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1
- - - - - CONSTRUÇÃO E FORMALIZAÇÃO DE
CASOS CLÍNICOS
Christian Dunker
Clovis Eduardo Zanetti

omecemos por sugerir algumas distinções preliminares entre a


C leitura de casos clínicos, a construção de casos clínicos e a Jprma-
lizacão de casos clínico~, distinção que nos parece importante para
manter o escopo e a pertinência do método. A condição para a lei-
tura de um caso é sua estrutura de narrativa, assim como a noção
de ÇQ_nstrução requer elucidar o conceito de conceito que se está a em-
pregar, e a formalização requer o uso de um determinado sistema
de escrita lógica. Esta partição procede dos níveis de epistemologização
sugeridos por Foucault (2012): (1) o limiar de positividade, momen-
to primitivo em que uma dada prática d.k,.Q!!siva realiza uma pri-
meira individualização, ganhando autonomia temática na cultura
e produzindo objetos específicos, como a redescrição que Freud fez
dos sonhos ou dos lapsos e atos falhos da psicopatologia da vida
cotidiana; (2) limiar de epistemologização, no qual surgem modelos,
q!tjç~s e 1.!Q!!!l.as que fornecem uma c9erência discursiva no plano
das estratégias conceituais (Begp!{;) além de diSQP-.4J:lªs e P.ráti~as
de verific~ção ou legitimação_do sab~!, por exemplo, em Freud, os
casos clínicos; (3) limiar de cientificidade, no qual se ultrapassam as
regras arqueológicas de formação de enunciados, estabelecendo-se
critérios formais, ou metaproposições (Grundbegriffe) se filiam a um
dado campo, geralmente tomado disciplina~~iw-os~S'~
Os critérios formais de legitimação do conhecimento, eleitos
# por diferentes tradições epistemológicas, tais como verificação (Car-
nap), refutabilidade (Popper) ou parcimônia (Lakatos) correspon-

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- E CASOS eL fNl cos EM PSICAN ÁLlSE
A CONSTR UÇAO D

. de articular os níveis de episte mologi-


. diferentes lt à luz de uma dada teona • d prova
dem a maneiras :.:---- a
"d por Fouca u ·
~ sugen os . do que vem a ser a lógica da descoberta
tend1m ento . . .
rt n
e um ce o e- do conJ,ec1m . ento Critér ios conse nsuai s ou msht u-
•fi .
ou ven caçao_ . _ do saber, tais como as noções de doutrinal
cionais de l~_itunaçao digma (Kuhn) ou comu,nidad e de ciência
... ·a (Milner), para a uma articulaçao - . f 1. .
de ciena d dos ruve1s oucau tianos
correspon em .
(Stengers) . _ nfatizando O processo social de produção
. t olog1zaçao, e
de epis e~ p estes dois níveis o conceito e a narrativa. são,
d onhec 1ment o. ara . estes dms m-
ec _ 0 limiar de formalização leva em conta h ·
e.
as nocoes-ch~ d rganização do saber como con ecimento, acres-
:..,:..:.:...a-
veis antenores e O para
• •
definir

axiom as ~ a estrutura , das
esforço .
centando a estes O Fouca ult, apena s a matem atica
.- e as legitim am. Para
propos1çoes qu
alcançou este nível. , . .
Assumimos que a leitura de um caso clinico msere-se em uma
parte como espé-
metanarrati ,
·va teórica ou literária, na qual . forma , . ,
· de inserção ou prolongamento. Ou seJa,li o caso clmicQ ~_al!tes de
ae , . . 'fi
tudo um gênero ou um subgê nero entre o teran o e Qc1en h~

Sei que há - ao menos nesta cidade_- muitos ,~édicos qu; (coisa bas-
tante repugnante) vão querer ler um caso chmco desta mdole como
uma novela destinada a sua diversão e não como uma contribuição à
psicopatologia das neuroses. (Freud, 1905/1989, p.8)

A abordagem freudiana dos casos clínicos está repleta de es-


tratégias tipicamente literá.f!ª_s: trabalhar com !!agmentos e indícios,
detalhar os P.rimeiros movimentos do ca$o, combinar a exposição
em duas partes, l.l.lEª mais narrativa outra mais interpretativa. Lem-
bremos que o termo em alemão para novela, neste trecho, é Schlüssel-
roman, ou seja, literalmente romance-chave, e não apenas novela (como
a tradução espanhola) ou romance (como na tradução brasileira).
Também em Lacan {1998) encontramos a afinidade literário-
~entífica do caso dínjco na noção de estilo exigido pela "fidelidade
ao invólucro formal do sintoma, que é o verdadeiro traço clínico
pelo qual tomamos gosto" (p.7Õ). Para.La ~ construção do caso
com~a pel~ leitura, e_ ler é uma operação q~ envolve reconhecer e
orgaruzar signos pertinentes (semiologia), realizar passagens entre
m~do..[_de significação (tradução), ~ios de expressão (transcrição)
e ~1s~emas de escrita (transliteração). Mas é na elaboração do caso
Aimee (Lacan, 2011) que se explicitam as condições literário-cientí-
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CHRISTIAN DUNKER / HELOISA RAMIREZ/ TATIANA ASSADI (ORGS.)

~ que devemos esperar de um caso clínico: (1) o "desenvolvimento


biográfico':,; em que se verificam "sínteses e hiatos", nos quais deve ser
~preendida narrativamente a responsabili~; (2) a "síntese de re-
p_resentaçõ~', na qual se obtém ce~ unidade temporal ou ~xp~~en-
aal da personalidade; e (3) a tensao entre as estruturas srmboli_c~s
ideais e reais na realização da pe~sonalidade do sujeito. Os critérios
facánianÔs para .a escritã-do ca-so-Ãimée õ°scilam errtre a atividad~
0

de contar (Erzãhlung_), lembrando que zahlen é em alemão contar no


sentido literário e matemático, apresentar (Dartestellung), lembrando
que stellen é colocar de P-é, por, sustentar. Finalmente, reunindo con-
tar e apresentar (Darstellung-Erzãhlung), chegamos ao plano do que
se pode descrever (Beschreiben) que contém escrever (schreiben) como
radical formativo. · __
- Portanto, um caso clínico não é a descrição exaustiva de todos
os acontecimentos de um tratamento. Ele se define, ao contrário, por
um conjunto de aplainamentos narr~_ti,.YO& (ordenamento dos fatos,
localização de ações e passagens fundamentais), discursivos (psi-
quiátrico, familiar, literário, biográfico) e lógicos.
O conceito de construção em Freud condensa as noções de lei-
!:Wa,. conceito e escrita aqui referidas. Em "A etiologia da histeria",
um texto de 1898 que data do nascimento da psicanálise, Freud com-
para a construção com a montagem de um quebra-cabeQI, quando,
ao final de tentativas e ensaios, vamos adquirindo a certeza de que
cada_p!ç_2, cada fragmento, cor~e~onde a um dos lugares que per-
manece_m vazi25~ e, no caso de peças perdidas, os contam~ dÜs
lugares desocupados deixam entrever quais peças estão faltando e
que somente a ~~c9ns~çª~-d~ssas p~ças em forma e conteúdo fina-
liza o trabalho. -- ·--- - - · - ---,

Do mesmo modo, as cenas infantis [as peças reconstruídas) provam


ser, por seu conteúdo, como complementos irrecusáveis à estrutura as-
sociativa e lógica das neuroses, e somente sua inserção toma o proces-
so inteligível (verstiindlichl- na maioria das vezes poderia dizer toma-
-o evidente por si mesmo (selbsverstiindlich). (Freud, 1898/1989, p204)

Em Construções em análise, texto de 1937, trinta e nove anos


depois, Freud continua conferindo valor clínico e teórico às cons-
truções, e acrescenta que a tarefa consiste então em ~plementar
aguilo gue foi e.s_queçiciQ_[apagrujo] a partir dos traços que deixou
atrás de si o.uL..mai~_conetamente,_ç9_nstruí-IQ:'.~ (-1937/i975,p.293).

23
ICOS EM PSIC ANÁ LISE
A CON STRU ÇÃO OE CASO S CLfN

vez que _se t~~ta de de-


Como bem observou Cottet (1999) "a cada
a ou de ~m a_fa~ sia,
monstrar a estru~ra_ ~-~ uma histór~a- mític_
9
Freud introduz_a construçã9" (p.B ).
re interpretação e
Fr; ~d-(1937/1989) estabelece a diferença ent
ç~o". ~plica-se de for-
const"!@Q, argumentando que a "interpreta
s s1grufic~~es ~solados,
ma pontual a algo que se faz com ele ~,ent~
como atos falhos, lapsos, sonhos etc.; Jª a
tempo de trabalho e a reconhecemos _~«:mp,!e
põe perante o sujeito da análise um fragme
construçao exige certo
,_qu and o se re~ne e "se
nto de sua história p;i-
---
erva Fre ud, "exatamente
mitiva" que se perdeu, e que pod e s~r, obs
ope rar em lacunas, em
a parte essencial" (p.262). A construção visa
determinados intervalos entre s_~gni!icante
s, .0~9.:~-~~~s_s~ci~ções e
1
es soz inh as não P,TO ~~ ~~ ~! ~fe ~~o_ai& !~- 4
--P interpre taçõ
" na análise dep end e e
- ·-Outra diferença é que a "interpretação
o livre; já as "constru-
'
resulta do emprego do mé tod o da associaçã
s na est rut ura ass9ciativa •
1 ções" - embora sejam gui ada s pelas lacuna
- sãQ_ur rue cur so es-
e lógica da neurose, quando partem do analista
1

l ada s por conceitos, pro-


1
sencialmente teórico. As construções, arm
stru ção da fantasia. A
duzem os elos associativos necessários à con
um a desconstrução (ou
construção a{ é também sim ulta nea me nte
id~ntifica_go _ao obj ~~' o
uma travessia) que separa o sujeito ant es
r no desejo (impossível)
que implica que o sujeito possa se rec onh ece
reconhecê-la enquanto
que anima sua fantasia inconsciente e pos sa
da por um desejo de
jmtasia, ou seja, como resposta invertida, ani ma
um mo me nto ant erio r ao
reparar, encobrir, sup era r e/o u retr oag ir a
e a sex ual ida de, fazen-
·encontro traumático com o desejo do Ou tro
ten tati va de tam pon ar a
do-se de objeto de sua pró pri a fantasia na
falta no Outro pela via do Ideal.
P._re sta a particu_larizar.e
-{ )Em Freud, a noção de~ ns~ ção -~e
!meJ].ta_ç~q-~ a narrativa
de~ ir ?..~ .~cl~!~º ent re a ~ç~ de arg!
li-~~~~ Ao apresentar a noção de Konstru
ktion, Fre ud parece re-
nta das aci ma . O analista
tomar as três modalidades de sab er apr ese
s que est e dei xou atrás
"tem que coligir o esquecido des de os ind ício
14 tos traumáticos da história sexual pri-
T~i~ lacunas na consciência deixadas por fragmen
lugar a repetições daquilo que fora apa-
mitiva do ~ujeito perdidos para o recalque, dão
produtiva e amorosa de forma deslocada,
~~do d_a hist6rta e que se transfere para a vida
do sujeito como algo atual e de forma
5torcida e desconexa, sendo tratado pelo eu ·· m
participa
a11enada· As construçoes visam
· uma reconstrução clínica dessas cenas ' que -
dacausalidade da • , caso não se tenha penetrado tao
neur ose. O efeito terapeutico falha
fundo.

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E â ê e1

CHRISTIAN OUNKER / Hl!LOISA RAMIREZ/ TATIANA ASSADI (ORGS,)

de si, melhor dito, tem que construí-lo" corno um arqueólogo, em


que pese que para este a reconst~ç~o é um fi~ em si mesma e Eª.!2
Esicanalista é um meio. O cnter10 d~ v:rosszmz?~ança sugere que
0
ãoo"nstrução seja uma conjectura ou ficçao,L autorizada quando se
chega ao limite do material lembrado. ~la _acol,he,, re~e e corrobora
maior número de elementos do caso. Nao so ha metodo na loucu-
0
ra como discerniu o poeta, senão que ela _contéµ-i também um frag-
m~nto de verdade histórico-vivencial (historische Wahrheit)" (Freud,
1937/1989, p.269). Transpondo o uso da construção no contexto do
método de tratamento para a construção como método de investiga-
ção, percebe-se que o limite do que pode ser lembrado é dado pelo
limite da preservação da forma narrativa. Quando esta fracassa em
manter sua estrutura de ficção, que resguarda uma verdade trans-
mitida é preciso recorrer àconstrução, ou seja, à proeos~ão de_ç!Jgo
novo. É o ponto pelo qual se passa do documentário para a ficção.
--Mas a finalidade da investigação não é a inclusão ou exclusão
em categorias de potencial dedutivo segundo um ideal exaustivo de
coerência. A validade da construção tem por critério não o assenti-
mento direto do paciente, mas"( ...) apenas a continuação da análi-
se pode decidir se nossa construção é correta ou inviável" (Freud,
1937/1989 p.266). O critério da sonfirmação indireta pela produção
ulterior do material nos faz sair do campo narrativo e recorrer ao
discursivo-conceituai. Só ele pode interpretar a pertinência corro-
boradora ou desmentidora da construção. Exemplo: um paciente se
queixa que sua esposa não lhe concede favores sexuais. Ele a traz ao
co.nsultório e pede que Freud lhe explique as consequências de sua
atitude. Freud começa então a mostrar como esta recusa pode trazer
"l~entáveis _Perturbações à.saúde dele e ainda tentações que. po-
d:na~ l~var,.ª quebra do matrimônio"~Neste ponto o marido inter-
vem: O mgles em que você diagnosticou um tumor cerebral também
mor_re1;1" ~F~eud,, p._26~' [grifo nosso]t É óbvio que o marido queria
:mar o d1agnost~c~ de Freud, 1:1ªs ele não o faz direta, mas in-
etamente, atraves deste comentaria aparentemente sem sentido.
. !'i._a construção do caso clínico, o assentimento consciente do
paciente é menos importante do gue as corroborações indiretas,
revela~as pela evolução do discurso. P2_rtanto, não é a verdad;da
na~r~hv~, mas o real contornado pelo discurso, sue se mostra como
evidencia construtiva para o caso clínico.
?tegamos assim ao terceiro critério da noção de constru ~
ou se1a s fin l'd d , ". . çao,
' ua a I a e, que e: liberar o fragmento de verdade histó-
2s
A CONSTRU ÇÃO OE CASOS CLfNICO S EM PSICAN ÁLISE l
. . ciaJ de suas desfigurações e a_Eoios no_rea l:objetivo.. _ e res
nco v1ven .- -- - - - ,,
--:-tu--;:_- - ~lug ares do P-assadg'-ª-.q ue pertence (Freud, 193711---989-
s ~10~~: :,_~: --- - , • .1 , fun -
p.269). A função da construçac;; s_uru ~r a - ~ '!_~ ~ -: lírio n~
. Ora sabemos que esta çao re ere-se a uma tenta~
Efilfºse. ' . • ~ de
lo reinvestimen to,- que faz de realid, ade. Ou se1a' O_delirio .- ,é
cura pe _ . .. .
úm'ã esp_écie cie realidade artificial co~s: nuda, par_é!_ ~r~ar O Re~~
0 Real
não é representável por descnçao, mas corresponde tant ,
deformação quanto ao limite do que pode ser descrito, encon tra:ºª
aqui as duas estratégias de cercamen~o do Real, e ~esen!es na noçã~
~~onstl'!,!ção: a via dos poetas e a ~!~-d~ fo_:mah~ ç~o lóg~ . ,;Se
se toma a humanidade como um todo e se a poe em lugar do indiví-
duo humano isolado, resta que também ela desenvolveu formações
delirantes inacessíveis à crítica lógica e que contradizem a realidade
efetiva (Wirklichkeit)" (Freud, p.270).
Vemos aqui como a noção de construção apon!a p~ra o terre-
~o da_realidade _(Re~lit~t) e do ~eal (Yyirklichkeit), sem qu~;te-se
confunda com o critério da eficácia terapêutica, nem com o critério
da verdade (Wahrheit). As ~ dimensões da n~ç! o.de C011$trução,
metodologicamente enfatizada aqui, possuem estreita relação com
as linhagens históricas que deram origem à psicanálise como prática
de cura, psicoterapia e clínica (Dunker, 2011 ).
Mas, aqui surge um quarto movimento, que não encontramos
na construção como procedimento clínico; movimento relativo a
que - segundo nossa hipótese pretende entender - é a função da
escrita de um caso para o psicanalista 9.ue o coli~ . Apesar da imen-
sa variedade de motivos para tal, cremos que há um motivo que é
interno e estrutural no conceito de construção, ou seja, separar-se do
analisante, fazer o luto do processo vivido ou terminar a transferên-
cia do lado do psicanalista.
Se olhássemos agora para as três condições literário-científi-
cas concernentes ao conceito de construção e para sua incidência à
prática de construção de casos clínicos, perceberíamos que nossos
quatro movimentos envolvem quatro tipos de temporalidade distintos: (1)
0 tempo narrativo, no qual os acontecimentos do caso se precipitam,

~gun,do a épica que lhe é própria (epos), segundo uma autoficção


~•.~gráfica; (2) o tempo rememorativo ~ r~construtivot no qual o su-
JeI O recompõe sua histórica e a cada momento projeta seu futuro
(m~thos) ao longo da rede descobertas e acontecimentos que carac-
tenzam O tratamento; (3) QJ~_mpo lógico da ~al).sj~rêncJ-ª,, no qual

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(ORGS,)
TATIANA ASSADI
/ HELOISA RAMIREZ /
CHRISTIAN D ·UNKER

. e modulam as duas formas temporais a_n-


se incorporam, mtegram to (looos)· e (4) o tempo da escnta
direção do tratamen º , .,. .
teriores na . - publicação da expertenaa. A/
. 'd a a transm1ssao e , es- ~
cohg1 o par . construção de um caso e, ao m
Daí odermos dtz~r. u~ a tratamento reformulação mítica de
- da ep1ca o · '
mo tef!!po, narr_açaol - d lógica transferencial que o comandou.
§is passos e d1g;.Q._~cao ª -

·1mento para construção de casos clínicos


um proced
m tais considerações preliminares, exercitamos um

proc~d~ento :;::7e~
Baseados e . . , tal ara a produção de casos clínicos, que
tr!amento psicanalítico, que poderia ter
consistiu emldpo tanto em um contexto institucional (hospitais, am-
se desenro a ui , · · d Tal
bulatórios, clínicas-escola) quanto em um co_n~ tono pnva do.
tratamento se fazia acompanhar de superv1~ao por. ~arte e ~m
psicanalista, em geral mais experiente. Por hvre deasao de psica-
nalista e supervisor, 0 caso poderia ser _el:ito par~ ser exposto em
uma reunião de discussão coletiva. Redigia-se assim um ~exto, sob
0
qual se facultava liberdade estilística e se estimulav~ vanedade de
formas expositivas. A redação assim composta era bda oralm~nte
para um grupo de pesquisadores e psicanalistas. Durante a le1~-
ra, atentava-se particularmente às ilações, apostos e intrusões orais
acrescentadas ao material escrito. A experiência de leitura aberta,
com a evidenciação de problemas e incongruências narrativas, con-
ceituais e até mesmo ortográficas (lapsus calamz) precedia rodadas de
questões e perguntas que se dirigiam, principalmente, a um único
aspecto da situação, a saber a relação entre forma e exposição esco-
lhida e o conteúdo clínico colocado em pauta. Situa-se assim, me-
todologicamente, o que se pode chamar de uma questão: a questão
que organiza o caso, que força sua inteligibilidade, que se distribui
em uma rede ordenada de perguntas e temas. Saliente-se que o pr:o-
cedime~to não equivale a uma supervisão clinica, nem se dirige a
colher impressões ou opiniões sobre as escolhas levadas a cabo na
condução daquela cura. A construção do caso inclui a supervisão do
caso, mas a suplementa.
Voltemos aqui à distinção, antes mencionada, entre método de
~~n:o e m~toqo d_e_in':~stigaç-ªo, e vejamos o ponto ;m q~e- a
nstruç_aº_do_caso.supl~~~- ~ sup~vi~ão. Freud definiu o termo
11
Psychoanalyse" da seguinte forma:

27
CONS TRUÇ ÃO OE CASO S CLÍN
ICOS EM Psrc ANÁ . LJse
A

um proc edim ento para a lllVe . .


Psicanálise é o nom e de (1) - . , stig
, . ess1veis por qua l açã0 d
rocessos arum1cos que sao qua. se mac - ) para trat
tigaç ao que r outr e
P d o ness a mve s O . o Vi
mét odo (b asea
(2) um
, . os e (3) uma coleçao - d e .mio l ame nto d a,
. Jó • e dis-
ios neur otic rma çõe s p s1c0
túrb
co a pou co vai gí~as ob.
tida s ao longo dess e cam inho , e que pou d9
3/1989, p.23 I)se ~
num a nova disc iplin a científica. (Fre ud, 192

o ine ren te
A pesquisa em psic aná lise é tida com o alg
tamento,_..9_próp_rio__qat am ent o _es icanalítico é e~~ tra. um
. . te. ,,A psic- aná- - lisemo
- de pesquisa, Ees gm.sa d o mco
·ª nsc 1en - ..
tipo , l . b - con sti-
·- --- --- ~-:.- - ge nao ape nas um me' todo
tui um a combmaçao not áve , poIS a ran , ,
s, ma s tam b em um me tod o de tratame
de pesquisas das neurose nto)
· Iº&!· ª assr . m desc ob e rta " (Freu d, 1913/1989, p. 211
baseado na etio
Como já havíamos ass ina lad o em traf ia~ o ant erio r (Za nett i, Borges·
, , . . lus1. ve a gra nd e d esc obe rta: 0 mesmo
& Oliveira, 201 2), está 101 me
iza do par a investigar
procedimento e o me smo pro ces so que é util
tom as neu róti cos , esse
as causas inconscientes da form açã o dos sin
se trad uz simultanea-
mesmo processo, qua ndo lev ado a seu term o,
n~~ en~ o dos sintomas.
mente eJll efeitos tera pêu tico s e no sol ucJ~
Algo inédito (Nogueira, 1997; Du nke r, 201
1) e mu ito distfu.to do
se for mo u, em que a
que ocorre na prá tica méd ica da qua l Fre ud
liza das pel o médico,
pesquisa clinica das cau sas dos sin tom as rea
lme nte de seu s proce-
seus exames diagnósticos, se dis ting ue rad ica
sar a cau sa não implica
dimentos tera ~ut ico s. Em med icin a pes qui
ren tes exe cut ado s em
diretamente em trat ar o sint om a, são ato s dife
o. out ro. N_2. psicanálise
momentos diferentes, prim eiro um dep ois
c~! !_lb !fl~ _de l!l~ e½'a
não, o métodQ..d_~ ~sq uis a e trat am ent o se

_______
!!2~-~lc_Eois o me s~_pro ced ime nto_que enc
soluciona os sintomas.
__,
ont ra as cau sas alivia e

m a psic aná lise"


Em 'Recomendações aos méd ico s que exe rce
1

açã o iné dita ent re os


(1912) Freud mais um a vez sub linh a a com bin
aliz and o o pon to em
métodos, e dá um pas so na formalização, sin
que se separam.

favo r é ind ubi tavelme n-


Uma das reivindicações da psic anál ise em seu
ame nto coin cide m
te, 0 fato de que, em sua execução, pesquisa e trat
[e ~cr ~nt a que) não obstante, após certo pont
o, a técnica exigida por uma
[gri fo noss o))
opoe-se a requerida pelo outro. (Freud, 1912/1988, p. 114

nte num cas o, de


Qua ndo se trat a de trab alh ar cien tific ame
epe nde nte das inc urn -
desenvolver ~m a pesquisa, des liga da e ind

I) 2s
SA O I (O R G S. )
IR EZ / TA TI AN A AS
I.O IS A R A M
RI ST JA N DU NK ER / HE
CH

a ta m e n to e sp e á fi c o , a e sc u ta
u m tr
ê n d a s te ra p êu ti cas re fe re n te s a q u e re in a m so b e ra n a s
en-
b ão li v re ,
an te e a associaç rd e m su a fu n çã
o,
livremente fl u tu o tr at am en to , p e
técrúcos d u ra n te n to , tr a ta m e n -
q u a n to preceitos é a es cr it a. N e ss e p o
a técn ica q u e p a ss a a se r ex ig id a o m p ro p ó si to s ci en tí
fi co s
e e st u d o c
eçam a se Ofl'!!· O e n to técnico n ã
o
to e P-esquisal com so , u m p ro c e d im
, a escrita d o ca
~ li c a , p o rt an to .
m en d ad o d u ra n te o tr at am en to
re co am en -
at
m en te n u m ca so en q u an to o tr u
har cientifi ca
Não é bom trabal su a es tr ut ur a, te nt ar p re d iz er se
in ua nd o - re un ir u m q u ad ro d o es
ta d o
to ainda está co nt s em te m po s,
e ob te r, d e te m po exigiria. C as os q
u e sã o d e-
progresso futuro re ss e ci en tí fi co ,
atual da s coisas,
como o in te
os ci en tí fi co s, e as si m tr at ad os
ós it
p ri n ó p io, a pr op m ai s be m su ce di
do s sã o
dicados, de sd e o an to o s ca so s
sultado; en qu r, se m q u al q u er
in tu it o em
sofrem em seu re p o r as si m di ze va
aqueles em qu e se
avança,
o d e su rp re sa p o r q u al q u er n o
vista, em q u e se
permite se r to m ad co m li beralidade, se m
quais-
en fr en ta
e se m pr e se o
reviravolta neles, (F re ud , 1912/1988, p .114
)
si çõ es .
qu er pressupo
ó ri -
a q u e re n o v a o in te re ss e te
ã o cu id a ~ ica retrospectiva. k
'
Urna r ~ ~ n d a ç a d a pe sq ui sa cl ín
e a d im en sã o étic ,, · ·
co, o v ~ ~ ín ic o en d e N o g u ei ra (1 9 9 7 p ·1 3 6 ) d e u m a m v e stuig m
a-
a
o d ef p o st o
Trata-s· e,· co m " . .,_
ue te m co m o J p re ss u
- 1 b1to d a c1encia [q _
çao on~ma_ n o am tr e a experiência su a in v es ti g aç ao e su a tr a n s-
en
descon".tinwdade ,
missão im e n sõ e s li t , -
p a ra r as d e ra
s ag o ra re in te rp re ta r e dse .
:io
. ~ o d e,n d o caso clínico si tu a n
ca -o c o m o d if e re n te s p o si ci o -
n a e ae n ti fi ' " . o a es cr it a d e u m
n o in t · d a, q u e a n im a
namentos e n o r a transfer
enc1
caso.

arrativa, materna e formalização


N
. tr at a,
q u e d iz re sp ei to à té . e _e scri ta ,exigida, n ã o se
No cru~a d
a escrita o st id ão, e, si m' cfe
diz Freud, ~ u m is
ens~va, v· tí fian d o a ex at
4--
te'cru•c d e es crita~' c1en ca, q u e seja c a p a z d e : 1.
uma determinada a
d o caso· 2 t e6.%); e_3. for-
reunir a es tr u tu ra ca lcu la r se u pr Q gt
~ se u e ;: d ~ : : ~
mar :m qy_ad~o d .
a u m a te escrita q u a is
fonnahzaçao serio er a - n~ativa d~ re v el ar e_ela
se uênci as ló gicas e n sa en te s la te n te s e d et er m i-
as m co i-
enos c tt ic çoes os d a d o s p er ce b
~ s dos fenôm ::~ ~ ~ ~ o ~ s~, e q u e u lt ra p as sa m
- --...:..::~::
29
A CON STR UÇÃ O DE CAS OS
CLÍ NIC OS EM PSI CAN ÁLI
SE
1
va, a faJ a d eve
ssim na pe squisa psicanalítica retrospecti .
dos. A ' gu ag em sim discu seser
bólica, um.::
substituída pe] a escrit~, um a lin- -- - -- -- -. ..; . _ rso
- ~ lll
~s.
experiência analítica no nív 1 da e
Nesse sentido a transmissão da · 'd ' · oratóe. s-
sub · .uç
stih - d o VIV
· ao I o, um a esp eae de Iab
crita, é uma
imos fatos científicos. (N:o, ~a
experiênda artificial onde produz gueira,
1997, p.140)

s co m a his .
ter ia Freud d e1x
De sde seu s pri me iro s tra ba lho .,. . a
_ d teó ri-
expenenc1a pe la escrita
muito claro que a ~<;O!!SíT!IÇa~~
ca tem o objetivo de p~o~u_zir ev~
~ências_~qu e po de m se ap re s~ r
domínios: clínico
romõ piõvâsemfavor de suas teses, e isso em três -:
Jógico e terapê uti co. (Z an ett i, 200 §).
leva es; e es io ~~ e ab str açã o ao extremo, qu an do pri-
- - Lacan )
a "o nív el de tra nsm iss ão ma têmica, no qu al os sím bo los (...
vilegi
com o sim pli fic ad ore s da prá tic a clinica" (Checchia, 2004,
funcionam
p.330). 15
um mo de lo, um ensaio de sis-
Com esse intuito iremos pro po r
e for ma liz açã o do mé tod o a pa rti r de um a determina-
~matização r
o do An ali sta " desenvolvido po
da leitura do Materna do "Discurs
70/199 2). A esc olh a de ssa fór mu la lac an ian a se justifica
Lacan (19 69- -
(1) reu nir pa rte im po rta nte do con
pelo fato de qu e ela no s permite:
de op era çõe s im pli cad as na co nstrução do caso clínico em um
junto s
dis tin gu ir ca da um do s elemento
sistema de relações estáveis; (2)
o; e (3) sit ua r as dif ere nte s rel ações e lug are s oc up ad os po r
em jog ta
rso. A ma tri z dis cu rsi va pr o~
cada um na estrutura de um discu
ll. ~a be ]ec e gu atr os lug are s pelos qu ais cir cu Ja ;qu atr Õ
~! J•~ ffi ·- ·- -- - ----.
elementos.... ·
-- -

deve ao fato de
15
Uma das vantagens da opção de lacan pela lógica do significante se
estável, que permite correlacionar fe-
::::-se de ,u'.11ª linguagem simbólica, ~rtificial,
n~s chrncos, mantendo Esta a ambiguidade da fala, e, além disto'
é uma lógica que
• d
lita ope rar com restos & •
de lac an quando construiu a esc rita ~
possibi · 101 a sacada ,....
di
rm_ 1nteg ran do no discurso um resto que não é lin~uagem.
~cu
30
S OI (ORGS.)
HELOISA RAMIREZ/ TATIANA AS A
CHRISTIAN DUNKER /

Os Quatro Elementos
Os Quatro Lugares
outro/ Trabalho · a: objeto causa do desejo
Agente
--- =----- S: sujeito
Verdade Produção / Perda SI: significante mestre
S2: saber

Discurso do Analista: a $
o-=-o
S2 ◊ SI

. d s Discursos e o Discurso do Analista. Fonte: Adaptado de Lacan


Fig. 1. Matriz o
(1992/1969-1970).

No Discurso do Analista, apresentado na figura 1, o "lugar do


" (acima à esquerda) é ocupado pelo (a) objeto causa do de-
agente 1 · ·
· "lugar do trabalho" (acima à direita) é ocupado pe o SUJe1to
seJO, o • d. · )
dividido($), já no "lugar da produção e da perda" (abaIXo a rre1ta
está O (S1) si~ificante mestre das identificações e do Ideal, e o saber
(S2), está no "lugar da verdade".
Assim podemos retomar e explorar as relações de diferença e
identidade indicadas por Freud entre tratamento e pesquisa a partir
do Discurso do Analista. Segundo os lugares preestabelecidos pela
estrutura do discurso a pesquisa, no tratamento, na supervisão e na
construção retrospectiva do caso clínico, deve se dar necessariamente
no l!!_gar do trabalho, sendo que no tratamento quem ocupa esse lu-
gar é o analisante, sujeito em tratamento, na supervisão é o analista
supervisionando, e na pesquisa retrospectiva o analista na posição
de pesquisador (Fig. 2).
No momento do tratamento, a pesquisa é realizada pelo anali-
sante e essa tem, a princípio, como mostra a figura 3, uma finalidade
ética e terapêutica. O segundo momento, a supervisão, ocorre após
as sessões e pode incluir a colaboração de um ou mais supervisores
e mantém uma finalidade ética e terapêutica. O terceiro momento
transpõe a finalidade clínica para a finalidade científica. Ela é desli-
gada e independente de suas incumbências terapêuticas referentes a
um tratamento específico.

31
f !COS EM PSICANÁLISE
A CONSTRUÇÃO DE CASOS CL N

PESQUISA
SUPERVISÃO RETROSPECTIVA
TRATAMENTO
i-··-·-·····-----...-•-··-···--··......,..---·--....-.................rÊsouis·A······· ... Agente PESQui"s:"....)
\ Agente PESQUlSA 1· Agcnt~ ~ Analista Caso Enigma ==> Analista ;
j Analista ==> Analisante Supervisor S rvisionando lnterlocutores Pesquisador Í
: 1 - ~ Verdade ProduçãÕ ,=,'

;; Verdade - - - ! Verdade
Produção Produção .
\ -·-··----·-··------..---·-··· --··-····-·-·..-............................... ···-
.l ; ....... ................ ........ . ....... ·

..................;

ão do caso clínico e o lugar da pesquisa a


t
Fig, 2. Os três momentos .da conS r~1daptado de Lacan (1992/1969-1970).
partir do Discurso do AnahStª· Fonte.

SUPERVISÃO PESQUISA
TRATAMENTO

Ética e Ético
FINALIDADE Ética e Científica
Terapêutica
Terapêutica
Associação Construção
MÉTODO
Associação Escrita
Livre Livre

Interpretações Texto e
PRODUÇÃO Interpretações e Transmissão
ConstnJções em e ConstnJÇÕCS
Analise em Analise

Transferência Transferência
CONDIÇÃO Transferência de Trabalho

Fig. 3. Quadro comparativo: afinidades, diferenças e identidades entre trata men-


to e pesquisa em Freud e a noção de dircurso em Lacan.

O importante a observar é que tanto a supervisão como cons-


trução do caso em equipes, ou a construção do caso clínico com fi-
deslocamento
nalidade científica, exigem do analista praticante um,,__ ___,
do "lugar de agente" do discurso, que é o lugar que deve ocupar no
___
tratamento, para o "lugar de trabalho" (Fig. 2). Tal de~locamento
discursivo é necessário, pois o lugar de agente do discurso analítico,
, "ocupado pelo objeto a-(...) em posição de causa de desejo - não se
i
J
'.

32
I
f
ASSA .OI (OR GS.)
OISA RAM IREZ / TAT IANA
CHR ISTI AN 0UN KER / HEL

sador. Pesquisar é ant es uma


compatibiJJza com a posição de pesqui
noss~J). Esse deslo~a_men-
[!!JSição de trabalho"_ (Elia, 2000, p. ~~ [grifo
na escrita par a a pos1çao de
to exigido ao analista na su perv1sao e
"reapropriação do saber pelo
trabalho ímpJica a possibilidade da
(Figueiredo, 2004, p. 80).
analista na condição de pesquisador"
rio, esta passagem do
No contexto do ambulatório universitá
eção daqueles praticantes que
analista ao lugar do trabalho, com exc
têm a experiência da análise, é, algum
as vezes, proporcionada pela
o modelo que estamos pro -
primeira vez na supervisão. Segundo
:_conferir a ela o val or de
pondo, na ~or~ de ,eI_aborar sua prática
dificuldades que o caso lhe
uma experíencia dím ca com todas as
curso analítico (Fig. 1) com o
impõe, é o praticante, tomado pelo dis
da associação livre (a ~ $),
sujeito ($) que m faz uso do trabalho
em que con duz o tratamento,
ato que lhe é interditado no mo me nto
em atenção flutuante" que lhe
pois entra em conflito com a "escuta
duz ir a cura e pôr o paciente
é exigida como contrapartida par a con
ent ão que nes se tra bal ho de
em trabalho de associação. Lembrando &-
falar se ent reg and o as associações sem
julgar ou cen sur ar seu s ~n -
itos da rópria fala sob re si,
sarnentos, a uele ue fala sofre os efe
e tem a chance e se libertar
f~ er ta ~, elabora sua s questões
da supervisão, com a condição
de um sofrimento1$ __. S.1.1 No caso
o trabalho, o pra tica nte tem a
de que haja um a transferência com
iar dos efeitos de sua pró pri a
chance de experimentar e _d e se apr opr
etação e na construção de um
entrega à associação livre, na interpr
respostas que precisa par a tra-
saber clínico pró pri o que lhe tra z as
lhe fazem que stã o na direção
balhar os problemas e obstáculos que
a experiência ímpar, em alg uns
dos tratamentos que ele con duz . Um
casos, marcante.
a livremente é O paciente,
No tratamento, por tan to, que m associ
stru ção do caso é o seu des -
mas, na supervisão é o ana list a e na con
int es, e seu destinatário opaco,
tina~ário imediato, na figura do s ouv
a publicação. Percebe-se nes te
na figura dos que pod em ter acesso
rito e do pri vad o ao público,
percurso _como -se pas sa do ora l ao esc
do nar rat ivo ao conceitual.
mação do psicanalista e
E~qu~nto a sup erv isã o apr im ora a for
ª científica retrospectiva visa
ª excel~n:1 de sua prática, a__pesquisa
snussao 12ública o li d d responsab1hdades ter apê uti cas
..
.tran . , . · es ga a e
rita, e o mé tod o é o da cons-
une~1atas, a tecruca exigida aí é a esc
truçao.

33
• C OS CLÍNICO S EM PSICAN ÁLISE
A CONSTA UÇAO OE AS

~ ,. . d t abalho proposta como condição desta. rn0-


A transf!renaa e " -a noção cunhada por Lacan a partu do
- . ,
dalidade de E_es~msa e um b· ti de ,,d fini
- ·to de transferência
,--:--conce1 com o o 1e vo _e r as re-
- , t l" · --
propn o escolhem _eara 1ormar o car e , visando
lações entre pares, _q~e - --:-tas-16 (F1gue . . d 0 2005 p.47). Esta
-
-- - · ·. - e a ,1orma - de analis rre , ,
a pesqU1sa çao _
, f de situar a separaçao entre tratam ento e pes-
to
e portan . d uma orma d:' · ,.
' . podemos reunir e uerenc1ar tres modalida-
qmsa, a partir o que
des de pesquisa: . ,, , . _
,, quisa realizada pelo analisa ul nte atrave s da assoc1 açao
1. A pes . _
livre sob transferência, que res ta em mterpretaçoes e
construções visando o solucionamento de seus sintomas;
2. Da "pesqu
isa realizada pelo clínico" a~a~é s daliassociação li-
vre numa transferência com sua propn a ana se e supervi-
são, que resulta em interpret~ções e construçõ~s visando
tanto O solucionarnento de dificuldades expen menta das
no campo da transferência, como na quest ão do diagnósti-
co e da direção da cura; ~
3. Da "pesquisa realizada pelo clínico", retrospectiva, através
construção e da escrita do caso em uma transferência de
t~alh o, que resulta na dissolução da transferência do
lado do analista por meio de uma escrita, vis~ndo qans-

-
missão.

~,., É no momento da su.12ervisão que se escolhe aquel e que irá se


tomar um caso clínico. O critério da escolha do caso, e isso parec e
;rum consenso, é o caso que faz enigm a (Costa, 20~8; Vorcaro,
2010), em outras abordagens se diz os casos difíceis. E por opera r
nesse campo, com essas funções que se criam as condi ções para
que o analista em supervisão, primeiro, formu le sua quest ão, e se-

16
Como observou Rithée Cevasco (2014) em encontro de trabalho no IP - USP, trata-se
de uma indicação de Lacan para pensar o trabalho coletivo; é uma condição para o es-
tabelecimento de um laço produtivo entre pares. Alguns apontamentos da noção, en-
I contramos em Figueiredo (2005): ·se o movimento da transferência (de escolha) é do
sujeito, na transferênd!_de trabalho, o movimento é de cada um_pa ~quipe em direção
ªJUl'ª-bafho, tomando seus pares como parceiros da clínica• (p.48). Jimenez (1994) êsia-

I belece diferenças: "O trabalho de transferência se dirige ao sujeito suposto saber, lugar
ideal(_), ~sse lugar ideal é aquilo que efetivamente se liquida ao final da análise, já que
J transferencla ao analista não se liquida, mas é transformada em transferência de traba-
~ . ) no Final da análise (.:., à Outro, despido de sua consistência, se trãnsforma num
Interlocutor(...) passando a ocupar o lugar puramente simbólico das trocas. O motor da
transferência de trabalho é o desejo de saber, gue se nutre da impossibilidade do saber

---
absoluto• (p.130).

34
E
CHRISTIAN DUNKER / HELOISA RAMIREZ/ TATIANA ASSADI (ORGS . )

gundo, para que lhe ocorram interpretações. É pelo trabalho de


decifração das interpretações produzidas que o analista praticante
enquanto sujeito ($) se separa das identificações e Ideais representa-
dos no discurso pelo signifis_a_nte_Jnes.tre ($ -. S1 ), e se põe numa
relação livre com o significante. É aqui que localizamos a função
estrutural da qu~.9 que leva um anaHsta a escrever um caso clí-
nico, extraindo de uma E;_Xperiência particular a sua singuJaridade
~scrita, por um lado e a sua universalidade de transmissão, por
outro.

Conclusão

Trata-se, portanto, de conferir a funcionalidade de um mode-


lo teórico apoiado na noção de QjscursQem Lacan, fiel à experiên-
cia e à ética da psicanálise, cuja contribuição, além do exame críti-
co s ~ as modalidades de pesquisa em psicanálise que precedeu
sua construção, se concentra em dois aspectos complementares:
por um lado permite, como demonstramos, simplificar e organi-
zar parte importante das operações implicadas na construção do
caso clínico em um sistema de relações estáveis; reunir e distinguir
cada um dos elementos e operadores em jogo, e situar as diferen-
tes relações e lugares ocupados por cada um na estrutura de um
discurso; por outro lado, a precisão conceitua[ dos movimentos e
das distintas temporalidades em jogo da construção do caso cli-
nico possibilitaram entender qual pode ser a função da escrita do
caso clínico para o analista. Localizamos no interior desse sistema
formal a operação de separação($-. S1) que apoia a hipótese da
existência de um motivo interno e estrutural no conceito de cons-
trução, que causaria no praticante a escrita do caso clínico, que é
a necessidade de terminar a transferência pelo lado do analista,
de separar:~~ do analisante, fazer o luto do processo vivido, como
parte de uma elaboração necessária a dissolução da lógica transfe-
rencial que comandou o caso.
Tais resultados apontam para a importância clinica, metodo-
lógica e política da construção do caso clínico em psicanálise, pois,
como defende Freud (1905/1989), a escrita do caso se faz decisiva
na fundamentação das teses, na exposição ao juízo público a respei-
to dos métodos e procedimentos empregados, na demonstração da
eficácia do tratamento e na comunicação dos resultados. Trata-se,

35
A

CONSTRUÇ AO
DE CASOS CLfNICOS EM PSICANÁL ISE
i
to ético e uma postura comple tamente sinto .
rtanto de um a .,. . , n1zad
PO . . d saber só se toma c1enc1a apos s e r ~ a
a 1de1a e que O - . , cado
com . te se completa quando se toma d1sporuveJ (i, ,e
"ºIler
a pesquisa somen - -
Sabadini & Sampaio, 2012). '

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36
- ;a :r

ASSA OI (OR GS.)


OISA RAM IREZ / TATI ANA
CHA ISTlA H OUH KEA / HEL

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38
$
,

2
SUPERVISÃO COMO ÇONSTRUÇÃO DE
CASO CLINICO
Delia Maria C. De Césaris
Priscila N. David

Ser psicanalista é,
na enganad ora permanência de sua poltrona,
a cada instante, voltar a sê-lo novame nte
Serge uclaire (1971)

ste texto aborda a questão da superv isão desde a própria ex-


E periência na Rede Clínica do Laboratório Jacques Lacan. Dest~-
cam-se as características dessa prática articul adas com recortes teo-
ricos, que permitiram pensar o papel do superv isor na psicanálise.
Nesse sentido, propõe-se a hipótese de que o _§__sguema L de Lacan
possa servir para que se leia~ eosi~ão do sueerv i~ r. Como ilustra-
ção do percurso do avanço na escuta do analista-supervisionando,
apresenta-se um recorte clínico da análise de uma criança, cujo so-
frimento se manifestava em um sintoma no aprend er. Finalmente
se recupera a palavra de alguns superv isionan dos, que falam dos
efeitos da experiência.

Otripé na formação do psicanalista

São conhecidas as vicissitudes pelas quais passou o conceito de


formação em psicanálise desde seus primeiros momen tos fundad o-
r~s. Desde 1919, em que Freud afirmou que os psicana listas pode-
riam obter a orientação clínica, que lhes é imprescindível, por meio
da leitura da bibliografia desse campo de estudo s "e, mais concre-
tamente, nas sessões científicas das associações psicanalíticas, assim
como o contato pessoal com os membros mais antigos e experim en-
t~dos delas"; as,si~ com,º .também pode conseg uir a experiência prá-
tica por sua propna anahse e através '"de tratame ntos sob contro le,
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