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Pontos cegos da regulacao urbanistica: notas sobre uma articulagao programatica entre o Direito Econémico e€ 0 Direito Urbanistico Luis Fernando Massonetto Doutor em Direito Econdmico pela Universidade de Sao Paulo. Professor de Economia Politica, Direlto Econémico e Ditelto Urban‘stice da Faculdade de Direto da Universidade de So Paulo Resumo: A reflexdo toérica sobre a regulagdo da alvidade urban‘stica nao pode ser dissociada dos eestudos sobre a regulagao da alvidade econdmica pelo Estado e sobre a regulagao da atividade financeira do Estado, & fragmentaeo do fendmeno juridio tem gerado pontos cegos na regulagao urbanistica que sO podem ser superades com uma rearticulaedo orogramatica do Direlto Urbanistico com o Direlto Econémico € 0 Direito Finance'ro. Desta forma, iluminam-se aspectos fundamentais do Direito Urbanistico: a regulagao juridica da predugio Social do espaco urbano e a regulage do process de gestio poica da riqueza social das cidades, Palavraschave: Direto Uroanistico, Dirlte Econémics, Dielte Financeleo, Atvidade uroanistica, Prougao social do espago urbane ‘Sumario: 4 Consideragdes metodolégicas - 2 AtWvidade utbanistica, atividade econémica e atividade {inaneelta ~ 3 Direkt Urbanistic, Direlte Econémlco ¢ Direlte Financelto - 4 0s pontos cagos da regulagao urbanistica— § Conclusao 1 Consideracées metodolégicas 0 Direito Urbanistico & ramo do Direito que tem como niicleo essencial a regu- lacdo da atividade urbanistica. A doutrina majoritaria da disciplina tem assentado que um dos principios organizadores do campo € 0 “urbanismo como fungao piblica, que fornece ao Direito Urbanistico sua caracteristica de instrumento normativo pelo qual © Poder Paiblico atua no meio social € no dominio privado para ordenar a realidade no interesse coletivo, sem prejuizo do principio da legalidade” (AFONSO DA SILVA, 2000, p. 44).t "AFONSO DA SILVA, J056. Direito urbanistico brasileiro. So Paulo: Malheros Eskores, 2000. sete, 2035) 141 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| ‘A fungdo piblica como principio do Direito Urbanistico decorre do caréiter social da atividade urbanistica no processo de produgao capitalista do espago. José Afonso da Silva, em sua conhecida obra sobre a matéria, caracteriza a atividade urbanistica ‘como uma atividade do Poder Pblico que interfere com a esfera do interesse particu- lar, visando a realizagao de interesse da coletividade (Op. Cit., pp. 33-34). Assume, desta forma, o carédter interventivo do Direito Urbanistico sobre a propriedade privada sobre a vida econémica e social das aglomeragées urbanas, dirigida a realizagao do “triplo objetivo de humanizagao, ordenagao e harmonizagao dos ambientes em que vive 0 Homem: 0 urbano e o rural” (Idem, p. 33) ‘Ao fixar como principal diretriz da disciplina juridica urbanistica a intervengao estatal no territério ex post facto, José Afonso da Silva, acompanhado pela doutrina majoritaria do Direito Urbanistico, exclui do campo regulatério a atividade urbanistica ‘empreendida na propria produgao do territério, na transformagao do espago natural ‘em espago urbano, qualificado pelo trabalho social presente e passado, 0 carater so- cial da atividade urbanistica decorre nao apenas da atividade estatal ordenadora dos “ambientes em que vive o Homem", mas sim do processo de trabalho, que produz um mundo artificial de coisas, nitidamente diferente de qualquer ambiente natural” (ARENDT, 1993, p. 15).” Neste sentido, parece-nos um limitador do conceito de ati vidade urbanistica imaginar a criagao do espago urbano como uma atividade privada antecedente @ intervengao harmonizadora do Poder Pablico. Melhor seria caracterizar a atividade urbanistica como uma atividade social, que nao propriamente privada nem exclusivamente piiblica, e que ocorre tanto na producéo do espago como na ordenagao a posteriori do territério das cidades. A legitimidade da regulagao estatal sobre a atividade urbanistica decorre do caréter social da producao do espago urbano. 0 territério das cidades € nutrido per manentemente pelo trabalho passado (infraestrutura fisica e social) € pelo trabalho presente (servicos piblicos, zeladoria), ou, em outras palavras, é produto de inces- ante interagdo social geradora de valor. 0 objeto da regulacao urbanistica, neste contexto, nao pode ignorar 0 territério como um produto das relacdes sociais de pro- dugo, nem a intervengao ordenadora do Estado na gestao politica da riqueza social. A gesto politica da riqueza social é atividade do Estado que disciplina o acesso das familias e das empresas @ infraestrutura urbana. A sobrevalorizagao de regides da cidade, a descapitalizagao de parcelas do territério, a segregagao espacial, a unk versalizagao da infraestrutura, a justa distribuicao dos beneficios e nus derivados da atuagao urbanistica sao ages politicas desempenhadas pelo Estado como regulador da riqueza social das cidades. A captura privada da mais-valia urbana, a utilizacdo do capital constante das cidades no processo de acumulacao do capital (industrial, ARENDT, Hannah. A conaleao humana. Rie de Janet: Forense Universita, 1993. 142 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S D4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA imobilidrio, financeiro), a efetivagao de direitos sociais e a geragao de bemestar sao expressées desta politica e compdem uma parte importante da regulacdo da ativida: de urbanistica, © Direito Urbanistico, nesta perspectiva, pode ser definido como o sistema nor mativo voltado a regulagao da atividade urbanistica em sua dimensdo integral e que tem o seu fundamento de legitimidade na construgao social do espaco urbano e na gestio politica da infraestrutura das cidades, Pensar a fungao publica do urbanismo no significa, assim, admitir 0 protagonismo do Estado no proceso de produgdo do espaco urbano, mas sim pensar nas atribuigdes do Estado na gestao politica desta atividade social, 2 Atividade urbanistica, atividade econdmica e atividade financeira A regulagao da atividade urbanistica tem como pressuposto a producao capita lista do espaco na esfera social. Como tal, é uma regulagao espectfica, que se dife- rencia funcionalmente por adotar um regime juridico particular, mas que nao pode ser pensado como algo desconectado da incidéncia do direito sobre as atividades sociais gerais, Existe um profundo entrelagamento entre a regulagdo da atividade urbanistica, a regulagao da atividade econdmica pelo Estado e a regulacao da atividade financeira do Estado, A atividade urbanistica é uma atividade econémica e esta sujelta a todas as prescrigdes juridicas atinentes @ atuagdo estatal no dominio econémico. Incidem sobre as atividades urbanisticas todos os princfpios gerais da atividade econdmica previstos na Constituigao, tais como a fungao social da propriedade, a livre concor- rencia, a defesa do meio ambiente, a redugao das desigualdades regionais e sociais, dentre outros. Reforgando esta articulacao, 0 préprio capitulo da politica urbana na Constituigao estd inserido dentro da segao intitulada Ordem Econémica e Financeira, © que projeta toda regulacao constitucional incidente sobre a atividade econdmica e financeira para a regulagao do espago urbano. ‘A interacdo entre a regulagao da atividade econdmica e a regulagao da atividade urbanistica pode ser pensada também a partir das categorias dogmaticas do Direito Econémico. Como exemplo, é possivel mencionar a simetria entre as modalidades de atuago do Estado no dominio econémico e 0 papel do Estado na regulagao do espaco urbano. Eros Grau classifica a atuacao do Estado em face do dominio econd- mico predicando dois grupos de aco interventiva (GRAU, 1997).? De um lado, situa a intervengao no dominio econémico, que expressa o exercicio direto de uma atividade econémica pelo Estado. Como modalidades desta atuacao, Grau fala de atuacao por 3 -GRAU, Bros Roberts. A orem econémica na Constitulcdo de 1988. S30 Paulo: Malheitos Edtores, 1997 &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDE I Sele Horo, ane 4.6. 14-184, st ev, 2025 143 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| absorgao, que ocorre nos casos em que o Estado exerce uma posigao de monopélio, absorvendo integralmente 0 exercicio de determinada atividade; ¢ de atuacdo por participacao, que ocorre nos casos em que o Estado atua como agente econémico, associado ao capital privado, visando atender aos imperativos da seguranga nacional ou a relevante interesse coletivo. De outro lado, Grau situa a intervencao sobre 0 dominio econdmico, que ex- pressa uma atuagao indireta do Estado em face dos agentes econémicos. Como modalidades desta atuagdo, Grau fala de atuagdo por direcao, que denota a orde- nagdo imperativa do Estado sobre o dominio privado, predicando regras de conduta compulsdrias; e de atuagao por indugao, que aponta um papel fomentador ao Estado que, utilizando mecanismos compensatorios ou dissuasérios dispositivos, estimula a adesao dos agentes econémicos aos fins que almeja atingir. As técnicas juridicas que sustentam as varias modalidades de atuaco do Estado na economia sao plenamente aderentes a regulagao da atividade urbanistica. De um lado, pensar 0 Direito Urbanistico a partir destas relagdes permite ao juris- ta reconhecer na funcao publica do urbanismo um principio juridico mais conereto, que pode implicar tanto uma atuagao estatal direta, protagonizando como agente econémico as transformacdes do espace urbano, como pode implicar uma atuagao estatal indireta, regulando as atividades privadas a partir de regras compulsérias € sangdes premiais. Por outro lado, ignorar as interagées da regulagao urbanistica com a regulagao da atividade econémica e abandonar o carater social da produgao do ‘espago urbano acaba por limitar o Direito Urbanistico a um sistema normativo ideal absolutamente desconectado da reprodugao da vida material A produgao capitalista do espaco esta inserida no proceso sistémico de acu- mulagao e tem a sua dinamica plasmada pelos regimes de acumulagéo em escala mundial e pelos modos de regulagao verificados nas diversas jurisdigdes nacionais.* A capacidade de intervengao estatal na economia vinculase diretamente a atividade financeira do Estado, traduzida no modo como 0 fundo piblico é constituide, nas escolhas de alocacao dos recursos oramentérios, na regulacao do crédito piblico e do crédito privado, A regulagao da atividade financeira do Estado esta profundamente relacionada as condicionantes sistémicas do processo de acumulagéo, que ocorre simultaneamente na esfera nacional e internacional, e 8s possibilidades de regulagao das atividades econdmicas. 0 Direito Urbanistico, neste sentido, pode ser entendido ‘como um sistema normative dotado de autonomia cientifica, estruturado a partir de principios e regimes juridicos préprios, mas que tem varias de suas determinagdes possibilidades de efetivacdo amarradas a atividade financeira do Estado. “Sobre 08 conceitas de regime de acumulacio e modes de regulago, vr BOYER, Robert. Teoria da regulago 05 tundamentos. So Paul: Estagéo Liperéade, 2010. 144 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S 4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA As transformagdes do Direito Urbanistico como campo teérico reforgam esta relagao dinamica. Assim como a regulago da atividade financeira traduz uma traje- t6ria que parte da suposta neutralidade das finangas pUblicas liberais, passa pelas finangas ativas do consenso keynesiano e desdgua na gestao prudencial dos riscos fiscais, também o Direito Urbanistico parte das limitagdes negativas ao exercicio do direito de propriedade, passa pelo protagonismo estatal na regulagao das funcdes modernas das cidades e é transfigurado pelos efeitos da austeridade fiscal perma. nente a partir do final do século Xx. A efetividade das normas urbanisticas depende, portanto, da aderéncia de seu contetido normative as condigoes materiais de realizacao dos seus objetivos con- cretos, que vao se alterando ao longo do tempo. Contextualizar o urbanismo como funcdo piiblica requer, neste sentido, compreender os papéis que o Estado exerce para “atuar no meio social e no dominio privado para ordenar a realidade no interesse coletivo”, Assim, a fungao piblica que na “fase aurea da regulagdo urbanistica” sign ficava expansao de direitos, promogdio de bemestar e mitigagdo de riscos sociais, no capitalismo contemporaneo parece representar redugao de riscos e tutela, a partir do fundo piiblico, da renda financeira e dos processos de acumulagao.” Em outras palavras, a regulacdo da atividade financeira é um pressuposto da efetividade das normas urbanisticas porque indica a posigao que 0 Estado assume a0 longo do tempo como gestor politico dos riscos e incertezas inerentes ao processo de acumulagao capitalista. Durante a maior parte do século XX, Estado keynesiano otganizou a gestdo piblica do risco subordinando a dinamica do proceso de acumu- lacdo & politica econdmica estatal pautada pelo pleno emprego e pela promogao da demanda efetiva. Com as sucessivas crises de acumulagao dos anos 70, sob 0 pre- texto de reverter um quadro de aceleracao inflacionaria com desemprego, 0 Estado abandonou as estratégias fiscais expansionistas, aumentando sobremaneira 0 risco social. Por outro lado, no contexto da austeridade fiscal permanente, em substituicao 8s politicas ciclicas do perfodo anterior, o Estado passou a incentivar os mecanismos de financiamento privado da infraestrutura econdmica e social, atuando como redutor dos riscos inerentes a esta atividade, Desta forma, houve a disseminagao de politi cas ativas de construgao de instituices para o mercado, de melhoria do ambiente de negécios e de protegao ao investidor, Multiplicaram-se os instrumentos de delegacao de servigos pUblicos a operadores privados, as parcerias piblico-privadas na area de infraestrutura e a utilizagdo de fundos financeiros como estratégia de mobilizagdo de recursos piblicos e privados vinculados a empreendimentos espectficos. MASSONETTO, Luis Femando. 0 Direto Ananceire no captalismo contempordneo: a emergéncia de um novo pacrdo normatvo.Tese de douterado apresentada na Faculdade de Dirito da Universidade de So Paulo, abr fe 2006. &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDFE I Sele Hororo, ane 4.6. 14-184, st ev. 2028 145 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| A desconsideragao pela doutrina tradicional da atividade urbanistica em seu sentido integral, associada @ segregagao das atividades urbanistica, econdmica e financeira, relegou a um segundo plano a reflexdo do financiamento do desenvolvi- mento urbano como um assunto do Direito Urbanistico, Mais do que isso, criou um ponto cego no entrelacamento do Direito Urbanistico, Econémico e Financeiro que dificulta uma andlise critica dos novos modelos de financiamento da infraestrutura urbana. A compreensao dos limites ¢ alcances destes modelos nao pode prescindir da reconstrugao desse campo juridico fragmentado e da reconsideragdo critica dos pontos escuros da regulagao. 3 Direito Urbanistico, Direito Econémico e Direito Financeiro A divisdo enciclopédica do fenémeno juridico favorece a desconexao entre a re- gulagao positivada e a realidade sobre a qual incide. Mais atenta a uma organicidade artificial ¢ uma reivindicacao de contetidos normativos préprios e regimes juridicos espectficos, tal divisao cria uma série de pontos invisiveis dentro da totalidade do fe- némeno social. Nesta perspectiva, a andlise macrojuridica da regulagao social, tipica do Direito Econémico, é uma ferramenta essencial para a rearticulagao do fenmeno juridico fragmentado. Eros Grau define 0 Direito Econdmico como o “sistema normativo voltado a orde- nagdo do proceso econdmico, mediante a regulagao, sob o ponto de vista macrojuri dico, da atividade econémica, de sorte a definir uma disciplina destinada a efetivagao da politica econémica estatal” (GRAU, 1981).* Ao tratar o fenémeno juridico a partir dos agentes econémicos agregados (ponto de vista macrojuridico) e nao do sujeito de direito singular, 0 Direito Econémico abriu um caminho para aproximar a regulacao juridica da atividades econémica da reflexao sobre a prépria regulagao macroecond- mica geral. Conforme o fendmeno social se complexifica, a analise juridica tradicional pautada pelos conflitos intersubjetivos deixa escapar uma parte da realidade na qual 98 conflitos se desdobram em relagées juridicas nao previstas, com a multiplicacao dos atores e das jurisdigSes. A perspectiva macrojuridica permite, desta forma, repen- sar 0 fenémenos sociais complexes, iluminando os pontos escuros da regulagao © Direito Urbanistico ganha uma dimensao mais relevante quando pensado nesta perspectiva macrojuridica. A producao do espaco urbano e sua pretensa coe- réncia estruturada em relagdo a produgao e ao consumo” exigem uma regulagao que extrapole as limitagdes do poder de policia ao exercicio do direlto de propriedade ou a disciplina das relagdes de vizinhanca, das posturas locais e das licencas edi 7 GRAU, Eros Roberto, Elementas de Direlto Eoondmico, Se Paulo: Revista das Tribunals, 1981, 7 Sobre a busca da ecerénciaestruturada na produgio social do esparo, vor HARVEY, David. A produrdo capita. lista do esparo. $80 Paulo: Annablume, 2008. 146 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S 4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA © contetido inovador da disciplina esté justamente na tensao derivada da busca de tal coeréncia sob os agentes que disputam 0 acesso ao territério urbanizado € nas fricgdes decorrentes do acesso desigual a riqueza social das cidades. A bem da verdade, as relagdes intersubjetivas envolvidas na producdo do espago e na regu: lacao da atividade urbanistica jé vinham delimitadas pelo Direito Civil e pelo Direito Administrative do século XIX. que diferencia funcionaimente o Direito Urbanistico é a regulagao macrojuridica dos interesses contraditérios que orbitam a gestao politica da infraestrutura urbana, Neste sentido, a partir da definicdo de Grau, é possivel reconstruir o significado do Direito Urbanistico, aproximando a produgdo do espago urbano da atividade eco- némica em geral. Direito Urbanistico, nesta perspectiva, poderia ser definido como 0 sistema normativo voltado @ ordenagao do proceso de producdo social do espaco Urbano, mediante a regulagao, sob 0 ponto de vista macrojuridico, da atividade ur- banistica, de sorte a definir uma disciplina destinada a efetivagao da politica urbana estatal. € importante sublinhar que o enfoque econémico nao desprestigia outras leituras da regulacao urbana, especialmente aquelas voltadas a efetivacao dos direi- tos sociais territoriais.* Pelo contrério, ele alinha a disciplina Juridica urbanistica as condiges de reprodugao da vida material, evitando que bandeiras como 0 direito a cidade sejam desenraizadas do processo contraditério de reprodugao da socledade industrial. Do conceito proposto, deve-se destacar como nicleo essencial do Direito Urbanistico um feixe articulado de relagées juridicas que envolve 0 processo de pro- dugo do espago urbano, a regulagao da atividade urbanistica € a execugao da pol tica urbana estatal. A simetria do Direito Econémico, o Direito Urbanistico tem como objetivo articular um processo intertemporal de acumulagdo, regular uma atividade social e efetivar uma politica piblica estatal, perseguindo determinados fins. E assim ‘como 0 Direito Econémico nao regula atividades econémicas justapostas sobre um mercado natural determinado a priori, 0 Direito Urbanistico nao disciplina ex post facto atividades urbanisticas justapostas sobre um tertitério natural, mas sim confor- ma 0 espago urbano constituindo-o como territério urbanizado. Em resume, 0 Direito Urbanistico nao se limita a disciplina do uso, da ocupacao e das demais relagoes juridicas que se desenrolam no territério urbano. Ele regula também a produgéio do territério como atividade social. A regulacdo da propriedade urbana e a funcao social da propriedade como prin- cipio constitucional tm como fundamento de legitimidade a natureza social do pro- cesso de produgao do espaco urbano. Diferentemente da doutrina civilista tradicional ‘Dencmino direlios socias ternioriais os direitos referenciados no acesso universal infraestutura urbana e ro bemestar promouico pelo Estado a parr da gestao da rqueza social das cidades. &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDFE I Sele Hororo, ane 4.6. 14-184, st ev. 2025 147 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| que descrevia 0 direito de propriedade como uma relagao magica entre um sujeito e uma coisa, o Direito Urbanistico trata a propriedade urbana a partir das miltiplas rela. es juridicas que se estabelecem a partir do territério, impondo direitos, pretensdes, poderes, sujeigdes, deveres, dnus, imunidades.* A propriedade nao é uma unidade corpérea isolada do territério geral da cidade, mas um bem que se define pela relacao permanente com a riqueza social da cidade, que se apropria permanentemente da mais-valia resultante de processos sociais de trabalhos presentes ¢ de trabalhos passados. As relagdes juridicas que cercam o direito de propriedade sao disciplinadas por varios campos do Direito. 0 Direito Civil, por exemplo, trata das pretensées tipicas dos direitos reals, das limitagdes decorrentes do direito de vizinhanga, das formas ork ginarias ¢ derivadas de aquisigao da propriedade. JA 0 Direito Tributario trata das re- lagdes de imunidade de certos bens em face do poder de tributar do Estado nacional ‘ou da propriedade como fato gerador de determinados tributos, 0 Direito Processual disciplina 0 exercicio de poderes inerentes @ propriedade, como a reivindicagao ¢ a tutela jurisdicional da posse. 0 Direito Urbanistico, por sua vez, cuida da disciplina da propriedade urbana a partir da gestao politica da infraestrutura da cidade, estabele- cendo direitos, pretensdes, deveres, énus, poderes e sujei¢des a partir das diretrizes de ordenamento territorial e do exercicio das competéncias constitucionais relativas a0 planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupacao do solo urbano. ‘A gestao politica da infraestrutura da cidade ndo depende exclusivamente de uma racionalidade regulatéria capaz de criar relagdes juridicas aderentes as diretrizes da politica urbana. A politica urbana como um esforco coordenado de ordenacdo territorial visando a consecugao de determinadas finalidades depende também dos recursos, bens e servicos pUblicos afetados a efetividade da politica pablica. A capa. cidade de investimento do Estado é, portanto, uma varidvel importante na defini¢ao dos protagonismos da politica urbana. Aintensidade da politica de intervencao estatal denota a capacidade de o Estado arbitrar interesses antagénicos e articular uma estrutura institucional que conforme o exercicio do poder politico e da autoridade publica. Ao longo do tempo, a intensidade da intervengao estatal pode ser medida pela capacidade do Estado financiar 0 proces- so de desenvolvimento econémico, isto é, a capacidade de utilizar recursos publicos para promover 0 crescimento econémico, financiar o incremento da infraestrutura, promover o bermestar ¢ transformar as estruturas sociais. A atividade financeira do Estado constitul, assim, um balizador importante para a compreensao dos limites da atuagao estatal e dos modelos de financiamento do desenvolvimento ~ econdmico e urbano. “Sobre as relagdes jurcicas funéamentais, ver HOHFELD, Wesley. Fundamental legal conceptions as applied in julia reasoning. New Haven: Yale University Press, 1968. 148 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S 4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA A atividade financeira do Estado é uma ago politicamente determinada e que ‘se insere no modo de regulagao da acumulacdo capitalista em cada momento his- torico, E importante perceber que se é verdade que a regulagao da atividade finan- ceira impée limites a efetividade das politicas piblicas, também é verdade que as ‘suas diretrizes sao politicamente determinadas. Ainda que existam constrangimentos materiais relevantes na definigao da politica fiscal, a sua intensidade expressa a di- mensao histérica do conflito subjacente a instrumentalizagao da atividade financeira para a consecugao de determinadas finalidades econdmicas e sociais. Se a conexao da atividade urbanistica com a atividade econémica geral leva a uma aproximacao necesséria entre 0 Direito Econémico € 0 Direito Urbanistico, a sobredeterminagao da produgao do espago urbano pela atividade financeira do Estado atrai como elemento inescapavel da reconstrugao juridica do fendmeno social o Direito Financeiro. 0 Direito Financeiro é um sistema normativo que regula, mediante regime ju- fidico proprio, a atividade financeira do Estado e as determinantes juridicas da sua politica fiscal. Como tal, expressa a regulagao do fundo piblico, estabilizando, como é préprio do capitalismo monopolista de Estado, a reprodugao da forga de trabalho € a reprodugo do capital. Ao longo do tempo, o fundo piblico operou de modo diverso nna gestdo dos riscos associados a reprodugio da sociedade industrial. Assim, se du- rante 0 pés-guerra 0 fundo piblico serviu de colchao de liquidez necessério a recons- trugio do processo de acumulacdo ¢ a geracdo de bem-estar pactuada socialmente, no final do século XX a crise fiscal do Estado indica uma tutela da renda financeira a partir do controle do endividamento estatal, da protecdo ao investimento privado e da garantia das condigées de captagao de recursos no sistema de crédito Sistemicamente, a regulagdo da atividade financeira acaba sendo determinante para a divisdo funcional dos papéis do Estado e dos agentes econémicos privados na promogao da atividade econémica e urbanistica. Em outras palavras, a regulagao dos orgamentos, a regulagao do crédito piiblice, a formatagao juridica da politica fiscal, a regulagao prudencial dos riscos fiscais so questdes que afetam diretamente a estru- tura de financiamento do desenvolvimento urbano e as possibilidades de efetivacao das normas-objetivo® do Direito Econémico do Direito Urbanistico. Neste contexto, a articulagéio do Direito Urbanistico, do Direito Econémico ¢ do Direito Financeiro a partir da conexao da regulacao da atividade econémica, da atividade financeira e da atividade urbanistica permite ao jurista repensar a proprie- dade urbana em todas as suas dimensdes. Tratande-se de expressdes do mesmo fendmeno, a propriedade fundidria urbana, o crédito imobilidrio, 0 fundo piblico, as empresas piblicas € sociedades de economia mista, os investimentos estatais em ® Sobre normascbjelvo, ver GRAU, Eros Roberto. Dirt, Conceitos e Normas Juricas. S30 Paulo: Revista dos ‘Tribunals, 1988. &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDFE I Sele Hororo, ane 4.6. 14-184, st ev. 2028 149 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| infraestrutura na forma de equity ou investimentos de portfélio exigem uma reflexo juridica menos fragmentada e que reconstrua o fenémeno regulatério na complexida- de do regime de acumulago com dominancia financelra, A negacdo deste processo nao muda 0 vetor do proceso sistémico da acumulagao, Pelo contrario, produz uma mistificagao perversa que evita discutir a natureza do Estado nacional, a condicéo do desenvolvimento urbano periférico e os dilemas de um federalismo avesso & efe- tivagao das politicas urbanas. E fundamental, portanto, discutir os pontos cegos da regulacao urbanistica, 4 Os pontos cegos da regulagao urbanistica Aarticulagao do Direito Urbanistico com o Direito Econdmico € 0 Direito Financeiro pode iluminar alguns fenémenos juridicos altamente impactantes na produgao do es- aco urbano e abrir uma agenda de investigacao sobre 0 papel do Estado na gesto politica da riqueza social. A politica de austeridade fiscal permanente € a reduzida capacidade dos entes subnacionais financiarem o desenvolvimento urbano a partir do fundo piblico tém gerado um esforgo de construgao de mecanismos alternativos para mobilizago dos recursos necessarios & expansao da infraestrutura e promogao de servigos urbanos adequados. Assim como ocorreu em outras politicas pablicas, em especial naquelas que articulam efetivagao de direitos com acesso a bens materiais, provides direta ou indiretamente pelo Poder Publico, a politica urbana experimentou momentos distintos de acordo com o funding a disposigao do processo de reprodu- cdo material de suas diretrizes. Os instrumentos urbanisticos de intervengo no espaco urbano podem ser divi didos em instrumentos onerosos, que impactam o orcamento piblico dos entes fede- rados ou 0 caixa das empresas piblicas de desenvolvimento urbano, ¢ instrumentos no onerosos, que incidem sobre os agente privados, direcionando condutas, estimu- lando comportamentos, onerando posturas € impactando a estrutura de custos do setor de infraestrutura e do setor imobilidrio, A efetividade dos instrumentos onerosos depende da capacidade financeira dos entes estatals. 0 alto endividamento dos municipios associado regulagao pruden- cial de controle da expansao dos gastos piblicos constitui um obstaculo importante a0 desenvolvimento urbano, especialmente no processo de capitalizagao das reas periféricas ou deprimidas do territério das cidades. Um exemplo das dificuldades encontradas na reconfiguragao do territrio pode ser apontado nos altos custos envok vidos nos processos de desapropriagao. 0 elevado valor da terra urbana, que acom- panha o processo ascensional dos pregos do mercado de iméveis, e a necessidade de depésito judicial da quase totalidade do valor do imével previamente & imissao na posse tém dificultado o exercicio do poder expropriatério estatal e dificultado 0 proceso redistributive do acesso a infraestrutura urbana. 150 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S 4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA ‘A opgao preferencial das politicas urbanas, neste contexto, tem se dirigido regulacao da atividade urbanistica protagonizada pelos agentes privados. Mesmo constituida majoritariamente por instrumentos nao onerosos, a induedo da atividade econémica privada também incide sobre os recursos piblicos. Instrumentos finan- ceiros e operagées estruturadas permitem que o setor privado alavanque recursos a partir desta alocagio de recursos piblicos, gerando uma aparénoia de sobreposigao dos investimentos privados sobre os recursos piblicos e uma aparéncia de possibilt dade de sustentacao das operagées privadas sem a atividade financeira do Estado. Aalavancagem de recursos para o desenvolvimento urbano a partir desta conjugacao de esforgos aponta uma maximizagao dos recursos alocados nestas operagées em face das politicas estatais de investimento direto em infraestrutura, Evidentemente, ‘© quadro de restrigSes fiscais acaba por induzir & expansao das parcerias e & reducao do protagonismo direto do Estado na execugao da politica urbana 0 Direito Urbanistico nao pode ignorar o contexto material de eclosdo das parce- rias. Do mesmo modo que o Direito viabiliza as parcerias, é fundamental que o Direito ndo perca de vista a universalizagao da infraestrutura urbana como principio da ges- ‘Go politica da riqueza social da cidade. A efetividade dos direitos sociais territoriais nao pode prescindir de arranjos regulatérios que compatibilizem as taxas de retorno dos projetos de infraestrutura e dos projetos imobilidrios privados com a imposicao de énus que favoregam a expansao de direitos na cidade. Neste ponto, & preciso reforgar as consideragdes sobre 0 papel do Estado na gestdo dos riscos inerentes a légica de funcionamento do sistema econémico. 0 fur- do piblico, como bem aponta Francisco de Oliveira,** atua como redutor de riscos a0 assumir um papel relevante na teprodugao do capital constante e na reprodugaio do trabalho, No modelo de bemestar social, a expansao de direitos e a promogao de ser vigos piblicos decorriam da atividade financeira do Estado, que ampliou a sua base fiscal e aplacou o conflito distributive com politicas piblicas de redistribuigai. No modelo atual, a austeridade fiscal permanente aumenta a exposicao do trabalho aos riscos socials, enquanto 0 fundo piblico passa a atuar preponderantemente como elemento de tutela da reprodugao do capital. Nesta nova configuragao, a regulacao urbanistica tenciona reduzir os riscos dos processos de acumulacao, especialmente aqueles associados a atividades econémicas de longa duragao. Além da previsibilida- de das regras urbanisticas, que compée o acervo da seguranca juridica reivindicada pelo mundo dos negécios, outros redutores sao criados a partir do Estado: fundos garantidores, instrumentos financeiros vinculados a infraestrutura, governanga com partilhada de parcelas do territério, identidade entre territério de captagao e territério de aplicagao de recursos, incentivos tributarios as parcerias, entre outros. OLVERA, Francisco de. Os direitos de antivalor a economia potica da hegemenia politica. Petépalis: Esitora Vores, 1998, &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDFE I Sele Hororo, ane 4.6. 14-184, st ev. 2028 151 Luls FERNaNo0 MASSONETTO| Esta nova regulagao, ao reduzir os riscos do capital nos processos de expansao da infraestrutura urbana, permite que novos recursos sejam captados para o finan- ciamento das atividades econémicas. Valores mobilidrios, como os Certificados de Potencial Adicional de Construgao (CEPAC), sustentam a expansdo dos negécios, reduzem os riscos de contingenciamento fiscal pelo Poder Piblico e, mais do que isso, abrem espago para a reprodugao do capital portador de juros por meio de in- vestidores institucionais, como as entidades fechadas de previdéncia, seguradoras, grandes investidores, além do FLFGTS, o Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Servigo, Outra novidade, neste contexto, é a utilizagao de fundos imobilidrios para conju- gar os esforgos piblicos e privados na produgio do espago urbano, O Plano Diretor Estratégico do Municipio de Sao Paulo, editado pela Lei n® 16,050, de 31 de julho de 2014, traz bons exemplos neste sentido. Ao disciplinar os instrumentos de or denagao e reestruturagao urbana, o Plano prevé que para implementar os Projetos de Intervengéio Urbana 0 Municipio podera utilizar instrumentos como as Operagdes Urbanas Consorciadas, a Concessao Urbanistica, as Areas de Intervengao Urbana e as Areas de Estruturagdo Local. E prossegue, dizendo que, para promover tais, Intervengées, a Prefeitura fica autorizada a constituir ou delegar instituigo de fundo de investimento imobilidrio, nos termos da Lei Federal n? 8.668, de 25 de junho de 1993, Desta forma, o Municipio integra os fundos imobiliérios na estratégia local de financiamento do desenvolvimento urbano, ao lado de mecanismos tradicionais como 08 fundos orgamentérios gerais e fundos orgamentérios setoriais, regulamentados pela Lei Federal n® 4.320, de 17 de margo de 1964. A regulagao da utilizagao de valores mobilidrios ou outros mecanismos de cap- tagdo de poupanca privada para 0 financiamento do desenvolvimento urbano acaba sendo uma fonte normativa importante para a compreensao desta dimensdo re- configurada do Direito Urbanistico. Um exemplo pode ser encontrado na Instrucao Normativa MC n? 33, de 17 de dezembro de 2014, que regulamenta a aquisigao, pelo Agente Operador do FGTS, de cotas de Fundos de Investimentos Imobilidrios (Fils) e de Fundos de Investimento em Direitos Creditérios (FDICs), de Debéntures & de Cettificados de Recebiveis Imobilirios (CRIs) que possuam lastro em Operacdes Urbanas Consorciadas. Ao regulamentar a utilizagao dos recursos do FGTS na aquisi- co de cotas de fundos imobiliérios lastreados em Operages Urbanas, 0 Ministério das Cidades abriu uma possibilidade importante de alavancar recursos financeiros para o incremento destas operagées. Mais do que isso, ao disciplinar as condigées, de enquadramento e a qualificagdo técnica da Operagéio Urbana Consorciada a Instrugao Normativa MC n? 33/2014, impés uma série de regras sobre o programa de obras piblicas, 0 formato dos empreendimentos destinados a produgao de unidades habitacionais, reabilitacdo de iméveis urbanos e a urbanizagao de assentamentos 152 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005 ONTOS CEG0S 4 REGULAGKO URBANISTICA: NOTAS SOBRE UMA ARTICULAGAO PROGRANATICA precarios, condigdes para projetos de saneamento e de infraestrutura urbana, Assim, acabou predicando, por meio indireto, normas técnicas regulamentadoras da ativida- de urbanistica. Evidentemente, tais regras so compulsérias apenas para a mobilize cdo dos recursos do FGTS, ou seja, nfo possuem carter cogente para os Municipios que no exercicio da sua competéncia constitucional de regulagao do uso e ocupacao do solo eventualmente queiram dispor de modo diverso sobre as operagées realize das no seu territério, observados os parametros genéricos do Estatuto da Cidade. No entanto, a alavancagem que o sistema de crédito proporciona tem um forte efeito indutor sobre a regulacao local, que pode tornar suas intervengdes mais atrativas ao investimento privado se aderentes as condigées de utilizacdo de recursos do FGTS. Percebe-se desta maneira que o sistema de crédito, ao regulamentar as condi- Bes para o desenvolvimento de suas operagées, pode ter um alto impacto no de- senho das politicas urbanas no contexto fiscal contemporaneo. 0 Direlto Urbanistico no pode ignorar esta questiio nem deixé-la relegada ao conjunto de pontos cegos da regulacao, Refletir sobre os limites e alcances deste padrao normativo é um desafio a0 estudiosos do Direito PGblico e um imperativo de reconexio do campo jutidico fragmentado. 5 Conclusao © sistema juridico é um conjunto articulado de fenémenos sociais funcional- mente diferenciados. Apesar dos procedimentos de validacao autorreferentes, a nor- matividade tipica dos fenémenos juridicos interage com a normatividade de outros sistemas. 0 Direito Urbanistico ha muito tempo interage com a normatividade prépria do Urbanismo. Apesar de estruturar a regulacdo de uma atividade econdmica, pouco se discute a interagao do seu padrao regulatério com a normatividade da economia, da administracao e das finangas pablicas. Pouco se discute também a sua interagao com outras disciplinas reguladoras do fendmeno social, em especial as incidentes sobre a atividade econémica e a atividade financeira do Estado. Com isso, 0 Direito Urbanistico pouco a pouco deixa de refletir sobre os aspectos regulatérios da produgao social do espago urbano e passa a pro- blematizar, com énfase exagerada, as disfuncionalidades no uso € ocupagao do solo Urbano, como se a universalizagao da infraestrutura pudesse ser realizada a partir da corregao do uso inadequado, da ocupagao irregular, da critica a retengao imobilidria para fins de especulagao. A gestao politica da riqueza social da cidade requer mais do que a previso de instrumentos juridicos de intervencdo sobre a propriedade disfun- cional. Ela exige imaginar instituigdes juridicas capazes de funcionalizar a produgao social do espaco e a gesto da infraestrutura da cidade no sentido da promogéio do bemestar e do acesso universal ao fluxo de riquezas do territério urbano. &. Frum Dr Fe Ezontieo— REDFE I Sele Hororo, ane 4.6. 14-184, st ev. 2025 153 Luls FERNaN0 MASSONETTO Aproximar o Direito Urbanistico do Direito Econémico e do Direito Financeiro nao resolve este desafio, mas possibilita reconectar 0 campo juridico fragmentado, jlumi- nar os pontos cegos da regulacdo da atividade urbanistica e estruturar uma base para © exercicio da imaginacao institucional necessaria a efetivagao do direito a cidade. Blind spots of urban regulation: notes on a programmatic articulation between Economic Law and Urban Law Abstract: The theoretical studies on the regulation of urban activity can not be Separated from studies on the regulation of economic actvty by the state and on the regulation of financial activity ofthe state, The fragmentation ofthe legal phenomenon has generated blind spots in the urban regulation that can only be ‘overcome with a programmatle fe-aticulation of the urban law with the Eeenomlc Law and the Budget Law. Thus, fundamental aspects of urban law are highlighted: the legal regulation of social production of the urban space and the regulatory policy management process of social wealth ofthe cities. Keywords: Urban Law. Economic Law. Budget Law. Urban activity. Social production of urban space. Informaco biblogrdtica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associagao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): MASSONETTO, Luis Femando. Pontos cogos da regulagdo urbaristica: notas sobre tuma articulagde programatica entre o Direito Econdmico e 0 Direlto Urbaristico, Revista Forum de Direito Financeiro e Econdnico ~ RFDFE, Belo Horizonte, ano 4, 1.6, 9, 141-154, set,/fev, 2015. 154 2. Frum Dir, Fe Fearne — RFDFE 1 Belo Horizonte, ano 4, 6p. 141-454, sl fev. 2005

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