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Francoise Armengaud Titulo original: Lo progmatique Bipresses Universtates de France, Pats, 1985 4° édition corrigée: 1999, mars ISBN: 2-13-043254-9 Eorror: Marcos Marcionilo Carn e provero rArico: Andréia Custédio Revsho: Cristina Peres/Karina Mota Conseuno coronai: Ana Stahl Zilles [Unisinos] ‘Angela Paiva Dionisio (UFPE] Carlos Alberto Faraco [UFPR] Egon de Oliveira Rangel [PUCSP] Gilvan Miller de Oliveira [UFSC, Ipol Henrique Monteagudo (Univ. de Santiago de Compostela] Kanavilll Rajagopalan (Unicamp] Marcos Araijo Bagno [UnB] Maria Marta Pereira Scherre [UFRJ, Un8] Rachel Gazolla de Andrade [PUC-SP] Roxane Rojo (Unicamp] Salma Tannus Muchail [PUC-SP] Stella Maris Bortoni-Ricardo [UnB] CIP-BRASIL, CATALOGACAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RI oy ‘Armengaud, Francois, 1942 - ‘Apragmstic/ Francoise Armengaud; radugdo Marcos Marconi. - So Paulo: Pardboa Eitri, 2006, (Wa ponta da lingua; 8) Tradugio de:La pragmatique Incl bibliografia ISBN 978-85-88456-50-1 1.Pragmitic. 2. Lnguagem - Filosofia. 3. Aco ereago - Filosofia 4 Sinase simbols. 5. Semistica 6. Semntica Thu I Série. 06-0485, consis oust Direitos reservados PARABOLA EDITORIAL Rua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga 04270-000 Sao Paulo, SP asx: [11] 5061-9262 | 5061-1522 | 2589-9263 | home page: www parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou qualsquer meios (eletrénico ou mecénico, in ‘luindo fotocépla e gravacao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem petmissio por escrito da Parébola Editorial Lida, ISBN: 978-85-88456-50-1 ‘edicdo - 3*reimpressao: maio/2013 - conforme novo acordo ortogréfico da Lingua Portuguese © desta edicdo: Pardbola Editorial, S40 Paulo, marco de 2006 5061-8075 Scanned with CamScanner SUMARIO INTRODUCAO... Capitulo I: GENESE DA ABORDAGEM PRAGMATICA. 21 I. Fundagao da semidtica por Charles Sanders Peirce. i Il. Fundago da seméntica por Gottlob Frege) 31 Ill. Estabelecimento do paradigma da “ comunicabilidade por Wittgenstein ies IV. A pragmatica em uma semiética tripartite. A contribuigéo de Charles William Morris... 40 V. Dois fundadores intermedidrios: Rudolf Carnap e Yehoshua Bar-Hill A VI. Para uma pragmatica formal. O programa de Stalnaker [1972] Veep VIL. Constituicéo de uma pragmatica em trés graus: o programa de Hansson [1974].... Capitulo II: A PRAGMATICA DE PRIMEIRO GRAU: O ESTUDO DOS S{MBOLOS INDEXICAI I. A tentativa de redugao por Russell. Il. O tratamento dos simbolos indexicais por Bar-Hillel.... II. Pragmatica indexical ou semantica indicial? A tese de Paul Gochet IV. O contexto: diversificagéo ou unificagao’ Scanned with CamScanner SUMARIO INTRODUGAO... Capitulo I: GENESE DA ABORDAGEM PRAGMATICA. 21 I. Fundagao da semidtica por Charles Sanders POURCG isis sgscarniiscccercceievoce ss oitagsipeentiicap aT 26 Il. Fundagio da semantica por Gottlol 31 Il. Estabelecimento do paradigma da comunicabilidade por Wittgenstei 35 IV. A pragmética em uma semictica tripartite. A contribuigao de Charles William Morris... 40 V. Dois fundadores intermedidrios: Rudolf Carnap e Yehoshua Bar-Hillel... we ST VI. Para uma pragmdatica formal. O programa de Stalnaker [1972] . 60 vere VII. Constituigéo de uma pragmatica em trés i graus: 0 programa de Hansson [1974]..... 64 Capitulo I: A PRAGMATICA DE PRIMEIRO GRAU: O ESTUDO DOS S{MBOLOS INDEXICAIS... . 66 I. A tentativa de redugao por Russell. ILO tratamento dos simbolos indexicais por Bar-Hillel.... 70 Ill. Pragmética indexical ou semantica indicial? A tese de Paul Gochet 73 IV. O contexto: diversificagéo ou unificacéo? 78 Scanned with CamScanner 8 A PRAGMATICA Capitulo I: A PRAGMATICA DE SEGUNDO GRAU: SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO.. 84 I. Pressuposigdes e implicaturas 85 Il. Sentido literal-e sentido em contexto. O ponto de vista de Searle. . 92 III. Sentido literal e sentido argumentativo. O ponto de vista de Ducrot.. . 96 Capitulo IV: A PRAGMATICA DE TERCEIRO GRAU: A TEORIA DOS ATOS DE FALA. I. O problema da classificacao dos atos de fala . Il. Os atos de fala indiretos... 99 103 Capitulo V: A PARTIR DA PRAGMATICA: ALCANCE FILOSOFICO DE UMA NOVA ABORDAGEM DA LINGUAGEM..... a I. A integragao da pragmatica nas filosofias da acao.... I. Em torno da Escola de Frankfurt IIL. Integracdo em uma filosofia transcendental: a pragmatica dialégica de Francis Jacques...... 140 “GENEALOGIA” DA PRAGMATICA .. CONCLUSAO.. BIBLIOGRAFIA ... INDICE DE NOME... Scanned with CamScanner Prag INTRODUGAO \A pragmatica estd na base de toda a linguistica RupoiF CaRNaP A pragmatica? Uma disciplina jovem, farta, de fronteiras fluidas... Uma das mais vivas no cruzamento das pesquisas em filosofia e em linguistica, atualmente indissociaveis. Inicialmente ela se apresenta como tentativa de responder a perguntas como: que fazemos quando falamos? Que dizemos exatamente quando falamos? ~Por-que perguntamos a nosso vizinho de mesa se ele pode nos passar o sal, quando é flagrante e manifes- to que ele pode? Quem fala, e a quem? Quem fala e com quem? Quem fala e para quem? Quem vocé acha que sou para me falar desse modo? Precisamos saber o qué para que uma ou outra frase deixe de ser ambigua? O que é uma promessa? Como alguém pode dizer uma coisa completamente diferente daquilo que queria dizer? Podemos confiar no sentido literal de uma frase? Quais sao os usos da linguagem? Em que medida a realidade humana é determinada por. sua capacidade de linguagem? Scanned with CamScanner ‘A PRAGMATICA Encontramos consideragoes pragmaticas em dois tipos de pensadores. Primeiramente ‘entre os que se apegam a determinagéo da verdade das sentencas e que tropecam, em se tratando da linguagem de todos os dias e das frases daquilo que chamamos as “linguas naturais”, em obstdculos como a presenca de um “eu” ou de um “tu” que € preciso identificar de saida para determinar o sentido. Eles se chocam, como contra uma barreira, com o papel desempenhado pelo contexto de troca dos atos de fala na elaboracéo do contetido significativo. Sao, em diversos graus, os légicos fildsofos: Frege, Russell, Carnap, Bar-Hillel, Quine. Eles abordam a dimenséio pragmitica, isto é, a consideragéo dos falantes e do contexto, “como algo que é preciso dominar; seja para-dizer que a lingua candnica da ciéncia deve se afastar dela (Frege, Car- nap), seja para dizer que é preciso reassimila-la por eliminacao ou cooptagao (Russell, Quine), seja para dizer que, as vezes, é preciso tratd-la com a astticia de um judoca (Montague, Gochet). Em segundo lugar, reflexdes préximas da prag- matica aparecem entre aqueles que, desde sempre, se interessaram pelos efeitos do discurso sobre os falantes- “Jouvintes: socidlogos, psicoterapeutas, especialistas em ret6rica, técnicos em comunicagao, linguistas da andlise do discurso: Perelman, Ducrot, Bourdieu, Kerbrat, Watzlawick et alii... Eles geralmente estéo muito pr6- ximos de uma das fontes da pragmatica. A _mdxima pragmatista de Peirce diz exatamente que a producdo “triddica do significado esté orientada para a agaio e que a ideia que temos das coisas é apenas a soma dos efeitos que concebemos como possiveis a partir delas. Scanned with CamScanner INTRODUGAO it HA, por fim, uma outra categoria de tedricos. So os que, de inicio, vinculam o significado de uma palavra ou de uma frase a seu uso” (Wittgenstein, Strawson). “Os*que fizeram da linguagem comum seu jardim de delicias para andlises sutis (Austin, Searle). Ou que veem na pragmatica 0 instrumento técnico adequado sobre o qual apoiar a renovagéio de uma filosofia transcendental da comunicagio (Apel, Habermas) ou da relagao interlocutiva (Jacques). E para estes tiltimos que a pragmatica é algo de central e essencial. Mas como definir a pragmatica em si? D A mais antiga definicao é a de Morris!, de 1938: a pragmdatica é a parte da semiética que trata da relagao entre os signos € os usudrios dos signos. Definicao vastis- sima, que extrapola o campo linguistico (rumo a semisti- ca) eo campo humano (rumo ao animal e 4 méquina). : ° Uma definicao linguistica é dada por Anne-Marie = Diller e Francois Récanati®: a pragmdtica “estuda a utilizagao da linguagem no discurso e as marcas especificas que, na lingua, atestam sua vocagio dis-_ cursiva”. Segundo eles, a pragmatica, assim como | a semantica, se ocupa do sentido em certas formas linguisticas cujo sentido sé é determinavel no uso. Uma definigao integradora aparece sob a pena de~ joFrancis Jacques: “A pragmdtica aborda a linguagem ©" Neomo fenémeno simultaneamente discursivo, comu- nicativo e social”. A linguagem é por ela concebida como um conjunto intersubjetivo de signos cujo uso é 1 CE. infra, pp. 39-56. 2 Cf. o niimero especial que Ihe é consagrado em Langue francaise, Paris: Larousse, n. 42, maio de 1979, p. 3. Scanned with CamScanner 12 j T 0 ‘A PRAGMATICA, determinado por regras compartilhadas. Ela diz respeito “ao conjunto das condigées de possibilidade do discurso”. Como surgiu o ponto de vista pragmatico? No século XX, o estudo dos signos e da lingua- gem se distribuiu da seguinte maneira: = a abordagem seméntica trata da relacdo dos signos, palavras e frases com as coisas e com os estados das coisas; é 0 estudo conjunto do sentido, da referéncia e da verdade; m a abordagem sintdtica estuda as relacdes dos signos entre si, das palavras na frase ou das frases nas sequéncias de frases; tenta-se formular regras de boa formagao para as expressdes e regras de transformagao das expressdes em outras expressdes; respeitar essas regras é condicéio para que os fragmen- tos assim gerados sejam providos de sentido e, eventualmente, aptos a ser dotados de um valor de verdade (verdadeiro ou falso). Ora, essas duas abordagens, as primeiras a ser constituidas como disciplinas rigorosas, nao esgotam nem o problema do sentido, nem o problema da verdade. Faz-se necessdria uma terceira abordagem: pragmatica! Ela intervém para estudar a relagao dos signos com os usudrios dos signos, das frases com os falantes. Os conceitos mais importantes da pragmatica? Sao justamente conceitos até aqui ausentes da filosofia da linguagem e da linguistica, deliberadamente negli- genciados para isolar outros aspectos que se deseja estudar primeiro. Tai: eitos sao: Oe 1) O conceito Easyrpereebe-e que a linguagem ~ nao serve sé, nem primeiramente, nem sobretudo, y Scanned with CamScanner InTRODUGKO 13 para representar o mundo, mas que ela serve para realizar acées. Falar é agir. Em um sentido ébvio: é, por exemplo, agir sobre outrem. Em um sentido menos aparente, mas absolutamente real: é instaurar um sentido e é, de todo modo, fazer “ato de fala”. O conceito de ato é orientado para os conceitos mais justos e mais abrangentes de interagao e de transagao. 2) O conceito de conrexro: entende-se com ele 4 situacio concreta em que os atos de fala sao emi- tidos, ou proferidos, o lugar, o tempo, a identidade dos falantes etc., tudo o que é preciso saber para entender e avaliar 0 que é dito. Percebe-se 0 quanto 0 contexto é indispensdvel quando se est privado dele, por exemplo, quando os atos s de fala Ihe séo narrados por_um terceiro, em estado isolado; geralmente eles se tornam “ambiguos, inavalidveis. Inversamente, a linguagem cientifica e também a linguagem juridica sempre se esforgaram para fazer passar em seus “atos de fala” — que sao, o mais das vezes, textos escritos — todas as informagoes contextuais necessdrias ao bom entendimento do que é formulado. C3) O_conceito_de_pzsemMPENHo>entende-se por desempento, segundo o sentido original da palavra, a_realizagéo do ato_em_contexto, seja atualizando a competéncia dos falantes, isto é, seu saber e seu dominio das regras, seja integrando o exercicio lin- guistico a uma nocdo mais compreensiva, como a de Competéncia comunicativa, ‘ara dar uma ideia do aspecto inovador e mesmo polémico da pragmatica, basta dizer que ela questio- na um certo ntimero de principios sobre os quais se assentava a pesquisa anterior: Scanned with CamScanner 14 ‘A PRAGMATICA = aprioridade do uso descritivo e representativo da linguagem; m a prioridade do sistema e da estrutura sobre 0 uso; a a prioridade da competéncia sobre o desem- penho; am a prioridade da lingua sobre a fala. Nessa medida, compreende-se que a pragmiatica, apelando da decisio epistemoldgica de Saussure de afastar do campo linguistico a fala como fendmeno puramente individual, assuma o lugar da perspecti- va estruturalista, assim como o lugar da gramdtica chomskiana, que decepcionou as desmesuradas es- perancas nela depositadas*. Por outro lado, a pragmatica prolonga cat guistica: a linguistica da enunciagéo-inaugurada_por Benveniste. A distingao maior nao se da mais entre Tingua e fala, mas entre o enunciado, entendido como ‘Oque € dito, e a enunciagio, o-ato de dizer. O ato de dizer também um ato de presenca do falante. E esse ato é marcado na lingua: a0 ins ‘uma categoria de signos méveis e um aparelho formal de enunciagao, a linguagem permite a cada um se declarar como sujeito. Isso é suficiente? Nés o veremos no capitulo V. A pragmatica nao tem nada de disciplina introvertida. Seus conceitos podem ser exportados para varias diregdes. Nao apenas ela “faz explodir o 3 Cf. BAN, Grunig, “Piéges et illusions de la pragmatique linguistique”, in Modéles linguistiques. t. 1, fase. 2, 1979. = Scanned with CamScanner INTRODUGAO ie quadro das escolas linguisticas tradicionais”, como ressalta o linguista gramatico Maurice Van Overbeke*, como intervém nas questées classicas internas a filo- sofia; ela inspira filosofias; e é, sem dtivida, chamada a renovar profundamente a teoria da literatura. As questoes filos6ficas sobre as quais a pragmati- ca lanca sua luz exigente e nova? Podemos enumerar ao menos seis: 1) A subjetividade. O que é que muda na con- cepcao do sujeito quando ele é considerado antes de tudo como falante e, melhor ainda, como interlocutor, quando nos aproximamos dele nao mais a partir do pensamento, mas a partir da comunicagéo?> 2) A alteridade. A questo chamada “de outrem” é percebida a partir da interlocugao. O outro é aquele com quem eu falo, ow nao falo. Com quem me situo em uma comunidade de comunicacao. 3) O “cogito” cartesiano. O “eu penso” é sempre verdadeiro toda vez que o pronuncio. Verdadeiro por uma necessidade pragmatica. Sua contraditéria € pragmaticamente sempre falsa, absurda. Quando digo: “Eu_nao existo”, o proprio fato-da_enunciagao contradiz o contetido do enunciado. “4) A dedugio transcendental das categorias em Kant. Trata-se de estabelecer o valor objetivo dos principais tipos de sintese do pensamento, cujo uso 4 M. Van Overbeke, “Pragmatique linguistique. Analyse de Vénonciation en linguistique moderne et contemporaine”, in Le Langage en contexte. Amsterdam: Benjamins, 1980. 5 A questio ¢ posta e tratada por F. Jacques, Différence et subjectivité. Paris: Aubier-Montaigne, 1982. Scanned with CamScanner 16 A PRAGMATICA objetivo é regulado por principios. O ponto de vista pragmatico leva a considerar nao apenas 0~aspecto propriamente “linguageiro” dessa dedugao, mas, além disso, o aspecto deliberativo da avaliagao intersubjetiva do que seriam as grandes que: uestoes acerca do mundo, 5) Esse aspecto deliberativo se exprime de modo mais nitido nas grandes controvérsias que marcam a histéria das ciéncias’. 6) O tema pragmatico pode ser situado no pré- prio fundamento da légica. A l6gica ali reencontra suas fontes gregas’. te Por isso a pragmatica suscita grandes esperancas. Ora, que é ela, pois, para pretender tanto? Nao seria me- lhor varrer todas essas questdes para debaixo do tapete? Quem langa um olhar para o estado metodolégico da disciplina conceber4 inquietudes legitimas. Antes de tudo, deve-se dizer a ou as pragmati- cas? Uma disciplina? Uma confluéncia de disciplinas diversas? Pesquisa em pleno desenvolvimento, a pragmatica ainda nao est4 realmente unificada. O consenso ainda nao se instalou entre os pesqui- sadores quanto a sua delimitagéo, quanto a suas hipdteses, nem mesmo quanto a sua terminologia. Por outro lado, pode-se ver quase nitidamente em que medida ela constitui um rico cruzamento in- terdisciplinar para linguistas, légicos, semioticistas, 6 CLF Jacques, espace logique de Vinterlocution. Pats: PUR, 1985. 7 £ 0 projeto de pesquisa de P. Lorenzen e de K. Lorenz, da Escola de Erlangen. Scanned with CamScanner INTRODUGAO 17 filésofos, psicdlogos e socidlogos. O seu ritmo normal é 0 dos encontros e o das dispersées. 1, INTERPRETAGOES MULTIPLAS. — Pelo termo pragmatica, hd quem entenda sobretudo “praxis”. A pragmatica deveria se atribuir como tarefa a integragio do comportamento linguageiro em uma teoria da acéio. Outros a concebem como voltada essencialmente para a comunicacao, ou seja, para toda espécie de interagdo entre os organismos vivos. Para outros ainda, ela deve tratar principalmente do uso dos signos. E a ética de um de seus fundadores: Morris. Para outros, enfim, ela é a ciéncia do uso linguistico em contexto, ou, mais amplamente, do uso dos signos em contexto. Alids, 0 conceito de contexto é tao importante que Max Black propunha rebatizar a pragmatica: ela deveria se chamar a “contéxtica”! 2. GBNESES MULTIPLAS. — Na linha Peirce-Morris- -Carnap e Morris-Sebeok e na linha Mead-Morris e Mead- -Bateson, a pragmatica aparece como um dos com- ponentes da semidtica e reveste um aspecto essen- cialmente empirico e naturalista. Por outro lado, a partir de Bar-Hillel, ela entra na era da formalizagao. A constituigéo de uma pragmatica légica e formal é, entao, iniciada. E nao é tudo. A pragmatica recolhe a heranca, isso jd foi dito, da linguistica da enunciagao. E, por fim, last but not least, ela tem por tras de si as conquistas do movimento analitico em filosofia e, de maneira mais direta e mais aparente, a andlise da linguagem comum. A pragmatica nasceu e cresceu a partir de su- cessivas diversificagdes e unificagdes. Ainda hoje sua Scanned with CamScanner 18 ‘A PRAGMATICA unidade nao estd assegurada e varias vozes estio em competigao, melhor dizendo, em debate construtivo. 3. Muxtir.os pominios. — Convém reconhecer duas divisées principais, que nao sao facilmente comparaveis entre si: — primeira divisao: a pragmatica das linguas formais a pragmatica das linguas naturais — segunda divisao: a)uma pragmatica das modalidades de enunciagao, cuja criagéo é marcada pelos jogos de linguagem de Wittgenstein, pelo conceito austiniano de forga ilocutéria e pelo conceito de ato de fala de Searle; b) uma pragmatica das modalidades de enun- ciado, ou semantica indicial, ampliada aos mundos possiveis (Montague, Hintikka, Gochet). Tentativas de unificacéo estaéo em curso. Elas provém de Stalnaker (com a articulagao de trés teorias: atos de fala, pressuposigdes, mundos possiveis)*, de Gazdar®, de Jacques" (que modifica as tentativas ja reunidas por Stalnaker e Ihes acrescenta a teoria dos jogos de estratégia). Searle e Vanderveken trabalham em uma légica ilocuciondria, cuja ambigao formal e integrativa é considerdvel. A ampliacdo da teoria provém também de decisdes epistemolégicas originais, 8 CE. infra, pp. 60-64. 9G. Gazdar, Formal Pragmatics for Natural Languages. London-New York: Academic Press, 1978. 10 F. Jacques, Dialogiques, Paris: PUF, 1979. _ Scanned with CamScanner INTRODUGAO 19 como a de Jacques, que situam na origem do signi- ficado a propria relagdo interlocutiva. E entao que a pragmatica pode se tornar o estudo das relagées mais gerais entre o enunciado e a interlocugio. 4, MULTIPLAS CONTROVERSIAS INTERNAS. — Elas se referem ao estatuto da pragmatica, a sua coeréncia, até mesmo a sua existéncia autonoma. Podemos dividir do seguinte modo os termos desses questionamentos: — Heterogénea ou unificada? A pragmatica é um campo heterogéneo, um amontoado onde se deposita- riam os problemas que ainda nao foram tratados em sintaxe ou em seméntica, essencialmente os problemas de uso linguistico? Ou, levando em conta suas realiza- goes, pode-se conceber uma pragmatica unificada? Ea posi¢ao de Stalnaker, Gazdar, Jacques, Parret, Gochet. — Integrada ou auténoma? Ela pode ser inte- grada de dois modos: u reduzida A semantica; dessa forma, em Katz (1972), a pragmatica se confunde pura e simplesmente com a teoria do desempenho semantico; m integrada como parte da semistica tridimen- sional, o que est em conformidade com seu registro de nascimento. A questao se torna: — Integrada ou integrante? Se chegarmos a descrever uma verdadeira competéncia pragmatica (a exemplo das competéncias sintatica e semantica), também conseguiremos descrever as condigées de possibilidade da comunicagéo. E se deixarmos de conceber a pragmatica como um campo empirico, ela nao precisa mais temer ser residual ou integrada. Ela Scanned with CamScanner 20 ‘A PRAGMATICA se torna integrante ou fundadora. Visto que a pragmé- tica é cronologicamente a cagula das trés disciplinas semiticas, suas teses néo param de refluir sobre as teses de disciplinas muito mais amadurecidas, cuja autonomia pode parecer doravante frdgil. — Concepe¢io minimalista ou maximalista? A op¢aio minimalista faz da pragmatica uma simples componente empirica, heterogénea, residual. A opgao maximalista concebe a pragmatica como base integran- te da teoria linguistica: uma disciplina parcialmente formal, unificada, fundadora. Entre os defensores da posicao minimalista, hd muitos linguistas, gramaticos, semanticistas, “literalistas”. Entre os partiddrios da posicéo maximalista, muitos légicos e filésofos, em sua maioria “contextualistas”. et A pragmatica prosperou suficientemente para se ver tentada a esquecer suas origens. Contra a memoria curta, eu quis evocar 0 que devemos aos fundadores: Peirce, Frege, Morris, Wittgenstein, Bar-Hillel. Con- tra a memoria parcial, fiz questao de indicar 0 que se deve a iniciativa dos fildsofos légicos que, tanto aqui como em outros lugares, exerceram uma forca de proposigéo considerdvel. Sem apresentar uma teoria original da pragmatica, nem tentar uma impossivel sintese, esta obra pretende oferecer algumas referéncias titeis, de maneira tao ampla quanto possivel. Mostrando, de inicio, como os conceitos se formaram nos paises anglo-saxénicos e depois fazendo uma exposigdo sumdaria da evidencia- ao de seu alcance filoséfico nos paises continentais. Scanned with CamScanner CAPITULO III A PRAGMATICA DE SEGUNDO GRAU: SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO Perguntas que stio ordens, constatagies que sto ameagas, explicagies que sao evasivas, BLANCHE-Noéite GRUuNIG Segundo o programa de Hansson, a pragmatica de segundo grau-é“o estudo da maneira em que a proposi¢ao expressa se liga & frase_pronunciada, 14 onde, nos casos relevantes, a proposicao expressa deve ser distinguida do significado literal da frase”. Como se passa do primeiro para o segundo grau? Na fonte da pragmatica de segundo grau se situa a generalizagio operada por Stalnaker no primeiro grau. Ea ampliacdo da nogao de contexto: do contexto ae eee e étferlocutores, intervém para evitar a al suidade si sata dos indexicais como em ‘ esta em ordem aquiY, 0 contexto ampliado intervém para evitar ambiguida- des nas frases que, sem conter indexicais, exprimem Scanned with CamScanner SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO 85 contudo proposigées diferentes segundo o ci Retomemos um exemplo que ja se tornou cl. — Que busca Don Juan? — Ele busca uma esposa. Entre a interpretacao: “Ele busca se casar” e a interpretagdo “ha uma mulher casada que ele cobiga”, é 0 contexto, ou seja, na ocorréncia concreta, aquilo que cada um sabe de Don Juan, que permite optar pela segunda. Aqui, a distingao fundamental é entre senti sentido literal e sentido expresso. Por e enquanto, nao questio- nemos essa distingéo, mas notemos, contudo, que ela pode ser enriquecida de varias maneiras'. O sentido literal se distingue também do sentido figurado ou metaférico. O sentido abertamente expresso se dis- tingue do sentido insinuado. O que ¢ afirmado nado é 0 que esta pressuposto. I. Pressuposi¢ées e implicaturas 1. A prEssuposicAo. — Desde muito tempo se conhece a relacao l6gica de implicagéo entre enuncia- dos. Dizer que um enunciado implica outro é dizer que seria contraditério afirmar o primeiro e negar 0 segundo. Ou seja, no simbolismo usual: (P 3Q) = ~(P. ~Q). 10 ponto de vista de Hansson é estrito: ele fala de um trajeto frase > proposigéio. O que examinamos neste capitulo evidentemente ultrapassa 0 programa de Hansson tomado em sentido estrito. O que pode autorizar a isso é a distingdo comum entre sentido literal e sentido comunicado. Os atos de fala indiretos devem também ser examinados segundo esse ponto de vista. Scanned with CamScanner ‘A PRAGMATICA Distinta da implicagdo, a pressuposicao é as- sim definida por Strawson, em 1952 iz-se que um enunciado pressupée outro se a verdade desse tiltimo é uma precondigéo da verdade do ae Assim: | [1] Todos os gatos de Arnaldo fazem a (site ay pressupde [2] Arnaldo tem gatos; e [3] Claudemir lamenta ter envenenado um rato, \ pressupde [4] Claudemir envenenou um rato, E ainda, se digo: [5] Até Alberto gostou da peca, pressuponho que todo mundo gostou da peca e dou a entender (o que é outra histéria) que Alberto é um critico particularmente rigoroso. Compreendemos facilmente que o fendmeno ¢ da da pressuposigao permite comunicar jintencionalmente o teor, a quantidade de contetidos proposicionais. As conversas cotidianas sao plenas de sentengas como we — Tive de deixar meu Audi S8 na garagém, destinadas a fazer saber, como quem nao quer nada, que se € 0 feliz. possuidor de um bélidd musculoso. Pode-se também, e esse procedimento deriva da tetérica, formular no discurso, a titulo de pressupo- sigdo, o que se quer subtrair da discussio. Pressupor é uma forma de violéncia, como bem 0 indica a proverbial dupla de sentengas: — Que sorte serd que o espera? — Mas eu nfo tenho sorte... Nort 6)" ie Scanned with CamScanner Henrent tael Grice SENTIDO LITERAL E SENTIDO-COMUNICADO 87 2. O1 RELACAO, APROXIMADA, E DESCRITA POR GRICE. a implicatura, Ela corresponde, em linguagem_comum, @ sugestdo e a insinuagao. Grice distingue as imp! rsacionais ow/discur- sivas ¢ as implicaturas Lonvencionais ou Texicajs. Exemplo de implicatura conversacional ou discursiva: recom sti a um’ co afirmd-lo explicitamente, que o estudante é um pesqui- sador bem mediocre... Esse tipo de insinuagao, que se da no discurso, € chamado por Grice de implicatur: discursiva. Ela possui duas propriedades de destaque esta fora do significado e estd_em_contexto. Com efeito, a implicatura nao faz parte do significado das expressées utilizadas (“caligrafo pon- tual” nao significa “pesquisador mediocre”). Vemos, portanto, que a implicatura depende estreitamente do_contexto_tomado-em sentido amplo, em presenga de uma finalidade. Recomendar um ineif louvando sia pontualidade nao serve nem a implicatura nem ao riso. Outro indicio de dependéncia do contexto, aqui entendido como o “texto” que segue: a implicatura € anuldvel. A sequéncia de um texto pode, com efeito, anular a implicatura que o texto teria suscitado se tivesse ficado sem sequéncia. No exemplo dado, pode- riamos ter: “X é pontual, caligrafo e... notadamente inventivo!” A implicatura subsiste na substituicéo de expressées sinénimas: ela nao é separdvel. A_ implicatura, por fim, pode se revelar falsa sem que a proposicao portadora se veja alteradaem seu valor de Scanned with CamScanner / nao é em 88 ‘A PRAGMATICA verdade. Podemos imaginar o professor destinatério, ao descobrir posteriormente que 0 jovem pesquisador que ele nao admitiu a seu grupo é de fato muito talentoso, acusando seu colega de té-lo “enganado”. Este tiltimo pode muito bem replicar (com uma pitada de mé4-fé, ainda por cima): “Mas eu lhe garanto que ele é realmente muito pontual e que sua caligrafia é magnifica!” E talvez ainda acrescente: “Foi vocé quem tirou do que eu lhe escrevi uma implicatura falsa!” A implicatura nao tem vinculo nem com os valores de verdade, nem com a forma linguistica. Ela | gica no sentido estrito, nem linguisti- cah discursi iva e contextual) Reside naquilo que é “pensado” a partir, ao mesmo tempo, do que é dito e da situacéo em que é dito, situagdo que nao é a do falante apenas, mas a situagéo comum a dois (ou a varios) interlocutores. A deciséo tomada por Grice de manter a ativi- dade discursiva como uma atividade racional tape plausivel a formulagao de seu célebre prin de cooperacao e das maximas ives arte fornecem as premissas faltantes ao silogismd eliptico (entimema), cuja implicatura é em geral a conclusao. Eis aqui 0 principio de cooperagéo: Dé sua contribuigdo 4 comunicacéo na maneira solicitada, no momento em que ela ocorre, pelo objetivo reconhecido da comunicagéo de que vocé esté participando. Presume-se que todos os participantes de um intercambio verbal se conformam a este principio. Suposigéo fundamental e geral para qualquer com- preensao das sentengas expressas. Nao é apenas a Scanned with CamScanner a nel, “WG yuo SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO 89 norma que é primeira e constitutiva e a partir da qual as distancias poderfo_ser_percebidas. Grice cunhou_ o principio em ‘quatro mé cuja distribuicio e denomifiacao foram tomadas dé empréstimo a tabela dos juizos de Kant. Elas especificam o principio em questao segundo as fibricas ant por Kant como presidindo nossos juiz \ grove ft 1) Maxima de ae “Torne seu discurso / tao rico de informacao(6es), mas nao em \ excesso, quanto requerido pelo objetivo da \ comunicagao”, Ashe “Q) 2) Maxima de qualidade “Nao afirme o que \ vocé acredita ser falso, nem aquilo de que nao tem prova suficiente”. quenv4 3) Maxima de relacho-“S@a televante”. y C 8 \ 4) Maxima de modalidade:—Seja claro, sem equivocos, sintético e ordenado”. Temos, portanto, uma maxima de estrita informatividade, uma maxima de sinceridade, uma maxima de relevancia e uma maxima de civilidade. Essas méximas geralmente permanecem nao formuladas. Elas constituem nao tanto prescrigdes diretas, mas o fundo tacito_a partir do qual se in- Le ee arr CO terpreta toda comunicacao. Nesse sentido, seu uso sobretudo_int De meu ponto de vista, elas nao estao f de Constituir um aparelho de regras hermienéuticas para o discurso cotidiano. De que maneira? Em uma conversa, comumente se presume que os locutores as sigam. Se surge uma int infracao, parece que a reaco primeira nao é acusar o parceiro de ter cometido uma infragéo. Nosso comportamento Scanned with CamScanner ge sylsdel to ‘A PRAGMATICA linguistico é algo de mais sutil e de mais complexo! | A reacéo mais comum 6, de preferéncia, levantar a | hipétese de que se ha infragao literal, por outro lado, no nivel do sentido transmitido, nao ha infragéo. O_) que é necessério acrescentar é a implicatura para restabelecer a observancia do conjunto de maximas, Uma infrago aberta provoca no ouvinte uma inqui- tigdo, a partir da dupla suposigao: 1) que o falante respeita, por principio, as maximas, 2) que, na ocorréncia, ele nao podia respeitar to- das ao mesmo tempo; que a infracao “aberta” de uma das mdximas corresponde o respeito “tacito” de uma outra. Se alguém me pergunta quanto tempo leva 0 ) reparo de canhao para esfriar e se respondo: “Al- gum tempo”, dou menos informagao do que me foi | pedido. Minha resposta constitui uma infragao da primeira maxima griciana, a méxima da quantidade. Essa infragaéo “aberta” tem uma face oculta, que é meu respeito pela segunda maxima, a mdxima da sinceridade. Em sé consciéncia, eu nao podia dar uma informag&o precisa. Nao é minha m4 vontade, e sim minha ignordncia que é revelada. Essa é a conclusao (implicatura) a que deve chegar um ouvinte normal... A implicatura conversacional esté na_base~ procedimento comunicativo como um subentend: Para subentender q (que nao se quer dizer abertamen- te por uma ou outra razao), basta ter uma sentenga p — nao importa qual seja o assunto, desde que p implique conversacionalmente q. HA um subenten- dido, segundo Grice, quando o ouvinte pode fazer 0 seguinte raciocinio: / Scanned with CamScanner SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO at O falante disse p; nfo hd razao para supor que ele nao tespeita, na medida do possfvel, os princfpios da conver- sacdo; nessa circunstancia, ele no as respeita na medida do possfvel, a menos que q; ele sabe (e sabe que eu sei que ele sabe) que posso perceber que a suposigao q é requerida para continuar a supor que ele respeita os principios con- versacionais; ele nada fez para me impedir de pensar que g; cle me deixa entender, portanto, que q (op. cit, 1975). A implicatura conversacional é exatamente a hipétese pela qual- a-harmonia_é-restabelecida no mundo operativa. A aptidao do ouvinte em forjar tal hipdtese é justamente sua aptidao a receber a informagao implicita que o falante nao quer dar expli- citamentd. E a habilidade de entender o subeni 3. As IMPLICATURAS CON\ OU LEXICAIS. — Elas tém como suporte a lingua, 0 léxico, isto é, significados oqnvencionalmente vincslads ds alevres. HA matéria para a implicatura nisso? Aqui nao esta- riamos no lote comum de todos os significados? Uns poucos exemplos nos convencerfo de-sua realidade: (a)Didier, meu colega e, ainda por cima, amigo... (b)Maria esta gravida, mas José esta encantado : bo com isso... Soutese ade = ler” (a)tem por implicatura — estereotipada — que nao é automatico um colega ser um amigo. (b)tem por implicatura, a partir do mas, —ou que a propria Maria nao estd contente com a gravidez; 2 Para uma distingo entre subentender, dar a entender deixar entender, cf. F. Récanati. Les énoncés performatifs. Paris: Minuit, 1981, pp. 148ss. Scanned with CamScanner 92 ‘A PRAGMATICA — ou que o falante nfo esperava que José se en- cantasse; — ou que o proprio falante nao esta encantado com a noticia. S6 0 contexto permitiria dizer qual dessas impli- ae é a exata. A_implicatura~ mvencional ou lexical se dis] tingue da presstiposicao semantica, visto que nao contribui com as condicgdes de verdade das frases. ) Dessa forma, do ponto de vista da ldgica da verdade, (a) equivale a (a’): Didier, meu colega e amigo... (b) equivale a (b’): Maria est4 gravida e José estd encantado com a gravidez... A insinuagao é veiculada convencionalmente. Desse fato é que decorrem as propriedades da im- -) plicatura convencional ou lexical: — ela nao é anuldvel pela sequéncia do texto; — nao depende do contexto (sé a escollia entre varias implicaturas lexicalmente possiveis depende do contexto); — nao subsiste na substituig&o de expressdes sinénimas; ela é destacdvel’. - vw IL. Sentido literal e sentido em ol : contexto. O ponto de vista de Searlé 4 a O problema dos limites entre semantica e pragmé- tica mostrou-se particularmente agudo na controvérsia 3A partir disso, e para dar sequéncia ao estudo, abrem-se duas vias: concordar inteiramente com Grice e aprofundar-se em sutilezas — essa é quase sempre a opgdo francesa — ou marcar os limites de Grice, no sentido geométrico — ¢ a opgio de Thomason, Karttunen, Peters, Gazdar, Gochet, com a utilizacao da teoria dos modelos. Scanned with CamScanner SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO a em torno da ideia de sentido literal e de contexto nulo*, Quanto a esse ponto, Searle defendeu teses aparente- mente extremistas. O essencial do que Searle diz incide, de fato, sobre as condicées de aplicagao do conceito de sentido literal. O que ele sustenta é que o sentido literal de uma frase nao é inexistente, mas relativo a proposigées anteriores, que ele chama de proposig6es contextuais. Isso fora de tudo o que habitualmente se reconhece como dependéncia do contexto: indexicalidade etc. / O objetivo de Searle é 0 questionamento da ideia segundo a qual € possfvel conceber, para qualquer frase, o seu / sentido literal, independentemente de qualquer contexto. De- / fenderei que a nogéo de sentido literal de uma frase em geral | $6 se pode aplicar a um conjunto de proposigées contextuais ou prévias... A concepcao que atacarei as vezes se exprime | dizendo que o sentido literal de uma frase é o sentido que essa (or testn GaR Wi Gan aT GOT frase tem em unt contexto ze10) you em um ‘contexto nillos-, A estratégia seguida por Searle consiste em con- siderar frases que parecem ser exemplos favordveis a ideia segundo a qual o sentido literal é indepen- dente do contexto para mostrar que, em cada caso, a aplicacdo da nogio de sentido literal de uma frase é relativa a um conjunto de proposigées contextuais. 4 Alguns textos fumdamentais: J. R. Searle, “Literal Meaning”, in Erkenntnis, 1978, refundido em Expression and Meaning: Stu- dies in the Theory of Speech Acts, Cambridge, Mass.: Cambridge University Press, 1979 [ed. br.: Expressiio ¢ significado. Sao Paulo: Martins Fontes, 2002); J. R. Searle, “The Background of Meaning”, in Speech Act Theory and Pragmatics. Dordrecht: Kluwer Academic Publications, 1980; 0. Ducrot, “Les lois de discours”, in Langue ‘francaise, op. cit. Para uma critica dessas concepgdes, cf. M. Dascal, “Contextualism”, in Possibilities and Limitations of Pragmatics. Amsterdam: Benjamins, 1981. Scanned with CamScanner ‘A PRAGMATICA 94 Andlise da frase “a gata estd no tapete”* 1) Essa frase contém elementos indexicais: a que gata, a que tapete estamos nos referindo? onde e quando dizemos da gata que ela jaz sobre © tapete? “Mas esses tragos de dependéncia contextual”, escreve Searle — pressuposicéo e indexicalidade —, “jd se encontram reali- zados nos elementos seménticos da frase”, e se se descobrisse que eles nao sao claros em uma enunciacdo particular, poderiamos ou acrescentar outros elementos-indexicais ou substituir as descrigées. 2) Essa frase comporta um sentido descritivo constante que os elementos indexicais em- bream em contextos especificos das enuncia- Ges especificas. O contetido descritivo cons- tante determina as condicées de verdade da frase. Searle representa 0 contetido descritivo com um desenho: FIG, 1, — SEGUNDO J. R. SEARLE, EXPRESSION AND MEANING, oP. CIT, P. 121. Se as coisas esto de acordo com essa representa- ¢4o, inclinamo-nos a dizer que a gata estd no tapete; de outro modo, nao. 5 Em inglés: “The cat is on the mat”, Scanned with CamScanner SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO is As situagées ficticias em seguida imaginadas por Searle visam evidenciar a dependéncia contextual da palavra “no”, tal qual aparece na frase estuda- da. Elas devem ser consideradas como exemplos da lependéncia contextual al fa aplicabilidade do sentido \ Steal da frase. Primeira ficgao: suponhamos que a gata e o tapete se encontrem exatamente na telagdo representada, a ponto de quase flutuarem, os dois, livremente, emba- lados pela mtisica das esferas no espaco sideral, nos confins de alguma nebulosa... A gata continua no tapete? Vemos que a nogao de um sentido literal da frase “a gata estd no tapete” nao tem uma aplicagao clara se fizermos algumas afirmacgées suplementares para 0 caso de gatas e tapetes evoluirem no espago celeste. Se alguém replica que essas afirmag6es po- deriam ser esclarecidas como condigées de verdade suplementares da frase, nem tudo estaria decidido. Para Searle, com efeito, mesmo que viéssemos a re- | presentar as afirmacGes acerca dos campos de gravita- } ¢do como uma parte do contetido semantico da frase, } ainda restaria um ntimero indefinido de proposig6es contextuais, como mostra 0 que se segue: ro Segunda ficcao: suponhamos que a gata e o tapete estejam na superficie da terra na relagdo representada na figura 1, mas de tal modo que a gata e o tapete estejam suspensos por fios invisiveis, como marione- tes, e que a gata esteja em contato com o tapete, mas sem se apoiar sobre ele. A gata a continua no tapete? Parece que a pergunta ail ainda nao tem resposta clara; 0 sentido da frase “a gata estd no tapete” nao se aplica nitidamente no con' to assim especificado. Ele nao determina uiti conjunto claro de condigées de verdade. Scanned with CamScanner 96 ‘A PRAGMATICA Terceira ficcéo: suponhamos que o tapete é duro como uma taébua e pregado no chao; a gata foi drogada; ela esté em um estado cataléptico e deitada, com relacdo ao tapete, na seguinte posicao: FIG. 21. — SEGUNDO J. R. SEARLE, EXPRESSION AND MEANING, OP. CIT., P. 124. De novo a pergunta: “A gata estd no tapete?” nao tem resposta clara... Il. Sentido literal e sentido argumentativo. O ponto de vista de Ducrot ,,,:\'*’ Ue wt Com Oswald Ducrot, ie € categoricamente decidido. Ele é muito cético’diante da separagéo tra- dicional entre a semantica e a pragmatica®. Segundo ele, convém, para a determinaco do sentido, levar em consideragao tanto a argumentacao quanto a enuncia- cao. E preciso esforgar-se para ver “como 0 evento que constitui o discurso se torna criador de significados”. A nogao de\argumentacao constitui 0 ato linguistico , 6 Ele explica isso em um artigo intitulado “Pragmatique lin- Suistique. Essai d’application: ‘mais’ — les allusions a ’énonciation — délocutifs, performatifs, discours indirect” in H. Parret (org.). Le langage en contexte. s. L.: s. ¢., s.d. Ver também “Les lois du discours”, in Langue frangaise, n° 42, maio de 1979. Scanned with CamScanner SENTIDO LITERAL E SENTIDO COMUNICADO / 7 fundamental. Dai vem a importancia de que se reveste a andlise de um indicador argumentativo complexo, a saber, a conjuncao “mas”. O “mas” argumentativo nao pode ser identificado com a conjuncao l6gica, assim como a argumentagao nao se confund deducdo légica. Ela tem, ainda por cima, relagéo com os movi- mentos psicoldgicos que acompanham as inferéncias incoativas sugeridas. A caracterizagao do “mas” para Ducrot se faz a partir de seu valor argumentativo: Quando duas proposigées p e q sio coordenadas por mas, acrescentam-se a p e a q as duas ideias seguintes: primei- ramente, que uma certa conclusao r, que se tem em mente e que o destinatério pode resgatar, seria sugerida por p e infirmada por q: em outras palavras, p e q tem, em relagao ar, orientacdes argumentativas opostas. Em seguida, que q tem mais forca contra r que p, a seu favor: de modo que © conjunto ‘p mas q’ vai no sentido de nao-r. Dizer o sentido de “mas” sé é possivel, portanto, quando se leva em conta a situacdo de discurso, isto é, quando se faz referéncia as intengdes argumentati- vas que guiam a fala. A _argumentacao tem primazia sobre a infor- ma 40. Ducrot e Anscombe formularam juntos essa o s6 0 valor argumentativo de um enunciado é independente fite de seu contetido informativo,-como - ela ainda € c papa: 0 contetido. Nova | razao em favor dd ntre a'Semantica, | que “seria consagrada as nogoes de verdade e de valor informativo”, e a pragmatica, que se ocuparia do “efeito, notadamente da influéncia argumentativa, J que a fala pretende possuir” SA enunciagay é outra instancia que é preciso levar em consideragéo para Scanned with CamScanner 98 £3250) ‘A PRAGMATICA interpretar as palavras pronunciadas por um falante. Por isso a enunciagio é, para Ducrot, da “ordem do hermenéutico”. O sentido dado ao conceito de enun- Gi lago)é o seguinte: é 0 compromisso de uma ‘pessoa da enunciador para com uma frase empregada. ‘xem disso, enunciar tem um cardter alocéntric desprovido, parece, de uma certa violéncia inelutavel, se é que é verdade que enunciar é sempre “impor um contrato a um interlocutor”. Ha na lingua termos que marcam a enunciagao. A atengao de Ducrot €atraida “por uma expressio que tem, ao mesmo tempo, valor no plano da argumentagio: “visto que”. > Que o discurso vivo seja criador de significado Q~ se verifica também quando se estuda o fendmeno da delocutividade. O é delocutividade? Ela consiste em que expressoes que designam qualidades — como, por exemplo, senhor — ou acontecimentos do mundo, como salve, entendido como ato de saudacao, séo constituidas a partir de atos de fala originais nos quais essas expressdes intervém: 0 conceito “ser um senhor” é construido pela delocucdo da alocugao, do tratamento: “Meu senhor!”, assim como 0 conceito de saudagao se constréi a partir do cumprimento: “Salve!”. Esses sio, para Ducrot, exemplos privile- giados da tendéncia geral de constituir predicados a x0 partir da realizagao de atos de enunciagao, O | dizer, ressalta Ducrot, é “constitutivo do dito, € nao apenas, trivialmente, , produtor do dito”. Scanned with CamScanner CAPITULO IV Mee A PRAGMATICA DE TERCEIRO GRAU: A TEORIA DOS ATOS DE FALA A linguagem se parece com um explosivo, visto que a jungdo de um elemento minimo pode produzir efeitos terriveis. Reflitam em tudo 0 que se seguiu & enunciagio por Hitler das palavras: “A guerra!” Berrrano Russet O ponto de partida da teoria cldssica dos atos de fala é a convicgao seguinte: a unidade minima da comu- nicagao humana nao é nem a frase nem qualquer outra expressao. de alguns tipos de ato. O pioneiro nessa convicgao, 0 filésofo de Oxford, John L. Austin/deu uma longa lista desses atos, 0 que leva a compreender melhor que se trata nao simplesmen- te de uma definicdo abstrata. Eis a lista: afirmar, fazer uma pergunta, dar uma ordem, prometer, descrever, desculpar-se, agradecer, criticar, acusar, felicitar, sugerir, ~ ameacar, suplicar, desafiar, autorizar) Logo se vé que a lista poderia continuar e que se pode relaciond-la com a lista dos jogos de linguagem composta por Wittgenstein. Mas Austin tenta introduzir nesse campo a sistematiza- cao a qual, por sua vez, Wittgenstein se recusava. oS wit Gest a 7 Scanned with CamScanner

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