Você está na página 1de 8

-;

O
o
õl
Oq u e é o H i s fó ri o?
d
x
0)
Ë
o
U
it
5
F
o
Xq
V)
l-\ì È'
È
aa,
Ë
R
\J ü Nestecapítukl, quero tentar responder à pcrgrrntaque lhe
è B dá títrrl<-r.Part tazer ísso, vou de início exanrinar o qlle a
Ë
\p IJ Itistória é na tcoria; clepois,examinar () que ela é na prática;
&4

\ .{ e, p()r fim, juntar teoria e prírtica enì unra clctìniçào* Lnïìa


.)-
{ Y
\
\

clefiniçàocética e irônica, cr;nstruídametcxlcilogicanÌente -,
A.l que espL'r()ser ahrangr:nteo bastante pâra l)rop()rci()náì[â
Ì{ )( q)
ç X HX você urn rlzoirvel conhecirnent()ÍÌiì()apenas tla "cluestàr> cla
\ (n v) lii.storia",nrastarnbéln dc alguns clclscleltatese posiçiresquc
) ct),z
:l rttleiant.
-t5 Y dX
ç
Y Í{ã
R <Fì
\
s< g ,< DA TEORIA
ír Y Ír.
.\- Fd
2è, No nír,el cla teoria, g()stal'ier de aprcsentarcl()isilrgLlnìen-

Ë$ <x
> H
tos. O primeixr (que cslroÇ()neste parírgrafoe clesenvolvo
em seguicla)é qr,rea hi.sttiria( ()nstitLriunr clcntrc unra série cle

ì1Ê írl Ë
F!0 cliscltrsclsa respcito cl<lrtrurrtlo.EmÌxtra csscscliscursosrràtr
criern o rìrunck.r(aquela cr>isafisica na cltral átpilrentelÌìente
viventos), eles se aprop.rianrdo rnunckr e llre cl:io trxìo.sos
signifit'lrcl<)sque tênt. O pedacinhodc nrunclo<ltreé o olriet<t
(prctcnclickr) cleinvcstigaçàoclalristírriae o ltasslrlc.r. A hisrti-
rilt ctlrtto clist'rrls<lr-.stli,1-rolllltìt(),
nulìlu t'trtetgoriltcliferentc

)'l
daquelasobre a qual discursa.Ou seja,passadoe história são
aos escritosdos historiadores.Tambémseriaum bom critério
' coisasdiferentes.Ademais,o passadoe a história não estão (o passadocomo o objeto da atenção dos historiadores,a
unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter uma, e
historiografia como a manetra pela qual os historiadores o
apenasuma leitura históricado passado.O passadoe a histó-
abordam) derxara palavra "História" (com H maiúsculo) para
ria existem livres um do outro; estão muito distantes entre si
- t 'no tempo e no espaço.Isso porque o mesmo objeto de in- indicar o todo. No entanto, é difícil livrar-se do hábito, e eu
mesmo talvez use "históna" pata me referir ao passado,à
vestigaçãopode ser interpretado diferentemente por diferen-
historiografiaeaambasascoisas.Maslembreque, see quando
tes púticas discursivas(uma paisagempode ser lida,/inter-
eu fizer isso, estareilevando em conta tal distinção- e você
prerada diferentemente por geógrafos, sociólogos, historia-
deveria proceder da mesmamaneira.
dores,artistas,economistaset al.), ao mesmotempo que, em
Contudo, pode muito bem ser que esse esclarecimento
cadauma dessasprâttcas,há diferentesleituras interpretativas
sobre a distinçãd entre passadoe história pareç coisa vã.
no tempo e no espaço. No que diz respeito à história, a
Talvezvocê pense:"8 da? Que impotância tem isso?"Permi-
historiografia mostra isso muito bem.
ta-me oferecer três exemplos de por que é importante enten-
O parâgnfo acima não é fâcil..Fiz um monte de afirmações,
der a distinçãoentre passadoe história.
Íïras,nâ realidade,todasgiram em tomo da distinçãoentre pas-
sadoe história.Essadistinçaoé, poranto, es.sencial.Sefor com- 1. O passadojâ aconteceu.Ele jâ passou,e os historiado-
preendida, ela e o debate que suscita ajudario a esclarecero res só conseguemtazê-lo de volta mediadopor veículos
que a história é na teot'a".Por conseguinte,vou examinar as muito diferentes,de que são exemplo os livros, artigos,
afirmaçõesque acabo defazer,analisandocom algumaminúcia documentáriosetc., e não como acontecimentospresen-
a diferença entre passadoe história e, depois, considerando tes. O passadojá passou,e a história é o que os histori- 1
algumasdas principais consequênciasdessadiferença. adores fazem com ele quando pÕem mãos à obra. A
Deixe-me começar pela idéia de que a história, embora história é o ofício dos historiadores(e/ou daquelesque
agem como se fossemhistoriadores).Quando os histori-
,seja um disctrrsosobre o passado,está numa categoriadife- adores se encoRtram,a primeira coisa que perguntam
rente dele. Isso pode lhe parecer estranho, porque talvez
você não tenha notado essadistinçãoantesou, do contrário, uns aosoutros é: "No que vocêsestãotrabalhando?"Esse
talvez ainda não tenha se preocupado muito com ela. Uma trabalho, expresso em livros, periódicos etc., ê o que
das razões para que isso aconteça- ou seja, para que em (' você lê quando estudahistória.Isso significaque a histó-
genl a distinção seja deixada de lado - é que rendemos a ia estâ,muito literalmente,nas estantesdasbibliotecase
perder de vista o fato de que realmente existe essadistinção de outros lugares.Assim, se você começar a fazet um
entre a história - entendida como o que foi escrito/registrado curso de história espanholaseiscentista(por exemplo),
não vai precisarir ao séculoxur nem à Espanha;com a
, sobre o passado- e o próprio passado,pois a palavra"histó-
ria" cobre ambasas coisas.lPortanto,o preferível seria sem- ajudade uma bibliografia,vai,isto sim, à biblioteca.É,alii
pre marcar essadiferençausando o termo "o passado"pata que estáa Espanhaseiscentista,c4talogadapelo sistema
tudo que se passou antes em todos os lugares e a palavn decimal Dewey, pois aonde mais os professoresman-
"historiografia"paraa história; aqui, "historiografia"se referê dam você ir para estudar?Claro,você poderia ir a outros
lugares onde é possível encontrar outros vestígios do
24 25
passado - por exemplo, aos arquivos espanhóis. Mas,
i aonde quer que vá, sempre terâ de ler/interpretar' Essa
leitura não é espontânea nem natural. Ela ê aprendida
(em vários cursos, por exemplo) e informada (ou seja,
pare para considerar quantos outros grupos, pessoas,
povos, classesforam e/ou são omitidos das histórias e
por quê; e quais poderiam ser as conseqüênciasse tais
"grupos"omitidosdominassemos relatoshistóricose se
os grupos hoje dominantesficassemà margem."
I
I

I
dotada de significado) por outros textos' A história
(historiografia) ê um constructo lingüístico intertextual.
Posteriormente,diremos mais sobre a importância e as
possibilidadesde trabalhara distinçãoentre passadoe histó-
2. Dïgamos que você esteja estudando parte do passado ria. Por ora, eu gostariade analisaroutro argumentodaquele
inglês (o século )n/I,por exemplo) no secundário britâni- parâgrafoanterior (p. 24) no qual digo que precisamosen-
co. Vamos imaginar que você use um renomado com- tender que o passadoe a história não estão unidos um ao
pêndio: England under tbe Tudors, de Geoffrey Elton. outro de tal modo que se possater uma, e apenasuma leitura i
Na aula em que se trata de aspectos do século xvt, você de ipalquer fenômeno; que o mesmo objeto de investigação
faz anotações em classe. Mas, para os trabalhos e o gros-
so da revisão da matêria. usa Elton. Na hora do exame,
escreve à sombra de Elton. Ao passar, está aprovado em
é passívelde diferentesinterpretaçõespor diferentesdiscur-
sos; e que, até no âmbito de cadaum dessesdiscursos,há l
história inglesa, ou seja, está qualificado na anâlise de
certos aspectos do "passado". No entanto, seria mais acer-
interpretaçõesque vaúam e diferemno espaçoe no tempo../
Para começar a exemplificar isso, vamos imaginar que
possamosver urna paisageminglesa atravêsde uma ianela
i
' tado dizer que você passou não em história inglesa, mas (não toda a paisagem,pois a janelaa "enquadra"muito lite-
em Geoffrey Elton - pois, nessa fase, o que é sua "leitu- ralmente). No primeiro plano, estão vâriasestradinhas;mais
u ra" do passado inglês senão uma leitura de Elton? além, outrasestradinhas,ladeadaspor casas;há camposon-
3. Essesdois rápidos exemplos da distinção entre passado dulantese, neles, casasde fazenda.Na linha do horizonte, a

I
e história talvez façam parecer que se trata de algo sem alguns quilômetros,vemos uma sucessãode moffos baixos'
maiores conseqüências. Na realidade, porém, aquela dis- No plano intermediário,uma cidadezinhacom uma feira. O
tinção pode ter efeitos enormes. Eis outro exemplo para céu é de um azul pálido.
ilustrar isso: embora milhões de mulheres tenham vivido Não há nada nessa paisagemque diga "geografia".No
no passado (na Grêcía, em Roma, na ldade Média, na entanto,estáclaro que um geôgrafopode iulgâ-laem termos
lE
Âfrica, nas Américas...), poucas aparecem na história, geográficos.Âssim,ele pode "ler" que a teffa exibe prâticase i
isto é, nos textos de história. As mulheres, para citarmos
uma frase, foram "escondidas da história", ou seja, siste-
maticamente excluídas da maioria dos relatos de historia-
dores. Por conseguinte, as feministas estão agora engaia-
das na tarefade"fazer as mulheres voltarem praa histó-
padrões de uso específicos;âs €strâdinhaspodem tornar-se
pafte de uma série de redes de comunicaçãolocal e/ou regi-
onal; as fazendase a cidadepodem ser "lidas"em termosde
uma distribuiçãopopulacional específicaicartastopográficas
podem mapearo teÍreno; geógrafosespecializados,explicar
F
tia", ao mesmo tempo que tanto homens quanto mulhe- ã cüma áigu*os, os tipãs dãcorentés de irigação. Dessa
res vêm examinando os constnrctos de masculinidade maneira, ",o panoramapoderia virar outra coisa: geografia.De
que são correlatos ao Íem .z Nesta ahtuta, vocë talvez maneftasemelhante,um sociólogo poderia pegar a mesma

26
27

4
sobretudo, o seu tipo de História que define o campo do que
"a História realmente é", mas ainda porqlle é esseo tipo de
história estudado no ensino médio e nos cursos de gradua-
ção. Nestescllrsos, com efeito, você ê, na prâtica,iniciado na
história acadêmíca;você deve ficar como os profissionais.
Mas como são os profissionaise como é que eles produzem
h is t o ria s ? r"
Vamos comeÇarassim:a história é produzida por LÌmgrlÌ-
po cle operárrioschamadoshistoriadoresquando eiesvão tra-
balhar.E o setviço deles.E, qr-randovâo trabalhar,eles levam
consigo certascoisasiclentificáveis.
"t
Em primeiro lugar, levam a si mesmos:sells valores,posi-
çÒes,perspectivasideológicas,
Em segundo lugar, Ìevam sells pressupostosepistemo-
lógicos. Estes nem sempre são conscientes,mas os historia-
dores terâo "effi mente" maneiras de adquirir ,,conhecimen-
to". Aqui, entra em".açãouma gama de categorias(econômi-
cas, sociais,políticas,culturais,ideológicasetc.), uma gama
de conceitos que integram essascategorias (dentro da cate-
goria política,por exemplo, pode haver muito uso de classe,
poder, Estaclo,soberania,legitimidadeetc.) e amplas pressu-
posiçõessobre a constância,ou não, dos.sereshumanos(algo
qlle, com rnuita freqtiência,é irônica e a-historicamentede-
nominado "natrxeza humana"). Mediante o uso dessascate-
gorias, conceitos e pressuposições, o i-ristoriadorvai gerar
hipóteses, formular abstraçõese organizar e reorganizar seu
material de forma a incluir e excluir.
Os historiadorestambém empregam vocabuláriosprópri-
os de seu ofício, e estes(como se não bastasseserem inevita-
velmente anacrônicos) afetam não apenas o qLte os historia-
dores vêem, mas a maneira pela qual eles vêem. Tais catego-
rias,conceitose vocabr.rláriossão continuamenteretrabalhados,
Dado que até agora tentei situar a história entre os mas sefir eles os historiadoresnão conseguiriamnem entender
interstícios de interesses e pressões reais, também preciso os relatos uns dos outros, nern elaborar os seus próprios, nâo
levar em conta as pressões "acadêmicas",não só porque é, importando quanto possam discordar a respeito das coisas.
Em terceiro lugar, os historiaclorestêu rotinas e procecli- goria. E esseato cle trans-forn-iaçào - clo passadoem história
lt - é o tlabalho básico clo historiaclor.
mentos (métodos, na estritzracepçào da palavra) para liclar
com o material:nodos de verificar-lhea origct-u,a prlsic-ão,a Ern cltrintolugar, os historiaclores,tendo feito sua pesqtri-
autenticidade, a fidedigniclacle..,Essasrc>tinas se aplicarãoa sa, precisanl entzìocolocá-la por escrit<>, E ai qlre os fatores
todo materialtrabaihado,tlestlo qtle cot-Ìlgrattsvariadosde gp"l"to"lógfrj, rnetodológicos e id:j&gços voltam a en-
concentraçãoe rigor (ocorretl uuitos lzrpsose cles-acertos). -- en'r açâo, inter-reÌacionando-secom as práticascotidia-
trar
Hâ aí Lìmzìgama de técnicasqLÌer'ào clo extrzìvagal-ÌtelÌlente nas, tal qual acontecerÌc[rrante toclasas fasescla pesquisa.
compiexo ao prosaicallrenteclireto;tratal-ì"ì-se clo tipo cle prít- Ess:lspressÒe.s clo coticli:rnoviÌriAnl,é c:ìalo,r'na.s
aìglrr-r-ras
sâct
ticas que muitas vezes sito denominadasas "habiliclaclesdo d a c Ì : rs
r s e g rrir:
historiador",técnicasqtte, cle P2ìssagell-Ì, vcr colllo
poclet't-t<-rs 1. A pressàoclafarríliae/ott closarnigos:"Ah. vclcênâo vai
molÌlentostarnltét-t-t cle fatcl-
passageirostlaclttel:tcclt-ullit'tltçlìo trabalh:rrcle novo no fir-ncle sentan:r,vai?""Seráque clír
't
resque produzen-thistórias. (Etl paiavr:ts,
t>r,itras a Ìristoria nirrr prà você tir;ir rrr-uafolguir-ihaclisso?"
é qlrestâode "halriliclacles".)As.sitn,mr-tniclc>sclessestipos cle 2. As plcssòcscio Ìocalrlc tnrlt:rllro,no clLr:rÌ sc Í:rzcntsen-
prâtica,os ÌristoriacloresconsegtÌempôr-se rlais cliretzì11-Ìente a tir nrìc>.sria.scliverszrs influênciasclc cliretorescle facr-rÌcla-
"inventar"rrn-Ìpollco cle história- "procluzirÌtistítrias". cle, chefes cle depaltamento,colegas e políticas institr:-
Em quarto lttgar, ao tocarellt seu seruiço de encontrat ma- cionais cle pesquisa,trìastambérn (tenl-ramosa coragerì
teriaisdiversos para Írabalhare "desenvolver",os historiado- cle clizê-lo)a obtjgação de lecionar.
res r'ão e vêm entre as obras publicadascie outros I'ristoriado- J. As pressÒes das eclitorasno qLlese reÍerea virri<>s fàtores:
res (o tempo de trabalho acunluladoem livros, artigosetc.) e Extensão,As restriçÕescle tamanho sào consideráveise
os materiais não-pr:blicaclos.Estes, "qlÌase novos", podern têm seus efeitos.Penseqltanto o conhecirlento his-
.serdenominadosos vestígiosdo pass:rcio(as rìlarczÌsqtÌe so- tórico pocleriaser difererrtese toclosos livros fìtssent
braram do passado:docutlentos, registros,artefàtosetc.). u1r telÇomais curtos orÌ qll2Ìt1'o vezesrnzrislongos clct
São uma mistura de vestígiosconhecidosmas pollco Lìsa- qlre o "norntal"!
dos; vestígiosnovos, nào-utilizaciose possiveltlente clesco- Forrncilct.A clir-nensào cla pírgir-ra, e o projcto
a iurpress:ìct
nheciclos;e vestígiosveÌhos, ott sej:t,lx:ìteriaisque i1lforan-i grzrfico,a presenÇa<>un:ìo cle ilustraçÒes. exercícios,
usados, mas que, em vista cios vestígiosnovos e/otl qtlase bibÌic>grafia, índice etc.,o fato cle o texto est:ìroll 1lâo
novos descobertos,sào agora passíveiscle inserçâoem con- en-rfolhassc>ltas e seroll nào contplerlentacìopor r'ícleo
textos cìifelentesclaqtreÌesque ocllpavalll antes. O historirl- oLrsolrì gravaclo- tr-rcloisso tarnbérÌltel-Ìlefeitos.
clol pocle,entzìo,í-'orììe('lÌt'lt
orgltnizltrtoclctsesscselet-t'tent()s l4ercado. O que o hi.storiactor consiclerzÌrselÌ r-nercaclo
(e
clemaneirasnovas várias),set-ìlpreprocttraucloa tào alnte- vai inf-lr-renciaro qtre ele cliz e a maneirapel:r qual
jada "teseoriginal".Ele coureçaassima transfortllAros vesti ele cliz. Penseno qrÌrÌntoa Revoluc'eìo Frances:Ìteria
gios clo qLleolìtrora foi cor-icretoenl "pcns:ttllentoc()l'ìcl'eto", cle ser ''cliferente"para criançasclo primário ou clcr
ou seja,enr relato.s Nisso,o histr;t'iltcìrtr
closÌiistorirtckrres. litc- sc'c't
rncllilio. rlì o-errr'<)lf
cLls. " espccil Ì istíìser'Ìl levolu-
rahnentele-proclttzos \/estígiosclo 1;assaclo llo\/a cAte-
ttttt't-t:t o"
ç'Ìr otr lr.igos cLrliosr)s. prlr:ì t'it;rrrrrosso lrlgtrrrspti-
blicos clilercntesentre si.

46 47
Prazos. O tempo total de que o autor dispõe para fazer a nhum dos processosconentados neste capítulo,age sobre o
pesquisa e escrevê-la,tnais a alocação desse tempo que está sencÌorelatado (por exemplo, o pÌanejarnentopara
(uma vez por semana,um semestrede licença, os fins uso cle recLìl'soshumanos na PrimeiraGuerra MundiaÌ).Mais
de semana),afeta,por exemplo, a disponibilidade das Lrmavez, as cliscrepânciasentre passadoe presentese alar-
fontes, a concentraçãodo historiador etc. Freqtiente- gaÍÌ1lmensamente.
mente, o tipo de condição que a editora impõe con-t Ern sexto lugar, o cllìe se escreveuaté agora fot a produ-
referênciaà conclusão do trabalho é também crucial. ção de histórias.Mas os textos tambérn precisantser lidos -
Estilo lüerã.río. O estilo (polêmico, cliscursivo, erube- consumiclos.Assim conlo se pode consurnirbolo das rnais
rante, pedante,mais as combinaÇõescle tuclo isso) e c.lifèrentes maneiras(cÌevagar.depressaetc.) e nlrnlzìsérie c1e
o Llso gramatical.sintático e semântico do historia- situaçòes (no trabalhorzÌc)volante,em cÌieta,nun-ìcasanlento
dor influenciam cl relato e podem ser rnodifìcados etc:.)e circunstâncias(r,ocêj/r comeu o bastante?a cligestãoé
para ajustar-seàs normas da editora, ao forntattl cÌe clifícil?,), clzrsquais se rept:tecle rnaneiraiclôntica,
nenlrlrn-i:r
uma sérieetc. assinrtarlbérl o conslrmo cie um texto se dá em contextos
Ieíturas críticas. As editoras enviam os originais para que igr-ralmente não vào se repetiÍ. De maneiramuito literal,
uma leitura crítica, e qlÌeln a faz pocle talvez pedir nâo exi.stemcluasleitr-rras idênticas.(Por vezes,fazemosano*
mudançasdrásticasna organizaçãodo materiai (este taçÒesà urargemcie trm texto e, voltando a elas tempos de-
texto, por exemplo, era de início duas vezes mais pois. r-ràoconseguirnòslembrar clo que se trrìtavíì.No entan-
longo). Também há casosem que os chatnaclos"lei- to, sào exrÌt1Ìnlente:Ìs mesmas paÌavrasna mesma pâgina.
tores cÍíticos"têrn intelessespessoaisem iogo. Assirl, collìo é qr-resignificadosconselvamsignificado?)Por-
Reescrita.Truta-se de algo que aconteceem todos os está- tanto. nenhtrma leitura, ainclaque efetuaclapela mesma pes-
gios, até o livro ir para a impressào.As vezes.algumas soa, é passívelde procluziros mesmosefeitosrepetidamente.
paftes ÍequeÍem três redações;outras vezes,são treze, Isso quer dizer que ()s arÌtoresnào têur como it-npingirsttas
Idéias brilhantesqlÌe no comeÇopareciam clizer tucit> inter-rç'Òes/iïìtcrpretlÌcòc.s os leitores
uo leitor. Inr,'ersar-ìrente,
ficarn enfaclonl'rase apagaclasquando iá se tentou clisccrnirpor corlpleto tr-tcloclue os :ÌLÌtores
nào tên-rcìor-Ìl()
escrevê-lasurna dúzia de vezes.Alérn disso,coisasque pretenclianr.Aclernais,o lllesn-Ìotexto pocle inserir-seprimei-
seriam incluídasacabamnão o sendo, e, com freqüên- ro nLÌmcliscursoarnplo e depois et-uoutro: não existen-rÌimi-
cia. as qlÌe o são parecem ter sido deixadas à própria tes lógicos, e cada leitura é r:m escrito diferente. Es.seé o
sofie. Que tipo de critério se faz presenteentão, qllan- mundo do texto desconstrucionista, um mundo no qttal quai-
do o escritot "trabalha" materiaislidos e anotados (mui- qì.Ìertexto, em olrtros contextos,pode significarmuitas coi-
tas \/ezes imperfbitamente) tanto tempo antes? sas.Estáaí "um nrundo de diferença".
E por aí vai. Pois bem: essessão aspectosóbvios (pense Conttrdo, e.ssasúitin-rasobseryaçÒesparecem suscitarum
quantos fatores externos, oti seja,fatores alheios ao "passa- problerna. (Mas será qrÌe na leitura surgitt mesnlo algum
do", agem sobre rrocê e influenciam o que você escreve nos problernapara você?E seráqlìe esseser-iproblema é diferen-
trabalhos de faculdade, por exemplo), mas aqui o que se te do meu?)Para rnim, ele está nisto: embora o que se disse
deve enfatizar é que nenhuma de tais pressões, aliás, ne- acima pareçaìmplicar que tudo é um fluxo interpretativo,a

49
realidadeé que "lemos" cle maneira bastanteprevisível,Nes- Em certo sentido,essamaneira de ver as coisasé positiva.
se sentido, poltanto, o qlÌe vem a definir as leituras?Rom, É uma liberaçâo,pois joga vell-rasceÍtezasno lixo e possibi-
nào é um consenso detall-radosobre tudo e todos, pctis os lita ciesmascarar quem se beneficiadelas.E, também em cer-
detalhessempre flr:tuam livres por aí (pocle-sesempre fazer to senticlo,tudo é relativo (ou seja,historicista).Mas, libera-
que coisasespecíficastenÌram maior ou menor significacìo).
ção or-rnão, trata-seainda cìe algo que faz as pessoassenti-
Mas realmente ocorrenl consen.soscle carâtergerar.Isso acon- rem-se nnm beco sem saída.Não há r-recessiclade disso, en-
tece por causa do pocÌer'.Aqr.ri,voltamos à ideologi2Ì,pols tretanto. Desconstruirmosas l-ristóriasde outras pessoasé
pode-se muito bem argumentar qLÌe o que impecle os livros pré-requisitopara construirmosa nossa própria, de maneira
de serem usados de maneira totalmente arbitrâriaé o fato de que dê a entenderque sabernoso que estamosfazendo- ou
qlle certos textos estão mais próximos de olltros; são lnenos seja,de maneira qlle nos faça ien-rbrarqlle a histí>riaé senr-
ou mais classificáveiscientro cle certos gêneros ou rótulos; p,re a lristória clestinaclaa aigr:ém. Porque, embora a lôgica
são menos ou mais simpárticosàs necessiclades que as pesso- c1i$aque tocios os relatos são problemáticose relativos, a
as têm e qLÌese expressal-Ìlet-ìltextos. E assim, après Onuell, qrÌestão é qr-realguns são dominantes e outros ficam à mar-
as pessoasencontram afiniclacle.s e referências(bibliografias, 51em.Em termos lógicos, todos são a mesma coisa; rnas,na
leiturasrecomendacÌas, a classifìcaçàoclecirlar Delvey) c1r-re, realiclade,eles são diferentes;estãoem hierarquiasvalorativas
em última análise,sào tar-nbérnarbitrárirÌs.lrìas qr-reatenclern (ainda que, em úrltima anâlise,infundadas).
a necessidadesmais pern-ÌzÌnentes cle grllpos e cl:Ìsses:vrve- Por quê?Porque oconhecimento estárelacionadoao poder
mos num sistemasocial,e não a esrÌto.Trata-sede r:rn campo e porqLle, para atencierema interessesclentro das formações
compiicado mas essencizrl pan a cornpreensão,e aqui pocle_ sociais, os que têm mais poder ciistribuer-ne legitimam tanto
ríamosmencionar textos de teóricoscomo Scholes,EagÌeton, qLÌanto poclem o "conhecimento". A forma de escapar ao
Fish e Bennett.lT na teoria é analisarassimo pocler na prática.Por
relativisr-r'ro
Poderíamos também refletir sobre como essasituação um conseguinte, ur-Ìlaperspectiva relativista não precisa ler.ar :ì
tanto desconcertante(o texto volúvel que na teoria não pre- desespelança. Eia é o começocleum reconhecinlentogeralde
cisa acomodar-se, mas qlÌe na prâtica o faz) atencle a Llma como as coisasparecemfuncionar.Trata-sede uma emancipa-
aflição interpretativa qr-rese manifesta com freqr-iênciaern ção: de modo reflexivo, você também pode prodr-rzirl-ristória.
estudantes.A aflição é esta: se entenclemosqlÌe a l-ristciriaé o
que fazem os historiadores; qr_reeles a fazem com base ern
frâgeis compÍovações; que a história é inevitavehnenre DA DEFINIÇÃO DE HISTÓRIA
interpretativa;que há pelo rÌenos rneia dúrziade Ìaclosem
cada discussãoe que, por isso,a históriaé relativa...Sc en_ Acabo de argumentarqlle, no geral, a história é o qtre os
tendemos tudo isso, entâo podemos mlrito be'r pensar: historiacloresfazem. Mas então por que tanto rebllliço? A l-ris-
"Bom, se a história parece ser só interpÍetaÇãoe ninguérn tória não é isso mesrno?De cena maneira. é, sirn. Mas não
sabe nada realmente, entào para qLre esturclír-r:i? se rLicl<>
é No .senticlcl
exat:-ìlÌlcnte:. estritamc'nte1tr<>fi.ssic>n:rl,
é l>astante
reÌativo, para que fazer historia?" TraÍa-sec1eurn estaclo cle fárcilclescrevero ofício dos historiadores.O problema, entre-
espíritoque poderíamoschamar "desventulacÌolelativisn-Ìo,'. tanto, surgequando esseofício se insere(pois precisainserir-

51
se) nas relaçÕesde poder em qr-raiqtrerformação social de
que ele se origine. Ou seja, o problema sllrge quanclo clife- Algrmosperguntos e
rentespessoas,grlìpos e classespergllntam: ,,O que a l-ristoria o l g u m o sre s postos
significapara mim oLÌ para nós e de qr:e modo se pode usar
ou abusarclela?"É então, no calnpo clos usos e siplnificaclr:s,
que a história fica tão probiernática."O que é a história?',se
torna "PaÍaquem é a história?",como já expliquei. O essenci-
al estâaí. Assim, o que a história e para mim? Eis urla ctefini-
ção;

A l-ristóriaé r,rrncliscr-rrsocarnbiante e problernático, tenclo cor-r-rcr


pretexto Llm aspectoclo mr_rndo, o passado,que é procluziclopor
um gnlpo cle trabalhadore.s clrja cabeça esrátno presente(c, qr.tc,
enl nossa culttrra,sào na irlensa maioria historiaclc>res as.salaria-
dos), qr-retocall-ìsell ofício de rl:rneiras reconhecíveis uns para os Tendo daclo r-rmadefinição de história, quero agoratral:ralhâ-
olltros_(maneirasqr"reestàoposicionaclasem termos episternológicos,
metodológicos, ideológicos e práricos) e cr-rjospro<ìr-rtos, ,.,,r-,r,
la de modo que ela possa dar respostaspar^ o tipo de per-
,,e,
colocados ern circulação, vêem-se sujeitos zÌ Lln-ì,Ìserie cle Llsose gunta bâsica qr-refreqüentemente surge com referência à na-
abusos que são teoricamente infinitos, rrìas qlle na realiclacle tLrrezada história.Jáque este é Llm texto clÌrto, meus comen-
correspondem a LÌüìagama de basescle pocler que existem naqLte-
le determinado momento e qLle estrritrlran're clistrib'enr ao longcr
tários serão breves; mas, breves ou não, espero que as res-
cle urn espectro do tipo clominantes,/rnarginais o.ssignifìcaclos<È.s
postas que volÌ sugerir apontem tanto Llma direção quanto
históriasproduziclas.'8 uma maneira pan que surjam outras respostas,mais sofist!
cadas,nuançadase adequadas.Ademais, acho que um guia
como este (uma espécie de "manual básico de história") se
faz necessârio,até porque. embora regularmentesejam le-
vantadas questões sobre a naturez da história, a tendência é'
deixá-las em aberto para que possamos "concluir por nós
mesmos". Ora, eu também quero isto, mas estolr ciente de
qLÌe,com muita freqiiência,os diversosdebatessobre a "na-
turezada história"sào apreendidosde modo muito vago (istc>
é, parece haver neles uma infinidade de escolhas,ou seja,
inúrmerasordenações possíveisdos elementos básicos),de
forma qlÌe peÍmanece algr-rmadúvida e confusão.Assim, para
variar, eis algumas perguntas e respostas.

1. Qual é a situaÇãoda verdade nos discursos historio-


gráficos?

52 53

Você também pode gostar