efetiva em sala de aula exigiré interven- ges didéticas importantes, de outra ordem. O neném contando — uma cena familiar MA&g ~ Vov6, vocé sabia que o neném ja sabe contar? Avo ~ Sério? Eu quero ver! MAt Mostra pro vové como vocé sabe contar! _ NENEM (quatro anos) — Um, dois, trés, quatro, cinco, seis, sete, oito, dez, quinze... AVO (admirado) — Nossa! Parabéns! Agora, continua! 36 Introduao ao estudo da teoria das situacBes dist icas Mas “contar” mesmo nao sabe: contar tem) como projeto escolar Também faz parte da familia a tia Mirtes, que € profe gora aposentada. Pe pores Tia mirTES — Nao, vové, para saber se 0 neném sabe contar, temos de he mostrar os dedos e perguntar quantos tem. Depois, pedir que ele mostre os dedinhos, Nao basta recitar os nttmeros! E, se o neném nao souber, a mae nao precisa ficar chateada. Aos quatro anos, a maioria das crian- cas mal consegue entender realmente os ntimeros maiores que cinco. Os psicdlogos podem confirmar isso. Mie — Mas a nossa vizinha, a Carolina, que tem cinco anos, conta até 70. Tia Mirtes — Sim, claro, e cantar “A barata diz que tem sete saias de fil6..."", que tem mais de 70 palavras, mas nfo pensa nem por um instante que a historia é sobre um inseto repugnante que as maes matam com a vassoura. Uma colega mais nova contou-me que hoje em dia os pais pressionam os filhos para “fazé-los contar” precocemente. Isso nao é grave, mas ela comprovou que, influenciadas por tanta insisténcia, algumas criangas comegam a contar des- deo momento em que escutam a palavra “niimero’, sem re- fletir sobre a pergunta que hes foi formulada. Na sua clas- Se, essa colega tem alunos de trés ¢ quatro anos, de nivel iniciante, criangas que contam mecanicamente até além do nem com elas, nem com (Saber quanto niimero 50, e, por isso, nao pode — oe “ * Na edigdo argentina, foi usada como exemplo a cancio irae stays tropexé...", muitas vezes empregada para reforgar @ apren izagen te uma determinada sucessio numérica. Entretanto, para tral i al Gfetivamente o sentido do exemplo dado pelo autor, optamos Pp Substitut-la por uma cangao nacional. (N. dat.) 37 Guy Brousseau as que nao passam do ntimero cinco ~ organizar uma atiyj. dade matematica em comum, propria para a idade, Quantos tem? Uma situacao especifica L Agora, consideremos a seguinte situagao, que Pode ser traduzida em um enunciado adaptado a criangas de CINCO oy seis anos: “Nestes copinhos, temos tinta. Vocé tem de Pegar og pincéis ali e colocar um, e somente um, em cada Copinho, e tem de trazer todos os pincéis de uma vez, e nao pode go. brar nenhum copinho e nenhum pincel. Se vocé errar, tem de recolher todos os pincéis, leva-los para l4 e comecar de novo. Vocé saberd contar quando puder faxer isso, mesmo quan- do houver muitos copinhos’. Mais precisamente, a crianga sabera quantos tem quan- do puder desempenhar os dois papéi emissor) a alguém (um receptor) * 0 de solicitar (como , oralmente ou Por escrito, a quantidade de pincéis necessarios, verificando a operagao; e, inversamente, o de fornecer a quantidade solicitada. Essa situagao apresenta uma caracterfstica fundamental Por que, do ponto de vista didatico, e modificando as varidveis cognitivas’, podem ser descritas “todas” as situagdes de conta gem e também podem ser classificadas ¢ comparadas todas as praticas de contagem e sua aprendizagem. As praticas usuais de contagem que acabamos de apresentar sao obtidas, na situa- 40 fundamental, por Supressao ou transferéncia de certas ta- Pree SEE 3. Por exemy iplo: a natureza e tamanho do conjunto; a possibilidade de deslocar objetos; as circunstancias (1 uma vez; nao deixar & disposigao das c registro; antecipar quantos pacotes de tios para certa quantidade de copinhos) {trazer todos os pincéis de riangas nenhum material de cinco pincéis serdo necessé- ete. 3g Introdugao ao estudo da teoria das situacdes didéticas elas 2 adulto. Na primeira, que poderia ser chamada, exemple, de “contagem popular”, a crianga reproduz uma ot depalavras sobo controle do adulto. Na segunda, “ac in escolar classica”, ae elaborada, a crianca é ere fazer com que um seca corresponda a um conjunto de co- pinhos (trabalho de emissor) ou formar um conjunto que te- nha um determinado ntimero de pincéis. Aprender a contar Aprender separadamente essas praticas parciais implica que 0 adulto as ensina, exige-as, corrige-as, faz com que elas sejam imitadas e repetidas. A crianga nao tem condigées, em nenhum momento, de determinar por si mesma a finalidade da agao e de corrigir os préprios erros. No entanto, pais e professores usam com algum sucesso todas essas formas “deturpadas” da situagao fundamental, inclusive no caso ex- tremo da aprendizagem formal da sucessao de nimeros. Nao se trata de rechacar certas praticas, mas, sim, de aproveita- -las ao maximo, conforme suas particularidades. As princi- pais desvantagens da aprendizagem parcial sai * impedir que a crianga assuma a responsabilidade do juizo de valor das suas respostas; que conhega 0 projeto de aprendi- zagem de que participa e que possa avaliar os progressos por si mesma; e * a crianca precisar, de alguma forma, ter aprendido previa- mente a resposta para entender o que Ihe esta sendo pedido. A “definicdio” didatica é diferente: de novo situa as técni- Cas em uma agao global inteligivel. J4 nao exige que acrian- 6a saiba contar para entendé-la. O aluno deve simplesmente encontrar a solugao para o jogo com alguns copinhos. FE pre- 39 Guy Brousseau verificar a correspondéncia um a prendizagem pode comegar pela invengao de solu. ciso, também, que saiba um. Dessa forma, 0 processo de aj itagdio ou reproducao, mas nao pela imi endentemente dos recursos ut zados, goes estaveis, indep' Aprender os numeros Por tiltimo, para aprender os ntimeros, 0 aluno precisa enumerar’ os conjuntos (citar todos os objetos, sem excecao, um apés 0 outro e sem repeti-los) e, ao mesmo tempo, deter- minar quantos tem (calcular 0 ntimero cardinal fazendo a cor- respondéncia com outro conjunto); conté-los (fazer a corres- pondéncia entre seus elementos ¢ as palavras); e depois, se a contagem for feita por partes, deve enunciar (expressar 0 nt- mero oralmente, usando um sistema numérico) seu resultado e, em seguida, escrevé-lo. Além disso, deveré dominar 0 uso dos numerais ordinais da sucessao numérica etc. Entretanto, todos esses processos de aprendizagem po- ~ dem acontecer em resultado de uma conjungao de métodos, a saber: * em um processo construtivista, complementando as res- postas espontaneas ou induzidas com a institucionalizagao indispensdvel; * Em espanhol, a palavra contar remete a contagem e, consequente- mente, ao uso dos nameros. Porém, em outros idiomas, como 0 fran- cés, “enumerar” significa enunciar os objetos um por um, em uma lista. Por exemplo: quando se leva uma lista de compras para 0 st permercado e em certo momento se verifica se nao falta mais nada, & comum dizer: “falta” esse ou aquele produto, isto é, enumera-se, sem a necessidade de contar. (N. da t. da edigéo argentina) 4. Para os leitores interessados nesses temas, sugerimos: Briand (1998), Bahra (1995), Quevedo (1986) e Cauty. 40 jntroducao 20 estudo da teoria das situacées did Iddticas todos de ensino mais cla: mét ‘ yy) em Fee cos, como a maiéuti ou mesmo a axiomatica, com ligdes seguidas d uti- a ‘ s de exe ‘os, em resposta a problemas bem identificad xer= los pelo cay ici aluno- a forma, a situacéo fundamental nao desacredi . ita nenhuma forma de aprendizagem. Admite todas elas e p se per- | mite combiné-las: complementa as aprendizagens parciais, ue sao liteis € provavelmente necessarias, e, sobretudo, Ihes Dess q dé sentido. O uso puramente simbélico dos nimeros (para identifi- ou designar um objeto, como o niimero de um canal de televisio, de um telefone ou de um automével) parece nao ntar problemas, talvez porque a dificuldade principal 4 no aspecto fundamental da aprendizagem dos au- mas no conhecimento das propriedades dos des. O aluno deve ne- a dominar seu car aprese! nao esti tomatismos, dos ntimeros e suas opera’ conjuntos, e “conhecé-las”, para que poss cessariament' uso complexo. Além de usa! discutir as propried: elucidagdes so neces mente dita e devem acompanhé-| r, cedo ou tarde teré de elucidar, formular e ades e as estruturas numéricas. Essas sdrias para @ aprendizagem propria- Ja. Mas como € quando? Quantos tem? - uma experiéncia No ensino classico, @ compreensao do mo! a contagem pode dar resposta 4 um problem: Para se ter certeza, ha que se fazer perguntas d cesso de aprendizagem (classico) as criangas 4! contar uma colecéo quando solicitado (digamos, a mas no sabem resolver 0 probl nhos e pincé na posigao de emissor ou de rece mento em que a vem depois. jurante 0 pro- ue ja “sabem” até 30), is ema dos copil ptor: 4l Guy Brousseau Quevedo (1986) pode observar o seguinte compor, uevedo (te tamento: O aluno vai buscar ur bui nos copinhos. . — Ah! Sobraram trés! = Vocé ganhou? : — Nao, porque sobraram tres. Bom, pegue todos os pineéis e comece outra vez, Os outros alunos da classe sugerem: — Conte, conte! a ‘A crianga conta os copinhos, recolhe os pincéis coloca- dos neles e recomeca a atividade. Pega um punhado de pin. céis e volta para os copinhos. O fato de contar nao lhe serve para nada. Os colegas tentam ajudé-la: — Nao, nao, conte os pincéis! Ela conta todos os pincéis e volta... m punhado de pincéis e og distr}. Esse exemplo evidencia a diferenga entre a contagem como saber cultural habitual e a contagem como conhecimen- to para resolver a situacao fundamental. Outra condicao: a confianca em seus métodos E possivel afirmar que o aluno sabe contar quando é ca- paz de formar colegdes adequadas e numerosas, nas condi- Ges descritas anteriormente? Nio de todo. Também deve ter seguranga da prépria contagem, para identificar as fontes de erro e, se necessario, discuti-las, Poy r exemplo: se no mo- mento em que va alguém pega um copi- Ve ser capaz de dizer: i buscar os pincéis ho, 20 voltar para distribui-los, de — Vocé esté trapaceando! Essa confianga em seus método: : s Exige uma postura re- flexiva em relacao a eles, um “meta ‘conhecimento”, palavras 42 Introducao ao estudo da teoria das situacdes did ticas, part expressar 0S conhecimentos adquitidos, uagel & finalmente, tudo o que representa a alguns conhecimentos em saberes, No que se refere aos métodos classicos a situacd contage™ pode ser titil em muitos momentos hee ago de gem, principalmente para analisar com os wleset leas nificado “concreto” de “contar”. Nao é verdade que a ay id zagem por meio do uso exclusive da situagio Tanda seja mais répida ou mais eficaz. Essa situacio pode ser Inu ‘ilmente enfadonha quando o aluno jé assin se lhe pretende ensinar. ma metalin- Conversio de 4 assimilou aquilo que 5, Adaptacao das situa¢Ges aos alunos: a otimizagao 0s casos de multiplicacao e diviséo E inevitavel 0 uso de um meio (Abaco, lapis e papel etc.) para fazer certos calculos. Primando pela transparéncia de- mocratica, a Convengao de 1792, que estabeleceu o sistema decimal’, rejeitou o uso de aparelhos “misteriosos’, privile- giando o ensino obrigatério do calcul feito com lapis € pa- pel. A escolha dos “algoritmos” a serem ensinados propunha um compromisso entre a confiabilidade e a rapidez de execu- «do ~ exigidas pela intensa atividade de edleulo requerida pela sociedade industrial e comercial emergente - a capact- dade de aprendizagem da camada da populaedo erm questi > . la, uma das Refere-se & universalizagao do sistema decimal de en da edi s at. Teformas exigidas na Revolugio Francesa de 1789. (N- S40 argentina) 4B Guy Brousseau além de heranga de praticas antigas. Pott 5 Concebidag disposigdes para se fazer contas e, com cAlculos de er. sacaeceepeematies tagens de cada uma delas. gonomia, comparar as van ag al letcal pall Demonstrei, de infcio por meio de fale 0 $ com modelos matematicos e, depois, pela aie = a exe. cugao a francesa da multiplicagao e, sobretu lo, a divisdo era muito sensivel a varidveis que poderiam ser facilmente controladas e que levavam, desnecessariamente, a Fracassos —em geral penosos, as vezes, irremediaveis — sempre discri- minat6rios. Propus disposiges mais bem adaptadas, prey (calculei) e mostrei (ou seja, verifiquei) os ganhos (em resul- tados obtidos e em tempo) que poderiam ser alcangados com essas mudangas faceis de ensinar.* Esses dois exemplos me ensinaram que o saber nao se transmite naturalmente, nem mesmo quando um estudo didati- co oferece alguma solugao pratica— usando um método cientifi- co e universalmente convincente — para um problema efetivo, 6. Adaptacao dos alunos as situacdes: saltos e obstaculos Varidveis e custos Os sujeitos (e as instituigdes) se adaptam As situagdes que surgem e, para tanto, fabricam conhecimentos e sabe- 5. Refere-se ao estudo dos algoritmos da multiplicagao “per gelosia” e da divisao (por aproximagées sucessivas 20 dividendo, por meio dos miiltiplos do divisor). Embora ambos os resultados tenham sido di- vulgados em publicagdes e congressos para o piiblico docente, nao foram introduzidos oficialmente no sistema educacional. Veja Brous- seau (1973) e Briand, N, Brousseau, Greslard et al, (1985). 44 V Introdugao ao estudo da teoria das situace S SIUACOES didAti Miticas, acabamos de ver, as variant isa I - de unas 1 mesmo saber matematico pod z le tuagdo re. ap. an 16 Gi : MM apr des diferencas de complexidade e, em con, pI . SC presentar a diferen! ias Gtimas e também ae rane de conhecer um mesmo saber, ‘ Uma metéfora simples permitira ilustrar essa af; cao: nfo reconhecemos nem consideramos igualmente ie aime . Por exemplo: até 3; os ocala e 7; entre 15 ¢ 40; entre 100 ¢ 1000; ¢ 18471847, Nto resolvemos um sistema linear, de dimenséo 1, com os = mos métodos para n = 2, 5, 10 ou 100. A dificuldade de reconhecimento direto (no olho/a pri- do ntimero de elementos de um conjunto au- entes ros naturais entre + meira vista) menta muito rapidamente. Havendo mais que cinco, deve-se estruturar e enumerar a colegio. A estrutura aditiva encon- mites de forma bastante rapida e, caso se trabalhe tra seus li andes quantidades, é preciso adaptar 0 siste- amitide com gr’ ma numérico. O ensino deve seguir essa I samos para formar outros malo- lei. Comegamos aprendendo a usar pequenos ntimeros € 08 U res. A fungdo de Peano (acrescentar um ntimero de cada vez) iples, mas, na verdade, como essa criagao re- ‘e complicada para ser eficaz, as crian- cas desenvolvem modos de reconhecimento (concepgbes) apro- oa outro seguindo a ordem priados. Podem passar de um mod natural ou encontrarao dificuldades? Nao seria preferivel fae vorecer a criagao dessas estratégias, escolhendo, se necessario, contar de cara quantidades muito grandes, desestimulando, assim, o prolongamento desesperado de um método de reco- nhecimento cada vez, mais inadequado? A resposta depende da forma ¢ go distribuidos 08 esforgos para cada concep¢ao dos nti parece a mais sim cursiva é excessivament 45 Guy Brousseau mos um exemplo: vamos supor que tenhamos pr evita dos os custos (uso, confiabilidade, aprendizagem.,, rig to. a frequéncias de emprego usuais), em uma tinica Vatigvern que representa o prego médio do tratamento de um ana n; f1 representa 0 custo do reconhecimento visual; fo, oda estruturagao aditiva; /3, 0 da estruturagdo multiplicativa; is 4, 0 da numeragao decimal. Cada fungio tem um minimo. Para os valores inferiores das abscissas, 0 rendimento diminui: 0 método de contagem é inutilmente complexo para lidar com um conjunto muito pequeno; a concepgao é por demais sofisticada; a aprendiza. gem muito demorada etc. No caso de uma colegao maior, a contagem fica sem fdlego; o custo de execugao para o reco- nhecimento de um niimero torna-se muito alto; o rendimen- to da concepgio cai. A aprendizagem por adaptagaio implica que as varidveis sejam escolhidas de modo que o conheci- mento que queremos “que seja descoberto” seja significati- vamente mais vantajoso que qualquer outro. Custo do conhecimento Variével de complexidade Figura 5 46 Introducao ao estudo da teoria das situacdes didaticas, Cada método (reconhecimento visual, estruturagao aditiva e multiplicativa etc.) logo torna-se complexo e incerto quando 0 tamanho do conjunto aumenta, enquanto 0 método seguinte ainda nao apresenta eficdcia evidente. Os campos de uso justifi- cado e facil estéo separados. Embora seja possfvel que os alunos “descubram” uma nov: égia, ha mais motivacao para que isso acontega quando as condigdes da situagdo correspondem a uma vantagem maior do novo método com relagio 20 anterior, e este tiltimo, portanto, mostra-se imediatamente ineficaz. Esse caso sugere evitar as dificuldades mencionadas fa- zendo uso de uma progressio, mediante saltos informacionais, isto é, por meio de modificagées de uma varidvel didatica na qual so propostas caracterfsticas informacionais diferentes o suficiente para surgir uma mudanga de método. {A figura 5 representa a hipétese favordvel de uma pro- gressio regular do ensino. A passagem progressiva de uma presenta dificuldades decorrentes concep¢ao a outra nao ay de saltos de complexidade informacional. Concepcoes e adaptacoes Cada maneira organizada, mas particular, de considerar uma nogio matematica constitui o que chamamos de conee oes diferentes ‘ao, Por exemplo: distinguimos varias concep¢' da divisiio. A passagem de um conhecimento a outro, dentro de uma mesma concep¢ao, nao é dificil. O mesmo vale para a aprendizagem, visto que corresponde ao que Piaget identifi- ca como uma assimilagao. Jé a passagem de uma concep¢ao para outra € mais dificil, pois corresponde a uma mudanga * Veja Brousseau e Brousseau (1987) e Brousseau (1988) e (1990). (N. da t. da edigao argentina) 47 Guy Brousseau q ionificativa de repert6rio. Sua aprendizagem exige ¢ significa fo dos conhecimentos anteriores (ma scone ese: tais concepgdes sao determinadas Por sug ar 7 a ‘interna, mas também pela frequén cia @ eugee ae que sio titeis. scans padem dete : enn a comiecimentos € Saberes exigidos muitas vezes de maneira simultanea para eta pe : @resoly. do de situacdes. E podem ser determinadas de manera em pirica como, modelos de respostas coerentes, dadas POF gran, de parte dos sujeitos a um tipo o. ~~ Cabe destacar que a adaptagio étima de um Sujeito (ou de uma instituigéo) a um conjunto de Condigdes 0 leva acon. cepgdes diferentes para uma mesma nocao Matematica, estd na base da teoria da transposicao didai te, as concepgdes determinam contextos — parados ~ nos quais a nogao matemitica é A aprendizagem apresenta frequentes dem ter origens e formas variadas: saltos informacionais, mu dangas na forma de controle (proto, para ou matemitico), ori- Semontogenttica,escolha, didética, contingéncia epistemolégica Isso tica. Inversamen. quase Sempre se- eficaz, Tupturas, que po- Provocam erros, tornando-se, entao, “obstaculos”, Obstaculos Devemos 0 ¢ chelard’, que expl na matematica, A © Contrario ea pr ‘onceito de “obstéculo epistemolégico” a Ba- icou que esse tipo de obstaculo nao acontecia modelagem das situagdes levou-me a pensar Por uma definicao mais adequada: Fann Sanne Bachelard (1988). (N. da t. da edigao argentina) 48

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