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Mato Coord 2020 - Libro UNTREF 6 - Múltiples Formas Racismo en Educ Superior (2) - Páginas-205-222
Mato Coord 2020 - Libro UNTREF 6 - Múltiples Formas Racismo en Educ Superior (2) - Páginas-205-222
Contexto do Estudo
A cidade de Salvador, capital do estado da Bahia, tem 693,831 km² de
extensão territorial e uma população estimada em 2,9 milhões de habi-
tantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE, 2019), sendo considerada a quarta capital mais populosa do país
e a cidade mais negra fora do continente africano. Essa presença negra
pode ser explicada historicamente pelo sistema colonial e escravocra-
ta, no qual Salvador teve um papel importante, seja politicamente en-
quanto primeira capital da Colônia Portuguesa, seja economicamente
enquanto principal porto do comércio ultramarino, sobretudo de re-
cepção, compra e venda de africanos (as) escravizados (as).
Em consequência disso, as populações negras ainda hoje sofrem
com a marginalização socioeconômica e politicocultural, em decor-
rência do racismo estrutural e estruturante que resulta na distribuição
desigual de renda e oportunidades; violação de direitos fundamentais;
estigmatização e diversas outras formas de violência, principalmente
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Museólogo do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA. Passos integrou o grupo de cu-
radores junto aos professores doutores Emanoel Roque Soares e Joseania Miranda Freitas.
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Conteúdo da exposição
O projeto expográfico apresentou novas percepções que vão além do
sagrado, uma vez que teve por finalidade provocar reflexões sobre a in-
fluência desta “energia” em outros aspectos humanos, numa perspectiva
mais contemporânea, através da expressão da arte, do corpo, da língua
e das ciências sociais e humanas, suscitando outras possibilidades de se
perceber e compreender a divindade. Assim, pensamos num conjunto
de sete núcleos temáticos que correspondessem às outras faces do ori-
xá Exu, os quais apresentamos aqui com os seus respectivos textos.
1. Exu outras faces - Núcleo de abertura com texto no qual o museu
se apresenta como um espaço na universidade que toma posição
política frente à intolerância religiosa;
2. Corpo - A energia de Exu, que permite ao corpo humano vi-
venciar descobertas e aprendizagens. Esta energia promove o
despertar da alegria, do desafio, do prazer e das escolhas que
marcam os destinos de cada pessoa;
3. Línguas - Exu como conhecedor de todos os idiomas conhecidos,
desconhecidos, desaparecidos ou pouco utilizados, característica
que aproxima pessoas, constrói ideias e tudo que envolve o falar;
4. Artes - O fazer artístico no mundo material como possibilidades
de manifestação de Exu. A sua forte energia impulsiona proces-
sos artísticos: música, canto, dança, pintura, escultura, arquite-
tura, teatro, poesia, literatura e cinema;
5. Escrita - A comunicação, oral e escrita, é característica principal
de Exu. A transmissão de informações em diversificados modos
constitui-se num campo de possibilidades de manifestação de Exu;
6. Tecnologia - Tudo que é relacionado à tecnologia e ao movimento
está também na essência de Exu, pois ele é o intermediário para
a criação de artefatos tecnológicos.
7. Caminhos e continuidade - Exu apresenta as possibilidades de reco-
meço ou de renovação, para que a vida possa ter continuidade.
Exu é impulso da vida em sua complexidade. É energia vibrante,
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O evento consistiu em Rodas de Conversas sobre um tema específico para cada edição que
reunia convidados negros internos e externos à comunidade universitária. O programa foi
criado por Aislane Nobre, no período estudante de Artes Plásticas na Escola de Belas Artes
da UFBA, que exercia a função de mediadora.
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Colaborador do museu, no período aluno do curso de mestrado em Estudos Étnicos e Afri-
canos (Pós-Afro/UFBA).
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Sua composição, formada por uma cabeça negra de perfil, tendo na al-
tura da fronte um ponto vermelho, de onde se propagam ondas em alu-
são ao tiro ao alvo, utilizado nas escolas de tiro. O conjunto de listras
na vertical sob a faixa horizontal, na cor preta, remete à ideia de uma
cela prisional e o título da exposição em vermelho simboliza o san-
gue das vítimas. Os símbolos e seus significados denunciam a violência
contra o povo negro. Além da identidade visual, compõe o núcleo de
abertura o texto de apresentação, evidenciando o posicionamento polí-
tico do museu, como podemos verificar, no seu parágrafo inicial:
Denunciar, alertar, defender direitos e tomar posição con-
tra ações violentas que ceifam vidas é também função social do
Museu. Nesta perspectiva, o Museu Afro-Brasileiro da Univer-
sidade Federal Bahia, realiza esta exposição, com o objetivo de
não permanecer alheio ao morticínio de jovens negros na Bahia
e no Brasil, abrindo seu espaço para discutir a questão da vio-
lência no âmbito da Universidade junto à sociedade civil, em
consonância com a Campanha da Reaja e a Anistia Internacio-
nal/Brasil frente ao combate ao racismo compondo o primeiro
núcleo da mesma. (Trecho do texto de abertura da exposi-
ção: O MAFRO pela vida contra o genocídio da juventude ne-
gra, 2015).
No segundo núcleo temático foram utilizados como elementos expo-
gráficos o selo Jovem NegroVivo e o vídeo documentário Eu Me Importo,8
ambos produzidos para campanha institucional da Anistia Internacional
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A arte da identidade visual foi criada por Moisés Gwannael Santana, também colaborador
do museu.
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Acesso ao vídeo do endereço eletrônico: https://www.youtube.com/watch?v=VO9lAJPg214.
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O documentário reúne cenas de violência policial em Salvador, depoimentos de familiares
das vítimas, pessoas das comunidades e dos coordenadores da Reaja que abordam outros
problemas enfrentados pela população negra. O vídeo pode ser acessado através do ende-
reço eletrônico: https://www.youtube.com/watch?v=xOgnNutKZcQ.
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De autoria de Léo Ornelas, cedido por ele ao museu especialmente para a exposição.
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Artista visual, na época estudante de graduação na Escola de Belas Artes da UFBA, media-
dora do museu.
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Essa pergunta articulava com o trecho da música, de mesmo nome, que estava adesivada na
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em papel nas cores da África, como se estivesse solto no ar. Para dar
ideia de que estavam respondendo a pergunta “E Agora?” apresentada
no início da cena, do cordão na mão de um dos personagens sai a fra-
se “eu acredito num futuro com direito a segurança, educação, mora-
dia, afeto, respeito e viver”. As palavras fazem referência aos direitos
prescritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem co-
mo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa composição acabou
por ser um ponto importante de respiro, que chamou a atenção dos
visitantes.
Figura 10: Cenário leveza e esperança
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Considerações Finais
As experiências aqui relatadas alinham-se ao campo da Museologia So-
cial e somam-se àquelas que são desenvolvidas pelos pequenos museus
comunitários e pontos de memória nas periferias do país. São vivências
que mostram ser possível a construção participativa de um fazer mu-
seal comprometido com as causas sociais, em lugar da manutenção do
discurso “harmonizador”.
Nesta perspectiva, a instituição museológica e neste caso o museu
universitário poderá ser fórum de discussões, espaço de articulação e
divulgação de experiências dos movimentos de resistência às tensões
provocadas pela exposição de feridas tamponadas pelo descaso do po-
der público e de muitos seguimentos da própria sociedade civil, que
ainda hoje insistem na naturalização das inúmeras formas perversas de
ações do racismo.
Assim, se os museus estão a serviço do desenvolvimento, devem
estar atentos às questões que afligem a sociedade; é preciso que to-
mem para si a responsabilidade e o compromisso social com os grupos
ainda hoje, paradoxalmente, vistos como minorias, neste caso, a co-
munidade negra baiana.
O conhecimento gerado a partir das discussões durante o processo
curatorial participativo foi de suma importância para promover mu-
danças de comportamentos frente a estas questões, atestadas por de-
poimentos durante as avaliações. Dito isso, reitero a importância da
escuta sensível como ferramenta que possibilita aproximações que ge-
ram conhecimento, que por sua vez se constrói o respeito à diferença.
Vale ressaltar que, devido à recepção positiva destas exposições,
estas foram reeditadas no projeto expográfico Trajetória de Exclusão
e Resistência no MAFRO/UFBA 2012/2018, apresentadas no Fórum
Social Mundial em 2018, o mais importante evento sobre Direitos
Humanos e Preservação do Planeta.
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Referências
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