Você está na página 1de 25
Copyright © 2015 laabel Christine Seara Todos os ditcitos desta edigio reservados 4 Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Montagem de capa e diagramagao Gustavo S. Vilas Boas Hustragées de miolo Mateus Falk: Preparagio de textos Karina Oliveira Reviséo Daniela Marini lvamoro Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagio (cir) (Camara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Seara, Izabel Christine Para conhecer fonética e fonologia do portugués brasileiro / Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga Nunes, Cristiane Lazzarotto-Volcio. — 2. ed., 1* reimpressio. ~ Sio Paulo : Contexto, 2019. Bibliografa. ISBN 978-85-7244-882-6 1. Portugués ~ Brasil 2. Portugués ~ Fonematica 3. Portugués — Fonética 4. Portugués — Fonologia I. Nunes, Vanessa Gonzaga. II. Lazzarotto-Voledo, Cristiane. III. Titulo. 14-10073, CDD 948 Indices para catilogo sistemético: 1. Fonemitica : Portugu inguistica 469.15 2. Fonética : Portugués : Linguistica 469.15 Li Eprrona Conrexro Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 ~ Alto da Lapa 05083-030 - Sao Paulo ~ sp asx: (11) 3832 5838 contexto@editoracontexto.com.br ‘www.editoracontexto.com.br E 0 ENSINO Objetivo geral do capitulo: © refletir sobre 0 ensino e as metodologias de alfabetizagdo e apresentar algumas estratégias de ensino com base na Fonética e na Fonologia. Objetivos de cada segao: > 1: apresentar como as nogdes de Linguistica podem colaborar com o letramento. © 2: demonstrar a importancia dos conhecimentos fonéticos para profis- sionais que participam da fase de aquisic&o da linguagem. > 3: despertar para a discussao sobre o preconceito linguistico ligado aos fenémenos fonéticos. Neste capitulo, mostraremos como os contetidos tratados neste livro podem ser retomados em situages de ensino, ¢ como esses contetidos so televantes para os profissionais que atuam nas escolas. Iniciamos com uma Pequena reflexdo sobre o ensino € as metodologias de alfabetizagdo para, a0 final do capitulo, apresentarmos algumas estratégias de ensino com base Nos contetidos discutidos aqui. Nosso intuito nado é uma discussio sobre a natureza e/ou elaboragio de métodos, mas sim como alguns deles podem utilizar de modo interes- Sante 0 contetido de Fonética e Fonologia. 163 PARA CONHECER Fonética e Fonologia do portugués brasileiro 1. UMA PEQUENA REFLEXAO PEDAGOGICA Comegar a pensar a formagio dos profissionais da Educagao deve ser © primeiro passo para a transformagio do ensino. Por isso, € importante que as areas das ‘éncias consigam interagir com a sala de aula € com os profis- sionais que nela atuam. E preciso fazer com que os resultados das pesquisas cheguem aos professores que esto em sala de aula, visando assim mudar ° quadro educacional que temos hoje. Mas, infelizmente, 0 que assistimos é © distanciamento entre a teoria académica e a pratica dos profissionais, Ao final de longos anos de estudo, licenciados e bacharéis se langam no mercado de trabalho sem saber 0 que fazer com toda aquela bagagem adquirida na academia. Adentrar 0 mercado de trabalho nao significa continuar a investi- gacdo em busca de respostas para os problemas com os quais lidava até en- Go, e 0 profissional se dé conta de que tudo 0 que foi visto na academia nao Se encaixa na realidade em que ele vai atuar. E preciso recomegar do zero, criando suas préprias estratégias ou buscando, em um pasado longinquo, as atividades executadas por seus professores. Temos, ent&o, a repeticao das mesmas priticas em um tempo que jé ndo é mais o mesmo. E preciso que certas areas, como a Fonética e a Fonologia, que ocu- pam as grades curriculares de varios cursos de graduacdo, tenham, além do seu valor cientifico para pesquisas na area da Linguistica, uma fungao no mundo concreto daqueles que estario em ambientes escolares. Primeira- mente, € preciso que o futuro professor encontre um sentido para aprender tais conceitos e que, em um segundo momento, seja capaz de tirar o insu- mo dessas disciplinas a ponto de que seu conheci imento ampliado possa ser Util na sua profissio. 14. A Fonética e a Fonologia no Campo da Pedagogia A nova meta do Ministério da Educagao (MEC) é que, através do Pacto Nacional pela Alfabetizagao na Idade Certa (PNAIC), todas as criangas es- tejam alfabetizadas até os 8 anos de idade. Todas as redes municipais e es- taduais terdo de aderir ao Programa e receberdo recursos governo possa colher indices mais avaliagdes de desenvolvimento edi © apoio para que 0 Positivos para a Educagdo nas proximas lucacional, 164 AFondtica, Fonologia # 0 ensino © que, afinal, a Fonética ¢ a Fonologia tem a ver com isso? ff) Scliar-Cabral (2003) define ‘grafema’ como uma ou duas letras que Ora, ambas sto Areas que esto ff sepresentam um fonema. Assim, por diretamente envolvidas com o essa definigao, enquanto os digrafos correspondem a um graferna, a letra . ‘h’de palavras como ‘homem’ e ‘hoje’ mento. Se nds queremos que os nao corresponde a nenhum grafema indices de letramento aumentem e que, com isso, asseguremos 0 direito do cidadiio a ter acesso ao mundo le- trado, € preciso que olhemos para todos os elementos que podem influenciar no desempenho dos alunos. A partir do momento que comecamos a refletir sobre as letras, sobre a relagdo entre grafemas e fonemas € 0 papel que ocu- processo de _alfabetizagdo/letra- pam na palavra, na frase e no discurso, comecamos a repensar 0 modo como ensinamos ou 0 modo como podemos aprender a ler ¢ a escrever. E preciso pensar estratégias que tornem menos 4rduos esses processos € que motivem os estudantes a ver esse mundo que se descortina diante deles. 1.11. ALFABETIZACAO PELO VIES DA LINGUISTICA Durante os quatros anos de graduagao, o futuro pedagogo e professor se prepara para alfabetizar, ou melhor, para “letrar”. Sim, letrar. A nogdo de letramento vem substituir 0 ensino mecdnico da transposigao da forma so- nora da fala a forma escrita. E preciso fazer com que a crianga experimente e domine praticas de leitura e escrita que circulam na nossa sociedade. A alfabetizagéo é um componente do letramento, pois 0 processo vai além da codificagao de fonemas e decodificagao de grafemas, assimilagao do sistema alfabético e ortografico da lingua. O profissional que se dedica ao ensino deve saber dosar alfabetizagio € letramento, 0 que nao tem sido tarefa facil. Nao € facil porque, ao longo dos anos, ouvimos mais sobre 0 que nao se deve fazer do que sobre o que efetivamente se deve fazer em sala de aula. E praticamente normal ficar aturdido com a queixa aos métodos sintético, silébico, fnico, global ete. Mas o que seguir afinal? Serd que definir um método a seguir é 0 mais importante? Cremos que nao. Primeiramente, o professor deve conhecer de fato o objeto que ensina. Por exemplo, ja perguntamos intimeras vezes aos alfabetizadores 165 PARA CONHECER Fonética @ Fonologla do portugués brasilelro quantas vogais existem no sistema fonologico do portugués ¢ cles pronta- mente respondem que sio cinco, Parece basico que um professor das séries iniciais j deva ter refletido sobre termos pelo menos s ¢ vogais orais. Se ele ensina a lingua, deve conhecé-la nas mais ricas de suas mintcias e, além disso, deve incorporar todas as metodologias e os postulados tedricos com 0 intuito de fazer um trabalho diferenciado, explorando 0 melhor do que ouviu e leu sobre as abordagens de ensino das linguas naturais. A proposta entdo é que, primeiro, 0 professor conhega 0 conteudo da rea em que atua, em segundo lugar que reflita sobre como 0 aluno decodi- fica 0 cddigo, isto é, como se da esse processo de aprendizagem, e depois investigue e teste a capacidade do aluno de elaborar hipéteses sobre o que esta decodificando e quais estratégias estimulam essas descobertas. Vamos ver melhor como podemos fazer isso. 1.1.2. RELAGAO GRAFEMA/FONEMA, POR QUE NAO? Ensinar pressupde um ou mais métodos, mas é preciso que encaremos a palavra método como experiéncias propiciadas ou vividas, pois 0 que realmente faz diferenga é saber o que aproveitar e adaptar dos materiais e das abordagens que sao seguidas. E fundamental que 0 professor se posi- cione diante do método como um investigador critico que seleciona, rejeita e implementa o material adotado. A proposta de desvendar 0 cédigo linguistico ndo deve ser um método a ser adotado soli- tariamente, mas sim uma dentre outras tentativas de tornar menos 4rduo e menos lento o aprendiza- do da leitura e da escrita, € ser, a0 mesmo tempo, mais eficaz € pro- dutivo. A consciéncia fonolégica ja é uma habilidade observada em criangas de 3 a 4 anos e que vem sendo estudada ha varias décadas no mundo todo, especialmente na 166 Consciéncia fonolégica é definida como a capacidade metalinguistica que possibilita a analise consciente das estruturas formais da lingua. Essa capacidade compreende dois. niveis: consciéncia de que a lingua falada pode ser segmentada em unidades distintas — a frase pode ser segmentada em palavras, as palavras, em silabas e as silabas, em fonemas — e consciéncia de que essas unidades podem ser repetidas nna lingua. A consciéncia fonolégica compreende a consciéncia da silaba ea dos fonemas. } | | | | ‘AFonétca, a Fonologia eo ensino sua relagio com a alfabetizagio uisig ; ‘io da lingua escrita capaci de refletir sobre os sons da lingua, que ‘_ arieanitase €M criangas pequenas, manifesta-se 4 scamentagio de palavras em silabas, num i ua : aca com a pritica da Ieitura. Varios estudos tgm demonstrado que jogos linguisticos que trabalham habilidades fono- aminhos para bons desempenhos em leitura (Liberman et al., 1988, apud Godoy, 2008; Dehaene, 2012; Morais et al. 1979; 1986, apud Godoy, 2008; Cagliari, 1996, dentre outros). Godoy (2008), buscando saber em que medida a alfabetizagao pode se beneficiar do nivel de consciéncia fonolégica — habi pela percepedo de rimas ¢ pel futuro proximo estard icas em pré-escolares sao idade atrelada 4 lei- tura e a escrita -, realizou uma pesquisa com dois grupos de criangas com idade inicial de 5 anos e 9 meses, expostos durante um ano a dois métodos de ensino distintos (construtivista ¢ correspondéncia grafema/fonema). As criangas foram submetidas a tarefas fonoldgicas de subtragao € inversio no nivel silébico e fonémico em dois momentos, no comego do ano, antes da pré-alfabetizagiio, € no final do ano, depois do término da pré-escola. A atividade de subtragio silabica consistiu em uma avaliac3o composta por dez logatomas (pseudopalavras) com estrutura CVCV (consoante — vogal — consoante — vogal). A crianga deveria subtrair a silaba final do estimulo apresentado e dizer 0 que restou (exemplo de estimulo: ‘bazu’; resposta esperada: ‘ba’). A tarefa de inversao sildbica apresentava dez itens CVCV, dos quais os dois primeiros eram palavras e os demais eram logatomas. A crianga de- veria dizer 0 que resultava da inversdo das silabas do estimulo apresentado (exemplo de estimulo: ‘boca’; resposta esperada: ‘cabo’ ou ‘cabs"). A subtragdo fonémica apresentava dez logatomas com estrutura CVC € a crianga deveria subtrair, mentalmente, 0 fonema inicial (exemplo de estimulo: ‘pes*; resposta esperada: ‘es"). Por fim, a atividade de inversio fonémica contemplava cinco logatomas com estrutura CV @ cinco com es- trutura vc. A crianga deveria inverter os fonemas mentale e dizer o que resultava (exemplo de estimulo: “is's tin: *ai"), Os resultados da pesquisadora demonstraram que ambos os grupos apresentaram erescimento nas habilidades fonoldgicas da primeira coleta para a segunda, tanto no nivel silabico quanto no nivel fonémico, Entre- tanto, o crescimento das habilidades fonémicas foi mais acentuado para 0 167 PARA CONYECER Fonetica e Fonologia do portuguds brasileiro grupo que tinha focado a aprendizagem grafema/fonema. A autora afirma que, nos ultimos trinta anos, as pesquisas tém demonstrado que a consci- éncia fonémica esta estreitamente relacionada ao sucesso da aprendizagem da leitura e da escrita alfabética e que, embora a habilidade nao seja um pré-requisito, ela determina em alguma medida a formagao de bons e maus leitores. Acrescenta que, para aqueles envolvidos no processo de alfabeti- zagao, tais dados podem significar a diferenga diante das dificuldades de aprendizagem. Entdo, por que nao ensinar as relagdes grafema/fonema? Vamos retomar aqui os dados dos Quadros | ¢ 2 apresentados no ca- pitulo “Introduzindo a Fonética e a Fonologia”, nos quais sao apresentadas apenas as correspondéncias entre letras e sons (fones). Agora que todos ja conhecem tanto os fones quanto os fonemas e perceberam a importancia de entendermos essas correspondéncias, apresentaremos, nos Quadros | e2,a seguir, as relagdes entre grafemas, fones e fonemas de vogais e consoantes do PB. Vejamos: Quadro 1: Correspondéncias entre grafemas, fones e fonemas relativo as vogais do rs. Grafema Exemplos Fone | fonema <<< ala — passaro— a —atar [a] — seita (e] ie dtono em final de palavra ~ - amplo— canta — irma — cantado — acampado faN/ <>< Temos — éxito — fechado <> Jel ele dtono em final de palavra - <> pede — sério ~ cafezinho [el | /e/ exemplo — entre —entregue —embelezar_| [e] | /eN/

j i/ — sai (3)] / 4tono junto a outra vogal - impor — cinto — imposto — tintura ty /iN/ | — <6> cantor — cémodo — tomate ° a pato. (i dtono em final de palavra <0> ~ <6> pode — édio — bolinha fol | tombo — onde — tombado — condena JON 168 A Fondtica, a Fonolgia € 0 eno a ~ va vu uj] sos may (wy tumbigo ~ juntar ~ junto ay | sens ‘Aqui apresentamos as vogais nasais ‘com base na teoria bifonémica (vx), porque a ortografia é baseada nessa representagao fonolégica. Quadro 2: Correspondéncias entre grafemas, fones e fonemas relativos as consoantes do re. Grafema Exemplos Fones | Fonemas | nee Pato (p] /p/ todo [t] 7 <> tia Le) yt) L seguido de data {4] Jal o> dia [43] yal L. seguido de faca [f] 7£/ <> vaca ] ft) <> cota Ik] 7k/ seguido de , , ae cinema (s] isl seguido de , quilo [k] 7s) | _(com ‘u’ nao pronunciado) aie [kw] 7e/ (com ‘u’ pronunciado) T chato | Ul mM ganho In] Ind talho ta) | as 169 ‘PARA CONHECER Fonética e Fonologia do portugues brasileiro <> moda {n] /n/ em inicio de silaba nada [n] Ind em inicio de silaba —— — aro — prato [rc] Te] entre vogais ou em encontros consonantais , , ete. <> par tr em final de silaba (depende do dialeto) [x] fy] [h] [A] ltt] ug tx] Lt) <= a [s] /s/ em inicio de palavra cbs — mesmo — gosta we em final de silab; di ia I m fin: Hl e silaba (depende do dialeto) [Ey (3 is/ © [s] /s/ {s] /s/ entre vogais excegio i] 7a/ exsudar Ls a nascer [ s dsl 170 [A Fonética, a Fonologia@ 0 ensino final de silaba ¢ nasgo sxe da enxada exe plicar | (depende do dialeto) | exame | > 5 zebra inicio de silaba <> veloz— vez (depende do dialetoy < seguido de , , gata — gota— gula final de silaba segui dodece>, cs aguenta ~ linguistica [gw] s/ | seguido de , geral — girafa 6] ae jaca isl i _| & Tata ih} inicio de silaba aa TH Tel mw (depende do dialeto) Os Quadros 1 ¢ 2 foram apresentados para os conhecimentos relativos aos fones, fonemas com os grafemas. A importancia da conscie! retomada a seguir. Vamos continuar refletindo sobre guinte pergunta: 0 que significa “ler”? Basta abrir alguns diciondrios ¢ veremos que ler vai além de saber ju conhecer, interpretar. Para que a esquisas ni interpretagdo oc que pudéssemos agregar e suas correspondéncias agdio dessas relagdes sera essas habilidades. Propomos a se- ntar letras em palavras. “Ler” significa orra, obrigatoriamente, € tam revelado que analfabetos ou preciso desvendar 0 cédigo. P pessoas de baixa instrugdo niio consegu gar ow mover fon s. Um analfiabeto parece nijo ser capaz ele tera rem manipular os sons das palavras, ou seja, ndo conseguem apal emas € assim formar Novas palavras, atribuindo novos sentidos de perceber que se for tirado o primeiro som da palayra “meu Perceba que ndo estamos aqui falando de letras, uma nova palavra “eu”. 71 PARA CONECER Fonética e Fonologia do portugues brasileio mas dos fonemas que elas representam. A esta capacidade de pensar meta. linguisticamente, chamamos de consciéncia fonémica. A consciéncia fonolégica compreende a consciéncia fonémica que, por sua vez, envolve a capacidade de reconhecer € manipular fonemas das palavras que constituem a lingua. A consciéncia fonolégica, mais ampla do que a fonémica, implica diferentes habilidades € ocorre no nivel da consciéncia da palavra, da consciéncia silabica ¢ da consciéncia fonémi- ca, revelando-se em um processo de matura¢do nessa ordem. Sao cinco as habilidades em consciéncia fonémica: (1) apagamento de fonemas: (2) combinagao de fonemas; (3) identificagdo ou detecgao de fonemas; (4) segmentacao (ou andlise ou decomposi¢ao) de fonemas; e (5) invariancia (ou reversao) de fonemas. Independente dos porme- Como vimos, a consciéncia fonolégica € a habilidade de reflexao sobre as unidades sonoras da lingua. a consciéncia da palavra, da silaba e dos fonemas. A consciéncia fonémica nores das hierarquias das consci- éncias, o professor deve explorar a representagao das classes dos sons, fazendo com que a crian- constitui-se em uma sub-habilidade da consciéncia fonolégica, uma vez ga perceba que os fonemas sio pecas que se combinam para formar palavras. Nao podemos que se define como a capacidade de atentar para as unidades minimas da lingua — os fonemas. esquecer que as letras (ou nome das letras) estéo sempre enganando os aprendizes, j4 que elas guardam valores diferentes dentro de uma sé representacao. O segredo da decodifi- cacao é a relagdo grafema/fonema (apresentada nos Quadros | e 2). O grafema é a unidade minima distintiva (porque nao é divisivel) de um sistema de escrita, ou seja, é a representagao grafica de um fonema. O ‘b’, por exemplo, € um grafema que tem uma relagdo biunivoca, 0 que significa dizer que o fonema (b], vai ser sempre representado pelo grafema ; um grafema para um fonema, nao importa diante de qual vogal esteja ‘ou que posigao ocupe na palavra, terd sempre o mesmo valor. Os grafemas

, , , , e sao biunivocos e, por isso, sio os mals faceis de serem aprendidos. Alguns grafemas tém valores previsiveis ¢m algumas posigdes como € 0 caso do , , e quando estio em inicio de vocabulo ou entre vogais; outros vao depender da posigio & das letras que vém antes ou depois. Os grafemas e podem ambos 172 ‘AFonética, a Fonologia@ o ensino ter valor de /3/, como em ‘cito” ou *yclo’, respectivamente, O grafema pode ter ainda valor de /g/, como em “gato”. Os grafemas tem valor de /s/ independente do contexto, mas os grafemas , , , sb tero valor de /s/ quando seguidos de vogais anteriores, Veja em ‘nasce” (/nase/). J4 em “tasea’ (/'taSka/), essa relagio muda, O grafema pode ter valores //, /s/, /2/ e /ks/ de modo imprevisivel, como em ‘enxa- me*(/eN'fame/), ‘experiéneia’ (/eSperi'eNsia/), ‘exato’ (/e'zato/) © “taxi” (/‘taksi/), respectivamente. Geralmente, os futuros alfabetizadores pouco refletem sobre essas ques- tes € nao percebem que existe uma hierarquia de complexidade ja testada ¢ registrada pelos pesquisadores da Educagao. Refletir sobre o grau de difi- culdade ¢, a partir dessa andlise, bolar estratégias para o desvendamento do cédigo pode ser uma pista para aqueles que buscam caminhos para alfabetizar. E recomendado que partamos de elementos mais produtivos na lingua e da- queles que apresentam uma relagdo simbolo-som mais simples e, progressiva- mente, aumentemos 0 grau de dificuldade. E preciso mostrar aos aprendizes a relagdo da linguagem oral com a linguagem escrita, buscando desenvolver aconsciéncia metalinguistica, primeiramente em uma fase perceptiva. A fase de percepgao exige que o texto seja muito proximo dos aprendizes, podendo ser produzido pelo professor junto com os alunos, refletindo a sua realidade e 0s habitos do dia a dia. Primeiramente, o professor deve explorar 0 contetido do texto, reproduzindo-o no quadro e chamando a atengao para a forma, para © género, relacionando-o com a estrutura fisica. Guilhermina Corréa (2003) Sugere que o texto seja trabalhado da seguinte forma: ia. 2. Leitura mais lenta, observando-se os limites de cada frase. E quando 1. Leitura espontinea em que o professor conversa ou conta uma histo io em parigrafos, 3 palavras, buscando a conscientizagio de que, na fala, ndo ha preocupagdo com 0s limites de palavras, mas, na escrita, es limitagdo € nece: 4. Leitura focalizando os limites das silabas, fazendo com que se per- cebam mais rapidamente os mecanismos da escrilt / 5. E, por fim, leitura artificial ¢ harmoniosa, salientando a prosédia ndo sobre as silabas tnicas das palavras. conscient! 173 PARA CONHECER Fonética e Fonologla do portugues brasileiro As leituras sugeridas podem ser fe s em um sé texto, mas podem, em outras oportunidades, ser realizadas em textos diferentes € assim 0 es- tudante vai passando da fase da pereepgaio para a da decodificagao, Dehaene (2012) também afirma que a leitura s6 se efetiva quando grafemas sio decodificados em fonemas, quando uma unidade visual passa a unidade auditiva. Para que esse processo se efetive, ele sugere que desde cedo a crianca seja exposta a jogos simples em que tenha de manipular os sons da fala (rimas, silabas e fonemas). No campo visual, a crianga deve reconhecer, memorizar e tragar as formas das letras. Tanto a forma quanto © som que as letras representam so importantes no processo, e a explica- ao nao deve ser velada, mas explicita. © que parece ser consenso entre os pesquisadores que defendem a alfabetizagao por esse viés linguistico é que, tao explicito quanto a relagao entre grafemas e fonemas, devem estar os objetivos da leitura. Nao se deve esconder do aluno que o objetivo da leitura é a compreensao, € nao a so- letragao de silabas. As atividades devem conduzir a crianga as palavras ou frases compreensiveis que podem ser resumidas, explicadas ou parafrase- adas oralmente, mostrando assim a denotagao de sentido (Dehaene, 2012). 12, Estratégias de ensino Durante as aulas de Fonética na graduagiio, o professor estimula seus alunos a perceberam os sons das linguas naturais. Aos poucos, os estudantes vao percebendo os movimentos que seus érgiios ativos € passivos sempre realizaram, mas que nunca foram notados, ow seja toda a articulag&o para a comunicagao era até entdo inconsciente. De repente, 0 estudante coloca uma das mios espalmada sobre 0 pescogo € percebe que a Gnica diferenga entre a produgiio de um [f] eum [v] 6a vibragdo das pregas vocais, a sonoridade. Experimentando pronunciar palavras como ‘campo’ ¢ ‘canto’, pereebe que nao precisaria memori- zara velha regra que diz que antes de ‘p’ e *b’ vem sempre ‘m’, uma vez que h4 uma explic: cdo fisica do movimento articulatério: em palavras como ‘campo’, os labios esto em ago para a produgdo de consoantes bilabiais ‘m’ e ‘p’, mas em ‘canto’, ndo temos movimentos de labios, pois a produgdo de fonemas alveolares ‘n’ ¢ ‘t” exige que a lingua faga um movimento até os alvéolos, Si segmentos que tém o mesmo ponto 174 ‘AFonévca, a Fonolagia eo ensino de articulagdio ~ diz endo de outra forma, ‘p* ¢ ‘m’ sao homorganicos, assim como ‘n’ e ‘t’ também sao. _Decoramos para os exames que um fonema éa menor unidade sonora distintiva de uma lingua, mas nunca refletimos sobre o que isso quer dizer de fato, muito menos sobre a importiincia da distingao dos fonemas para 0 processo de Ieitura. E agora, refletindo sobre consciéncia fonolégica, pare- ce mais coerente brincar de pares minimos para identificagzio de fonemas. De fato, parece que 0 rumo da escola muitas vezes tomou 0 caminho da “decoreba”, € nao o da reflexao e experimentagao, Entio, nds, como professores, nao cometamos 0 mesmo erro, ou néo nos omitamos diante da responsabilidade de ir atras de respostas que pos- sam facilitar 0 aprendizado. As criangas também devem fazer suas expel mentagOes a respeito da lingua ao mesmo tempo em que criam hipéteses para seus testes e avangam em suas descobertas. Antes mesmo de iniciar a alfabetizacao, a crianga deve ser estimulada a refletir sobre 0 que ouve € 0 que fala. Deve ser capaz de segmentar uma frase em palavras, as palavras em silabas, e as silabas em fonemas ¢ assim ir percebendo que a cadeia da fala é decomposta em unidades menores. Mais tarde, ela percebe que essas unidades se repetem em outras palavras e em outros contextos. Podem ser exploradas como habilidades em consciéncia fonolégica, na pré-escola ies iniciais, as seguintes atividades: + Rima: combinag&o do som final de uma palavra. A igualdade deve ser sonora, e nao grafica. + Aliteragdo: repetigao da mesma silaba ou fonema na posigdo ini das palavras. Os trava-linguas ¢ as parlendas sio bons exemplos de utilizagdo de aliteragao, pois repetem o mesmo fonema varias vezes no decorrer da frase. * Consciéncia de palavras: capaci vras ¢, além disso, perceber a rel ee sequéncia de sentido. O deficit nessa habilidade na escrita como aglutinagdes (por exemplo, em € separagdes inadequadas (por exemplo, em *maca + Consciéncia da silaba: capacidade de segmentar as palave em silabas, ‘Atividades como contar o ndmero de silabas ou dizer qual & a silaba inicial, medial ou final de uma palavra podem ser empregadas para 0 to dessa habilidade. ial dade de segmentar a frase em pala- Jagiio entre elas & organiza-las numa ade pode levar a erros ‘abola’) de palavras desenvolviment 175 [PARA CONHECER Fonética @ Fonologia do portuguds brastero Adoleta (livro do professor) (Furlan, 2011) & um guia que subsidia 0 trabalho pedagdgico de professores das séries_pré- Parlendas so rimas infantis, em versos de cinco ou seis sitabas, para divertir, ajudar a memorizar. Possuem uma rima facil e, por isso, S40 arn populares entre as criangas. escolares ¢ iniciais. Nesse guia, : encontramos algumas sugestdes para trabalhar a consciéncia fonoldgica. O material sugere exercicios fo- noarticulatérios que exercitem areas especificas relacionadas a fala, como Lébios, lingua e palato. Baseados nesse material, adaptamos algumas de suas sugestdes e sugerimos como atividade: + imitar 0 motor de um carro, vibrando os labios; + passar a lingua atrés dos dentes, sobre os alvéolos e sentir as reen- trancias; + segurar os labios superiores com as duas maos, tentando evitar seu movimento e produzir vogais; + segurar os labios inferiores com as duas maos, tentando evitar seu movimento e produzir vogais; + com a boca aberta, inspirar pelo nariz e expirar rapidamente pela boca; + projetar os ldbios, fazendo “bico”, e produzir vogais mantendo 0 arredondamento dos labios; + imitar animais; + produzir palavras que tenham /S/ e /R/ em posigdo de coda (final de silaba), fazendo com que elas sejam produzidas com variagdes de pronincia (exemplos: variagées para a palavra ‘carta’: [‘kaxte), [katte], [‘karte] ¢ [‘karte] (como um carioca, um caipira e vibran- do uma e varias vezes 0 ‘erre’ atras dos dentes, respectivamen- te); © para ‘mesmo’ ['mezmo}, [‘mezmu], [mesmo], ['me3mv} [‘meymo], [‘meymv], [‘memo], [‘memu]); + produzir vogais em pares: [e, e]; [0, 9]; [i, u]; [e, 0}; [e, 9]; [u. als * produzir as vogais {i, ¢, e, a] e [u, 0, 9, a}, na sequéncia * produzir as consoantes [p, b, t, d, k, g] sem deixar que elas explo- aa ar antes que se solte no ponto de bloqueio . » entre libios e dentes e no véu do palato); * passar a ponta da lingua no palato, de dentro para a fora etc. 176

Você também pode gostar