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FERNANDO CaBrat Martins INTRODUGAO AO ESTUDO DE FERNANDO PESSOA ASSIRIO & ALVIM. MODERNIDADE E MODERNISMO 1. 0 que deve ser definido como Modernismo enquanto petiodo identifedvel da cultura portuguesa é um primeiro problema, Séo reconhecidos o papel central da revista Orphew nessa definigio, ¢ entre varias outras, as figuras de Fernando Pessoa, Métio de Si-Cameiro ¢ Almada Negretos. Mas deveré iniciarse com o Simbolismo em 1890 ¢ ir até 1940,-data em que termina a publicagéo da preenca, revista marcante a que «stéo sobretudo ligados os nomes de José Regio, Gaspar Si- mes ¢ Cassis Monteiro? Ou deverd comegar com a segunda série de A Aguia em 1912 e ir até 1927, data em que € publi «ado 0 primeiro ni Aquilo a que Eduardo Lourengo chama a seontrartevolugao do ‘Modernismor'? Ou eomecar no pring rnuar até a0 principio dos anos 40, como Femando Guimaries rende a propor’? Ou comesar em 1915 e ie até a0 final dos anos (60, segundo a visio mais larga de Fernando J.B. Martinho"? [A primeira hipétese de datagio do Modernismo portu- gues iria no sentido da inclusio do Simbolismo (tal como Bradbucy e MacFarlane! o fazem para a literatura mundial, ero da presenca — e se dari entéo inicio dos anos 10 « conti- «Presen ou a ontarevoasio de Modemiszo pruguts? (1960) =O Badentima Prag na Pose (1999), por exp ° Limiter rouge do toderssme poco por: (2004), ‘Modern 1890-1930 (1975. ts balizando © Modernismo entre 1890 a 1930). Mas, de facto, é a nio-inclusio que parece consensualizada no caso portugués. Se lermos os titulos Simbolismo, Modernismo ¢ Vanguardas (de Fernando Guimaries, 1982), ou Do Fin- -desSéeulo ao Modernismo (vol. VL da Histéria Critica da Literatura Portuguesa ditigida por Carlos Reis, 1995) ou Do Simbolismo ao Modernismo (vol. 6 da Histéria da Literatura Portuguesa das Publicacées Alfa, dtigido por José Carlos Seabra Pereira, 2003), é sempre sublinhada a sua distingio. E, no entanto, 1890 marca, em Portugal, aquela que é a primeira batalha modernista, ravada em corno do preficio de Eugénio de Castro a Oavitos. Jé ai é celebrada a paixio do Original, com o seu séquito de gestos provocat6rios ¢ ex- travagantes. 2. O uso da palavra Modernismo vai-se instlando a ppouco € pouco. Os primeiros floramentos histricos impor- tantes da palavra so a respeito da pintura, quando em 1915 se realiza no Porto uma Exposigio de Humoristas e Moder- nistas, € em 1916 € 1919, quando ha em Lisboa uma Il € uma III Exposigio dos Modemistas. Depois, em 1921, a apresentacio que Anténio Ferro faz da conferéncia A Inven- do do Dia Claro designa por Modernismo a arte de Almada, ais a dos ees artistas jé desaparecidos da sua geragio: Sé- -Cameiro, Amadeo ¢ Santa-Rita, Assim, 0 termo Moder- nismo, designando uma poética nova, jé faz parte do socioleto culto portugues aquando da publicagso da Contempordnea em 1922. No inicio de 1924, quando © Didrio de Lisboa apre- 16 senta excertos de uma conferéncia de Anténio Ferro no Bra- sil, oancettulo que the coloca é «Os Moderistasy. Em 1925, José Régio usa o termo na sua tese de licenciatura As Corren- tes € as Individuaidades na Moderna Poesia Portuguera a res- peito da poesia, com a acego que hoje tem (o que se confirma na publicago, em 1941, da Pequena Histiria da Moderna Poesia Portugues) Na realidade, José Régio fala de um grupo modernista ‘muito particular: primeito vem «0 Mestre» Si-Cameiro, de- pois Pessoa, logo Almada, e por fim Anténio Ferro ¢ Anté- rio Botco. Além disso, José Régio parce da oposigio entre tuma tendéncia nacionalista e a cosmopolia, sendo os mo- ernistas os representantes da tendéncia cosmopolita ¢ Tei- xeira de Pascoaes o grande nome da tendéncia nacionalista. ‘Almada hi de realizar em 1926 uma conferéncia, inttu- lada Modernismo, em que propde um elenco de artistas que é ‘© mesmo da apresentagio de Anténio Ferro cinco anos an- tes, mas actescentando-lhe os nomes de Pessoa ¢ Eduardo Viana. E este € que poderi ser 0 gesto decisivo para a defini «ao de um Modernismo portugués, cortespondendo a uma afirmagio de grupo e de movimento, com referéncia precisa a0 encontro entre poetas e pintores, e com a definigio de da- tas capitis. © Modernismo, segundo Almada, designa a arte ea lite- satura em como da Vanguarda| portuguesa. A propria Con- semporanea que comeca em 1922 é por Almada definida, nessa conferéncia seminal, como uma stepeticgo sem o Fogo sagrado» do momento revolucionatio anterior (opinio que 7 € cortoborada por Pessoa numa carta a Cortes Rodrigues de 1923) Mais rade, em 1965, num livto comemorativo de Orphes, Almada ha de escrever, de modo claro: «O selo do “Orpheu’ ‘era modemidade. Se quiserem, a vanguard da modernidade, A nossa vanguarda da modernidade». E a seguir: «Toda moder- nidade nasce vanguarda” 3. £ dificil defini Modernismo, sabendo que os tragos que definem entre si se contradizem. Assim, ele 6, 20 mesmo tempo, castico e coerente itracionalistaeracionalisa;fuido e cstitico;fragmentétio e organizado; aeat6rio rigoroso; andr quico hie quo’. Deverd ainda situarse o Modernismo na sua relagio com. a Modernidade. Na sequéncia de movimentos anteriores, que no século XVIII, com o Tluminismo ea sua ideia de que © pensamento deve transgredi 0 hibito, jé sublinham a ne- cessidade do Novo, na arte, a Modernidade ¢ uma categoria cultural ¢ estética definida por Baudelaire em oLe Peintre de la vie modemes, em 1863. Esté ancorada na vida urbana € na experiéneia do efémero e do andnimo, e tem tudo que ver ‘com a rida, quer no sent ral do termo, A moda como mutagio, a novidade dos mode- belico quer no sentido lice los, a inovacio necessria a cada estagio, a cada temporada. Este coeficiente de novo que tem de estar presente em cada * Coenen 1925-1935, 9.16 * Orphi 1915-1965, pV » Susi Stanford Friedman, «Defnitonal ecunione, 18 produto da atividade humana, desde logo da econémica, tem de estar presente na eriago artstca em particular, ¢ sa ia sublinhada pelo espitito moderno. Este & que anima a clizso do ekculo XXL, 0 iho exticas ou da preocupagio artstica. Quanto ao Modernismo, é uma corrente situada nas pri imeiras décadas do século XX, caracterizada por uma vontade de experimentacio, alteragio ou instabilizagio das regras na arte. As Vanguardas, que exemplificam o Modernismo assim entensido, sao também 0 coragio desse movimento, sio a amtamorfose agénica eautodestruiva do (spit nove (ex pressio cunhada por Apollinare),e poder situar-se, ho que 4 Europa diz respeito, entre 1909 ¢ 1929, isto é entre 0 pri :meiro manifesto do Fucurismo ¢ a institucionalizagio do Sur- realismo no seu segundo manifesto. José-Augusto Franga si tua 0 Modernismo no arco temporal que vai de A Confisio de Licio, de Si-Camneito, 2 escrta de Nome de Guerra, de Almada, ou seja, entre 1913 ¢ 1925, Mais ano menos ano, parece ser esta a acegao mais adequada e utilizével, ‘Quanto & Vanguarda portuguesa, ela € tio intensa quanto ripida, Corre entre 1914, data em que surge 2 piblico 0 Pau- lismo, ¢ 1917, quando se realiza a Conferéncia Fucursta em Lisboa e Portugal Fururista & publicado. Depois, entre 1927 e 1940, é verdade que hii na preenga tum prolongamento do Modernismo: néo s6 porgue a cla se ligam artistas inspirados pela Vanguarda (Julio, Mério Eloy, Alvarer, Ant6nio de Navarro, Mario Saa, Manoel de Oliveira), 19 mas também porque oferece todo o reconheci 0s modemnistas, de Raul Leal a Si-Carneiro _proenga que Pessoa publica 2 maior parte dos seus textos entre 1927 € 1934. De todo 0 modo, a designagio «Modernismos, que a pre- sengainsttucionalza cria um estranho efeito de paralaxe, que €0 de tomar 0 movimento de Orphen um precursor da pre senpa, € apresentar 0 Modernismo como um primeiro passo pata esse segundo «IModernismo» que a presence vtia a const tir, sugerindo a ideia de que wé com a revista “Presenga” que ‘© modernismo ange o seu apogeu e segurancas'. O que néo dina de ser iednico, de tal modo a sua poctica contradiz a de Orphe, coma adiante se veri. Essa contradigio tem uma base programética clara: 0 Modemismo de Orphe & uma valoria- ‘gio da Vanguarda em que se inspira € em que milita, a0 passo 10» da presenca desvaloriza a Vanguarda que © «Moderns como uma exibigio de extravaginctae ftilidade 4. Também o préprio Modernismo portugues ¢ contradi- Cério, Almada, por exemplo, stua-se entre Vanguarda ¢ tradi- 0, entre a busca do originale da origem, do Fatuisa e do areaico. Conta Almada, num artigo de 1957 sobre Amadeo, que 0 «grande pactor da Vanguarda — Amadeo, Sanca-Rita, ‘Almada — foi proferido perante 0 Fece Home, que é uma pin- tura do Renascimento ‘A atrasio pelo antigo acompanha, aids, a celebragio tec- nnolégica da nova urbe. Octavio Paz define a Vanguarda como " DiactePes de Lima Bree Baal sabre Madernima, 1944 ‘uma paixo das origens, dando como exemplo o eogio da arte dérica por Le Corbusier, Aliés, no proprio Cabaret Voltaire, «em 1916, que € 0 templo por exceléncia da antiare, ‘Tristan “Teara recta poemas de Jules Laforgue — ou seja, de um dos mestres da tradigio simbolista que Dada faz explodir. Assim, asociavel a um grupo de artistas do periodo 1912- +1925 — Pessoa, Sé-Cameiro, Raul Leal, Coelho Pacheco, Al- fiedo Guisado, Cortes Rodrigues, Luis de Montalvor, Anté- nio Ferro, José Pacheco, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, Amadeo le Souza-Cardoso, Eduardo Viana — o Madenismo poreugués & marcado pela Vanguarda, e s6 se compreende quando colocado nessa perspetiva. Ou, como se pode ler em ‘Vitor Aguiar e Silva: sentre o Modernism [..] eas Vanguar- das nio existe uma fronteira nitida, pois que entre ambos hi Incersegdes, angéncias, osmosess’. Assim, Alvaro de Campos pode conviver com Ricardo Reis porque a arte vanguardist, por mais nao-orginica"e no-tradicional que ea, no exci 0 culo da forma que habita o Modemismo' 5» Pode ler-se um texto de Pessoa, lids num tom muito proximo de Alvaro de Campos, que tem de notivel a preo- cupagio de recusar qualquer designagio fixa para Orphew, embora enumere aquelas que teriam eventual cabimento, € ‘© dado cutioso de revelar 0 uso do termo «modernismov: * La bisque del comics, 974 ‘A Consul da Categoria Psodogi de Modem, p32 2 Pere Burges Thor of the Anant Garde pp. 553. * Awad Eyes, The Coney of Modem pp. 17578, 10s Diretores do Oreuxu julgam conveniente, para que se evitem ervos fagutos ¢ mis interpretaybes, esclarecer, com respeito& arte e formas de arte que ness revista foram pratica- das, seguinte: (1) O texmo “farurisa’, que designa uma escola litera eat- siscca possivelmente leita, mas, em todo 0 aso, com notmas caret ¢ perfecamente definidas, nto & aplicivel ao conjunto dos arts de Onptiey, nem, a, a qualquer dels individual- ment, resslvado 0 caso do pintor Guilherme de Santa-Rica, © lamentivcsepisios de José de Almada-Negrits. (2) Os cermos “sensaionista” ¢“intersecionist, que, com maior razdo, se aplicaram aos anistas de Onpiey, came mio ‘én cabimento, Sensacionista€ sé Alvaro de Campos, interse-

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