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A G ONSTRU$AO SOGIAL

DA REALIDAD E
Trdtado da Sori ofo,gi« dc Conhecimento

fOFfanO de Bo¥xa /rrnoniteg

24’ Edlșă o

'. (Praparada pelo emma aa Cofofopo$do-ea-/on‹c do

› ' B435c "’ w”cozatrttç¥o •octal da ma\tdsü o: "teataao da aocJotogla do ¢onhaelznento lporl Petor 6. Borger (al 3?iorou 5u¢lonann; czadttçô o de Floriano da Sottta £Ymando. Patrdpolli, Vozes, 19£S.
.'
948p. 3laza (Antropotogt&. 51.

1. Soclolog1a do conhecîmento. 2. 1.ucîcmann, Thomas. zl. 't‘ltuîo, 1îI. Sdrta.

Petrdpolis
2004
LATO SEMSU STRICTO SEnsu Prefácio
Mcw xo•
eœ#wtü

0 eazsğ Ș TE VOL.UãtE PCCTENDE SER US TRATADO TEÓ RICO SISTE•


mático de sociologia do conhecimento. NBo (em, portanto, a in-
tençăo de oferccer uma vista geral hist6rica do deseny0lyimentO
desta discip1ina nem de empenhar-se na exegese das vărias formas
e ls66, by Peter L. s a•t a Thornes Luckmcnn dc tais ou quais extensôes da łeoria sociológica ou mesmo mostrar
como ś posslvel chegar-se a uma slntcse de y1ria9 dessas fur-
Titulo do original İnglû Sł THS SOCIAL CONSTRUCTION OF REALITY mas e cxteYisôes. TampouCo há aqui qualquer intuito polčmico.
0s comentário9 critical sabre outras posiç6es teóricas foram
Ediiado por: Doubleday & Company, t»*- Jntroduzidos (nBo no texto, mas nas NotasJ somente onde possam
Direitos dC ÿLtbli0aÇa0 lrfi lłngua portuguese nO Brasil: Edilora Yozcs Ltda. seï vir para esclarectr a presents argumentaçAo.
Rua Frei Luls, 100 256s9-900 Pebó polis, RJ 0 núcleo do racioclnio encontra-se nas secçóes II e Iłl («A
Internet: http:ú www.vozcs.com,br Sociedade como Realidade Objetiva• e «A Sociedade como Rea-
Brasil lidade SMbjetiva»), contendo a primeJra nossa compreensâo fun-
damental dos pr0błemas da sociologia do conheclmento e a
segunda apliCando esta compree«sáo ao nlvel da consciència
sub}etiva, construindo desta madeira uma ponte teórica part os
Todos os direitos rcscrvados. Wcnhumapaü* dcsœ obæ podcrã ser problemas da psicologia Gocial. A Secçáo I contém aquilo que
poderia ser melh0r descrlto como prolegômenos filosóficos ao
on transmìtida par qualQucr formit oIow quałsqucr ŁTIOİOS núcleo do racłoclnio, em termos de anglise fenomenológlcx da
on mccãnico, in¢luindo fotocó pia e gravaão) realidade da vida cotidiana (cPundamentos dn Conheclmento na
ou arquivada ¢m qualquer sistenia ou banco de a*dos V[da Cotldiana»). 0 teitor interessado somente na argumentaçśo
pociológica propriamente díta poderia ser tentado a saltar eeła
parte, mas deve ser aYisado dc que certos ronteitos-chews
empregados durantt todo o racloclnio sâo definidæ na secçâo l.
Embora nosso interesse năo - scja histórico, sentímo-nos na
obrlgaçăo de explicar por que e tm que sentido nossa concepção
da socio1og{ia do conhecizgento diferencia-se do gut atż aQui
tern sido geralmente compreendido como constltuindo essa di6•
ciplina. Desincumbimo-nos deeta .tarefa na Introduçăo. ł'fa parte
final fazemoş algumas observaçóes corp” o earlier de conclusôeś
para indi¢ar ,a que consideramos serem as cIucros> do presente

5
Est« livro foi compö ifozcs Llda.
empreeødimento para a teoria sóciológica em geral e para ctrtas
9*ß 4S¢0Iß dțłF0V8!tOtt iffi¢nsa Łhflßtč as ixterpretaçóes de
C0fTI
ãreai da pesquisa emplrica. ” Albert Salomon (tambżm da Grad»«te ÊaCMț(y ). Luckmann, re-
A lógica dc nosso racíoclnio tomb intvitável certo núrńero ' c0rdando- SØ d0 muitas COBVdBa dua *te um pe-
proveitosæ
de repetiç6œ. Assim, alguns problemas são examinados entrc rfodo dc en^!no conjunto no Hobart ÛOlłOge g gAț 0Lttya5 Qțg
partnteses fenornenołôgicos na secçáo ł, tornados novamenłe na rich Tenbfuck sua admiraçáo peI0 ] ¢RSaMtnto de Fried-
secçêo II sem csses parčnfases e com łxteresse em sua gtncse Berger gostaria dc agradecer a Universidade de Frankfurt).
emplrica, e depoîs retomatos ainda uma vez na sccçao III ao Kurt Wolff (Brandeis Univer-
nlvel da consciéncla subjetlva. Esforçamo-nos por tornar este 5iły) e Anton 2lțdcr eld (Unİvßfßİdadß dt Lelden) por 8eu cong•
livro t8o łegível quanto posslvel, mas sem vlolar sua lógica tante Intercsse crÍtico °° prosresso das idéias ineorporadas a
Interns, e esperamos que o leitor compreenderă as razôes dessas csta obra.
repetíçues, que nBo podlam ser evitadas. tribuíçôes lmpalplveiø desta esptcie agrade¢er as vărias con-
lbs uI'Arabí, 0 graxde mlstico islãmico, exclama tm um de res prlvados d * 6 das
lt U8 esposas,
Ç ă0 fi]yog e outros «olaborado-
seus poemas: cLívrai-nos, Alá, do mar de nomesl». Temos fre- Igggl țțțąjg trans g re d ir e s t e
nos para duvidosa. Embora ao me-
qtiextemente repełido esta exclamaçáo em nossas co»fertacias /ód/er de Brand,
este lİYf'O a rtfłj Cgyt tentados a dedicar
sobre a teoria socíológi¢a. Conseqttentemente, dccidimos elíminar queremos agradecer a Brigitte Berger Vorarlherg. Entretanto,
todos os nomes de nosso atïiat racio¢lftio. Este pode ser lido (Hunter College} e 8enïta
agora como uma aprtseittação contlnua de nossa posição pessoal, Luckmann (Universida de de *+*'*^*B)› nâo por quaisquer de-
sem a constants inclusáo de observaç6es tAis homo <Durkhcim sempenho8, cientifïcamentc importância, de furlçöes privadaø,
dlz isto•, •Weber diź aquílo», •concordarnoe aqui com Durkheim mas por su•s os3¢ryaçôes como cíentistas socixis e
mas nšo čorn Weber», «parece-nos que Durkheim foi mol com-
pre¢ndido neste panto», e assim por díante, E’ evidence em pDf' sua inflexlvel rec•sa a 9čFčflt faCilmențØ ygqøj$jt dÂ$.
cada pśgina que nossa poslç6o mo surgiu ex nihilo, mas ąese-
jatrios que seja julgada por seus próprios mérit0s e nso em PBTER L. BERGER
funç8o de seus aapectos cxegčticos ou śintctlzantes. Col0camos
q0F COrl9čgMintë tO¢I8s g9 ł’¢(cr'ÊfIC[Âs rI89 'NO(Be, lssífrt COfłtO (0za-
bora semprc resuznidaznente) qualsquer discussóes que temos corn
as fonteg de que somos devedoreø Isto obrigou x um aparxło
de notas bastante grande. Náo quisemos renter homenagem aos
tttuaIs da Wissenscha(tIi8hk8it, mas preferimo9 no9 martter îićis
às exigtncias da gratidâo histôrica.
O 9f0]ßt0 do qual dßte livf0 I a r¢alizaçßn foi pela primeirg
vez rnaquinado no ver6o de i962, no curso de aigumxs conver9aa
łolgadas ao pć (e às vezes no alto) dos Alpes da Austria
Ocidental. 0 pri«teiro piano para a IiYro foi traçado no inlcio
de t963. De começo łinha-se em vista um empreendïmetito que
inelula um outro aociôlogo e dois lilósofos, 0s outroe pàrtici-
panłes, par várlas rxzö¢s biogrélicas, fora‹n obrigados a se re-
tirayem da participaçlo ativø no pro]eto, rnas dese]amos a¢ra•
é9Cer COfłt graßd0 apr0ÇO 09 COrltlłtttOg COțrlenłárl09 tr|tlt0g de
Hansłritd kcłlner (ałualmente na UnlversidEde de Frankfurł)
e Stanley Pullbcrg (atualmente aa Ecolt Pratlque des Xautcs
Ekides .
Em vărias partes deste tratado ficará clara a dlYida que temos
! com a falecido Aîfred Schutz. Gostarlamos, porêm, de reconhecer
aqui a influgncia do ensina> e das obras de Scfiuh em nosso
pensamento. Nossa comprećnsśo de Weber deve muito aos en-
slnamentos de Carl Mayer (Graduate Faculty, ł¢ew School for
Sociat Research), aœim come a comprtensâo de Durł relm e dc
Sumá rio

ÍNT9OOUÇÃ O :
O PROBLEMA DA SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO, I ï

f. OS PUNDAMENTOS DO CONHECIà iENTO NA


VIDA COTIDlANA, 35
!, 1, A realidade da vJda cołidiana, JS
2, A Intcração šocial na Yida totidiana, 4ó
3. A linguagem e a conhecimento na vida cołidiana, 53

II. A 5OCîEDADE COMO REALIDADE OBJETIVA, 69


1. lrtstituclonalieaçå o, ó 9
a) OrgAnismo e ativłdade, 69
b) As origens da ìnstitucionalizaçźo, 77
c) Sedimentaçáo e łradição, 95
I) Papżis, 101
e) Extensăo e modos de institucłonalização, 1 10
2. Legilimaç3o, 126
a) As origins dos unfversos simbó łicos, 26
b) 0s mecanísmas t0n¢čituais da manułençáo do universo, î42
c) A organizaçă o social para a manuteriçâ o do unJverso, I57

hl. A SOCÍEDADE COMO R£ALlDADE SUBJETIVA, 173


" "“
' “ “ "“ b) A sociallzaçâo secundária, 184
c) A constrvBçâo e a transformação da realidade subjetiva, 195
2. A interiorlzaçâ o e a estrutura soclal, 2t6
3. Teorias sobre a identidade, 228
4. organismo e identidade, 236
/zt/roduçôo
CONCLUSÃO :
¡ A S0C1OLOO1A DO C0NHEC1õ tENT0 E A TEORIA
SOCIOLó CICA, 242 O Problema da Sociologia
do Conhecimento

AS APIRMAÇÕES FUNDAMENTAIS DO RACíOC[NTO DESTE

. livro acharei-se implícitas no tltulo e no subtítulo e con-


sistemem declarar que a realidade é consumida social-
" mente e que a sociologia do conhecimento deve analisar
õ processo em que este tato ocorre. Os termos essen-
ciais nestas afirmaçõ es sã o "realidade” e “conhecimento",
termos náo apenas correntes na linguagem diá ria mas qtle
iGm atrás de si uma longa histó ria de investigação filo-
só fica. Nâ o precisamos entrar aqui na discussã o das mi-
nú cias semâ nticas nem do uso cotidiano ou do uso fila
s6fico desses termos. Parà . a nossa finalidade será su-
ficiente definir “realidade” como uma qualidade perten-
cente a fenô menos que reconhecemos terem um ser in-
dependente de nossa pró pria volição (nâ o podemos
"desejar que n8o existam"), , e definir “conhecimento"
como a certeza de que os fenô menos sã o reais e possuem
características especificas. E’ neste sentido (declarada-
?i\ente sioiplista) que estes termos t6m importância tanto
para o homem da rua quanto para o filósofo. O homem
da rua habita um mundo que 8 "real" para ele, embora
em graus diferentes, e “conhece", com graus variáveis
de certeza, que este mundo possui tais ou quais caracte-
rísticas. O filósofo naturalmente levantará questôes re-
lativas ao status último tanto desta "realidade" quanto
deste “conhecimento". Que J real? Co/za se conhece 7
Estas são algumas das mais antigas perguntas itâo so-
“‹

' mexte da pesquisa filosó fica propriamente dita mas do ciólogo, possivelmente, não pode lazer isso. Logicamente,
pensamento humano enquanto tal, Precisamente por esta quando não estilisticamente, está Privado de aspas.
fâZá0 ã intromlssã o do soció logo neste venerá vel terri- Por exemplo, o homem da rua pode acreditar que
tó rio intelectual poderà provavelmente chocar o homem da possui "liberdade da vontade", sendo por conseguinte
"responsável" por suas aç6es, ao mesmo tempo em que
' rua e mesmo ainda mais provavelmente exfurecer o fi- nega esta "liberdade" e esta "responsabilidade" à s crian-
ló sofo. E' por conseguinte importante que esclareçataos ças e aos luná ticos. O filó sofo, seja por que mélodos for,
desde o lnfcio o sentido em que usat os estes termos tem de indagar do stalizs ontológico e episteinológico
- no contesto da sociologia, e que imediatamente repudie- destas concepções. O horas é Iiyre? Que ê a respon-
mos qualquer pretensã o da sociologia a dar resposta a sabilidade? Onde estão os limites da responsabilidade?
estas antigas preocupações filosóficas. Como se pode co/ih#c«r eslas co/‹osfi E assim por diante.
|! Se quiséssemos ser metlculosos na argumentação a Não é necessário dizer que o soci6logo nâo tem condi-
seguir exposta deveriamos pôr entre aspas os dois men- ções para dar respostas a estas perguntas. O que pode
cionados termos todas as vezes que os empregamos, mas e deve tazer, coniudo, é perguntar p que a noçã o de
isto seria estilistlcamente deselegante. Falar em aspas, liberdade” chegou a ser suposta como certa etn uma
porém, pode dar um indício da maneira peculiar em que sociedade e nao em outra, como sua "realidade" é man-
estes• termos aparecem em um contexto sociológico. Po- tida em uma sociedade e como, de modo ainda mais
interessante, esta "realidade" pode mais de uma vez ser
. der-se-ia dizer que a compreensao sociolôgica da "rea- perdidà por um individuo ou uma coletividade inteira.
lidade" e do "conheclmento" situa-se de certa maneira à O interesse socioló glco nas questõ es da "realidade" e
meia distância entre a do homem da rua e a do filôsofo. do "conhecimento" justifica-se assim inicialmente pelo
O Itomem da rua habitualmente não se preocupa com o fato de sua relatividade social. O que é "real" para um
que t "real" para ele e com o que "conhece", a nao íiFonge tlbelano pode não ser "real" para utn homem de
ser que esbarre com alguma espécie de problema. Dá negócios americano. O "conhecimento" do criminoso é
como certa sua "realidade" e seu "conhecimento", O so- diferente do "conhecimento" do criminalista. Segue-se
ci6logo náo pode fazer ô mesmo, quanto mais nso seja que aglomeraçó es específicas da "realidade" e do "conhe-
por causa do conhecimento sistemático do fato de que os cimento" referem-se a contextos sociais específicos e que
homens da rua tomam como certas diferentes "realida- estis relaçoes lerao de ser incluídas numa correta anl-
des", quando se passa d0 f1ITIã B0¢lgdad¢ a outra. O so- lise sociol6gica desses contextos. A necessidade da "so-
ciblogo é forçado pela pró pria ló glca de sua dlsclpllna ciola o.caohecixjento" está” assim dada jà nas dlfê-
a perguntar, quanto mais não seja, se a diferença entre renças observãvely entre as sociedades em termos daq‹iiIn
as duas "realidades" nâo pode ser compreendida com que é admiiido torno “conhqs]¡oeol@. nelas. Além disso,
relaçã o à s vá rias diferenças entre as duas sociedades. porém, uma disciplina que se chama a si mesiaa poc esse
O filósofo, por outro lado, é profissionalmente obrigado nome terá de ocupar-se dos raodos gerais pelos quais
a não considerar nada como verdadeiro e a obter a d- as "realidades" sã o admitidas como "conhecidas" nas
xima c1areza com respeito ao status ú ltimo daquilo que sociedades humanas. Em outras palavras, uma "sociolo-
o homem da rua acredita ser a "realidade" e o “conhe- pia do conhecimento" terá de tratar não somente da mul-
cimento". Noutras palavras, o filó sofo é levado a decidir iiplicidadê empírica do "conhecimento" nas sociedades
onde as aspas sã o adequadas e onde podem ser segura- fiú manas, mas tambêm dos processos pelos quais qualquer
mente omitidas, isto é, a estabelecer a distinção crime
atirmativas vá lidas e invá lidas relativas ao mundo. O so-
í2
corpo dc "conhecimento" chega a seasocialmente estabe-
ećido ¢omp "realidade". sociologia do conhecimento permaneceti no estado de
Nosso poxto de’ vista, por conseguinte, é que a socio- objeło marginal de estudo entre os soció logos em geral,
que não participavam dos parüculares problemas que
logia do conhecimento deve ocupar-se com tudo aquilo preocupavarn os pensadores alemães na década de 1920.
que passa por "coxhecinento"
pendentenienłe da validade on em uma sociedade,
invalidade ú ltima inde-
(por Isto toi especialmente verdade no que diz respeito aos
sociólogos atnericanos, que de modo geral consideravam
quaisquer criłérios) desse "conhecimento". E na medida
a disciplina como uma especialidade peritćrica, de 5a-
em q¡jg todo "conhecimento" humano desenvolve-se, bor caracteristicamente europeu. Mais importante, c0n-
transmits-se e mantém-se em situațoes soclais, a socio- tudo, foi o fato da permaztente ligação da sociologia do
logia do pelo
processo conhecimento deve
qual isto sc procurar
realiza, compreender
de tal ‘o
maneira que. conhecimento com sua original constelaçăo de problemas
ter constituido uma fraqueza teórica, mesmo nos lugares
ùma "realidade" admitida como Certa solldifica-se para em que houve int•r«sse pela disclplina. Isto é, a soci0-
o"”homem da rua. Em outras pąlavras, defendemos a
logia do conhecimento foi considerada por seus prota-
ponto de vista que a sociologia do c nhecitra nto .
gonistas e em geral pelo pú blico socioló glco mais ou
Pifo à artä fis# da construção social da realidade.
mexos indiferente como uma espécie dč ĘIOsa socíológ ica
Esta compreensão do verdadeiro campo da sociologia sobre a hislória das ldéias. O resultado loi uma conside-
do conheciniento difere do que geralmenle se entende rável miopia com relaçao å sigoiiicaçäo teórica polen-
por esta disciplina desde que pela primeira vez foi cha- cial da sociologia do corhecimento.
mada por este nome há cerca de quarenta anos atrás.
i Por consgguirite, antes de começarfnos rtossa presents Houve diterențes definiçôes da natureza e do âmbito
l
I
argumentação, será úłil examinar resumldamente o de- da sociologia do conheclmento. Na verdade, é posslvel
senvolvímento anterior da dísciplina e explicar de que dizer-se que a hłstória dessa subdłsciplina tend sido até
maneira, e por que motivos, sentimos a necessidade de agora a hístória de suas várias definłçôes. Eriłretanło,
nos atastarmos dele. há acordo geral em que a sociologia do conhecimento
O termo "socio3ogia do conhecimento" țWissenssozio- trata das relaçöes entre o pensarnento humano e o con-
foi forjado par Max Scheler’ na dêcada de )920 texto social dentro do qual surge. Pode dizer-se assim
na Alemanha, e Scheler era um filósofo. Estes trts fa- qüè a sociologia do conhetimento constituí o foco so-
tos são muito importantes para a compreensã o da gë- cioló gico de um problema muito malt geral, o da deter-
nese e do ulterior desenvolvirnenlo da nova disciplina. mnàçáo existential (Seinsgebundenheit) do pensamento
A sociologia do conhecimento teve origem em uma par- enquanlo tal. Emboia neste caso a alençå o se concentre
ticalar siłuação da història intelectual alemă e im de- sobre a fator social, as dificuldades teóricas são seme-
terminado conteXto filosófico. Embora a nova disciplína thantes às que surgirarri quando outros fatores (tais como
fosse posteriormente introduzîda xo adequado contexto os históricos, os psicológícos ou os biolögicos) toram
sociológico, especialmente no mundo de llngua inglesa, propostos com o valor de determirtantes do pensamento
conłinuou a ser marcada pelos problemas da particular humano. Em todos esses casos o problema geraì‘ tern
situaçăo intelectual de onde surgiu. Como rssultado, a sido estabełecer a extensão em que o pensamertto retlele
os fatores determinantes propostos ou é independen1e
men uød dt0 0zaałtstfio)t (Bernt, Pran• de1es.
bżslec da a0cȚooulb0Jgllcgadocoahecl memo num enaalo E’ provável que a proeminência do problema geral na
pub\I¢ado um ano an tea.
recente fi1osofia alemã tenha suas raízes na vasta acu-
!.i

il'

uiulaçâo de erudição histórica que foi um dos maiores


frutos intelectuais do stculo XIX na Alemanha. De um A sociologia do conhecimento tem sua raiz na propo-
modo sem precedente em qualquer outro período da his- sição de Marx que declara ser a consciência do homem
determinada por seu ser social.' Sem dú vida tem havldo
tória intelectual, o passado, com sua assombrosa varie- muitos debates para se saber‘ no cerÍo que espécie de
dade de formas de pensamento, foi "tornado presente" determinação Marx tinha em mente. Pode-se dizer, cotrt
ao espirito contemporâneo pelos esforços da cultura his- certeza, que muito da grande "luta com Marx" que ca-
tórica científica. E’ dificil dísputar o direito da cultura
racterizam não somente os começos da sociologia do co-
alemá ao primeiro Iugar neste empreendimento. Não deve-
ria, por conseguinte, surpreender-nos que o problema teó- nhecimento mas a "Idade clássica" da sociologia em geral
rico instituído pelo mencionado empreendimento tenha si- (particularmente tal como ê manifestada ngs ObfâS de
do sentido mais agudamente na Alemanha. Pode-se dizer Weber, Durkheim e Pareto) foi realmente uma luta con-
que este problema é o da vertigem da relatividade. A di- tra uma defeituosa interpretação de Marx pelos marxistas
modernos. Esta proposição ganha plausibilidade quando
mensão epistemol6gica do problema t 6bvia. No nlvel em- ptricorefletimos
conduziu no
à. preocupação de investigar
fato de que foi o mais
so«tente em 1932cui-
quedadosamente
os possível
Nem o problema geral nem sua tocallzaçao riiais es- importantfssimos Manuscrilos Econômicos e Filosd|i’cos
de /d44 foram redescobertos e somente depois da Se-
sã o novos. A consciência dos fundamentos sociais dos valores e das concepçó es do mundo
gunda Guerra Mundialpode ser jáimplicação
a plena en- contrada na redesco-
dessa Antiguidade. Pelo menos a
pr¡ncipais temas do moderno pensamento ocidental. berta
Assim,poderia ser esgotada xa pesquisa sobre Marx. Co-
é possível justificar convenientemente muitas "genealo- gias" do problemasociologia do conhecimento
central herdou do conhecimen-
da sociologia
de Marz não somente a mais exata formulaçã o de seu
problema central mas tamb6m- alguns de seus conceitos
chives, enire os quais deveriam ser mencionados parti-
i’ ’ cularmente os conceitos de "ideologia" (idéias que ser-
vem de armas para interesses sociais) e “falsa consciên-
cia” (pensarriento alienado do ser social real do pen-
I
sador).
A sociologia do conhecimento foi particularmente fas-
cinada pelos ‘dois conceitos gzmeos, estabelecidos por
Marx, de "intra-estrutura e superestrulura" (6fnf#rf›a«,
Ç eberbou) . Foi r\este ponto principalmente que a cori-
trovérsia se tornou violenta a respeito da correta inter-
pretaçã o do pró prio pensamento de Marx. O marxlsmo
erro do outro lado. ‘ No entanto os antecedentes . .in_te-
posterior teve a tendência a identificar a "infra-estrutura"
lectuais lmediatos da sociologia do conhec)m.anto com aaáo trêseconô mica /oz/f courf, da qual se supu-
estrutura
criá çées. do.penmsnto á lemã o do stculo” XIX, o pensa- nha que a "superestrutura" era um "reflexo" direto
mento rnarxista, o nietzscheano e o historicista. (assitn por exemplo, Lenin). E’ agora de todo claro
^ Cf. Wilhelm Wln0clband c HeJnx
que isto representa incorretamente o pensamento de
Marx, pois o caráter essencialmente mecanlcista, em vez
Bsrth
Kurt cnb e (Xcuwled/Rhcln, Luefitcrfiand, Kroctr, l933), Os ã fona¥•
tg6t encontram-se na• pp. 2Mss.

17
“I “ “ "

de dialético, desta espécie de determinismo econô mico


torna-o suspeito. O que in,teressava a Marx é que o pen- ilusao como condiçã o necessá ria da vida. A concepçã o
samento humano funda-se na atividade humana ("traba- nietzscheana do "ressentimento" como fator causal de
lho" no sentido mais amplo da palavra) e nas relaçõ es certos iipos de pensamento humano foi retomada direta-
sociais produzidas por esta atividade. O melhor modo de mexte por Scheler. De modo mais geral, contudo, pode
compreender as expressõ es "infra-estrutura" e "superes- dizer-se que a sociologia do conhecimento representa uma
trutura" é considerá -las respectivamente como atividade aplicaçã o específica daquilo que Nietzsche chamava ade-
humana e mundo produzido por esta afinidade. ’ De qual- adamente a "arte da desconfiança”."
quer modo, o esquema fundamental "infra-estrutura/super- O hlstoricismo, expresso especialmente na obra de
estrutura" foi admitido em vã rias íormas pela sociologia ilhelm Dilthey, procedeu imediatamente a sociologia do
do conhecimento, a começar por Stheler, sempre com- conhecimento. ' O tema dominante aqui era o esmagador
preendendo-se que existe alguma espécie de relação entce sentido da relatividade de todas as perspectivas sobre os
o pensamento e uma realidade "subjacente", distinta do . acontecimentos humanos, isto é, da inevitá vel historlci-
pensamento. A fascinação desse esquema prevaleceu ape- dade do pensamento humano. A insistência com que o
sar do fato de grande parte da sociologia do conheci- historicismo afirmava que nenhuma situaçao histó rica po-
mento ter sido explicitamente formulada em oposição ao deria ser entendida exceto em seus pró prios termos pres-
marxismo e de terem sido tomadas diferentes poslç6es tada-se a ser facilmente traduzida na acentuaçã o da si-
nesse campo com relação à natureza do correlaciona- tuaçã o social do pensamento. Certos conceitos historlcis-
mento entre os dois componentes do esquema. tas, tais como "determinaçã o situacional" Standortsg#-
bund#nh#it) e "sede na vida" (Si/z im L«ben) poderiam
JAs idtias de Niel2sche continuaram menos explicita- ser diretamente traduzidos como se referindo à “IocaIiza-
mente na sociologia do conhecimento, mas participam çã o social” do pensamento. Em termos mais gerais, a
muito de seus fundamentos intelectuais gerais e da "at- herança historicista da sociologia do conheciiiiento pre-
mosfera" em que surgiu. O anti-idcalismo de Nietzsche, disp6s esta ú llima a tomar intenso interesse pela his-
apesar das diferenças no conteúdo não dessemelhante ao tó ria e a empregar um método essencialmente histó rico,
de Marx na forma, acrescentou novas perspectivas sobre fato, diga-se de passagem, que contribuiu também para a
o pensamento humano como instrumento na luta pela so- marginalízaçâo dessa disciplina no ambiente da soclolo-
brevivência e pelo poder. ' Nietzsche desenvolveu sua pró- la americana.
pria teoria da "falsa consciência" em suas análises da
O interesse de Scfieler pela sociologia do conheci-
significação social do engano e do auto-engano e da mento e pelas questdes sociológicas ent geral foi essen-
cl. Xatl KxtitskY, cialmente um episódio passageiro em sua carreira filo-
sófica. " Seu objetivo final era o estabelecimento de uma
"V erhãjtnla von Unterbou und Ueberbau", em lrlng Patacher (ed.), Orr
ãtorxiemus (Munlch. Plper, 1962), pp. l60s5; Antonio LobrloJa, “Ole I"er•
f.o pe nate dt karl hl are (Psrts, Edlilens du 8«ul1, I9ã6}, ps. 424ss. A ^ Ums dea primeiras e mal9 In I¥reaaantca apllccçdts do pensamento
blimm felic no té ¢ulo XC € a de do
OretBr
O*•**t•Aí•’o*d Perhdnanls de Alfredt8onn, Cottn
hoje mais facilmente acess(vcl na traduçã o leao ae9a, Ê 'reud
de conScJ8ncJa.
reIaçllo dc LukAcs d0
° Vnsa dcc malc augcstlvaa dJscuc9des ga relação entre hl8torlelaftt0 e
antecedem de
Ruauma dêcada a redescobcrta doa 3fenz/ccr/ros
Ai obrai rich 1 mpoitanles de H lctzschc paro a soclelogli do canlitcl• York, Knopl, t950), pp. IB3se. A mals lospo/ tante obr• ae Wflhçlm DII\hey
mtnto aao A 0ancoIo#lo da Á for4f e A Vonredc d¢ Poder. Pera dlscoGsô es pnrc nossas presentes conslderaç0ti é Der Aufbau der gesthtihtilchtn
sccundâr.las, ci. \Volttr A. X4 ul niqnn, hell in dta Otfifzsofsi enichaften {5tuttgcr t, Tcubner, lP5g) ,
J956) Ldwiih, From . Haçtl lê Nietzsche (tr adução Inglesa
New I•loIt, R!nehs rt und Winston, J064) • ‘° Para um exceten le estudo da la
Oc¥ef/scá
blnCAm Nhmcycn 1052), pp SJi• V*a-az, ízmbGm, S0nfl op. rf„

18 t9
antropologia filosó fica que transcendesse a relatividade
dos pontos de vista especflicos histó rica e socialmente o mundo. Scheler chamou a isto a "relativa e natural
concepção do murdo" (ra/otivnot'iir/ic/le Weltanschauung)
localizados. A sociologia do conhecimento deveria servir de uma sociedade, conceito que pode ainda ser conside-
de instrumento para alcançar este propósito, texdo por central na sociologia do conhecimento.
principal íihalidade esclarecer e afastar as dificuldades Seguindo-se à "invenção" por Scheler da sociologia
levantadas pelo relativismo, de modo que a verdadeira do conhecimento houve na Alemanha um largo debate
tarefa filosófica pudesse ir adiante. A sociologia do co- a respeito da validade, àmbito e aplicabilidade da nova
nhecimento de Scheler é, em sentido muito real, ancilfn disciplina. “ Deste debate emergiu uma forrriulação que
philos e, e de uma filosofia muito especifica, além
marcou a transposiçã o da sociologia do conhecimento
do maia
para um contexto mais estreitamente socioló gico. Foi
Ajustando-se a esta orientação, a sociologia do conhe- nessa mesma íormulaçáo que a sociologia do conheci-
cimento de Scheler ê essencialmente um mttodo negativo. mento chegou ao mundo de lingua inglesa. Trata-se da
Scheler alirmava que a relação entre "fatores ideais" formulaçã o de Karl f annheim, Pode-se afirmar com
{ldealfoklorên) e "fatores reais" (Real|aktoren), termos segurança que quando os sociblogos hoje em dia pen-
que lembram claramente o esquema rnarxista "infra/super- sam na sociologia do conhecimento, pró ou contra, em
ij estrutura”, era m«tamenle uma relação regulaliva. Isto geral o fazem nos termos da formulação de Mannhelm.
$, "!.ator.es-reais" regulam as condições nas quais certos Na sociologia americana este taio é facilmente inteliglvel
fatores ideais” podem aparecer na história, mas não po- se ielíetirmos em que a totalidade da obra de Mannheirn
1 dem. aíetar o conteú do destes ú ltimos. Em outras pala- virtualmenle se tornou acessJvel eu inglés (uma parte
vras, a sociedade determina a presença (Dosein) mas desta obra na verdade foi escrita em inglês, durante o
nâo “”á natureza (Sosein) das idéias. A sociologia do período em que Yannheim esteve ensinando na Jngla-
conhecimento, §0rt6nto, é o procedimento pelo qual deve terra depois do advento do nazismo na Alemanha ou
ser estudada a seleçao só cio-histò rica dos conteú dos foi publicada em traduçües inglesas revistas), ao passo
ideativos, ficando compreendido que estes conteúdos en- que a obra de Scheler sobre a sociologia do conhecimento
quanto tais são independentes da causalidade sócio-histó- permaneceu até hoje sem traduçao. Deixando de lado o
rica e por conseguinte inacesslveis à análise sociológica. fator "difusão", a obra de Mannheim é menos carregada
Se é possível descreYer pit0rescamente o mttodo de
Scheter, podería dizer-se que consiste em lançar um pe- ' con frmpor4fnr tPsrts, P tesscs
I I te contribulç Ao dtett
daço de pão de bom tamanho molhado em leite ao rloto concernente ã aoclo\0ela do
Com
ti. Slegfrled Land9hut,
dragfio a relatividade, mas somente com o fim de poder H anã Prey¥t.

melhor penetrar no castelo da certeza ontológica. v0n Oeheltln Max

Neste quadro intencionalmente (e inevitavelrriente) ectudo dx mctod b 4e deve ser entendida levando-ye em conta

modesto, Scheler analisou corri abundanles detalhes a ma- Kayi Atannfielm, ldaotoyy and Utopia
neira em qua o conhecimento humano é ordenado pela Paul
tgse #o en ( f'few
sociedade. Acentuou que o conhecimento hurtiano é dado u
Y oi k, Oxiord
na sociedade corno um a /lriori ã experiência individual, . por tcatca t5crltos de 1 t do conhectmcn‹o, zom•
fornecendo a esta sua Ordem de sigztiflcaçao. Esta ordem, tíarl Atcnnhelm (Neuwl¥4/Rheln. Luchtcrhanü,
ão de Mann helm sobrt a s0clolo2la do conheclm en to,

i
efhbara relativa a uma particular situação sócio-histórica, uet, Ãter!on, Social Tttort and Social Struclure
aparece ao Indivíduo como o modo natural de conceber (2IiIccgo, Pret #p. ¥If.;ol Olenço¥, t951), pp, t89ssi Stark, op. crr„' Lfc ber,
Press

20 2t

.
.
de "bagagem" filosófica que a de Scheler. 1sto é espe-
cialmente verdade no que se refere aos últimos escritos tonduzí-lo. Cunhou o termo "relacionismo" (por oposição
de //tannheim e pode ser visto se compararmos a tradução a "relativismo") para designar a perspectiva eplstemo-
tnglesa de ina principal obra, "Ideologia # IJlopid’, com lógica de sua sociologia do conhecimento, não uma ca-
o original alemâo, Mannheim tornou-se assim uma figura pitulaçáo do pensamento diante das relatiyidades socio-
mais "compatível" para os sociólogos, mesmo para históricas, mas o sóbrio reconhecimento de que o conheci-
aqueles que criticavarri o seu modo de vel ou não se mento tem sempre de ser conhecimento a partir de urna
nteressavam por ele. certa posição. A influência de Dilthey A provavelmente de
grande importância neste ponto do pensamento de Man-
A compreensão que Mannheim linha da sociologia do nheim, o problema do marxismo é resolvid0 COffl 05 ÍflS-
conhecimento era muito mais extensa que a de Scheler, trumentos do historicismo. Seja como for, Mannheim acre-
possivelmente porque o confronto com o marxismo tinha ditada que as influencias ideologizantes, embora nao pu-
maior destaque em seu trabalho. A sociedade era vista
dessem ser completamente erradicadas, podiam ser miti-
determinando não somente a aparência mas também o gadas pela análise sistemática do maior número possivel
conteúdo da ideatão humana, com exceção da matemá- de posições variáveis socialmente fundadas. Em outras
tica e pelo menos de algumas partes das ciências na- palavras, o objeto do pensamento torna-se progressiva-
turais. A sociologia do conhecimento tornou-se assim um mente mais claro com esta acumulaçã o de diferentes pers-
método positivo para o estudo de quase todas as tacetas pectivas a ele referentes. Nisso deve consistir a tarefa
do pensamento humano.
da sptiologia do conhecimento, que se torna assim uma
@ E’ muito significativo o fato do Rannheim preocu- importante ajuda na procura de qualquer entendimento
par-se principalmente com o fenômeno da ideologia. Es- correto dos acontecimentos humanos.
tabelece a distinção entre os conceitos particular, tota) e . P Mannheim acreditava que os diferentes grupos socials
geral de‘ ideologia — a ideologia constituindo somente ' variam enorrnemente em sua capacidade de transcender
unt segmento do pensamento do adversário; a ideoJogia deste modo sua pr6prla estreita posiçã o. Depositava a
constituindo a totalidade do pensamento do adversário, maior esperança na “Inteligência socialmente descompro-
(semelhante à "talsa consciência" de Marx) ; e (aqui, se- metida” (Nr fsrhir#bende Jnfeffigenz, termo derivado de
gundo pensou lannheim, indo além de Marx) a ideo- Alfred Weber), uma espécie de estrato intersticial que
logia caracterizando não somente o pensamento de um acreditava estar relativamente livre de interesses de classe.
adversário mas tambêm o do próprio pensador. Com o Mannheim acentuou também o poder do pensamento
conceito geral de ideologia alcança-se o nível da socio- "utópico", que (tal como a ideologia) produz uma ima-
logia do conhecimento, a compreensão de que não há gem destorcida de realidade social, mas que (ao contrá-
pensamento humano (apenas com as exceções antes men- rio da ideologla) tem o dinamismo necessário para trans-
Cionadas) que seja imune às influências ideologizantes formar essa realidade na Imagem que dela faz,
de seu contexto social. àtediante esta expansão da teoria Nao é preciso dizer que as observações acima de tno-
da ideologia Mannheim procura separar seu problema do algum tazern justiça nem ã concepção de Scheler
central do contexto do uso polfiico e tratá-lo como Qf0- nem â de ”Mannheim com relação à sociologia do conhe-
blema geral da episteniologia e da sociologia histó rica. cimento. Nâo á esta nossa intenção. Indicamos unica-
|,! Embora i' annheirn nao partilhasse das ambições on- mente . alguns aspectos decísivos das duas concepções,
tológicas de Scheler, também ele sentia-se potico ã von - que foram convenientemente chamadas, respectivamente,
tade com o pan-ideologismo que seu pensamento parecia as concepções "moderada" e "radical" da sociologia do
22 23
conheciniehto. ° 0 tało notävel è que o subseqü ente de-
senvolvimento da sociologia do conheeimento consistiu mitam-se principalmente à crítica de Mannheim e nă o
em grande pane em crltlcas e modificaşó es dessas duas procuram a integração da disCiplina no prò prio sistema
leórico de Parsons. Neste últlrno, sem düvida, o “proble-
concepçóes. Conforme jà tivemos ocasiao de indicar, a ma do papel das idéias" é analisado extcnsamente mas
łormulação, leita pot Mannheim, da sociologia do conhe-
cimento continuou a estabelecer os termos de referêncla num slstema de referência muito diferente do empregado
para essa disciplina de maneira detinitiva, particularmenfe pela soclologia do conhecimenło de Scheler on de Nían-
na soclologla de llngua inglesa. nheim. " Podemos, portanło, tomar a liberdade de dizer
que neon Merton nem Parsons deram qualquer passo de-
O mais importante sociólogo americano que prestou cisivo além da sociologia do co»hecimento tal como łoi
sețamente atexção ț“ “sociotogía do conhecimento foi formulada por Mannheim...O mesmo pode dizer-se de
Ebert Merton. “ A aná lise da disclplina, que abranğ e-” oułros criticos. Mencionando apenas o mais eloqü ente, C.
doiă capfżulos de sua obra principal, serviu de ú til in- Wrtght Mllls traìou da sociologia do conhecimento em
trodùçäo a este campo de estudos para aqueles socíó1ogos seus primeiros trabalhos, rnas de maneira exposiłlva e
americanos que se interessaram por etc. Merton cons- sem fader qualquer contribuição para o desenvolvimento
train um paradigma pata a šociologia do conhecimento, í teó rico positivamente sem contribuir para 0 desenvo1vl-
expondo os temas mais imporłanies desta discipłina em ¡ mento teó rico do assunto. “
łorraa condensada e cœrente. Esta construção é interes- ,
sante porque procura inłegrar a abordagem da .sociolo- Um ixteressante esforço para integrar a sociologla do
gia do conhecimento con a da teoria' funcional esirutural. conhecimento com o enfoque neopositivista da sociolo-
gia em geral è o de Theodor Geiger, que Seve grande
Merton aplica seus pr6prios conceiios de funçòeś "manİ- inłtuència sobre a sociologia escandinava, depois que emi-
festas” e “latentes” à esłera da ideação, lazendo dlsținção grou da Alemanha. • Geiger voltou a um conceito maís
entrè łunçées conseientes, intencianais das idéias e łunçóes estreito da ideologla, como sendo o pensamento soclal-
inconscientes, ndo-intencionais. Embora Ãterton se con-
centrasse na obra de Mannheim, que é para e1e o soció - mente destorcido •e sustentou a possibilidade de superar
logo do conhecimento por excelència, acentuou a impor- a ideologia pela culdadosa observaçâo dos câxones cien-
t8ncia da escola de Durkheim e dos trabalhos de Pitirini tlticos de procedimento. 0 enfoque neoposítivlsta da aná-
Sorokin. E' interessanłe notar que Horton an que parece liæ ideológica foi, mais recentemente, conłJnuado na so-
deixou de ver a imporlãneia para a sociologia do conhe- ciologia de llngua alemã na obra de Ernst Topitsch, que
cimento de certas importantes extensò es da psÍtołogia acenłuou as ralzes ideolò gicas de vå rias posiçõ es lilo-
social americana, tais como a teoria dos grupos de re- só íicas. " Mas na niedida em que a aná lise socioló glca
das ídeologias constitui uma parte importante da socio-
feréncla, que dlscute em um local dlțerente da mesma logia do conhecimento, conforme łoi definida por Man-
obra.
Talcott Parsons fez também comentá rios sobre nheim, tern havido muito interesse nela tanto na socio-
ciologia do conhecimento. " Seus comeritários, porém, Ii- i Cț. 'ral€ott Parsons, 7Ac Serfo/ Jy*frm (Oltncoe, III, Pree Prts9,
źf ° Wtlgtt ßillls, power, Polfffcx rind Pcopfz (New Y or h, Bclton flue
8ool‹c . áS3s9.
eetg caracțerf8ațão daß ü uae formul4țd¥ß orlslncla da ü !eeIpłIna lol [ Oclfcr
43fiea. ț Ntuwled/RI\min, Luchtethand l962),
Brnat It h h lh (Vt‹ni.
'# tL Tml*ott Parsing t9S0 Umafd I und ( Niu-
Tran socłla n« o/ the Nourłś W»rł# Congrecc o] 8o‹Joiogr (Łouvsln, ln- ’Luthttr hand, . Umi
ternatlonal So' I I Ic*t Ażsoclatlon, ł9S9) , Yoł. IV. pp. 3Ss9; "Culture and d* Kelsen. Para as desta
S ne que dlx reapelțo ã do confiecImen!o, cf.
zur /denfogfrå 'r/ł/ż (Î'łeuwl¢d/ Rheln, Luchterhand, ) gM).

24
” ’log a européia quando ua americana, desde a Segunda
GuenaMunBal’ pelas questões epistemológicas em nivel teôrico, e pela.n
q tôes da história intelectual em nível emplrico.
JJ Provavelmente a mais extensa tentativa de ir além de “J\\
Desejamos acentuar que não iemos reservas de qnal-
annheim na construção de uma ampla sociologiA dO quer espécie quanto à validade e importância desses dois
conhecimento é a de Werner Stark, outro erudito conti- conjuntos de questões. Consideramos, porém, intelix que
nental emigrado, que ensinou na Inglaterra e nos Esta-
i esta particular constelação tenha dominado até agora a
dos Unidos. Stark vai mais longe, , deixando para trãs sociologia do conhecimento-. Nosso -ponto de vista ê que,
a focalização feita por Rannheim do problema da ideo- como resultado, a plena significaçao teórica da socio-
logia. tarefa da sociologia do conhecimento não con- logia do conhecimento ficou obscürecida.
siste em ilesmascarar ou revelar as distorções socialmente Incluir as questões epistemológtcas concernentes à va-
produzidas, mãs no esiudo sistemático das condições so- lidade do conhecimento sociol6gico na sociologia do co-
ciais do conhecimento enquanto tal. Dito de maneira nhecimento é de certo modo o mesmo que procurar em-
simples, o problema central t a sociologia da verdade, purrar um 6níbus em que estarmos viajando. Serx dúvida
qaq a sociologia do erro. Apeiar de seu enfoque carac- a sociologia do conhecimento, como todas as disciplinas
terlstico, Slark provavelmente estã mais perto de Scheler emplricas que acumular indícios referentes à relatividade
que de Vannheim na compreensã o da re!açá o entfe as e determinação do pensamento humano, conduz a ques-
idtias e seu contexto social. tões epistemológicas a respeito da própria sociologia,
Por outro Iado, ê evidente que não tentamos daí assim como de qualquer outro corpo científico de conhe-
adequado panorama histórico da história da sociologia cimento. Conforme observamos anteriormente, neste ponto
do conhecimento, Além disso, ignoratnos all aqui certos a sociologia do conhecimento desempenha um papel se-
desenvolvimentos que poderiam teoricamente ter impor- melhante ao da história, da psicologia e da biologia, para
tância para a sociologia do conhecimento mas não foram mencionar somente as três disciplinas emplricas mais
considerados como tais por seus próprios protagonistas. importantes que causaram dificuldade à epistemologia. A
Em outras palavras, liniltamo-nos aos desenvolvimentos estrutura ló gica dessa dificuldade é fundamentalmente a
que, por assim dizer, navegaram sob a bandeira da “so- mesma em todos os casos, a saber: como posso ter
Biologia ’do conhecimento” (considerando a teoria da certeza, digamos, de minha análise sociológica dos coS-
ideologia como parte desta última). Isto tornou claro tumes da classe média americana em vista do fato de
um fato. A parte o interesse epistemqlógico de alguns que as categor(as por mim usadas para esta análise são
sociólogos do conhecimento, o foco empírico da alençáo condiClonadas por formas de pensamento historicamente
situou-se qua9e exclusivamente Ata esfera das idéias, ou relativas, e mais que eu pró prio e tudo quanto penso
seja do pensamento teórico. Isto é verdade com relação sou determinado por meus genes e por minha inata
a Stark, que colocou como subtítulo de sua obra princi- hostilidade aos meus semelhantes, e atém do mais, para
pal sobre a sociologia do conhecimento a expressão "En- rematar tudo isso, eu próprio sou um mef bro da claise
saio para Servir de Auxílio à Compreensão mais pro- média americana?
fkflda da História das Idéias". Em outras palavras, o_in- Está loxge de nós o desej0 de repelir estas questóes.
teresse da sociologia do confiecimento foi constituído udo quanto desejarlamos afirmar aqui é que estas ques-
' tôes nâo são por si mesmas parte da disciplina empírica
Ofogy (I4cw York , Free Prcse al Q\tncoe,
N men Blrnbaum (ed.), ?‘Ae 5oz/ologtcot da sociologia. Pertencem propriamente à metodologia
Idaology {Oslord,
das Ciências sociais, empreendimento que pertence ü fi-
3Y
losolla e é por definiçã o diferente da sociologia, que na
verdade é objeto de suas indagaçõ es. A sociologia do ’t clusão feita por nôs do problema epistemolôgico e meto-
conhecimento, juntamente com outros criadores de difi- dológico, admitimos que este foco pertence à sociologia
culdades episteriológicas entre as ciências emplricas, do conhecimento. Defenderemos, porém, o ponto de vista
"alimentarà !" de problemas esta investigaçã o metodoló - de que o problema das "idéias", incluindo o problema
gica. Nã o pode resolver estes problemas em seu pró prio especial da ideologia, constitui apenas parte do problema
quadro de referência. mais amplo da sociologia do conhecimento, nâo sendo
'. nem mesmo uma parte central.
conseguinte, exc!uImos da sociologia do conheci-
iTltflf O os problemas epistemológicos e metodológicos que JA sociologia do conhecimento deve ocupor-se com lado
perturbaram ambos os seus principais criadores. Em virtu- aquilo que d considerado "conhecimento" na sociedade.
de desta exclusão afastamo-nos tanto da concepção da ; Basta este enunciado para se conpreender que a foca-
disciplina criada por Scheler quanto da que foi exposta por l! lização sobre a história intelectuai é mai escolhida, ou
Mannheim, e também dos últimos sociólogos do conheci- melhor é mal escolhida quaztdo se torna o foco central
mento (principalm ente os de orientação neopositivista} da sociologia do conhecimento. O pensamento teórico, as
que parlilharo de tals concepçõ es a este respeito. Ao "idéias", Wellanschauungen não sá o tã o importantes
' longo de todo este livro colocamos decididamente enÍre assim na sociedade. Embora todas as sociedades conte-
art teses todas as questõ es epistemoló gicas ou metodo- nham estes fenô menos, sã o apenai parte da soma total
ló gicas relativas ã validade da aná lise socioló gica, na daquilo que é considerado "conheciinento". Em qualquer
própria sociologia do conhecimento ou em qualquer outro sociedade somente um grupo muito liinitado de pessoas
terreno. Consideramos a sociologia do conhecimento co- {. se emperiha_em produzir teorias, em ocupar-se de "idéias"
mo parte da disciplina empírica da sociologia. Nosso pro- e construir Weltanschaaungzn, mas todó s os homens na
pó sito aqui é evidentemente de cará ter teó rico. Mas nossa sociedade participam, de uma maneira ou de outra, do
! teorização reteie-se à disciplina empírica em seus pro- "conhecimento" por ela possuído. Dito de outra maneira,
blemas concretos, e nâo à pesquisa filosó fica dos funda- só /Ijuito poucas pessoas preocupaiTi-se com a ixterpre-
mentos da disciplina gmplrica. Em resumo, nosso em- taçao teó rica do mundo, mas todos vivem em um mundo
preendimento pertence à teoria sociológica e udo à .me- i de algum tipo. Nã o somente a localizaçã o sobre o
todologia da sociologia. Em uma única secção de nosso pensamento teó rico ¢ indevidamente restritiva da sociolo-
tratado (a que se segü e imediatamenie a esta Introduçã o) gia do conhecimento, mas também insatisfatória, porque
vamos além da teoria soclológica propriamente dita, mas mesmo esta parte do "conhecimento" socialmente ex is-
isto é leito por motivos que nada têm a ver com a epis- tente não pode ser plenamente compreendida se não for
temologia, conforme será explicado no devido momento, colocada na estrutura de uma análise mais geral do “co-
Contudo, devemos também redefinir a tarefa da so- nhecimento".
gerar a importâ ncia do pensamento teó rico na so-
Biologia do conhecimento no nível emplrico, isto t, en- ciedade e na história é um natural engano dos teoriza-
quanto teoria engrenada com a disciplina empírica da
sociologia, Conforme vimos, neste nível a sociologia do dores. lsto torna por conseguinte ainda mais necessário
conhecimento ocupou-se com a histõrta intelectual, no corrigir esta incompreensâo intelectualisla. As formulações /
sentido da história de idéias. Ainda mais, acentuarfamos teóricas da realidade, quer sejam científicas ou íilosd- t
que este é, na verdade, um foco muito importante da ficas quer sejam atê mítológicas, não esgotam o que é
pesquisa sociolôgica. Além disso, em contraste com a ex- "real" para os membros de uma sociedade. Sendo assim,
a sociologia do conhecimento deve acima de tudo ocupar- '
28 I
29
se com oq que os homens “
conhece m” corno “realidade"
em sua vida sô tidiana, vida nâ o teó rica ou prá-teàricá. E ainda uma vez:
Em outras palavras, ..^. . !!çonhetifnento" do
se/jso comum, O ¢onhecimcnto encontra-Se socialmente distribu\do e o me-
dõ nã
e o as ”idéias'
’ conheciaexfo. , E’deve ser o foco
precisamen central cd9
te este Sociologia
onheciment canismo desta distribuição pede tornar•se objtto de uma dis-
que coaslitui o" ciplina sociológica. Na verdade temos uma chamada sociologia
O teCidO de
nhuma significa dos m o qual ne- do conhecimento. No entanto, com muito poucas exceções, a
O
4OCSiologla
Ciedade poderia exisiir.
do conhecim disciplina assim incorretamente denominada abordou o problema
ento, ]DO£tanf0, deve da distrihuiçâo social do conhecimento meramente pelo ângulo
tratar da
construçã o social da fundamentação ideológica ta verdade em sue dependência
da
teó rica desta realidadtrealidade. A aná li se da articulaçã o
COntinuará certamente sendo uma
das condições sociais e especialmente económicas, ou do ângulo
das implicações sociais da educação e ai»da do ponto de vista
parte deste interesse, mêt• ›i ã O â pa r mais importante. do papel social do homem de conhecimentix Nâo foram os so-
te
ligará claro qUe, apesar da exclusã o Ciól0gos mas oS economistas e filósofos que estudaram alguns
temoló gicos e matodolõgicos, o dos problemas epis- dos numerosos outros aspectos teóricos do problema. "
aqui é uma redef ini çlo de longo alcance do à mbito da /D Embora não demos o papel central à distribuiçã o so-
socoo gia do
ITilJttO m8|g cial do conhecimento, que Schulz reclama aqui, concor-
conhecimento, sido entendido ampla do que
como consti- damos com a crítica por ele feita à “disciplina assim
túdo qLlãflÍo ãté ãgora tem
.,findo esta disciplina. incorretamente denominada" e derivamos dele nossa no-
A questã o que se apresenta é a sabgf ¢j tjaís sao os ção bá sica da maneira pela qual a iarefa da sociologia
ingredientes teóricos que devem de ter acrescentados à so- do conhecimento deve ser redefinida. Nas consideraçõ es
C1OlO@j9 do conhecimento para perznít¡rem que seja rede- que se seguem dependemos grandemexte de Schut2 Atos
finida no sentido acima indicad o. Devemos a compreen- prolegómenos referentes aos tundanienÍos do conheci-
Sao f undamental da ftgCessidade desla redeflniç ão a mento na vida diária e temos uma importante dívida
Alfred Sc hu tz , toda Sua obra, como f1)ó SO[O g ç jy} para com sua obra em vários decisivos lugares de nosso
Em
S0ClÓ )Og0, Cffutz COitCgf1tFOIJ-Se sobre e
â strutura do mun- principal raciocínio ulterior.
do do sentido C0mum da vida Cotid¡dDã. Emb0ra nao Nossos pressupostos anlropoló gicos sã o fortemente in-
tenha elaborado Mrtta sociologia do conhecimento, perce- lluenciados pol marx, especialmente por seus primeiros
aquilo sobre o que esta d:s•ipJina escritos, e pelas implicaçõ es antropoló gicas tiradas da
localizar a atençã o: deve biologia humana por Helmuth Plessner, Arnold Gehlen
e outros. Nossa concepção da natureza da realidade io-
Todas deG do pensamento do senso comum sâo cial deve muito a Durkheini e sua eicola de sociologia
ementos integrais Ó O Cg/jg$g|g histórico e sóci0- da Prança, embora tenhamos modificado a leoria durk-
i cultural em que prevaletem,
cialmente aprovadas. Sua sertdo admitidas COfttO Ceffgg ¢oiSas
estrutura determina entre Outras g gg. heimiana da sociedade pela introduçã o de uma perspec-
conhecimento e tua reIat‹vidade e impor- tiva dialética derivada de Marx e uma acentuaçã o da
a distribuiçã o SOCi8] do
tâ ncia para o ambiente SOCiAI Concreto dfl um grupo concreto Constituição da realidade social mediante os significados
blema8 feg/fimos
hislürica concreto, Acham-se ag ¡ subjetivos derivada de Webtr. " Nossos pressupostos
dô felativismo, do hÍStorlcismo e da
do ¢onhecimenfo. •
^ Pala o debate dãs implica dts da sociologia de Dur khelm sabre
s0¢Io1og(c do conhec1m‹nt0, cf, Oerard L. DcCrê, Soclrfj' om /yroJeyy (Aeu'
! p. iz9. Oruas Unl lt Bookatore 54ss It
Oaorges Ourvltcfi,
de rar/o/ogf¥ tParis, Prestes Unlversl\alrts de F r an¢t, 1960), \’ol. iJ,
1
sócio-psicológicos, especialmente importantes para a aná-
lise da interiorização da realidade social, são grandc- mas de cuja intenção inlegradoia paiticipamos plena-
mente lnfluenciados por George Herbert Mead e alguns mente) :
desenvolvimentos de sua obra realizados pela chamada
escola simbólico-interacionista da sociologia americana. “ objetivo pr1ntipal do estudo n1o consiste em dticrminar
e ertunciar em forma condensada aquilo que estes escritores
Indicaremos nas Notas até que ponto estes vários ingre- disseram ou julgaram relativamente aos assuntos sobre os quais
dientes são usados em nossa formação teórica. Com- escreviam. Nâo t tampouco indagar dlretaznente, com referência
preendemos plenamente, ê claro, que neste uso rtão so- a cada proposiçao de suas <teoriass, st aquilo que disseram
mos, nem podiamos ser, fiéis às intenções originais destas pode ser sustextaüo A luz do atual conhecimento sociológico e
várias correntes da teoria social, mas, conforme já disse- ngçôes afin9... E’ um eatudo da leoria soci'a\, não de feorieJ.
Seit Interesse na0 e5t6 nas proposições separadas e descontlnuas
mos, nosso propósito aqui nâo é exegético, nem mesmo o que se encontram nas obras desses homens, mas cm um úeiro
de fazer uma síntese só pelo valor da síntese. Compreende- corpo de raciocínio teórico sistem8tito. "
mos bem que em vários lugares violentamos certos pen-
sadores integrando seu pensamento em uma formação Nossa finalidade, de fato, consiste em nos empenhar-
teórica que alguns deles teriam julgado inteiramente es- mos em um "raciocínio teórico sistemático".
tranha. Poderiamos dizer, a titulo de justificação, que a Deve já se ter tornado evidente que nossa redefinição
gratidão histó rica não é por si mesma uma virtude cien- sua natureza e alcance deslocarà a sociologia do co-
tltica. Poderíamos citar aqui algumas observaç6es de nhecimenlo da periferia para o pró prio centro da teoria
Talcott Parsons (sobre cuja teoria temos sérias dflvidas, sociológica. Podemos assegurar ao leitor que não temos
nenhum interesse adquirido no rótulo “sociologia do co-
*0
f lt lo In-
nhecimento”. Ao contrá rio, nossa compreensã o da teoria
ser cncontrado em Tamotcu conhecimento sociolbgica é que nos levou à sociologia do cometimento
e orlentou a maneira pela qtial chegarlamos a redefinir
os problemas e taretas desta ú ltima. O melhor modo de
elm oóflco9, relaciona-ee lem dúvld¥
4o centiecJmento nos Estados Unidos,
descrever o caminho que seguimos será fazer referência
as lau fundamento teóriconsals
adequado da €strutara
Importante tem ae ser encontrado a duas das mais íamosas e influentes "ordens de mar-
Pode obs«rvar•Se aqui qut. razão, ptns4mos, t cha" da sociologia.
üa9 abordagens de Atead e de DutJthoim.
c4Io0 a lndlferença com relação Uma foi dada por Durkheim em As R+gros do Mêlodo
Impedir egtea de relacionar analógico, a outra por Weber em \ ir/sc/io/t und C -
f›ttad constitui
sellschaft £conomia e Sociedade). Durkhelm diz-nos: “A
nconiarx Istaa estarem procurando uInc lt8açlo primeira regra e a mais fundàrnental é: Considerou os
gque«endo a teoria de {elos sociais como coisos”. " E Weber observa: “Tanto
entre a sociedodc e o lndlvltuo rla lmen• para a sociologia no sentido atual quanio. para.a. história
cur8velmentt
d¢¥te !erI6ItierlO
b d o objeto de conhecimento é o complexo de sigri|ficadps
Edtilena de ãtlnuJt,
por aaelm dleer, braüp c ecde pá subjetivô da açâo”. “ Estes dois enunciados x8o sâo con-
embgro em um diferente d¢ /nt¢lcclu4f, traditôrios. A sociedade possui na verdade facticidade ob-

Tafcott Paraona,
z1mint# 7'Ae Sl¥uclur4 al Sactat Acf/on (Chicago, Free P zeus,
do nosso. ma•
d¢ cert0 m0do xtMlt0 compatível com n0y9a próprla abordagem dg pro• Tht Rutet of Soeloloylcoi át tihad ¢ Ct ra•ya, P i‹t
blem4tlCa de MCa4, TenbrMck dleCute a or I yem edx rt atIdad‹ t ae
r¢slldade. ’Max’Ü be’‹‘ 'lhe z'h oty
totfi:, Oatofd Unlverelty Pret¢
32
jetiva. E a sociedade de fato é construída pela atividade que expreisa um significado subjetivo. E, diga-se de passagem, Durkheim conheceu este último enunciado, a

I
Os Fundamentos do Gonhecimento
na Vida Cotidiana
I . A REALIDADE DA VIDA COTIDIANA
CNDO NOSSO PROPÓSITO NESTE TRABALI4O A Af•I/LISE
socioló gica da realidade da vida cotidiana, ou, mais preci-
samente, do conhecimento que dirige a condiita na vida
diá ria, e estando nô s apenas tangencialmente interessados
em saber como esta realidade pode aparecer aos intelec-
tuais em várias perspectivas teóricas, devemos começar
pelo esclarecimento dessa realidade, tal como é acessível
ao senso comum dos membros ordinários da sociedade.
Saber corno esta realidade do senso comum pode ser in-
fluenciada pelas construções teóricas dos intelectuais e
outros comerciantes de idtias é uma questão diferente.
Nosso empreendimento, por conseguinte, embora de ca-
ráter teórico, engrena-se com a compreensão de uma
realidade que constitui a matéria da ciência empírica da
sociologia, a saber, o mundo da vida cotidiana.
Deveria, portanto, ser evidente que nosso propósito
não é envolver-nos na filosofia. Apesar diiso, se quisera
nos entender a' realidade da vida cotidiana é preciso levar
em conta seu caráter intrínseco antes de continuarmos
com a análise sociológica propriamente dita. A vida coti-
diana apresenta-se como uma realidade interpretada pe-
los homens e iubjetivamente dotada de ientido para eles
na \nédlda em que forn›a um mundo coerente. Como so-
cídlogos, tomamos esta realidade por objeto de nossas
análises. No quadro da sociologia enquanto ciência em-

°5 P3635Y
I
pirica é posslvel tomar esta realidade corno dadã, tOlTlăf A análise fenomenológica da vída cotidiana, ou me-
como dados os fenòmenos particulares que surgem dentro lhor da experiéncia subjetiva da vida cotidiaxa, absttm-
dela, sem maiores indagações sobre 05 łundamentos dessa se de qualquer hipôtese causal ou genètica, assim como
realidade, tarefa já de ordem filosófica. Contudo, conside- de afirmaçöes relativas ao status ontológico dos fenô-
rando o particular propósito do prescribe tratado, náo menos analiiados. E' imporłanłe lembrar este ponto. O
podemos contornaf cor«pletamente o problema filosófiCo. senso comurn contém inumeráveis interpretações prć-
0 mundo da vida cotidiana não somerite è tomădn t0fllO ćientlficas e quase-cientificas sobre a reaiidade cotldiana,
úma realidade ceria pelos membros ordinźrios da SOCie- que admite como ccrtas. Se quisermos descrever a rea-
dade na conduta subjetivaznente dotada de senłido que llôade do senso comurn temos de nos referir a eslas in-
imprimem a suas vidas, mas é nut mundo que se origina lčrpretaçoes, assim como temos de levar em conta seu
no pensantento e na ação dos honens comuns, send0 canter dc suposiçâo indubitável, nsas fazernos issu co-
afirniado como real ĘOfi eles. Antcs, yortanto, de em- locazido o que dizemos entre parênteses fenomenológicos.
preendermos nossa principal tarcła devemos tentar eSCl&- A consciência é sempre infe/icional; sempre “tende
reccr os f undamentos do conhccirriento na vidă COtidİdna. para" ou é dirigîda para objetos. Nunca podemos apreen-
a saber, as objetivações dos pr0ceSSos (e significaçúts)
der um suposlo subsfrato de consci9ncia enquanto tal,
subjetivas graças às quais ć construído o mundo inter- mas somente a consciëncia de ta1 ou qual coisa. lsto
subjetivo do senso COftlUfTt.
assim é, pouco importando que o objeto da experiéncia
Para a finalidade em apreço, isto á urna tarefa preliini- seja experimentado como pertencendo a um mundo físico
mas não podemos fazer mais do que ¢SbOÇÂF OS exłerno ou apreendldo conio elemento de uma realidade
principals aspectos daquilo que acreditamos 80t UiT18 SO- sybjetiva interior. Quer eu (a primeira pessoa do singular,
luç$o adequada do problema filosófico, adequada, apres- aqui como nas ilustraçôes seguinfes, representa a auto-
samo-nos em aerescentar, apenas no sentido de poder consciéncia ordiná ria na vida cołidiana) esteja tontein-
servir como ponło de partida para a anãlise sociològiCa. plando o panorama da cidade de Nova York on łenliá
As considerações a seguir feitas Um, portanto, a nałureza consci4ncia de uma ansiedade interior, os processos de
de prolegGmenos iiio•ò ficos e, em si mesmas, pré-socio- conscitncia implicados sâo intencionais em ambos os ca-
ug:cas. 0 o étodo que julgamos mais conveniente para sos. Nao é preciso discutir a questăo de que a consciéii-
esclarecer os fundament0S do conhecimexto na vldB C0- cia do Empire State Building é diferente dv consciëncia
tidiana é o da análise fenomenológiCa, método puramente da ansiedade. Uma aná lise fenomenoló gica detalhada
descritivo, e como tal "em plrico” ”ÂS fłÃO cientlfic0”, 4escobriria as várias carnadas da experiência e as dJfe-
segundo o modo como entendemos a ndttifeza das ci5n- rentes estruturas de sigriificação implicadas, digamos, no
cias emplricas. ‘ falo de ser mordido por um cachorro, lembrar ter sido
mordido por um cachorro, ter fobia par todos os cachor-
Beta 4¢¢ç10 tntelro de nossa trctağ0 ż h$seaØa ÊI0 }{’$Ø da AIlf'rJ ros, e assim por diante. 0 que nos inłeressa aqui é o
Sctiułz e Th0m ߥ Luc km¡inn
carăter intentional comuni de toda consciéncia.
CIßS às p obta
b’e dîscu!Ido9 Nossa baiela•se squl em Objetos diłerenles øpresentam-se ã consciéncia como
clnnadn. În fefe. O l¥lter.
contiecer o ebra publl cada de consfituintes de diferentcs esferas da realidade. Reconheço
łIted);5chEte, ߢrVot I e Ił. meus semelhantes com os quais tenho de tratar no curso

O Icltor lnitresiido ns td°p'aç1o do mttoto da vida dlária como pertencendc a u‘ma realidade i/ïłei-
York, Ranuom H0•* • (ed.),tø philosophy
•^) PP• is. ol Ihe ramente diferentc da que tém as figuras desencarnadas
.
que aparecem em
objetos introduzem meus sonhos. Os dois conjuntos de minha sociedade¡ vivo dentro de uma leia de relações
tensóes inteiramente diterefttes 9M humanas, de seu clube de xadrez até os Estados Unidos
t}ljjjÍ16 COltSCÍÊftCi C minha atenção com referência a ele* da América, que são também ordenadas por meio do
ê de natureza complelamenie diversa. fitinha vocabulá rio, Desta maneira a linguagem marca as coor-
i por conseguinte 4 capaz de mover-se alraVé8 d8 diferentes
denadas de minha vida na sociedade e enche esta vida
de objetos dotados de significaçã o.
esferas da ealidade. Dito de outro modo, tenho coxscitn-
r poftsib tg em MU lÍÍ]2Íd8 realidades. A realidade da vida cotidiana está organiiada em torno
Quando , passo de uma realidade a outra experimen to a do "aqui" de meu corpo e do "agora" do meu Rreseu te.
ránsi ção como tT iTla
teSgéC1g
de choque, Est• choque deve Este "aqui e agora" é o foco de minha atençao à rea-
ser entendido como Câusado pelo aten-
desloca mento lidade da vida coiidiana. Aquilo que é "aqui e agora"
da
ção acarretado pela
transição. A mais simples ilustração apresentado a mim na vida cotidiana é o realissimum de
deste deSloc8tTiB ftÍO ú O ato de acordar d0 um sonho. minha consciência. A realidade da vida diá ria, porém,
Entre as ; lú If ÍplAS realidades há uma que se apresenta não se esgota nessas presenças imediatas, mas abraça
COITIOsendo a realidade pOr excelGnc Ía. E' a realidade da fenômenos qke não estão presentes "aqui e agora". Isto
vida coiidiana. 5ua posição privilegiada autoriza a dar- quer dizer que experimento a vida cotidiana em diferen-
lhe a designação de realidade predominante A tensao tes graus de aproximado e distância, espacial e tempo-
da consciên cia chega ao máximo na vida cotidiana, isto talmente. A mais próxima de niiifl" é ” a zona da vida
é, esta ü ltima impõ e-se à consciência de maneira ”mais cotidiana diretamente acessível à minha manipulação cor-
maciça, urgente e inteflsd. E- impossivel ignorar e mesmo poral. Esta zona contêm o murtdo que se acha ao meu
entemen
é di(leal diminuir sua presença imperiosa. Conseqü alcance, o mundo em que atuo a fim de modificar a
completa.
tp lo ia-me a ser atento a ela de maneira mais realidade dele, ou o rcundo em que trabalho. Neste mun-
Experimento a vida cotidiana no estado de t0tâl Vig()ia. do do trabalho minha consciência é dominada pelo mo-
Este esl ado
de total vigllia de zxisti na realidade da tivo pragmàtico, isto é, minha atenção a esse mundo é
vlda cotidia na e de apreendg- la ê conside ado por mim principalmente determinada por aquilo que estou fa2endo,
9ormal e evidente, isto ó , COItSl I tlJl minha atitude natural, fiz ou planejo fazer nele. Deste modo é /xeu roundo
Apreendo a realidade dx vida diá ria como uma reali- por exceTgncía. Sei, evidentemente, que a realidade da
dade ordenada. Seus f acham-se preyiamente
en6menoS vida cotidiana conttm zonas que não me são acessíveis
dispostos em padrões €|Ue ]gBfEC9ITI ser independentes da desta maneira. Mas, ou não tenho interesse pragmático
apreensão que deles tenho e que $g jntpoem à m]nhd nessas zonas ou meu interesse nelas é indireto, na me-
apreertszo. A realidade da vida cotidiana aparece já obje- dida em que podem ser potencialmente zonas manipulá-
tivada, isto é, consiituida por urna ordem de objetos que veis por mim. Tipicamente meu interesse nas z0nas dis-
foram designados caixa objetos antes de minha entrada tantes ê menos intenso e certamente otenos urgente. Es-
na vida cotidiana fornece-me tou intensamente interessado no aglomerado de objetos
continuamente as necessárias objeiivaçõ es e determina ? irúplicados em minha ocupação diária, por exemplo, o
órdem.•m -¢[5e” estas adquirem sentido e na qual a vida nundo da garage se sou um oiec4nico. Estou interessa-
cotidiana @âflha
significado para mim. vivo num lugay do, embora menos diretamente, no que se passa nos la-
que é geogralicamente determinado; tlSO instrumentos, boratórios de provas da indústria automobilística em De-
desde os abridores de latas ate os automóveis de es- tioit, pois é improvável que algum dia venha a estar
pórt”e, que tem sua de5ignaÇâO no vocabulário técnico da em algum destes laboratórios, mas o trabalho aí ete-

38
tuado poderá eventuaTciente afetar minha vida cotidiana. al, como facticidade evidente por sl mesma e cofzipul-
Posso também estar interessado no que se passa em só ria. Sei que é real. Embora seja capaz deemgnhw-me
Cabo Kennedy ou no espaço cósmico, mas este inte- em dúvida a respeito da realidade dela, sou obrigado a
resse é uma questão ‘de escolha privada, ligada ao “tem- suspender esta dúyida ao existir roiineiramente na vtda
cotidiano Esta suspensão da dú vida é tão firme que para
! abandoná-la, como poderia desejar fazer p0r exemplo na
yo de lazer", mais do que uma necessidade urgente de contemplação teórica ou religiosa, tenho de realizar uma
mlnha vida cotidiana. extrema transição. O mundo da vida cotidiana procla-
ma-se a si mesmo e quando quero contestar
ÇA realidade da’ vida cotidiana altm disso apresen(a-se clamaçâo tenho de fazer um deliberado esforço, nada
a mim como um mundo intersubjetivo, um mundo de que fácil. A transição da atitude natural para a atiNde teó-
participa juntamente com outros homens. Esta intersubje- rica do filósofo ou do cientista ilustra este ponto. Mas
tividade diterencia nitida‹nente a vida cotidiana de outras nem todos os aspecios desta realidade sao lgualmentn
realidades das quais tenho consciência, Estou sozinho no nzo probleznáticos. A vida cotidiana divide-se em setores
mundo de meus sontjos, mas sei que o mundo da vida que szo apreendidos r»tineiramente e oulros que se apre-
cotidiana é tão real para os outros quanto para mim sentam a mim com problemas desta ou daquela espécie.
mesmo. De fato, não posso existir na Yida cotidiana sent
Ostar continuamente em inleraçâo e comunicação com os
outros. Sei que minha atitude natural com relaçao a este
mundo corresponde à atitude natural dos outros, que Súponhamos que eu seja um mecânico de automóveis,
oes tamb€m compreendem as objeüvaçóes graças Az com grande conhecimento de todos os carros de fabrlca-
quais este mundo é ordenado, que eles também organi- çao americana, Tudo quanto se refere a est•s t uma tac
zam este mundo em torno do "aqui e agora" de seu
¢ta rotineira, não problemática de minha vida diário
es!• r ete e têm projetos de trabalho nele. Sei tambêm, Mas um certo dia aparece alguém na garage e pede-me
cvidetttemente, que os outros ttm uma perspectiva deste para consertar seu Volkswagen, Estou agora obrigado
mundo comum que não é idêntica à tilinha. Meu "aqui" a entrar no mundo problemático dos carros de coristru-
.é o "lá" .deles. deu "agora" não se superpõe cornple- çao estrangeira. Posso fazer isso com relutãncia ou com
tamente ao deles. Meus projetos diferem dos deles e curiosidade profissional, mas aunt caso ou noutro estou
podem mesmo entrar em conflito. De todo modo, sei de problemas que ztâo tinha ainda rotinl-
que vivo com eles em um mundo comum. O que teto agora
zado. 0 ftlesmo tempo, é claro, nao deizo a realidade
a maior importância é que eu sei que há uma contínua da vida COtidiana. De fato, desta enriquece-se quando co-
correspondència entre m#tts significados e seus slgnitica- IfI6ÇO â iftCOI[lO7ãr  ela o coalecimento e a habilidade
dos neste mundo que partllhamos em comum, no que requeridos para consertar os ztrioz de fabricaçã o es-
respeita à realidade dele. A atitude natural é a. atitude trangeira. A realidade da vida eotidlana abrange os dois
da consciência do senso comum precisamente porque se desde que a¢tuilo que apuece como
retere a um mundo que ê iomum a muitos homens. O problema não pótlexça a uma realidade inteiramente di-
conhecimento do senso comum é o conhecimento que eu Gerente .(por exemplo, a realidade da lfiica teórica eli a
parlilho com os outros nas rotinas normais, evidentes da dos pesadelos). Enquanto as rotinas da vida cotidiana
Vida cotidiana. continuarem sem •ifitgf’ILIpÇáO 5ãO gpreendidas como oão-
QUA realidade da vida cotidiana é admitida como sendo roblemáticas.
a realidade. Nã o requer maior verificaçã o, que se es- Masmasmo o flor nâo-prob1emático da realidade co-
tenda além de sua simples presença. Está simplesmente .I tidiana só á tal

40
até novo conhecimento, isto t, até qizc
sua continuidade seja interrompida pelo aparecimento
de um problema. Quando isto acontete, a realidade da assim dizer, e a conscitncia sempre retortta à realidade
vida eotidiana procura integrar o setor problemá tico dominante como se voltasse de uma excursão. )sto ć
dentro daquilo que já è não-problemå lico. 0 conheci- èviüëïiłe; confôrïzie se v4 pe(as Ilustraçóes já dadas, como
memo do senłido comum contém uma multiplicidade de na realidade dos sonhos e na do pensamenlo teórico.
instruçõ es sobre a maneira de łazer lsso. Por exemplo, "Comutaçóes" semelhantes ocorrem enlre o mundo da
os outros com os quais trabalho são não-problemáticos vida cotidiana e o mundo do jogo, quer seja o brinquedo
para mim enquanto executam suas rotinas familiares e das crianças quer, ainda mais nitidamente, o jogo dos
admitidas como certas, por exemplo, datilografar numa adultos. 0 teatro fornece uma excelente ilustiaçä o desta
escrevaniitha próxima à minha em rneu escritório. Tor- atividade lú dica por parle dos adultos. A transição entre
nam-se problemáticoš se interrompem estas rotinas, p0r as realidades ê marcada pelo levantamento e pela descida
exemplo, amontoando-se num cartto e falando em forma do pano. Quando o pano se levartta, a espectador 8
de cochicho. Ao perguntar sobre o que signifiea esta “trazisportado para um outro mundo”, com seus pró-
atividade esłranha, há um certo número de possibilidades prios significados e uma ordem que pode ter relaçăo, ou
que meu conhecimento de sentido comum é capaz de reln- não, com a orderx da vida colldiana. Quando o pano
tegrar nas rotinas xăo problemáticas da vida cotidian8: desce, o espectador “retorna à realidade", isto è, à rea-
podem estar discutindo a maneira de consertar uma má- lidade predominante da vida cotidiana, em comparação
quina de escrever quebrada, ou um deles pode ter algumas com a goal a realidade apreserttada no palco aparece
instruçóes urgentes dadas pelo patrão, etc. De outro lado, agora ténue e eíèinera, por mais vivida que tenha sido
p0sso achar que estăo discułíndo uma diretriz dada pelo a representação alguns poucos niomentos antes. ,“A expe-
sindicato para entrarem em greve, coisa que está ainda riència estétita e relígiosa é rica era produzir tranfiİ-
fora da minha experiéncia mas , dentro do clrcuio dos çõ es desta espécie, na medida em que a arte e a religiåo
problemas com as quais minha consciência de senso co- são produtores endêmicos de de significaçăo. •
mum pode tratar. Tratarź da questão mas Cømp proble-
rna, e nao procurando simplesmente reinłegrá-la no setor Todos .os campos finitos de significaçăo caracterlzam-
não prob1emático da vida cotidiana. Se, entretanto, che- se por desviar a atençá o da realidade da vida contempo-
gar à conclusáo de que meus colegas enlouqueceram rã nea. Eitibora haja, está claro, deslocamenłos de ałen»
coletivamente o problema que se apresenta é entăo de ção denłro da vida cotidiana, o deslocamento para um
outra espécie. Acho-me agora em face de um problema campo íinito de sig»illcaçã o è de natureza muito maiø
que ultrapassa 0s limited da realidade da vida c0tidiana ,Radical, Produz-se uma radical transformaçã o na ien-
e indica uma realidade ínteirarnente diferente. Com efeito, sä o da consciëncia. No contexto da experiëncia reli-
a conclusão de que meus colegas eztlouquecerarn implica giosa isto jã Koi adequadamente chamado "trances". E'
iPso (auto que entraram num mundo que não é mais o importante, porém, acenłuar que a realidade da vida co-
mundo comum da vida cotidiana. tidiana conserva sua Situaçã o dominance mesmo quando
estes "transes" ocorrem. Se nada mais houvesse, a lin-
Comparadas à realidade da vlda cotídiana, as outra0 guagem seria suficien)e para nos assegurar sobre este
realidades aparecem como campos finitos de signłfica- ponto. A linguagem comum de .que disponho para a_
ção, enclaves dentro da realidade dominante marcada objełivaçao de mlnhas experiências funda-se na vida co-
port signiflcados e modos de experíència delimitado s. A
tiõiara e coxserva-se sempre apontando para ela mesmo
realidade dominance envolve-as por todos os lados, põ r quando a emprego para inÍerpretar experiëncias em cam-
pos delimiiados de significaçño. Por conseguinte, “des-
42
torço” tipicamente a realidade destes úJtimos logo assim
que começo a usar a linguagem cômum para interpretá- cido, bæeado nas seqttčncias temporais da nabireza, par
los, isto é, “łraduzo" as experiências não-pertencentes um Iado, e o tempo interior por outro lado, em suas
à vida cotidiana na realidade suprema da vida diária. diferen¢iaçóes acima mencionadas. Nunca pode haver
Isto pode ser łacilmente visto em termos de sonhos, mas complete simultaneldade entre estes vários nlveis de ten-
ć tambérn tlplco das pessoas que proruram relatar os poralidade, conforme nos indlca claramente a experiência
mundos ’de" sigrtificaç Âo teóricos, eśtéticos ou religiosos. da espera. Tanto men organisiiio quanto minha sociedade
O flsico teôrico diz-nos que seu conceito do espaço nåo tmpóem a mim e a meu tempo interior certas seqflencias
pode ser transmitido por zneios lingülstiC0s, UI COfTlO de acontecimentos que incluem a espera. Posso desejar
o arlista com relaç3o ao signllicado de snas CFI8ÇÕC5 tomar parte num acontecimento esportivo, rnas tenho de
e o mlstico com relação a seus encontros com a divín- esperar até que men jœlho niachucado se cure. Ou entăo
dade. Entretanto, todos estes — o sonhador, o fisïco, o devo esperar att que certos papéis sejam tramitados,
artista e o místico — tambćm vívem na realidade da para que minha inscriçao no acontecirnento possa ser ofi-
vlda cotidíana. Na verdade um de seus importantes pro- cialmenłe estabelecida. Vé-se łacilmenie que a estrutura
blemas é inłerpretar a cœxistència desta realidade con temporal da vida cotidiana é extremamente complexa, por-
os enclaves de realidade em que se aventuram. que os diferentes nfveis da temporalidade empiiicamente
presents devem ser continuamente correlacionados.
vida cotidiaaa é estruturado especial e A estrutura temporal da vida cotidiana coJoca-se em
temporaldntd A estrułura espacial tern pouca impor- fãCč de uma facticidade que tenho de levar em coxla,
tåncia em nossas atuais conslderaçoes. Basta indicar que
tern tambèrn uma dimensão social em virtude do fate - lsto É com a qual tenho de sincronízar meus próprios
da minha zona de manipulaçã o enlrar em conlacto com projetos. 0 tempo que encontro na realidade diária é
a dos outros. Lais imporłante para nossos propó silos continuo e finito. Toda minha existëncia neste mundo è
atuais é a estrutura temporal da vida cotidiana. continuamente ordenada pelo tempo dela, está de tato en-
Ò A temporalidade è uma propriedade intrlnseca da volvida por esse tempo. Minha própria vidą ć um episódio
Sconsciência. A corrente de conscítncia é sempre ordena-
da temporalmente. E' posslvel estabelecer diferenças en-
a corrente do tempo exiernaoiente convenciortal. 0 tem-
po já existia antes de meu nascimento e continuarà a
tre nlveis distintos desta temporalidade, uma vez que ezlstlr depois que morrer. 0 conhecimento de minha
nos á acesslvel intra-subjetivamente. Todo indivlduo tern «iorte inevitável torna este tempo finito para him. 5ó
. consciència do fluxo interior do tempo, que por suă òisponíio de certa quantidade de tempo para a realização
vez se funda gps ritmos fisiol6gicos do organismo, em- de meus projetos e o conhecimento deste fato afeta
bona ndo se identiłłque cont estes, Excaderia de muito minha atitude com relaçâo a estes projetos. Tambąm,
o $mbito destes prolegò menos entrar na análise deta- como mo desejo morrer, este conhecinent o injeta em
lhada desses niveis dă t8fRQOfã łidà de intra-subjetiva. meus projetos uma ansitdade subjacente. Assim, náo
Conforme indlcamos, porém, a lntersubjetividade na vi- posso repetir indefinidarrienfe minha participação em
da cotidiana fern também uma dlmenså o temporal. O acontecimentos esportivos. Sei que vou ficando vejho.
mundo da vida cotidiana tern ‘seu pró prio padrao do Pode mesmo acontecer que esta seja a ú ltima oportuni-
tempo, que é acessfvel intersubjetivamente. O tempo dade que tenho de participar desses acontecimentos.
padrão pode set compreendido como a infersecção entre Minha espera tornar-se-á ansiosa conforms o grau em
o tempo còsmico e seu calendário socialmente estabele- que a łinitude do tempo incidir sobre men projeło.
A mesrna estrutura temporal, como já foí indicado, ź tidiana7 Ainda aqui ë posslvel eslabelecer dilerenças en-
' eoercitiva. Nåo posso inverter à voniade as seqdëncias łre vá rios modos desta experiència.
imposłas por eta, “primeiro as primeiras coisas” é um D A mais importanie experlëncia dos outros ocorre na
elemento essencial de men conhecimento da vlda cotidiana. situaçă o de estar face à face com a outro, que é o caso
Assini, nã o posso prestar delerminado exarne ailtes de prototipico da interaçã o social. Todos os demais casos
ter cumprido certo programa educativo, nä o posso exercer derivani deste.
minha proflssão antes de prestar esse exame, e assim por Na situação face a face o outro é aprœndido par niim
diante. Também a niesma estrutura temporal fornece a num vlvido presents partilhado por nós dois. Sei que
historicidade que determine minha situação no mundo da no mesmo vlvido presents sou apreendido por ele. Meu
vida eotidiana. Nasci em certa data, entrei para a escola “aqui e agora" e o dele colidem continuamente um com
em oatra data, comecei a trabalhar conio prołlssional em o oufro enquanto dura a situaçã o face a face. Como
outra, etc. Estas datas contudo estã o todas "locallzadas" resultado, há um lntercãmbio continuo entre mlnha ex-
em uma histó ria muíto mais ampla e esła "Iocalizaç$o" pressividade e a dele. Vejo-o sorrir e logo a seguir rea-
tonfigura decisivamente minha situaçao. Assim, iiasci no gindo ao meu ało de fecîiar a cara parando de sorrir,
ano da grande bancarrota bancá ria em que men pai perdeu depois sorrindo de novo quando também en sorrlo, etc,
a łortuna, enłrei para a escola pouco antes da revoluçå o, Todas as minhas ex pressó es orientam-se na direçáo dele
comeeei a trabalhar pouco depois de irromper a Grande e vice-versa e esta continua reciprocidade de atos expres-
Guerra, ełc. A estrutura temporal da vida cotidiana nã o siv0S I simultaneanienłe acesstvel a nó s ambos. Isto sig-
somente impõ e seqü ëncias predełerminantes à mioha nifica que na situaçao faCe a tace a subjetividade do
"agenda" de um úrtićo dia mas impõe-se tambtm à nți- outro me é acess(vel rnediante o mã ximo de sìntomas.
ma biografia em totalidade. Dentro das coordenadas es- Certamenłe, posso lnterpretar errozieamente alguns desses
tabelecidas por esta estrutura temporal apreendo tanto sintomas. Posso pensar que o outro eslá sorrindo quando
a “agenda" diária quanto minha compJeta biografia. 0 de fato está sorrindo afetadamente. Contudo, nenhuma
relógio e a folhinha asseguram de fato que sou um oułra łorma . de re!acionamenło social pode reproduzir a
“fiomem do meu tempo”. Só nesta estrutura temporal é plenitude de sititomas da subjetividade presents na si-
que a vida cotidiana conserva para mim seu sinal de rea- tuação face a face. Somente aqui a subjetivldade do outro
lidade. Assim, em casos em que posso ficar “desorien- é expressivaniezite "próxi/na". Todas as outras formas
tado" por qualquer motivo (par exemplo, sofrí urn aci- de relacionamexto com a outro são, em graus variáveis,
deitte de automóvel em que fiquei inconsciente) sixto "remotas".
uma necessidade quase inslintiva de me “reorientar" den- Esta sihiação face a face o outro é plenamente real.
tro da estrutura temporal da vída cotidiana. Olho para o -rčă lidade é parłe ü ä "rèaIidade global da vlda co-
relógio e procuro Iembrar-me que dia é. Só por esses tidiana, e como tal maciça e irresistivel. m dúvida, o
ales retorno à realidade da vida cotidiana. outro pode ser real para mim sem que eu o tenha en-
contrato face a face, por exemplo de nome ou por me
corresponder com ele. Entrełanto, só se torna real para
mim no pleno sentido da palavra quando o encontro
2. A IÕITERAÇAO SOCIAL NA VfDA COTIDIANA
pessoalmente. De fato, pode-se afirmar que o outro na
realidade da vida coțid]ana é parłilhada cont outros. SİftlAÇĂO făCß ß tãCe é Mais real para mim que eu pró prio,
Mas, tlê’ què moão experiniento esses outìõs na vlda ’ćô - Evidenternente “conheço-rue melhor" do que posso jamais

46 ,’ 47
conhe‹e-¡o. u:nha subjetividade è acessłvel a mim de um '
rejeitar œ protestos de amizade do outro acreditando mo
modo em que a dele nunca poderå ser, por mais "pr6- reprœentarem realmente a atitude subjetiva dele com re-
xlma" que seja nossa relação. lieu passado me é aeesstveł laçăo a mim, sltnplesmerite porque np correspondência
na membria com uma plenitude em que nunca poderei
reconstruir o passado dele, por rnais que ele o relate a năo dísponho da presença imediata, contlnua e maCiça-
mente real de sua expressividade. Sem dúvida, è posslvei
mim. Mas este "melhor conhecirnento" de mím mcsrio
que interprete mal as intenções do outro mesmo na si-
exige reflexźo. Não é ímediatamente apreseritado a mim.
tuação face a face, assim como é posslvel que ele "hipo-
O outro, porém, d apresentado assim na situaçao face critamente" esconda suas ifttençöes. De qualquer modo,
a face. Por conseguinte, "aquilo que ele č" me é conti- a interpretaçáo errônea s a "hipocrisia" são mais ditlceis
nuamente acesslvel. Esta acessibllidade é ininterrupta e dc manter na interaçáo face a tace do que em formas
precede a reflexao. Por outro ìado, "aquilo que sou" menos "próxlmas" de relaç6es socíaís. ...
8ño è acesstvel assim. Para torná-lo acessfvel é preciso
que en pare, detenha a contłnua espontaneidade de tninha Por outro lado, apreendo o outro por meio de esque-
experiència e deliberadamenle volte a minha alençao rnas tiplficadores mesmo na siłuação face a tace, embora
estes esqiiemas sejam niais "vulneráveis" å interlerô ncia
sobre mim rnesmo. Ainda mais, esta, rełlexã o sobre mim dele do que em tormas "niais remotas" de interação.
mesmo é tipicamente ocasionada pela atiłude com relaçao Noutras palavras, embora seja relativamente diflcil (mpor
a mim que o oufro rnanifesta. E' tipicamente uma res- padrões rlgidos à interaçăo face a face, dcsde o inlclo
posta "de espelho" às atitudes do outro.
esta já é padronizada se ocorre deritro da rotina da vida
/Segue-se que as relaçóes com os outros na situaçăo cotidiana. (Podemos deíxar de parte para exame poste-
face a face são altamente flexfveís. Dlto de maneira ne-
gativa, ê relativamente dlfJci! impor padröes rlgidos à rior os casos de interaçâo entre pessoas completamente
estranhas que não têm uma base comum na vlda coti-
interação face a face. Sejam quais forem os padrbes que
diana). A reaJidade da vida colidiana contém esquemas
se introduza terão de .ser contlnuamente modificados dv tipiłicadores em teiinos dos quais os outros sã o apreen-
vido ao inłercãmbio exłremamenłe variado e sutil de
didos, sendo estabelecidos os modos como "lidamos" com
significados subjetivos que têm îugar. Por exemp1o, posso
olhar o outro corno alguém inerentemente hostil a mIm eyes nos encontros lace a face. Assim, apreendo o oulco
e agit para com ele de acordo con um padrå o de "re- como "homem", "europeu", "comprador", "tipo jovial",
taçò es hostls" tal como é enteridido por mirri. Na situa- etc. Todas estas tipiłicaçõ es ałetam conłinuamenle minha
çã o face a face poréni o outro pode enfrentai-me com interaçao com o outro, par exèmplo quando decido di- vertir-
atitudes e atos que contradizem esse padrâo, chegando are com ele na cidade antes de łentar vender-the meu
talvez a um ponto tal que me ve]a obrigado a abandonar produto. Nossa lnteração face a face serf modelada por
o padrão por ser inaplicfivel e considerar o oulro amiga- estas tipiticaçßes, pelo inenos enquanto não se tor- nam
velmente. Em outras palavras, o padrão nlo pode reslstir problemtticas por alguma interferćncia da parte dele,
à maclça demonstração da subjeiividade alheia de que Assim ele pode dar provas de que, apesar de ser um
tomo conhecimento na situaçao face a face. Em contras ’lomem“, "europeu" e "comprador", I tambêm um larisaico
posição, é muito mais fácil para mim ignorar essa de- morallsła e que aquilo que a princlpio parecia jovialidade é
monstração desde que nao encontre o outro face a face. realinente uina expressão de desprezo pelos americanoi em
Mesmo xuma relação de certo modo "próxima", como geral e pelos vendedores americanos em
a mantida por correspond4ncia, posso com mais sucesso particular. Nestć ponto, evideritemente, meu esquema hpi-
ficador terá que ser modificado e a programa da noite
planejado diferentemente de acordo c0m esta modiflca-
ção. has a não ser que haja esła objeção, as liplłlcnçoes dualizaçăo quando a interação’ face a face é um assunlo
sërã o mantidas até nova ordem e determinarão minhas do passado (meu amigo Xenry, a ing/es, que conheci
oes na situaçao. quando eu era estudante no co16gio) ou é de carźter su-
perłicial e transitório (o inglès com quern conversei
0s esquemas łipilicadores que entrant nas sltuaçò es pouco tempo num them), ou nunca teve lugar (rneus '
íace a face sã o naturałmente reclprocos. O outro lambèm C0fTt etidores comerciais na Inglaterra).
me apreende de uma maneira lipificada, como "homem",
"americano", "vendedor", um "caniarada insinuante", etc. importante aspeclo da experičricia dos outros na
As łipificaçò es do outro são IIo suscetiveis de sofrerem vida cotidiana é pois o caráter direto ou indireto dessa
interferëncias de minha parte como as minhas så o da experi4ncia. Ent qualquer tempo I possivel distínguir
pane dele. Em outras palavras, os dois esquemas tipiti- entre compartheiros com as quais tive uma atuação co-
cadores entram em contlnua "negociaçä o" na siłuaçá o mum em situaçöes face a face e outros que são meros
face a face. Na vida diã ria esta "negœiaçã o" provavel- contemporâneos, dos quais tenho lembranças mais ou
mente estará predeterminada de uma maneira tlpica, co- menos detalhadas, ou que conheço simplesmente de oi(iva,
mo no caracter lstico processo de barganha entre com- Nas situaçöes face a face tenho a evidência direta de
pradores e vendedores. Assim, na maior parte do tempo, nieu companheiro, de suas ações, atributos, etc. já o
mens encontros com os outros na vida cotldiana sä o mesmo Ïiao aconłece no cáso de contemporàneos, dos
ttplcos em duplo sentido, apreendo o outro como um tipo, quais tenho um conhecimento mais on menos digno de
e interatuo com ele numa situaçã o que é por si mesma .' confiança. Além disso, tenho de levar em conta mens
típica. semelhantes nas situaçó es face a face, enquanto posso
voltar mens pensamentos para staples conteinporlneos,
LEAs tipilicaçõ es da interaçä o social tornam-se progresi- ' mas não estou obrigado a isso. 0 anonimato cresce à
sivamenle anõ nimas à medida que se ałaslara da sl- medida que passo dos primeiros para os ú ltimos, porque
tuaçao tace a face. Toda tipificaçã o naturalmente acarreta o anonimato das łipiÎitações por meio das quais apreendo
uma ‘anonimidade inicial. Se tipificar meu amigo Henry
como membro da categoria X (por exemplo, como inglès),
os semeìhanłes nas situaçßes face a lace é constanteinente
"precncfiido" pela multiplicidade de vlvidos slntomas re-
interpreto Ï 0 /Œc/o pelo menos certos aspectos de sua ferextes a um ser humano concreto.
conduta como resultantes desta tlpificaçă o, assim, seus ,
gostos em matéria de comida săo tlpicos dos ingleses, Entretanto, isto não é tudo. Há evidentes diferenças
bem como snas rnaneiras, algumas de suas reaçoes emo- I em miníias experiências dos dimples contemporãneos.
cionais, etc. Isto iniplica, contudo, que tais caracterlsticas Alguns deles săo pessoas de quern texho repetidas ex-
e açôes de meu amigo Henry são atributos de quolquer periënclas em situações face a lace e que espero encon-
pessoá da categorla dos ing1eses, isto é, apreendo estes trar novamexte de modo regular (men amigo Henry) ;
aspecłos de seu ser em termos anô nimos. Enirełanto, logo outros săo pessoas de que me / /oóro como seres hu-
asslm que men amigo Henry se torna acessJvel a mim manos concretos que encontrei no passado (a loura ao
na plenltude da expressividade da sîtuaçao face a face, lado de quem passei na rua), mas o encontro foi rápido
ele romperá constantemente meu tipo de inglês an6nimo e, muito provavelmente, náo se repetirá. De outros ainda
e se manifestar6 como um indivíduo único e portanto sei que são seres humanos concretos, mas só posso
atlpico, corno seu amigo Henry. 0 anonimato do tipo é apreend6-los par meio de tipificações cruzadas maís ou
evidentemente menos suscepłivel a esta espécie de indivi- fnenos anônimas (meus competidores comerciais ïngleses,
a ratnha da Inglaterra). Entre estes últlmos é posslvel
50
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ainda distinguir entre prováveis conhecidos em situações Um ponto ainda deve ser indicado aqui, embora não
face a face (meus .competidores comerciais ingleies) e possamos desenvolve-lo. Minhas relações com os outros
conhecidos potenciais mas imprová veis (a rainha da In- não se limitam aos conhecidos e contemporâneos. Rela-
glaterra). ciona-me tambêm com os predecessores e sucessores,
grau de anonimato que caracteriza a experiência dos aqueles outros que me precederam e se seguirão a mim
outros na vida cotidiana depende contudo de outro fator na história geral de minha sociedade. Exceto aqueles
também. Vejo o jornaleiro da esquina tão regularmente que sâo companheiros passados (meu falecido amigo
Henry), relaciono-me com meus predecessores mediante
quanto vejo minha mulher. Mas ele é menos importante
para mim e náo tenho relações Íntimas cum ele. Pode tipificaç6es de todo anônimas, “meus antepassados eml-
ser relativartiente anónimo para cria. O grau de interesse grantes" e ainda mais os “Pais Fundadores". Meus su-
e o grau de intimidade podem combinar-se para aumentar cessores, por motivos compreensfveis, são tipificados de
ou diminuir o anonimato da experiência. Podem também maneira ainda mais anônima — os ”filhos de meus
influenciá-la independentemente. Posso ter relações bas- filhos” ou "as gerações futuras". Estas tipiticaçties são
tante fntirt\as com vários. membros de meu cluUe de tznis projeçóes substaneialmente vazias, quase completamente
e relações muito formais com meu patráo. Contudo, os destitufdas de conteúdo individualizado, ao passo que as
primeiros, embora de modo algum inteiramente an6ni- tipificaçóes dos predecessores tem ao /rienos algum con-
mos, podem fundir-se naquele "grupo da quadra” en- teúdo, embora de natureza grandemente mltica. O ano-
nimato de ambos estes conjuntos de tipificaçÕes nâo os
quanto o primeiro destaca-se como indivíduo único. E
finalmente o anonimato pode tornar-se quase total com impede, porêm, de entrarem como elementos na realidade
da vida cotidiana, às vezes de maneira muito decisiva,
certas tiplficaçaes úe não pretendem jamais tornarem-se
Afinal, posso sacriflcar minha vida por lealdade aos Pais
tipificaçaes, tais c mo o “típico leitor do Times de Lon-
Fundadores ou, no oieszno sentido, em favor das gerações
dres". Finalment , o "raio de açào" da tiplficaçao — futuras.
e com isso seu anonimato — pode ser ainda mais au-
mentado falando-se da “opinião pública inglesa”.
3. A LDíOUAOEM E 0 CONHECIMENTO
Õ\ realidade social da vida cotidiana. t .po ! nto apreen-
dida num continuo de tipificaçoes, que se vâo tornando NAVIDACOT1DIANA
progressivamente anônimas à medida que se "distanciarn
do "aqui e agora” da situação face a face. Em um pólo ezpressividade humana é capaz de objetivaçõ es, isto
é, manifesta-se em produtos da atividade humana gue
do contínuo estáo aqueles outros com ‘os quais tre-
estâo ao dispor tanto dos produtores quanto dos outros
qtlezite e intensamente entra em açâo recíproca em si-
homens, como elementos que szo de um mundo romum.
tuações face a face, meu “círculo interior”, por assim
Estas objetivaçóes servem de Índices mais ou menos du-
dizer. No outro pólo estão abstraçdes inteiramente anô- radouros dos processos subjetivos de seus produtores,
nimas, que por sua própria natureza nao podem nunca permitindo que se estendam altru da situação face a
ser achados em -uma interação face a face. A estrutura face gm que podem ser diretamente apreendidas. Por
social é a soma dessas tipifieaç6es e dos padrõ es re- exemplo, uma atitude subjetiva de cólera t dite1smente
correntes de interaçao estabelecidos por meio delas. Assim expressa na situação face a face por um certo número
i sendo, a estrutura social é um elemento essencial da de Índices corpóreos, fisionomia, postura geral do cor-
realidade da vida cotidiana. po, movimentos espec(ficos dos braços e dos pés, etc.
Estes indices estã o coritinuamente ao alcance da vista a face. Qualquer etnólogo ou arqueólogo pode facilmexte
xa situaçâ o face a face, č esta é precisamente a razã o dar testemuaho destas diticuldadcs, mas o próprio falo
pela qual me oferecem a situaçã o ó tima para ter ace5so de poder superá-las e reconstruir, partindo de um arte-
å subjetividade do oulro. 0s mesmos Indices sã o in- Nato, as întençóes subjetivas de homens cuja sociedade
' capazes de sobreviver ao presenłe nltido da situação pode ter sido extinta a mil8nios, é uma eloqüexte prova
do duradouro poder das objetiVaç@G humanas.
face a face. A có lera; porém, pode ser objełivada por
meio de uma arma. Suponhamos que łenha tido uma caso especial mas decisívamexte importante de
alleraçå o com outro homem, que me deu amplas provas obje)ivação é a signifieaçã o, isto é, a produçã o humana
expressivas de raiva contra mim. Esta noite acordo com de s.inais. Um sinal pode distinguir-se de outras objeti-
uma 4aca enterrada na parede eat cima de minha cama. gvaçò es por sua intençã o expllcita de servir de lndice de
“ A faca enquanto objeto exprimc a ira do meu adversźrio. signifitados subjetivos. Sent dú vida, todas as objełiva-
' Permits-me ter acesso â subjetividade dele, embora eu çoes sao susceptlveis de utilizaçã o como sinais, mesmo
estívesse dormindo quando ele lançou a faca e rtunca o quando não foram primitivamente produzidas com esta
tenha visto. porque fugiu depois de quase ter-me atixgi- intençáo. Por exemplo, uma arma pode ter sido origina-
do. Com efeito, se deixar o objeto onde está posso vg- lo riamente produzida para o finn de caçar animals, mas
de novo xa manhã seguinte e novamexte exprinie para pode em seguida (por exemplo, num uso cerimonial)
mim a cólera do homem que a lançou. Lais ainda, outras tornar-se sinal de agressividade e violência em geral. has
pessoas podem vir e olhar a faca, chegando à mesma há certas ö bjelivaçõ es originá rias e expressamente des-
conclusão. Noułras palavras, a laca em minha parede tinadas a servir cortio sinais. Por exeniplo, em vez de
tornou-se um constituinte objetivamenłe acesslvel da rea- lançar a íaca contra mim (alo que presurnivelmente łi-
lidade que partilho com meu adversá rio e com outros nha por intençã o matar-me, mas que concebivelrnente
homens. Presuxiivelmente esta faca nâ o foi produzida pode ter tido por inłençao apenas significar essa possi-
COn1 a propó sito exclusivo de ser lançada em mim. Mas bilidade), meu adversărío poderia ter pintado um X negro
exprime uma intençâ o subjetiva de violêncía, quer moti- em minha porta, sïnal, admitamos, de estarmos agora
vada pela cólera quer por considerações utilitárias, como oficialrnente em estado de inimizade. Esłe sinal, cuja
małar um animal para comë-lo. A faca, enquanto objeł0 tinalidade náo vai alèm de indİCar a intenção Subjetiva
do mundo real, continue a exprimir uma intençã o geral de quem o few, é também objetivarnente exeqü ível na
de cometcr violêncla, o que é reconhecłvel por qualquer realidade comum de que tal pessoa e eu partilhamoi jun-
peisoa conhecedora do que é uma arma. Por conseguinle, tamenłe com outros honiens. Reconheço a intençã o que
a arma é ao mesnio tempo um produto hurnano e unia indica, e o rnesnio acontece com os outros homens, e
objetivaçă o da subjetivaçâ o humana. core efeito é acesslvel ao seu piodutor como “lembrete”
objetivo de sua intenção original ao fazê-to. Pelo que
’de A objetivaçõ
realidade es;
da vida cotidiana
ś somenłe hã o é cheia
possfvel unicarnente
por causa delas. acabaoios de dizer fica claro que h1 grande imprecisã o

Estoii constantemente envolvldo por objetos que "procla- entre o uso instrumental e o uso signifïcafivo de certas
mam“ as lntençò es subjetivas de mens semelhantes, em- objetivaç0es. O cas0 especial da magia, em que hà uma
bora possa à s vezes ter difitu!dade de saber ao certo fusâo muito interessante desses dois usos, năo precÏsa
o que um objeto particular está “proclamando”, espe- ser objeto de nosso ›nteresse neste momento.
cia)mente se foi produzido por homens que nåo conheci
bem, on mesmo nä o conheci de todo, em sittiaçã o face
ÿ Š 0s sinais agrupam-se em um certo nú mero de sisłe-
mas. Asiim, hä sistemas de sinais gesticulató rios, de mo-
54
55
vioteatos corporais padronizados, de vários conjuntos de
artefatos materiais, etc. Os sinais e os sistemas de sinais cotidiana sâo mantidas primordialmente pela significação
são objetivaçóes, no sentido de serem objttivamente aces- Iin@Istica. A vida cotidiana é sobretudo a vida com a
síveis além da expressão de intenções subjetivas “aqui é linguagem, e por meio dela, de que participo com meus
agora”. Esta “capacidade de se destacar” das expressões semelhantes. A compreensão da linguagem t por isso
-' -- : imediatas da subjetividade tambtm pertence aos sinais essencial para minha compreensão da realidade da vida
que requerem a presença mediatizante do corpo. Assim, cotidiana.
executar uma dança que significa intençã o agressiva é ÇA linguagem ten origem na situação face a face, mas
coisa completamente diferente de dar berros ou cerrar pode ser facilmente destacada desta. Isto não á somente
os punhos num acesso de có lera. EsteS ú ltimos atos ex- põ rque posso gritar no escuro ou à distância, talar pelo
prlrnem itiinha subjetividade “aqui e agora”, enquanto telefone ou pelo rádio ou transmitir um significado lin-
os primeiros podem ser Inteiramente destacados desta güística por meio da escrita (esta constitui, por assim
subjetividade, posso não esiar de lodo zangado ou agres- dizer, \im sistema de sinais de segundo grau). O desta-
sivo até este ponto mas simplesmente tomando parte oa camento da linguagem consiste muito mais fundamental-
dança porqt:e me pagam para fazer isso por conta de mente em sua capacidade de comunicar significados que
uma outra pessoa que estó encolerizada. Em outras pa- não são expressões diretas da subjetividade “aqui e
avras, a dança pode ser destacada da subjetividade do agora”. Participa desta capacidade justamente com ou-
dançarino, ao passo que os berros do indiú fduo nó o po- tros sistemas de sinais, mas sua imensa variedade e
dem. Tanto a dança como o tom desabrido da voz sao complexidade tornam-no muito mais facilmente destacável
manifestaçõ es de expressividade corporal, mas somente da situação face a face do que qualquer outro (por
a primeira tem cará ter de sinat objetivamente acessível. cxemplo, um sistema de gestos). Posso falar de inume-..
Os sinais e os sistemas de sinais sã o tod0s caraCt6çizajl0s ráveis assuntos que não estão de modo algum presentes
pelo “desprendimento”, mas não poderei sêr ‘diferenciados na situação face a face, Inclusive assuntos dos quais
ent termos do grau em que se podem desprender. ..éa¿s '' nunca tive, nem terei, experiência direta. Deste modo, a
, situações face a face. Assim, uma dança é evidentemente linguagem é capaz de se tornar o repositório objetivo
menos destacada do que um artefato material que sig- üé” ”vastas acumulaçóes de significados e experiências,
nifique a mesma intençã o subjetiva. que pode então preservar no tempo e transmitir às gera-
b› linguagem, que pode ser aqui definida como sistema ções seguintes.
Na situaçã o face a face a linguagem possui uma qua-
de sinais vocais, é o mais importanie sisiema de sinais lidade inerente de reciprocidade que a disiingue de qual-
da sociedade humana. Seu fundamento, naturalmente, quer outro sistema de sinais. A continua produçã o de
encontra-se na capacidade intrínseca do organismo hu- sinais vocais na conversa pode ser sincronlzada de modo
mano de expressivldade vocal, nas só podemos começar senslve) com as intençõ es subjetivas em curso dos parti-
a falar de linguagem quando as expressões vocais toma- cipantes da conversa. Falo como penso e o mesmo faz
ram-se capazes de se destacarem dqs estados subjetivos meu Interlocutor na conversa. Ambos ouvimos o que ca-
imediatos “aqui e agora”. Nã o é ainda linguagem se da qual diz virtualmente no mesmo Instante, o que torna
rosno, grunho, uivo ou assobio, embora estas ezpressóes posslvel o contínuo, sincronizado e reclproco acessp à s
vocais sejam capazes de se tornarem )iiigülsticas, na me- nossas duas subjelividades, uma aproximaçã o intersub-
dida em que se ”integram em um sistema de sinais oô- jetiva na situaçã o face a face que nenhum outro sistema
”, jetivamente praticável. As objetivaçóes comuns da vida de sinais pode reproduzir. Ciais ainda, ouço a mim mesmo
à medida que falo. Meus g¢ópti0S Significądos subj0tivos me a entrar em seus padröes. Nâo posso usar as re-
tornam-se objetiva e continuamente alcançáveis par mim gras da sintaxe alemã quando łalo inglës. Não posso
e”ipso /drfo passam a ser “mais reais" para mim. Outra usar palavras inventadas por meu filho de tr4s anos de
maneira de dizer a mesma coisa ć iembrar o que foi idade se quiser me cornunicar com pessoas de (ora da
dit0 ãntes sobre men "melfior conhecimento"do outro, lamllia. Tenho de levar em consideraçã o os padró es do-
em ¢ornparação corn o conhecimento de mim mesmo na mlnantes da fala correła nas vá rias ocasió es, mesmo se
siżuação face a face. Este fa to pafadoxal preferisse mens padrò es "imprbprioi" privados. A lin-
aparentemente
foi anteriormente explicado pela acessibilidade rnaciça, guagem me łornece a imediała possibilidade de ćontlnua
conłirtua e pré-reflexiva do ser do outro na situaçăo objetivațäo de minha experiência em desenvolvimento.
face a face, comparada com a exig4ncia de rellexão para Em outras palavras, a linguagem é ł lexivelmenle expan-
alcaftçar meu próprio ser. Ora, ao ob]etivar meu prõ prio siva, de modo que me permiłe obJetivar um grande nú -
Sefi Q0r mcio da linguagem men próprio ser torna-se níero de experiènclas que encontro em men caminho no
niaciça e continuamente acessível a mim, ao mesmo tempo curso da vida. A linguagem também tipifica as experiżn-
que se torna assim alcançável p° outro› e posso espon- cias, permitindo-me agrupá-las em amp)as całegorias,
taneamente reiponder a esse 59r sem a "interrupção" da cm termos das quais tern senłido nã o somente para mim
retlexäo deliberada. Pode dizer-Se por conseguinte que mas também para meus semelhantes. Ao mesmo tempo
a linguageni íźt2 “mais real" minha subjetividade nao ’em que iipifica também torna an6nimas as experièncias,
somente para meu interlocutor mas também para mim pois as experiëncias łipiłicadas podem em princlpio ser
mesmo. Esta capacldade da linguagem de crista]izar e repetidas por qualquer pessoa incluida na całegoria em
estabilizar Para mim minha própria subjelividade ń con- questão. Por exernplo, tenho um briga corn minha sogra.
servada (embora com modificaçaes) quando a linguagem Esta experiëncia concreta e subJetivamente ú nica tipifica-
Se destaC8 da situação face a face. Esta caracterfsti¢a se lingolsticamente sob a categoria de "aborrecimento com
muito ïmportartte da linguagem è bem ritratada no ditado minha sogra”. Nesta tipificaçã o Íem sentido para mim,
que diz deverem os homens falarem de si mesmos até se para os outros e presumivelmente para minha sogra. A
conhecerem a st mesmos. mesma tipilicaçã o, porém, acarreta o anonimało. Não
encontra sua referexcia apenas en rnas qualquer um (mais exatamente, qualquer
pïimária na vjda cotídiana, referindo-se sobretudo”à rea- um na categoria dos genroã ) pode ter ”aborrecimentos
lidădè que experimento na COßSCiênCia em estado de vi- com a sogra”. Desta maneira, minhas experičncíæ bio-
gilia, que é dornìnadá ”por motÏVos pragniźticoș (istó s,” O grátícas estão sendo continuarnente reunidas em ordens
aglomerado de slgnificados diretamertte referentes a açoes gerais de slgrtlficados, objetíva e subjctivamente reais.
presentes on futuras) eg que partilho com outros de uma Devido a esta capacidade de transcended o “aqui e
uposta evidentèî -Embora a "ł čnguagem pośsa agora", a linguagem estabelece pontes entre dilerenles
tamb€m ser empregada’ pàra ref erir a outras realłda- zonas denłro da realidade da vida cotidiana e as Integra
se
des, a que será discutído a seguir dentro em breve, con- em uma totalidade dotada de sentido. As transcendëncias
rya mesmo assim Seu arraigamen to na realidade do tèm dimensõ es espaciais, temporais e sociais. Por melo
senso comum aa vida diáríă. Sendo um sisłema de sinip da linguagem posso transcender o hiato entre minha
'
a linguagem tern a qUaiidadè da objetividade. Encontro á rea de atuaçã o e a do oułro, posso sincronizar minha
a linguageni coiu”o uma fa¢ticidade externa a mim, exef- seqütncia biográfica temporal com a dele, e posso con-
cendo efeitos” ćòercitivos sobre mim. A Iinguagem- fòrça- .versar com e1e a respeito de lndîviduos e coletividades
cont os quais não estamos agora em interaçã o face a e a inaneira lingûlstica pela qual se realiza esta transcend
face. Como re tado deštas iränsrendćncias, a lingua- dáncia pode ser chamada de linguagcm si«bólica. Ao.
gem ó çapaz de "tornar ‘presente" û ń ia graiídë variedade rilvel do simbolismo, por conseguinte, a significaçã0
c
de objełos que estao espacial, temporal e soćlä l¡îîente güfstica alcança o máximo desprendimento do aqu
ausentes do "aqui e agora". Ipso facto uma vasta acu- agora” da vida cołidiana e a linguagem eleva-se a re-
mulação de experiências e sígxificaçôes podem ser ob-
gióts With 5Â0 inacessíveis, não somertte de /«cto »
jetivadas no "aqui e agora". Dito de maneira dimples, também o priori, à experiência coiidiaøa. A linguagcm
por meio da linguagem um mundo inteiro pode ser alua- constrói, entao, imensos ediflcios de represefltação sim-
lizado em qualquer momento. Este poder que a lingua-
b6łica que pareeem elevar-se sobre a røalidade da vida
gem łem de łrar¡Scender e integrar conserva-se mesmo cotidiana como gigarttesCas presenças de um outro mundo.
quando não estou realmente conversando com outra pes- Á religião, a tilosofia, a arte e a cičncia săo as sistemas
soa. À łediante a objetivaçã o lingdlstita, mesmo quando de símbolos historicamente rnais importantes deste gc‘-
estou "lalando comigo mesmo" no pensamento solitã rio, nero. A simples menção destes temas já representa dizer
um mundo inteiro pode apresentar-se a mim a qualquer que, apesar do n áxjn 0 desprenąimen(O d CXpčrİLrttİa
momento. No que diz respeito às relaçaes sociais a Iin- c”otidiana que a construçăo desses sislemas requer, podem
guag«m "torna presents" a mim não somente os seme- ter na verdade grande importdncia para a realidade da
Jhantes que est8o fisicamente auseotes mo momento, mas úida cotidiana. A linguagem I capaz nâo somente de
indivlduos no passado relembrado ou reconstitufdo, assim construir slmbolos alłamente abstraídos da experiêACla
como outros projetados como figuras imaginárias no fu- diária mas tambćm de "fazer retornar" estes símboloś,
turo. Todas estas "preseziças" podem ser altamente do- apresentando-os como elementos objetivamenłe reais na
:’ tadas de sentido, evidentemenłe, na continua realidade vida cõ tidiana, Desta madeira, o sirnboìismo e a lingua-
a vida cotidiara. gem simbó lica łornani-se componentes essenciais da rea-
Ainda mais, a linguagem ć capaz de łransrender com- lidade da vida cołidiana e da apreensâo pelo SčfiSo CŒ
pletamenle a realldade da vida cotidiana. Pode referir-se
mum desta realidade. Vivo em um mundo de is e
a experitnclas pertencentes a åreas łimitadas de signífi- sIr»hoJos Ipdos os dias.
caçâo e ,abarcar esferas da realidade separadas. Por ĄJ linguagem consłròi campos semdnticos on xonas de
exemp(o, posso interpretar o signiticado” de urrt sonho significação lingüisticamente circunscrifas. 0 vocabulário,
izttegrando-o lingüisłicamente na ordem da vida cotldíana. a gramática e a sintaxe estão engrenadas na organização
Esta integraçâo transpöe a di*tinta realidade do sonho desses campos semânticos. Åssim, a linguagtm COLISfFdİ
para a realidade da vlda c0tidiana, tornando-a sum en- esquemas de classíficação para diferenciar as objetos em
clave dentro desia última. O sonho fica agora doîado de "genero" (coisa muito diferente do sexo, está claro) ou
seritido em termos da realidade da vida cotidiana em vez em núniero; formas pafa realizar enunciados da ação
de ser entendido em termos de sua própria realidadc 80
particular. 0s enclaves produzidos por esta transposiçăo
pertexcem em czrto sentido a ambas as esferas da rca-
lidade. Estdo "localizados" em uma realidade mas “re-
l ferem-Se” ü Outrü.
ualquer łema significativo que abrange assim -esíy-
ras da realidade pode ser defin›do como um sfmbolo
por oposição a enunciados do ser; modos de indicai graus de intimidade social, etc. Por exemplo, nas
lixguas que distinguen› o discursu fnłimo do formal por melo de pronomes, (tais como tu e Maus em
frances, ou d’zt e Sie em alemã o) esta distinçlo marca as coordenadas de um campo semántico que poderia
chamar-se zona de inłimi-
dade. Situa-se aqui o mundo do fJ/oi/ment ou da Bru-

derschaft, com uma rica coleção de significados que me
são continuamente aproveitáveis para a ordenaçã o de diferentes. Como posso s«r pobre se uso sapatos e não
minha experiência social. Um campo semântica desta es- pareço estar passando fome†
pécie também existe, está ciaro, para o falante do ixgl2s, Ü Sendo a vida cotidiana dominada por motivos prag-
embora seja mais circunscrito lín@isticamente. Ou, para máticos, o conhecimento rejeitado, isto é, o conhecimento
” dar outro exemplo, a soma das objetivaçóes lingüísticas limitado à Cornpelencia pragmàtica em desempenhos de
referentes à minha ocupação constitui outro campo se- rotina, ocupa lugar eminente no atervo sotial do conhe-
màntico que ordena de maneira significativa todos os cimento. Por exemplo, uso o telefone todos os días para
acontecimentos de rotipa que encontro em meu trabalho
bTO,}2ósitos pragmáticos específicos. Sei como tazer
diário. Nos campos semârtticos assim construídos a ex- ISSO. Tambêm sei o que fazer se meu telefone não Jun-
periência, tanto biográfíca quaxto histórica, pode ser ob- cioxa, mas isto não significa que saiba consertá-lo, e
”etivada, conservada e acumulada. A acumulaçã o, está
sino que sei para quem deyo apelar pedindo assistência.
Meu conhecimento do telefone inclui também uma infor-
claro, é seletiva, pois os campos semanticos determinam mação mais ampla sobre o sistema de comunicação tele-
aquilo que será retido e o que serà "esquecido", como t0nica; por exemplo, sei que algumas pessoas têm nú-
partes da experiência total do indivíduo e da sociedade.
meros que não constam do catálogo, que em cerlas cir-
Era virtude desta acumulação constitui-se um acervo so-
cunstâncias especiais posso obter uma ligação simultânea
cial de conhecimento que é transmitido de uma geração com duas pessoas na rede interurbana, que devo contar
a outra e utilizável pelo indivíduo na vida cotidiana. com a diferença de tempo se quero falar com alguém
Vivo no murldo do senso comurri da vida cotidiana equi- em Hongkong, e assim por diante. Todo este conheci-
pado com corpos específicos de conhecimento. totais ain- mento telei8nico é um conhecimento receitado, uma vez
da, sei que outros partilhar, ao menos em parte, deste que nã o se refere a nadã fflã ÍS SP hAO à Quilo que tenho
conhecimento, e eles sabem que eu sei disso. linha in- de saber para meus propó sitos pragmáticos presentes e
teração com os outros na vida có tidiana é por conse- possíveis no íuturo. Não me interessa saber por que o
guinte constantemente afetada por nossa participaçã o co- telefone opera dessa maneira, no enorme corpo de co-
mum no acervo social dispon(vel do conhecimento. nhecimento científico e de engenharia que torna possivel
O acervo social do conhecimento inclui o conhecimento a construçã o dos telefones. Tampouco me in)eressa os
usos do telefone que estã o fora de meus propó sitos,
de minha situaçã o e de seus limites. Por exemplo, sei
que sou pobre, que por conseguinte não posso esperar por exemplo, a combinação com as ondas curtas do
viver num bairro elegante, Este conhecimento, está claro, rádio para fins de comunicação marítima. Igualmente,
é partilhado tanto por aqueles que sho também pobres tertho um conhecimento de receita do funcionamento das
relaçócs humanas. Por exemplo, sei o que devo fazer
quanto por aqueles que se acham em situaçã o mais pri-
para requerer um passaporte. Só me interessa obter o
vilegiada. A participaçã o no acervo social do conheci-
passaporte ao final de um certo periodo de espera. Não
mento permite assim a "locaIizaSao" dos indivíduos na
me interessa nem sei como meu requerimento é pro-
sociedade e o "manejo" deles de maneira apropriada.
cessado nas repartições do governo, por quem e depois de
lsto nã o é possível para quem não participa desle co-
que trâmites t dada a aprovação que põe o carimbo no
nhecimento, tal como o estrangeiro, que não pode abso-
documento. Não estou fazendo um estudo da burocracia
lutamente me reconhecer como pobre talvez porque os
governamental, apenas desejo passar um período de ft-
critérios de pobreza em sua sociedade sejam inieiramente
rias no estrangeiro. Meu interesse nos trabalhos ocultos
62
’do processo de obtençã o do passaporte só serã desper- mim como um lodo integrado, o capital social do co-
tado se deixar de conseguir tneu passaporte no final. nhecímento fornece-me também os meios de integrar
Nesse ponio, do mesmo modo como chamo a ielefonista elementos descontínuos de meu pr6prio conhecimento.
de auxílio quando meu telefone está com defeito, chamo Em outras 9ãlAVfiãS, "aquilo que todo mundo sabe" tem
um perito em obtençã o de passaportes, digairios um ad- sua pró pria ló gica e a mesma ló gica pode ser aplicada
vogado, ou a pessoa que mê representa no Congresso, pafa o.rdenar vá rias coisas que eu sei. Por exemplo,
ou a Uniã o Americana das Llberdades Civls. fnfafis sei que meu amigo Henry é ingl4s e que é sempre muito
tnulandis uma grande parte do acervo cultural do co- pontual em chegar aos encontros marcados. Como ”todo
nhecimento consiste em receitas para atender a proble- mundo sabe" que a ponfualidadB é uma característica
mas de rotina. Tipicamente teníio pouco interesse em inglesa, posso agora integrar estes dois elementos de meu
ir a1tm deste conhecimento pragmaficamente rtecessáflo, conhecimento de Henry em uma tipificaçlo dotada de
desde que os problemas possam na verdade ser domlna- sentido em ternos do Gabedal social do conhecimento.
dos por este meio. JA validade de meu conhecimento da vida cotidiana 4
cabedal social de conhecimento diferencia a reali- supbsta certa P ^ +'< e pelos outros até nova ordem,
dade por graus de famillarldade. Fornece informação Isto é, até Surgir um problema que não pode ser resol-
Complexa e detalhada referente Aqueles setores da vida vido nos termos por eJa oferecidos. Enquanto meu co-
diária com "que len" o freqüentementp de trafar. Fornece nhecimento funciona satisfatoriamente em geral estou
uma informação muito mais geral e imprecisa sobre se- disposto a suspender qualquer dú vida a rese•lt£t dele.
tores mais rerriotos. Assim, meu conhecimento de minha Em cerfas atitudes destacadas da realidade cotidiana
própria ocupação e seu mundo ê muito rJco e específico, C0ntar uma piada no teatro ou na igreja ou empenhar- me
enquanto tertho somente um conhecimexfo muito incom- numa especulação filosó fica — posso talvez pô r erti dú -
pleto dos muxdos do trabalho dos, outros. O estoque so- vida aigtzns elementos dela. das estas dú vidas “nã o sã o
cia) do conhecimento fornece-me além disso os esquemas para ser levadas a sério". Por exemplo, como homem
tipificadores exigidos para as principais rotinas da vida de negó cios ser que vale a pena ser indellcado com os
cotidiana, nâo somente as tipificaçdes dos oufros, que OI4tfOS. POSSO Dir de uma pilfiéria na qual esta máxima
foram anteriormente discutidas, mas ’também tipificaçóes lflv8 à ÍalÊnCÍâ, posso Ser movido por QJ amor pQ u{jy
de todas as espécies de acontecimentos e experiências, pregador exaliando as virtudes da consideraçã o, e posso
tanto sociaJs quanto naturais. Assim, vivo em um mundo retoníiecer› em um estado de espírito ÍÍlOSÓfiCO, Qui IO-
de parentes, colegas de trabalho e funcionários públicos das as relaçõ es sociais deveriam ser goveroadas pela
identificáveis. Neste mundo, por conseguinte, experimento Regra de Ouro. Tendo rido, tendo sido movido e fito-
reuniões familiares, encontros profissionais e relações solado, retorno ao mundo "sério" dos negócios, reco-
com a polJcia de trânsito. O "pano de fuxdo" natural nlieço uma vez mais a ló gica das má ximas que lfie dizem
desses acontecimentos é também tiplficado no acervo de respeito e atuo de acordo com elas. Somente quando
conhecimentos. Meu mundo é estruturado em termos de minhü s máximas faiham erh "cumprir o prometido" no
rotina que se aplicam no bom ou no mau tefnpo, na mundo em que sã o destinadas a serem aplicadas, podem
esÍasao da tebre do feno e em situaçõ es nas quais um provavelmente tof narem-se problemáticas para mim "a
cisco entra debaixo de minha pá lpebra. "Sei q«e fazer"
com relaçao a todos estes outros e a todos esses aconte- mbora o estoque SOCÍal do tonhecimen lo represente
cimentos de minha vida cotidiana. J\presextazidase a o mundo cotidiano de mansir integrada, diferenciado

65
de - acordo com zonas de Jamiliaridade e atastamento, ações, ou de que os católicos estão modernizando sua
delxa opaca a totalidade desse mundo. Noutras ’paIa- doutrina se sou ateu, ou que t possivel agora voar sem
viasi ”à redlidade da vida cotidiana sempre aparece como escalas até a Á trica se nã o desejo ir lá . Contudo, minhas
! uma zona clara atrás da qual há um tando de obscu- estruturas de convenitncias cruzam as estruturas de con-
ridade. Assim como certas zonas da realidade sao ilumi- veníências dos outros em muitos pontos, dando em re-
nadas outras permanecem na sombra. Não posso conhe- sultado termos coisas "interessantes" a dizemos uns aos
cer tudo que há para conhecer a respeito desta reali- outros. Um elemento importante de meu conhecimento da
dade. Mesmo se, por exemplo, sou aparentemente um vida cotidiana t õ conhecimento das estruturas que têm
déspota onipotenle em minha tamllia, e sei disso, nã o importâ ncia para os Outros. Assim, "sei o que tenho de
posso conhecer todos os fatores que entram no contínuo ntelhor a fazer" do que falar ao meu médico sobre meus
sucesso de meu despotlsnio. Sel que minhas ordens são problemas de Investlmentos, ao meu advogado sobre ml-
sempre obedecidas, mas ná o posso ter certeza de todas nhas dores causadas por uma ú lcera, ou ao meu conta-
as fases e de todos os motivos situados extre a expedi- bilista a respeito de minha procura da verdade rellgiosa.
çã o e a execuçã o de nilnhas ordens. Há sempre coisas As estruturas q»e iio ioporilncia bá sica referentes à
que se passam "por trã s de mim". Isto é verdade a Vidã COlidiana sao apresentadas a ruim já prontas pelo,
fortiori quando se trata de relaç6es sociais mais com- e..stoque • ‹al do pró prio conhecimento. Sei que â "COft-
plexas que as da tarnllia, e explica, diga-se de passa- versa das mulheres" nã o tem importâ ncia para mim como
gem, por que os déspotas são endeniicamente ner vosos. homem, que a “especulaçã o ociosa é irrelevante para
deu conhecimento da vida cotidiana tem a qualidade mim como homem de açâo, etc. Finalmente, o acervo
de um instrumento que abre caminho através de uma social do conhecimento em totalidade tem sua pró pria
floresta e enquanto faz isso projeta um estreito cone estrutura de importância. Assim, em termos do estoque
de luz sobre aquilo que está situado logo adiante e de conhecimento objetlvado na sociedade americana nâ o
imediatamente ao redor, enquanto em todos os lados do tem importância estudar o movimento das estrelas para
camiíiho continua a haver escuridão. Esta imagem é predizer o movimento da bolsa de valores, mas tem im-
ainda mais adequada, evidentemente, à s mú ltiplas reali- portância estudar os "lapsus línguas“ de um individuo
dades nas quais a vida cotidiana é continuamente trans- para descobrir coisa sobre Sua vida sexual, e assim por
vendida. Esta ú ltima afirmação pode ser paratraseada, diante. Inversamente, em outras sociedades a astrologla
poeticamente mesmo quando nao exaustivamente, dizen- pode ter considerá vel importâ ncia para a economia, en-
do que a realidade da Yida, cotidiana é toldada pela quanto a análise dâ linguagem é de lodo sem significação
penumbra de nossos sonhos. para a curiosidade eró tica, etc.
Ü Meu conhecimento da vida cotidiana estrutura-se em Seria conveniente assinalar aqui uma questão final a
termos de conveniências. Meus interesses pragmàticos respeito da distribuição social do conhecimento. Encontro
iitiediatos determinam algumas destas, enquanto outras o conhecimento xa vida cotidiana socialfxente distribuído,
soo delerıninadas por minha situaç$o geral na sociedade. isto é, possuído dlferentemtnte por diversos indivíduos
E’ coisa que nã o tem importâ ncia para mim saber como e tipos de indivíduos. Não partilho meu conhecimento
minha mulher se arranja para cozinhar meu ensopado igualmente com todos os meus semelhantes e pode haver
preferido, enquanto este for feito da maneira que me alguM Conhecimento que ná o partllho com ninguém.
agrada. Nã o tem importâ ncia para mim o lato das açõ es Compartilho minha capacidade profissional C0fTt 0S C0-
de uma companhia estarem caindo se nao possuo tais legas, mas não com minha família, e não posso partilhar

66 67
com ninguém meu conhecimento do modo de trapacear
no jogo, A distribuiçã o social do conhecimento de certos
elementos da realidade cotidiana pode iornar-se alta-
mente complexa e mesmo confusa para os estranhos.
Não somente não possuo o conhecimento supostamente
exigido para eie curar de uma enfermidade física ruas
posso mesmo não ter o conhecimento de qual seja, dentre
a estonteante variedade de especialidades médicas, aquela
que pretende ter o direito sobre o que me deve curar.
Em tais casos não apenas peço o conselho de especia- A Sociedade como Realidade
listas nas o conselho anterior de especialistas em espe-
cialtstas. A distribuição social do conhecimento começa
Objetiva
assim com o simples fato de não conhecer tudo que ê
conhecido por meus semelhantes, e vice-versa, e culmina
em sistemas de perfcia extraordinariamente complexos
e esotéricos. O conhecimento do modo caixa o estoque a) 0rgan8aio e atividade
disponível do conhecimento é distribuído, pelo menos em
suas linhas gerais, é um importante elemento deste pró- O ztOMEM OCUPA U/•tA POCIÇ7O PeCULtAR i i0 RzlNO
prio estoque de conhecimento. Na vida cotidiana sei, ao animal. ’ Ao contrário dos outros mamíferos superiores
menos grosseiramente, o que posso esconder de cada n8o possui um amôiexte especifico da espécie, um am-
pessoa, a quem posso recorrer para pedir Informações biente firmemente estruturado por sua própria organiza-
sobre aquilo que nâo conheço e geralmente quais os ção Instintíva. H8o existe um mundo do homem no sen-
tipos de conhecimento que se supóe serem possuidor por tido em que se pode falar de um muxdo do cachorro
determinados indivíduos. ou de um muitdo do cavalo. Apesar de uma área de
aprendizagem e acumulação individuais, o cachorro ou o
cavalo individuais tém uma relação em grande parte
fixa com seu ambiente, do qual participa com todos os
outros membros da respectiva espécie. Uma conseql en-
cia 6bvia deste tato é que os cachorros e os cavalos, em
comparação com o ftomem, sâo muito mais restritos a
uma distribuição geográfica especifica. A especlticldade
!i
blológ
¢‘. jck«> (J3am•
burgo, Row0hit,” t9S6) ; B t ülj k.
RowohIt und doc neuc 6ffy com Ncnt¢han
t996). As mais Imporiontee de ela e pera•

i ri o u int zn mpeIogla
atgdec Or onfzclzn rnd
)940 e 1950). Fol O¢hlcn que levou adlan
mm de Helrnu h

de tinta teoria e0clológlca das lastljulçdes


und 1956). Para uma Introdução c cett 0I\Imo, c/. Peter L.
H ansÊrltd Kcllnet, ”A rno[d Oel\ltn and the Tgcory of lnstItutl0ne^,
° O
do ambiente desses animais, porém, é muito mais do
que uma delimitação geográfica. Retere- se ao caráter bio- vel dizer que o periodo felal no ser humano estende-se
por todo o primeiro ano apó s o nascimento. ' Impor-
logicamente fixo de sua relaçao com o ambiente, mesmo tantes desenvolvimentos orgâ nicos que no animal se
se for introduzida urna variação geográfica. Neste sen- completam no corpo da mã e efetuam-se no lactente hu-
tido; todos os animais não humanos, enquanto espécies mano depois que se separa do ú tero. Nessa ocasiã o,
e enquanto indivíduos, vivem em mundos fechados, Cujas porém, a criança humana nã o somente está no mundo
estruturas são predeterininadas pelo equipamento bioló - exterior ruas se inter-relacioha com este por muitos mo-
gico das diversas espécies animais. dos cotripÍexos.
Em contraste, a relação do homem com seu afnbieflte O organismo humano, por conseguinte, está ainda de-
caracteriza-se pela abertura para o mundo. ' O ftomem senvolvendo-se bioIog(camente quando já se acha em re-
náo sornente conseguiu estabelecer-se na malor parte da lação com seu ambiente. Em outras palavras, o processo
superticie da Terra, mas sua relação com o ambiente de tornar-se homem efetua-se na correlaçã o com o
circunsÍanle é em toda a parte muito imperfeitamente ambiente. Esta afirmativa adquire significação se refle-
estruturada por sua pró pria constituiçã o bioló gica. Esta tirmos no fato de que este ambiente é ao mesmo tempo
íiltima, sem dú vida, permite que o homem se einpenhe um ambiente natural e humano. Isto é, o ser humano em
em diferentes atividades. das o fato de continuar a viver desenvolvimento não somente se correlaciona com um
uma existència n8raade em um lugar e voltar-se para a ambiente natural particular, mas também com uma ordem
agricultura em outro lugar não pode ser explicado em cultural e social específica, que é mediatizada para ele
termos de processos biológicos. lsto não significa, està pelos outros significativos que o têm a seu cargo. ’ Nã o
claro, que ná o haja limitaçõ es biologicaniente determina- apenas a sobrevivêztcia da criança humana depende de
das para as relaçÕ 6s do homem com seu ambiente. Seu certos dispositivos sociais mas a direçã o de seu desen-
equipamento sérsorial e motor especifico da espécie im- volvimento orgâ nico é socialmente determinada. Desde o
põ e limitaçoes evid8nt0S à sua gama de possibilidades. momento do nascimento, o desenvolvimento orgânico do
A pcullaridde da constituição biológica do homem re- homem, e nz verdade uma grande parte de seu ser bio-
pausa ants em sua componente instintiva. ló gico enquanto tal, está submetido a urna continua in-
A“ organiza ao instintiv mem ode ser descrita terferência socialmente determinada,
co desenvolvida com ara a com a de ma- Apesar dos evidentes limites fisiológicos estabelecidos
nn eros suppri es. 0hop, está claro, para a gama de possíveis e diferentes maneiras de tor- nar-
teus, mas estes são co/tsideravelmente des se homem nesta dupla correlação corri o ambiente, o
movidos e es eca organismo humano manifesta uma imensa plasticidade
em suas respostas à s íorças ambientais que atuam sobre
ele. lsto é particularmente claro quando se observa a
flexibilidade da constituiçã o bioló gica do homem ao ser
izaçao eire ao. sto si nifica ' ue o orgazliSfttO IIIO
é az de a licar o e uipanientoossuior cOftS- de O §¢t Igd0 I ¢t8l DO IIOI VIII se Estende dura/j \t p
fol fcIlp por P ortmann, qMe rhlmpu y$ty ano jj
ti uiçâ õ a uma an la esca a ' e 1é m disso,
cons an ertee e a a . Esta peculiari- 0 t d
daelo organismo humano funda-se em seu desenvolvi-
mento oniogenético. ‘ Com efeito, se examinarmos a
questão em termos de desenvolvimento orgâ nico ê possí- ”extra-uterlnc Fraã |ahr".
stgn llltotlx0y" I al tom ndo dr head. Sobt• a teorlo
7vI d
xritropol6gleas d0 termo "a5 rivr• para o m•nao" foram , nd Soc rfl ’ (CI\lcag0, ’University’ ol ChJt*g o 'P rtss, do ’jin çym ¿ç !!
dçsenYo1vldAs oor P1•sen¢r *
^ A peCullot1dade do organismo humano como send0 onlogenet(cArhcntc
• III sobrc eS traba Ihoa de ntead g o de Anaetm ge
Social Psyc t ttozy (Chlcago, Unlvers{ly o l Chf¢ago Press,
fundada lol mostrada s8Caz\d1FJo, cl. J\tq ur Ice

7O
submetida a uma multiplicidade de determinações sócio-
cullurals. E' um lugar comum etnológico dizer . que as divíduo pode estimular sua própria imaginatao s«x•aiii
maneiras de tornar-se e ser humano sao tão numerosas o poxto da sensualidade febril, mas Ó ÍíTíQfOVÁvel que
quanto as culturas humanas. A humanização é variável possa evocar alguma imagem que não corresp onda àquilo que em o
em sentido sótio-cultural. Em outras palavras, nao existe
natureza humana no sentido de um substrato biologica-
mente fixo, que determine a ”variabilidade das formações
sócio-culturais. Há somente a natureza humana, no sen- mente fundamental ou ao Qtle é culiuralmenie universal
tido de constantes antropológicas (por exemplo, abertura entâo nem esse termo xem o antônimo dele pode ser
para o riundo e plastlcidade da estrutura dos instintos) aplicado
humana. com sentido tempo,
DO fnesmo às formas variáveis
é claro, da sexualidade
a sexualidade hu-
que delimita e permite as formaçõ es só cio-culturais do
homem. das a íorma especifica em que esta hurnaniza-
çao se moída é determinada por essas lormaçoes s6ci‹:» a ead cua c tura tem
culturais, sendo relativa às suas numerosas variações. u uxual d ri i a com seusr6@ios
Embora seja possivel dizer que o homem tem uma na- a õ e alizados de conduta sexual e seusressu-
tureza, é mais significativo dizer que oNõmem constrói tão
a área
t saoos
sexuáI,“”A” relatividade em¡ilrica dessas configurações àua imens
sua própria natureza, ou, mais simplesmente, que o ho-
merri ic produz a si mesmo. ' exuberante inventiv‹dade indicam que são produtos das
A Elasticidade do organismo huiTtano e sua suscepti- formações sócio-culturais próprias do homem e náo de uma natureza humana
bilidade às influências socialmente determinadas sao me-
lhor ilustradas pela documentaçã o etnoló gica referente à doo durante o qual o or anismo humano se de-
sexualidade.' Embora o homerii possua impulsos sexuais senvolve até compléíar-se na correlaçao com o
coniparàveis aos de outros mamíferos superiores, a se- gftt éITt OCf urante o
da. Por cons g a aç do deve tarxbHn
xualidade humana caracteriza-se por um grau muito alto compreendida em relação com 0 c0ntlnuo desenvol-
de flexibilidade. Não só é relativamente independente dos vimento orgânico e C0rn O processo social, no qual o ann-
ritmos temporais, mas é flexível tanto no que diz respeito biente natural e o ambiente humano são mediatizados
aos objetos a que se dirige quanto em suas modalidades pelos outros significativos. ” Os perssupostos gtnéticos
de expressão. As provas etnológicas mostrar que em do eu sâo, está claro, dados f1O nascimento, j'\/tgg gg
questões sexuais o homem é capaz de quase tudo. O in- t8l Como é experimentado mais tarde como uma iden-
tidade subjetiva
' '
1 Hy uma dlcotomla lundarnantal antre c c omeai
mesmos processose so
objetivamente rec0rihecível , “não t. os
CiaiS que determinam
se pr
dll
”d ’"n4tUt¢*4 humcn•".
do organismo prodlJzem o eu em a constituição
Iado
ar sua forma particular,
ns p outroPreud e a
ngo•l rcudlanoc. O esctareclmento deyta dIft• culturalmente felativa. O caráter do eu Como produto so•
ó la cial nao se limila à coniiguraçâo particular que o indi-
teoria ãocIo\óg cc G poasivet m ale üo pólo "seclo\ógtco" víduo identifica como sendo ele mesmo (por exernp|o,
próp rla s0cIo\oglo. D)ga-se
como "um homem", de maneira gâ7tjCtJlâr em que esta
do preyeuposto da "natureza humcna"
ç0ee no Que respeita 6s ld‹o1oglas polltleae, Tnae eato quescBo não pode eer dade sexual do ham xm
trepada aqui. a cottcep¢ão de Freud sobre o Cãr8er prlm IMyam çntg
* Aa obray de Bronlalaw Mallnowekl, Rulh Benedict, htargarct Mtad, Clyde Informe da ll¥ldo.

’73
identidade ê definida e formada na cultura em questã o), produção do homem é sempre e necessaríamente um
mas com o equipamenlo psicológico amplo que serve de empreendimento social. 0s hornets «m con¡unło produ-
complemento a essa particular configuração (por exern- zem um ambiente human o a tota e s as ó’r-
plo, emoçõ es "viris", atitudes e inesmo reaç6es somå- ” cio-culturais e psićõl a NenhJma fT‘
ticas). Não é preciso dizer, portanto, que o organismo e, ormaç6es po e se łenma como produto da tonstl-
ainda mais, o eu nao podem ser devídamexte compreen- tuiçä o bioló gica do homem, a qual, conforms indicainos,
didos fora do particular contexto social em que foram fornece somente os Similes externos da atividade produ-
formados. tiva humana. {À ssiin cotno é innsifvelue o homem se
O desenvolvimento comum do Organlsmo humano e do desenvolva conio homem no isolainento, i ua menÍe
eu ftumano em um ambiente socialrnertte determinado relere- que o omem isoíadoroduza um arñ iente
se à relaçã o particularmenłe bumana entre orga- nlsmo e noserumano soliiå rio è um ser no nlvcl animal
en. EsÍa relaçäo é de caráłer 4ora do comum. (que está claroomemara com ou toeais).
Por um lado, o homem I um corpo, no mesmo senłido Logo que o servam0s fenômenos especificamente huma- n
em que is to pode ser dito de qualquer outro organismo
animal. Por outro lado, o homem /em um corpo. łsto é, do homem e sua socialidadeestaonex ment
o homem experimenta-se - a si pró prio como uma en- rna so enssempre, e na mesma
ttdade que não è tdéntica a seu corpo, mas que, pelo medida, homo sosius. "
conlrário, tern esse corpo ao seu dispor. Ern outras pa- O organismo humano nã o possui os meios bioló gicos necessá rlos para dar es
lavras, a experiëncia que o homern tern de si mesmo
oscila sempre num equilibrio entre ser um corpo e ter direç3o e estabilidade. Surge, então, a seguinte questão:
um corpo, equillbrio que tern de ser corrigido de ver de que deriva a estabílídade da ordem humana empiri-
em quando. Esta originalidade da experiëncia que o camente existente 7 A resposta pode ser dada em dois nlveis. E' possfvel i
homern tern de seu pró prio corpo leva a certas conse- ria-se previamente sempre da abertmun
qíiências no que se refere à análise da ativldade humana do, embora es a se trinseca å c stituiçã o biol ica
como conduta no ambiente material e como exterioriza- posslvel dizer que a abertuza para o mu*-
ção de signlficados subjetiuos. A compreensã o adequada ono og camente intrinseca, da
de qualquer fenò nieno hu iano łerá de levar en consi-
deraçăo estes dois aspectos, por mołivos íundados em
tatos anlropoló gicos essenciais.
E’ preciso deixar claro, tendo-se en vista o que já
foi dito, que a afírmação segundo a qual a homem se
produz a si mesmo de modo algurn implica uma espécie
de vis5o promeieica do indivíduo soliłá rio. " A auło-

1 ^ 0 term0 "ex«entrlcłdade" toî tomade de Plessner. E' pos•i°al entonîrar


ocripc¢țlvaz c¢mełhanlze na ó tłlma obra de 5etclcr sobtz antropolopla 11-
DI
Y trlagsharitl•rig, *l9t7).
Mønarh€n Inn Koamos (Mu•
sempre, e na verdade deve ser, transforrriada pela or-

ma|ø nlfdm p0f *lmr* n* cfûl¢a m 5lłfAf na elilva. 0


ev0luț40 de /«an•P auj Saiîre dt yyu prlmltlvo exlstenelallema ã eua post¢• uma vez, pela con9lderațlo da pałcologl a eoclal dt AI•ad.
rlor conexã o tntre a hum anîdade do homtm
rals ø/t dlaferfÍęus, ù a xł I exempło na antrogoîoglc fllo96• lol Îormulßda
Inextrlelde mamma maîs nłctdo pot Durkheim,
flew contempotfint a da desta «ompreeB9ão s4clologtealntntt de- pane fIn4I day

74
dem social em nut relativo Æecharnento ao mundo. Em-
chada de inłerioridade quiescente. 0 ser humano Íem de
bora este encíausuramento nunca possa aproximar-se do eslar coøtinuamen te se exteriorizando na alividade. Esta
fechamento da existëncia animal, quando Lais nã o seja necessidade antropołógica lunda-se no equipamento bio-
por causa de seu cará ter humanamente produzido e por
conseguinłe “ariiJicial”, é capaz, contudo, na rnaioria das
lògico do homem. A inerente instablidade do organísm0
u o obr a o ho a o n,ece,r a ș esitFô -um am-
! vezes, de assegurar a direção e a estabilidade para a spe 0.. gțó _pț o, horñ ëiń Têiíi ”de
a
maior parte da conduta humana. A questá o p d țão, s e i i usarn Isos. Ć StżS I tO OS
șgț çant sføri pa o t o ss et servem de remissas necessárias p ra ’ä*‘pîodiíçãodä” or-
dč 9Ue țnaneira surge p pi d o -- em social. m oułras palavras, embora nenhuma ordem
social
A resposia mais geral. a esta er unta é a que indica ser a or em socia um roduto exislente
humano ou mais. pre- cisamente, uma ro ressiva roduçao humana, E' prod
A or0em social nã o é daøa biologicamente nem derivada
ai c s l a o pa en tal provém dö
ùanfo
dnau r element s bioló gicos em suas manifestazò es q ame o o ógi “do
A fim de extender as causas, além das que sáo esta-
belecidas pelas constantes biológicas, que conduzem
emergència, manutençăo e lransmissão de uma ordem so-
íi ao e preciso acrescentar que a ordem social cial ë preciso empreender uma análise que resułta em
também ná o é dada no ambiente natural do homem, em- uma teoria da instiÍucionalizaçäo.
bora certos aspecłos particulares deste ambiente possam
eer tatores que determines aspectos de uma ordem so-
cial (por exemplo, sua estrutura econò mica ou łecno16• b) As orlgens da inatltuclonallzøçao
głca). A ordem social nã o faz parte da "natureza das
coisas” e o pode sq derivada das “lels da natureza”. " Toda atividade humana eslã sujeita SO hábito. Quaíquer^
dem exisle a q łe eníè réJìëtidà tornă-se moldada ero uni .‘
daily ăo padrao, zte_-em
os vt bum
status ontológico sem ofuscar the qualquer outro
irremissivelmente suas ma- nomia de esfor o_ę_q e s# acfm, é ajjreęndido
nifestaçóes emplrîcas. Tanto em sua g8nese (ordem so- exe tttAgl ta1 adräo. hábito implica além
cial resultante da atividade humana passada) quanto em que a açao questao pode ser n Ovamente executada
sua existência em qualquer instante do tempo (a ordem
social s6 existe na medida em que a atividade humana no fuiuro da mesma maneira e com o mesmo esłorço
continua a prodU2i-la) ela 4 U TI ]gF0ÕUtO flUfł1ãlt0. econò mico. Isto é verdade na atividade nã o social assim
como na ałividade social. iViesmo o indivlduo solitá rio
Embora os produtos sociaís da exteriorizaçâo ttumaxa na proverbial iłha deserl torna habitual sua atividade.
łe»ham urn caráter sul genesis, par oposição a seu con-
tnxto org8nico e ambierital, é importante acentuar que a €}uando acorda de manhã e retoma suas tentativas de
construir uma canoa com pąus ajustados, pode murmurar
exteriorizaçã o enquanto ta1 é uma necessidade antropo-
consigo mesmo “lá you en de novo”, ao eomeçar mats
lóglca." 0 ser humano é imposslvel em uma esfera fe- uma etapa de um procedimento operat6rio que consis1e,
na da que a ordem aocîaI ndo se ba9ela em
digamos, em dez etapas. Em outras palavras, mesmo o
da ordem socIaL espcclalmentenão
emesta
auaa Rfig/ea/ocfo
d¢ tomando pos łocJo/ogfęut.
la mJfAode Ição qußnto No9so enunclo4o Elm Iia•se

76 ge quan a par
’° 0 fundßmcnl0 blołó glco ü a exlerlorlzcțßo e dt sps rcla go t0œ a
aa• lnstltulç0ez let discnvolvldo per Othlen.

77
fto«tem solitário tem no mínimo a companhia de seus interação social fato de mesmo esse indivíduo solitário,
procedimentos operatóríos. admitindo que tenha sido formado como um ego (como
teríarttos de admitir no caso de nossa construtor üe uma
{"Os açóes torradas habituais, está claro, conservar
seu caráter plenamente significativo para o indivíduo, em- canoa de paus encaixados), lerá de tornar habitual sua
b bora o significado em questão se torne incluído como atividade de acordo corri a experiência biogrãfica de um
ro(ixa em seu acervo geral de conhecimentos, admitido mundo de instituições sociais que precede seu estado de
como certos por ele e sempre à mão para os projetos solidão, não nos interessa no momento. ricamente,
futuros. formação do hâbito acho importante a parte mais importante da formação do ola iv
gan o psicológico dg fazer estreitarem-se as opçôes. coex ens va com ainstitucionalizâçao
c nil oca em teoria haja uma centena de maneiras de desta ú ltima. A questã o passhea aoa er c
realizar o projeto de construir uma canoa de paus ajus- S8 0flaM as Iris itu
tados, o há bito r¢duz estas maneiras a uma ú nica. Isto A ixstitucionalizaçâo ocorre sempre que há uma tipi- icaçâo recíproca de açôes ha
liberta o indivíduo da carga de “todas esias detisó es”, tlpico nao somente das aç6es mas também dos atores nas
dando-lhe um allvlo psicoló gico que tem por base a es- instituições. AS tipitjas açôes habit
trutura instíntiva não dirigida do homem. O hábito for-
nece a dire âo e a es cialização da ativíd e u It ni”
e ul amento biol6 ico do omem, a i7!aã“do assim o
acúmulo de tensões resultantes os im -”tllso’s ”Ütao dir(gi-
dose" E ofereceu o um fundamento eWfTél° no qual a tituem as ixstítuiçôes são sempre par‹
atividade humana pode prosseguir com o mlnimo de to- Tels a todos os membroso grupo ro -
mada de decisõ es durante a maior parte do tempo, li- estão, e apria l-
berta energia para decisõ es que podem ser necessá rias uais assim como a - e „, .,. ,
em certas ocasiõ es. Em outras palavras, o fundamento xecutadas
essup e quepor atores
açoesdoptipo X. Por exemplo, a stitu ã o da lei pos- t
da atividade tomada habitual abre o primeiro plano para füunst4ncias es
a deliberaçã o e a inovaçã o. “ iêüfiiosf7i uos terâo de fazer” a decapitação
No que se refere aos significados atribuídos pelo ho- (tarrascos, ouosWe‘mma‘sa irripura; õ u Fir-
mem à sua atividade, o hãbito torna desnecessário que
cada situaçao seja definida de novo, etapa por etapa.‘
Uma grande multiplicidade de situações podem reunir-se
sob suas prt-definições. A atividade a ser empreendida
nessas situações pode extão ser antecipada. E' possível As in tiç s iú{iIi, além disso, a historicidade e o con roca Res” rec rocasas
mesmo atribuir pesos padr6es às alternativas da co/tduta.
ru as no curso de uma história com ariilhaâa. Não po- gITt SIF CFJg gS in
fÊ stes processos de formação de há bitos procedem to-
da instiiucionali2açã o, na verdade podem ser aplicados a
um hipotético indivíduo solitá rio, destacado de qualquer
*’ O term0 que este conceito de Irtstltulçâo á mgls amplo
- Oehlcn ue de eoatitc\mento" tol tlrato de Sehulz, do que na soclo7o8lc contemporânea. Achê mos q ke e eie
parx uma análise gl0baleesor
OeGlen relcre•se e e9te portlo cm ecu concelho de bacia!, r,f. Prlcd rich †enbrucI‹,
( t9ô2) e He lnrlrh POpltE, •Soefa le
deaenYoJvtdo ao iengo de lodo o seu trabalho •oclotégtco.

78
reender adequadam a instituiçã o sem enten
Na experiéncia real as lnsiiłulçö es geralmente se ma-
er o rocesso st ico e uiQtr
tituiçö es, tarn ém, pelo simpler fato ae exis ireifi, coniro- nifestam em co!etividades que contèm um nú mero consi-
Iain a conduta humana estabelecendo padró es previamente derá vel de pessoas. E' portanio teoricamente signillcativo
: acentuar que o processo de insłitucionalizaçã o da tipiíi-
› definidos de conduta, que a canalizarc em uma direçã o caçå o reclproca ocorreria mesmo se dois indivlduos co-
par oposiçã o à s muitas outras direçö es que seriam teo- meçassem a atuar um sobre o outro de novo. ‹A institu-
ca ente posslveis. E’ Importaxte acextuar que este ca- cionalizay o i nte em loda si u o sociaYqu o6-
er c or é inerente à [nstitucionalíza ao enquanto seeue no temyo. Suponhamos que duas pessoas prove-
tal, anterior a quaisquer mecanisrtios de sançö es especi- nientes dc mundos sociais inteiramente diferentes come-
ficamente cstabelecidos para apoiar uma institulçã o ou cem a atuar uma sobre a outra. Ao dizer "pessoas",
iødependentes desses mecanismospȚ ais mecanismos (çiija supomos que os dois indivíduos tenham personalidades
SOITIA COftStİtlJİ 0 que eralmeaie se de formadas, coisa que evidentemente só poderia ter acon-
C£ïflÍFOle social) exisłem evidentemeds s - tecido em um processo social. Por conseguinte, exclufmos
qłuiçõ es, c em todas a ag o eraçdefWminstituiç e niomentaneamente os casos de Adão e Eve, ou das dnas
cfiãmamos sociedades. Sua eficlërcia° c o o a, po- crianças "selvagens" enconłradas numa clareira de uma
rÈ Ń ”;“” e ipo e dá rio ou suplementar 0foz0ję . floresta primitiva. Mas estamos admitindo que os dois
remos de novo mais tarde o controle oc I nrimå r indivfduos chegam ao local do encontro provindos de
öä a ex ñ cia de uma institui ial. mundos sociais que íoram hisioricame»te produzidos se-
DJzer ue um se ment de hu paradamenłe usr do outro e que por conseguinte a inte-
cionaliźă o ]à é dizer ue este se meri ativida ração realiza-se mama situação que não foi institucional-
humana or su o ao controls soclal. mente deflnida por nenhum dos dois participantes. E'
l possivel imagínar um Sexta-feira encontrando nosso cons-
e con ro e só sä o o se pre da trutor da canoa em sua ilha deserta e imaginar o pri-
iona žzaçăo rtão forem com letamente bem suce os. meiro como sendo um papua e o segundo um americano.
Neste caso entăo ê provável que o americano tenha lido
r exemp lei pode determinar que odo
aquele que violar o tabu do incesto terá a cabeça dece-
pada. Esta clá usula pode ser necessá ria porque fiouve . ou pelo rnenos ouvido fa1ar da história de Robinson
casos em que indivÍduos ofeń derani o tahn. E' imprová - Crusoé, o que iritraduzirá uma certa prć-definiçáo da
vet que esta sançä o łenha de ser invocada continuamente situação, ao menos para ele. Chamemos, portanto, nossas
(a merios que a instituiçã o delineada pelo tabu do in- duas pessoas simplesmente A e B.
cesto esteJa em curso de desintegraçã o, caso especial que
nã o precisamos examinar aqui). Nã o fern sentido, por- Logo que A e B entram em açã o comum, qualquer
tanto dizer que sexualidade humana é socialmente. que seja a maneíra, produzír-se-âo rapldarnente tipifica-
controlada pela decapitaçá o de certos indivlduos. Ao con- çõ es. A observa B execular. Atribui motivos à s aç6es
trá rio, aux ad o i I e controlada de B e, ao ver repetirem-Be as açõ es, tipifica os motivos
pot sua instltucionaliza ã o no curso da histó ri p tîćíiíar C0m0 recorrentes. A medida que B conłinua operando, A
pode logo ser capaz de dizer para si mesmo ”Ahl Já
u do inčesto em si mesmo outra cois enao vaì ele de novo”, Ao mesmo tempo, A pode admitir que
B está fazendo a mesma coisa com relaçäo a ele. Desde
a conduta s ua lgad o início łanto A quanto B admitem esta reciprocidade da
tipificaçã o. No curso de sua interaçã o estas tipificaçõ es
80 81
- serã o expressas em padrõ es específicos de condutas. Isto
é, A e B começarã ó a desempenhar papéis vis-à-vis tidiana. Isto significa que os dois Indivíduos estáo cons-
um do outro. lsto acontecerá mesmo se cada qual conti- truind um fundamento no sentido acima exposto, que
nuar a reali2ar açõ es diferentes das do outro, A possibi- servirá para estabilizar suas açõ es separadas c
lidade de tomar o papel do outro aparecerá com re- teraçáo. A construçã o deste terreno de rotina por sua
laçã o ã s mesmas açõ es executadas por ambos. Isto é, vez torna possível a divisã o do trabalho entre eles, abrin-
A apropriar-se-ã interiormente dos reiterados papéis de do o caminho para inovações que exigem um nível mais
B, fazendo deles os riiodelos de seu pró prio desempenho, alto de atençã o. A divisã o do trabalho e as inovaçõ es
Por exemplo, o papel de B na atividade de preparar conduzirâo à formaçao de novos hábitos, maior expansão
o alimento nã o é somente tipllicado como lal por A do terreno comum a ambos os indivfduos. Em outras
mas entra como elementó constitutivo no pró prio papel palavras, um oriundo sociat estará em processo de cons-
de pieparaçao do alimento por A. Assim, surge uma ttuçã o, contendo nele as raízes de uma ordem insiitu-
coleçã o de açó es reciprocamente tipificadas, iornadas ha-
bituais para cada qual em papéis, alguns dos quais se ”Geralmente as açõ es repetidas uma vez, ou mais, ten-
’ dem a se tornarem habituais att certo ponto, assim como
“ realizarã o separadamente e outros em comum. " Embora todas as açô es observadas por outro necessariamente
esta tipificaçã o recíproca nã o seja ainda institucionaliza-
çã o (visto que, havendo somente dois indivíduos, nã o envolvem alguma ilpificação por parte deste outro. Con-
exlste possibilidade de uma tipologia dos atores), é claro tudo, para que se realize a espécie de típificaçá o recl-
que a institucionalizaçã o jfi está presente in nucl o. proca que acabamos de descrever é preciso que haja uma
Nesta etapa é posslvel perguntar que vantagens esse 0 duradoura, na qual as açó es habituais
desenvolvimento traz para os dois irtd!vlduos. A van- 'dos dois, ou ma is, indivíduos se ezttrelacem. pum açs‹s
tagem mais importante é que cada qual será capaz de probabilidade de serem reciprocamente iipificadas
predizer as açoes do outro. Concomitantemente, a inte- desta maneira?
raçã o de ambos torna-se predÍ2IVel. O “Lã vai ele de A r^sp0Sta geral é a seguinte: são aquelas açõ es im-
novo“ torna-se um “Lá vamos nds de novo“. Isto liberta portanies para A e para B em sua Atuação comum.
ambos os indivíduos de uma considerá vel quantidade de As áreas que t4m probabilidade de serem importantes
tensã o. Poupam tempo e esforço nã o apenas em qualquer il8StB sentido variarão evidentemente com as diversas si-
tarefa externa em que estejam erripenhados separada ou tuaç6es. Algumas serã o
conjuntamente, mas em termos de suas respectivas eco- em termos de suas blogr«fias prévias, outras resultarão
nomias psicoló gicas. Sua. vida conjunta define-se agora das circunstâ ncias naturais, pré-s0CiÂis da situaçao. O
por uma esfera ampliada de rotinas supostas naturais e que em todos os casos terá de ser tornado habitual é
certas. Muitas açdes sã o possíveis num nlvel baixo de o processo de COmUniOaçao entre A e B. O trabalho, a
atençã o. Cada açao de um deles não é mais uma íonte sexualidade e a (errit0rialidade têm probabilidades de
de espanto e perigo potencial para o outro. Em vez serem outros tantos íocos de tipificaçdes e há bitos. Nessas
disso,. grande parte do que .está sendo feito reveste-se vá rias ã reas a situaçã o de A e de B é paradigmá lica
da trivialldade daquilo que para ambos será a vida co- da ifislituCionalização que ocorre em sociedades maiores.
devemos nosso paradigma um pouCo iziais adiante e
• O ttrmo "tom
de
de Outro" fol t(ra4o d¢ ãtead. T0m cmos cqul
exposto por Meed, aplltando•0 ao problema
imaginamos
tuação muda que A e B têm filhos. Neste ponto a si-
qualitativamente,
damenjale d0s
lnitlluclonallzaçlo. A nrgurrienlisao tornblns sipictos Itiri- 8
terc participante
2 eiro
O aparecimento de uma allera o
cará ter da interaçã o social

83
em curso entre A e B, e alterará aifida mais se novos ainda, como foram eles que configuraram esse mundo no
indivíduos contiiiuarem a ser acrescentados. • O mundo ctirso de uma biografia compartilhada, de que podem
institucional que eaistia in s/ofu nasc#ndi na situação lembrar-se, o mundo assim formado aparece-lhes com-
original de A e B comunica-se agora a outros. Neste pletamente transparente. Compreendem o mundo que li-
processo a institucionalização aperfeiçoa-se. Os hábitos zeram. Tudo isto muda no processo de transmissão ã
e tipificaç6es empieendidos na vida comum de A e B, nova geraçao. A objetividade do mundo institucional
formaçõ es que até esse ponto ainda linham a qualldade “espessa-se" e “endurece" não apenas para os filhos mas
de concepçõ es ad fioc de dois indivíduos, tornam-se (por um efeito de espelho) para os pais também. O “Lá
agora instituiç6es históricas. Com a aquisição da historl- vatnos nós de novo” tprna-se agora "E" assim que
cidade estas formações adquirem também outra qualidade estas coisas são feitas“ Um mundo assim considerado
decisiva, ou, mais exatamente, aperfeiçoa uma qualidade alcança a flrmeza na consciência. Torna-se real de ma-
que era incipiente desde que A e B começaram a tipili- neira ainda mais maciça e não pode mais ser mudado
cação recíproca de sua conduta. Esta qualidade é a com tanta facilidade. Para os filhos, especialmente na
objetividade. Inc as instituições que es o fase inicta! de sua socialização, este mundo torna-se o
mundo. Para os pais perde sua qualidade jocosa e passa
a ser “sério”. Para os filhos, o mundo transmitido pelos
rimentadascomoexistiod palma e a)¿m o div! pais nã o é compIetamenie transparente. Como nã o par-
outr.ass.palavra, e*pmentari-se DO momento.,._Em ticiparam da formação dele, aparece-lhes como uma rea-
as instituições c.omo se lidade que é dada, a qual, tal como a natureza, é opaca,
possuiysem yea) e_própria, ealidade Corrija..quaLos in pelo menos em certos lugares.
dívldu aepdelrontam ‘na “cilnHição de exterior
.coerçllivo.‘ *“ Só nesse ponto é possível falar realmente de um mun-
do social, no sentido de uma realidade ampla e dada,
Enquanto as instituições nascentes sao construídas e com a qual o individuo se defronta de maneira análoga
mantidas somente pela interação de A e B, sua objeti- ã realidade do mundo natural. Só desta maneira, como
vidade conserva-se tênue,‘ facilmente variável, quase Iú- mundo objetiv0, as formações sociais podem ser trans-
dica, mesmo quando alcançam certo grau de objetividade, mitidas a uma nova geração. Nas fases iniciais da so-
pelo simples fato de sua formação. Dito de maneira li- cialização a criança é completamente incapaz de distin-
geiramente diferente, o terreno rotínizado da atividade gutr entre a objetividade dos fenômenos naturais e a
de A e de B conserva-se grazidemente acessível à de- objetividade das tormaç6es sociais. ° Tomando o aspecto
liberada intervenção de A e de B. Embora as rotinas, mais importante da socialização, a linguagem aparece à
uma vez estabelecidas, transportes a tendência a per- criança como inerente à natureza das coisas, rito podendo
sistir, a possibilidade de inudâ-las ou mesmo aboli-las perceber a noção do caráter convencional deta. Uma
permanece ao alcance da consciência. Somente A e B
coisa d aquilo que ê chamada, e não poderia ser cha-
Í sáo responsáveis por terem construído esse mundo. A e B mada por um nome diferente. Toda
conservar-se capazes de niodificá-lo ou aboll-lo. Ciais rep d a e ofitp ddos nalteráveis e

da dla0a ã trlada ã lm provável, dos pais terem constriildo.num .m_undo institu-


lnte combina ai coneepç0ei
- gn lermpc at Dutkheln ítto ¢lgnlilta qitc, ^ O con«•lIe
scnuln0z "tetos iocIzls•, a tan ro eelto 4¢ "relllamo" Infantil de jean Pia get pode yer comparado
cional dv noyo, a obietívld s mundo aumeritarią verdade, mesmo se o mundo social, como realidade pro-
pra ele pë a sociaaçade seus łil os, a b- duzida pelos hoctens, é połencialmente compreensivel de
moexperimen os ta um modo que não é posslvel no caso do mundo natural. ”
— Ę' impor fan e ter em niente ue a ob‘etividy.de- do
mente, está caro,mun o insti uc ona ñsmitido pela 1 u o i tí ci na s_ aci ue ag_Isça .ao
maioria dos pais jã tern o caráter de realidade hlstórica ÿndIv_lrlun m_4obJe Yjdağe pro z a_e_ n łrulda gglo
objetiva.so de tran ass.ãop s late homem. @ processo pelo qual os produtos exterioriza-
jp/çasentido que os ais fern da realida, qto atividade humarta adqulrem o caráter de objeti-
coisas s_ăo 4ettas'tfeqfiëãtentente o p prio vidaóe é a objetivaçâo. “ 0 mundo instíiucional ś a ati-
acr¿dlta_que ć Isso mesmo. vidade humana objetivada, e isso em cada instituiçáo
particular. ros a obJ e! iv@ade.
Um mundo instituci te é ex er men q_ue marca o mundo social na exper i4ncia humana
tadõ como rea dade objetiva. em uma histó ria quer eIe_ na0
trascïo indivlduo e nã o é acessivel à sua lembrança biogrå fica. Já existia antes de ter nascido e continuará a existlr depois de morrer. Esta prò pria his-
O’ paradoxo que còn-
que emser
homem segulda experinienła
capaz“de coino
produzir um algo diferente de urn
mundo
caràter de objetividade.țA biografia do indivlduo è apren- dtda como um episôdi’o localizado na hist6ria
produto humano, será objetiva
por nós datratado rtiaisAstarde.
socledade. De
iitstitüiçôes, corzio facticidade
mornento, i o ta te a e que a relaçâo entre o
homem, o produtoru o o a jf7&duo”"ßële,“”t “e
aggrrnnecese ndo uma relação dialétlca, ištă ț, ó ”liamein
(evidentemente á ër eiÎî" fãöfa&õ"ńias em coletivìda-
de) _a_seıt-mundo social atuam recíprocamente um sobre
outro. O produ żõ“dutór “Á exteriorí-
o a objetivaçăo sśo momentos de um processo
dialttico continuo. 0 terceiro momento deste processo,
que é a interiorizaçăo (pela qual o muxdo socfal obje-
tivado é reintroduzido na consci8ncia no curso da so-
Sft8 factidccd quanto mecanismos cialização), irå ocupar-nos mais tarde com abundància
Ar ãłidzde" së—o—iQuo
de eontroleaimgeado mu
às mat ’iriïğórtãntes i uiçóes nso de detalhes. jà é posslvel, contudo, ver a relação fun-
des setores do sua Îinalldade ulda damental desses trés nomentos dialéticos na realidade
u seu social. Cada um deles corresponds a uma caracterização
. Pa ran essencia1 do mundo social. A sociedad« ž um roduto
ndo’ social vez o ressivos em sua humano. A sociedade ź u a # a e a etiva. 0 ham»
opacl, mas ãode de r de coiüideros rea I cm . Torna-se desde já evi en e que
ExlstllfdoAns
dividuo uiçöes
năo as pode com0por
extender realidà e exteri Teni
introspecção. . a de
l
"sair de si" e apreender o que elas são, assim como •' A dcscrlcão acompanh
tern de ayreender o que diz respeito à natureza. Isto é I it
da soctedadt. Cem0 a r ealldcde
me9mo 9c e9lć ler opaco pa rp a Inglv ldu0 em drier ml n2do rcon›cme. 0
Conßtr‹ietlen pra‹lsamcntc yer melo daqulł0 que V/cber
L. Berser e H analrle\d XelÎnet, "Mcrrłcg4 cn4 the
^ 0 tcr mo "ohjc tlvação" è derlva do da Vzzsochtlchfi nd de AcyeI e ,țtarx .

86 87
qualquer análise do mundo social que delxe de lado al-
gum destes trgs z\iomentos serâ uma análise destorcida." mativas. Estas legitimaçóes são aprendidas pelas novas
Pode-se acrescentar além disso que somente com a trans- gerações durante o mesmo processo que as so¢ializa na
missáo do roundo social a uma rtova geraçso (isto é, ordem institucional. Iremos ocupar-nos deste assunto
a interioiização efetuada na socialização), a dialética so- com mais detalhes a seguir.
cial fundamental aparece em sua totalidade. Repetindo, O desenvolvimento de mecanismos específicos de con-
fomente com o aparecimexto de uma xoYa geraçso é troles sociais torna-se também necessári0 com a hiStorici-
possfvel faiar-se propriamente de um mundo social. zaçâo e obJetivação das instituições. E’ provável que
No mesino tempo, o mundo institucional exige legiti- haja desvios dos cursos de ação institucionalniente “pro-
maçgo, Isto é, modos pelos quais pode ser “explicado" gramados", uma vez que as instituições passam a ser
e justificado. ISto záo acontece porque apareça come me- realidades divorciadas de sua importância original nos
nos real. Conforme vimos, a realidade de mundo social processos sociais concretos dos quais surgiram. Dito de
torna-se cada vez mais maciça no .curso de sua trans- maneira rriais simp(es, t mais provável que d iiidivfduo
missáo. Esta realidade, porém, é histórica, o que faz se desvie de programas estabelecidos para ele pelos ou-
chegar á nova geraç3o como tradiçáo e ziáo como me- tros do que de programas que ele próprio ajudou a
m6ria biográ fica, No exemplo que tomamos por para- estabelecer. A nova geraçlo engendra o problema da
traxsfgzncia e sua socialização na ordem institucional
digma, A e B, os crlartores originaís do mundo social, exige o estabelecimento de sançóes. As instituiçoes de-
podem semprc reconstruir as circunstánCias em que seU vern pretender e de fato pretendem
mundo, e qualquer parte dele, foi estabelecido. Isto é,
podem chegar ao significado de uma instituiçzo pelo
ntrd dentement s gni caçoJs subje-
exercício de sua capacidade de lembrança. Os filhos de c prioridade dag defíñ1çoeifitücióñais das si-
A e de B acham-9e em situação inteiramente diferente.
O conhecimento que tzm da história institucional foi aço s deve ser coerentemente preservada das tenlaçóes
individuais de redefiniçâo. As crianças devem “aprender
recebido por "ouvir dizer”. O significado original das
a comportar-se” e, uma vez que tenham aprendido,
instituições é inacessível a eles em termos de memória. precisam ser "mantidas na linha". O mesmo se dá naluraí-
Torna-se, por conseguinte, necessário interpretar para mente com os adultos. Qulnto majs a c duta é insti-
eles este significado em várias fórmu1as legitimadoras. tuclonalizada tanto mais’*se torna predizível e cpntró r
Estas terão de ser consistentes e amplas no que se refere
à ordem institucional, a fim de levarem» à convicção à das “lfistltITi@es oí eficiente, ó posslvel
aplicar completas medidas toercitivas econó mica e sele-
nova geração. A mesma história, por assim dizer, twn tivamente. Na maioria das veces a conduta se processará
de ser contada a todas as crianças. Segue-se que a or- “espontaneamexte" nos canais‘astabéIecidos mais a con-
dem institucional em expansão cria um correspondente tilucloml--éo nfvel das significado úa\ifo
manto de legitimaçôes, que estende sobre si uma co- "duta ’é julgada certa e natural, fanto mais se restrnfgírlo
bertura protetora de laterpretaçóes cognoscltivas e nor- “pfógramas” int/jtusionais,
sendo cadá vez mais prediiiVeT e controlada a condutap
A aocloj0gla egntemporgnea americana tende a abandonar o prJmclro -Erri principio, a institizcio oco r e
elemento.. Sut perspectiva
chcmou dl átlcx da qualq a rake. li Na
rcalldade eará‹¢r dtctx tltlma co-o continua pro•
duçlo humana, faa
pflatcs aom#nte para o mun4o da naturezs. 0 fato os dcsum I9o Im•
oajoeea o co un os de processos de
valotec üertva4 da 1ftuci0ztaljZa ruoüZem-se cortcorrentemente. Nao > á
uma t¥llcidade
7azá0, z7 pri0ri, para admmm que esses processos tt-

88 89
sham ar' “ ermaoecer unidos” em suas
Estes últimos implícam uma incipiente diferenciaçăo, pelo
u . es a e co menos no sentido em que se atribui a esses tipos um
Voltando, aiøda uma vez, ao ezemp!o que de- signifłcado relativamenfe estável. Esta atríbuição pode basear-
mos como paradigma e do ligeiramente a situaçăo
se em diferenças pré-sociais, tais COfłłO O EtXO, ou em
imaginária, suponhamos d vez nâo uma famllia em
crescimento, constitulda por pais e filhos, mæ um picante diterenças produzidas no curso da interação so- cial, por
triãngulo de um macho A, ma fłmea bissexual B e exemplo, as que så o engendradas pela 4ivisão do trabalho.
uma lćsbica C. Não é preclso insistîr na quesłâo de que Para citar um caso, pode aconteter que somente as
as relaçdœ sexuais destes trts lndivfduos não colacłdirão. mulheres se relacionem com a mągia da fer- tilidade e só
A relaçăo A-B n3o 6 partilkada par C. 0s fiábifos en- os caçadores se empenhem na pintura das cavernas, ou
gendrados como resultado’ das coxveoi4nclas de A e B somente os velhos podem executar a ceri- monial da cłiuva
preCISBiTï čIacionar-se com as engendrados pelas conve- e apenas os fabricantes de armas po- dem dormir com
nitncias de B-C e C-A. Afixal de coxtas nâo há razão suas primas maternas. Em termos de sua funcionalidade
para que doin processos de formaçăo de łiábitos eróticos, social externa estas diversas áreas de conduta não
um heferosgexual e outro Iésbico, năo possam ocorrer precisam ser íntegradas em mm único sistema coerente.
lado a lado sem que se integrem funcionalmente um com Podem continual a coexístlr com base em desempenhos
a outro ou com uma terceira formação de háblto, baœada, separados. Mas, enquan tg esseş desem- penhos podem ser
digamos, em um interesse comum no cultlvo de fforea separados, os significados lendem para uma conslstência
(ou qualquerrelevaxte
taneamente outro empreendimento
para um machoque possa ser simul-
heterossexual ativo pelo menos mfnlma. Quando o indivlduo rełlete sobre os
niomenlos sucessivos de sua experiència, procura aJustat os
signiflcados deles em uma
estrutura bíográfica consistente. Esta tendência
e uma
de lésbicade
formaçăo atlva). Em outras
hábitos ou de palavras,
inclpientetrês processor
instltuctonalł- à medida que o indivlduo compartiłlia com outros seus
zațso podem ocorrer gem serem funcional ou logicamente signifieados e a inlegraçã o biogrå łica comurn. E' possivel

integrados enquanto
clnio é válido fenömenosque
se supusermos sociais.
A, B eO Cznesmo racio-
sao coletlvl- que esta tendčntìa a integrar signifiCaÇõgS Sč baseie em
uma necessidade psicológica, a qual pOr St1Â vez pode

dades e nâo indiv/duœ, quaisquer que sejam os cox- fundar-se numa base fisiológica (isło é, pode haver urna
feúdos de seus interesses. Igualmente a integraçåo fun- "necessidade" imanenłe de coesao ma constituiÇã0 pSİCO-
cional ou lógica nao pode ser adnjitida a priori quando fisiológica do homem). Nossa argumentaçao, porëm, não
as processor de forrnação de hábitos ou de instiłucionali- repoiisa nessas premissas anłropológicas mas antes na
aaç8o Iimitam-se aos mestzios Indlvlduoe ou coletivldades análise da reciprocidade dotada de senłido nos processor
e nâo aos mementos separadôs /maginados em nosso de instiiucionalizatä o.
exemplo. Segue-se que é preciso grande cuidado ao fazer afir-
Conłudo, continua sendo um f ato emplrico que as ins- maç8es sobre a "lógica" das insfiłuiçò es, Ątwo 1
reside nas instltuiç6es e em suas fun óes ex nas mas
lituiçò es tendem a "permanecer ]untas". Se nåo supuser- agoa u a at d x o ue
mos como dado este fenômeno é preclso explicá-lo. Camo
é possfvel fazer isso? Em primeiro lugar é posslvel ar- oe aalidad od t
gumentar que cerfpś interesses serâo comuns a todoy œ
ical
membros de uma coletivìdade. Por outro lado, muitas
áreas de conduta só terao importâocia para alguns tipos. semelhonte
A 'linguagem assegura a supe posíção fundamental
da ógica sobre o mundo social objetivado. 0 ediflcio das mordialmente, quaJquer preocupaçã o com sistemas teó -
ricos complcxos que slrvam para a legitimaçã o da ordem
egití/Tiaçócs é constńzîdo sobre a linguagem e usa-x co- lnstiłucional. Esłå tlaro que as te0rias tarnbém tèni de
trio seu principal instrumøito. Assini, a "lógica" atributda ser levadas em coxsíderação. Mas o conhecimento teórico
à edos to parte do acervo socialmente
dispoxfvel do conheclmento, tornado como natural e certo. é apenas uma pequena parte, c de modo algum a parte
Uma vez que o lndivlduo bem socializado "conheci" que maís importante, do que uma sociedade considera como
seu muxdo social é uma totalidade coosistente, ser6 for- conhecímexto. Em determinados fnomextos de uma kis-
jado a explicar seu funcionarnento e defeitos de fun- tória institucional aparecem legitimaçöes teoricamente
ciortamento em termos deste "conheclmento". E’ multo complicadas. O conhecimenło prlmário relativo à ordem
fá cil, como resultado, que a observador de qualquer so- institucional I o coahecìmezito sîtuado no xfvel pré-teórico.
cledade admita que suas łnstituiçdes efetivamente fun- E’ a soma de tudo aquilo que "todos sabem", a res-
cionarn e s0 Întegram UI como se "sup8e" que devem peito do mundo. social, um conjunto de máXimas, prin-
ser. - cípios morais, frases proverbiais de sabedoria, vaiores e
crenças, mitos, etc., cuja integração teórica exige consi-
Do J«cfo, pois, as instítulçó es sdo integradas, mas sua derável força intelectuai, conforme comprova a longa Ii-
integraçăo mo é um imperativo funcion¥ł do processo nha de heróícos integradores, de Homero aos últimos
social que as produz, e sin é antes rei!iz•do da maneiia construtores de sistemas socloló glcos, oil eó -
derlvada. 0s Ixdlvlduos executam açô es separadas ins- ribbon,t nse!em o o de con ci-
titucionalizadas no contexto de sua biograłia. Esta bio- set do o o eceita, ișto çozmie to e
t
grafia forma um todo sobre o qual ż felta posteriormente c as qg a d oø‘fíila i*sliluciona1mențe ade-
uma rełlexäo na quad as açòes díscretas nao säo pen- quadas," “ "”"
sadas como acontecimentos isolados mas como partes E t beet o dinä miCa mot_ivadoa da
relaclonadas de um unlverso subjelivamente dotado de
sentido, cujos significados năo são particulares ao in- z a da condutadesigna todas  S
dlvlduo, iztediante
Somente was socialniente articulados e coniparlilhados.
este rodeio localizeo d l-i-e- ãś‘ De-fine e constró i
dos universos de signifi-
cação soclalmente compartilhados cíiegamos à necessidade čÖ ÎitCXtÖ ”das ns
tit i it ao /pso /o¢fo, coxtròía"“e prêdíz todas
da integração lnstltucional. estas condutas. Sendo este conhecimenło socialrnente ob-
Isto tem extensas implicaçö es para qualquer anåtise )etivado coma corihecimeztto, ísto é, como um corpo de
dos fen8meztos sociais. Se a integraçäo de uma ordem verdades universalmente válidas sobre a realidade, qu.al-
İnStittlcİOnal só pode ser entendida em termos do ”conhe- d vio radical da ordem ins.tíțucional t0fha cará ter
cimento” que seus membros ttm dela, segue-se que a de um' šŁâîń en a...realidade. Ește_.dțsvlo pó ô e ser
artálise de tal "conhecimen(o" será essential para a aná-
dueosi o depryvaçáo_ «iõ räl,-Æ e.nça ment4! ofi
lise da ordem institutional em quesłfio. E’ importante simlysate’ igriò rá *cia crassa. Embora estas delicadas
acentuar que isto não implica, exclusiva on niesmo pri- distinçó es te am conseğã ências dbvias para 0 tEgt fŁl6ßt0
do indivíduo que se desviou, todas etas participam de
p o*
n o yentido ’da
p. rff. T'ambã m th lnsJstc em gut a
92
^ CsŁa evldčn¢la ê
tada no aentldo
da quesrã o r/. a
cial. Deste modo, o particular mundo social • 0 terroo "conhecîroento dc rccelta" foI tomedo dc Schut7.
um siatas cognoscïtivo inferior no particular
mundo so- torna-se a 93
mundo farf court. O que a soeíedade admite conio co-
Nao I preciso insistir em que aqui “verificação empirica”
nheciniento vem a ser coextcnsivo com o cognosclvel, ou
e “ciëncia” nåo são entendidas no sentido dos moder-
de qualquer modo tornece a eetralura dentro da qual fIOS CgriofieS CjehtlíÍCOS, rtlas flO Sefltido de C0illieCifn6ftÍO
tudo aquilo que ainda não é conhecldo ch«gará a ser
conhecido no futuro. Este é o conhecimento aprendido que pode ser conłirmado na experiëncia, lornando-se em
no curso da socialização e que serre de mediaçlo na seguida sisternaticamente organizado como corpo de co-
interiorização pela consci5ncia Individual das estruturas nhecimento.
objetiyadas do mukdo social. Neste sentîdo, o conheci- Alèm disso, o mesmo corpo de conhecimenlo è trans-
mento situ0-ee no coraçâo da dłalêtica fundamental da ultido ã geração seguinte. E’ aprendido como verdade
sociedadt. “Programs” os canals pelos quais a exterlorl- objetiva no curso da socializaçăo, interiorizando-se assim
como realidade subjetiva. Esta realidade por suk vez
zação produz um mundo ob]etivo. Ob)etiva este mundo
por meio da linguagem e do aparelho cognoscitivo ba- tern o poder de configurar a indivîduo. Produzirâ um
seado ra linguagcm, isto é, ordena-o em objetos que tipo especlfico de pessoa, a saber o caçador, cuja iden-
ser5o apreendidos conio realidade." E' em segulda in- tidade e biografia #nęuonto caçador tčm sígnificação so-
teriorizado como verdade objetivamente válida no curso mente num universo constituído pelo mencionado corpo
da socialîzaçâo. Desta madeira, o conhtcimento relatívo de conhecîmento em totalidade (por exemplo, em uma
à 5ociedade è ma reałizaç6o no duplo sentido da palavra, sociedade de caçadores) ou em parte (dłgamos em nossa
no sentldo de apreender a realldade social objetitada e pròpria sociedade, na qual os caçadores se reúnem em
no senlido de produzir continuam«nte esta realidade. us subuniverso pr6prio). Em outras palavras, nønhuMa
parte da instituiçao da caça pode existir sem o particu-
Por exemplo, no cuiso da divis3o do trabalho desen- volve- far conhecimenlo que loi socialmente produzido e obje-
se um corpo de eonhecimento que se rełere às partitulares tivado com refertncia a esta atívidade. Caçar e ser ca-
atividades em questäo. Em sua base lin-
gülstica este conhecimento já ê Indíspensável para a çador implicam a existîncia em um mundo SOfiİal de-
“programação” institucional destas atividades econ6nii- finido e controlado por este corpo de conhecimento.
cas. Haverá, digamos, um vocabulário que destgna os Mutatis mutandis, o mesmo se aplica a quałquer ãrea
vários modos de caçar, as armas a sereirt e ipregadas, de conduta institucionalizada.
os animais que servem como presas, etc. Haverã, alGm
disso, uma coleçăo de receltas que o indlvlduo terå de
aprender para caçar corretamente. Este conhecimenfo
c) 5edlmentação e tradiçao
tuncioca como força canalizadora, controladora em sl Somente uma pequena parle das experiëncias humanas
mesma, um indispensăvel Ingredieitte da instltiicíonałt- são retidas na consciëncia. As experièncias que 4icam
zaçăo desta área de conduta. Vma Vč2 jttč Â İftStituİÇgO assim rełidas são sedirrientadas, isto i, consolłdam-se nt
da caça se cristaliza e perdura no tempo, o mesmo corpo lembrança como entidades reconh eciveis e capazes de
de conhecimento serve de descríşăo ob]etiva dela (e, serem lembradas, " Se não houvesse esla sedimentação
dlga-se de passagem, emplricazrienta verîticável). Us o indivlduo nåo poderia dar sentido à sua biograłia. A
segmertto inteiro do mundo social 4 objetivado por este sedimenłaçlo intersub]etiva tambèm ocorre quando vários
conhecimento. Haverá uma “clëncia” objetiva da ¢aça, individu0s participam de uma biografi8 Comum, cujas e.1-
correspondents à realidade objełiva da economia da caça. pecitncias se íncorporam em um acervo comum de coxhe-

* 0 terme "sidl inzntsçte‘


pclmełra vtz per 5chuis em
94
cimento. A sedimentaçăo lntergubjetiva só pode ser ver-
dadeiramenłe cö amada social quando se obJetivou em it2•St ãCeSSíVel c talvez forlenientc significativa païa in-
I um sistema de sinais desta on daquela espécie, isło é, divíduos que nunca passaram par ela. A designaçáo
lingiiísłica (que, numa socíedade de caçadores, podemos
quando surge a possibilídade dg repetir-se a objetivação
imaginar ser ntuiio precisa e conipleta — digamos, “sozinliograndeniatarcontu
das experi8ncias compartilhadas. S6 então provavelmente
estas experičncias serao transmitidas de uma geraçao macho", "sozlnho grandc rratar, cont duas maos, rino- cero
à seguínte e ,de uma coletividade à outra. Teoricamenłe, ;țrafia futura (assim, as mulheres proibidas, de caçar)
a atividade comum, sem um sistema de sinais, poderia «sse fato pode ter imporłância de maneira derívada (di- gam
ser a base para transmissão. Empiricamente, isto I impro-
vável. Um sistema de sinais objetivâmente praticável con- .ã objetivaçäo da experiência na linguagem (isto é, sua
here uma condiçáo de łncipiexte anonimato às experitn-
has - sedimentadas, destacaodo-as de séu contexto ori-
ginal de biografias individuais concretas” e tornazido-as
geraimente acessfveis a todos quartos participam, ou po-
dem participar no futuro, do sistema de sinaîs em ques-
tBo. As experiênclas torfiam-se assím facilmente trans-
missfveís.
Em prlncîpio, qualquer sistema de sJnais serviría.
Norrialmente, está claro, o sistema de sinais decisivo ê
lingfilstico. _A lin ua em obietiva as ex eriéncias arti- transformação em um o jeon ecimeńto por todos
Ihadas e torna-as acess veis a todos dentro da comuni- aproveitável) permits então incorporá-la a um conjyt¡to
ingü îća, passaxdo a se assin a ase e o mais am Io de traesor viaa Ans ruçao c›oral, da œsla ińś ira
a acervo co ivo do conheclniento. Ainda
in em eios ara a obi va ăo ma anto a experiência eńisentido estriloquanto
de novas experi5ncias, permitindo que sejam ixCorporadăś seuapêndices de slgnificaçóes mais amplas podem,
es oque exis en o con ëćímento o me portanto, ser ensinadas a todas as novas geraç6es, ou ii c
ai im or ua as sedimentaşöes objetivadas A łinguagem torna-se o clepósito de um grande con- junto d
o transmitidas na tradição”da co1etiYidade ent uest
exemp guos zziem ros de uma sociedade
de caęadozes Um a eXperHnda de pezder suæ armas,
- " sendo obrigados a combater um animal selvageni mica-.
mente com as zriaos. Esta assustadora expel tnc
quaisquer que sejam as liçôes de bravura, astùcia e ha-
billdade que produza, fica tirmemente sedimentada na
consciência dos lndividuos. que a sofreram. Se vźrios In- Teodo a origem real das sedimentaçó es perdido impor-
dlviduos partlcípam da experiencla ficará sedimentada tância, a tradição pode lnyentar uma orígem completa-
intersubjetivamente, podendo até talvez formar um pro- mente diferente, sen com lsso ameaçar a que foi obje-
Tuxdo laço entre esses indivlduos. Sendo, porém, esta tivado. Em outras palavras, as legiłimaçóes podem se-
experiència designada e transmitida lingüisticamente, tor-
t Into ó slgnlflcaüo polo itrmo °aqulsIțão - onołótIca" de Husserl. F•oi
tcmbtn eX(cnramtntc usatIg par Scłtuțz,
96
97
guir-se umas ãs outras, de vez em quando outorgando
fícados institucionais assegura sua possibilidade de me-
rtovos significados às experi xCjas sedimentais da cole- morização. Temos aqui, ao nivel dos significados sedi-
tividade em questão. A histó ria passada da sociedade sentados, os mesmos processos de rotinização e trivia-
pode ser reinterpretada sem necessariamente ter como lização que já matamos ao discutir a institucio.aa1ização.
resultado subverter a ordem Alám do mais, a firma estilizada na qual os feitos herói-
no exemplo acima o “grande matzr“ podé ser legitimado cos entram para a tradição é uma ilustraçao útil.
como uma façanha de figuras divinas e qualquer repeli- Os significados obj0tivados da atividade Institucional
s1o humana dela como uma imitação do protótipo m‹- são concebidos coix ”conhecimento" e transmitidos toniu
tológico. tais. Uma parle deste ”conhecimento" ú julgada para lo-
Este processo acha-se subjacente a todas as sedimen- dos, enquanto outra parte só interessa a certos Iipos.
taçoes objetivadas, e não somente às açoes institucionaíi- Toda a iransniissdo exige alguma espétle de aparelho
zadas, Pode referir-se, por exemplo, à transmissão de social. Isto é, alguns tipos são designados como trans-
tipificaçôes de outros, xão diretamente significativas para missores, outros como receptores do "conhecimento"
particulares instituições. Por exemplo, os outros sao tipi- tradicional. O caráter particular deste aparelho variará
fixados com “altos” ou "baixos“, "gordos“ ou ”ma- naturalmente de uma sociedade para outra. Haverá tam-
gros”, brilhantes” ou “obtusos”, sem quaisquer particu- bém procedimentos para a passagem da tradição dos co-
iate implicações institucionais ligadas a estas tipifica- nfiecedores aos nâo conhecedores. Por exempJo, o conhe-
çdes. Este processo, naturalmente, também se aplica à cimento técnico, mágico e moral da caça pode ser trans-
trans nisséo de significados sedimentados que satisfazem milido pelos tios maternos aos sobrinhos de certa idade,
a especifieaçao, previamente dada, das instituiç6es. A mediante determinados procedimentos de iniciação. A
transmissão do significado de una instituição baseia-se tipologia dos conhecedorei e não conhecedorei, assim
no reconhecimento social dessa instítuiçao como soluçao cono o ”conhecimento" que se admite passar de uns
“permanente” de- um problema "permanente” da coleti- aos- outros t questão de definição social. Tanto o “co-
vidade dada. Por conseguinte, os atores potenciais de nhecimento” quanlo o “nâo conhecimento” referem-se ao
açô es institucionalizadas devem tomar conhecimento s/s- que ê socialmente definido como realidade e náo a cri-
frmafiramenf# desses significados. lsto exige alguma for- iérios extra-sociais de validade cognoscitiva. Dito de ma-
rna de processo "educacional”. Os significados institu- neira mais crua, os tios matamos não transmitem este
cío»ais devem ser impresS0s poüerO08 e h esqU•Civ«t>«»!e particular acervo de conhecimento porque o conhecem,
na consciência do individuo. Como os seres humanos são mas conhecem-no (isto é, são definidos como conhece-
freqüentemente preguiçosos e esqueeidos, deve também dores) porque são tios matcrrlos. Se um tio materno íns-
haver procedimentos mediante os quais estes significados titucionalrnente designado, poc motivos particulares, re-
e rememori2ados, se necessário vela-se incapaz de transmitir o conhecimento em questão,
por tneios coercitivos gerslmext¢ desagradáveis. Além deixa de ser um rio +ai•i»o no pleno sentido da palavra
disso, como os seres humanos s5o freqüentemente estú- « na verdade o reconhecimento institucional deste estado
pidos, os significados institucionais tendem a ser simp)i- pode Ihe ser retirado.
fixados no processo da transmissão, de modo que uma Dependendo do alcance social da conveniência de certo
determinada coleção de “fó rmulas" institucionais possa tipo de ”conhecimento" e de sua complexidade e im-
ser facilmente aprendida e guardada na memória pelas portância em uma particular coletividade, o “conheci-
gerações sucessivas. O caráter de "fórmula” dos signi- mento" pode ler de ser reafirmado itiediante objetos sim-
98 99
d) Papóls
outras palavras, os objetos .e as açóes flsìcas podem ser Û onfOrnJC yiłn0S, as oriycns dc qualqucr ord¢in institu-
invocados COfhO auxlllos łTłßčfhOtéCflİCO5. Toda trans- Ci0nal consistcm GB tipífiCdțãO Jos dcscmpenhos dc um
missã o d si ni ado n im i aftob indivíduo č dOS OLllfOS. ÏSt0 İInpÍİC  €{Ił0 O ]g£İlltčİ7O UlTt
p oc no ontro e e le itima á o 0łl1 COn)łttt1 col y as outros finalídades tspcclficai c fases
e
à a via ‘tui ó es e sã o ministra os pela essoal cntrQÎaçadas de des0nJpe»ho e, ainna nłais, que sã o tipifi-
is Issor. Deve-se acentuar, aqui, am a uma vez qtie cadas nã o arenas açù es «speclficas n as format de açá n.
o po e presumir a priori a coerêncla, e niuito menos S(0 à , ))6Vf'•fŹ O recGnllJ2cinlenț o /j§g SOjj1CI1tțj €Íg um par-
a funclonalldatte, entre as 6ifercnt0s Instiłuiçó cs e as for- da açá o
Como sendo cxecutźvC] por çue/çuer ator
mas da transmissao do conhecimenlo prò prias de cada tipo X a quem
uma delas. Oproblema da coerência łõgica surge pri- possa cstrutura de convc-
;
!
ineiramente no nlvel da legitimaçă o (onde pode havcr nc"'ncia» cm questâo. Pur cxeinplo, é posSíVel que uin j1
conflito ou competiçáo ¢ntre diferentes legitimaç6es e menu veja seu filfio insolcntC surrado pelo ctinhado e com-
seu pessoal adminisłrativo), e secundariamenłe ao nlvel preeiida que esta particular ação ó apenas unia instâ n-
da socializaçăo (onde pode haver díficuldades prăticas Cia de unia forma de açã o apropriada a outros pares
na interiorização de significados institucionais sucessivos de tios c sobrinhos, na verdade é um padrao geralmente
ou concomitarttes). Voltando a um exemplo anterior, não yraticável em unJa Sociedade n\atrilocaL Somente preva-
há razâo a priori pela qual significados instJtucionats lecendo esta ú ltima tipificaçâ o ś que este incidents se-
que se originam em uma sociedade de caçadores não Ștîíf'Â Um Bursa s0ciatmentu aceilo, retirando-se o pai
possam difundir-se em uma śociedade agrlcola. Ainda discretamente da cena a fin› dv aăo perturbar o legftimn
mais, estes sigolficados, para urri observador exterxo, po- ćXeFCíCiO da aułoridadc avuncular.
i dem parecer łer duvidosa "funcionalidade" na primeira A t| p ifİCaçâo das fornias de iequer haver nestas
açáo
sociedade na época da difusã o e absolułamente nenhuma tim sentido objetivo, que por sua vez exige uma objeli-
"funcionalidade" na segunda. As diłiculdades que podem vaçáo lingiilstica. Islo §, haverå °' Y02 bWAü0 QUe SC
stirgir aqui relacionam-se com as atividades teó ricas dos
referc a esłas foruas d aç^o (‹aI co/no "sobrin›ło apa-
legilimadores e as diłiculdades prå ticas dos "educadores" nhando", que perleiicerå ^ Urłla cstrutura lingiils fica dc
na nova sociedade. 0s leó ricos łèm de Satisfazer-se em J2ßfiEfltßSCO m¡jÍtO mais ampla, com seus vários direitos
saber que ttma deusa da caça è uni habitante plausfvel t obrigaçóes), Em yrincípio, portanto, uma açă o e seu
de um panteon agrário e os pedagogos tčm como pro- Scntido yodem ser aprecndídos à yarte dos
blema explicar as atividades mitotógicas dessa deusa a desempenhos
individuais dela c dos varlá veis processor subjetivos que
crianças que nunca viram uma caçada. 0s te6rlcos iegi- a chs sc asSOCİüm, O ìndivfduo e o outro podem ser
timadorćś tendem a cułłivar aspiraçóes lóglcas e as crian- COłT jprecndidos como executantes de aç8es objetivas,
ças tendem a ser recalcitrantes. lsto, porém, nâo ć uni
»ln›ente conhecidas, que são recorrentes e repetlve;/ pOr
problema de l6gica abstrata ou de funcionalidade têcnica, §llûlqiIef ator do tipo adequado.
mas de engenhosidade de um lado, e credutidadc, do
outro, o que representa uma propośïçâo bastante di- importanłes para
ferente. ă UłQ- cxperièncla. No curso
da yersonalidade com
da a açá o fiá uma
ídenłifícaçá o
açñ o qtie cstá Sendo
o sentido objelivo das ațães. A
executada de(Crmina, nesse momento,
I0t

#
autacompreensâo do ator e isto no sentido ob)•iivo que
sua açáo pode ser conscrvada na consciência e projetada
a socialmettte atribuído à aÇâO. Embora continue a ha- errt futuras repetições das açóes. Desta maneira tanto o
foi consciência marginal do corpo e de Outros aS“ gü ãtk8nte quanto os outros atuantes são apreendidos
nâo como indivíduos únicos mas como iipos. Por defini-
pectos do eu nao diretamente implicados na açao, o ator, ção estes tipos são intercambiáveis.
nesse momento, apreende-se a st ITleSmO COfflO 9S59l1ClZ Podemos começar propriamente a falar de papáis quan-
ment‹ identificado com 8 ÂÇaO S0Ci am•nie do esta espécie de tipificação ocorre no contexto de um
objetivada
(“estou agora batendo em meu sobrinho", gpi5ódio na- acervo objetivado de conhecimentos comum a uma cole-
tural na rotina da vida cotidiana). Depois d• ocorrer a tividade de atores. Os apéis são ti atores neste
açâo há ainda Ijj§tg o\j(rg, jjylpgFtafltg CQf)59f*•jft cala,
quan- contexto. " Pode veí-se iacilme constru çao
do o ator reflete sobre sua açâo. Agora uma fi›• !* do eu
tioolorias dos ap um correlato necessário da insti-
é objetivado c0m0 o executante desta ação, sendo ainda
nina vez o eu total relativamente xâo identificado com a atucionalízação
experien_i;ia â condudü o orinstitu i os
es iTrcoz
éis.orert£-se
Estes,
açâo conceber o eu
executada. lsto é tOfTtâ-Sg §O9StV8! d‘ t
como estando somente parcialmente
implicado na açáo o mundo ob de
(afinal de contas o homem em nosso ex0fflq l0 é Outras po e p p o i dl ldiip participa de um
causas 91fim do ser utrl fl8}2ancador do sobrinho). Não é o inleriorizar êstH“pap ; o niiisnio mun-’
dificil ver qug quando estas ob;etivaçoes se acumular do torna-se subjetiv,ainen rea para ele.
t“••pancador do sobrinho", "sustehtador da irmã“, No cabedal of eciniento hà padrões úe
guerreiro iniciado "virtuoso da dança da chtlva”, el •)i
um setor inteiro da autoconsc:l ucia estrutura-se em t0t- desempenho
membros de papéis
de uma §k0 sãO
sociedade, aCe5sív0is
ou pelo a todos que
menos àqueles os
mos destas 0bjCtivaça es. Em outras palavras, un seg- sáo executarites potenciais dos papéis em questão. Esta
mento da personalid ade obJeiiva-se em termos de tipifÍCã- acessibilidade geral é parfe do mesmo cabedal do conhe-
Paes sooaimente válidas. Este segmento é o verdadeiro cimento, pois não somente os padroes do papel X são
"eu social“, que é $pJjje}iVamente experimentado como dis- universalmente conhecidos mas sabe-se gus estes padróes
tfnto do eu em sua totalidade, chegando mesmo a de- são conhecidos. Por conseguinte, todo suposto ator do
frontar-se com este.‘ Este iM§0ftARtfl fenômeno, que pe - papel X pode ser considerado responsável por confor-

mitc uma "conversa” interna entre os dlterentes segme*- mar-se com os padrões, que podem ser julgados parte
tos da personAlidBde, serã retomado novamente mail
tarde quando o processo pelo da tradição institucional e usados para verificar as cre-
do socialmente construído se interloriza na consciência denciais de todos os executantes, e além disso servir como
individual. Por ora, o que terri importância é a relação controles.
do fe szneno com as tipificaçaes da conduta objetiva- ?Ãs origens dos papéis encontram-se no mesmo processc
mente praticáveis. fun amezt üe formaç os e ivaçao que as
Em stirua, o ator ideniil iCA-Se coffl 89 lipil icaçó es da origens as in og qu oqu comum
conduta in ocfu socialmente objetivada, mas restabelece conhecimento, contendo tipificaçôes recíprocas de con-
a distância com relação a elas .quando reflete posterior- duta, está em processo de formação aparecem os papéis,
mente sobre sua conduta. Esta dist$acia enÍre o alor e
nossa argumeni0çy0 use ttrmo9 esttsnhos a ãfead, noá8S ç0n•
ti ã mullo róxlma ã üele e pretende •er uma extenaÉê da
eaunclade p•r D•rkhel«'. ao pe de rtfer2nela m aly ampIo,• c 9abar,
uMa tC0/lN daa 1•stItulçdes.

102 ’°'

'
ø ggşg pr0cesso, confor me vimos, ć Of\dèmlCo na As instituiçóes tambśm sao represeritadas de Outras “.
insłitucionali2açå o
propriamen te dita. ’ marteiras. Suas ohjetivações lingülstlcas, das simples de-
social e precede a slgnaçÕ 0s verbais ate a incorporaçã o em simbolizaç6es
quaìs sã o 05 papéis que da rcalidade altamente coniplexas, tambćm as iepresen-p
as á reas ‹ t sdna experiência.BE
naizam é idŒntica
de conduta afetadas p tarn (isto č, tOfrt 1-ßasrms
ela insłitucionalizaçå o, ” e pode se
ma••ira. Toda conduta institucİ0- odem- ser-st ü ”“tø representadzS Œr’ob fi-
respondida da mesma øu t¢tp de papéis. A•sim, os sicos naturals e artificiais. Todas estas representaçó es,
nali ada en volve um cerlo porêm, tornam-se “niortas" (isło é, destiluidas de rea-
controłador da in•titucion^- ›, lidade subjetiva) a não ser que sejam continuamente
lizaçåo. Logo que os atores săo tlpiflcados gOfh0 gXECtt- ' "vivificadas" na conduta humana real. A representaçä o
tantes de paptls, sua conduta concordâ riCia coTłt 05 de uma instiłuiçëo em papéis, e por nleio destes, é assim
dC fč {O£țO. Å
ia
concordâ nc e a năo ó tima, '; a representaçăo • par excelčncla, de que dependem todas
padroes tøclalmenle deíinidos deixa de stfi as outras representaçóes. aPcot m o tu o d .
variar
a •• eridad• das açóes possâ
de um Caso pa78 OUtr0.
f elodi da uła_ę Iz_f
0s papéis representam a order tnstitucional. " Î2SU nearalmc tas o s It da_m t udogș
represgntaçã o
egecuçáo do dois nIVø İs, Priflteiramente ã ß0f/Tl6S BtT1 sistemas ćttCOS, F0llğ OSO İtO CO
r e a ł iza-se a si rnesma. Por *** P! › tp n aoteMcnoi‘produzidos pelo homem,
p
em, p , j
empenhar-se û n1 Vulgar é representar o papel de juİz. O omo a pressionante parafcritália que freqiienleinente
indivlduo julgador atuando "por acompanha a administraçâ o da lei, c fenô menos naturals
cgøta", mas ęuo j ndo lugar, o pa@I repr« tais como o estrondo do trovâ o, que podem ser tornados
senta uma completa necassidade instttucional de conduta. ćon›o veredicto divino cm um julgamento por ordalio c
O papeL-dwju ăC 0 å 0 oulros-papéi o ’. mesmo tornar-se fínalmente slntbolo da justiça ú ltima,
’.' representam ainda mais a instî(uíçâ o. Todas estas repre-
totalîdade co nde a insttt ç o
sentaçóes, porém, derivam sua perzxanente significação e
COfTtO
} jt_Zep ta o p d nhadê ue  tfl5- inesmo sua inteligibilidade da ułilizaçå o na conduta hu-
tItulj;4o p d angstc_sapex čiź”f@al.•Æ. mana, que rieste caso I evidentemertte a conduta tipifi-
ra_ggot d aç6es prograłÎtadaã cada nos papżis lnstitucionais da lei.
t
melha-se ao librel drá ïń a. A realiza Quando os indivfduos começam a refletir sobre estes
São do drama depends do repetído ho dos Pa- assuntos enfrentam o problema de reunir as vá rias repre-
Ofi parts dc atores VlvoB. 0s 8tOIgS C0F- sentaçó es em um todo coerente que ttnha sentido. "
e efetlvam o drąma ao repfeSeïttá - 10 Qego er e eta de
efi\ tern d•termtnado p2ICO. Nem o drama nem a ÍfiSli lUi- s ido ob t o da fŁșjjJJj_ oe assim aos outros desem-
emplricamente separados desta rea iza ao cotolamefares do papel ao_ ìiti ô da
çâo eristem dade.Wîîî6ora de infegrar as
D’ que pa
dlżë r que represenlaȚ 6ìiT em questlo seja resolvido primor-
sentam În5tltțãtÇoč5
JI el a extitência a* -, diabnente ao nível da legitimaçäo, é łambèm Íralado em
ntO P'
experiêia d%*-8.%s..?J* *—-
^ estc process a de °lIgaçag con)unța” I um dos objttos ccetrais da
t05

-—--- -
termos de certos papéis. todos os papéis represmtam a tudo, 0 "conhecimento” dos valores e atitudes julgados
ordem institucional no sentido acima raencioaado. Afguos adequados a um jui2, estendendo-se até os que são pro-
papéis, contudo, representam simbolicamente está ordem verbialmeRte considerados convenientes para a esposa du
em sua totalidade mais do qtíe outros. Taj urri juiz. O juiz deve também ter um "conhecimento"
grande i gadân tratégt¢ uroa soçiedade, uma vez adequado no domínio das emoções. Deverá saber, por
gue esta OU aquela Exemplo, quando tem de relrear seu sentimento de com-
izt d t as mundo paixão, pira mencionar um requisito psicológico impor-
doladoÁento.fps c aturalmenle, estes papê tante deste papel. De tal maneira, cada papel abre uma
mudam a‘ manéart raç e na entrada para um setor específico do acervo total do
conduta dos me ola sociedade, l8f O é t4m uma conhecimento possuído pela sociedade. ÇÁ prender um pa-
la ao es e r o or sociedade. pel não é simplesmente adquirir as rotinas que sã o ime-
onu s a is ão t s a diatamente necessárias para o desern penho “exterior”.
s ão i as t onal cõ nio_lotalldade E' precisô que seja também iniciado nas várias camadas
Megra_daoveo an o m esta tunçao de vez cognoscitivas, e mesmo atetivas, do corpo de conheci-
_iiq_sn‹1e,pawessenia. e às íunc0esm.erros enalte- mento que é diretamente e indiretamente adequado a
cldas desgapenfiam rotineiramertte O juiz, por este papel
exeiiiplo, pode em certas ocasiões, em algum caso parti- Isto implica urna distribuição social do conhecimento. -
cularmente importante, representar desta maneira 8 Inte- O acervo do conhecimento social acha-se estruturado em
gração total ..da sociedade. O rrionacca tem este papel tCrmos do que é geralmente relevante e do que é somente
durante tado o tempo e de fato em uma moztarquia relevante para papéis particulares. Islo é verdade mesmo
constitucional pode nao ter outra funçao sen6o a de para situaçõ es sociais m uito simples, tais como nosso
"símbolo vivo” para todõs os níveis da sociedade, ato O anterior de uma situaçã o social produzida pela
o homem da rua. Historicamente, o p éis. \]ue_zept ••° interação de um homem, uma mulher bissexual
continua
sentam simbolicamet toopcional lotWestive- e uma lésbica. Neste caso um certo conhecimento tem
n aio i d oc ad e ç s_go- importância para todos os iris indivíduos (por exemplo,
a o conhecimento dos procediment os necessários para max-
Para nossas Imediatas considerações, mais importante ter à tona economicamente esta companhia), enquanto
á o caráter dos papéis como mediadores de particulares outro conhecimento só tem importância para dois dos in-
setores do acervo comum do conhecimento. Em virtude divlduos (o sovoir /oire da lésbica ou, no outro caso,
dos papéis que desempenha, o individuo é introduzido da seduçã o heterossexual). Em outras palavras, a dis-
em áreas especificas do conhecimento socialmente obJe- tribuiçã o social do conhecimento acarreta urna dicotomi-
tivado, náo somente xo sentido cognoscitivo estreito, mas zaçao no que se refere à importância geral e à impor-
também no sentido do "conhecimento" de normas, valo- tância para papéis específicos.
res e mesmo emoções. Ser juiz evidentemente Implica Dado o acú mulo histó rico do conhecimento em uma so-
conhecimento da let e provavelmente taizb4m conheci- ciedade, podemos admitir que, devido à divisão do tra-
mento de uma gajjja, muito zriais ampla de negócios hu- balho, o conhecimento de pap4is específicos crescem em
manos de repercnss6es jurídicas. implica taznbézn, coa- proporçã o mais rlpida do que o conheclmento geralmente
relev8nte e acess(vel. A multiplicaçã o das tarefas espe-
cllob4Jlcaa dx Integfaçgo cofiã tltuam o que Durkhelm
“ O cox4€lt0 d¢ ü ICtflbMI gã0 C0çlal do Conhcclmcnto dtylyA gg $tgqj$.

t07
cfflcas produzida pela divisão do trabalho requer soluções cialistas em competição oy quando a especialização tor-
padronizadas que possam ser tacil«tente aprendidas e xou-se tão complicada que o leigc fica desorientado) ftáo
transmitidas. Estas, por sua vez, requerem o conhecimento devem no momento nos preocupar.
especializado de certas situações e das relações entre E’ possível, assim, analisar a relação exlrc os papéis
meios e fins em termos das quais as situações sâo e o conhecimento partindo de dois pontos de vlsta. Con-
socialmente defixfdas. Em outras palavras, surgirão es- siderados na perspectiva da ordem institucional, |ôs paptis
pecialistas cada um dos quais terá de conhecer tudo aparecem como representações institucionais e mediaç6es
aquilo que 4 considerado neecssgr(o para a realização de de conjuntos de conhecimento institucionalmente objeti-
sua particular tarefa.
vados@Visto na perspectiva dos vários papéis, cada um
Para acumular o conhecimento de papéis específicos destes transporta consigo um apêndice socialmente defi-
uma sociedade deve ser organizada de tal maneira que nido de conhecimentos. As duas perspectivas, está claro,
certos indivíduos possam concentrar-se em suas espe- apontam para o mesmo fenô meno global, que é a dia-
cialidades. Se numa sociedade de caçadores certos indi- lética essencial da sociedade. A primeira perspetliva pode
víduos devem tornar-se especialistas como ferreiros fabri- ind a ro oslção segundo a quaJ a“socied e
cantes de espadas, terà de haver provisões que os liberem sd exíst nd os ?fdüós ”tê_m “cónscigncia dela, a
das atividades da Caça, incumb/lncia que re¢ai sobre todos s g a perspectiva resum -sé”na proyosiçâo de que, a
os outros adultos masculiaos. O conhecimento especiali- co 1ênctg1n&ividual é socialmente determinada. Estrei-
zado de tipo mais indefinlvel, tal como o conhecimento ola q stão arpa f?ãtarwpenas- dõ assunto dos pa-
dos místagogos e outros intelectuais, requer uma orga- pêis, podemos dizer que, por um lado, a ordem institu-
uJzação social semelhante. Em todos esses casos os es- cional é real apenas na medida em que é no/izodo em
pecialistas tornam-se administradores dos setores do ca- papéis executados e que, por outro lado, os papéis são
bedal do conhecimento que lltes foi socialmente atribuído. representativos de uma ordem institucional que define seu
Ao mesmo tempo, uma Importante parte do conheci- caráter (incluindo seus ap6ndices de conhecimentos) e da
mento geralmente significativo ê a tipologia dos especia- qual derivam o sentido objetivo que possuem.
listas. Enquanto 0s especialistas são definidos como in- A análise dos pap5is tem particular importância para a
divíduos que conhecem suas especialidades, qualquer sociologia do conhecimento porque revela as mediaçóes
pessoa deve saber quem são os especialistas no caso existentes entre os universos macroscópicos de significa-
de precisarem das especialidades deles. O homem da rua
ngo tem obrigação de saber as complicações da magia ção, objetivados por uma sociedade, e os modos pelos
da produção da fertíli lade ou das bruxarlas lançadas quais estes universos são subjetivamente reais para os
contra alguém. O que d'evc saber, porém, t a que fel- indivíduos. Assim, é possível, por exemplo, analisar as
t)ceiros deve recorrer se tem necessidade de algum decses rafzes sociais macrosc6picas de uma concepção religiosa
serviços. Uma tipologia dos peritos (aqullo que os clen- do muxdo em certas coletividades (digamos, classes,
tistas sociais contemporâneos chamam um guia de refe- grupos ttnicos ou rodas intelectuais), e tambtm analisar
rências profissionais) é assim parts do estoque de conhe- a maneira em que esta concepção do mundo manifesta-se
cimento importante e acessível geralmente, ao passo que na consciência de um individuo. As duas análises só
o conhecimento que constitui a especialidade não ê. As podem ser efetuadas juntas somente se irdagarmos dos
dificuldades práticas que podem surgir em cerlas socle- modos pelos quais o individuo, em sua atividade social
dades (por exemplo, quando existem grupos de espe-
pesquisa será necessariamente um exercicio de aná lise a esfera da institucionalização ser1 ampta. Se sâo poucas
dos papó is." as estruturas relevantes geralmente compartilhadas, a
esfera da institucionalização será estreita. N•ste ú ltimo
caso, há ainda mais a possibilidade da ordem institu-
e) Esteaa8o e modos de inatitutloaaiiza@o cional ser consideravelmente tragmentada, quando certas
estfuturas importantes são partilhadas por grupos no in-
AII aqui temos discutido a institucionalizaçã o em termos terior da sociedade, mas rtão pela sociedade em tota-
dos aspectos essenciais que podem ser considerados cons- lidade.
tantes socioló gicas. Evidentemente ná o podemos neste Pode SRfi ú til do ponto de vista heuristico pensar,
tratado dar mesmo uma visã o de conjunto das incontá - neste caso, em termos de extremos ideais tópicos. E’
veis varlaçô es das manifestaçõ es e combinaçõ es histó ricas possível conceber uma sociedade na qual a instltucionali-
destas constantes, tarefa que só poderia ser realizada es- zasã o seja total. Nessa sotiedade todos os problemas
crevendo-se uma hlstó rla universal do ponto de vista da sá o comuns, todos as soluçõ es desses problemas sã o
teoria sociológlca. Há, contudo, muitas variaçõ es histó - sociologicamente objetivadas e todos as açóes sociais sâo
ricas no cará ter das institulç6as que sã o tá o importantes lnslitucionalizadaS.@ ordem institucional ibran e a lola-
para a aná lise socioló glca concreta que precisam ser lidade da vida socia , que se assemelha à execu o con- inua de uma com e
pelo menos resumidamente discutidas. Continuaremos,
naturalmente, totalizando a relação entre as instituiçõ es e
o conhecimento. cos u e ã u tod o a ao
Ao investigar qualquer ordem institticiohgl coftE7gtE, poü e- X rt r to-
se fazer a seguinte pergunta: Qual é a extensã o da dos os atores Este modelo heuitstico de uma soci a e
institucionalização oa totalidade das açües sociaiá em ahn tucionalizada (tem8 adequado para pesa-
uma dada coletividade† Em outras palavras, de que ta- delos, diga-se de passagem) pode sei ligeiramenie modi-
manho é o setor da atividade ixstituclortalizada compa- ficado, concebendo-se que todas as açô es sociais s8o
rado com o setor xão instittJCiOzt8l|2ado†“ E’ claro que instituci0nallzadas, mas nã o somente em torno de pro-
há uma variação histórica neste assunto, uma vez que as blemas comuns. Embora o estilo de vida que uma socie-
diversas sociedades deixam maior ou menor espaço para dade deste tipo importa a seus membros fosse por igual
as açóes não instltucionalizadas. Uma consideração geral rígido, haveria um grau maior de distribuição do co-
importante é o esclarecimento dos fatores que determi- nhecimento em papéis específicos. Várias liturgias esta-
nam um campo de ixstitucionalizaçâo mais vasto por riam Sendo Executadas ao mesmo tempo, por assim dizer.
oposição a um campo mais estreito. Nã o é preciso dizer que nem o modelo da totalidade
Dito de modo mnito formal, a extensão da institucim institucional nem sua forma modificada podem ser en-
na)lzaçSo depende da generalidade das estruturas impor- contradas ga histó ria. As sociedades reais porér« podem
tantes. Se muitas, ou a maioria, das estruturas impor- ser consideradas segundo o modo como se aproximam
tantes de uria sociedade slo geraltaente compartilhadas, deste tipo extremo. E’ então possível dizer que as socie-
O term e ’medlaç0ê” fêl ucaü o por dades primitivas aproximazti-se desse tipo em grau muito
dar. O term0 cerva bem
mais elevado do que as civilizadas.‘ E’ possível mesmo
- Bege questão poderia ser d¥•1gacda como ee referindo ã “dcnal4a4e° ac tcf VIII com o neles de "saudar ledsde
maior eontetd0 pe!
dt Dtirhhelin quando lula de nas
e dccldlxtos nã o u9ar este termo cpeacr de aer augestlve.

110 tt1
dizer que p desenvolvimento das civilizações arcaicas tãncia social, isto é, a “teoria pura”." lsto significa que
hi no progressivo movimento que as faz afastuem-se certos indivíduos sio (voltando a um exemplo anterior)
deste tipo.‘ liberados da caça não apenas para forjar armas mas
o extremo oposto seria uma sociedade na qual hou- também para fabricar n\ítos. Temos assim a “vida teó-
vesse apenas stru único problema comum e sd existisse rica", com sua luxuriante proliferação de corpos especia-
institucionalização com respeito a açoes referentes a este lizados de conhecimento, ministrados por especialistas
problema. Nessa sociedade quase não haverá fim acervo cujo prestígio social pode realmente depender de sua
comum do conhecimento. Quase ÍodO 0 COfihecÍtTiento incapacidade de iaãer qualquer outra coisa a não Ser
seria de papêis específicos. Em lermos de sociedades tcorizar, o que conduz a vários problemas anallticos a
oiacroscópicas, mesmo as aproximações a este tipo sao 'oltaremos mais tarde.
historicamente impraticáveis. Mas certas aproxlmaç6es nstitucionalização xâo ê contudo utti processo irre-
podem ser encontradas em formações sociais mériora, de es o dâs institui es
por exemplo, em colônias de libertários, onde os interes- of as terem a ten nc›a a efóurar-. Por uma mu
ses comuns liMilafn-S8 àS disposições econômicas, ou ent tip ade de razoes is ricas, a extensão as aç es
expediçóes militares ¢onStítulda5 §O7 um cefto númxo inátítucionali das pode míffi?!ode set -
de unidades tribais ou étnicas, cujo único problema ao-
mcm t em preender a gu8ffa. extmp , a*eiféra”pii gás g na mdar a socie-
Deixando do lado o estímulo às fantasias soclol6gicas, dãdito íóE a me e desi Iãti.tutlona1iza
estas fieçaes heuristicas são úteis unicamente na medida ¢t$,
em qu« ajudam a esclarecer as condições que favorecem
as aproxlmaçóes a elas. A condição mais geral é o grau
de divisão do trabalho, com a concomitante diferencia- Uma outra qucslao a respeito da qual as ordens ins-
tiiucionalizadas var arao historicamente é a seguinte:
Qual é a relaçã o das diversas instituisó es umas 0oM ã S
ção das instituições. “ Toda sociedade na qual existe outras nos niveis de desempenho e significaçã o? “ No
crescente divisão do trabalho est se afastando do pri- primeiro tipo extremo aCima indicado há unidade de de-
meiro tipo extremo acima descrito. Outra condição geral, sempenhos e sígnificaçóes institucionais em cada biogra-
estreitamen te relacionada com a anterior, ê o acesso a
um excedente econômico que torna possível a certos in-
divíduos ou grupos empenharem-se em ativldades espm Mxrx.
pcrslslltcPt foi snaltisda por Oeorg
cializadas não diretamente relacionad as com a subsistén- Sl stu GI tm 60u 0pnG0lt0 d6 "1Idtl l dGd8”.
Duncltcr und
cla," Estas ativldades especializadas, conforme vimos, ¢oncctlo de
conduzem à especialização e à segmentação do estoque
tomtim do conhecimento. E estas tornarfl possível O c0- Rowotill,
rlcmoe chamar Is‹o c gu¥c‹ão do gr•u de "lu‹ao• ou ga
nhecimento subjetlvarttente destacado de qu«Iqdey llztpor- ordem Initlluclensl. A Ytstc disto, cils qucitle psicctrls zir ldf mia

ar •çpptpst1figjia• ¢ dú ‘dllt- ea\


#er determlacd
11 d¢ sucltdad¢.
Por

TõanlczTzlcett
*• Po4e al•er•sc gas, aêecar d*
todt ae t0ntrárlo do que ] ulgcm os tunclonalt¢tSS
toPipretndlds cono
112
tla subjetiva. O acervo tzttpiro do conhecimento
social hoixem (C-A). Processos institucionais distintos poden›
acha-se atualizido em tada biografla individual.
Todos t0ntinuar a Coexistir sem integração total. Afirmamos en-
. {amem tudo e sob!m tudo. O probiema da integração dos tao que o fato emplrico de instituiçõ es corzse/°vorem-se
significados (isto é, da relação, dotada de sentido, entre unidas, a despeito da impossibilidade de admitir isto o
as diversas instituiçõ es) é um problema exclusivamente priori, só pode ser explicado com referência à consciêx-
, .
subjetivo, O sentido objetivo da ordem institucional apre- cia relleziva de individuos que impò em certa ló gica à
se»ta-se a cada individuo cono dado universalmente co- sua experiência das diversas instituiçó ts. Podemos agora
nhzcido, socialmente admitido como nzlata\ e certo en- levar esta afirmaçã o um passo adiante, admitindo que
quanto tal. Se há algum problema, deve-se a diflculda- um dos trts indivíduos (suponhamos que seja o homem,
des subjetivas que o individuo pode ter na inttriorlzaçgo A) fica insatlsfelto com a falta de simetria da situação.
de signiticados a respeito dos quais existe acordo social. lsto nã o implica que as relaçõ es de que participa (A-B e C-
O crescente desvto com relaçã o a este modelo heurls- A) tenham mudado para e1e. Ao contrário, é a relação de
tico (isto é, evidentemente, em todas as sociedades reais, que não participava anteriormente (B-C) que agora o
embora nâ o em grau semelhante) determinará importan- aborrece. Isto pod0 acontecer porque interfere em seus
tes modificaçõ es .no caráter de serem dadas que se en- próprios interesses (C perde muito tempo fazendo amor
contra nas significaçóes institucionais. As duas primeiras com B c negligexcia suas atividades de arranjo de flores
já foram indicadas: a segmentação da ordem institucional, com ele), ou pode ser que tenha ambições teóricas. Em
havendo somente certos tipos de indivíduos que executam qualquer caso, deseja unir as trés relações distintas e
certas açóes, e, seguindo-se a esta, uma distribuição so- seus concomitantes processos de formação de hábitos em
cial do conhecimento, sendo reservados a certos tipos o uma totalidade coerente, dotada de sentido, A-B-C.
conhecimento de papêis específicos. Com estes desanvol- Como pode fazer isto?
vimentos, porêm, aparece uma nova configuração no nivel Imagixemos que seja um génio religioso. Um dia apre-
da significação. Haverá agora um problema oôjefiro re- senta aos outros dois uma nova mitologla. O muztdo foi
Gerente à. integraçao envolvente das slgnifiCaçües dextro criado em duas etapas, a terra seca pelo deus criador
da sociedade lnteira. Este é utn problema completamente copulando com sua irmã , o mar foi criado ertt um ato
diferente do problema puramente subjetivo que consiste de mútua masturbação entre os dois e uma deusa gêmea.
na necessidade que o Indivíduo tem de harmonizar o
sentido que dà à sua biografla com o sentido que Ihe E quando o mundo foi assim feito, o deus criador jun-
é atribuído pela sociedade. A diferença t tso grande tou-se 1 deusa gêmea no grande dança das flores, e
desta maneira surgiram a flora e a fauna na face da
quanto a existente entre produzir propaganda para cozt- terra seca. O triângulo existente, constituído pela hete-
vencer os outros e produzir memó rias para S6 COftVgf\C9¢
r0S8eXualidade, o fesbianisrrio e o Cu]tiv0 das flores nto
é outra coisa senâ o uma Imitação humana das açses
Em nosso exemplo do triâ ngulo homem-mulher-lésbica arquetfplcas dos deus•s. Muito satisfató rio2 O leitor que
estendexio-nos um pouco para mostrar ser impossfvel possua alguma cultura em mltologia comparada nao terá
admitir * R•!’°••’ q•• diferentes processos de instituciona- dificuldade em achar paralelos histó ricos para esta vinhefa
lizaçao “serao coerentes". A estrutura relevante parli- cosmogôniCa. Nosso homem pode ter mais dificuldade
lhada pelo homem e a mulher (A-B) nã o tem de ser in- em conseguir que os oulros aceites sua teoria. Terá
tegrada com aquela de que participam a mulher e a um probiema de propaganda. Se admltirmos no entanto
lésbica (B-C) ou a de que participam a lésbica e o que B e C também tiveram dificuldades prátiraa em
t14 tt5
fader axdarem seus vários projetos ou (maztos provavel-
mente) que são insplrados pela concepçăo do universo iotal de sentido objelivo para a experiência e o conheci-
de A, há muitas probabilidades de nosso homem ser mento social fragmenłado do individvo. Aínda mals,
CȘ ä2 de levar a cabo com txito seu esquema. Uma vez havcrá nao somente o problema da integraçã o total do-
que tenha sucesso e todos os tres indivlduos "saibam" !ada de sentido mas também um problema de legltima-
ção das ativídades ił15tÍtUCiOßüiS de um tipo de ator
que suas diversas açòes trabalham ]untas em łavor da
grattde sociedade (que é A-B-C), este "conhecimento" com relaçăo aos outros tipos. Podemos admitir que
ixfluenciará o que contirtua havexdo na situaçáo. Por cxiste um universo de sigiiificaçâo que outorga sentido
exemplo, C pode ser levada a programar seu tempo de objetivo às atividades de guerreiros, fazendeiros, comer-
" maneira mals equit¥łiva extre suas duas principals atï- Ct8DtĆS c čXOFCis(as. Isto nâo quer dizer que năo haja
vidades. conflito de interesses entre csses tipos de atores. Mes-
mo dentro do universo comum de signíficaçåo, os exor-
Se esta extensão de nosso exemplo parccer forçada cistas podem ter o problema de "explicar" alguaias de
podemos torná-la znais convixcente iniaglnando um pro- suas atividades aos guerreiros, e assim por dianle. 0s
cesso de secularização na consciência de nosso hometn métodos dessa legitimaçáo lambćm variam hlstorlca-
de g4nio religloso. A mltologia j«n8o parece mais plau-
sivel. A situaçăo tern de ser explicada pela ci5ncia so•
cial. lsto naturalmente é muito făcil. E’ cvidente (isto é Outra ConScqüčncia da segmenlação ixstitucional ć a
para o nosso homem de gênio religioso transformado possibilidade de subuniversos de significação socialmente
em cientlsta social) que os dois tipos de ativldade sexual separados. Estes Fč5ultam de acentuaçôes da especiali-
incluidos na situaçao exprimem necessidades psicológlcas zaçăo dos pgpéls, levadas a um ponto em que o conhecl-
profundas dos participantes. "Sabe" que frustrar estas mexto especlfico de um papel Iorna-se izttelramente eso-
necessidades levarå a tensöes "disfuncionais". Por outro lérico, comparado com o acervo comum do conhecimento.
lado, é urn fato que nosso trio vende suas flares por Esies subuniversos de significaçã o podem eslar ocultos
àconteúdo
visáo geral, on não. do
c0gnoscitivo Emsubuztiverso
cerlos casos, nã o somente
esotárico mas atćo
dblares na outra extremidade da ilha. Isso resolve. 0s
padröes de comportameato A-B e B-C săo funcionais rrieSm0
tenta podema existtnCia
ser uni dele e da0scoletividade
segredo. subuxiversosquedeosigni-
sus-
em termos do "sistema de personalídade", enquanto C-A
ś fuxcional em termos do setor econômico do "sistema ficaçao podem ser socaImen\e estruturados de acordo
social". A-B-C nada main é do que o desfecho racional C0m vários critéríos, sexo, idade, ocupaçâo, tend4ncia re-
da integraçáo funcional em nlvel intersistêmíco. Ainda ligiosa, gosto esiGtlco, etc. A probabllidade de surgirem
mais, se A tern sucesso na propaganda desta tcoria às subuniversos cresce sem dúvida rapidamente com a pro-
duas moças, o "conheciniento" possuido par elas day gressiva divisăo do trabalho e os excedentes econ6micos.
imperativos funcionais implicados em sua situaçăo terá ł'łuma Sociedade com economia de subsistêntia pode haver
certas conseqaências que čifluexciarăo sua conduta.
segregaçao cognoscltlva entre homens e mulheres ou en-
tre velhos guerreiros e jovens, tal como acontece nas
Plutolis mutandis, o nieimo argumento será válido se "socledades secretas" comuns na Äfrica e entre os In-
o transportarmos do idflio face a face de nosso exemplo dios amerlcanos. Pode Linda ser capaz de custear a
para o nfvel macrossocial. A segmentação da ordem ins- exlstgxCi8 ćsottrlca de alguns poucos sacerd0tes e țgj-
tituclonal e a concomltaxte distribulçMo do conhecimenło ticeiros, Subuniversos de significaçăo altaniente desen-
levarão ao problems de f0rnecer signlflcados integrado-
res que abrzrijam a sociedade e ofereçam um contexto deflnldo.
volvidos, tais < <^
os qtie cã racterízaram pol tKBfn ciedade total, cada qual considerando-a do ãngulo de um
10
as castas hicdüs, d burocraCia . lilHãfiA destes subuniversos. O quiroprático iem um ãngulo de
roaas saeerdotais do antigo Egito, exigem observação da sociedade diferente do possuído pelo
«diantadas do problema gCOftómlCO• ificação, professor de uma Faculdade de medicina, o poeta vê a
0fTtO t0óOS OS adifícios socl8is de sign OS sociedade diferentemente do homem de negócios, o ju-
sob»niversos devem ser "transportados" por uma coleti- deu do gentlo, etc. Não é preclso dizer que esta m uli ipli-
vidade particular ", isto t, pelo grupo que prodtlz GOflfÍ- cação de perspectivas aumenta muito o problema de
dentro do qual estabelecer um docet estável simbólico para a sociedade
nuamente
estes os sígnlficados em questão e
significados Pode havet int ira. Cada perspectiva, seja lá com que teorias anexas
conflito 0t1 COlTt fltÍÇão entre tais gru
pos. N0 nfvel mais na mesmo Weltanschouungen venha acompanhada, es-
s}mples pode hauer c0 ntlito com rfllâta» à alocação dos tará relacionada con os interesses sociais concretos do
recursos eXC8dent85 extre os especialistas em questao, grupo que a sustenta. Isto nõo significa, porém, que as
p0r exemplo, UB ftt0 ã isenção do trabalho pr0dUÍÍV8 várias perspectivas, muito menos as teorias ou lV#f/rn-
q
Quem eslará oticialmef ltfl ÍS6flt0t t0dO5 0S leiticeiros oti schauung#n, nâo sejam senão reflexos mecânicos dos in-
somente aquele» qge prestam serviços ã tatnllia do chefe† teresses pessoais. Especialmente no nfvel teórico é inteira-
o«, quem deve receber das autoridades um pagamento mente possível que o conhecimento chegue a despren-
lixo, aqueles que curar o doente por melo de ervas ou der-se muito dos interesses biográficos e sociais do co-
t que o lazetn Estes conf ÍÍfOS nhecedor. Assim, pode haver razóes sociais tangíveis para
sociais traduzem-oo facilmen te em c0illlÍtfiS 8ntre escolas que os judeus se preocupem com certos empreendimen-
ttpa¡s de pensame cada qual procurando estabelecer- tos científicos, mas é impossível predizer as posições
nto,
se e dg$acreditar, uand náo liquidar, 0 CO7pP de conhe- científicas relacionando-as com o fato de serem susten-
o
cimento competld +• Na •• cIeda de cont tadas por judeus ou por indivíduos que não são Judeus.
tinuamos a ter estes con{lit0s (tã/ttO e suas Em outras palavras, o universo científico de significação
entre a medicina ortodoxa é capaz de chegar a um alto grau de antonomla em
rivais do tipo da quiroprátic a, homeopatla ou CiêflCtã oposição à sua própria base social. Teoricamente, embora
Crist5. Nas sociedades industriais avançadas, que p«- na prática haja grande variação, lsto 6 válido para qual-
:’ excedente econômico, que gran-
/jjitgm, c0fri seiJ irrt*n90
quer corpo de conhecimentos, mesmo com perspectivas
de número de ihdiyiduos
se devotem em regime de tempo cognoscitivas sobre a sociedade.
integral aJú aos objetivos mais obsCUf0S, C mp^t1A
Mais ainda, um corpo de conhecimentos, uma vez que
pluralista entre subuoiversos de s:g nii icaçao de todas aS
a situação norm»t." (exha alcançado o n(vel de uzn subuniverso de signifi-
Espécies cação relativamente autônomo, tem a capacidade de
Com o estabelecimento de s«buniversos de signitlcaç$o
emerge uma lTlt2ltÍ lÍcidade de pr •» Ctivas sobre a so- exercer uma açao de retorno sobre a coletividade que o
produziu. Por exemplo, os judeus podem tornar-se cien-
ta. tistas sociais porque têm problemas especiais na socie-
a ‹tiaim••te dade por serem judeus. iVias logo que tenham sido inl-
du ret!C1f -
ciados no universo do discurso científico sociológico,
dos
deate
g0Ct0l0glA

podem examinar a sociedade de um ângulo que não é mais característicamente judeu, mas até mesmo suas
conseqüência das perspectivas científicas socioló gicas re-
ceritemente adquiridas. O grau de separaçã o do conhe- aropla, existe o problema de manter de fora os estranhos
cimento com relação ãs suas origens existenciais depende e ao mesmo tempo fazer com que admitam a legitimidade
de am considerável nú mero de variáveis históricas (tais dpste procedimento. Isto é realizado yor meio de várias
como a urgência dos interesses sociais em jogo, o grau técnicas de intimidação, propaganda racional e irracio-
de requÍnte teórico do conhecimento em questão, a lm- nal (apelatido para os interesses dos estranhos e para
portância ou falta de import8xcia social deste ú ltimo, e suas emoçõ es), místificação c, em geral, a manipulação
outros). O principio importante para xossas considera- dos símbolos de prestígio. Os Íntimos, por outro Iado,
ções gerais consiste em que a relação entre o conheci- tém de ser mantidos dentro. Is\o exige a criação de
mento e sua base social é dialética; isto t, o conheci- procedimentos práticos e teó ricos pelos quais é posslvel
reprimir a tentaçã o de escapar do sub-universo. Exa-
mento é um produto social e o conhecimento é um fator minaremos mais adiante com alguns detalhes este duplo
na transformaçã o social. “ Este princípio da dialéiica problema de leg“rttmaçáo. De momento, basta-nos dar
entre a yroduçâ o social e o mundo objetivado que é uma ilustração. Náo é suficiente instituir um subuiti-
produto dela jã foi explicado. E' especialmente impor- verso esotérico da medicina. E’ preciso convencer o pú-
tante It-lo em mente cm qualquer aná llse dos subuni- blico leigo de que isto é correto e benéfico e a frater-
versos concretos de significaçã o. nidade mtdica deve ser conservada nos padrões deste
- O crescente ntimero de complexididc dos subuniversos subuniverso. Assim a população geral é intimldada pelas
fazem com que se tornem cada vez mais inacesslvelr
imagens da ruína ffsica que se segue à atitude de
aos estranhos. Passam a ser enclaves esottricos, “her- “opor-se aos conselhos do médico”. E’ persuadida a não
mcticamente vedados" (no sentido clas5icamente ligado
fazer isso pelos benefícios prá ticos da obediência e pelo
ao corpo hermético do conhecimento secreto) a todos, seu prô prio horror da doença e da morte. Para subli-
exceto àqueles que foram devidamente iniciados em saus nhar sua autoridade, a profissao médica recobre-se com
mistérios. A crescente autonomia dos suburiiversos con-
tribui para criar problemas especiais de legitimaçã o lanto os velhos âsímbolos
uxótlcas de poder
linguagem e mistério, das
incompreenslvel, tudovestimentas
isso natu-
para os estranhos quanto para os Íntimos. Os estranhos
ttm de ser im@didos de mirar, e mesmo conservados ralmenle legitimado para o pú blico e para ela pró pria
na ignorância da eXisttrtcta do subuniverso. Se, porém, em termos prá ticos. Enquanto isso, os habitantes devi-
não Chegam a. ignorá-lo e se o subuniverso requer várlos damente credenciados do mundo médico sãO preservados
privilégios e reconhecimentos espciais da sociedade mais do "charlatanísmo” (isto é, de pisarem fora do subuni-
verso médico em pensamento ou na açá o) não só pelos
- eat« pfopoel poderosos controles externos de que a profissão dispôe,
mas também por todo um corpo de conhecimento pro-
ilnhc do maralsmo atÉ
dp ççnj\yçlznento eocIa1fhea(¥
fissional que Ihes oferece a "prova científica" da lou-
clel»yia do «»nh•cl=•nto, t•i cura, e até da maldade, deste desv›o. Em oulras palavras,
Nã o estamos dandê•lhe entra em açso uma maquinaria inteira de legitimação,
conh¢elmcnto e eua base aeelcl. tala cemodoc de ãtann mentg
h¢Jm referente t °!n tellg tnta la
com o fim de mo/if•r os leigos como leigos e os médicos
da socl0togle ¢onhetl a lenêmend5
c4ncrste ecl deã leã terão de eer como médicos, e (se possível) que ambos assim pra
menor do qua eque\e cedam com satisfação.
que nos
i lado, deveriam aer traladaa no cen•
ttxto da metoaolg tã 4a0 cltnela9 £oelale. Syta ã rec lol Or née exelulda Surgem problemas especiais como resultado das dlfe-
1 do amhllo da cecIo\0glc do conbeclmento, por at0tlvo9
rentes velocidades de variação das instiluiçóes t dos sub-
120
universos. “ lsso torna mais difícil a legitimaçao global
da ordem institucional e as legilimaçíies específicas de çó es da vontade divina. A reificaçao implica que o ho-
determinadas instituiçõ es e subuniversos. Uma sociedade mem t capaz de esquecer sua pró pria autoria do mundo
feudal com um exército moderno, uma aristocr cia agrã- humano, e mais, que a dialética entre o homem, o pro-
ria tendo de existir nas condições do capitalismo indus- dutor, e seus produtos é perdida de vista pela consciência.
trial, uma religião tradicional forçada a enfrentar a po- O mundo reificado t por definiçã o um mundo desuma-
pularização de uma concepção cie/ttifi•a do mundo, a nizado. E' sentido pelo homem como uma facticidade
coexístexcia em nossa sociedade da teoria de relatividade estranha, um opus o//enum sobre o qual não tem con-
, com a astrologia, nossa experiência contemporânea está trole, em ve2 de ser sentido como o opus proprium de
tão cheia de exemplos desta espécie que não é necessário sua fnesma atividade produtora.
icveativar este assunto. Basta dizer que em tais coxdi- Deve ter ficado claro, por nossas anteriores consi-
ç6es o trabalho dos vários legltlmadores torna-se espe- deraç6es sobre a Objetivaçã o, que logo assim que se
cialmente árduo. estabelece um mundo soCial Objetivo a possibilidade de
Uma questao final de grande interesse teórico, que reilicaçã o nunca eslá afastada. A ob i idade do un-
do social si nifica ue este az frente oode o
surge da variabilidade histôrica da institucionalização,
é a que se refere à maneira pela qual a ordem institu- I o situado fora dele. A ues ao ecisiva consiste em
cional é objetivada: até que ponto uma ordem institu- saber s ornen ainda conserva a no ã o_ qqe_
em ora objetiva o, o po ial oi f tI ho
cional, ou alguma parte dela, é aprendida como uma
facticidade não humana7 Esta é a questão de relficação ,do , pôde ser e eito po s ou as
da realidade social. - avras, poss ve dizer que a ret i çao Constitui o
A reiflcaçã o é a apreensao dos fenô menos huctanos grau extremo do processo de objetivação, pelo qual o
como se fossem coisas, isto é, em tennos oão humanos mundo objetivado perde a inteligibllidade que possui
ou possivelmente super-humanos. Outra maneira de di- como empreendimento humaro e fixa-se como uma fac-
zer a mesma coisa é que a reificaçâ o 4 a apreensaa tlcidade nZo-humana, nã o-humanizá vel, inerte." Tiplca-
dos produtos da atividade humana cono se fossem algo merlte, a relação real cntre o hor•s e seu mundo ê
diferente de produtos humanos, como se fossem fatos invertida xa consciencia. O homem, o produtor de um
da natureza, resultados de lels có smicas on manifesta- mundo, ê apreendldo COIT\O produto deste, e a atividade
humana como um epifenô meno de processos nã o-I\uma-
Bela e o len6m eno comun\ente clxmcdo "•tfBsO cultural" no Boclolo€la nos. Os significados h«rca»os nã o sâ o mais entendidos
dçsde Ogbutn. pvlt4mes tste telmo deYIdo ã eua conotaçG0
como produzindo o mundo, mas como sexdo, por sua
U
vez, pr0dutos da "natureza das coisas". Deve-se acen-
conslderaç6e
deeenco\vide tm Icrmos ao
táçlcsr doi
Orar que a reificação é utna modalidade da consciência
Para at d¥aenvolvGm€ntoa mc!s r ecmtes do c0nee!to ne teor IB ntcrx lau.
ou, mais precisamente, uma modalidade da objetivaçâ o
9m‹i#,
ydltions de
Pls¢her gecynttç cr ltlrey Iranceses da socloIog\a 4e Durltt\el m. t*ls com o jutes
áo conceito em um a de . conhecimento nÉ o aootf I• { •DurAhelm et atarx”, CoArers /afrrn•lfoztouc de socfo/opfc, l948) ac uso•
nárlx, c/. Peter L. Btraer e Stan lej' Pullbcry. "Rclllcatton end the 5oelo•
taCical GYlllque of ConsctouSnts8", ffMfory Ond 7‘Atgry› IV: 2, t98sB (t065}.
No quadro dt relcr £nrla zn ar xtsta o ceocelto de relll€açã 0 rtlyclona-et
estreitamente cnm o de 4tl¥nacã o (ml/remdztpe), eete . á t\lmo com\celia tem ur se p0cga ü leer c este rcspelto no sentido
sl4o conlu ltdldo nos . r tetntes tr abalh0s s0cloü à ely0s com tenô m enea qt‹e de’ osa lvc( em prlnc lplo allrmcr que "os I4tos soclal9 cão
d coisa a" e ter tm vista com eet o expre selo nada m ale do que
cuper aCã g termIno\4glca. De ” qualquer mo4o, qve nfip’ sida4e 4os latos soclals rome produtos hámonoc. A et\ave ltó r lee da ques•
!uear nara tem.1 r •sta recuperar to e por eons‹gtdnte .
na €rt-

ít2
123
pelo homem do niundo humano. Mesmo apreendendo a
mundo em termos . reiflcados, o homem continua a pro- duzi- reificação das instituiçöas consists em outorgar-lhes um
lo. Isto 8, paradoxałmente o homem ê capaz dc produzir słatus ontológico independente da atividade e da signifi-
uma realidade que o nega. “ caçâo humaxas. As reificaçóes particulares são variaç6es
A reificação é poss¡veł no nlveł prt-teórico e no nível sobre este tema geral. O casamento, por exemplo, pode
te6rico da conscitncia. 0s sistemas teóricos cornplexos ser rcifîcado como imitação de atos divinos de criativł-
ąodz scr descritos como reificaçóes, embora presumi- dade, como mandamento universal da lei naiurai, como
velmente tenham suas raízes em reificaçóes prè-teó,ricas, conseq(i4ncia necessária de forças hiológicas ou psico-
cstabelecidas nesta ou naquela situação social. Assim, lógicas ou, afinal, como imperativo fuxclonal do sistema
seria um erro Ilmitar o conceito de reificaçăo âs cons- social. 0 que todas estas reificações tùm em con›uoi ć
truçóes mentais dos intelectuais. A reificação existe na stia ofuscação do casamento como unta contlnua produ-
consciência do homem da rua, e na verdade esta últinta çâo humana. Conforme se pode ver fací mente rteste
presença ć praticamente mais ‘signilicativa. Seria tain- cxeinplo, a reificação pode ser tanto teórica quanto prê-
bám um tngano considerar a reifícaçáo como uma per- teórica. Assim, o mistagogo pode maquinar uma teoria
versã o de uma apreensao do mundo social originaria- aíłamente complicada, indo do acontecimenlo humano
mente não reificada, uma espécie de queda cognoscitiva concreto aos recanÍos mais longlnquos do divino cosmo,
de um estado de graça. ”Ao contrário, a documcntaçšo mas um casal camponês analfabeto no ato do casamento
etnołógica e sociológica disponlvel parece indlcar o• pode apreender o acontecimenło corn um estreineeimento
oposto, a saber que a apreensdo original do mundo reificador de terror metaffsico. reificação o,
social I conslderavetmente reificada, tanto filogenetica- rnund e un se. com do
qecessidade edeMico, gen4o_vivido
mente quartto ontogeneticamente." Isto íinplica que a coțțio ou_in! nforme 0 CÂ SO.
W
apreensã o da relficaçá o co/xo modalidade da consci4ncia
depends de uria de4reilicação, ao menos rełativa, da (OS papéis podem ser reificados da mesma maneira
consciéncia, o que é uni acont¢cimento comparałivanienłe que as instituiçö esȚ O setor da autoconsciencia que toi
tardio na histbria e em qualquer biograłia individual. obJetivado papel é então tambèm apreendido como
A ordem instiłucional em totalidade, e segnientos dela, utna łatalidade inevitá vel, podendo o indivlduo negar
pode ser apreendida em termos reificados. Por exemplo, qualquer responsabilidade. A fórmula paradigmática desta
a ordem inteira da sociedade pode ser concebida como espécie de relflcaçao é a proposição "nao tenho escolha
um mlcrocosmo refleiindo o rnacrocosmo do universo neste assunto, tenho de agir desta madeira par causa
total, feito pelos deuses. Tudo quanto acontece “aqui em de minha posiçã o”, como marldo, pai, general, arceblspo,
baixo" é apenas uzn pá lldo reflexo do que ¢›corre “lá presidents da diretoria, bandido ou carrasco, tal seja
em cima". - Certas instituiçô es podem ser apreendidas 0 CÂ SO. Ï6tO sigaifíca-que .a reiticaçăo dos papéis
de modo seme)hante. A "receita” fundamental para a ¢łiStåltC a etż ue o indÏvÏÒ uõ pie
eg o g•ge .que m A BiGa impG-
^ Par ey\a razßo ßtarx chamou a cen9clčacla reJll¢adora de /o/8o cen¥- čã ó aebb objetlvação mantém-se, evidentemente, mas
dc Sartre.
A obra dc Lucien Lčvl-B ruhl
a distâ ncia causada pela desidentificaçã o vai se reduzîndo
rßdaß bśaí<a4 para até o ponto de desaparecer. Finalmente, a pr6pria lden-
Claude’ 1ü
tidade (o eu total, se preferirmos) pode ser reificada,
0 “cQuI gNhgGX9
tanto a do individuo quanto a dos outros. Há entâ o
uma identłflcaçâ o total do indlvlduo com as tipfficaçô es
.
que lhe sao soctalmgnte atribuídas. E’ apreendido como "segunda ordem A legitimação produz xovos signi'h-
nâo sendo nada senõo esse tipo. Esta apreensão pode cados, que servem para integrar os significados jà liga-
-ser positiva ou negailvamente acentuada em termos de dos a processos institucionais dispares. A fqftcão—da Ie-
valores ou emoçõ es. A identificaçã o de “judeu” pode ser )imação consiste em tornar objetivamente acessível e
igualmente reiticada por um anti-semita e pelo próprio suãjUpt a UaSWbají ejr o-
am
judeu, apenas o último acenluando positivamente a lden- queo a n Com a aElo inamos
,
lltlcação, enquanto o primeiro a acenlua negativamente. a g ç r u ç se levar em conta oS
Ambas as reificaçôes ouloigani um status ontol6glco e motivos específicos que inspiram qualquer processo par-
total a uma tipificação que é produzido pelo morrem, e ticular legitimados, deveriamos acrescentar que a "inte-
que, mesmo quando interiorizada, objetifica somente um graçao”, de uma forma ou de outra, é lambém o propó-
segmento da personalidade." Uma vez mais, estas rel- sito típico que motiva os legltiinadores.
fícaç6es podem estender-se do nivel pré-teórico do A integração e, coiceltllvznieRle, a questão da plau-
“aquilo que toda a gente sabe a respeito dos judeus" sibilidade subjetiva referem-se a dois níveis. Primeiro,
até as teorias mais complexas do judaísmo como mani- a totalidade da ordem institucional deveria ter sentido
festação da biologia ("o sangue judeu"), da psicologia simultaneamente para os participantes de diferentes pro-
("a alma judaica") ou da metaffsica (“O mistério de cessos institucionais. A questão da plausibilidade re(e- re-
Israel”). se aqui ao reconhecimento subjetivo de um sentido global
A análise da reíficação é importante porque serve ”por trá s" dos motivos do inid9lduo c de stus
de corretívo padrão para as tendências reificadoras do senielhantei, motivos predominantes no que diz respeito
pensamento teórico em geral, e do pensamento socio- à situaçã o, mas apenas parcialmente institucionalizados,
lógico em particular. E’ especialmente importante parA tal como acontece na relação do chefe e do sacerdote,
a sociologia do conhecimento porque a impede de cair do pai e do comandante militar, ou até, no caso de um
numa concepçao não dialética da relaçao enÍre aquilo mesmo e único indivíduo, do pai, que é também co-
que os homens iazem e o que pensim. A aplicação his- mandante militar de seu filho, consigo próprio. Isto,
t6ríca e empírica da sociologia do conhecimento deve pois, é um nível "horizontal“ de integração e plauslbi-
levar muito em conta as circunstâncias sociais que favo- lidade, correlacionando a ordem institucional total com
recema desreificação, tais como o colapso global das vários indivíduos que participam dela earl diferentes
ordens institucionais, o conflito erttre sociedades ante- papéis, ou com vàrios processos institucionais parciais
riormente segregadas e o importante fenômeno da mar- de que um ünico individuo pode participar em qualquer
girtalizaçâo social. " Estes problemas porém exceder o momento dado.
quadro de nossas atuais consideraçóes. Em segundo lugar, a totalidade da vida do individuo,
a sucessiva passagem ptlas várias ordens de uma or-
2. LBGITIMAÇAO dem institucional, deve ser tornada subjetivamente sig-
nificativa. Etri outras palavras, a biografia individual em
a) As origens dos oniversos 8imb61icos suas várias fases sucessivas, institucionalmente pr6-defi-
A legitimaçã o enquanto processo é melhor definida di- nidas, deve ser dotada de sentido que torne a totalidade
zendo-se que se trata de uma objetivação de sentido de subJetívamente plausível. Por conseguinte, xa duração
^ S0bre e relllc4ção do ld8ntl44te, cozspare-se com a análl8t do cntl• O tct mo "legltl iaçdp" d¢rlvi de W tber. ondt á desenv o'vld0 partlcu•
oemltlsao, f•1tc por Sartra. larmrntg no contexto de sua eoclotogla po\ltIca. Demos•lhe aqul um usn

” t26
da vida dos ixdivíduos singularcs, deme acrcstentar-se caçú es“ (que tipicamente constituent uma “histó ria" e
q¡¡¡ ț¡jy¢ i•y¡¡pt}p " Qty țt{yg} "İlOf IZOflf dl"
de’ Int graçã0 uma “sociologia” da coletividade em questão e que no
e ylausibilidade” subjetiva da ordem InstitUcional. caso dos tabus do incesto provavelniente conlêm tam-
Coníorme argumeń łamos
antes, a legitimação nã0 I bum uma "antropologia") sao łanto tradiçao. legi-
i . nt:cessåria na primeira tase
da instiiuciona lizaçao, quan- stigt ado I enj.os. .É tİC0S_¢Î6
' do te um fato que øã O two agenztipque“deye Sea-_
exige or
nenhum nouo suporte, nem intezsubje tivameAte Uma aȘ ã o e nã o outra; diz-like
ncm biograłtcamentc. E'
evidente para todas as pessoas ou pafaras, 0 "conhe•-
a queni diz respeito.
O problema da legltima çăo surge Clmčiłło OS " na legftimaçăo das ins-
inevìłavelnienta quando aS ob)etlvaçõ es da ordem ins- titu ç6es
iitucional (agora hlstó rica) tčni de ser transn itidas a uiiia E’ possfvel distinguir apaliticanienle entre diferentes
nova geração. Nesse ponto, como vimos, o cará ter evi- nlveis de legitimaçáo (empirican›ente, está ciaro, cstes
dente das İnStİtUİÇO9S ßãO
pode mais ser ntantido pela nlveís coincides em parte). A legitiniação incipientc
memó ria e pelos hå bitos do indivlduo. Rompeu-Se a uni- acha-se presents logo que um sistema de objetivações
dade de histó ria e biografiä. Para restaurá-la, torftando lingüísticas da experiência fiumaoa transrnitida. Por
æsím inteliglveis ambos os aspectos dessa unidade, é exempîo, a transmissão de um vocabulário de parentesco
preclso haver “explicaç6œ e justifíCaç6es dos elemen- /octo legitima a estrutura de parentesco. is “ex-
tos salientes da ttadiç8o łnstit•cional. A legitimąçăo ù " legiilmadoras lundamenłais, por assim dizer,
este processo de “ezplicaçã o” C justifİC8Çã O. ” estao incluldas rio vocabulá tio. Assitri, uma cr ança
A legitimaçăo titucional outor- ;: aprende que outra criança d uri “primo”, inlormação
gando validade C0gnoscitiva a sčus Significados objeti- que imediała e inerentemente legitima a conduta com
vados. ã0 ju ti i 0 ł c Onal relaçã o aos “primos”, que é aprendida juntamenłe com
dando gdȚńîdade IITI a 0 *• a designação. Pertexcem a este primeiro nlvel de 1eg¡ti-
a le itimaçao tern um mação incípieAte todas as afirmaçöes tradicionais sím-
gÍefr1en(O cOgnOSCİtİV 0 aSS›m COMO * memento norma- pies do tipo “E’ assirn que se faz as colsas", as prl-
Em-.ouir as AlaVfăS A lfl ă o nã o é apenas meiras e geralmexte mais eficazes respostas ao "Por
uma qu42" das crianças. Este nfvel, evidentemente, è pré-
rid o . Por exemplo, uma estrutura d a co teórico. Mas é o fundarnento do conhecimexto evt
If o gi mada
simplesmente pela ética de 'r dente, sobre o qual devem repousar todas as teorias
cular•• iab»• d• incesto. E' preciso primeiro haver “c0- subseq6entes, e inversamente, que estas dever« atíngir
nhec¡mento” dos papéis que defined lanto as açö es ”cer- para serem incorporadas à tradiçã o.
tas" qranfo zz “erradas”, no int°rio' da estrutMra. O in- 0 segundo nivel de legitimaçăo cont4m proposiçôes
divlduo, digamos, nã o deve casit-ie no interior do seu clã . teôricas em forma rudimentar. Podem ser encontrados
Mas é preciso que prlmeiro cfc “saiba" quo é um membro aqui vários esquemas explicativos que relacionam con
desta clã. Este “conheclmento” cńega até etc atravts juntos de significaçóes objełívas. Esłes esquernas szo al-
de umx tradiçã o que “explica" 0 £}t1e Of CÏå fi săo em tamente pragmáticos, referindo-se diretamente a ațdes
@gyg] Q Ę} ğ Ug Ć SĆŁł CAT čłTł particular. EStas "explł- concrelas. 0s provtrbios, as má rimas moraii e os adå gios
J dø sabedoria sã o coruuns neste niveł. A ele também per-
teneeni as lendas e Iiistó rias populares, freqü entemenłe
t28 D29

..-.. ---- -.- ..-.. -...


transmitidas em toimas po4ticas. Assim, a cfÍâ R$â ã§f8n- ela da relaçao de parentesco entre primos” pode coreia
de ditador como "Quem rouba st'u primo com verrugas a adquirir vida por sua própria conta, independentiaiente
nas mlos" ou ”foi quando sua mulher grita, mas corre das atividades de meros primos “leigos", e o corpo de
quando seu primo chamar". Ou a criança pode ser ins- “cientistas” pode estabelecer seus pró prios processos Ins-
plrada pela “Canção dos Primos Leais que Foram Caçar titucionais em oposição às instituiçõ es que a “ciência"
juntos" e ficar amedrontada a ponto de perder o juízo tlaba originariamente por lutiçao legítimas. Podemos iina-
pela “Oraçá o Fú nebre por Dois Primos que Fornicaram”. ginar um desfecho irô nico desse desenvolvimento quan-
0 terceiro nivel de legitimaçã o contém teorias expli- do a palavra "primo” nã o mais se aplica a um papel de
citar pelas quais um setor institucional ê legitimado em parentesco nas ao detentor de um grau na hierarquia
termos de um corpo difcrexciado de conhecimentos. de especialistas em "relaçõ es de parentescos entre
Estas legitirhaçõ es oiereceia quadros de referência bas-
tante amplos para os respectivos setores de conduta inc Os universos simbó licos constituem o quarto ttlvel da
titucionalizada. Devido à sua complexidade e diferencia- legitimação. São corpos de tradição teórica que inte-
ção, sã o freqü entemente conf tadas a pessoal especiali- gram diferentes áreas de significação e abrangem a or-
zado que as transmitem por rnelo de procedimentos de dem Institucional em uma totalidade simbó lica “, usan-
iniciaçã o formalizados. Assim, pode haver uma compli- do o termo “simbó lico” da maneira que foi por nó s pre-
cada .teoria econô mica da “relação gntre prlmos”, seus viamente definida. Repetindo, os processos simbó licos são
direitos, obrigaçõ es e procedimentos operat6rios padrõ es. processos de signifiCãção ¢|ue se referem a realidades
Este conhecimento .é ministrado pelos veJhos do clã , tal- diferentes das pertencentes à experiência da vida coti-
vez sendo-lhes outorgado depois que sua própria uli- dlana.) Pode ver-se facilmente a maneira pela qual a
lidade econômica chegou ao fim. Os velhos iniciam os esfera simbó lica se relaciona com o nível mais amplo de
adolescentes nesta economia superior no curso dos ritos legitimação. A estera da aplicação pragmãtica é su-
da puberdade e apresentar-se como peritos sempre que plantada de uma vez para sempre. A legitimaçao agora
há problemas de aplicaçã o. Se admitirmos que os ve- realiza-se por meio de tolalidades simbó licas que nã o
lhos nso ttrn outras tarefas que Ihes sejam atribuídas, ê podem absolutamente ser experirnentada.e na vida coti-
provável que eles estiquem em ininúcias as teorias em diana, exceto, está claro, na medida em que é possível
questão entre si, mesmo quando não hà problemas de falar de “experiência teô rica” (estritamente falando,
aplicaçã o, ou, mais exatamente, inventem estes proble- uma designaçã o equivocada, que só deve ser usada em
mas no curso de sua teorizaçao. Eul Otltras palavras, cará ter hcurlstico, se é que deve ser usada). Este nível
„. com o desenvolvimento de teorias legitimadoras especia- de legitimação distingue-se ainda do precedente pela
; lizadas e sua transmissão por legitimadOreS aplicados extensão da integração dotada de senfido. Já no nível
inteiramente a esse mister, a legitimação coiiieça a ir precedente é possível encontrar um alto grau de inte-
além da aplicaçao prá tica e a tornar-se "teoria pura”. gração de particulares áreas de significado e de pro-
Com este passo, a esfera das legitimaçõ es começa a cessos separados de conduta ínstitucionali2âda. Agora,
atingir um grau de autonomia em relaçao às instituições porém, Indos os setores da ordem institucional acham-se
legitimados e finalmente podem gerar seus próprios pro- integrados num quidro de referência global, que cons-
cedimentos institucionais. " Em nosso exemplo, a “ci5n-
Naseo eencelto le "vnlverse almbó llco" eytá muleo prêglmo do c0n•
em Ourkhelm. A aaã lt¥e d4s ”proYJnclas llnltae de sIgnl•
anto

130 t31
titul eztáo om universo xo sentido literal da pzlawa, Ullt ¢0fÇIO de teoria muito mais extenso, qtjg qt¡a5e çgt-
porque toda a experiência kumana pode agora ser con- tamente conterá uma teoria @ral do cosoo a uma teo-
cebida como se efetuando no interior dele. ria geral do homem. A legitimação tinh aah 8ÇÕg9 "C0I-
. | O univers iro é concebido como a matriz de retas” na estrutura do parentesco será então sua “loca-
todos os s nif os soclaltúente objetivad e yp_t- lização" dentro de um quadro de reteréncia cosmológíco
vamettte nais. A sejaiireira e a .bIO- e an tropológico. O lftCBS(O, por exemplo, alcançará sua
toda
god vlduo sâo v stas como acontec mentos que sanção negativa suprema Como ofensa contra a ordem
se passam d«nIro deste universo. O que tem particular divina do cosmo e contra a natureza do homem, divina-
importància é que as situaçòes marginais da vida do in- Oriente estabelecida. O mesmo pode acontecer com uma
divfduo (marginais no sentido de nâo estarem incluídas itlá conduta econômica ou qualquer outro desvio dAs
ria realidade da existência cotidiana ria sociedade) são normas institucionais. Os limites dessa legitimação su-
também abrangidas pelo universo simbó lico. " Tais si— prema são ciii príncíp'o co•xtensivos com os limites da
tuações são experimentadas nos sonhos e nas fantasias ambiçao teó rica e da engcnfiosidade por parte dos legi-
como áreas de significação destacadas da vida diária c timadorer, oS dCfínidores da realidade oficialmente cre-
dotadas de peculiar realidade própr ia, denciados. N át‘
todo
b d ar d i da realidade d Sr ic res segmentos da or-
_(po plo, tt ol ados em um co e
HH O s-
OS h d disso, estas
lém devidas a
I' d "
lógica ijn lta e p íéãdõs
particulares problemas práticos a respeito dos quais os
justificados por
ama teoaddaem
o amsta e as ro legitimadores são conStt)tados, Ou podem resultar de de-
* »volvímentos aut0nomos da fantasia teórica dos
um *i so c ifió’* oposto a digamos cosmológlcos.
simb o e ôénfmente constr o meio A C£iStâ lizâção dos S*fTtbÓ)|C0G Sggtjg OS pyg.
universos
sta o pa o nlãnto sua capacidade de cessos anteriormente descritos de objetivaçâo, sedimen-
Thu çzó de sigxificaçôes excede de muito o domínio taçáo e acur«»lação do conhecimento.
da vida social, de modo que o individio pode “localizar- VOf50S SÍm6ó1ÍCOS 6aO produtos sociais que tem uma Sis-
se nele, mesmo em suas mais solitárias experiências. ito e e r ? signlYicãüo temasede
Neste nivel de lagitimaçáo a integração reflexiva de r d k _pZgstuçáõ“Ú“isio é .tÂltt0 . m8jS
processos institucionais distintos alcança sua plena rea- d
po taA .. quan tes produtos da COftgCtéjtCia Ijumana,
lização. Um mundo inteiro é criado. Todas as teorias por sua ”como pIexa-
legitlmadoras menores são consideradas como perspec- ele desenvolvidos e inevitáveis, ”
"
tivas especiais sobre fenônenas que sâo aspectos deste Podemos agora“ín estjgar melhor a maneira pela qual
mundo. 0s papéis institucionais tornam-se modos os universos simbólicos operar para legitimar a biogra-
de
participação em um universo que transcende e inclui a fia individual e a ordem lztSlitMClOnal. 1\ operação é essen-
ordem institucional. Era nosso exemplo anterior, a “ciên- cia do parentesco
entre primos" é apenas uma parte de cialmente a «ies la nos dois casos. E’ de caráter nômico
ou ordenador. "

Estamos, mmlo noe procnaos


“‘ O universo simbólico ufcrece a ordem para a apreen-
são subjetiva da experiência biogtáfica. Experiências Esta funçã o n8mica do universo siMbblico para a ex-
pertencentes a diferentes esferas da realidade são inte- periência individual pode ser definida de maneira multo
! gradas pela incorporaçã o ao mesmo envolvente universo simples dizendo que “pôe cada coisa em seu lugar certo”.
Mais ainda, sempre que um indivíduo exlravia-se, per-
de significaçã o. Por ‘exemplo, o universo simbó lico de- dendo a consciência desta ordem (isto é, quando se en-
termina a i ifl ã o dos sõ anh da cozttra nas sitMaçóes marginais da experiência), o uni-
d s
corés a e ovo ç o 0- verso simbólico permite-lhe "retornar à realidade", isto
, g o o c o u que acom- e, ã realidade da vida cotidiana. Sendo esta evidente-
msi et e
p a p g aola reas mente a esfera a que pertencem› todas as formas de con-
odo permaneceriam co- du(a c papéis institucionais, o universo simbó lico for-
mo enclaves ininteliglveis denlro da realidade da vida nem a legitimaçã o final da o de itut. »a, o o -
cotidiana são assim ordenadas em termos de uma liic-
rarquia de realidades, tornando-se /pso /o¢/o' inteliglveis
e menos aterrorizantes. Eita '•! açã o .das rea des Além desta íntegraçâu Jecisivamente importante Jas
d I d d realidades marginais, o universo simbólico fornece u ní-
vel mais alto de integração para os significados dis-
luatitiaida_aptçaça-8.exisí9ncia crepantes realizados d'#/i/ro da vida cotidiana na socie-
cebermos esta segunda §xistâncía como..sda_4e diurno"
“lado Se...ç?n- dade. Vimos como a integraçãó, dotada de sentido, de
dã-vida”. huzÍ\an/a;"”entaó as situações marginais. coostítuerri setores separados da conduta ixstitucionalizada realiza-
o ”lado
i› ue“se conserva escondidq agourecta- se por meio da reflexão, pré-teórica e teórica. Esta in-
ntente na periferia /dy tegração plenamente significativa não pressupõe o es-
“lado nolurnó " “terri cotidiana. justamente
tabelecimento de um universo simbó lico ob inilio. Pode
muitas vezes natureza sinistra, uma .soostante-atoe.a_ realizar-se sem recorrer a processos simbó licos, islo ê,
açnd eal a a Ü rJa)._azt vida na sem transcender as realidades da experiência diá ria. En-
sodedade. O pensamento continua a sugerir a si mes- tretanto, uma vez estabelecido o universo simbó lico, os
mo (o pensamento "insano" por excelência) que lalvez setores discrepantes da vida cotidiana podem ser inte-
a realidade brilhante da vida cotidiana nã o seja senã o grados mediante a referência direta ao universo sinibó -
uma ilusã o, que pode se tragada a qualquer momento IiCo. Por exemplo, as discrepâncias entre o significado
pelos uivantes pesadelos do outro lado, o lado noturno de desempenhar o papel de primo e desempenhar o
da ’realidade. Estes pensamentos de loucura e terror sã o papel de proprietário rural podem ser integradas sem
contidos pela ordenaçã o de todas as realidades concebl- referência a uma mitologia geral. Mas se uma Weltan-
veis dentro do mesmo universo simbólico, que abrange 4rÁ 4uuag mitoló glca geral é operante, pode ser direta-
a realidade da vida diá ria, a saber ordenando-os de tal mente aplicada à discrepãncia na vida coiidiana. Ex-
maneira que esta ú ltima realidade conserva sua donti- pulsar uns primo de urrt pedaço de terra pode então
name e definitiva qualidade (se quisermos, seu cará ter scr nao somente uma incorreta medida econômica ou uma
“mais real"). deficiência moral (sanções negativas que não precisam
estender-se a dimensdes cósmicas). Mas pode ser en-
to d! dominante do rea\Idaü e colldiana lei xna1lsaaa por Schutz. tendida como violação da ordem do universo divina-
e8p ”On 3t atilple Reollttei •,
i, pp. 207ss. ixente instituída. Desta maneira, c universo simbólico
in
1
3
5

-...... . .... ..
ordena e por isso mesmo legitima os papéis coiidianos, tidade precária. " Depende das relações individuais com
as prioridades e os procedimentos operatórios, colocan- os outros significativos, que podem mudar ou de5apa-
zecez A precariedade € ainda mas aumentada por auto-
doos sub specie un)y ersi, isto é, oo contexto do qua- experiências nas situaçõ es acima mencionadas, A “sadia"
dro de referência mais geraJ concebfvel. No mesmo con- apreensão de si mesmo como possuidor de uma identi-
texto ainda as transações mais triviais da vida cotidiano dade defi/tida, estável t socialmente reconhecida ests
podeta tornar-se imbuidas de profunda significação. E' continuamente ameaçada pelas metamorfoses "supra-rea-
fácil yer como este procedimento fornecG uma poderos* listas” dos sonhos e das fantasias, mesmo se permanece
Jep‘t”imação para a ordem institucional em totalidade, relativamente coerente na interação cotidiana. A identi-
assina como para setores particulares dela.
dade é f.undamentalmente legitirnada pela colocação dela
O universo simbólico permite tambtm ordenar as dí- no contexto de um universo simbólico. Mitologicamentc
terentcs fases da biografia. Nas sociedades primitivas falando, o nome“‘real” do indivíduo ê o que lhe é dado
os ritos de passagem representam esta função nômica p«Io seu deus. O individuo pode assim "sgber quem é"
em forma primitiva. A periodizaç4o da biografia é sim- ancorando sua identidade em uma realidade cósmica
bolizada em cada estágio pela referência à totalidade protegida ao mesmo tempo das contingências da socia-
dos significados humanos. Ser criança, ser adolescente, lização e das rnalevolentes autotransforrxaçóes da expe-
ser adulto, etc., cada uma dessas (ases biográficas á riência marginal. Mesmo que seus vizinhos não saibam
legitimada como um modo de ser ato universo simbólico quem ele é e mesmo se ele próprio porte esquecer-se
(mais freqlltntemente, como um modo particular de re- quem fi rias angíístias dos pesadelos, pode certificar-se
|aconaz-se com o mundo dos deuses) Não á precso de que seu “verdadeiro eu” é uma entidade fundamental•
insislir no aspecto evidente de que esta simbolização mente real cm um universo suprentan\ente real. Os deu-
conduz a sentimentos de segurança e participação. Seria, ses sabem, ou a ciência psiquiátrica, ou o partido. Em
porém, um erro pensar aqui somente a respeito das so- outras palaYras, o rea/issimum da identidade xâo pre-
ciedades primitivas. Uma moderna teoria psicológica do cisa ser legitimado pelo fato de ser conhecido a todo
desenvolvimento da personalidade pode desempenhar a momento pelo indivíduo; basta,” para fins de iegi1irriação,
mesma funçâo. Em ambos os casos o individuo, ao que seja conhecivel. Urna vez que a identidade conhe-
passar de uma fase biogiáfica a outra, pode julgar clda ou conhecivel pelos deuses, pela psiquiatria ou pelo
estar repetindo uraa sqoe»cia que ó dada na "naiureza partido é ao mesmo tempo a identidade à qual é atri-
das coisas", ou em sua própria “natureza”, isto t, ad- buída a condição de realidade dominante, a legltimaçdo
" quire a segurança de estar vivendo "corretamente". A ainda uma vez integra todas as transformações concc-
“correção" de seu programa de vida á assim legitimada bfveis da identidade com a identidade cuja realidade
no nlyel mais alto de generalidade. Quando o indivldito é fundada na vJda cotidiana na sociedade. Uma •e•
contempla sua vida passada, sua biografia torna-se in- mais, o universo simbó lico estabelece uma hierarquia,
tellglvcl para ele nesses termos. Quando se projela no da "mais real" até a mais fugitíva auto-apreensão da
futuro, pode conceber sua biogratia desenvolvendo-se em identidade. Isto significa que o indivíduo
' um universo cujas coordenadas últimas são conhecidas. sociedade com certa segurança
A mesma funçáo legilimadora refere-se à “exatidão” análise
) é lmpltcada nd
da identidade subjetiva do indivíduo. Pela própria na- de Meá4 da etacse d0 eu. An8elei
Oard’en
tureza da socialização, a identidade subjetiva é uma en- and
raento Na legitimaçăo da morte é que a poténcia transcen-
rotineiros â luz do dia eob onohar dos outros śİg- dentalizadora dos universos simbólicos se manifesto de
ztificativos. marieira mais clara, sendo revelado o canter fundamen-
Uma futiçao legitimadora estratégí¢a dos universal simbblicos Îal para
atentiador do terror
ø biografia possuldo épelas
individuãl supremas Iegi-
a "lO2ãlİ2ã§ăO" da morte. A expe
tirnaçõ es da realidade dominante da vida cotidiana. O
litucional, Esta legiiimaçä o da morte é por conseguinte um ćlos frutos maisdas
primado importantes
objetivaçôes dos uxiversos
sociais simbó-
da vida diåria licos. Năo é esse
só pode
rea!lzar, a nã o ser lnłegrando o fenô meno da morte em um universo conservar
slmbôlico.sua plausibilłdade subjetiva porłanto,
Esta legiłimaçăo, se for constante-
förnece ao indivlduo
mente protegido contra o terror. No nívei da sígnifica-
ção a ordem lnstítucioxal repr¢senta , um escudo contra
o terror. Ser axômico, portanto, significa privar-se deste
escudo e expor-se, sozinho, aos ataques dos pesadelos,
Embora o horror à solidão seja provavelmente dadp já
na socialidade constitucional do hornets, manitcsta-se no
nlvel das signilicaç6es na incapacidade que o homem
tern de conservar uma exis(Lucia dotada de sentido iso-
• lado das consłruçò es nô micas da sociedadc. 0 universo
simbólico defends o índivlduo do supremo terror, outor-
gandp uma legitimaçăo fundamental ås estruturas pro-
tełoras da orden institucionał."
A mcsma coisa pode ser dita da significação social
(p0r oposição à izid!vidua1, que acabamos de examinar)
dos unlversos simbólicos. Sao düceis protetores lançados
sobre a ordem institucional, assim como sobre a bío-
grafla individual. Fornecem também a delimitaçao da
realídade social, isto ê, estabelecem as tinnitus do que
tern importância com referêncla à interaçăo social, Uma
possibllldade extrema deste fato, às vezcs avizinhada
nas sociedades primitivas, é a definiçăo de tudo tomo
realidade social, sendo até a maléria inorgănlca łratada
em termos sociais. Uma delimitação mais estreila, e
! mais corium, inclui somente os rnundos orgánico on
animal. 0 uxiverso simbólico a categorias a vá-
f0S
ámbito do sočîa o her rq iã.‘""Nãõ rê-
sibllldade quando a morte do indivlduo estiver lmłnentc c qu âtepd?ias t bt soWatribuídàs
e Ihe permitirà, de fato, "morrer corretamente". Nos km s"e-“freqùeríteiîi1ñ1e”aconléčë
c0 \I da mgfte, na !ll
dadc fundaxtental" 0 con¢elto ąe Sehuła de ansle ^ 0 uso dc certac pcrcpec\G*aa sobfe a "onyłedade" fAngSf) leIlo pela
da lunç9o- yocłeI łlloãofla exl•t¥neIal cefna poeslvel co ocar a an1lIse do onomio 4e Durkheim

138 t39
que art as destes tipos vezes todos, fora plano cósmico e tornada majestaticamenle independente
abade em questão) sáo detidos cono zéo du vicissitudes da existência individual."
sendo humanos 0d send o umaos. Conforme jà observamos, o universo simbólico for-
nte o p s n guagem (fiO CÂSO gXtf’em0 nece uma integração uniticadora de todas os processos
o nome da coletividade é equivalente ao termo “hu- institucionais separados. A sociedade inteira agora ganha
,i — mano"). Este lato não t demasiadamente raro, mesmo sentido. Instituição e papéis particulares são legitimados
‹m smiedades civilizadas. Por exemplo, o universo sim- {IOF SUÂ loCali2aÇáO elTl Unj mundo compreensivelrnente
bóllco da Índia tradicional atribuir um status aos sem- dotado de significação. Por exemplo, , a ordem política
casta que os aproximava mais dos animais de que da t legitimada pela reteréncla a uma ó rdem có smica de
condição hum8na das castas superiores (operação essen- poder e justiça e os papéis pol!llcos são legitimados
zialmente legltimadi na teoria do Itorma-sonwara, que como representações desses princípios cósmicos. A Ins-
abrangía todos os seres, humanos ou nao), e ttiesino tituição do parentesco divino nas civilizações arcatcas
na época moderna, quando os espaithóis conquistaram t uma excelente iluslraçao da maneira pela qual opera
a América, foi-lhes possível conceber os fxdios como per- este tipo de legitimaçao suprema. E’ importante porém
tencentes a uma espécie diferente (sendo esla operação ¢ompreeztder que a ordem institucional, tal como a or.
legltimada de maneira menos compreensíva por uma teo- dem da biografia individual, esfá continuamente amea-
ria que ”provava" não poderem os Indios descenderem çada pela presença de realidades destituldas de sentido
do Adão e Eva). em termos dessa ordem. A legitimação da ordem insti-
O universo simbó lico também ordena a histó ria. Lo- tucional enfrenta tat ibám a continha necessidade de man-
caliza todos os acontecimentos coletivos numa unidade ter encurralado o caos. toda realidade social é precária.
l coerente, que inclui o passado, o presente e o futuro. Todas as sociedades são coastruçbes em face do caos.
COItt relaçã o ao passado, estabelece uma “memó ria" que A constante possibilidade do terror anô mico torna-se
é compartilhada por todos os indivíduos socializados na atual sempre que as legitimaç6es que obscurecem esta
precarledade são ameaçadas ou entram em colapso. O
*coletividade. " Em relação ao futuro, estabelece um qua- terror que acompanha a tnorte de um rei, especialmente
,dra de refertncia comum para a projeção das açóes se ocorre com súbita violência, exprime este terror.
individuais. Assim, o universo simbólico liga os homens Acima e alám das exioçóes de simpatia ou de preocu-
!¡ !com seus predecessores e seus sucessores numa totali- paç6es políticas práticas, a morte de um rei em tais
t dade dotadA de sentido •, servindo para transcender a circunstâncias traz o terror do caos a uma proximidade
' licitude da existência individual e conferindo um signifi- consciente. A reação popular ao assassfnio do presidente
cado à morte individual. Todos os membros de uma kennedy é uma clara ilustraçao. Pode-se compreender
sociedade poderx agora conceber-se como pzrtenc#ndo a facilmente por que estes acontecimentos têm de ser se-
um universo que possui um sentido, que existia afttts guidos imediatamente das mais solenes reafirmaçôes da
. de terem nascido e continuará a existir depois de ftt0£- permanente realidade dos símbolos protetores.
rcrer«. A comunidade empírica ê traxsposta para um As origens de um universo simbólico têm ralzes na
«onstltulção do homem. Se o homem em sociedade ê
ym construtor do mundo, isto se deve a ser constilu-
trcnscendente da sociedade tal esp¥cfSlssente
dcsenvotvlta por Ourkh¢lo.

14a
140
clonaJmeate aberto para o mundo, o que já implies um bó llco que tomou nut aspecło probleniático e a ela por
conflito entre ordem e caos. A experl£ncía humana, oô conseguixte č que a teorizaçáo se dirige. Por exemplo,
inifïo, t uma exteriorizațão contlnua. O łtomem, ao se voltando à anterior ílustração da legitimaçâo do paren-
exteriorizar, coxstrói o mundo no peal se exterloriza a tesco, uma vez que a insłittiiçio da relaçåo entre primes
si mesno. No processo de exteriorízaçâo projeta na rea- i é “localizada” em um cosmo de primos mitolôgicos, jà
lidade seus próprios significados.SOEs uoiversos ná o é mais uma simpler questå o de íato social sem
licos, que proelamam toda realidade humanamente qualquer signilicaçã o "adicional". A pró prii mitologia,
,
dotada de sentido e apelam para o cosmo in/*iro a finn entreianto, pode ser ingenuamenie admitida como vá lida
de significar a validade da existëneia liumana, consti- sem reflexão teórica a respeito d'e/o.
tuem as extensöes mżximas desta projeçâ Somente depois que um universo simbólico é objetiva-
do como "primeiro" produto do pensamento teórico
b) ” 0s eiecańkmœ concelłuaia surge a possibilidade da reflexão sistemátlca sobre a
da manutenç8o do ucłveræ natureza desse universo. Eztquanto o uniyerso slnibólicr›
! legitima a ordem institucional no mais alto nlvel de ge-
Considerado como construção cognoscitiva, o universo xeralidade, a teorização relativa ao universo sin\bólico po-
!i simbóllco é teórico. Tern origem em processor de refle- de ser consídcrada, por assitx dizer, uma legitimação
xão subjetiva, os quais, depois da objetivaçăo social, de segundo grau. Todas as legitimaç6es, das mais dim-
conduzem . ao estabelecimento de Iigaç6es explîcitas en- ples legltintaçães prč-teóricas de slgnificados institucio-
tre os temas slgnificativos que têm suas rafzes nas nallzados distixtos até o estabelecimento cósnico de uni-
várias instituiçöes. Neste sextido o caráter teórlco dos versos simbó1icos, podem, yor sua vez, ser cortslde-
universos slmbòllcos é indubitável, por reais que um radas como mecanismos de rnartutenção do uxiverso.
tal universo possa parecer assístemgtico ou ilógico Es(es mecanismos, conforms ć fácil ver, exigem desde 0
a um estranfio “insenslvel'’. Entretanto, temos de viver, inlcio uma graade complîcaçăo conceitual.
e tipicaznente vivemos, ingenuamente, em um universo Evidentemente há dificuldades em traçar linhas rigo-
simbblico. Enquanto que o estabeleclmento de ur» uxi- rosas entre casos concretos “ingênuos" e “requintados".
verso simbblico pressupbe a reflezao teórica por parte A distixção analftica, porém, é útil mesmo nesses casos,
de algućm (para queøi o mundo, ou, mais especifica- porque chaina a atenção para a questão do grau em
mente, a ordem Institutional assume um aspecto proble- que urri universo sinbólico é admitldo como certo, A
måtico), todos os homens podem “habltai" esse universo cute respeito, está ciaro, o problenia analltico é seme-
, numa atitude natural. Para que a ordem institucioxal lhante ao que jl encontramos em nossa discussao da
seja aceita como certa em sua totalidade na medida legilimaçáo. Há vårlos nlveis da legltlmaiao dos ani-
em que forma um todo dotado de sentido, precisa ser versos simbóllcos, assim como há da legitimação das
legitimada pela "locallzaçao” em um universo simbóllco. institulç0es, exceto que dos pritneiros nao se pode dizer
Mas, mantendo-se Iguais as demals circunstâncias, este que desçam ao nlvel pré-teörico, pela razão evidenle de
prôprio universo não .exige uma xova l¢gitimaşão. Para que o uniYerso simbólico č par si mesmo um fenômeno
começar, foi a ordem institutional e năo o universo sim- teórico e se coxserva como tat mesmo quando admilido
ingenuainente.
. • A contcpçto
‘ Petserbśch, e em ¥
universos simbólicos por meio de mecanismos concei-
tuais específicos de manutenção do universo. E ainda boração conceitual. No exemplo anterior, o sígniticado
uma vez a resposta é semelhante à que foi dada ao da relação de parentesco entre primos é continuamentc
caso das instituiçoes. Tornam-se necessários procedimen- representado por primos de carne e osso, desempenhando
tos específicos de manutenção do universo quando o uni- paptis de primos nas rotinas experimentadas da vida
verso simbólico tornou-se um problemas Enquanto isto cotidiana. Os primos hurrianos são empiricamente acessí-
náo acontece e universo simbólico mantém-se por si mes- veis. Os primos divinos, infelizmente, não o sâo. Isto cons-
mo, isto é, legitima-se a si mesmo pela pura facticidade titui um problema intrínseco para os pedagogos do di-
de sua existência objetiva na sociedade em questao. E’ vino parentesco entre primos. 3fu/o/i‹ mutondis, o mes-
posslvel conceber uma sociedade em que iito seja possi- mo 6 verdade quanto à transmissao de outros universos
vel. Esta sociedade seria um "sistema" harmonioso, te- simbólicos.
clado sobre si mesmo, em perfeito funcionamento. Na Este problema ›ntrínseco acentua-se quaxdo versões
realidade, uma sociedade dessa espécie nâo existe. De- divergentes do universo simbólico começam a ser parti-
vido às Inevitáveis teng6es dos processos de institutio- lhadas por grupos de "habitantes". Neste caso, por mo-
rializaçâo e pelo próprio fato de todos os fen6menos tivos evidentes dada a natureza da objetlvação a versáo
sociais serem construçóês historicamente produzidas pela divergente corporiflca-se em uma realidade por sua pró-
atividade humana, nenhuma sociedade t totalmente admi- pria conta, a qual, ao existir no interior da sociedade,
tida conto certa e assim, a fortiori, o mesmo se dá com desalia a condição de realidade do universo ilmb6lico
o universo simbólico. Todo universo simb6Ilco é inci- tal como foi originariamente constituido. O grupo que
pientemente problemático. A questão consiste, portanto, objetivos esta realidade divergente torna-se portador de
cm saber em que grru tornou-se problemático. uiaa diversa detiniçã o da realidade. “ Quase não é pre-
Um problema intrfnseco, semelhante ao que discutitzios ciso acentuar que estes grupos heréticos constituem nao
em relação ã tradição em geral, apresenta-se com o pro- somente uma ameaça teó rica para o universo simbó lico,
cesso de transmissão do universo simbólico de uma ge- mas urna ameaça prática para a ordem institucional le-
ração a outra. ocia ¿ção. nun completanient.e gitimada pelo universo simbó lico em questão. Os proce-
ced Us lndivldu mattie lverso dimentos repressivos habitualmente empregados contra
tais grupos pelos guardiõ es das definiç6es "oficiais" da
mo entre os "habitantes" nais ou menos aulorlzados, realidade nã o nos dizem respeito neste contexto. O que
haverã sempre variaçõ es idiossincrá sicas na maneira como importa para nossas consideraçõ es é a necessidade dessa
concebeai o univezzo. Justamente porque o universo sim- repressão ser legitlmada, o que naturalmente implica p6r
bó lico uso pode ser experimentado cono tal na vida co- em ação vlrios mecanismos conceituais destinados a
tldiana, mas iranscende esta ú ltima por sua pró pria na- manter o universo "oficial" conira o desafio herêtico.
turezs, n8o é possível "ensinar" sua signlficaçao pela Historicamente o problema da heresla toi muitas vezes
maneira direta em que se ensinam os significados da o primeiro impulso para a sistemática conceitualizaçdo
vida cotidiana. As perguntas feitas pelas crianças a res• teó rica dos universos sinbó licos, O desenvolvimento eco-
peito do universo simbblico têm de ser respondidas de ló gico cristã o corno resultado de uma série de impug-
maneira mais complicada do que as perguntas sobre as naçõ es herfiticas da tradÍÇaO "Oficial" Of8f£Ce excelen-
realidades ínstitucionais da vida cotidiana. Es perguntas tes ilustraçõ es histó ricas deste processo. Como em toda
dos adultos idiossincrãsicos exigem mais completa ela-
teorização, no curso desse processo aparecem novas Jm-
p)icaçô es teóricas denho da pró pria tradição, sendo esta ouviu falar dessas regras, talvez nem mesmo tenha uma
impedida a novas conceiiualizações, além de sux forma palavra paza designar "primos" e no entanto parece
original. Por exemplo,(as formulaçõ es crlstolô gicis pre- passai muilo bem em plena atividade. 0 universo dis-
cisas dos primeiros coxcllios da Igreja foram exigidas tinto apresentado pela outra sociedade tem de ser en-
! não pela própria tradíçao mas pelos desafios herétlcos frentado com as melhores razó es possíveis para afirmar a
que sofreu. Ao serem elaboradas estas formulações, a superioridade do nosso pró prio. Esta necessidade exige
tradição ao mesmo tempo mantinha-se e expandia-se. Ulzl iTlecaflisffto COflCeítual considtraVelfTleltte reguintaü •

! Emergiu assin›, entre outras inovações, uma concepção


teó rica da Trindade, qué nã o era apenas desnecessá ria
O aparecimento de um outro possível universo sim-
bó lico representa uma ameça porque sua simples exis-
mas realmente nao existia na primitiva comunidade cris- tência demonsira empiricamente que o nosso pró prio
iã. Em outras palavras, o universo simbólico não ú so- nã o ê inevitá vel. Como toda gente pode agora ver, é
mente legitimados mas também modificado pelos meca- possível viver nesse mundo sem a instituiçã o da relaçã o
nismos conceituais construídos para proteção contra o de parentesco entre primos. E é possível negar os deuses
ataque de grupos heréticos numa sociedades da relaçao entre primos ou mesmo zombar deles sem
Uma das principais ocasiõ es para o desenvolvimento fazer imediatamente o céu vir abaixo. Este fato chocante
de uma conceitualizaçã o conservadora de um universo tem de ser teoricamente explicado, quanto mais não seja.
é o que se apresentá quando uma sociedade defronta-se Evidentemente pode também acontecer que O OLttFO iJTJi-
1 verso tenha um atrativo missionário.(Indivíduos ou gru-
com outra que tem uma histó ria muito diferente. “ O pos de nossa própria sociedade podem ser Sentados a
problemá estabelecido por esta confrontaçã o t tipicamente "emigrar" do universo tradicional ou, perigo ainda nais
mais agudo do ”que o gerado por hereslas internas na sério, transformar a velha ordem à imagem da novos E’
sociedade, porque neste caso hA uma a)terxatíYa entre I
universal simbólicos, tendo o outro uma (radlção "ofi- fácil Imaginar, por exemplo, como o advento dos gregos
patriarcais deve ter subverildo o universo das sociedades
cial" cuja objetividade, suposta certa, é igual a que o
matríarcais entáo existentes ao longo do Mediterrâneo
primeiro universo possui, E’ muito menos chocante para
a condiçao de realidade do nosso pró prio universo ier oriental. O universo grego deve ter exercido considerá-
de tratar com grupos minoritários de dissldentes, cuja vel atração sobre os indivíduos do sexo masculino domi-
oposição é ipso {reto definida como loucura ou maldade. nados pelas mulheres datas sociedades. E sabemos que
do que enfrentar uma outra sociedade que considera os a Grande Mãe causou uma profunda impressão sobre
nossas próprias definições da realidade como Ignorantes, os próprios gregos. A mitologia grega está cheia de
loucas ou completamente más. “ E' uma coisa ter em eiaboraçôes conceituais que demonstram a necessidade
torno de si alguns inidviduos, mesmo quando se reúnem, de levar em cortslderaçâo este problema.
formando um grupo znlnoritárío que não pode ou não E' importante acentuar que os mecanismos COltC9itUãi5
quer conformar-se com as regras institucionais da rela- da eonservaçao do universo são eles próprios produtos
ção de parentesco entre primos. Oulra coisa, inteiramente da atividade social, assim como todas as formas de le-
í diferente, é encontrar toda uma sociedade que nunca
gitimação, e só raramente podem ser compreendidos se-
^ A9 anãIIscS de °'ContaetoS d¢ culturas* na paradamente das outras atividades da coletividade em
Veja-se o conceito de °cfioque ¢ultuta\" na antropolosla cultural amarl• uestgo. Especificamente, o êxito de particulares meca-
nismos conceituais relaciona-se com o poder possuído
146 147
por aqueles que operam com eles. “ O confronto com das legitimaçóes das várias ins\ituiçôes. Assim, exista
universos simbólicos distintos implica um problema de habitualmente uma continuidade entre os esquemas ex-
poder, a saber, qual das definífaes da realidade em con- plicativos e exortativos, que servem de legitimação no
tlito ticará nível teórlco mais baixo, e as imponentes construções
tixada” na sociedade. Duas sociedades que
Só defr0ntarc C0ttt universos efil COnflitO intelectuais que explicam o cosmo. A relaçã o enlre con-
desenvolverzo
!, .. ! .ambas mecanismos conceituais
destinados a manter seus ceituaTização cognoscitiva e normativa, neste caso, como
respectivos univerS0S. Do pOfttO de vista da plausibilldade cm todos os outros, ê emplricamente fluida, pois as con-
intrínseca as duas formas de conceitualizaçao podem ceitualizaçóes normativas implicam sempre certos pres-
parecer ao observador externo oferecer pequenA 8SColh6. supostos cognoscitivos. A distinção analítica t no en-
Qual das duas ganhará, contudo, éenhosidade
coisa que dependerá tanto útil, especialmente porque chama a atençao para
mais do poder do que da eng teó rica dos os graus variáveis de diferenciação entre estas duas
respectiv os legittniadores. E' imaginar que mista- esferas conceituais.
gogos oltmpicos e ct6nicos possível
igualmente requintados reú - Seria evidentemente absurdo tentar fazer aqui um
nam-se em COnSu)tas ecumgnicas, discutindo os méritos exame detalhado dos diferentes mecanismos conceituais
de e us respectivos uníversos de conservação dos universos, dos quais historicamente
mais prová vel que a questã o seja decidida no nível me- temos conhecimento." Mas algumas poucas observaçdes
nos rarefeito do poder militar. O desfecho histó rico de sobre certos notáveis tipos de mecanismos conceituais
todo choque extre deuses foi determinado por aqueles seguem uma ordem, mitologla, teologia, filosofia e ciên-
que impunhavam as melhores armas e nAo por aqueles cia. Sem propor um esquema evoluclonlsta para estes
que possuíam 0S melhores argumentos. A mesmo ¢olSa tipos, pode dizer-se com segurança que a mltologia re-
evidentemente pode dizer-se dos conflitos internos da presenta a forma fnais arcaica de zxanutenção do uni-
sociedade, nesta ordem de problemas. Quem tem a vara verso, pois de fato representa a (orma mais arcaica de
mais comprida tem maior probabilidade de impor suas legitimação em geral." Muito provavelmente a mitologia
definiçõ es da realidade. Esta é uma suposição segura t uma fase necessária no desenvolvimento do pensamento
que se pode tazar a respeito de qualquer grande eole- humano enquanto tal.” Em qualquer caso, as mais an-
tividade, embora haja sempie a possibilidade de teó ricos tigas conc•ltuaIizaçôes de conservação de universo de que
politicantent+ desinteressados convencerem uns aos outros, temos conhecimento sáo de torma zriitofógica. Para nossos
sem recorre7em a meios rhais brutais de persuasão. propósitos é suficiente definir a mitologia como uma con-
Os mxabsmos concemas que mantâm oS uzY¥rSOs cepção da realidade que postula a continua pertetraçao
simbólicos acarretam sempre a sistematização de leglti-
maçses cognoscitivas e normativas, que já estavam pre- Pateta t quam InxIe se aproxima ü a
sentes na sociedade de modo mais Ingênuo e que crista- Biologia ae conhecI#sento, i•&cpendentcmente aca
lizam no universo simbó lico em questão. Em outras pa- lazRt R ee• qucdr0 teó rico de referência.
B
ra
d‹It0ra«I4nto
lavras, o material do qual sao feitas as legitimaçoes de New ScGool fêr 9oclal II64.).
tãio lcmbfc c "Iti dos tr89 tstcdos“ de Augusto Comte. Nao pod¢stos
conservação do universo á principalmente uma elaboração hlst0rteamente
posterior, em um nível mais alto de integraçã o teó rica, Be posea tonceh£•Ios martalta de omta. ft0s9A
decle ae9unto telã mais pró xima do enfoque heye\lano e ntarxls\a da hls-
cofl¢Id•de do p¢nsamcnt0 tiumpn0.
x gtcex desenvolveu detx'Itadamente a relaçã o entre p•d r L •Bcufit pf yerezn que a mIt4log!4 eonelltul um ectá glo nt-
bym c0nfitcldcs tett0 das A7fNld
en det htrrcchenü tn Klasce £lnd In
(#fQ*z<ártfCtn, Kfõntr, cd1I0r,
f Lucfi-
373).’
do «tundo da experitnCia cotidíana por forças sagradas."
acesso ao seu conhecimenło. Isto é, exige-se um "se-
Esta concepção acarreta naturalmente um alto grau de gredo" e um corpo de conhecimento intrinsecamexte exo-
contíttuidade entre a orders social e a ordem cósmica, e
térłco 4 instituclonalmcnte dełinido em termos esotéri-
entre todas as suas respectivas IegiłimăÇfißS‘. Å fßåÎİ- cos. Uma breve olhadela nas "relações públicas" das
dade inteira aparece como sendo c0nstiłufda de nut ú ni- rodas conte/nporâneas dos teôricos revelarź que esta an-
co tecido. tiga prestidigitaçâo está longe de ter morrido h0je em
A mltologia, enquanło mecanisn o conceitual, estź mais dia. Apesar de tudo, há importantes diferexças socloló-
próxlma do n/veI Ingčnuo do universo simbólico, nfvel gicas entre as sociedades nas quais todas as conceilua-
no qual há o n fnimo de xecessldade de coxservaçăo lizaçöes de conservaçao do universo săo mitológicas c
tsóríca do universo, além da suposiç8o prática do uzll- as socledades em qug essas conceitualizaçóes não têm
verso em questâo como realidade objetiva. Isto explica tal canter.
o fenônieno historlcamente recorrents de inconsistentes 0s sistenias niitolögicos mais elaborados eslorçarn-se
tradiçöes mitológlcas coxtinuarem a existir lado a lado por eliminar as inconsisiências e conservar o universo
com uma integração teórica. Tipicamente, a inconsis- mitolbgico en\ termos teoricamente lntcgrados. Estas mi-
tincia só è sentida depois que as tradiçöes se tornaram tologías "canônicas", por assim dizer, evoluem para a
problemå licas e já for røali2ada alguma espécie de in- conceltualiaaçã o łeoló gica propriatriente dita. Para noisa
tegraçâo. A "descoberta" desta ixconsist6nCla (ou, se tinalidade atual, o pensainento leoló gico pode distingulr-
preíerirmos, sua suposiçã o £f pOSÌ ffCfo) È em geral se de seu predecessor initolò gico simplesmeiite em ter-
feita pelos especialistas na tradiçâo, que são também mos de seu maior grau de sistemalização teó rica. 0s
os- niais comuns integradores dos temas tradiclonais se- conceitos Îeoló gicos estã o mais distantes do nlvel ingë-
parados. Uma vez sentida a xecessidade de integraçăo, nuo. O cmmo pode ainda ser concebido em ternios das
as conseqüentes reconstruçoes mitológi<as podem alcan- forças sagradas ou dos seres da velha mitologia, mas
çar considerável grau d8 C0IT1 licaÇão leòrİCa. O ex0m- estas entidades sagradas łoram removidas para uma dis-
pIo de Homero basta- para demonstrar este ponto. tância maior, 0 pensamento mitológico opera denlro da
A mitologia aproxima-se também do nIveI ingënuo continuídade entre o mundo łiumano e o mundo dos
pelo fato de que, embora haja espdcialistas em tradiçăo deuses, 0 pensamento teológico serve de mediação entre
mitológica, stu conhecimento năo sa diferencia multo do esses dois mundos preclsamente porque sua continuldade
que I geralmente conhecłdo. A ixiciaçao ria tradlțão original parece agora quebrada, Com a transição da mi-
ministrada por estes especialistas pode ser diffcíl em tologia para a teologia, a vida cołidiana parece menos
seus modos extrfnsecos. Pode limitar-se a candidatos se- continuamente peztetrada por forças sagradas. O corpo de
leciotiados, a ocasiões ou épocas especlals e implicar ár- conhecirnento teológico é par conseguinte mais afastado
dna preparaçã o ritual. E', porém, raramente diflcil do acervo geral do conhecimento da sociedade e tor- na-
termos das qualidades intrlnsecas do próprio corpo se assim i/zfrírłsecomefi/e mais diflci( de adquirir.
d
conheclmento, que n8o ê diiIciI d• adquirlr. Para salva- Mesmo quando não I delíberadamente lnstituciona!izado
guardxr as pretens6es monopoiistas dos espeCiallstas G com caráter esotéríco, permanece "secreto" em Yirtude
preclso estqbelecer institucionalmente a irnposslbilidade de de ser ininteligivel para a plebe em geral, Isto tern
como outra conseqütncia o fato da plebe poder perma-
*‘ ' A N0saã . concepção do la trabalkoe de
0ergrdMs van der Lceuw, BTIags e Rudoll ztecer relativamente inatingida pelas requintadas teo-
- Sobre a cenłlnuldadc entr¢ ae rias de conservaçao do universo maquinadas pelos es-
150 15t
pecialistas era teologia. A coexistència da mitologia in- não esgotam necessariamcnte o assunto. htas liá dnas
gènua entre as massas e uma comptexa teologia entre aplicaçôes do mecanismo conceitual de conservação do
as elites de teò ricos, mbas servindo para conservai o universo que ainda resta discutir no contexto da teoria
mesmo universo simbó lico, é um łen6meno hisłbrlco fre- geraI: a terapčutica c a artiquilaçăo.
qüente. Somenłe tendo em vista este łenômeno ê pos-
sivel, por exemplo, chamar as sociedades tradicioiiais A terapèutica acarreta a aplicação do nlecaniinio con-
do Extremo Orients “budistas", ou, tgualmente, cha- ccituał a tim dc assegurar que os díscordantes atuais
mar a sociedade medieval "cristâ". ou potenciais se conserves dentro das definiçoe5 inStitu-
Cionali2adas da realídade, ou, em outras palavras, im-
A teologia è paradigmática desta última conceiiuali- yeJir que os "habilantes” de um dado universo
zaçao łilosófica e cientiJica do cosino, Enibora a teologia grem”. Realiza isio aplitando o aparelho legitimador aos
possa estar mais próxinia da mitologia no conteúdo re- “casos” individuals. Desde que, conforms vimos, toda so-
ligioso de suas dełinições da realidadc', estã mais prò- ciedade enłrenla o perigo de dissidèflcİa İfldividual, po-
xima das mais recentes conceitua(tzaçoes secularizadas demos admitir que a łerapèutica, de urna íorina on de
em sua localízação social. Ao coxtrário da mltologia, as outra, é um fen0 ieno social global. Scus disposilivos
outras tr5s fornias historícamente dominantes de nteca- iiistituclonais especlficos, do exorcismo ã psicanãlisc, da
nismos conceituaís passam a ser propriedade de elites assisténcla pastoral aos programas de aconselhamenło
de especialistas, cujos corpos de conhecimento foram pessoal, pertencem naturalmeote à categorla do controle
crcscentemexte afaśtados dp ”conhecimento comum da
social. Aqui interessa-nos, porém, o aspecto conc#/fun/
sociedade em conjunło. A cițncla moderna é um passo
extrcnio nesse desenvolvimento e na secularização e com-
da terapèutica. Tendo a terapêulica dc ocupar-se com
plícaçáo da conservação do universo. A citacia não so-
cs desvios das detiniçães “ofíclais" da realidade, deve
criar um mecanisnio conceitual para explicar esses des-
mente completa ,o afastamento da forma sagrada em vies e conservar as realidades assim ameaçadas. Islo re-
relaçã o ao mundo da vida cotidiana, mas retira desse quer um corpo dc conhecimento que inclui uma teoría
mundo o conhecimento conservador do universe como da dissldëncia, um aparelho de diagnò stico e um sls•
tal. A vida cotidiana flca privada da legitimaçã o sa- tema conceitual para a "cura das almas".
grada e do tipo de inteligibilidade teó rica que a ligaria
com o universo simbó lico em sua pretendida totalidade. Par exemplo, numa coletividade que institucionallzou
a homossexualidade militar, o iodividuo obstinadamente
Dito de.maneira mais simpler, o membro “leigo” da so-
ciedade nâo sabe mais como tern de manter conceitual- Iteterossexual é unt candidato seguro à terapćutica, náo
mente seu universo, embora evidentemente ainda saiba somente porque seus interesses sexuais constituem evi-
quem săo aqueles qùe presumem ser os especialistas da dente ameaça à eficičncla de combats de sua unídade
conservaçăo do universo. 0s interessantes problemas pro- de guerreiros-amanles, mas também porque seu desYi0
postos por esta situ2ção pertencem a uma sociologia é psicołogicamente subversivo para a virilídade espon-
emplríca do conhecimerito da socledade coxtemporânea tànea dos outros. Afinal de contas, alguns desłes, talvez
e năo podem ser examinados mals a fundo xcste con- “subconscientemente", podem ser tentados a seguir seu
texto. ezem to. m um nlvel mais Jundamental, a conduta do
ssidente desafla a realldade social como tal, pondo em
Não é preciso dizer que os tipos de mecariismos con- questao seus procedimentos operatóríos cognoscitivos ad-
ceituals aparetem historicamente em inuineráveis modlfi- mitidos como certos (“os homens viris por natureza
caçò es e combinaçó es, e que os tipos que examinamos ymam uns aos outros"), e os procedimentos normativos
152
(“OS ll0illú flS ¥ifjs d#V£fn a tTtaf tins a0S 0Ulr05”), je labelece uma simetria entre o mecanismo conceitual e sua
fjito, o dissideate rovavelmú nte representa um ixs apropriação subjetiva pela consciência do indivíduo. Res-
aoseuses, que amam u s aos ou ros no c soclaliza o transviado, reíntroduzindo-o na realidade ob-
jetiva do universo simbú íico da sociedade. Evidentemente
qpõ e u a p lida‹›\cntc fundada numa existe uma grande satisfaçã o subjetiva por motivo desta
t00ria terapêutica. E’ preciso haver uma teoria do des- retorno à "normalidade". O indivíduo pode agora re-
vio (uma "patologia") que cxp(ica esta condição cho- tornar ao amoroso abraço do comandante de seu pe-
cante (digamos, postulando a possessáo demonlata). lotã o com o feliz conhecimento de se ter ”encontrado
E’ preciso haver uitt corpo de conceitos diagnósticos a si mesmo", e de mais uma vez estar certo aos olhos
(digamos, uma sintomatologla, con› práticas apropria- dos deuses.
das para apIicà -la em Julgamentos por ordã lio), qut A terapêutica usa o mecanismo conceitual para man-
nã o somente permita de maneira ó tima a precisa esp0- ter todos denlro do universo em quesito. A aniquilação
cifiCaçáo das condições agudas mas também descobre a por sua vez usa unt mecanismo semelhante para li-
heterossexualidade latente" e a rá pida tomada de me-
quidar conceitualmenle tudo que está situado /oro deste
didas preventivas. Finalitiente, deYe Itaver uma conceitua-
mesmo universo. Este procedimento pode tamb8rzi ser
lizaçã o do processo curativo (digamos, un› catá logo de
ttczticas de exorcismos, cada qual com adequada funda- considerado uma espécie de legitimação negativa. A le-
gitimação conserva a realidade do universo socialmente
mentaçã o teó rica). construido; a aniquilação nega a realidade de qualquer
Este n+ecauismo conceitual permite sua aplicação te- fenômeno ou interpretação de fenômenos que não se
rap4utica pelos especialislqs adequados e pode também ajustar nesse universo. Isto pode ser realizado de duas
ser interiorizado pelo indivíduti que some da condição maneiras. Primeiramente, é possível dar um s/o/us on-
dissidente. A i»te'riorizaçã o em si mesmo terá eficá cia tológico negativo aos fen8mexos de desvio, com ou sen›
terapêutica. EPi nosso exemplo, o mecanismo conceitual intenção lerap8utica. A aplicação aniquiladora realiza-
pode ser orgarilzado de tal maneira que desperte a culpa da pelo mecanismo conceitual é em geral mais «sada
no individuo (digamos, um "pÂfti¢o heterossexual"), fa- com indivíduos ou grupos estranhos à sociedade em
çanha nâ o demasiado difícil se sua socialização pri- questã o e por isso inelegiveis para a terapêutica, A
mária tevé ao operaçã o conceitual nesse caso ê bastante simples. A
desta culpa, o indivíduo chegará a aceitar subjetiva- ameaça ã s definiçõ es sociais da realidade é neutralizada
mente a conceitualizaçao. de sua condição com a qual atribuindo-se um status ontolô gico inferior, e com isso
OS pfO!lS tOA is (efÂfiêUtic0S O faze/ti ‹lefrot tal-Se, Cria um status cognoseitivo qhe ná o deve ser levado a sério,
uma "visão inferior", e ' o diagnó stico torna-se subjetí- a todas as definiçõ es existentes fora do universo sim-
vamente real para ele. O mecanismo conceitual pode ser bó lico. Assiiii, a ameaça da vizinhança de grupos anti-
ainda mais desenvolvido a fim de permitir a conceitua- homossexuais pode ser conceiiualmente liquidada por
lizaçã o (e assi/zi a Ilquidaçâo conceitual) de quaisquer nossa sociedade homossexual conslderando esses vizinhos
dú vidas a respeito da terapêutica sentida ou pelo tera- corno seres inferiores aos homens, inatamente desnor-
peuta ou pelo "paciente". Por exemplo, pode haver uma ttados a respeito da correta ordem das coisas, vivendo
teoria da "resistência", para explicar as dú vidas deste ü m uma insanã vel obscuridadc cognoscitiva. 0 silogismo
ú ltimo, e uma teoria da "contra-transferência", para ex- fundamental é o segoinie: os vizinhos são uma tribo de
yliCar as dú vidas do primeiro. A terapêutica eficaz es- bárbaros. Os vizinhos sã o anti-homossexuais. Por con-
.
' seguinte, sua anti-homosæxualidade. I uri absurdo blr-
baro, que não deve , ser tornado a s4rio por homem tensivaraexte ncgam. Num quadro de fe{crÊ f¡Cİß tßOlÓ ğ SCO
o mesmo procedimento dcmoxstra que o dernô nio
razoá veis. O niesmo procedimento conceitual pode scm
luntariamenfe glorilica Deus, que toda descrença é ape-
dû vida ser tambłm aplleado aos łransviados dentro da nas desonestidade inconsciente, até mtsmo que o ateu ć
sociedade. Quer se passe da aniqullaçä o à terapCutica, As aplicaçó es terapéutica e aniquiladora dos mccanis-
quer se enipreenda a liquidațão flsica do que se liquidou mos conccituaís sã o íßerentes ao universo simbó lico en-
conceilualmente, isto é apenas uma questä o de politica
prá tica. O poder material do grupo conceitualmente Ií- quanto tal. Se o universo simb6lico tern de abrangcr z
quidado na maioria dos casos nã o será um tator insig- realidade, n3o è possivcl deixar que alguma coisa tique
fora dc seu â mbito Eni princlpio, de qualquer
nificante. Å s vezes, infelizmente, as circunstâ ncias nos.
dna i i ó
forçam a master retaçó es cordiais com bá rbazos.
OS
É m segundo lugar, a aniqullaçã o implica a tenłativa _quaiste ta fcadl tÂliZÂÇŠO
niais ambiciosa de explicar todas as dełiniçò es dissi- red e e c I i fWn8r* ap&rčceni_jogo_
dentes da realidade em termos õe conceitos perlencentes q o I o simb I o a
ao nosso próprio universo. Num quadro de referćncia
teołógico isto acarreta a transição da herœíologia à apo-
logéłica. As concepçóes transviadas aão recebem sin- c) A orgsukaç8o æclal
plesmente um sfnfos negativo, são atacadas teoricamente
em detaJhes. 0 objetivo final deste procedirnento ê in- para a manøtcnçko do uzilverso
corypror as concepçôes dissidentes ao nosso próprio Sehdo produtos Iiist6ricos da atividade humana, todos
universo, e com isso em źltima análise liquîdã-las. As os universos socialmen îe construldos modificam-se, e a
concepçöes dlssiderttes devem portanto ser traduzidas em transformațao é realizada pelas açö es concretas dos se-
conceitos derivados de nosso próprJo uxiverso. Desta ma- res humanos. Se nos deixarmos absorver pela complexi-
neira, a xegação de nosso universo trartsmuta-se sutil- dade dos mecanism0S EOftCčİtuă ÍS pelos quais é mantido
inente na atiimação dele. Há sempre a pressuposição de qualquer universo especlfiȚ o, podernos esquecer este fato
que o negador mo sabe zezlmenle o que está dlzendo. socioló gico fundamental.(A realidade é sœialmente de-
Suas afirmaçóes sb adquirem sentido quando são tradu- finida. JŸ ias as deliniçõ es sã o sempre eiicarnadas, isto é,
zidas em termos mais “corretos", isto I, em termos de- indivlduos concretos e grupos de indivlduos sźrvem co-
rivados do universo por ele negado. Por exemplo, nossos mo definidores da realidadeÇPara extender o estado do
teóricos homossexuais podem argumentar que todos os universo socialmertte construfdo em qualquer momento,
homens săo par natureza homossexuais. 0s que negam ou a variação dele com o tempo, é preclso extender a
isto, em virtude de estarem possuldos por demôztios ou organizaçá o social que permits aos definidores f azerem
simplesmente por serem bárbaros, estăo aegando sua sua definiçã o. Dito um pouco rudemente, é essenciał in-
própria nature a, Benn no fundo de si mesmos, sabem sistír nas qucstó es sobre as conceitualizaçô es da reałi-
que isto č assim. Basta, portanto, investigar culdado- dade historicaricn le acesslveis, do abstrato “O que†" ao
samente seus enunciados para descobrir o caráter defen- sociołogicamente cortcreto “€}uem diz?"."
sivo e a má łé da posiçâo deles. Seja iá o que for que
digam neste assuxto, isso pode assini ser traduzido em em d¥t4łhće
uma afirmaçao do universo hon ossexttal, que eles os- obra dø tannhelœ
Como vivos, a espccialização do conhecimcnto e a quer rclaçgo com a vida corrcnte da soci0dadc, rnas
concomitants organlzação do pessoal para ministrar os cxistem numa espćcie de céu platônico de ideação 8-his-
corpos especialìzados de conhecimento desenvolvem-se tóríca e a-social, Isto evidentemente é uma ilusăo, mas
como resultado da divisao do trabalho. E’ possivel con- pode ter grandc força sócio-histórica, tm virłude da rc-
cęber um estági0 primitivo deste desenvołviment0 n0 laçăo entre os processor de detiníçăo da realidadc c os
qual não há competição entre os díferentes peritos. Cada proccssos de produção da realidade.
àrea de especializaçã o estå dełinida pelos łatos prag- Uma seguxda conseqüência ê o fortalcciniento do tra-
måticos da dlvisão do trabalho. 0 perito em caça xăo díctoi alismo was açöes institucionalizadas que são assim
prctenderá ser perito em pesca e assim não terá motivo legitimadas, isto é, o reforço da tendčncia irierente da ins-
para entr8r Cm compgtiçã0 com quem tern este último tttucionalizaçäo š intrcia." 0 łiźbito e a institucionaliza-
çåo• limilarn por si mesmos a flexibilidade das açóes
»
conhecimento.
I›unJanas. As instituiçôes t0ndem a perdurar, a menos que
A medida que vão surgixdo tormas maís complexas
de conhecimento e sq constitui um excedente econ6mico, sc tornem "problen áticas". As legitimaçóes supremas
os perltos devotam-se em regime de tempo Integral aos refor am inevitavelmente esta tendčncia. Quanlo mais
assuntos de sua compettncía, que, com o desenvolvlmcnto a stratas sao as legitimaçöes rt enos prohabłlldade tern de
dos mecanismos conceituais, podem żornar-se cada vez se modificarem de acordo corn as exigências pragmáticas
mais distantes das necessidades pragrnáticas da vida co- variáveis. Se exíste a tendčncia a deixar ludo continttar
tidiana. 0s peritos nestes corpos rarefeitos de conheci- como antes, esta tendtncia ê evidentemente tortalecida
se l›ouver excelerttes razões para assim proceder. Isto
mento pretender possuir uni novo sfo/os. Nao são ape-
nas peritos neste on naquele setor do acervo societárlo significa que as instituiçócs podem perdurar ntesmo quan-
do conheeimento mas pretender ter a suprema jurisdição do, aos o)hos de uni obscrvador externo, perderarn sua
original luncionalidade on praticabilidade. As pessoas la-
, sobre este acervo do conhecimento em łotalidade. Sã o, zem certas coisas não porque dão resullado, mai porque
!' literalmente, especialistas øniversais. Isto woo sigoiłlca sáo cerfos — isto I, certas em lernios das supremos
que pretender saber tudo, mas apenas que pretendem
definições da rcalidade pronïulgadas pelos especialistas
saber o significado último do que todo mundo sabe
no universal."
c faz. Outros hoznens podem continual a ocupar-se em
setores partłculares da reaJidade, mas aqueles pretender O surgimento de uni pessoal em regime de tempo in-
: ser especialistas nas dellniçóes supremas da realidade en- tegral para a legitimação da conservação do universo
quanto taI. tambêm traz consigo a ocasiao de conflilos sociais. Al-
guns destes conflitos travam-se entre especialistas e
Este estáglo nò desenvolvimento do conhecimento tern
várias conseqü8nclas. A prirneira, que já menclonamos, profissionais. Estes últimos, por motivos que não pre-
clam scr esmiuçados, podem chegar a indignavse com
ć a emergtncia da teoria pura. Como os peritos universais as grandiosas pretensöes dos peritos e os privilćgios
operam nuri nlvel de considerãvel abstração das vicíssi- socíais concretos que as acompanham. Aquilo que é pro-
tudes da vida cotidiană, taxto os outros quanto eyes pró-
vavelmertc n›uito irritante resume-se na pretensão dos
prios podem concluir que suas teorias não ttrri qual-
peritos de conhecer o significado supremo da atividaJe
rAr j\ *’ Sobre n "inźrcla" înstliuctonal relorțada pelas leglclmaçges úîŁlmas (^fld
‘{‘h$0dOt ¢łlüade" üe Simmel), ve{a•se ao m¢emo tempo Dut th•lm c Part to.
tutl
de dac lnatftulçües ee rcvt'a mms f rpta, tendendo a pr0cvrar colaãs pr ătfc•s
que na verdade nßo existent.

159
dos profissionais melhor do que csics mesmos. Estas
r•belióes por parte dos "leigos" podem conduzir ao apa- lsto nos p6e em face de outra possibilidade igual-
recirnento de definiçoes rivais da realidade e finalmente mente importante de conflito, e que ocorre entre grupos
ao surgimento de novos peritos, tendo a seu cargo as rivais de peritos. Enquanto as teorias continuam a ter
aplicações práticas imediatas, qualquer rivalidade que
novas definições. A India antiga ofere¢¢-nos algumas
possa existir é facilmente harmonlzada por melo da prova
das melhores ilustrações históricas tleste lato. Os br8- prática. Pode haver teorias contpetidoras relativas à ca-
manes, em sua qualidade de peritos na realidade últilzla,
çada do javali, nas quais partidos rivais de especialis-
tiveram êxito em grau espantoso na imposição de Sua5
tas em caça criam interesses adquiridos. A questão pode
definições da realidade à sociedade. Qualquer que tenha ser decidida com relativa facilidade verificando-se qual
sido sua origem, foi na qualidade de construção dos das teorias conduz a matar maior quantidade de java is.
brâmanes que o sistema de castas se expandiu ao Esta possibilidade não existe para decidir, por exemplo,
longo
de um periodo de séculos att cobrir a maior parte do entre uma teoria pollteista e outra henoleísta do universo.
subcontinente indiano. Na realidade, os brãmanes eram Os teóricos respectivos são forçados a substituir a argu-
convidados por um principe governante deyois do outro mentação abstrata às provas práticas. Por sua prôpria
para serviram como "engenheiros sociais" para a jinplan- natureza esta argumentação não traz a convicçã0 ine-
taçâo do sistema em novos territórios (em parte porque rente ao sucesso pragmático. Aquilo que é cortvincente
o sistema era vislo como idêntico ã civillzaçao superior, para um homem pode não ser para outro. Não podemos
e em parte também, sem dúvida, porque os príncipes realmente censurar estes teóricos se decorrem a vários
cial). compreenderam sua imensa
O Código de Manu capacidade
dã-nos de controle
uma excelente so-
idéia ›-esistenfes suportes para o frágil poder do simples ar-
gumento, como, por exemplo, conseguir que as autori-
tanto do projeto dos brãmanes para a sociedade quanto dades empreguem a força armada para fortalecer um
das vantagens, de todo mundanas, que os brâmanes Con- argumento contra seus competidores. Em outras pala-
quistaram em con’seqtI4ncia de serem aceitos como os vras, as definições da realidade podem ser reforçadas
planejadores cosmicamente estabelecidos. Era inevitável, pela polícia. Isto, diga-se de passagem, não significa
contudo, que surglssem conflitos entre os te6riCoS e o5 que estas definições serâo menos convincentes que as
profissionais do pôder nesta situação. Os últimos eram aceitas "Voluntariamente", pois o poder na sociedade in-
representados pelos Xátrias, a casta militar e princi- clui o poder de determinar os processos decisivos de
pesca. A literatura épica da India antiga, o Mahabhafata socialização e portanto o poder de produzir a realidade.
e o Ramaiana, dão eloqüente testemunho deste conflito. Em qualquer caso, as slinbolizaçó es altamente abstratas
Não foi por acaso que as duas grandes rebellfies ieóricas (isto é, as teorias enormemente afastadas da experiência
contra o universo dos brãmanes, ‘o jainismo e o budismo, concreta da vida cotidiana) são corroboradas mais pelo
tiveram sua localizaçã o social na casta dos Xálrias. Nã o suporte social do que pelo suporte einpfrico. " E’ possf-
é preciso dizer que as redefiniçdes jainistas e budistas vel dizer que desta maneira reintroduz-se um pseudo-
da realidade produziram seu pró prio pessoal especialista, pragmatismo. E’ possível dizer ainda que as teorias são
conforme provavelmente também aconteceu corri os poe- convincentes porque dã o resultado, isto é, dão resultado
tas tpicos que desafiaram o universo dos brMmanes de no sentido de se tornarem o conhecimento padrão e con-
maneira menos co tiprecnsiva e menos requintada.” siderado certo na sociedade em questão.
Sobre a valldaslo de difíceis de comprovar
Sobre o eenlllto Bre ma/Xátrla, consulte-et a Obrc .de Web¢r Snbf e a cl. Leon Fcsiln¢ir, A
Row, Peterson and Co., Ie57j.
Eslas consideraçò es implieam haver senipre uma base
poder pragmático dds l8orias em
social estrutural para a competiçå o entre definiçò es ri- questão torna-se ex-
vais da realidade e que o desficho da rea!idade pode trlnseco, isto é, "demonslra-se" que uma teorla é pea-
ser afetado, quando nåo direłanienle determinado, pelo tiCamente superior não *+ Vittude de suas qualidades
desenvolvimento desta base. E' perfeitamente posslvel que intlnseCaS mas pos sua aplicabil:dade aos impresses so-
łormulaçö es teó ricas abstrusas sejam maquinadas quase ciais do grupo que se tornou "portador" dela. Há ç jj
inteiramente lsoladas dos amplos movinentos que se pro- siderável variabilidade hisfó rica na organizaçã o social de
cessarn na estrutura socia1, e nesses casos a competição peritos teó ricos, corrio resullado desta s:t»ação. E inbora
entre especialistas rivais ocorre em uma espêcie de vazio seja evidentemente imposslvel øpi ezenl øc aqui uma łi-
social. Por exemplo, dois partidos de dervishes eremitas pologia exaustíva, 80rá útil examinar alguns dos tip0s
podem contixuar discutiado sobre a natureza última do mais gerais.
urtiverso no rneio do deserto, sem Saver ninguém de fora Há em prímeiro îugar, talvez paradígrn aticamenł e,
que tenha o menor interesse. oa disputa. Logo, portm, possïbilidade dos periłos universais deterem o monopólio
que um ou outro desses pontos de vista chegam aos £felivo de todas as definiçô es supremas da realidade em
ouvîdot da sociedade circunstante haverá intcresses gran- Umă sociedade. Esła SİtLlaçãO pode ser considerada pa-
demente extrateó ricos que decidiráo o desfecho da rlva- radigmática por que há boas razôes para pensar que é tf-
lidade. Dlłerentes grupos sociais teräo ałinidades dile- pica dßS fa$eS p iuiiivas da hÏstÓrla łiUfl1ana. Este mo-
rentes com as teorias em co«i eti âo e conse ü enfemente nopó lio słg ica uma ú nica tradl ă o
se tornarão "portadores" destas últimas.* Assim, a teo- VߣS0 Esta 'ed
rła A dos derviches pode atrair o estrato superior da paceestzt- dO. 0 al
jrjtgt
sociedade em questão, enquanto a teoria B dos dervlches 0 d t0 ÅŃd
atrairá o estrało mćdio, por motívos inteJramente disłan-
ee
V£C0zhgËm am
d dd
tes das paix6es que animaram os inventores originals compqț„idmys reais
dessas teorias. As rodas rivais de peritos terão então de C0
ciedades prlmitivas empiricautenfè ã Ò Eíias à nossa
se ligarem aos grupos "portadores" e seu destirto sub-
seqüenłe dcpenderá do resultado de qualquer conflito J2ßÇã O Øafi£Cßm cå talogar- se nes te tipo e, com alguizias
que levou esses grupos a adotarem as respectivas teorías. mesmo ze pode dizer da tnaioria das ci-
vi arcałcas." Isto nã o iłTlpîiCa que em tais so-
Detiniçôes rivais da socłedade são dectdidas, assim, rta
cíędades xã o haja ciÎğ łîcos;-‘qü č -tõ dõ š ”iË iiÎ1ä ń î -sem -ex
esfera dos InteresseS sociais rivaís, e essa rívalidade por
sua vez "se traduz" em termos teóricos. A questão de
saber se os Veritas rivais e seus respectlvos partidários iãleaoazs
sao "slnceros" na relaçao subjetiYa com as teorias em rfiösíios da
questdo, é coisa de interesse apenas sècundá río para a Nesta
compreensão sociõlógica destes prócessos. radores **P*cíalisłas sao sustentados ]g0fthTl a g5frułura
uniíicada de poder. Aqueles que Ofupam as posiçò es de-
Quando não somente surge uma competíção teórica
isivase p or esłâ o promos para usar seu poder a
rnas também uma compełição práłica entre grupos de es- finn de impor as definiç6es łradicionä is d« reaîidade à
pecialistas dedicados a dlterentes definiçò es suprernas da po jaçã o submetida ã sua aut oridade. As conceiluaJiza-
realidade, a despragmatização da ieoria é inveitida e o
^ Sartre 4s drłinlț4cs m on0połlełxs dc r alîdadc nan soc\edadc• prl«tItlrc
O irabalgø turn UurŁhel m
de Pßu) kcą|n

162
universo potenclalmeitte competidores são deus, embora situações semelhantes tambtm sargissem
des-
dadas logo
assim que aparecem, quer fisicamente nos lugares em que os cristãos e muçulmanos eram for-
tua os deuies deVe morrer") qual çados a viverem uns junto dos outros em tempos de
integrad as na
QfÓQfiÍA tradição (os perit0S ft0 Utliversal paz. Este tipo de segregasã o, diga-se de passagens, tam-
argumentarão que
anteon Y com petidor n$o "real- bém protegia os universos judaico e muçulmano da
é
mentg” outra COiSa ttp3 um a pecto ou uma nomen “contaminação” cristã. Durante o tempo em que as de-
s
clatura do pantetifl tra diCi0zt Al X) • Neste último caso, finiçõ es competidoras da realidade podem ser segrega-
se os peritos têm *xito em suas argu das conceitual e socialmente como sendo pró prias de
uidada J2O£ “incorporação”, por assim dizem estrangei• •. • !’R•° f•* io como deslitutdas de importân-
a tradição sai enriquecida e diterenciad ão cia para a parte dominanle, é possível haver relaçdes
pode também
ser segregadã no interior da sociedade, cordiais con estes estrangeiros. A difituldade começa
tornando-se assim respeita ao mon0§ó1i0 quando o “caráter de ser estrangeiro” irrompe, e o uni-
tradicional, por exemplo, nenhuque.
rii membro do grupo COR- verso dissidexte aparece como um possível habitat para
quistad0f ou dominante pode cultuar deuses do tipo Y, o nosso prôprio povo. Neste ponto é provável que os
mas as czmzdaz subjugadas ou inferiores podem. A especialistas na tradição apelem para o logo e a espa-
mesma segregação protetora pode ser aplicada aos es- da, ou, no Iado oposto da alternativa, se acontece ser
lrangeiros ou p0V0S fi6spedes impraticável empregar o fogo e a espada, entrem em
O crist jaflÍSfTlO
medieval (que certamente não pode ser negociações ecumlnlcas com os competidores.
chaitiado pti+/ * qu arcaico, mas era uma sociedade As situações monopolistas desta espécie pressupõein
com nte eficiente monopólio simbólico) oferece ilüStra- um alto grau de estabilidade da estrutura social, sen-
çdes de todos OS trts proCcdimentos de liquidação. A do situações por si mesmas estruturalmente estabiliza-
tinhaesia clara
hei destruída, quer se doras. As definições tradicionais da realidade inibem a
corporificasse efti qp tndivJduo (por exemplo, uma lei- mudança social, Inversamente, o desmoronamento da
cotetividad‹ (aiiiu, a comunida de aceitação indi6putada do monopólio acelera 8 mudança
albigensi). sendo a guar- social. NSo nos deveria portanto surpreender a existên-
diã monopolista
da tradição CFi$tS mostrava se muito cia de uma profunda afinidade entre os indivíduos que
flexível em incorQOfã f à tradição um grande número bém interesse em conservar as posições estabelecidas de
de CrençãS 6 g ráticas
populares desde que estas não poder e o pessoal incumbido de ministrar as tradições
se solidificã S8Gm *>
desafios herétícos ganiZadoS,
or monopolistas de manutenção do universo. Em outras pa-
universo cristao enquanto tal. NãO lÍfiha lavras, as forças politicas conservadoras tém a tendén-
a menor iffiport8ndia que os cain OftflSflS toznassem um
cia a dar apoio às pretensões monopoIis!as dos peritos
de seus velhos deuses, bat:zaisem-no” corno 5á flt0 no univerial, cujas organizaçties monopolistas por sui
contar Os V9lhâs histó rias e vez tendem a ser politicamente conservadoras. Histori-
z celebrar as antigas festas que lhe eram dedícad8S• carente, é claro, a maioria destes monopólios foram
E pelo menos certaa defini$óm cornpetldoras da realt- religiosos. E’ possível, por conseguinte, dizer que as
dade podiam conservar-se segregadas dentro do cris-
igrejas, conside as como combinações monopolis
liaítisino sem serem consideradas corno ameaças para dy tõs, em regime de tem ja na e iniçao
ele. o caso mais imp0rtan R, duvida, é o dos ju- relí iiísa a rea i o inerentemente cõíi üãdP ,
S o eguem estabelecer seu mon em rima

164
distintivo da ideologia refere-se mais ao fato do /xes/xo
dada sociedade. Inversamente, os gft¡p0s dominantes sao universo glogal ser interpretado de diferentes maneiras,
ser e na manutenção do status . u» Polf ° dependendo dos interesses concretos adquiridos denlro
orientação religiosa da sociedade em questão.
e, como provg, verifica-se desconfiale m de todas as ino- Freqüentemente uma ideologia é aceita por um grupo
vações na tradição religiosa.‘ por causa dos elementos teóricos específicos que são
As situaçóes monopolistas podem malograr em se es- proveitosos aos seus interesses. Por exemplo, quando um
tabelece •n ou se manterem por rande número dfl fâ- grupo camponês empobrecldo luta contra um grupo mer-
zôes históricas, "internacionais" e B"domésticas".
, E’ pos- cantil urbano que o escravizou financeiramente, pode
sivel entã o que uma luta entre tradiçõ•• • oitipelidoras, reunir-se em torno de uma doutrina religiosa que exalta
e seu pessoã l ã dmÍflÍSf £ã 1ÍVOt continue pof Uff1 ÍOflgO as virtudes da vida agrária, condena a economia mone-
tempo. Quando uma particular definição da realidade tária e seu sistema de crédito corno imoral, e de modo
chega a se ligar a um interesse concreto de poder, pode geral vitupera o luxo da vida urbana. A "vantagem"
ser chamado urna ideologia.'” Deveria acentuar-se que ideológica desta doutrina para os camponeses é evidente.
este termo tem p0uca «tilidade se for aplicado ao tipo Encontram-se na história amiga de Israel boas ilustra-
de situação monOp0IiSta acima discutido. Tem pouco sen- ções deste fato. Seria errõneo contudo imaginar que a
tido, por exemplo, talar do cristianismo como uma ideo- relação entre um grupo de interesses e sua ideologia é
logia na Idade Média, emb0ta t¡vesSe eYidetite tiS0 sempre tão lógica. Todo grupo empenhado num confiito
político para os grupos dominantes —. pela SiMplfl6 fõ- social ezige solidariedade. As ideologias geram solida-
zão de que o universo cristão era "habitado" por toda riedade. A escolha de uma ideologia particular não é
a gente na sociedade medieval, pelos servos tanto quaxto necessariamente baseada em seus elementos teó ricos in-
pelos senhores. No periodo que se seguiu ã ReVOlUÇaO trínsecos, mas pode derivar de um enconiro casual. Está
Industrial, porém, hã certa justificação para chamar o longe de ser claro, por exemplo, que íoram elementos
cristianismo «rna ideologia burgtlflsã, porquê a burgue- intrínsecos do cristianismo que o tornaram politicamente
sia usou
a tradição cristã e seu pess0al na luta contra interessante” para certos grupos na época de Constan-
a xova classe operária industrial, que maioria dos tino. Parece, ao contràrio, que o cristianisrno (origina-
Sobreaflnldade ezttre állse d a httrocracl*.
oa
eldo usa§e em yenMd0s tÉ0 dl!^^^^!^^Decl
paises europeus não podia rtiais ser considerada como t utll riamentg uma ideologia da baixa classe média, se al-
"habitando" o universo
dlmos
a um cristão. “' Tem também pouco dO guma coisa foi) veio a ser aproveitado por poderosos
transformações du te rmo no
sentido usar
cristianismo o term0 88 durasit urt L cnlt l td-
diferentes definições da interesses para fins politicos que tinham pouca relação
tos • ldeologli da
realidade
M8rX se defrontam emobildc
um naCorttaCto
tntologla *fora on# *•#*!*°* com os conteúdos religiosos. Qualquer outra coisa teris
falarmos da "ideologia cristã" dos cruzados servido igualmente bem, apenas acontecendo que o cris-
e da “ideologia muçulmana” dos sarracen08. O t caráter
6
6
tianismo chegou num momento crucial de decisão.
Evi- dentemente, logo que a ideologia é adotada
pelo grupo em questão (mais exatamente, logo
que uma determina- da doutrina torna-se a
Ideologia do grupo em questão) modifica-se de
acordo com os interesses que deve agora legitimar.
lsto acarreta um processo de seleção e acrés- cimo
relatiYamezite ao primitivo corpo de proposiçôes
teóricas. Mas não há râ2Õ9S §3fa Supor qUe
gstâs fr1o-

. . .. ..
dlficaçaes devar« afetar a
totalidade dâ aout ina ado- tigas sociedades. As cidades do período greco-romano
tada. Pede haver n elementos em uma ideolo- final podem servir de exemplo. A situação pluralista en-
tifflgf0S0S
gla que ’Um’ relaçao com os inleressis legi timados, contra-se juntamente com condições de ràpida mudança
não
mas que são vigorosamente afirmados pelo grupo "por- soc¡a1, e na verdade o pluralismo é um falor acelerador
tador” porque estes se .abrigos sob a ideologia em cau5ã. precisamente porque ajuda a solapar a eficácia da resis-
.NA prática, isto pode levar OS detentores do poder a tência à mudança das definições tradicionais da reali-
apoiar seus especialistas id¢0lógt >* <^ interesses. O dade. O pluralismo encoraja tanto o cepticismo quanto
ricas de, todo irrelevantes para oG seus a inovação, sendo assim eminentemente subversivo da
envolvimento de Constantino nas controvérsias CriS(OTÓ- realidade admitida como certa do status quo tradicional.
de seu tempo é um bom eXflmplo deste caso. E’ fácil simpatizar com os especialistas nas definições
' E' impoztAnte ter em mente que a maioria das sOcÍe- tradicionais da realidade quando relembrar nostalgica-
dades modernas mente os tempos em que essas definiçôes tinham o mo-
sso pluralistas. i9to significa q»• COI1t-
partilhar de ttflt ufllVgZ’SO QUE é O 66U Êttj€lCo, aceito nopólio do terreno.
como lndubitável, e tem diferentes universos parCiais Um tipo historicamente importante de especialista, pos-
coexistindo em um estado de mútua aco odaçáo. Estes sível em principio e• 9• aIquer das situações que aca-
lfttos Qf0¥6Y8 men‹ t8m algumas fun1a•s ideológicas,
mas o conlllto direto entre as ideologias foi substituído bamos de discutir, é o intelectual, que podemos definir
por graus variáveis de como um perilo cuja capacidade especializada não é de-
tolerância Ou ftl6Emo de CO0@0fÁ- sejada pela sociedade em conjunto." Isto implica a re-
çso. Esta situação, criada por urna constelaçao de fa- definição do conhecimento com relação ao conhecimento
tores neo-teÔrIC0S, ap S Ito •0S P•" * na tradição "oficial", isto t, implica mais do que uma simples in\er-
graves problemas teóricos. Admínis trand0 uma tradição pretação um tanto dissidenle deste último. O intelectual
com secu1ares pretensdes monopolistas, tém de descobrir é assim, por definição, um tipo marginal. Saber se co-
meios de legítimas teoricamente a de smonopoTizaçáo que meçou sendo marginal e em seguida tornou-se intelec-
ocorreu. As vezes preferem continuar como porta-voxes tual (como ê o caso, por exemplo, de muitos intelectuais
das velhas prelen5Õ€S tOtÂlitãriaS, cofno se nddã liVe53 judeus xo Ocidente moderno) ou se sua rnarginalídade
acontecido, mas provavelmente muito p0tiCAS QB850a8 l8• resultou de aberraçôes intelectuais (caso dos heréticos
varao a sério essas pretexsôes. Seja o que for que oi votados ao ostrac¡smo), ê coisa que não nos interessa
peritos fizerem, a situaçao plura l transforma não so- aqui. ” Num caso ou noutro, sua marginalidade social
ista
fnente a posição social das definições tradicionais da rea- exprime a falta de integração teôrica no universo da
lidade mas também o modo em que essas sao susten- sociedade a que pertencem. O intelectual aparece como
tadas na conSCi9ltCia dos indivíduos. ’" um contra-especialista no trabalho de definir a realidade.
A situaçao pluralista supôe uma sociedade urbana, Tal como o perito "oficial", tem um projeto para a so-
com uma divisão do trabalho altamente desenvolvid a, ciedade em conjunto. das, enquanto o projeto do pri-
uma diferenciaçao cOftCOfl3it tntEITI0fltg Âttã PÂ
estrutura meiro está de acordo com os programas institucionais,
social e elevado excedente econô mico. Estas condições,
que evidentement e prevalecer na sociedade industrial 0o lzttelectu9l como o "perljo Jndc9e]áytj" n1o al-
moderna, eXittiram pelo menos em certos setores das an- con
de Ata*nftelxi sobre a marglnalldade do InteItc\uau.
I'fMma dellnlção d0 intelectual que seja socIo!oglcamenlt 0tIi t jmpor tante,
segundo aot•o modo ae Y•r, 4<p•r•r claramente cHe tipo do "8om‹m de
= Cf. Thamxc Lvtkmann. óo• conhecJmCnto” cm geral.
Õ¢C¢tl0Ch4/f (Ffelb•rg, Rombach ^ 50bre a marglnalJdade dos lnt¢lectu4ls, seja-se a an1Ilse, lelts
SJmmel, da "obj¢lí•idadc" do eetrangelr9 e a de Veblea coorc o

t68
d e cis dos ini el•ctUais na moderna sociedade plura-
e serve para dar-lites legitiniaçăo teô rlta, o do ixtelectual j,g t
iva
existe num vazio lnstituciozial, rto melhor dos casos ob- Umă Opțã o historitamenle iTIt4'tO İŁNg0rł8nte é eyiden-
jetivado em uma șubsociedade de intelectuais da mesma l fevoluçá o. Aqui o intelectual dispö e-se a rea-
espécie. A capacidade de sobrevivència desta subsocie- lizar seu projeto para a sociedade na sociedade. E' io-
dade depends, evidentemexte, de contiguraçô es estruturais posslvel CXä fÏlİßä f‘ ã gui as vá rlas fo rmas que esta opçá o
na sociedide mais ampla. Pode-se dizer cont cerłeza que tOfÜOU Ă i storİca jTtențe , m é precÍ50 čstabelecer um
as
um certo grau de pluralismo é uma condiçã o necessá ria. i portante OßtO teó rico. Assirn como o intelectual que
0 intelectual tern várias opçöes historicamente inte- se atasta IlčCčS5íta de outros JUN O ßj tld£m å manłer
ressantes que se abrem para ele em sua situaçáo. Pode SI4as defİnİÇdes discordantes da reaÌidade enquanlo rea-
retirar-se para uma subsociedade inłelectual, que servirá lidade, assim tambèm ’ttle•tual revolucioná io neces-
então de refúgio emotional e (mais importÂf\tč) de base sita de outros pã ra confirmar suas concepçõ es dissi-
social para a objetivaçâ o de suas definiçó es dissidentes da dentes. Y8U 8Xİgència é muito mais 4øndamextal do que
1 realidade. Em outras palavras, o irttelectual pode sen- o fata evidente Çã 0 (ż0def ter su-
tlr-se "à vontade” na subsocledade e nä o na sociedade cesso sem organizaçăo. O íntelect f5YoluCìoná rio pre-
ual
maior, ‘e ao mesmo tempo ser capaz de raanter subjeti- ¢isa de outros que manłe»hau para ele a reolidade (isto
vamente suas concepçó es dissidentes que a sociedade è, a plausibilidade Subjetiva em sua pr6pria cortsciência)
mais ampla destrói, porque na subsociedade há outros da ideologla revolucioná ria. Todas ã S definiçoes da rea-
que considerarn estas 'concepçóes como realidade. Criară, 1idade SOCialmen łe dotadas de seittido ttm de ser objeti-
entăo, vãrl0s procedirnentos para proteger a realidade v9d89 por processor sociais, Por conseguinte, os subuni-
precária da subsociedade das amexças aniqulladoras pro- versos exigem subsociedades COMO base objeüvadora e
vexlentes de fora. No nivel teórico, estes procedimentos as contradefiniçö es da realidade requirem cont ra- socie-
incluirăo as defesas terap4uticas que discutirnos ante- dades. Nă o é necessário acrescentar que todo sucesso
riormczite. Na prática, um procedimento mais importarte pråtico da ideologia revo lucionária f0rtificará a re tdade
será a llmitaçăo de todas as relaçöes significativas aos que possui dentro da subsoci dade e na consciê ncia dos
seus cornpanheiros, membros da subsociedade. O estra- membros da subsociedade. Sua realidade assume pro-
nho é evitado porque corporifica se«ipre a ameaça de pQtçątg rrtaciças quando camadas sociais inteiras tor-
aniquilaçã o. A seita religiosa pode ser considerada como nam-se “ portadoras" dela. A riziaria dos modernos mo-
o protó tipo das subsociedades desta esp‘ Dentro VİfTl5ntO5 7čVOÎ uCíoAári os oferece łTłLÏİt dS )lItStyaç ó es da
écie.
da comunidade protetora da seita niesnio as concepçó es tF8nSfOrl7t aç8o de in łelectuais J"čVO) ü Cłoná I ł OS em Iegłtima-
mais desvairadamente dissidentes tomam o earlier de dores OfİCİâ i5” apÔ S ä VÎ tÓ rİa desses M OVjfTle ltp5. '" )StO
realidade objetiva. inversamente, a retirada sectåria ć sugere ftâ o SOmčnte que há co»d á v I Variab i ł idade
tlpica das situaçôes eix que as deflxlçóes da realidade histó rica nâ carreira sociaî dos intelectuais revolucioriá -
anteriormente objetivada se desintegram, isto é, tornam- rios, mas que podem tambzu OCOttCr diferentes OĄÇOES
se desobjetivadas na sociedade mais ampla. 0s deia- e coaibinaçõ es na biogf afİa d0S indiVlduos.
thes destes processor pertencem à sociologla hlstórica
da rellgião, enibora deva acrescentar-se que várlas łor-
mas šecularlzadas de sectarismo s6o uma caracterfstlca
ef. Pcłc
Ptetarth,
Cemparat ^ ^nè!Is• do9 lntelectuołs
{Ntw’ York,
doa Intelec\u•fs rćY0luCloná r/os
estud4d4 tm desenvoI•
uma asuda
*ol*k ws8l, Ocx ffrm

170 17î
Na análise precedente acentuamos os aspectos estru-
turais na existência social do pessoal que sustenta o
universo. Nenhuma genuina análise sociológica poderia
proceder de outra maneira. As instituições e os uníversos
simbólicos sâo legitimados por indivíduos vivos, que t8m
localizações sociais concretas e interesses sociais con-
cretos. A história das teorias legitimadoras é sempre
parte da história da sociedade como totalidade. Nao há
III
"história das idéias" isolada do sangue e do suor da
história geral. Mas devemos, ainda uma vez, acentuar
que isto não significa serem estas teorias nada mais do A Sociedade como Realidade
que reflexos de processos institucionais "subjacentes"; Subjetiva
e relação entre as “idéias" e os processos sociais que as
sustentam t sempre uma relaçao dialética. E’ correto
dizer que as teorias sao maquinadas com o fim de le- 1.A INTERIORIZAÇAO DA REALIDADE
gltimar instituições sociais já existentes. Mas acontece,
também, que instituições sociais sejam modificadas para a) A Socialização Primária
se conformatem com teorias jã existentes, isto é, tor- S8NDO A SOCIEDADE U htA REALIDADE AO Àt ESMO TEf4PO
" ná-las mais *'legítimas". Os peritos em legitimação po- objetiva e subjetiva, qualquer adequada compreens ão
dem atuar como ]ustificadores teóricós do status quo, teórica relativa a ela deve abranger ambos estes aspec-
mas podem aparecer também como ideólogos revolucio- tos. Conforme tivemos ocasião de dizer, estes aspectos
nários. As definições da realidade têm um poder auto- recebem correto reconhecimento se a sociedade for en-
: realizados. As teorias podem ser realizadas nz história, tendfda em termos de ur» Processo dialético em curso,
mesmo teorias que eram altamente abstrusas quando fo- composto de trzs momentos, exteriorizaçã o, Objetivaçâo e
. ram pela primeira vez concebidos por seus inventores, III tgFi0fÍZ Agão. No que diz respeito ao fenômeno social,
Karl Marx, medltando na biblioteca do Museu Britdnico, estes momentos nóo devem ser pensados como ocorrer-
tornou-se o exemplo proverblal desia possibilidade hIs- do em uma sequência temporal. Ao contrário, a sei -
tórica. Por conseguinte, a lranstormaçlo social deve dade e cada uma de Suas partes são simultaneam ente
sempre ser compreendida como estando em relação dia- car Êlcterizadas por tr4s momentos, de tal modo que
estes
lética com a "história das idélaã". Tanto a compreensão qualquer análise quê considere apenas um ou dois deles
"ldealista" quanto a "materialista" desta relaçlo esque- é insuficiente. O
cem esta dialética e dessa maneira deformam a história. membro individual da sociedade, o qual simu ltaneamente
A mesma dialética predomina nas transformações glo- exterioriza netl próprio ser no marido socia l e inleriorlza
bais dos universos simbólicos que tivemos ocasião de este último <onl0 realidade objetiva. Em outras palavras,
:I examinar. O que permanece sociologicamenie essenclal testar em SOCÍ8dade significa participar da dialética da
é o reconhecimento de que todos os uztiversos simbólicos socíedadt,j
e todas as legitimaçdes sao produtos humanos, cuja CContudo, o indiv(duo nâo na5Ce membro da sociedade.
existência tem por base a vida dos indivíduos concretos Nasce com a predisposiçao para a SOCíabilida de e tor-
e nâo possui status empirico à parte dessas vidas. na-se membro da sociedade Por conseguinte, na vida
de cada indivíduo existe uma seqüência tempora l no cur-
172 J73
so õa qiial ć induzido a tomar parte ria dialètİca da compreende as definiçõ es das situaçõ es paililhadas mas
socíedade. O pontô initial deste processo é a interiori- sonios capazes de defini-la s reclprocainente. Estabele- ce-
zaçăo, a saber a apreensão ou interpretaçăo imediata de se entre riò s um nexo de motivaçõ es que se estende para o
um atontecimento objetivo corno dotado de sentido, isto
futuro. lais importance aioda ë o faìo de braver agora uma
è, como maniJestação de processes subjetivos de outrem, continua identilicaçã o mú tua entre n6s. N5o somente
que desta rnaneira torna-se subjetivarnente signiłicativo
vivemos no mesmo mundo mas participamos cada qual
para mitn. Ïsto não quer dizer que compreenda o outro d6 ser do oułro.
adequadamente. Posso de fato compreendè-to inal, por
exemplo, se está ríndo em um acesso de histeria posso Somente depois de ter reatizado este grau de interio-
rização ż que o indivfduo se torna membro da sociedade.
entender o riso como significando hilaridßde. MaS a sub-
je(ividade dele é entretanto objetiYame»te acesslvel a mim
O processo ontogenético pelo qual fsto se realiza é a
socializaçźo, que pode assim ser definida como a ampla
e torna-se dotada de sentido para min, quer ha a 0u néo e consistettte introdução de um indivíduo no mundo ob-
congručncia entre os processor subjetiv os dele e os meus.
A completa coogrugncla entre os dois significados sub- jetivo de urna sociedade ou de um setor dela. A socia-
lízação primária é a prirneira socialìzação que o indivl-
}etivos e o cozihecimento recfproco desta congrugncia duo experimenta na infància, e em virtude da qual tor-
pressu ge a significaçâo, conforms ßX8fRİfìAfflO5 dfiÍßfİ0fi-
na-se membro da sociedade. A socializáção secundária
rnente. No entanto, a interiorłzação, no sentido geral
4 quMquer processo subseqûente que introduz um indivL
aqui empregzdo, está subjacente tanto à signifîcação
quanto às suas łó rmas rnais complexas. Dito de manelra duo jb socalizado em zovos etoes do mundo obeüvo
desua sociedade Podemos aqu dNxa de lado a ques
mais precisa, a ínteriorizaçao neste sentido geral cons
titui a base primeíramente da compree osă0 de I1OßS0S tão particular da aq uisiçao do conhecimento relativo ao
semelliantes e, em segundo lugar, dv apreensã o do mun- mucdo objetivo de sociedades diferentes daquela de que
cada homem se torAou primeiramente membro, e bem
do como realidade social dotada de sentid '
assim o processo de interiorizaçśo desse mundo como
Esta apreensã o nao resulta de criaçó es autò nomas de realídade, processo que apresenta, ao rnenos superficial-
significado por indivlduos isolados, mas corneça com o mente, certas semelhanças com a socializaçáo primária e
fato do indîviduo "assumir" o mundo no qual os ou- secundária, năo sendc contudo estruturalmente idèntico a
tros já vivem. Sem dúvida, este "assumir" em si niesmo nenhuma destas. '
constltui em certo sentido um processo original para cada E' imediatamente evidente que a socialização primária
organismo humano e o mundo, uma ve2 "assumido", tern em geral para o indivlduo o valor reais importanle
pode ser rnodificado de maneira criadora ou (menos pro- e que a estrutura básica de toda socialização secundáría
vavelmente) até recriado. Em qualquer caso, na forma deve assemelhar-se à da socializaçâo primária. Todo
complexa da interiorização, náo somexte "compreendo" indivfd o a c u em urna estrutura. social objetiya,
os processos subjetlvos momentAneos do outro mas “COlTt- q enconłra _os outros significațjvoș- ¢}iie se entar-
preendo" o mundo em que vive a csse mundo torna-se
o meu próprio. Isto pressupóe que ele e en parlicipamos são-lh6=5mpostoAșdeliniçóes .por
do tempo de um modo que năo è apenas efemero e rtuma ç o ntam-sepurcl. a realidade. ob'et ä."fiéàiă
perspective arnpla, que tiga intersub]etivarnente as seqtìên-
cias de situaçôes. Agora, cada um de nós não somente * Noseoe delłnlC6es da soclßll*oțêo c de ee•s' dots suhtlpos ãegu4m multo
de per fa o u¥o corrcnîc nas clánclas socîxls, A deplamos, aptnas, a voco-
bul1rIo pore coolormá•Io com nosso quadro teérico üe telertnefc glebaf.
panto apóla-st sem dúvfda abundanltmente na
h\tad.
maneira nasceu nao somente em uma estrutura SOCÍal tificaçâo com os outros significativos a criança torna-se
objetiva mas tambêm em um mundo social objetivo. OS capaz de se identificar a si mesma, de adqulrir uma
oútros signjficatívos qug estabelecem a mediação des(e identidade subjetivamente coerente e plausivel. Em ou-
mundo para ele modificam o mundo no curso ü a media- mas palavras, a personalidade é urna entidade rellexa,
ção. Escolher aspectos do mundo de acordo com sua que retrata as atitudes tomadas pela primeira vez pelos
pró pria localizaçã o na estrutura social e também em vir- outros significativos com relação ao indivíduo', que se
tude de suas idi0sincfasias Individuais, cujo fundamento torna a que é pela ação dos outros para ele significa-
se encontra ná biograíla de cada um. O mundo social tivos. Este processo não é unilateral nem mecanicista.
h "íiltrado" para o Indivíduo através desta dupla sele- Implica uma dialtiica entre a identificação pelos outros
t:vidade. Assim, a criança das classes interiores xã 0 S0- e a auto-identificação, entre a identidade objetivamente
mente absorver urna perspectiva pró pria da classe ln- atribuída e a identidade subjetivamente apropriada. A
lerior a respeite do mundo social, mas absorve esta dialética, .que está presente em cada momento em que
z cotoraçzo particular que lhe é dada por o lndivlduo se identifica com os oulros para ele signi-
s¢us país (ou quaisquer outros indivíduos encarregados ficativos, é, por assim dizer, a particularizaçã o na vida
de sua soCiatizaçâ o primá ria). A mesma perspectiva da Individual da dialética geral da sociedade, que já tive-
classe inferior pode introduzir um estado de espírito de mos ocasiã o de discutir.
! contentamento, resignação, amargo ressentimento ou fer- Embora os detalhes desta diaJética tenham natural-

venie rebeldia.
inferior Como conseq
não sorriente irá habitar umuma criança
mundo da classe
grandemente *mente grande importância para a psicologia social, ex-
diferente do que é pró prio da criança de uma classe su- cederiaimplicações
suas nossa finalidade
para aatual se sócio-psicológica.’
leoria íô ssemos acompanharIm-
perior, mas pode chegar a ter um mundo inteiramente porta-nos mais aqui, para nossas consideraçõ es, o fato
diferente daquele da criança de classe inferior que mora
na casa ao lado. do indivfduo nã o somente absorver os papéis e atitudes
dos outros mas nesse mesmo processo assumir o mux-
Ná o á necessá rio acrescentar que a socializaçã o pri- do deles. tede f n idade ndete, A‹fi
mária implica mais do que o aprendizado puramente como loc ãoa un certo ndo -esó pode
cognoscitivo. Ocorre em circunstâncias carregadas de
alto grau de emoçéo, De fato, hã boas razõ es para se tiv ameiapropriã da todas
yuntamenf# com este
und Oti f1’fPlfi8 Â S identittcaçoes
acreditar que sem esta ligação emocional com os outros
significativos o processo de aprendizado seria dificil, rü ã liram-se em horizonte que implicam um mundo social
quando não do todo Impossível. ' A criança identifica-se específico. A criança aprende que d aquilo que é cha-
com os outros s1gnificativos por uma multiplicidade de mada. Todo nome implica uma nomenclatura, que por
modos emocionais. €}uaisquer que sejam, a intcriorizaçã o sua vez implica uma localizaçã o social determinada. ‘
só se realiza quando há identificação. A criança absorve
OS papéis e a8 atitudes dos outros significativos,
do csr4ter refkxo de eu defina 4e Coole7 e
9uae• sar eccontfaé ty na anÉ 1lae de "ou aocfcl" de
#ay<AeIogy).
É ,. 1RtgftOf1Z8-08, tornando-os. seus.” Pô r meio desta jamec
poeelh idade ser descnvolvldo
de uma p9leologla coclal gtntslna loen le dialética.
*. o cen¢atio de •nteaiaçae" t•rIv4 de scrtrC, 9•e, cont•a•, não po•• I ' t
• A dlmenaão afetlv4 de apran4l8aseo Inl«Ial
elo I I la Infantil fraudlAnc, efobora Wm}m v8f|a d&acod‹rt*m dm aocIAI Clentlllc0) tornarle
(fnndamente\mente dea»ects91rio
de orlentaçlo procurar alianças te0rlcamente (a•
no sentido
¥us\¢ntávelI rom o p £lCo\ogIsmo Jreud(ano ou behavl0rlsja.
° S0bre 8 n0m enrlatur4, C/. Claude L/!vI•StrAuss, 1o pen ic soauogr,
¥ er slto1ogfa*’am"nossc"argizfnea asã o"aest p. 2S3Ss.
Receber uma identidade implica na atribuição de um os vários papéis e atitudes interiorizados, inclusive, en-
lugar especifico no mundo. Assim como esta identidade (re muitas outras coisas, a auto-identificação como
é subjetivamente apreendida pela criança (“eu sou john pessoa que não derrama a sopa.
Smith"}, o mesmo se dá com o mondo para o qual
esta identidade aponta. A apropiiaçao subjetiva da iden- A formação na consciência do oufro genera)izado
t›dade e a apropriação subjetiva do mundo social Sao marca uma íase decisiva na socialização. lmplica a in-
apenas aspectos diferentes do mesmo processo de inte- teriorizsção da sociedade enquanto tal e da realidade
tíurização, mediatlzado pelos mesmos outros significativos. objetiya nela estabelecida e, ao mesmo tempo, o es”ta-
beleclinento subjetivo de uma identidade coerente e con-
A socialização primária cr(a rta consciência de crian- tinua. A sociedade, a identidade e a realidade cristaJizam
ça uma abstração progressiva dos papéis e atitudes dos subjetivamente no mesrrio processo de interiorização.
I outros particulares para os paptis e atitudes em geral. Esta cristalização ocorre juntamente corri a interiorização
Por exemplo, na interlorização das normas hâ uma pro-
da linguagem. De fato, por motivos evidentes â vista
gressão que vai da expressão ”mamãe estâ zangada das precedentes observaçóes sobre a linguagem, esta
comigo agora" a esta outra “mamae fica zangada comigo constitui o mais importante conteúdo e o mais importante
lodo vez que eu derramo‘ a sopa”. Desde que mais ou- instrumento da socialização.
tras pessoas significativas (pai, avó, irmã mais velha,
etc.) apóiam a atitude negativa da mãe com relação ao Quando o outro generatizado cristaJizou na consciên-
ato de derramar o sopa, a generalidade da norma é es- cia estabelece-se uma relação simétrica entre a realidade
tendida subjetivamente. O passo decisivo ocorre quando objetiva e a subjetiva. Aquilo que é real “fora" corres-
a criança reconhece que fo4os são conlra o fato de ex- ponde ao que é real “dentro". A realidade objetiva pode
tornar a sopa, e a norma generaliza-se tomando a ex- ser facilmente ”traduzida“ em realidade sub]et:va, e viCe-
pressão "Ndo se deve derramar a sopa", sendo o “se” culo
Versa. A linguagem avidextemente 4 o principal vet-
parte de uma generalidade que Inclui, em princípio, deste progressivo processo de traduçao em ambas as
toda a sociedade, na medida em que é significativa para direções. Coxvlria, entretanto, acentuar que a simetria
a criança. Esta abstração dos paj éis e atitudes dos ou- entre a realidade objetiva e a subjetiva nzo pode ser
tros slgnificaiivos concretos é chamada o oatro gene- completa. As duas realidades correspondem uma à ou-
raliza’do.’ Sua formação na consciência significa que o tra mas não sao coexfensivas. Há sempre mais realidade
indivíduo identifica-se agora nã o somente com os outros objetiva "disponível” do que a efetivamente irtteriorizada
concretos mas com uma generalidade de outros, isto é, em qualquer consciência individual, simplesmente porque
cora uma sociedade. Somente em virtude desta identifi- o conteúdo da socialização ê determinado pela distribui-
caçã o generalidade sua Identificação consigo toesmo al- ção social do conhecimento. Nenhum indivíduo Interio-
cança estabilidade e continuidade. O indivíduo tem agora riza a totalidade daquilo que é objetivado como reali-
não somente utna identidade em tace deste ou daquele dade em sua sociedade, mesmo que a sociedade e seu
outro signifitaiivo, mas uma identidade em geral, sub- mundo sejam relativamente sJrnp)es. P0r oulro )ado, há
jetivamenle apreendida como constante, náo importaftdo sempre elementos da realidade subjetiva que não se ori-
que outros, significativos ou não, sejaix encontrados. Esta ginarim na socializaçao, tais como a consciência da
identidade, recentemente coerente, Incorpora em si todos existência do próprio corpo do indivíduo anteriormente
e à parte de qualquer apreensão dele socialmente
dado por apreendida. A biografia subjetiva não é compIetar«enie
t\do qu¢ Ihe fo{
social. O íftdivlduo apreende-se a si próprio como um
t78
ser ao mesmo tempo interior e exterior à sociedade."
]sto implica que a simetria entre a realidade objetiva e tos subseqitenles, a lembrança de uma cerleza que nunca
a subjetiva nunca é uma situação estáfita, dada uma deverá repetir-se — a certeza da primeira aurora da
vez por todas. Deve ser sempre produzida e reproduzida realidade — fica ainda aderente ao primeiro mundo da
ia octu. Em outras palavras, a relação entre o indivíduo infâ ncia. A socialização primá ria realiza assim o que
e o mundo socia\ objetivo assemelha-se a um ato cox- (numa visão retrospectiva, evidentemente) pode ser con-
tinuamente oscilante. As ralzes antropol6gicas deste íato siderado o mais importante conto-do-vigário que a so-
sáo evidentemente as mesmas que eXaminamos ao tra- ciedade prega ao Individuo, ou seja, fazer aparecer como
tar da peculiar pôsição do homem no reino animal. necessidade o que de lato é um feixe de contingências,
dando deste modo sentido ao acidente que é o nascl-
Na socialização primária nâo hs problema de iden- mento dele.
tificação. Nao hà escolha dos outros sigtiificativos. A Os conteúdos específicos que são interiorizados na
sociedade apresenta ao candidato ã socialização um con-
socialização primária variam naturalmente de sociedade
junto anticipadamente definido de outros significativos, para sociedade. Alguns encontram-se em toda parte. E’
que ele tem de aceitar como tais será possibilidade de a linguagem que tem de ser interiorizada acima de tudo.
optar por outro arranjo. Hic Rhodus, hic sofia. Temos Com a linguagem, e por meio dela, vários esquemas
de nos arranjar com os pais que o destino nos deu. motivacionais e interpretativos sao interiorizados com
Esta injusta desvantagem, Inerente à situação de VÂIOF institucional definido, por exemplo, querer agir co-
criança, tem como conseqüência evidente que, embora mo um menino valente, admitindo naturalmente que os
a criança não seja simplesmente passiva no processo de meninos se dividem em valentes e covardes. Estes es-
sua socialização, são os adultos que estabelecem as re- quemas fornecem à criança programas institucionaliza-
gras do jogo. A criança pode participar do jogo dos para a vida cotidiana, alguns imediatamente aplicá-
in-
eatusiasmo ou .com mal-humorada resistência. Mas veis a ela, outros antecipando condutas socialmente de-
felizmente n8o há outro jogo à vista. Isto tem um impor- finidas para estágios biográficos ulteriores, a bravura
tante corolário. Desde que a criança não tem escolha ao que lhe permitirá um dia ser aprovado nas provas de
selecionar seus outros significativos, identifica-se auto- vontade provenientes de seus iguais e de todas as es-
maticamente com eles. Pela mesma razao a interioriza- pécies de outros, assim como a valentla que dela será
ção da particular realidade deles é quase ineYitável. A exigida- mais tarde, quando for iniciada como guerreiro,
criança não ínterioriza o mundo dos outros que sâo sig- por exemplo, ou quando for convocada pelo deus. Estes
nificativos para ele como sendo um dos muitos mundos programas, taxlo os imediatamente aplicáveis quanlo os
possíveis. 1ntertoriza-se como sendo o mundo, o único antecipatórios, diferenciam a identidade do individuo, se-
mundo existente e conceb(vel, o mundo fozff COu/f. E' parando-os dos outros, tais como moças, meninos escra-
por esta razâo que o mundo interiorizado na socialização vos ou meninos de outro clã. Finalmente, há interiori-
primária torna-se muito mais firmemente entrlncfteirado zaç8o. pelo m nos dos rudimezttos do aparelho legitima-
na consciência do que os mundos interiorizados xas so- dor. A criança aprende "por que" os programas sã o tais
ciaTizaçoes secundárias. Por mais que o sentimento orí- como sao. Deve-se ser valente, porque o menino deseja
ginal de ineviiabllidade seja enlraquecido por desencan- tornar-se um verdadeiro homem. Deve-se executar os
ritos, porque se náo for assim os deuses se enraivecem.
homem com 0 sendo ylmultaneazrtente a sociedade Interna e 4 externa. O
E’ preciso ser leal ao chefe, porque só procedendo assim
e0ncelto de "excenltlcldadc" 4e Ptcsencr ê tazrtbám Impor€attte c esta os deuses ajudarão o individuo num momento de pe-
rigo, etc.
180
18t
bém, t prová vel que a maioria dos programas definem
a questgo diferentemente para os meninos e para as
meninas. Este reconltecíuiento minimo é naturalmente
imposto à sociedade pelos fatos biol6gicos. Além disso,
poró m, hã uma grande variabilidade só cio-histó rica na
definição das etapas da seqúéncia da aprendizagem. O
que t ainda definido como infância zturria sociedade pode
bem ser definido como estado adulto em outra. E as
implicações sociais da infância variam grandementc de
uma sociedade para outra, por exemplo, no que se
às qualidades emocionais, responsabilidade moral ou ca-
pacidade intelectual. A civilização ocidental conieinpor à-
dúvidas. E provavelmente esta necessidade de um roto- nea (pelo menos antes do movimento freudiano) ten-
realismo na apreensão do mundo refere-se à i o es dia a considerar as crianças Como naturalmente "ino-
tanto quanto à e " Em qualquer caso, o mun- centes" e "meigas”. Outras sociedades consideravam-nas
do da infância constituído de modo a instilar no in- “por natureza pecamixosas e impuras", diferentes dos
dividuo uma estrutura riô mica na qual possa ter con-
fiançâ de que "tudo está bem”, se quisermos repetir adultos só pela força e compreensão. Houve variações
o que talvez seja a frase mais freqü ente pelas mães semelhantes corr. referência à capacidade infantil de ati-
aos filhos quando estã o chorando. A descoberta, ulte- vidade sexual, responsabilidade criminal, inspiração di-
riormente íeila, de haver algumas coisas muito diteren- vina, elc. Estas variações na definição social da infância
tes de “estarem bem” pode ser mais ou menos chocan- e de seus estágios afetarão evidentemente o programa de
te, dependendo das circunstâncias blográticas, mas num aprendi2agem. "
caso ou noutro o mundo da infância provavelmente con- O caráter da socialização primária t também afetado
servará refrospectivamenle sua realidade peculiar. P¢r- pelas exigências do acervo de conhecimentos a ser trans-
manece sendo o “mundo doméstico", por mais longe mitido. Certas legitimações podem exigir um grau de
que o indiv(duo se afaste dele mais tarde na vida, indo complexidade linguística para serem compreendidas do
para regiões onde absolutamente nso se sente em casa. que outras. Podemos suspeitar, por exemplo, que uma
criança necessitará menos palavras para compreender que
A socialização primá ria Implica seqtl8ncias de apren-
náo deve se masturbar porque faz o seu anjo da guarda
dizado socialmente definidas. Na idade A a criança deve ficar zangado do que para compreender o argumento
aprender X, na idade B deve aprender Y, e assim por de que a masturbação opóe-se a seu ajustamento sexual
diante. Cada um destes programas acarreta certo re- futuro. As exigências da ordem institucional global afe-
conhecimento social do crescimento e diferenciaçã o bio- tarão também a socialização primária. Numa sociedade
ló gicas. Assim, cada programa, em qualquer sociedade, serao diferentes as habilidades exigidas em diversas ida-
tem de reconhecer que uma criança de um ano de idade des, comparada com outra sociedade, ou mesmo em se-
não pode aprender o que utna de frés anos pode. Tam- tores diversos da mesma sociedade. A idade em que
numa sociedade serà julgado conveniente para uma crian-
“ * 8^t¥p•tãP com a re*\Id•da -•eIça do mundo Inlefit1I eapoata por
ça aprender a dirigir um automóvel pode ser a idade
,: °*’C0mpaf¢•S8 eof\t Lêvy-8 ruhl s0brC 0 an1Iogo lIl0gen¿tIto dg "yealIymo^
em que, noutra sociedade, ê de esperar que lenha ma-
tado seu prt0teiro inimigo. \Jma criança da claasc su- extensã o e cará ter destes sao portanto determinados pela
perior pode aprender os "fatos da vida" em uma idade complexidade da divisão do trabalho e a concomitante
na qual uma criança de classe inferior dnminou os ru- distribuiçã o social do conhecimento. Sem ü ú vida, o co-
dimentos da técnica do aborto. Ou uma criança de classe nhecimento universalmente importante também pode ser
- superior pode sentir suas primeiras vibrações de emo- socialmente distribuído — por exemplo, em formz de
ç8o patriótica aproximadamente na época em que sua "versõ es" corri base de classe — mas o qug temos em
contamporânea de classe inferior seate ódio da polícia mente aqui é a distribuiçã o social do "conhecimento es-
e de tudo quando eata representa. pecial", conhecimento como resultado da divisã o do tra-
A aocializaçao primária termina quando o conceito do balíio e cujos "portadores" sâo institucional mente defi-
outro generalizado (e tudo quanto o acompanha) foi nidos. Deixando de lado, por ora, suas outras dimen-
estabelecido na consciência do individuo. Neste momento sdes, podemos dizer que a socialização secundária é -
é um membro efetivo da sociedade e possui sujetlva- a aquisição do conhecimento de funções especf(icas,
mente uma personalidade e um znundo. Mas esta inte- funções direta ou indiretamente com raizas na divisao
riorização da sociedade, da identidade e da realidade nâo do trabalho. Há certa justificação para esta definiçao
se faz de uma vez para sempre. A socialização nunca estreita, mas isto não significa de modo algum toda a
;. é total nem estã jamais acabada. Este tado pde aiante história. A socialização secundária exige a aquisição de
.' de nó s dois outros problemas: primeiro, como é man- vocabutários específicos de funçoes, o que significa em
tida na consciéncla a realldade interloiizada na socia- primeiro Iugar a interiorização de campos semânticos
.! lização primá ria?; segundo, como ocorrem novas lnie- que estruturam interpretações e condutas de rotina em
riorlzaçées — ou socializaçô es aecundãrlas — na biogra- uma área institucional. Ao mtsmo tempo, são também
, lia ulterior do indivíduo? Examlnaremos estes problw adquiridas "cozipreensdes tácitas", avaliações e colora-
mas em ordem inversa, çôes afetivas desses campos semânticos. Os "submun-
dos" iriteriorizados na socialização secundária são ge-
ralmente realidades parciais, em contraste com o "mundo
b) A Socialização Set dú rla básico" adquirido na socialização primária. Contudo,
eles também sao realidades mais ou menos coerentes,
E’ possível conceber uma sociedade na qual nao haja caracterizadas por componentes normativos e afetivos
outra ’socializaçã o depois da socializaçã o primá ria. Tal assim como cognoscítivos.
sociedade evidentemente teria de possuir um cabedal de
conlieclmentos mtiito simples. Todo conheciment o seria Além disso, também eles exigem pelo menos os ru-
dimeritos de um aparelho legitimados, freqfleritemente
geralmente Importante, diferindo os diversos Indivíduos
apenas em suas perspectivas relativamente a ele. Esta acompanhado de símbolos rituais ou materiais. Por
concepção é ú tlt porque esfabetece um caso limite, mas exemplo, pode surgir uma diferenciação entre soldados
xenhutxa sociedade por nó s conhecida deJxa de ter o/- de infantaria e de cavalaria. Estes últimos deverao ter
gumo divisã o do trabalho, e concomitantemente alguma um exercfclo especia!, que provavelmente Implicará mais
distribuiçã o soclat do conhecimento. Logo que tal ocorre do que a aprendizagem das purai habilidades físicas
ftgC08Bá f(gB §ã r6 fltâ ztgJ8F C8vgl0g militares. A linguagem
â 5OClâli2gçã O secundá rJa torna-se necessá ria.
da cavalaria tornar-se-á diferente da que 4 usada pela
A iocialização secundária é a interiorização de "sub- infantaria. Nascerá urna terminologia referente aos ca-
mundos“ institucionais ou baseados em instituiçacs. A
valos, suas qualidades e usos e, às situaçõ es resultantes
t84
da vida da cayalaria, que serâ o inteiramente destitufdas
de iniportãncii para o soldado a pé. A cavalaria usará puxar carroças de estrume pouco provavelmente embe-
também uma linguagem diferente mais do que no sentido Reza à esta atividade mediante complexos ritos ou teti-
puramente instrumental. Un soldado de intantaria en- chismos e é pouco provável que o pessoal a quem é
colerizado pragueja fazendo ”reter4ncia à dor nos pés, atribuída esta tarefa se identifique com tal funçzo de
enquanto o cavaleiro meitcionará as costas do cavalo. maneira profunda. As )egitímaçóes, tal como exlsteut,
Em outras palavras, um corpo de imagens e alegorias provavelmeztte devem ser de natureza compensatória.
é construído tendo por base Instrumental a linguagem Assim, existe grande variabilidade sócio-histórica nas
da cavalaria. Esta linguagem específica de uma tunçã o represen1aç6es implicadas na socialtZâÇáO SgCkfldàFÍa. Na
é ínteriorizada in lola pelo indivíduo, à medida em que maior parte das sociedades, contudo, alguns rituais
se val exercitaxdo pala o combate montado. Torna-se acompanham a transição da setialização primária para
um cayalariaro não somente por adquirir as habilidades a secundá ria. "
exigidas, mas por ser capaz de compreender e usar esta Os processos formais da socializaçã o secundá ria são
linguagem. Pode entlo comunicar-se com seus compa-
determinados por seu problema fundamental, a suposiçã o
nheiros de caval8ria em alusdes ricas de sentido para
eles mas completamente obtusai para os homens da in- de um processo precedente de socializaçã o primá ria, isto
ê, deve tratar com uma peFSOftalldade já formada e ufft
fantasia. Nã o é preciso dizer que este processo de in- mundo já ixteriorizado. Nã o pode construir a realidade
lerlorizaçao acarreta a identilicaçao subjetiva com a fun- subjetiva ex nihilo. IsIo representa um problema, por-
çã o e suas normas adequadas — ”Sou um soldado de que a realidade já interiorizada tem a tendência a per-
cavalaria", "Um soldado de cavalaria nunca deixa o ini- sistir. Sejam quais forem os xovos conteú dos que de-
ttiigo ver o rabo de sua moniaria", “Nunca deixe uma vam agora ser interiorizados, precisam de certo modo
mulher esquecer a sensaçã o das esposas”, ”Rá pido ca- sobrepor-se a esta realidade já presente. Há , portanto,
valeiro na guerra, rápido cavaleiro no jogo”, etc. Se uou probiema de coerência entre as interiorizaçó es pri-
surgir a necessidade, este corpo de significados será sus- rniiivas e as novas. O problema pode ser de soluçã o
tentado por legitimaçô es que vao de simples má ximas mais ou menos dificil, conforme o caso. O soldado,
do• tipo das precedentes até complexas construçõ es mi- texdo aprendido que a limpeza é uma virtude eui relaçã o
toló glcas. Finalmente, pode haver uma multiplicidade de à pró prla pessoa, não terá dificuldade em transferir a
cerimô nias e objetos físicos representativos, digamos, mesma virtude para o seu cavalo. Mas tendo aprendido
a celebraçã o anual da festa do deus-cavalo, na quat
que certas obscenidades são reprováveis em uma crian-
todos os alimentos sIo ingeridos a cavalo e os cava- ça pedestre, exigirá certa explicaçã o mostrar que sã o
leiros recentemente Iniciados recebem os fetiches cons- agora de rigueur para o membro da cavalaria. Para
tituídos por caudas de cavalo, que daf em diante levarã o estabelecer e conservar a coerência a socia)izaçao se-
pendurados no pescoço. tundã iia pressupõ e procedimentos conceituais para in-
O cará ter desta sociallzaçã o secundá ria depende do tegra r diferentes fiOfpOS de COflÍieCifnefdO.
status do corpo de conhecJmento em questã o n0 interior Na socialização secundária, as limitações biológicas
do universo simbó lico em totalidade. O treinacitnto é tornam-se cada vez menos Importantes nas seqfJ4ncias
necessá rio para aprender a fazer um cavato puxar uma de aprendizagem, que agora atabelecem-se em termos
carroça de estrume ou para combater numa batalha. das propriedades intrfnsecas do conhecimento que deve
Mas uma sociedade que íimita o uso dos cavalos a
^ Compare•se squl as aná lf9ea tulIurcl•antropoIó gTcas dos "fltos de
passagem" relaclonã 009 com a puberdade.
' t86
I8’f
ser adquirido, ou seja, em termos da estrulara tunda- tarde na v\da começa tipicamente a revestir-se de uma
mental desse conhecimento. Por exemplo, para aprender
certas técnicas de casa é preciso aprender primalro a afetividade que lembra a infância, quando procura trans-
formar radicalmente a realidade subjetiva do indivíduo.
escalar montanitas ou para aprender o cálculo é pre-
ciso aprender primeiro álgebra. As seqüências de apreit-
Esie fato cria problemas especiais que analisaremos um
pouco mais adiante.
“ -- dizado podgm também ser mantpuladas em funçâo dos
direitos adquiridos do pessoal que ministra o corpo de Na sociali2açã o primá ria a criança nao apreende seus
conhecimentas. Por exempJo, pode ser estabelecido que outros significativos como funcioná rios institucionais mas
o individuo deve aprender a adivinhaçâo petas entranhas como mediadores da realidade ford toorf. A criança lnte-
dos animais antes de poder aprender a adivinhaçâo pelo rioriza o mundo dos pais como sendo o mundo, e nã o
vôo dos pássaros, ou que á preciso ter um diploma de tomo o mundo pertencente a um contexto institucional
escola secundária antes da matricula numa escola de específico. Algumas das crises que acontecem depois da
embatsamento ou que é preciso ser aprovado no exame S0Cl8li2â ÇãO rimá ria sã o causadas na verdade pelo re-
de gaélico antes de poder ser eleito para um cargo conhecimento de que o mundo dos pais nã o é o ú nico
no serviço civil irlandês. Estas estipulaçó es slo extrIn- mundo existente, mas letn uma localizaçã o social muito
secas ao conhecimento pragmático exigido para a exe- partlcular, talvez mesmo com uma conotaçã o pejorativa.
cução das funções de adivinho, ambalsamador ou fun- Por exemplo, a criança de mais idade chega a reco-
cionárlo pú blico irlandés, . Sao estabeJecidas institucio- nhecer que o mundo representado pelos pais, o mesmo
nalmente para reforçar o prestígio das funçoes em ques- mundo que anteriormente considerava com certeza como
tão ou satisfazer outros interesses ideológicos. A edu- a realidade inevitável, é de faio o mundo de genfe rural
cação primária pode ser perfeitaotente suf(ciente para do sul, sem educaçã o, de classe inferior. Na socializa-
apreender o currículo da estola de embalsamento e os çã o secundá ria o contexto institucional é em geral per-
funcionárias públicos irlandeses executam sua atividade cebido. Nao é preciso dizer que isto não implica a re-
normal em língua inglesa. Pode mestno acontecer que quintada compreensã o de todas as implicaçõ es do con-
as seqíl4ncias de aprendizagem nianipuladas desta ma- texto institucional. Contudo, a criança do sul, para nos
neira sejam na prática antilunclonais. Por exemplo› pode mantermos dentro do mesmo exemplo, compreende que
ser estipulado que a educação universitária de “cultura sua professora é uma funcionária institucional, de um
geral” tenha da proceder o treiztamento profissional de modo diferente daquele pelo qual compreende seus pais,
sociblogos pesquisadores, embora suas atividades reais e entende a funçao da professora como representando
pudessem de fato ser mais eficiezttemeote executadas se significados ínstitucioxalmente específicos, tais como os
fossem libertados da carga da “cultura" desta espécie. da naçáo por oposição aos da regiáo, do mundo na-
Enquanto a sociallzaçao primária nao pode ser rea- cional de classe média por oposição ao ambiante de
lizada sem a identificação, carregada de emoção, da classe inferior que encozttra em sua casa, da cidade por
criança com seus outros significativos, a maior parte da oposição à raça. Por conseguinte, a interação soCial en-
socialização secundária pode dispensar tste tipo de Iden- tre mestres e alunos pode ser formalizada. Os mestres
tificação e prosseguir eficientemente só com a quantidade nao precJsaot ser outros significativos em qualquer sen-
de identificação múiua incluída em qualquer comunica- tido da palavra. São funcionários institucionais, com a
çâo entre seres humanos. Difo ás claras, a criança deve atribuição formal de transmitir conhecfmenfos específicos.
amar a máe, mas nâo o professor. A socialização mais As funções da socialização secundária t9m um alto grau
de anonimato, sendo portanto facilmente destacáveis dos
188
t89

... . .
ter havido a socializaS$o primá ria. Dito em termos cla-
executantes individuais. O mesmo conhecimento ensina- ros, mais uma vez, ‹ mais fá c‹I para a criança “escon- der-
do por um pr.ofessor poderia também ser ensinado por se“ da protessora do que da mã e. Inversamente, ê
outro. Çtualquer tuncionã rio deste tipo poderia ensinar possível dizer que o desenvolvimento desta capacidade
este tipo de conhecimento. Os funcioná rios individuais de “esconder-se" é um importante aspecto do processo
podem sem dú vida ser subjetivamente diferenciados de
vá rias maneiras (coffio fTlais ou menos agradá veis, me- de crescimento e passagem ao estado adulto.
lhores ou piores professores de aritmética, etc.), mas em O tom de realidade do conhecimehto interiorizado na
princípio são substituíveis uns pelos outros. soctalizaçã o primá ria é dado quase automaticamente. Na
, Este formalisrrio e anonimato estáo evidentemente li- socíaIizaçao secundária tem de ser reforçado por téc-
: gados ao caráter afetivo das relações sociais na socia- nicas pedagó gicas específicas, “provadas” (em inglês,
lização secundária. A conseqJência mais importante, trazido para casa”. N. do T 1 ao indivíduo. Esta
contudo, consiste em conferir ao coateú do daquilo que frase é sugestiva. A reaIfd•de original da infância e
é ensiztado na socialização seeuridárfa uma inevitabili- a “casa". Irnpóe-se inevitavelmente como tal, e por
dade muito menos subjetiva do que a possuída pelo ã ssim dizer “naturalmente”. Comparada a ela, todas as
conteú do da socializaçã o primá ria. Por conseguinte, o outras realidades são "artlficiais“. Por isso a professora
tom de realidade do conhecimento interlorizado na so- procura "provar” ["trazer para a Casa”) OS g5SUTt(OS
: cializaçâ o secundá ria é mais facilmente posto entre pa- que està transmitindo tornando-os vfvldos (isto é, fa-
’‘ rênteses (isto é, o sentirtiento subjetivo de que estas in- zendo-os parecer tã o vivos quanto o “mundo doméstico”
teriorlzaçóes sâo reais t mais fugitivo). São necessários da criança), importantes (isto é, ligando-os com as es-
graves choques ato curso dà vida, para desintegrar a ma truturas dotadas de importância já presentes no "mun-
ciça realidade inlerioriiada na primeira infância. E pre- do doméstico“) e interessantes (isto é, levando a aten-
ciso muito menos para destruir as realldades interiorl- çá o da criança a se destacar de seus objetos “naturais”,
zadas mais tarde. Aléri disso, é relativamente íãcil anu- passando para outros mais zrtiticiais”). Estas otanobras
lar a realidade das interiorizaçó es secundá rias. A criança sã o necessá rias porque já existe uma realidade interiori-
vive quer queira quer nã o no mundo tal como 4 definido zada, constantemente “ezn vias de" novas interiorizaçõ es.
pelos pais,' mas pode alegremenfe deixar alrds o mundo O grau e o cará ter preciso destas técnicas pedagó gicas
da aritmética logo que sai da aula. variaráo com as uiotivaçó es que o indivíduo tem para
)St0 tOff'Ig §O5SlV9l destacar uma parte da personali- a aquisiçã o do novo conhecimento.
dade e da concomitante realidade, fazendo-as só ter im- Quanto mais estas técnicas tornam subjetivamente
portâttCiâ ]9âfâ ã Situâçáo funcional específica em ques- plaúsivel .a continuidade entre os elementos originais do
tao. O indivíduo estabeJece então urtia distá ficia entre conhecimento e os novos. tanto mais facilmente adquirem
seu eu total e sua realidade, de um lado, e o eu parcial o tom de realidade. Aprende-se uma segunda língua
funcionalmente específico e a realidade deste, de outro construindo sobre a realidade indiscutível da pr6pria "lm-
lado. * Esta importante laçanha só £ possível dopols de gna materna". Durante longo tempo a pessoa retraduz
^ O conceito ü e ’dlst8nçla de paptle" foi crlsd Ooflman, estrutur ad as de tal lnodo que elemtn los
em A4y/nmx (Oatden City, N. Y., T06l dcclylvoy de realidade objctlv4dã 6ao
rcclldade9 Interiorleadel na eoclaltlaçao de passagem,
dcvcrla
tern4r-nos <u ldadoso9 c m nã o lgua\Br o "m08cl0" d¥ Ooflman t9ue, acres-
gue uma defl• Allnot dc
por nossa aná lise IdcntJdate. Um oü trg : poata multê Intern0ante Iugerl4o centcs, houve outros dra mas dt(er entes do * experlnten lado pete homem
4¥4!C uas “/nodrto aoc tlmlttl c9truturclc dentr4 dge de empresa centempor ã nea, empen\\o d• nc 2dm lttlSttl$ ã 0
Oêftazan“ de Interação coct•l ê cxeq0lyel,

190
continuamente nir lingua original quaisquer elementos de
nova ”lingua que está adquirindo. Só desta maneira a rita das diferenças íntrlnsecas entre o conhecimento üa
¥I0VB lingua pode começar a. ler alguma realidade. Quari-
engenharia e o da música, e entre os modos de vida
em que estes dois conjuntos de conhecimentos são pra-
ao esta realidade chega“ a .estabelecer-se por sl mesma,
ticamente aplicados. Um revolucionário profissional, tam-
lentamente torna-se possível. .livrar-se da retraduçáo. A
btm, necessita um grau itxensamente mAís alto de iden-
pessoa mostra-se capaz de "pensar" na nova lingua.
tificação e inevitabilidade do que um engenheiro. Mas
Entretanto, é raro que uma llngua aprendida tarde na neste caso a necessidade nâo tem origen› nas proprie-
vida alcance a inevitável e evidente realidade da pri- dades intrínsecos do próprio conhmimexto, que pode ser
meira língua aprendida na infância. Oal deriva, sem muito simples ¢ disperso em seu conteúdo, mas na de-
dúvida. a qualidade afetiva da "lfngua materna". Mu- diczçao pessoal requerida de um revolucionário relati-
tatis mulaadls, as mesmas características de construçao vamente aos interesses adquiridos do movimento revo-
a partir da realidade "doméstica", de ligiçã o com ela lucionário. As vezes a necessidade das técnicas intensi-
à medidà que o aprendizado prossegue e a lenta ruptura ficadoras pode provir de fatores tanto intrínsecos quanlo
desta llgaçdo, sã o atributo de outras seqdéncias de
extrlnsecos. Um exemplo ê a socialização do pessoal
apr.endizagem na socialização secundária. religioso.
O fato dos processos de socialização secundária náo AS técnicas aplicadas nestes casos destinam-sg a in-
pressuporem um alto grau de identificação e de seu tensificar a carga afetiva do processo de socialização.
conteúdo xão possuir a qualidade da inevitabilidade po- Tipicamente, implicam a institucionalização de um com-
:i
dem ser úteis na prática porque permitem seqlJ8ncias plicado processo de iniciação, um noviciado, no curso
de aprendizado racionais e emocionalmente controladas. do qual o individuo entrega-se inteiramente à realidade
Atas, como o conteúdo deste tipo de InterlorizaçZo tem que está lnteriorizando. Quando o processo exige uma
uma realidade subjetiva frágil e pouco digna de con- transformação real da realidade "doméstica" do individuo
fiança comparado com as Interlorizaçóes da soclalizaçao constitui uma rêptica, tão exata quanto possível, do ca-
primárla, em alguxs casos á preciso criar técnicas especiais ráter da socialização primária, conforme veremos dentro
para produzir a identillcação e a inevitabllidade julgadas em pouco. Mas mesmo sem esta trantormaçâo a socia-
necessá rias. A necessidade destas técnicas pode ser intrIn- lização secundária adquire uma carga de afetividade de
seca reIa“tivamettte ao aprendizado e aplicação dos con- tal grau qke imersão na nova realidade e o devota-
teúdos da Interíorizaçao ou pode ser estabelecida em mento a ela SdO instítucionalmente definidos como ne-
favor dos interesses adquiridos do pessoal que ministra cesslrios. O relacionamento do indivíduo com o pessoal
o processo de socializaçao em questão. Por exemplo, um sociaIi2ador torna-se proporcionalmente carregado de
individuo que degeja tornar-se um perfeito músico deve "significação", lsto ê, o pessoal socializador reveste-se
mergulhar em seu assunto até um grau de todo desne- do caráter de outros signiticantes em face do indivíduo
cessário para um indivíduo que está aprendendo para que está sendo socializado, O individuo entrega-se en-
ser engenheiro.
tuar-se A educação
. eficientemente para aprocessos
mediante engenhariaformais,
pode efe-
al- tão completamente à nova realidade. "Entrega-se" à
múska, à revolução, à fé, não apenas parcialmente inas
tamente racionaia, emocionalmente noutros. A educação com o que t subjetivamente a totalidade de sua vida.
musical, porém, Implica tipicamente uma identificação A facilidade cota que se sacrillca é evidentemente a con-
muito mais alta com o maestro e uma Imersão muito sequência final deste tipo de soclalizaçao.
ma)s profunda na realidade musical. Esta diferença de- Umx importante circunstância que pode criar a ng
cessidade dessa intensificação ê a colTlptfição entre o
192
Ao psicanalista impóe-se o conhecimento de "análise dl-
pessoal das várias insłituiçó es encarregadc da definiçâ o dàtica", que é apenas sugerłda ao assistente social, etc.
da realidade. No caso do treinamento revolucloná rio o Há, par conseguinte, sistemas muito diferenciados de
problwna intrfnseco 6 a socialízaçă o do indivldno em soclallzação secundâriq em instituiçöes cornplexas, às
uma contradefiniçao da real\dade, isto é, contra as de- vezes montados de modo muito sensfvel, de acordo com
ftxiçacs dos legitirnadores "oticiais" da socicdade. Mas as diversas exìg6ncias das várias categorias do pessoal
terá tambêm de haver intensiflcação na socializaçã o do institucional."
mčslco em unia sociedade gut oferete aguda tompeti- A distribuiçá o instilueionalizada das taretas entre a
çă o quanto aos valores estéticos da comunidade musical. socializaşao primárła a a secundária varia com a com-
Por exemplo, pode-se adfnitir que um mú s)co en tor- plexidade da distribuição social do conhecimento, En-
maçã o nos Estados Unldos atualmente łem que dedl- car- quanto esta é relatiyamente pouco comp)ícada o mesmo
se à mú sica com uma intensidade emocionxl desne- órgã o instilucional pode conduzlr da socialização primI-
csssã ria na Viena do sćcnlo XIX, precisamente porque ria à secundária e executar esta û ltima em considerável
na situaçã o americana eXlste poderosa conipatiç8o de- extensăo. Nos casos de muito elevada compleXidaüa é
rivada daquilo que subjetlvamente aparece cofno sendo preciso criar órgãos especializados na socialização se-
o mundo "materiallsta" e da cultura de massa" da cundária, com pessoal em tempo Integral, espccialmente
briga de toice". Igualmente, a educaçao religiosa nurńa pada as taref as educacionais em questă o. A parte est0
situaçăo plura)ista crla a necessldade de têcnlcas "artt- grau de socializaçlo, pode haver uma série de órgãos
ticlais" de acentuaçă o da realldade, dœnecessá rias numa soclalizadores ęue coniblnani esta tarefa com outras.
sltuaçâo dominada por um mottopólio religloso. E‘ ainda Neste caso, por exemplo, pode estabelecer-se que em
"natural" alguém tornar-se padre cató llco em Rotaa, de certa idade o menino seja transferido da cabana ma-
um modo diterente do que acontece nos E0tados ł.fnidos. terna para o quartel dos guerreiros, onde receberá exer-
Em conseqü éncla, os semiftá rłos teoló gicos americanos clcio para se tornar cavaleiro. lsto nå o neeessita acarrełar
ttm de enhentar o problema da "evasao da realidade" um pessoal educacional em łempo integral. 0s velhos
e organizar lécnicas para "manter pregada" a mesma cavaleiros podem ensinar aos novos. O desenvolviniento
realidade. Näo é de admirer que tenham descoberło 0 da educasä o moderna é evidentemente a inelhor ilustra-
expedients, öbvlo de maxdar para Roma por algum tempo çã o da socializaçå o iecundåria realizada sob os auspłcios
seus studantes mais proniissores. de organi2açó es especializadas. O decltnio da posiçã o
Variaçôes semelhaxtes podem existJr no mesmo cort- da la itlia resultante desse fato, tom relaçã o à sociali-
texto instltucional, dependendo das tarefas atribufdas a zaçåo secundã ria, é por demais eonhectdo para que exija
ditereittes categories do pessoal. Assim, o grau de com- ser lratado aqui com mais detalhes. "
prom¡sso com a profissăo militar ezlØdo doe oflclais de
carreira ê muîto diferente. do exigido dos convocados, c) A ConservaçZo e a ’T’ranstormaç8o
tato ciarameate rełlcłtdo nos respectlYos processor de da Ræłldade 3ubjetiva
i trelnarnento. Igualmente, exigem-se. compromissos dife-
NZo sendo a socializațăo jamais coznpłeta e estando as
rentes com a realJdade instltucionaJ de um dlretor e do
pessoal de escritó rlo de nfvet inferior, de um psicanałfsta conteú dos que interioriza continuamente ameaçados cm
e de um assistente social psiqulátrico, etc. Um dirator
dove ser "po(iticamcnte conservator" de um modo que B er#Itu[e#, oe Tit*en P*‹a$*m,
Am1o »r„e¢p«ełl0/
não preclsa ser o de um supervisor de um "poul" ltpleo.
sua realidade subjetiva, toda sociedade viáYel de criar mais vulnerável ãS definições desatiadoras da realldade,
procedimentos de conservaçao da rea)Idadc para salva- nâo porque náo sejam julgadas certas ou seja apreen-
guardar um certo grau de slmetria entre a realidide ob- dlda como menos do que reat na vida cotidiana, mas
jetiva e a subjetiva. já examlnamos este problema a porque sua realidade é menos profundamente arraigada
prop6sito da legitimação. Focalizaremos aqui a defesa na consciência, sendo assim mais susceptlve) de desloca-
da realidade subjetiva, mais do que a da realidade ob- mento. Por exemplo, tanto a proibição da nudez, que se
jetiva, isto é, a realidade tal como ê apreendida na relaciona com o sentimento Individual de vergonha, e ê
consciência ind(vIdual e não tal como G Institucional- interiortzado Ma socialização primária, quanto os çãnones
mtnte definida. do vestuário adequado às diferentes ocasiões sociais, são
A socializaçao primária InteriorizA un\a realidade aceitos como legítimos na vida cotidiana. Enquanto não
apreendida como inevitável. Esta interiorização pode ser são socialmente desafiados, nent uma coisa nem ouIra
julgada bem sucedida se. o sentimento de inevitabilidadc constituem problemas para o indivíduo. Contudo, o dt-
estiver presente na maior parte do tempo, pelo menos safío teria de ser muito mais forte no primeiro caso do
enquanto. o indivíduo é ativo no mundo da vida cotidiana. que no segundo yara constituir un d ari eaça à realidade
Mas, ttieszno quando o mundo da vida cotidiana con- aceita como verdadeira das rotinas em questão. Uma mo-
serva sua maciça e indiscutível realidade in ocfc, está dificação relativamente pequena na definição subjetiva
ameaçado pelas ”situações marginais de experiência Iiu- da realidade bastaria para o indivíduo considerar correto
mana que não podem ser completamente incluídas na yoder ir para o escritório sem gravata. Seria necessário
atividade diária. Existe sempre a presença obsecaiitc de uma modificaçao muito mais drástica para 1evá-lo a ir
metamorfoses, as atualmente lembradas e as que são para o escritório sem qualquer espécie de roupa. A pri-
sentidos apenas como sinistras possibilidades. Há também meira modificação poderia ser socialmente mediatizada
as definições da realidade, competindo umas com as ou- apenas por uma mudança de ocupação, digamos de um
tras e mais diretamente ameaçadoras, que podem ser so-
‹0 R^* UltlVCf5ltáftO 7tiral para um metropolitano. Este
cialmente encontradas. Para u«t lioxtem de família ben› ú(timo acarretaria uma revolução social no ambiente do
comportado uma coisa é sonhar com indiz(veia orgias na indfvfduo. Seria subjetivamente compreendido corno uma
solJd8o noturna, e outra, muito diferente, fi ver esses so• profunda conversão, provavelmente depois de uma resis-
nhos empiricamente encenados por uma colônia de li- tência inicial intensa.
bertlztos na casa ao lado. Os sonhos mais facilmente po-
dem ser postos em quarentena no interior da consciência, A realidade das ínteriorizaç6es secundárias é menos
como “coisa sem sentido", que se despreza, ou como ameaçada pelas situaç6es marginais porqtte em geral não
aberraçôe6 mentais, que devem dar motivo x um silencioso tein importâ ncia para elas. O que pode acontecer é que
arrependimento. Conservar o caráter de fantasmas em esta realidade seja apreendida como trivial precisamente
face da realidade da vida cotidiana. A execução real im- porque revela a falta de importância para a situação mar-
pôe-se à conzcltccia muito mais c)amorosamexte. De gina(. Assim, pode dizer-se que a iminência da morte
fato, pode ter de ser destruída antes do espírito poder ameaça profundamente a realidade da právia auto-ideniífi-
exfrextt-la. Em qualquer caso, ' náo pode ser negada, caçao do indivíduo, como homem, ser moral ou cristão.
tómo se” pode ao"meno’s” tenfar negar a-s metamorfoses A auto-identificação do indivíduo como diretor assistente
das situações marginais. do departamento de meias de senhoras nso fica tão amea-
O caráter mais “aftificial" da sodJaliza çáo ••cundáriz çada quanto rebaixada a um nível trivíal na mesma si-
”' torna a realidade subjetiva da interiorização dela ainda tuação. Inversamente, ¿ possível dizer que a conservação
das 'ri erlorizaç6es primá rias em face das situaçõ es mar-
ginais é uma justa medida de sua realidade subjetiva. tros — ou pelo menos a maior parle — encontrados pelo
A mesma prova seria de tô do irrelevante se fosse aplicada indivíduo na vida cotidiana servem para realirmar eva
à maioria das socializaçó es secundá rias. Tem sentido realidade sub“e va. Isto acontece mesmo numa situação
morrer como homem, mas tem muito pouco morrer como UO "QOuCO signÍÍicativa“ corno viajar num trem dlá rio
diretor assistente do departamento de meias de senhoras. para um trabaiho. O indivíduo pode nêo conhecer nin-
Aiem disso, quando se espera que as interíori2açôes se- guém no trem nem falar com qualquer pessoa. Apesar
cundá rlas tenham este grau de persistência na realidade disso, a multldao dos companheiros de viagem reafirma
est face de situaçõ es marginais, os procedimentos de SO- a estrutura básica da vida cotidiana. Pela conduta glo-
cialização concomitante terlo de ser intensilicados e re- bal os viajantes retiram o indivíduo dl tênue realidade
lotçados da maneira anteriormente examinada. Ainda uma do estremunhaniento matinal e demonstram em termos
vez, ê possfvet citar como ilustraçõ es os processos reli- iiidubità veis que o mundo é constituído de homens sérios,
gioso e militar de socialização secundária. que vã o ao trabalho, de responsabilidade e horá rios, da
E' conveniente disllnguir entre dois tipos gerais de New Haven Railroad e do times de Nova York. Este
ã (tlmo, evidentemente, reafirma as mais amplas coorde-
conservação da realidade, a tonservaçâo rotifteira e a
conservaçã o cr(tica. A primeira destina-se a manter a nadas da realidade individual. Do boletim meteorológico
realidade lnteriorizada na vida cotidiana, a ú ltlma, a até os anúncios de “precisa-se", tudo Ifie assegura de
realidade em siluaç6es de crise. Ambas acarretam íuda- que está, de fato, no mundo mais real possível. Conco-
mentalmente os mesmos pró çessos sociais, embora pos- ITiitantemeflte, afirma a condição menos que real dos si-
sam notar-se algumas diferenças. nistros gxtases experlrnentados antes do cat4 matinal, a
Conforme vimos, a realldade da vida cotidlana manlém- forma estrpnha de obie tos supostamente familiares, de-
se pelo fato de corporlficar-se em rotinas, o que é a pois de acordar de um sonho perturbador, o choque por
essência da institusionalização. Ademais disso, porém, a nã o reconhecer a pró pria face no espelho do banheiro, a
realidade da vida cotidiana é continuamente reafirmada indizivel suspeita, um pouco mais tarde, de que a mu-
xa interação do indivíduo com os outros. Assim como a lher e os fi(hos sao estrangeiros niisteriosos. Grande nñ-
realidade é originariamente interiorizada por um processo mero de indivíduos susceptíveis a estes terrores metaff-
social, assim tambtizt é mantida na consciência por pro- sicos conseguem exorcisá -los até certo ponto no curso de
cessos sociais. Estes últimos nao são radicalmente dife- seus rituais diários rigldarnente executados, de modo que
rentes dos exercidos na primeira interiorizaçã o. Refletem a reglidade da vida cotidiana está pelo menos cuida-
também õ tato básico de que a realidade subjetiva deve dosamente estabelecida na ocasião em que saem pela
ter com a realidade objetiva uma relação socialmente porta da rua. iYlas a realidade começa a ser completa-
definida mente 9egura somente na comunidade anô nima dos via-
No processo social de conservação da realidade ê pos- jantes do trem. Chega a se tornar maciça quando o lrein
sível di9tlnguir entre os outros signlticantes e os outros entra na Qrand Central Station. Erga s/fm, pode entâo
menos importantes." De modo considerável, todos os ou- O indivíduo murmurar para sl mesmo, e caminhar para o
escritório inteiramente acordado e seguro de si.
hl
Itar¢ourt, Co. Seria, por conseguinte, um etro admitir que somente
da r¢a•
lldAde õ s outros significativos servem para manter a realidade
subjetiva. Mas os outros significativos orupam uma po-
8iÇã o central na economia dã COnservaçã o da realidade.
She particularmente importantes pala a progressiva coii- de degradar algumas dessas pessoas da conüiçáo de ou
flrmação daquele elemento crucial da realidade que cha- tros significativos e voltar-se, em Iugar delas, para outras,
zqamos identidade. Para conservar a confiança de que cru busca de confirmaçôes de sua realidade significativa,
g na verdade a pessoa que pensa que ê, o Individuo rc- por exemplo, seu psicanalista ou seus velhos companhei-
cesslta nao somente a confirmação implícita desta iden- ros de clube. Há muitas coniptexidadcs possíveis nesta
tidade, que mesmo os contactos diários casuais poderiam orgaxizaçâo de relaçóes conservadoras da realidade, es-
fornecer, mas a conf irr›ta§åo expllcita e carregada de pecialmente numa .sociedade onde existe grande mobili-
emoção que lhe t outorgada pe1Ds oulros 5ignificaNtcs dade e diferenciação de. funç6es."
para ele. Na anterlor ilustração, nosso habitante do su- A relação entre os outros significativos e o “coro” na
búrbio provavelmente procurarà em sua família e era ou- conservaçao da realidade ê dialética, isto á, existe. uma
tros associados privados, dentro do ambiente familiar relação recíproca entre os fatores, assii1› como no que
(vizlnhcnça, igreja, clube, etC.) essa confirmação, embora respeita à realidade subjetiva que servem para confirmar.
os Íntimos. companheiros de trabalho possam tambtm de- Uma identificação solidanzenle negativa por parte do am-
sempenhar essa funçâo. S• além do mais ele dorme com biente mais amplo pode finalmente afetar a ídeniticaçáo
a secretária, sua identidadg é COflfiFrriada e ampliada. Isto fornecida pelos outros significativ0s, quando até mesmo
supde qua o individuo gosia que sua identidade seja o ascensorista deixa de dizer “seitfior”, a mulher re-
confirmada. O mesmo processo diz respeito à confirmação nuncia a irlentíticar o mari¢to con›o um homem impor-
de identidades das quais :o. indivíduo pode nâo gostar. tante. inversamente, os outros significativos podem fi-
Nesmo conhecimentos casuaís podem confirmar sua auto- nalmente ter unt efeito sobre u meio ntais amplo, uma
,identificação corno um irremediável fracasso, mas a mu- esposa “lual” pode ser urna vantagem em vários aspectos,
lher, os filhos e a secretária ralifiCglTi este fato com inc- quando o indivíduo procura fazer compreender uma certa
gável finalidada. O processo que va› da definição da rea- identidade a seus companheiros de trabalho. A conser-
lidade objetiva à conservaçã o da realidade subjetiYa é vação c a confirmação da realidade implicam assim a
o mesr«o em ambos os casos. totalidaJu da situaçao sotial do individuo, embora os
Os outros significativos na vida do indiv(duo sâo os outros significativos ocupem uma posição privilegiada
principais agentes da conservação de sua realidade sub- nestes processos.
jetiva. Os outros menos sJgxiflcatlvos funcionam como
uma espécie de coro. A mulher, os tilhos e a secretária A importância relativa dos outros significativos e do
reaflrmam solenemente cada dia que o individuo é um coro" pode ser vista mais facilmente se considerarmos
os CaSas de desconfirmação da realidade subjetiva. Um
homem importante ou um fracassado sem esperaitça. As ato descorif}rmador da realidade praticado pela usposa,
tias solteiras, as cozinheiras e os asccnsoristas fornecem tomado em si mesmo, tem um poder muito maior du
graus variados de apoio a esta reafirmaçâo. Sem dúvida que um ato semelhante executado por um conhecido
é possível existir algum desacordo entre estas pessois. ocasional. Os atos deste último precisam adquirir certa
U Indivíduo enfrenta entgo o problema da coerência, qtie densidade para se igua)arem ao poder do primeiro. A
pode característicameftte resolvef Ou fttodfticando sua reiterada opinião do melhor amigo de um indivíduo, se-
realidade ou as relações que mantêm sua rgalidade. Pod6 gundo o qual os jornais nâo estão relatando aconteci-
ter a alternativa de aceitar a identidade como um malo- mentos consideráveis que se passam por baixo das apa-
gro, por um Iado, ou de dar um tiro na secretária ou
divorciar-se da mulher, por outro. Tem também 8 n}›ç5e

’20í
Mxda, pode 1n ma* pmo do qx a mesma opmi&o
pelo barbelró. Entretanto, a mesma opinião ex- *on as outras. Isto não nega o rico halo de comunicação
I pieiia sucessivamente por dez conhecidos casuais pode
começar a contrabalançar a opiniã o contrá ria do methor
xao-verbal que envolve a fala. Entretanto a fala conserva
timaimportante
E' posição privilegiada no aparelho
acentuar coniudo que atotal da parte
maior conversa.
da
amigo do individuo. A cristalizaçao que ocorre subje-
cô nstrvação da realidade na conversa é implícita, n5o
tivamexte como resultado destas várias definições da rea-
l ” lidade determinará por conseguinte o modo pelo qual explícita. A maior parte da conversa nã o detlne em mui-
provavelmente o individuo reagirá à aparência de uma tas palavras a natureza do mundo. Ao contrá rio, ocorre
sólida falange de carrancudos, 6ilertciosos chinesas ¢jue tendo por pano de fundo um mundo que é tacitamente
aceito cono verdadeiro. Assim uma troca de palavras,
. carregar uma pasta de documentos no trem matinal, isto
é, determinará o peso qué é dado ã definição da realidade como, por exemplo, “ben, está na hora de ir para a
p•lo indivíduo. Usando ainda oiitro exemplo, se alguém estaçã o" e "ó timo, querido, passe um from dia no escri-
é úm crente católico a realidade ‘de sua fê não está tó rio”, implica um mundo inteiro denlro d’o qual estas
ameaçada pelos companheiros de trabalho não-crentes, proposiçó es aparentemente simples adquirem sentido. Em
más prova1mente estará muito amezçada por uma esposa virtude desla implicaçã o a troca de palavras confirma a
Incrédula. Numa sociedade plura1lsta, porlânto, t lógico realidade subjetiva desse muxdo.
que a igreja católica tolerb uma ampla variedade de Entendido isto, ver-se-á que a maior parte, quando ná o
associações entre pessoas de crenças diferentes na vida a totalidade, da conversa cotidiana conserva a realidade
econômica e política, mas continue a considerar com de- subjetiva. De fato, seu cará ter maciço é realizado pela
sagrado ó casamento misfo. Geralmente falando, em si- acumulação e coerência da conserva casual, conversa que
tuações nas quais existe competição entre diferentes ins- pode se dar 00 ft/xo dê ser casual justamente porque
tituições de(tnidoras ‘da réalldaüe podem ser to(eradas se refere a rotinas de um oriundo julgado verdadeiro. A
todos os tipos de relações entre grupos secundários com perda da Câ SUglidade assinala uma quebra nas rotinas e,
os competidores, desde que existam, firmemente estabe- ao menos potencialmente, uma ameaça para a realidade
lecidis, relaçõ es de grupos primá rios em cujo interior considerada verdadeira. Assim, possível imaginar o

G
uma determinada realidade é progressivamente reafirma- efeito sobre a causalidade de uma conversa como a se-
da contra os competidores. " A maneira pela qual a igreja guinte: ”Bem, está ria hora de ir para a estaçao",
católica adaptou-se à situação pluralista nos Estados “Ó timo, querido, não se esqueça de Ievar o revó lver".
Ltnidos t um excelente exemplo. Ao mesmo tempo que o aparelho de conversa manha
continuamente a realidade, também continuamente a mo-

O veículo mais importante da conservaçã o da realidade
é a conversa. Pode-se coitsiderar a vida cotidiaha do in- |]fÍCg. Cert0s pontos Sã o abandonados e outros acrescen-
d(vIduo am ternos do funcionamento de um aparelho tados, entrequecendo alguns setores daquilo que ainda é
de cottversa, qué continuamente otanttm, modifica e re- eonsidcrado como evidente e fefof ÇaRdO OUtrOS. ASSiffi,
constrói sua realidade subjelivà." A conversa signlfica a reattdade subjetiva de uma coisa da qual nunca se
pHndpalmente, sem dúüda, que at pessoas faam umas fala torna-se VãCÍÍdillfl. U iTiã C0iSa é comprometer-se em
um ato sexual embaraçoso, outra, muito diferente, é falar
Os conceitos de grupe dtle, antes ou depois. Inversamente, a conversa dã con-
tornos firmes a questõ es anteriormente apreendidas de
T bk
t the Constfuctlon el Reo1Ity",
dlt
maneira vaga e pouco clara. O individuo pode ler dú-
eomuna. vidas *^ +^ religião. Est dúvidas tomazzi-se reais de
uma mazieira znuíto diferejtte quando as dlscute. 0 in-
dlvlduo entáo "convince-se" dessas dfividas, que sâo ob- descontixuidade. Sirva de exemp\o o uso da corrcspon-
]etívadas como realldade em sua própria conscitncia. Oe- dênCia para coxtinuar a converse significativa a despelto
ralmente falando, o aparelho de conversa nantéin a rea- da separaçăo flsica." Diferentes ¢onversas podem ser
lldade "falando" de vários elenextos da experisncla e comparadas no que se refere à densidade da realidade
tolocando-os em um lugar definido no mundo real. qut produzem ou conservan. Err totalidade, a freqdtncia
da conversa reforça seu poder gerador da realidade,
Esta łorça geradora da rcalidade, possulda pçla con- mas a taIta de freqüência pode às vezes ser compexsada
versa, ś dada já no fato da objetivaçăo lingúística. Vi- pela intensidade da conversa, quando esta se realiza.
mas como a lingttagem objetiva o mundo, transformando Uma pessoa pode vtr o amado só uma vez por mts,
o /zon/a rhei da cxperiência cm uma ordem coerentc. mas a conversa entâo empreendida tern sufícientc intensi-
No estabelcciincnto desta orden› a linguagem realize uin dade para compensar a relativa falta de lreqüéncia. Cer-
mundo, no duplo set tido de apreend4-lo e produzi-lo. A tas converses podem também ser explicitamente definidas
convcrsațão é a atuałizaçâo desta eficácia realizadora da e iegittmadas como tendo uma condição privilegiada, tAis
linguagem nas sitttaçöes face a lace 4a cxistência indi- como as conversas con o confessor, com o psicanalista
vidual. Na ccnvcrsa as objctivaç0es da Iinguagen tor- nam- ou com uma ffgura semelhante em "autoridade". A "au-
se objetos da conscic'ncia individual. Assim, o taÍo tcridade" consiste ntste caso na condiçăo cognosciliva «
łundameølal eonservador da realidade é o uso continuo normativamente superior que é ałribufda a estas con-
da mesma lingua para objetivar a experiência biográłica verses.
reveladora. Em sentido mais aniplo, todos os que emprc-
gam a mesrna Iíngua săo outros manteredores da realí- A rea1ídade subjetiva depends assím sempre de estru-
turas especlficas de plausibilidade, isto ć, da base social
dade. A signiticação dcste fato pode tornar-se ainda ntais
especlfica e dos processos sociais exigidos para sua con-
diferexciada considerandmse "o .que se entende por uma servação. Só è posslvel o lndivlduo manter. sua auto-iden-
"lingua comum", da lingfiagem idiosincrásica de grupos tificação como pessoa de importância em um memo que
primários nos dialetos regionais ou de classe, à comuni- confirma esta idcrtidadc j unta pessoa só pode manier
dade national que se detine em relaçães de lfngua. Exìs- sua fé católica se conserva uma relaçao signifiCątivA
! tern correspondentes "retornos à realidade" para o indi- com a comunidade catğlica, e assim por diantc. A rtiptłma
vfduo que volta aos poucos indivíduos que entendeni da conversa significativa com os mediadorcs das res-
suas alusôes de grupo, setor a que pertence sua pro- pcctivas eslruturas de plausibilidade ameaça as realidadcs
núncia, ou å grände colełivldade que se identiflcou com subjetivas em quest8o. Conforme o exemplo da corres-
uma particular tradição lingãlstica, por exemplo, em pond4ncia indiCa, o îndivlduo pode recorrer a várlas ttc-
ordem inverse, aos Estados Unidos, a Brooklyn, on ã s nicas de conservaçzo da reałidade, mesmo na ausgncia
pessoas que freqûentaram a m”esma escola públicz da conversa real, mas o poder gerador da realidade des-
A finn de manter efetivamente a realidade subjetiva o tas tżcnícas ć grandemente inferior às conversas frtnte a
aparelho da conversa deve ser contJnuo e cocrente. As frente, que tais técnicas săo destinadas a substituír. Quanło
rupturas de contlnuidade ou consisttncia •”e•° mais tempo estas tżcnicas estiverem isoladas das confirm
tltuem uma ameça para a real'dade subjetiva em ques- maçôcs face a face, menos provavelmenle sergo
tăo. Já examinamos os expedlentes que um indivíduo pode dg COnS6rvar o tom de rcałidade. |Õ indíviduo que vive
adotar para łazer .łrente à ameaça de incœrëntia, Exis- durante muitoB anus entre pessoas de diferente religiÂo,
tern tambżm vârias ttcnicas yara enfrentar a arheaça da

204
a própria sociedade institui procedimentos especlłicos
ieparado da comunidade das quc parti ‘'.pam de sua pró- para situaçôes reconhecidas como capazes de implicar a
pria It, pode contintiar a ident:iic•i-se, digamos, coino risto do colapso da realidade. Nestas situaç6ts prt-dell-
cató lico. Por meio da oraçä oj ò os eXefclcİoS religİ0ßOS ß nidas acham-se incluldas cerłas siłuaçò es marginais, das
de tlcnicas semelhantes sua velha realidade cató llca pode quais a morte é de longe a rnais iinportante. Enttetanio,
continual a ser subjetiVamente importacte pal a e1e. POF '
pouco que seja, esłas as crises na realidade podem aconteeer em um número
técnicas podem conser var sua con-
Ílriua auto-ldentiłicação como católico. Contudo, subjetl- consideravelmente fflal0r de casos do que os estabelecidos
vamente tornar-se-ão vazias de re8lidade “viva”, a náo por siłuaçaes Similes. Podem ser coletivos ou individuais,
ser que sejan\ “revitalizadas" pelo conlacto s0cial dependendo do canter do desafio à realidade social-
outros catółicos. Sem dúvida, a i/tdivfduo em geral C4łTt
rem mente definida. Por exemplo, os rituals coletivos de con-
bra-se das realidades do passado, mas a nianeira de! servação da reaJidade podem ser instiłucionalizados para
"relrescar" estas lembransas é conversar com aqueles que' ocasiòes de catástrofe natural, e d“ tuais individuals para
participate da importåncta d‘ elas. tpocas de infortúnio pessoal. Ou, de acordo com outro
A estrulura de plausibilidade fi tambèm a base soclal exemplo, podem ser estabelecidos procedimentos conser-
para a particular suspensao da dúvida, sum a qual, a vadores da realidade para enfrextar estrangziros e sua
definiçăo da realldade em questăo năo pode se conservar ameaça połenciał à realidade “oficial". 0 indivíduo pode
na consciência. Neste ponto, foram lnteriorizadas e eitão ter de atravessar urna complexa purificação ritual depois
sendo coxtinuamente reafirmadas saxçÓes soctais especl- do contacto com um estrangeiro. A ablução é lnteriori-
ticas contra estas dúvidas desintegradoras da realidade. zada como aniqui)ação subjetiva da outra realidade re-
O ’ridicule é uma destas saiiçoes. Enquanto se conserve presentada pelo estrangeiro. Tabus, exorcismos e maldi-
derttro” da esłrutura de plausibilidade, o individuo sente- şôes contra as estrangeiros, her5ticos ou loucos servem
se ridículo quando surgem subjetivamente dúvidas a res- igualmente à flnalidadr da "higiene mtntal" individual.
peito da realidade em questâo. Sabe que outros sorri- A vioítntia desses protedimentos defenslvos será propor-
ríam se as anunciasse. Pode sorrir em siltncio de si cional à seriedade com que è ronsíderada a ameaça. Se
mesmo, sacudiź mentalmente os ombros e continual a os contactos com a outra realidade e seus representantes
existir dentro do mundo sancionado desta maneira. Nao se tornam freqftentes as procedimentos defensivos podem
é preciso dízer què este processo de autoterapia será evidentemerłte perder o caráter de črise e tornarem-se ro-
muito oiais diflcll se a estrutura de plausibilídade nao f0i iineiros. Por exemplo, toda vez que se encontra um es-
mais acessível como sua matriz social. O sorriso tornar- se- trangeiro . tern-se de cuspir tr4s vezes, sem dar grande
á łorçado, e łinalmenłe com miiita probabiłidade será importância ao assunto.
substiłuído por um pensativo rosto carrarcudo.
Em sítuaçao de crise as procedimentos são essencial- Tudo quanto até aqui dissemos a respeito da sociali-
mente os mesmos que na conservaçao rotixeita, exceto 2açao implica a possibilidade da realidade subjetiva set
qua .as ‘confirmaçaes da realidade deveci se tornar expll- transformada. Esłar em sociedade já acarreta um contí-
citae e intensas. Freqüezttemente são postas em jogo téc- nuo processo de znodificação da reaiidade subjetlva.
nicas rituals. Embora. o irtdivfduo possa improvisar pro- Falar a respeito da transformaçao impI)ca, por come-
cedimentos de sustentaçao da realldade em face da criøe, guínte, a dlscussão dos diferentes graus de modificaçâo.
Vamos concentrar-nos aqui no caso extremo, aquele no
. ’ 0 coocelto de reIt qual há uma transformaçao quase tofal, isto č, no qual
. de reley £fiala" tern 1mpor tśn¢la
o iridívfduo "muda de mundos”. Se forem œclarecidos

2OØ
os processos implicados no caso extremo, os de casos
menos extremos serão mais facilmente entendidos. realidade. Representam a estrutura de plausibitidade nos
Carocteristicamente a transformaçao ó apreendida sub- papéis que desempenham com relação ao individuo (pa-
jetivamcnte como totat. isto .evidentemente ê uma com- péis tipicamente definidos de maneira explicita em ter-
preensão errônea. Uma vez que a realidade subjetivo mos de sua função re-socializante), e mediatizam o
nunca é totatmante soctalizada não pode ser totalmente novo mundo para o individuo. O novo mundo do indi-
transformada por procmsos sociais. No minimo o \ndi- víduo encontra seu foco cognoscitivo e afetivo na estru-
vfduo transformado terá o mesmo corpo e viverá xo mes- tura de plausibilidade em questão. Socialmente isto signi-
mo universo tísico. Entretanto, existem casos de lrans- fica urna intensa concentração de toda interação signifi-
form ação que parecem totais quando comparados com cante denlro do grupo que corporifica a estrutura dc
modiftcaçoes menores. Chamaremos allernaçoes essas plausibilidade e particularmente no pessoal a quem é alri-
! trarisformaçoes. " bulda a tarefa de re-socialização.
. A alternaçfío exigc processos de re-socializaçao. Estes O protótipo histórico da alteração é a conversão re-
! , processos assemelham-se â socialização primária, porque ligiosa. As consideraç6es acima podem aplicar-se a este
fato dizendo extra e¢c/esiom nulla salus. Por salus que-
têm radicalmente de atribuir tons ã realidade e por co»-
! seguinte devem reproduzir em grau considerável a iden- remos dizer •9•' (com as devidas desculpas aos teó-
'logos, que tinham outras coisas tm vista quando cunha-
tificação fortemente afgliva com o pessoal socializaitte, raix esta frase) a realização empirican entc bem sucedida
que era característica da islândia. São diferentes da so-
cialização primária porque nâo começam ex nihilo, 0 co- da conversão. Somente dentro da comunidade religiosa,
mo resultado devem enfrentar o problema de desmante- a ecrJesín, a conversão pode ser efetivamente mantida
como plauslvel. lsto nâo significa negar que a conversao
tar,. desintcgrar a precedente estrutura nômica da reali-
pode antecipar-se à filiação a uma comunidade. Paulo
dade subjetiva. Como pode ser feito isto7 de Tarso procurou a comunidade cristâ depois de sua
Uma "receita" para a alternação bem sucedida deve
«experiência de Damasco•. Mar não é esta a questão.
incluir con¢liçóes sociais e conceituais, servindo as con- Ter uma experiência de conversão não ê nada demais.
diç6es sociais evidentemente de matrizes para as concei- A coisa importante é ser capaz de conservá-la, levando-a
tuais. A condiçã o sotial mais importante é a possibilidade a sério, mantendo o sentimento de sua plausibilidade.
de dispor de tima estrutura efetiva de plausibilidadt,
isto é, de uma base social que sirva de "laborató rio" ”£’ apui onde entra a comunidade religiosa. Esta fornece
da lransformaçáo. Esta estrutura de plausibilidadc será a indispensável estrutura de plausibr idade para a nova
oferecida ao individuo pelos outros significativos com os realidade. Em outras palavras, Saulo podia ter-se tor-
quais deve estabelecer forte. identificaçao afetiva. Nao t' nado Paulo na solidão do txtase religioso, mas só teria
possível a transformação radical da realidade subjetiva podido permanecer Paulo no contexto da comunidade
(incluindo Evidentemente a identidade) sem esta identifi- cristâ que o reconheceu como tal e confirmou o «novo
scr> em que ele agora localizou sua identidade. Esta
cação, que inevitavelmente repete as experiências Infantis
da dependência emocional com relação aos outros signifi- relação entre conversão e co.munidade não á um fenô-
cativos." Esles últimos são os guias que conduzem á nova meno particularmente cristão (apesar dos aspectos his-
toricamente peculiares da ecc/esío cristã). E’ possível o
A acher,
Btrair, fnrlintlon ra Soclofegy (Osrden Cl
^ O conct1:o pxlcannIJ tico de •tinnclertnCln• itftre•se prctlsnnenlz t Clgullit4tlvoa encarregados dele, de oo4o que não de pede
este fenamen o. O que os' psteanallstae que o empreg3m não compreendem, ée$ae lenônspo referentes 1 Vatléade cogo05cltlva éac

208 209
indivfduo manter-se muçulmano fora da o/zi/zio do !slam,
A alternaçao lmplica assim a reorganização do apa-
budista fora da satigha, mas provavelmente não pode relho de conversa. 0s partiCipanteâ da conversa signifi-
permaziecer hindu em nenhum lugar fora da India. A” re- cativa mudam. E a conversa com as xovos outros sig-
ligião exige uma corøunidade religiosa e a vida em um niticativos a realidade subjetiva é transformada. Man-
mundo religioio exige a łlliação a essa comunidade. " tém-se mediante a permanente conversaçă0 com eles ou
As estruturas de plausibilidade da conversão religiosa na comunidade que representau . Dito de tzianeira sİm-
foram imiładas por organizaçóes seculares de alterna- pies, isto signilica que o indivlduo tem agora de ser
ção. 0s melhores exemplos encontram-se na área da evl-
doutrlnaçáo politics e da psicoterapia. " multo cauteloso corn as pessoas
tadas sisiematicamente pesS0aS e idêías discrepantes das
A estrutura de plausibilidade deve tornar-se o mun- oovas de(iniçoes da raramente
do do indlvlduo, deslocando todos os outros mundos, ó posslvel fazez isso ‹o svcesso, quanto rnais nã o seja
especiaîmente o mundo que o individuo chabitavą» antes par causa da rtlgfTiÓ fta da realidade passada, a nova es-
de sua . atternação. ísto exige a separaçâo do indlviduo tru tura de tornecer á caracteriStiCãM8fíłß
pìausibilldade
dos «habitantess ğos outros mundos, especialmente de vários procedimentos teraptułic0s para tratar das ten-
seus «co-habitantes». no mundo que deixou para trás. dèncias de «aposłasiaø. Estes procedimentos seguem o
ldeațmente ísto scrź segregação ffsica. Se par atguma modelo geral da terap8utiEã Ąf6Cedenternente examinado.
razão isto não for posslvel, a segregação é estabelecida A mais importante exigéncia conceiłual da alteraçä o
por definiçao, ou sejz por uma’ definiçăo dos outros que I a disponibilidade de um apareiho legitimador pafźt Â
as aniquila. 0 indivlduo que exacuta a alterxaçăo de- série completa da transformaçã o. O que tern de ser le-
sengàja-se de seu mundo anterior e da estrutura de gltimado nao é somente a nova realidade, mas as eta-
p lausibilidade que o sustentava, se posslvel corporalmen- pas pelas quais è apropriada e mantida, e o abandono
te, c quando não, mentalniente. Num caso e noutro náo ou repú dło de todas as outras Feaìidades. 0 ]ado ani-
está mais «atrelado aos infiéis», ficando assim protegido , quilador do mecapismo conceitua1 é parlicularmente im-
da ixfluência potencial destruidora da realidade exercida do problema de desmanlelamento que
por aqueles infills. Esta segregaçźo ê particułarmenle ten de ser resolvido. A velha realidade, assim com0 as
importante nas etapas iniciais da alternaçăo (a fase do coletividades e os outros significał ivos que anteríormente
«novlciado•). Logo que a nova realldade se consolidou a inediatizavazn para o ìndivlduo, devem ser reinterpre-
I posslvel estabelecer de novo relaç6es circunspectas com tadas desfre do aparelho legiìimador da n0Vß realidade.
estranhos, embora os estranhos que costumavam ser bio- Esta reinterpretaçã o produz uma ruptura na biografia
graficamente signifiCativos sejam ainda perigosos. Săo subjetiva do indiY\duo em termos de «aC.s e •dC.»,
os finicos que dir$o <Larga isso, Saulo», e haverá oca- «pré-Damasio» s «pós- Damasco». Tudo que precede a
siò es em que a velha realidade por eles invocada toina alternaçã o é agora compreendido tomo conduzindo a ela
a forma de tentaçã o. (COCO U㌠«Velho Testamento•, por assim dizer, ou uma
evangelii), tudo que a segue é compreendido
B’ a J8to que Durkfiel0s ce rełcrla em eua . an1lIse to ćarśter lneylla• corno derivando dg s\IN ft0Yã £čülidade. łsio iniplica uma
velmente aoclßl da re1Iglßg, łfã o uscrJaaăa, contudg, a .termg "lgreja"
deslgncr a "comualdade moral" ta só I td¢qttaflo Interpretaçăo da biogratla passada in fif«, de acordo
Iłsãîltuclonal/xcțl4
munlstas chineses ¥ã o con¥IderaveIm’ente ttve'adad
com a fó rrnulá . «Então eu /›ens‹nia... agora sei». Fre-
ark,
he
q0entemente isło incl»i a retrojeç5o para o passado dos

3t0 211
' esquemas
in crpre ativos ’ presenles (a łó fmula para isso desta mamma. Estes últimos tornam-se atores de un›
eu já sabia, embora de maneira pouco cla- drama involuntário, cuJo signiflcado n3o conseguem ver.
ra...") e motivos que nå o cram subjełivamente pte- Xâo é de admlrar que, caracłeristicamanłe, rajeitćm a
sentes no passado mas sao agora necessários para ø afńbuiçâo que thee I feita. E' par esta razáo que os
reinterpretaçã o do que ocorreu entă o (a fó rmula I a prołetas tipicanente saem-se ma! etc sua teria. Neste
seguinte: •peolment# fiz isso porque. . ,»). A biografia contexto é que se pode entender a declaração de jesus
an(e1or à a Jernaçä o è ciracterisłicamente aniquilada in segundo a qual seus seguidores devern abandonar a pai
/Pfo, sendo envolvida numa categoria negativa que ocu- e a rȋe.
pa uma posiçfio eslrałégica no flOVO aparelho legifinia- NZo č difícil agora propor uma cprescriçño> esp¢cl-
dor: " Ç!uando eu ainda vtvia uma vida de pecado”,
«Quando eu ainda linha uma COnSCiênCia burguesa», fîca para a alłcrnação em qualquer realidade concebível,
por mais implausível que seja do ponto de visfa dv
«Quando era ainda motivado por estas necessldades neu- quem está de fora. E’ possível prescrever procedimcntos
r6liCßS ÍnconSCJef¡țg5s, A rupture biográfica ldentlfica-se cspeciflcos, par exemplo, para convcncer os indivlduos
ASSlfrl Cont a separaçąo COgnOBCiłiva das trevas e da luz. de que devtm pgr-se cm comunicaçáo com seres prove-
Além desta reinlerpretaçå o in fofp deve haver rein- nienłes do espaço exterior, desde que se submetam a
!•+P <faç es particulates de acoxtecimentos e pcssozs uma permanenłe dleta de peixe cru. Deixemos à ima-
< < /gnłfi¢açăo passada. 0 indiVfduo que sofre a aJ- ginaçăo do łeilor, se tlver gosło para ísto, eJaborar em
ternaçâo' estar‹a sem dú vida melhor se pudesse esque- detalhes o qut seria uma tal seita de ictiosofístas. A
cer Compleża menłe ‘alguns destes. Mas «prescriçãoa implicaria a construção de un›a estrutura de
+^quecer complex
• famente č coisa sabídame•te difîcil. r COMg@ŁîÎță te, O plausibiłidade ixtiosoflsla, conveniextemenłe separada do
ț+5 ê fl0C¢s5ário é uma radîca! reinterpretação do sig- mundo exterior e equipada .corn o necessário pessoal
nificado desses aconłecimentos e pessoas passados na sociallzador c terapèułico. A elaborațao de um corpo
biografia do indivíduo. Sendo rčÎativamente cals fácil de conhecimentos icłiosofísta suficientemcote requintado
íftV9ltt8r C0isas que nunca dCołtteceram do que æquecyr para expticar o nexo evidente enlre o peixe cru e a tele-
aquelas que realnențg ü C0nt0Ctrg m, o indívjduo pode patia ga!åctica não tinha sido descoberto antes; e tam-
fabricar acontecimentos e insert-los nos lugaris adequa- btm as necesså rias legitimaçò es e aniquilaçõ ts para da-
dos, sempre que forem necessårios para harmotitzar o rem sentido ao caminho do indivlduo em direçã o a esła
passado lembrado com o pæsado reinterpretąd o. Sendo grande verdade. Se estes procedimentos foretn cuidado-
8 nova realidade; e ltåo a anliga, que ã gora Ihe apa- samente scguidos, haverá unia alia probabilidade de su-
rece como dominantemente plausfvei, pode ser perfeIta- cesso, dtsde que o indivfduo seja seduzido ou seqûes-
menłe *S‹ftC**O» fi#SSe pfioCed İfiten(O. trado em um instituto de lavagem cerebral icłiosofista.
èsłfi mentindo a respeiło do paSsad0, mas fa* ndœo Existem naturalmente na prátïca muitos tipos inter-
harmonizar-se com o verdade, Qtlfl flBC£Csarlamenle abran- mediźrios entre a re-sociałizață o, tal como acaba de ser
ge fanto a presents quanto o passado. Esła qutstäo, examinada, t a socializøção secundária, que continua a
diga-se de passagem, é muito 'mP *<t te qtJiSerrnos ser construfda sobre as interiorízaçôes primárias. Nes-
oompreender corretamenłe os mołivos que se acham tas há transformaçóes parciais da realidade subjetiva ou
trá s das falsificaçoes e invençó es 4e documenios de particvlares setores dela. Esfas transformaçöes par-
sos, hisloticamente freqtlentes. Tamb4o as pessoas, prin- ciaJs săo comuns na sociedade contemporânea em ligaçáo
clpalmente os outros signifiCatiYos, sáo relnterpretados com a mobilidade social do individuo e o treinamento
212 2î3
profissional. " Nesłe caso a transtormaçâ o da realidadr
subjetiva pode ser considerá vel transformando-se a indi- que sc tornou um mtdlco importante no subù rblo; <evi-
vlduo em uzn tipo acaitátel da classe média superior ou dentemente» veste-se e fala de modo diferente; «eviden-
em um mèdico aceitå vel e interiorizando os adequados temente• agora vota a favor dos republicanos; eevidenle-
mante» casou-se com uma moça Ya5sar, e talVez
apèndices da realidade. Mas -estas ’translormações carac- também um fato natural que s6 rzramente visite 05 Â tS.
• ‘“ —- teristicamente estão longe da re-socializaçâo. São cons-
Estes esquemas interprełativos, exisżentes prontos numa
truídas com bases nas interiorizações primárias e gtral- socledade onde há considerá vel mobilidade para cirria e
mente evitam abruptas descontinuidades na biografia sub-
jetiva do indivíduo. Como resulłado, enfrentam o pro- já ínteriorizados pelo índivfduo antes que ele próprio se
tenńa tornado realmente móveî, garantem a conłinuldade
blema de conservar a coerência entre os primeiros e os
tąrdios mementos da realidade subjełlva. Este problema, biográlica e suavizam as incœrgncias que despertam.”
que rião estź presente nesta forma na re-socialização, Procedłmentos semelhantes ocorrem em situaçdes nas
que rompe a bfografia subjełiva e reinłerpreta o passado quais as fransformaç6es săo consideravelmente radicals
mais do que correlaciona o presume com cfc, torna-se mas defiaidas como de duraçlo temporå ria, por exem-
tanto mais agudo quanto mars a socializaçao secundåria plo, o serviço zriilitar de curto per(odo ou em casos de
tende ğara a re-soclalizaçâo sem realmente coincidlr com hospitalizaçã o nâ o demorada, " E’ tá cil ver aqui a di-
eta. A re-socialização é como o corte do nó górdio do fercnça com relação à plena re-sociałizaçã o, comparan- do-
probierna da coerência, consiste em renunciat à questăc se o que acontece com o treinamento para a carreira militar
da coerência e reconstruir a realidade dv noyg. ou com a socializaçã o de pacientes crô nícos. Rios casos do
0s procedimentos de manutenção da coertncia impli- primeiro łipo a coer6nci6 com a rcalidade e a identidade
cam tarnb4m um remendo do passado, rnas de mancira anterior (existčncia civil ou de pessoa sa- dia) está já
menos radical, uma abordagem ditada pelo fato de que estabelecida pe)a suposiçâ o de que fina1men- te o
em tais casos existe em geral uma associaçâ o coxttnua indivlduo retornará à quelas condiçó es.
com pessoas e grupos que foram aoteriormente signifi- Falando de modo geral, é possivel dizer qge os proce-
catlvos. Continuam a estar em redor, provavelniente pro- dimentos em quest$o tëm cardter oposto. Na re-sociali-
łesłarå o contra as reinterpretaçó es demasiado fantasislas, zaçã o o passado é ieinterprełado para se harmonlzar
e devem ser eles próprios convencidos de que as trans- com a rcalldade presents, havendo a tendência a retro-
formaçõ es ocorridas sã o plausíveis. Por exemplo, no ca- jetar ao passado vărios mementos que subjetivamente
so de. transtormaçdes que se passam em ligaçã o com a nã o eram acesslveis naquela época. Na sociałizaçâ o se-
mobilidade social existem esquemas lnterpretałivos pron- cundá ria o presente é interpretado de modo a manter-se
tos, que explicam o acontecido a todas as pessoas in- numa relaçâ o contlnua com a passado, existfndo a ten-
teressadas sent esłabelecer a total metamorfose do indi- d4ncia a rninJmizar as transformaçô es realmente ocorrí-
vlduo afetado. Assim, os pais de um indlvlduo dotado das. Dlto de outra maneira, a realidade básica para a re-
desta mobilidade para cima aceitarao cerłas mudanças no socialização é o presents, para a sociallzaçlo secun- dá ria
comportamento e nas ałitudes deste Indívíduo como um é o passado.
acompanhamento necessário, ou até mesmo desejável, de
sua nova poslçåo xa vida. «Evidentementep, Concordarăo,
Irving teve de dlsfarçar sua natureza de judeu, agorá ^ G conceits, ccłsbete¢łdo pot Rłyyman, de •dIryțag para g eatre° y e conCe\
to da ñ t¢rton de “coclcllxcçã0 cntecIpcłó ric^ tłro Impetțßnclc a eale
mGdlcc par ellot Preldaen. Thc0dor
Jdrnfłły-, European journal a) 5oyfof4gy,
Re

214 zas
2. A lNTERlORiZAÇfi0 E A ESTRtJTURA SOCtAL do trabalho e n›inirria dlstribuiçăo de conliccímento. Em
tais condiçóes a soclalização produz identidadcs, quo
A socialização realiza-se semprc no contexto de uma es- «ão so¢taJmente pré-defínidas e delineadas em alto grau.
trutura social cspecltica. Não apenas o eonteú do mas
tambèm a medida do «succsso» ttrn condiçôes sociais \Jma vez que cada Indivlduo se defronta com o mesmo
estruturais t conseqüèncias sociais cstruturais. Em outras yrograma iztstitucTonal para sua vida na sociedade, a
palavras, a ančlise micro-sociołógica ou sócio-psicotógi- łorça total dv ordem institucional è levada a pesar dli
ca dos fenômenos de interiorízação deve ter semprc por modo mais out tzicnos iguaJ sobre cada indlvtduo, pro-
fundamcnio a coinğrecnsăo macro-sociolúgica' dc seus duzindo a maciccz cotrcitiva da rta)idade objetiva que
aspectos cstruturais. " dcvc ser interiorizada. A identidade ć entăo consîderaveł-
munte delineada, no sentido de represcntar pleoamentc
to nfveł da análise teórica aqui inttnłada não yode- a realïdade objetiva na qual está localizada. Dizendu
lHoS enlrar no exame detalliado das dilerentes relaçò es
empírícas cnlrc o contcúdo da socialização c as configu- cm palavras simples, cada pessoa e mais ou menos aquilo
raçóes sćcio-tstritturais. " E’ posslvel, yorèm, fazer al- que se supöe que seja. Em lal socledade as identidades
gun as obscrvaçôes gerais sobre os aspcctos s6cio-cs- săo facilmentc ’rcconhccíveis, objetiva e subjetivamertte.
truturais do <sucesso» da socialização. Entendemos par Todo mundo sabc quem é todo ittundo c quem a pró-
prla pessoa é. Um fidalgo J unt fidalgo e um campoxês
«socialização bein sucedida• o tstabcfecimento dc um
clevado grau de simetria entre a reałídade objetiva c č um camponês, para os outr0s assim como para si
a subjetiva (o inesmo quanto ã identidade, naturalmen- incsmos. Não existe, por consegninte, o problems da
te). Invërsamente, a «socializaçăo mal sucedida» deve iJcn‹ldade. E’ possí«cl que surja na consciêncią a per-
ser c0mpreendida em termos de assimetria entre a rca- gunta «Quem sou cu?», uma vez que a resposta socîal-
łldade objełiva e a subjetiva. Como v(mas, a socializa- tntntc definida yor antecipaçao ć maciçamerite reat sub-
çäo totalmentc bem sucedida ê antropologieamenle im- jctivamenle e cocrentemente confirmzda por todas as
poss/vel. A socializaçâo to‹almente mal sucedida č «o înteraçôes sociais signlflcałivas. Isto de modo algum
mlnimo cxtremamente rara, limifada a casos de indivi- implica que o indivfduo seja fcliz corn sua idenłidadc.
duos com os quais /riesmo a sociaiização minima não ó Por exemplo, provave1n\cnte rtunca foi agradável ser
oblida devido a graves condiçóes palolôgicas orgãxicas. campon€s. Ser camyončs acarretava problcmas de toda
Noisa anålise deve por conseguinle referir-s• a grada sorte, subjetivamente reais, urgentes e (onge de produzí-
çöes em um continuo, cujos pólos extremos sźo emyi- rem felicîdade. Mas não acafretava o probtema da łden-
ricamente inacessívels. Esta axálise ć úłil porque permi- tidade. 0 indivfduo era um camponîls miserável, talvez
ts alguxs enunciados gerais a respeito das condłçôes e mesmo urzi rebelde, ntas era um campon5*. E’ improvfi-
conseqfiëncias da soclalizaçăo hem sucedida. vel que as pessoas formadas em tais condiçdes se co»-
O måxímo sucesso na socia(izaçâo verifíta-se prova- cebam a si mesrnas cm termos de •profundldadts ocul-
vclmcnte em sociedades com uma diyisăo muíło simpler las», em sentido psicológico. 0 cu de «superf(cie» e o
«u «abaíxo da superflcie> s6 se díferencîam em função
^ ł’8osu argumentaç ão Impłlcc s nectssÎdßd¢ de ua landamenț0
coctolôglca p ata as snßllcea da Ja cscala da rcalldadc subjeliva presents à ronsc(ênCia
da rarrJzfurp sadfal genłrg dJ queț cm um dado momento, não em funçăo de unia diferen-
cłaçăo permanence de ccamadas» rio cu. Por excmplo, o
^ €f• Qtrtti ¥ Ml1Ie, op. Tcmbám cf. Tenbruck
um Îugar destacad0 ùß camponês aprcende-se a si mesmo em um papel quando
cstá bațendo na mulher c em oHîro quando sc curva
zis 2t7
te presente de maneira estranha ¢ trancada. Um indivi-
servilmenie
tro diante
papel tica do senhor.
«abaixo. Em amb08isto
da superf(cie», OS é,casos
não oê ou-
lc- duo assim s«z soClall2ado sem sucesso, isto ó , haverá

vado em
nhum dosconta
dois pela consciência
papéis
do tamponts. Mas ne-
é estabelecido corno um eu «mais um alto grau de assimetria entre a realidade socialmente
definido em qv• ye /4/o se encontra, como em ul lTIttfI-
profundo» ou «mais real›. Em outras palavras, nossa do estranho, e sua pró pria es realidade subjetiva, que s6
sociedade o indivlduo não somente t aquilo que se su- ¢assaniente retlele aquele mundo. A assimetria, entre
põe que seja,“ ruas é tal de rtianelra unificada, «nlo es-
tratillcada». tanto, »zo terá cons*q1tnctas estruturais cumulativas por-
que udo possui base social na qual possa criStaIi3ar- se
Em tais condições a socialização mal sucedida só em tttn contramundo, C0fTt seu pró prio aglomerado ins-

acontece
gicos ou conto
sociais.resultado de acidentes
Por exemplo, biográílcos,
a socializaçã bioló-
o primá ria de titucionalizado de contra-identidades. O individuo sotia-
tizado sem êxito é socialmente pré-definido como um tipo
uma criança pode ser prejtidlcada devido a uma defor-
delineado, o aleijado, o bastardo, o idiota, etc. Por
maçã o (fsica, sõ cialmente estlgmatizada ou por motivo
conseguinte, quaisquer auto-identiticaçó es contrárias que
de um estigma baseado em definiç6es sociais. ” O alei-
possam às vezes surgir em de plausibilidade que as
jado e o bastardo sã o protó tipos destes dois caios. Exis- possuem nenhuma algo mais do que etémBtaS faflt8SÍ8$.
te tambêm a possibilidade da socialização ser izilrinse- transformaria em
camente impedida por deficiências biológicas, como no Incipientes conlradefiniçô es da calidadc « da identi-
estes indivíduos se
caso da extrema debílidade mental. Todos estes casos dade tornar-se presentes logo que
tgm Caráter de infortúnio individual. Nâo fornecem fun- congregam em grupos SoClâllTtgfttC durá veis. lsto desen-
damento para a institucionalização de contra-identidades cadeia um processo de mudanÇã que introduz irá Ufrla
e de uma conlra-realidade, De fato, esta condiçao d‹1
distribuição de conhecimentos mais complexa. Pode, en-
a medida do infortú nio existente nessas biografias. Em ser objetivada uma contra-realidade no
uma sociedade dessa espécie o indivíduo aleijado ou grupo marginal dos indivlduos incompletamente socta-
bastardo nlo tem virtualmente defesa subjetiva contra a ligados. Neste ponto, evidentemente, o grupo iniclará
identidade estigmatizada que Jhe é atribuída. £’ o que seus pró prios processos de socialização. Por exempl0, 0s
se sup6e. que seja, para si mesmo assim como para seus lepr0S0S e OS BH ÍIOS d• leprosos podem ser estigmatiza-
outros signlíicativos e para a comunidade em totalidade. dos em uma sociedade. Tal •stigmatizaçlo pode limitar-
Sem dú vida, pode reagir a este destino com ressentimen- se aos indivíduos fisicamente atetados pela dõen98 Oh
to ou raiva, rias é enquanto ser interior que se mostra Incluir outros por ü efi‹»ç•o social, por exemplo, qual-
ressentido ou enraivecido. O ressentimento e a raiva po- quer pessoa nascido durante um terremoto. Assim, gS
dem mesmo servir como ratificaçó es de sua identidade indivíduos po‹Icin ser definidos como leprosos desde o
socialmente definida como ser infeiior, visto que os me- nascimento, e esta definiçã o afetará avemente a socia-
lhores do .que ele, por definiçã o, estã o acima destas emo- liiaç*o primá ria deles, digamos, sob os ausplcios de
çõ es brutais. E' presionelro da realidade Objetiva de sua luna »elhA louca que os mantém fisicamente vivos fora
sociedade, erttbora esta realidade lhe seja subjetiYamen- ‹tos confins da comunidade e lh9S tI'ansmlte O fflÍflÍfflo
ttas tradiçõ es institucionais da comunidade. Desde que
€0fI\O JM}glí¢€ Çáo
InClu9fve 09
opllcahllldade
erlzntz
estes indivíduos, mesmo quando são mais de um punha-
yo¢Jolólimit
giec t<r4 de str
. BrvJng Ooffman, sff tezripo umc p. fcofoyfp do, nã o fornam uMa COntracomunidade pró pria, sua iden-
(Engltwood Clllts, tidade objetiva e subjetiva estará pré-definida de acordo
Ttmbtm i Karma er i t•. OvtieY, The
com o programa institucional que a comunidade csta-
bclece para eles. Sono leprosos e nada mais. esta mudança. No tHJninio, nao sgrá mais tâo (ácil re-
conhecer a identidade dos indivfduos definidos como lc-
A situação começa a mudar q«ando existe uma co- prosos, não haverá mais certeza se o individuo assii\1
lônia de leprosos suficientemente grande e durável para definido se identifica a si próprio dessa mesma manei-
servir como estrutura de plausibilidaóe para contrad•fl- ra ou náo. No caso máximo, nãO Sefá ITIãjS COl0a fáCil
niçó es da realidade c do destino de quem é leproso. reconhecer a identidade de algu€nt, pois se os Icpro-
Ser leproso, quer por atrlbuiçâõ’ biológica quer por es- sos podem recusar ser o que se supóc que sejaltt, outros
tígma social, pode entâo ser considerado como um sinat
indivíduos também podem, e talvez nó s mesiiios. Se a
especial da eleiçã o divina. Os Indivíduos impedidos de
princípio este processo parece fantasista, é adiiiiravel-
interiorizar completamente a realidade da comunidade
aientc ilustrado pela designaçã o de hoctJas, isto é, «filhos
podem entã o ser socializados na contra-realidade .de uma
colô rtla de leprosos, isto t, a socialização imperfeita
dc Deus”, dada por Gandhi aos pã rias do hinú uisnio.
cm um mundo social pode ser acompanhada pela so- Logo que existe nina distribuiçã o do conhecimento
cializaçã o bem sucedida em outro mundo. Numa etapa mais complexa eiTi nina sociedade a socializaçã o imper-
primitiva deste processo de mudança a cristallzaç6o da íeita pode resultar de dlíerentes outros significativos
coxtra-realidade e da contra-identidade pode nao chegar niediatizareni diferentes realidades objetivas para o in-
ao conhecimento da comunidade maior, que alndA prt- dlvlduo. Dito de outra maneira, a socialização inipcr-
defixe e continua identificando esses ixdivfduos como fcita pode resultar da lieterogeneidade do pessoal so-
leprosos, e nada mais. N$o sabe que «realmente» são cializador. Isto pode acontecer de várias maneiras. Pode
os tilhos especiais dos deuses. Neste ponto um indivi- haver siluaç6es nas quais todos os outros sígnificaitte.s
duo a quem é atribuída a categoria de leproso pode da socialização primária servem de riiediadores para uma
realidade comum, mas de perspectivas consíderavelirlcntu
dascobrir em si mesmo «profundidades ocultas>. A per- diversas. AU certo ponto, evidentemente, todo outro sig-
gunta «Quem sou cu?» torna-se possível slnipiesmente nificativo ten› uma perspectiva diferente sobre a reali-
porque sã o exeqtlfveis socialmente duas resposla8 em dade comum, simplesmente pelo fato de ser um indivi-
em conflito, a da velha louca duo particular com uma particular biografla. Mas as
a do pró prio pessoal soclaiizante de colô nia {«vi.rs 5 consequências que temos cm vista aqui acontecem so-
um tilho do deus»): Como o indivíduo em sua consclén- mente quaxdo as diferenças entre os outros significati-
cia atribui condiçã o privilegiada à s definiçõ es da «ali- vos referem-se a seus tipos sociais e não a suas idiossin-
dade e de si mesmo dadas pela colô nia, acontece a rup- ctasias Individuais. Por exerriplo, homens e mulheres
tura entre sua conduta «visível» na comvxidade maior podem «habitam mundos sociais consideravelmente difc-
C Stl8 g£lt0.•jdejjtj((CAÇÂ O “irIVjg[Ye|" çojlj g]gjj§jyj Ç jyj- rentes numa sociedade. Se tanto os homens quanto as
plefamcnte diIeren’te. Em outras paTavrà s, aparece a cli- mulheres funcionar› como oulros significativos na so-
vagem entre <aparénciar e «realidade» na auto-apre- cíalizaçao primária, servem de mediadores dtssas dis-
ensão do indivíduo. Jã entã o nao é reais aquI!o que se crepantes realidades yara a criança. Isto por si só náo
propô e que seja. df«e como lepioso, mas é um tllho do cria a ameaça tle socialização malograda. As versões
deus. Se levarmos o exemplo um potieo mais adiante, masculina e feminina da rcalidade são socialmente reco-
até o ponto em que esta cJivagzm torna-se conltectda nhecidas c este reconhecimento tambtm ê transmitido
pela comunidade dos não leprosos, rito é dlfftll ver que na socialização primária. Assim, existe a predominância
a realidade da comunidade também será ale(ada por antecipadamente definida da versão masculina para a
220 ui
criança do sexo masculino. e da versã o feminina para a
do sexo feminino, A criança. conhecerá a versã o perten- socializadas com éxito farão pressão sobre as ‹erradas».
I' cente ao outro sexo na medida em que lhe foi transmi- Enquanio nao há contlito fundamental enke as definiçõ es
tida pelos outros significativos do outro sexo, mas não ntediatlzadas da realidade, mas apenas diferenças entre
se identifica com esta versã o. Mesmo a minima distri- versõ es da mesma realidade comum, existe boa probabi-
buiçã o do conhecimento estabelece jurisdiçõ cs partícula- lidade de uma terapêutica bem sucedida.
” res para as diferentes Versões da realidade comum. No - A socializaçã o imperfeita pode também resultar da me-
caso acima a versão feminina define-se socialmcnte por diação de mundos agudamente disc0rdantes por outros
não ter jurisdição Sobre a criança ão sexo masculino. significativos durante a socialização primá ria. Ao se Íor-
Normalmente, esta definiçao do «Iugar certo» da rea- nar mais complexa a distribuiçã o do conhecimento, apa-
lidade do outro sexo. é interíorizada pela criança, que recem mundos discordantes, que podem ser mediatÍ2i1-
se identifica «corretamente» com a realidade que Ihe foi dos por diferentes outros significativos na socializaçao
designada. primá ria. Isto acontece menos freqü entemente do que a
Contudo, existú a possibilidade biográfica da «anor- situação que acabamos de examinar, na qual as versões
malidade> se há competição entre as definiçõ es da rea- do mesmo mundo comum distribuem-se entre o pessoal
lidade, levantando a possibilidatle de escolher entre elas. socializador, porque os indivíduos (por exemplo, um ca-
Por um certo” número de razôcs biográficas a criança sal) suticlentemente coeientes, com o grupo, para assu-
jode fazer a «escolha erradas. Por exemplo, um menino mir a tareta da socialização primá ria provavelmente
pode interiorizar eldmentos “inconvenientes" do mundo
maqulnaram um certo tipo de 'mundo entre ambos. Isto
feminino porque o pai está ausente durante o periodo acontece, entretanto e tem considerável interesse teó rico.
!

decisivo da socializaçã o primá ria, e tais elementos sã ‹› Por exemplo, uma criança pode ser educada não so-
ministrados exclusivamenté pela n\á e c três irmã s mair mente pelos pais mas também por ,uma ama teciutada
velhas. Podem transmitir as «corretasy definiçõ es juris- em uma sub-sociedade étnica ou de classes. Os pais
dicionais ao menino, de modo que este saó c nao se ima- transmitem à criança, digamos, o mundo de uma aris-
ginar que tenha de Yiver no mundo das mulheres. En- tocracia conquistadora pertencente a uma raça, enquanto
tretanto, pode identificar-se com este ú ltimo. O resultan- a ama transmite o mundo do campesinato subjugado de
te caráter cefeminado» podé ser «visível» ou «invisfvel•. outra raça. E’ mesmo possível que as duas mediações
Em ambos os casos haverà assimetria entre sua identi- empreguem línguas completamente diferentes, que a cri-
dade socialmente atribufda e sua identidade subjetiva- ança aprende simultaneamente, mas que sã o mutuamente
ininteligiveis para oi pais e para a ama. Neste caso,
" Evidentemente, a sociedade fornece mecanismos tera- evidentemente, o mundo dos pais será predominante por
pêuiicos para tratar desses iasos <anorniais . Nã o pre- prG-definição. A criança serã reconhecida por todos
cisamos repetir aqui o que toi dito a respeito da tera- os interessidos, e por ela própria, como pertencente ao
p4utica, exceto acertuar que a ne’cessidade de mecanls- grupo dos pais e não ao da ama. Apesar disso a pré-de-
mos terapéuticos cresce pró porcionalmenle á possibilidade, finiçã o das respectivas jurisdiçó es das duas realidades
estruturalniente determinada, de socializaçã 0 imperfe!ta. pode ser transtornada por vários acidentes blográ ficos,
No exemplo há pouco exarriinado, no minimo as crianças assitzi como pode acontecer na primeira situaçao exami-
nada, exceto que agora a socialização imperfeita acar-
reta a possibilidade da alternaçlo lnteiiorizada cotno
aspecto permanente da auto-apreensã o subjetivo do in-
222
divlduo. A escolha potência\mente ao alcance da criança
prepara para os mistérios, e a ana quando se exercida
a eAtão mai5 Õ0linead2, impliCãnÕo ittUzldos ‹lltezentes e na cavalaria, assim corno trai seu grupo de pares ao
xão verzdzz diferentes do mesmo mundo. Náo é pre- ciso dizer ser um jovem estudante «quadrado» e os pais quando
que ita prática haverá maltas padaç6es entte
roubà um automó vel, havendo em ambos os casos con-
a primeira e a segunda situação.
comitante «traição a si mesmo», na medida em que se
, ! Quando mundos intcnsamtxte discordantes são trans- identificou com dois mundos discordantes. Examinados,
”* mitldos na socializaçã o prI«tá ría o individuo defro«ta-se em nossa aná lise anterior da alternaçã o, as vá rias opçô es
com A escolha de identidades delineadas apreendldas por qae se abrem à criança, embora seja claro que estas
ele como auttntitas possibilidades biográflcas. 'ode tor- opçoes têm diferentes realidades subjetivas quando jà
nar-ac um homem tal como é interpretado pela. raça A são interiorizadas na socialização primá ria. Pode-se ad-
ou pela raça B. E’ entã o que aparece a possibilidade mitir con certeza que a alternaçã o permanece sendo uma
de uma identidade verdadeiramente oculta, dificilmente ameaça durante toda a vida para qualquer realidade
reconheclvel, de acordo com as tipiticaç6cs objctiva- subjetiva que brote de tal conflito como resultado de
ciente acessíveis. Em outros palavras, pode haver uma qualquer opção, ameaça criada uma vez por todas pela
assirrietria socialmente escondida entre a biografla •pú- introduçã o da possibilidade de alternaçã o na pró pria
blica» e a ‹privada». No que diz respeito aos pais, a socializaçã o primária.
criança estâ agora proxta para a fase preparat6rla do A possibilidade do <individualismo» (islo é, da esco-
cavalheirkmo. Sem qne saibam disso, mas apoiada ya
estrutura de plausiblltdade . fornecida pela sub-sociedade lha individual enlre realidà des e identidades discrepan-
da ama, a criança est§ «Somente fingtndo dc• ncss¢ tes) está diretamente ligada à possibilidade da sociali-
processo, enquanto «realmente» prepara-se para a mi- zação incompleta. Afirmamos que a socialização mal
dxçâo xos superiores mistérios religiosos do grupo sub-
suceilida abre a questã o «Quem sou eu?». No contexto
só cio-eitrutural, no qual a socializaçã o mal sucedida é
jugado. Diswepãncias deste gtnero acontecem na socie-
dade coxtemporAnea entre os processos de soclallzaçâ o reconhecida como tal, a mesma questão surge para o
na facilita e no grupo de seus pares. No que dlz reepello ittdivfduo socializado cOm pleno éxi/o, em virtude da
ã familia, a criança está pronta para a fomatura x par- reflexã o que faz sobre os outros imperfeltamente socia-
lizados. Mais cedo ou mais tarde encontrará esses que
tir da escola secundária. €}uanto ao grupo de seus pares, têm «um eu escondido», os «traidores», os que alter-
está pronta para sua primeira prova sêria de coragem
ao roubar um automóvel. Não é preciso dizer que estas naram ou estão praticando a alternaçã o entre mundos
situações estão carregadas de possibilidades de confli-
diseordantes. Por uma espécie de e4eito de espelho, a
to interno e culpa. questã o pode vir a aplicar-se a ele pró prio, a princípio
de acordo com a Jó rmula «Ainda bem que, graças a
Presumivelmente todos os homens, uma vez aoclaliza- Deus, eu conseguir, finalmente lalvez pela fó rmula •Se
dos, sâo potenciais ctraidores de sl mesmos». O proble- eles, por que não eu†>. Isto abre uma caixa de Pandora
ma interno desta •traiçâ o> torna-se, por4m, multo mais de escolhis •individualistas», que finalmente generalizam-
complicado se acarreta ademais o problema de sab•r se quer o curso biográ fico do indivíduo tem\ta sido de-
qual «eu» está sexdo traído em algum momento deter- terminado pela escolha «certa» ou pela «errada». O <in-
minado, problema criado logo que a identificaçã o tom dividualistas sugere como um tipo social particular, que
diferentes outros significativos inclui diferentes o«tros tem pelo menos a possibilidade de migraçã o entre muitos
generalizados. A criança está traindo os pais quando ac mundos exeqiilveis e que construir deliberada e conscieii-
2Z4 225
łernente um en com o «material» fornecido por um grande
número de identidades qûe eslavam ao seu alcance. acompanhadas de cries afetivas, pois dependerio in-
Uma terceira importante situaçã o que conduz å sotia- variavelmente da mediação de outros significativos. A
lização irnperfeíta surge quando exisłem discordãncias apreã£niação de mundos discordantes na socializaçăo se-
entré. a socialização primźriă e a secundária. A unidade cundária produz unia Conf iguraçâo inteiramente diferexte.
da socializaçao primãria realidades
è mantida,e tnas tia s0cializa- Na sotialização secundăria à interiorização não é obriga-
çăo secundària aparecem ldentidades opos- torianexte ac0mpanhada pela identificação, atetivamente
tas, eomo opções sitbjetivas. fštas são nattiralmente li- carregada, com outros sigaificałivos. O indíviduo pode
mitadas pela contexto sócio-estrutura( do individuo. Por
izttèríorizar díferentes reałidades se/zz se :dentificar com
exemplo, pode desejar tornar-se um cavalelro, mas sua etas. Por conseguinte, se um mundo diferenłe aparece
posiçăo social torna eita idéia ma ambição louca. 0uan- EA S00iäliż¥çÃO 4eCundária o indivlduo pode preferi-lo
do a socialízação secundária difereziciou-se até o ponto em forma de manobra. Poder-se-la falar aqui de alter-
tm que se lornou possivel a desidenłiłicação subjetiva naçáo «fria». O lndiYIduO inłerioriza a nova realidade,
do ‹ilugat adequado» do individuo na sotiedade, e quan- mas em vez de łazer dela a sua realidade, utiliza-a
do ao meşmo tempo a estrutura social nao permits a como realidade para ser usada com especiais finalida-
realizaçăo da identidade subjetivamente escolhida, acon- des. Na medida em que isto implica a execução de cer-
teće um interessante desenvolvirnento. A identidade sub- Not papéis, o indivfdùo eonsßfVa o desligaGenło subje-
jetívamenłe escolhida torra-se uma idetttidade de fanta- f İV0 cOm relaç ão a estes, «vesłe-ass deliberada e pio-
sía, objetivada deiitro dv consciência do íadivlduo como positadamente. Se este fen0meno tornar-se amplamente
seu «eu real». Pode-se admltir que as pessoas sempre dlstribu/do a ordem institutional em totałidade começa
sonhani com desejos impossiveis de serein realizados .e a tomar o caráter de uma rede de manipulaçöes re-
eolsy semelhantes. A peculiaridade desta particular fan- ctprocas. ‘
łasia reside na objetivaçă0, no nível da imaginação, de Uma sociedade na qtial os mtißdos discrepanies são
uma idenłidade diferente daquela obiétivamente atribuida geralmente acesslveis em urna base de mercado acaireta
anteríormente interiorizàda na socialização primźria. E’ da realidade e da identidade
cviclente que a antpla distribuição deste fenômeno in- subjetivas. Haverà uma consciência geral cada Nez maior
troduzirá tensöes e inquietudes xa estrutura social, da relatividade de todos os mundos, inclusive o do pr6-
azrieaçando os programas institucionais e sua reałidade prio indivłduo, que é entáo subjełivamente ap •‹»did»
assegurada. como <r»i mundo» e nIo como *o mundo». Segue-se
Outra conseqiiéncia iiiuito iiiiportante quando há dis- que a condufa insłi‹vcion IÎzada do individuo
cordåncia entre a sacialização primária e a secundária eßdida C0mo •um papeI•, do dual pode desligar-se em
é a possibilidade do individuo ter relações con niundos s ta própria consciència e que •desempenhas COM Íinßli•
discordantes, qualitativanicnti diferenles das relações rias dade de manobra. Por exemplo, o aristocrata nao e mais
situaçòis anlerioriiieflłc discutidas. Se na socializaçåo simplesmente um aristocrata, mas represenia Arr < « is-
, primária aparecem iiiundos discordantes o individuo tern tocrata, etc. à SİtUăÇaO, ÿóf cofiseguinte, ttrn uma con-
a escoìlia de identifi0ar-se com uni deles e nao com os seqüência de muíto maior alcance do que a possibilida-
outros, processo quc, ocorrendo na socialização primá- de de indivtduos represenłarem set aquilo que ndo ze
ria, carrega-se dc tlevado grau de afetividade. A iden- prop6e que sejam. Tamb€m representam ser aquilo que
tificaçao, a desictentifitaçśo e a alternaçăo serão todas
sótlo-‹s\ tuturale da
^lIltab1Itdndc de dc

227
se srpíi# que săo, — coisa muito difeienle. Esta situa- Se tivermos em mentc esta dialética podemos evitar a
çăo é tada.vez mais tlpica da sociedade industrial con- noção equivocada de «identidades coletivas», sem preci-
temporânea, mas evidentemente iria muito além dos limi- sar recorrer à unicidade, sab specle ae/erni/o/ir, da exis-
tes de nossas atuais coasideraçóes entrar na anáłise da t5ncia individual. “@s estruturæ sociais fiistóricas par-
sociologia do conhecimento e da psicologia soctal desta iiculares engendram !!‘R°• de idenłidade, que sao reco-
conslelação. " Deverlamos acentuar que esta siluaçlo mo nltecîveis em casos individual Neste sentido é possfvel
pode ser entendida a manes que se relacione continua- afirmar que um arriericano tern uma identidade diferen-
«tente com seu contexto söcio-estrutural, que decorre Io- te da que é possu/da par um francčs, um habltante de
gicamente da rtecesså ria relaçlo entte a diviså o SOCtül
dO ‘II ÂÒÂİÎtO COm suas conseq0ências para a esttutura
Nova York é dlferenłe do habitante do Meio-Oeste, um
4lretor de empresa não se confunde com u«t vagabundo,
social) e a distrlbuição social do conheeimento (cont e assim par diante. Confor/ńe vimos, a orientaçâo e a
suas eonseqtltncias para a ob)etivação soclal da reali- comportamento na vida cotidiana dependem destas tipi-
dade). Na situaçä o contemporänea isto iniplica a análise
ficaçóes. Isto signitica que as tipos de ldentidade po-
tanto do pluralismo da realidade quanto do pluralismo demser observados na vida cotidiana e que as afirma-
da identidade, reteridos à dinãmica estruttiral do indus-
trialismo, particularrriente à dinániica dos padróes de es- çóes corno as que fizemos acima podem ser verificadas
ttatlficação social produzidos pela industrialismo. “ — ou refuładas — por homens comuas dotados de born-
senso. O americano que duYida de que os fraaceses
sao diferentes pode ir à França vcrificar por si mesmo.
3. YBORîAS SOBRE A IDEN7IDADE Evidentemenlo, a condição dessas tiplficações iiăo ó
comparãvel à das construções das clêneias sociais, nem
. ' A ideritidade é evidentemente um eleniento-chave da rea- a verificaçáo ou a refutaçáo seguem os cânones do m4-
lidade subjetiva, e ta1 tomo toda realidade subjetiva, acka- todo científico. Devemos deixar de ïado o probtema
se em relaçâo dialéttca com a sociedade.@ identi- dade é metodológico de saber qual è a relação exata existente
forrnada por processor socłais. \Jma vez cris- fallzada, é
entre as tîpificaçöes da vida cotldiana e as abstraçôes
manllda, modlficada on mesmo remodelada pelas re)açôes
cient/ficas (um puritano sabia que era um purłtano, sen-
soclais Os processor soclais impticados na formațao e
do reconhecido como tal, par exempło, peios apglicanos
conseJ'fåção da identidade são determi- nados pela com toda a facílldadc; a cíentista social, porżm, que
estrutuia social. lnversamente, as identidades produzidas deseja pór å prova a tese de Max Weber sobre a
pela interaçã o do organlsmo, da eoiisciëncia individual e da êtica puriłana deve adołar procedimentos um tanto dife-
estrutura social reagem sobre a estrutura social dada,
rentes e mais complexos a finn de «reconhecer» os re-
mantendo-a, moditicazdo-a ou mesmo re- modelàndo-a. As
sociedades Um hisló rias no curso das quais emerges presentantes empiricos do tipo weberiano ideal). 0 pon-
to inferessante na presChtč aßálİSt á que as tipos de
particulates idenłidades. Estas hisłõ rias, porém, são feitas
por łiomens com identidades especlticas. idenłidade sao cobserváveís», «verificáveis» na experí8n-
cia prć-teór‹ca, e par conseguinte pré-cientifìca.
N f1o č rccomtndlvet țAlar dż "lü8ntltade cafe(Ive" *rtg0
btaa desa4
ta Schelaky á a tcorla geral da na secl‹dsde æoâefaa, for-
Pot 0eaenv0lvląa roals tsrtc tni tefmos dc aoclologfa (tßl . como a obta dc Oîfimar Spann).
Lud‹nann’

328 229
jacente a essa teoria. Dito de maneira simples, a psi-
- A ideniidad ó um fenô meno que deriva da dialética cologia pressupõ e sempre a cosmologia.
entre um indivíduo e a sociedade. Os tipos de identida- Este assunto pode ser bem ilustrado fazendo-se re-
de, por outro Iado, sâ o produtos sociais tout court, ele-
ferência ao termo muito usado em psiquiatria ‹orienta-
mentos relativamenie estáveis da realidade social objeti- çã o na realidade». “ O psiquiatra que procura diagnos-
vas (sendo o grau de estabilidade evidentemente determi- ticar um indivíduo, a respeito de cujo estado psicoló gico
nado socialmente, por s\ja vez). Assim sendo, séo o está em dú vida, íaz-lhe perguntas para determinar o
tema de á lguma forma de teorizaçâ o em un a soCiedade grau de sua «Capacidade de orientaçã o na realidade».
mesmo quando sâ o está veis e a formaçao das identida- Isto é inteiramente ló gico. Do ponto de vista psiquiá -
des individuais 5 rel8tivaiziente desprovida de problemas. trico há evidentemente algo problemático relativamente
As teorias suhre a identidade estã o sempre encaixadas
em uma interpretaçã o ntals geral da realidade. Sã o «em-
ao indivíduo que não sabe qual é o dia da semana ou
butidas» no universo simbó lico e suas legitimaçó es teô - que realmente admite que falou com os espíritos de pes-
soas falecídas. Dg fato, o termo «orientado na realidade»
ricas, vã ri tndo com o cará ter des\as ú ltimas. A identidade
pode ser útil neste contexto. O sociólogo, porêm, tem
permanece ininteliglvel a não ser quando é localizada uma outra pergunta a propor: «Que realidade?». Diga-
cm tint mundo. Qualquer teorizaçáo sobre a identidade se de passagem que este acréscimo tem importância para
c sobre os tipos específicos dê identidade — tem,
yõ rtantn, de fazer-se no qtiadro das irtterpretaçó es a psiquiatria. O psiquiatra certamente levará em consi-
car ety que sáo localizadas: Voltaremos dentro em pou- deraçao, quaxdo um individuo nâ0 saba o dia da se-
co a este ponto. maxa, se este acaba de chegar de outro continente por
Deveriamos accniuar a‹lemais que estamos nos referin- aviáo a jato. Pode acontecer que n8o saiba o dia da
semana simplesmente porque ainda está cem outro tem-
do aqui à s teorias sobre a idefttidade enquanto tex0meno
social, isto é, sem prejulgar nada quanto à aceitabilidade po», por exemplo, na hora de Calcutá, em vez da Hora-
delas pela ciência moderna. De lato, chamaremos essas Padrao do Oriente, 5e o psiquiatra for sensível ao con-
texto sócio-cultural das condições psicológicas chegará
teorias «psicológicas», e lncluiremos qualquer teoria so- a diagnósticos diferentes do individuo que conversa cont
bre a idehtidade Bue preMnda expWcar o íen6meno em- os mortos, dependendo desse indivíduo vir, por exem-
pírico de maneira ampla, quer essa explicaçã o' seja «vá - plo, da cidade de Nova Iorque ou de uma zona rural
lidas, quer nao, pà ra a disciplina cientI(ica contempo- do Haiti. O indiv(duo pude estar «em outra realidade»,
râ nea que tem ‘aqyele rtome. no mesmo sentido socialmente objativo em que o indi-
Se as teorias sobre a identidade sá o sempre inctufdas víduo anterior estava •em outro tempo». Dito diferen-
zm teorias mais amplas a respeito da realidade, isto deve temente, as perguntas relativas ao estado psicológico nâo
ser entendido de acordo com a l6gica que serve de íun- podem ser decididas sem o reconhecimento das de(ixi-
dainertto a estas ú ltimas. Por exemplo, uma psicologia
çoes da realidade admitidas como verdadeiras na sltua-
que interpreta certos fenô menos empfricos como resul-
tado da possessáo por seres demonlacos tem por matriz
çao social do individuo. Expressando-nos de maneira
uma teoria mitológlca do cosmo, settdo inadequada para mais precisa, o estado psicológico é relativo ãs detini-
interpretá -los em um quadro nã o niilolbgico. Igualmente, ç6es sociais da realidade em geral, sendo ele próprio
uma psicologia que interpreta os mesmos fenô menos co- socialmente definido. "
mo perturbaçõ es elétricas do cérebro tem por Junda- ' O ue estl Impllc4do aqui, evidentemen te, t u mg 0rlilcA socloló glea
de cealldade de Freud.
mento uma teoria cientifica global da realidade, humana *° C/. Peter L. Berger, ‘'1'owards c Soclotoglca\ V nter ston4lng al Psycho-
onal sls", Bom/4/ RcsrorcA,
e não humana, e deriva sua consistência da ló gica sub-
230
A emergência das pslcologias introduz uma nova te-
!aç5o dialética entre identldade e sociedade, a relação exemplo, é improvável que uma teoria psicológica que
entre a teoria psicoló gica e os elementos da realidade admite a possessao denioxlaca seja adequada a interpre-
subjetiva que pretende detiitir e explicar. O nível dessa tar os problemai de identidade de intelectuais judeus de
' teorizaçá o pode naturalmente variar muito, conforme
ctasse média da cidade de Nova lorque. Essas pessoas
acontece com todas as iegitimaçdes teóricas. O que foi simplesmente não tém uma identidade capaz de produzir
dito anteriormente a respeito das origens e fases das fenô menos que sejam interpretados de tal maneira. Os
dern8nios, se existem, parece que os evitam. Por outro
teorias legitlrziadoras aplica-se aqui com validade, lado, é imprová vel que a psicaná llse seja adequada à
mas con uma diferença que não deixa de ter interpretaçã o de problemas de identidade nas regiõ es
tência. As psicologlas pertencem a uma dimensão da rurais do Haltl, ao passo que algum tipo de psicologia
realidade que tem a maior e mais contínua relevância vudu pode fornecer esquemas interpretafivos com alto
para todos os indlvlduos. Por conseguinte, a dialética grau de exatidão empírica. As duas psícologias demons-
entre a lepria e a realidade afeta o individuo de ma- tram sua exatidão empírica pela aplicabilidade à tera-
neira palpavelmcxte direta e intensa. pêutica, mas com isso nenhuma delas demonstra a con-
¢}uando as teorias psicoldglcas alcança»t um alto grau dição ontológica de suas categorias. Nem os deuses vudu
de complexidade intelectual torna-se provável que sejam nem a energia da libtdo podem existir fora do mundo
ministradas por pessoal especialmente educado neste definido nos respectivos contextos sociais. Mas nesses
corpo de coaheclmeãto. Qnalqner que seja e organiza- contextos existem, em virtude da definição social, e sã o
ção social desses especialistas, as teorias psicoló gicas interiorizadas como realidades no curso da socialização.
penetrar xa vida cotidiana, fornecendo os esquemas in- OS ItaitiAilos rtJr ais SÓo pOSSeSS0s e 0S inte(eCtuaiS rlO-
terpretativos para que o especialista se livre dos casos va-iorquinos sdo neuróticos. A possessão e a neurose
problemltieos. Os problemas que surgem da dialética são assim constituintes de realidade objetiva e subjetiva
ecfre a idenlldade subjetiva e as atribuiçõ es sociais de nesses contextos. Esta realidade é empiricamente aces-
.. identidade, o' entre a identidade e seu substrato bioló- sível na vida cotidiana. As respectivas teorias psicológi-
gico (a respeito do qttal falaremos a seguir), podem ser cas são empirfcamente adequadas precisamente rto mes-
classificados de atordo com categorias teó ricas, o que mo sentido. O problema de saber se, e como, poderiam
é evidenttm«nte o pressuposto de qualquer terapêutica. ser criadas teorias psicoló gicas para superar esla rela-
As teorlas psicológicas servem por conseguinte para le- tividade só cio-histó rica não xos interessa neste momento.
gitimar os procedimentos de conservação da Identidade Na medida em que as teorias psicoló gicas são ade-
e da reparaçã o da identidade estabelecidos na socieda- quadas neste sentido, são capazes de verificação empí-
de, fornecendo a \lgsçao teó rica entre a lddntidade e o rica. Ainda mais, o que está em‘ jogo nâo é a verifica-
I
mundo, tal corno ambos sâ o socialmente definidos e sub- ção em sentido científico mas a prova feita na experiên-
jetlvamente apreendidos.
cia da vida social cotidiana. Por exemp(o, t possível
As teorias psicoló gicas podem ser empiricamente ade- propor que os Indivíduos nascidos em certos dias do mês
quadas ox inadequadas, e neste sentido n‹fo nos referi- provavelmente serio possessos, ou que’ os indivíduos com
mos à sua adequação em termos dos clnones de proce- mães autoritárias provavelmente serão neuróticos. Estas
dimento da ciência empírica, mas antes ao valor delas proposições são eoipiricamente verificáveis na medida em
como esquemas interpretativos ap1icáveis pelo perito ou que pertencem a teorias adequadas, no sentido acima
pelo lelgo a fen8eienos empfricos da vida cotidiana. Por mencionado. A verificação pode ser empreendida pelos
232 233
participantes ou por observado.res estranhos das situaçõ es nham nais facilmente efeitos socializadores. Isto nã o é
sociais em questao. Um etr¡ólogo haitiano pode empiri- a mesma coisa que dizer serem as psicologiss capazes
tamente descobrir neuroses- em Nova lorque, assim como de se verificarem a si rnesrrias. Conforme indicamos, a
um etnólogo americano pode. empiricamente descobrir a verificaçã o dá -se pelo confronto das teorias psicoló gicas
possessão vudu. O pressuposto dessas descobertas con- e da realidade psicoló gica empiricamente acessivel. As
siste simplesmente em que o observador externo cst›•ja psicolog'ias produzem uma realidade, que por sua vez
disposto a empre gar os mecanismos conceituais da psi- serve de base para a verificaçã o delas. Em outras pa-
cologia indígena na pesquisa em curso. Saber se está lavras, estamos tratando aqui de dialética, não de
também disposto a atribuir a essa psicologia validade lautologia.
epistemológica mais geral é coisa que nâo tem impor- O haitiano rural que interioriza a psicologia vudu
tância para a .pesquisa empírica imediata. tornar-se-á possesso logo que descobre certos sinais’ bem
Outra maneira de dizer que as teorias psicoló gicas definidos. Do mesmo modo, o intelectual de Nova iorque
são adequadas consiste em dizer que refletem a realida- que interioriza a psicologia freudíana ficará neurô tico
de psicoló gica que. pretendem explicar. Mas se isto fosse logo que diagnostica certos sintomas bem conhecidos.
tudo, a relaçã o entre teoria e realidade não seria neste De fato, é possível que, dado um certo contexto biográ -
caso dialética. Há uma autêntica dialética lmplicada por fico, os sixais ou os sintomas sejafn produzidos pelo
causa do poder r#rfíz dor das teorias psicoló gicas. Na prò prio individuo. O hailiano neste caso produzirà n5o
medida em que as teorias psicoló gicas sã o elementos da sinais de neurose mas sinais de possessão, enquanto o
deíiniçâo social da realidade sua capacidade de gerar a nova-iorquino construirá sua neurose de conformidade
realidade é uma característica, de que participam com com a sintomatologia reconhecida. Isto nâ o tem xada
outras teorias legltlmadoras. Contudo, seu poder reali- a ver com «histeria em massa», e menos ainda com si-
zador t particularmente grBnde, porque é atualizado yor mulaçã o de doença, mas refere-se à Impressã o de tipos
processos de fô rmaçâ b de identidade emocionalmente car- de Identidade soctal sobre a realidade subJellva indivi-
regados, $e ‘uma psico)ogia se torna socialmente està be- dual de pessoas comuns dotadas de bom-senso. O grau
lecida (iyto é, ’torna-se géralmente reconhecida como de identificaçã o variará cotzt as condiçõ es da interiori-
tima inttrpretação adequà da da realidade objetiva) ten- zação, conforme mostramos anteriormente, dependendo,
de forçô samente a se realizar nos fenô menos que pre- por exemplo, de realizar-se na socializaçã o primá ria ou
lende inteipretat, Süa inleri‹irização é acelerada pelo na secundá ria, O estabelecimento social de uma psico-
fato de reférir-se â reà 1ídade interna, ü e modo que o logia, que também acarreta a atribuição de certos pa-
individuo a realiza no próprio ato de interiorizá-la. péis sociais ao pessoal que ministra a teoria e sua apli-
! Além do mais, como uma psicologia por definição re- cação terapêutica, dependerá naturalmente de várias cir-
fere-se à identidade, é provável que sua interlorizaçzo cunstâncias s6cio-históricas.’" Mas quanto mais social-
seja 'acompanhada pela identificação, por conseguinte mente estabelecida se torna mais abundantes serão os
ipso /ocfzt é provável que seja formadora de identidade. fenô menos que strve para Interpretar.
Neste estreito nexo entre interiorizaçso e ideatlficaçao, Se ”adrriitirmos a possibilidade de certas psicologias se
as teorias psicológicas diferem consideravelmente de ou- tornarem adequadas no curso de um processo de reali-
tros tipos de teoria. tendo os problemas da socialização zaçâ o, imp1icamos a questã o de saber por que as teo-
incompleta os que mais conduzem a este tipo de teoriza- rias até agora inadequadas (como deveriam ter sido nas
ção, xáo e de surpreendeu que as teorias psicológicos te-
235
234
lases primitivas deste procésso) surgem em primeiro Iu-
gzr. Dito de maneira mais sirtiples, por que uma psicolo- tos que se passam nesse mundo, que é produto do ho-
gia deve substituir outra na histó ria? A resposta geral mem, podem fazer seu estô mago roncar mais, menos
ou diferentemente. 0 homem é mesmo capaz de tomer
é que esta mudança ocorre quando a identidade aparece
e fazer teorias ao mesmo tempo. A coexistência perma-
como problema, por motivo qualquer. O problema pode nente da animalídade do homem e dg Sua Soclalidade
"" surgir da dialética da realidade psicológica e da estru- pode ser proveitosamente obseryada em qualquer con-
trutura social. As transformações radlca(s da estrutura
social (por exemplo, as transformações produzidas pela versa depois do jantar.
E' possível ialar de uma dialética entre a nature2a e
Revoluçã o Industrial) podem dar em resultado atteraçdes
concomitantes da realidade psicológica. Neste caso, no-
a sociedade. ” Esta dialética é dada na condiçã o h«ma-
vas teorias psicoló gicas surgir8o, porque as antigas nã o
na e manifesta-se renovada em cada individuo huMano.
Para o indivíduo, evidentemente, ela se desenrola em
explicam mais adequadamente os fenó menos emplrlcos
uma situaçã o sócio-histó rica já estruturada. Hã uma cofl-
imediatos. A teorizaçao sobre a identidade procurará en-
tã o tomar conhecimento das tranMormaç8es da identida- tlztua dialética que começa a existir com as primeiras fa-
de que acontecerem realitiente, e será ela pró pria trans- ses da socialização e continua a se desenvolver ao longo
formada no processo. Por outro lado, a identidade pode de toda a existência do individuo na sociedade, entre
tornar-se problemática no nível da própria ieorla, islo cada animal humano e sua situaçã o só cio-histó rica. Ex-
é, como resultado de desenvolvimentos teó ricos tntrlnse- ternamente é uma dialética entre o animal individual e
cos. Neste caso as teorias psicoldgicas ser$o maquina- o mundo social. Internamente, é uma dialética entre o
das «antes do fato», por assim dizer. Seu estabeleci- substrato bioló gico do individuo e sua identidade social-
mento social subs#qiienfe, e concomitante poder gerador mente produzida.
da realidade, pode sei realizado por qualquer número No aspecto externo é ainda possivel dizer que o orga-
de atividades entre o pessoá l teorizador e os vá rios in- nlsmo estabelece limites para aquilo que é socialmente
teresses sociais. A manipulaçã o ideoló gica deliberada O8SfVel. Como disseram os advogados constitucionais
por grupos politicamente interessados é uma possibili- ingleses, o parlamento pode fazer tudo exceto os homens
dade histórica. parirem filhos. Se o parlamento tentasse, o projeto fra-
cassaria com base nos fatos rígidos da biologia humana.
Os fatores biol6gicos limitam a gama das possibiJidades
4. OROANISMO E lDEi'4TDADE sociais abertas a qualquer indivíduo, nas o mundo so-
cial, que preexiste a cada indivíduo, por sua vez impde
Examinamos multo anteriormente os pressupostos otgd- limites ao que é biologicamente possívei para o organis-
nicos e as Iímitaç6es da construção socia( da realidade. mo. A dialética manifesta-se na limitação mútua do or-
E’ importante acentuar agora que o organismo continua ganismo e da sociedade.
a afetar cada fase da atiYldade humana construtora da Urna oportuna ilustração da limitação que a sociedade
realidade e que o organismo por sua vez é afetado por impóe às possibilidades biológicas do organismo t a ton-
esta atividade. Dito de maneira rude, a animalidade do ‘* A tIeIát(ta entre a naturcza e o sociedade. p0r n6s aqul dl9cuclda,
homem transforma-se em soclalizaçao, mas não é abo- de moéo algum pode 9cr equiparada ã "ü la Itllca da na(ur tos" dcsynvo1v(do
por Engetl e pelo m arxlemo poater l0rm ente. A primeira subllnh¢i
lida. Assin, o est8rnago do homem continua roncando corpo (do mesmo modo que com
uma felaç8o cspcclllcamtnte fiuman4.
mesmo se o indivíduo está tratando de seus negó cios
. na construção do mundo. Inversamente, os acontccímezt- humanêa numa notur eec nã o human a ,
o fi4mem, cdn9lderando-o
eza.

237
gevidade. A espectativa de xida..varia com a localizaçao
Assim, łunçò es biol6glcas tao . intrlnsecas quanto o or-
' social. JYtesmo na sociedade americana contemporånea gasmo e a digestäo são soclalniente estruturidas. A so-
existe consideràvel discrepånc‘ a espectativa de ciedade também . determina a rnaneira pela qual o oigi-
vide dos indivlduos de cłasse e a dos indivfduos nismo é ugado na atividade. A expressividade, o modo
de classe superior. Alćm disso, a incídência e o caráter de andar’ e os gestos são socialmente estruturados. Não
da patologia varlam com a posíção social. Os indivíduos podemos nos ocupar aqui com a possİbllldade de uma
de classe interior adoecem mais lreqü entemente que os sociologia do corpo, que estas noçöes suscitani. ' A
da classe superior. Além disso, tGm doenças dilerenłes. questão I que a sociedade estabelece limites para o or.
Em outras palavras, a sociedade determina duranłe quan- ganismo, assim corno o organismo estabelece limites pa
to tempo e de que maneira o organisnio Individual vi- ra a sociedade.
verá. Esta .determinação pode ser insłitucionalmenłe pro- No aspecto inferno, a dialética manifesta-se corno a
gramada na operaçä o' dos conłroles sociais, como na resistência do substrato biolôgico A modelagem pela so-
lnstituiçä o da lvi, A sociedade pode alei)ar e @atar. De ciedade, " Îsto é naturalmente de todo evidente no pro-
Nato, é no poder sobre a vida e a morte que manifesła cesso de socializaçâo primària. As dificuldades de socia-
seu supremo controls sobre o individuo. lizar inicialmente a criança não podem ser explicadas
A sociedade penetra também diretamenle no organis- slmplesmente em razão dos problemas inłrinsetos da
mo no que diz respeito ao łuncionamonto deste, prin- aprendizagem. 0 pequeno animal Inta contra, por assign
cipalmente quanto å sexualidade e à nutriçã o. Enibora dizer. 0 fało de fatalmente ter de perder a batalha não
ambas sejam fundadas em impulsos biolbgicos, estes im- ellmina a resistëncia de sua animalidade à influëncia ca-
pulsos sã o extremamente plästicos no animal Iiuniano. da vez mais penelrante do mundo social. Por exemplo,
O homem é compelido pela constituiçá o bio[ò gica a pro- a criança resiste ã imposiçã o da estrutura temporal da
surar a satisłaçä o sexual e o alimento. has sua cons- sociedade ã temporalidade natural de seu orga iłsmo. “
tltuição biológica não 1he diz onde deverå procurar a Resiste a comer e dormir de acordo corn o reló gio, em
satisfação sexual e a çue deverá côrner. Abandonado a vez de ałender às exigéncias, biologicamenle impostas, do
si mesmo, o hòmein pode ligar-se sexualmente a apro- organismo. Esta resístência ë progressivamente quebrada
ximadamente qualquer objeto e é perfeitamente capaz de no curso da socialização, mas se perpetua como frustra-
comer coisas que o matarao. A sexualidade e a nutriçä o ção em todas as ocasiôes nas quais a sociedade prolbe
estã o cànallzadas em direç8es especificas mais social- o indivlduo esfomeado de comer e a indivlduo sono-
mente do que biologicamente, caoalizaçfio que não so- łento de ir para a cama. A socializaçâo inevitavelmente
mente impoe limites a estas atividades nias afeta dire- implica este tipo de frustraçãg biológica. A existència
tamente as funções orgânicas, Assim, o indivlduo socia- sociaî depends da subjugação contínua da resîstčncia,
lizado com pleno sucesśo é incapăz de funcionar socíal- biologicamente fundada, do indiv(duo, que acarreta 1egiti-
mente corn o obieto sexual <impró prio> e vomita quando
time dliclpllnn di "sócło-zomdllc•", cJ.
se depara com o alimento •impró prio». Como vimos, a ÆBZ#, t 0 tnssl o sobre a "zoclologlz for
canalizaçã o social da atividade G a eàsêncla da insti-
tuciona1ização, que é o fundamento da construção social "””=› ‘aáiźá’ï. ïźä"rśê'‹źiéj!’î.’°
Syxuafldaéa
"Dou-
da realidade. Pode dlzer-se entdo que a realldade so- a rate II
cial determina n8o somente a ativldade e a conscíencia
dz ßlollnpwskl cm altøtø.
mrs, em grau consićterável, o funcionamcnto orgânico.
d•rÉ¥), Ataurî¢e ńteflcau•Penty, Mtrcd Schutx e jean Piaget,

238
maçâo bem como institucionalização. Assim, a socieda- se para ele a realidad e dominante e definitiva. Seus li-
de oferece ao individuo várias explicações da causa ter
de comer tr4s vezes por dia, . e não todas as vezes que mites são estabelecidos pela natureza, mas, uma vez
tem fome, e explicaçõ es ainda mais tortes da razão pela construído, este mundo atua de retorno sobre a nature-
za. Na díalética entre a natureza e o mundo socialmente
qual não deveria dormir corri a irmã. Na socialização construído, O organismo humano se transforma. Nesta
secundá ria existem problemas semelhantes de acomoda- mesma dialética o homem produz a realidade e com isso
çã o do organismo no mundo socialmente construído, em- se produz a si
bora naturalmente o grau de frustração biol6gica prova-
velmente seja menos agudo.
! No individuo completamente socializado há uma dia-
lética interna continua entre a identidade e seu substrato
biológico. “ O indivíduo continua a sentir-se como um
organismo, à parte das objetivações de si mesmo de
origem social, e às vezes t0ntra elas. Esta dialética ê
freqüentes ente apreendida como luta entre um eu «su-
perior» e um eu «inferior», equiparados respectivamente
It identidade social e à artimalidade pré-social, possivel-
mente anti-social. O eu «superior» tem de afirmar-se re-
petidamente sobre o «inferior», âs vezes em provas crí-
ticas de força. Por exemplo, um homem tem de vencer
o instintivo medo da morte pela coragem na batalha. O
eu «inferior» xeste caso t chicoteado até a submissão
yeIo «superiora, afirmação de dominação sobre a subs-
trato biológico que é necessária para manter a idenli-
dade social do guerreiro, objetiva e subjetivamente. De
modo semelhante, um homem pode exceder-se na execu-
çao do ato sexual, contra a resistência inerte da sacie-
dade fisiológica, a fim de manter sua identidade como
modelo de vlrilidade, Ainda urna vez, o eu «interior» é
compelido a servir ao «superiora. A vit6ria sobre o medo
e a vitória sobre o cansaço sexual ilusirani a maneira
em que o substrato biológico resiste e t derrotado pelo
tu social dentro do homem. Não é preciso dizer que ftá
muitas vitó rias menores, realizadas rotinelramente no
curso da vida cotidiana, assim como também há derrotas
menores e maiores.
O homem é biologicamente predestinado a construir
e habitam um mund-o com os outros. Este mundo torna-
“ Cofitpare-se aqul com Durkhelm e P!essnct, e tambfim eoni Preud.

280
perdido, por uma série de razóes teoricamente sem im-
poriãncia. Esperamos ter tornado claro que a sociologia
do conhecimento pressupõe uma sociologia da lingua-
gem, e que uma sociologia do conhecimento sem uma
sociologia da religião é impossíyel (e vice-versa). Além
disso, acreditamos ter mostrado como é possível combi-
nar as posições teóricas de Weber e Durkheim em uma
•- teoria geral da ação social, que não perde a lógica in-
terior de nenhuma das duas. Finalmente, afirmamos que
A Sociologia do Conhecimento a ligaçã o, por nó s estabelecida aqui, entre a sociologia
e a Teoria Sociológioa do conhecimento e o nú cleo teó rico do pensamento de
Mead e sua escola sugere uma interessante possibilidade
para o que poderia ser chamado psicologia sociológica,
PROCURAR.tOS APRESENTAR NAS PÁ€IINAS PRECBDEXTES isto é, urna psicologia que deriva suas perspectivas fun-
uma exposiçã o geral e sistemática do papel do conhcci- damentais da compreensão sociológlca da condição hu-
men fo na sociedade. Evidexteznente, nossas análises não rnznz. As observaçõ es aqui feitas indicartl um programa
são exaustivas. Mas esperamos que n0ssa tentativa de que parece teoricamente promissor.
desenvolver uma leoria sistemática da soctologia do co-
nhecimento estímulará a discussão crítica e as pesquisas
Dito de maneira maii geral, afirmamos que a análise
do papel do conhecimento na dialética do indivíduo e da
sociedade, da identidade pessoal e da estrutura social,
-
empiricas. De uma coisa estamos seguros. A redeflrii-
Ção dos problemas e tarefas da sociologia do conheci- fornece uma perspectiva complementar essencial para to-
mento já está atrasada. Esperamos que nossas análises
indiquem o caminho ao longo do qual novos trabalhos das as áreas da sociologia. isto não significa certamente
negzr que as análises puramente estruturais dos fenô-
possam ‘ser realizados com proveito. menos sociais sejam inteiramente adequadas para grata-
No entanto, nossa concepçã o da sociologia do, conhe- des áreas da pesquisa sociológtca, indo” do estudo dos
cimento também contém algumas implicaçõ es para pequenos grupos até o dos vastos complexos institucio-
a teoria soclo1bgica e os empreendimentos ' nais, tais como a economià ou a pollticá . Nada está
sociológicos,
fornecendo uma difarente perspectiva sobre diversas áreas mais longe de nossas intenções do que sugerir que o
específicas de interesse sociolbgico. «lngulo> da sociologia do conhecimento deve de algum
As análises da objetivaçã , institucionalizaçã o e legiti- modo ser introduzido em todas estas análises. Em mui-
maçã o aplicam-se diretamente a problemas da sociolo- tos casos isto seria desnecessário para a finalidade cog-
gia da linguagem, da teoria da ação e instituições sociais, noscitiva vísada por estes estudos. Estamos porém suge-
e da sociologia da religiã o. Nossa compreensao da so- rindo que a integração dos resultados dessas análises no
ciologia do conhecimento leva à conclusão de que as so- corpo da teoria social requer mais do que a obediência
ciologias da linguagem e da religião não devem ser con- ocasional que dcve ser prestada ao •fator humanos, si-
sideradas especialidades periiéricas, de pequeno interesse tuado atrás dos dados estruturais patentes. Esta inÍegra-
para a teoria sociológica enquanto tal, mas podem lazer çâo exige a sistemática consideraçao da relação dialé-
contribuições essenciais para- ela. Esle modo de ver não tica entre as realidades estruturais e o empreendiiztento
ü novo. Durklieim c sua escola jfi o possuíam, mas tor humano de c0nstruir a realidade na histó ria,

242 2#3
Ao escrever*este livro não tivemos intuito polèmico.
Seria absurdo porém negar que nosso entusiasmo pelo caçã o dos processos dialéticos nuin quadro conceiłual
estudo atual da teotia socioló gica é acenluadamente res- congruente com as grandes tradições do pensamento
łriło. Em primeiro lugar, procuramos mostrar, mediante sociológico, A simpler rełórica a respeito da diałétíca,
nossa anå lise das relaçõ es entre os processor instiłucio- tal como aquela em que comumente se empenham os
nais e os universos sinibó licos legitimadores, a razä o marxistas doutrinários, deve parecer ao soció logo apenas
pela qual devemos considerar as versões padronizadas como uma outra forma de obscurantismo. E conłudo es-
das explicaçõ es íunçionalistas rias ciëncias sociais uma tamos convencidos de que somente a compreenslo da-
presłidigitação teòrica. Aléei disso, esperamos ter mos- quilo que Marcel Mauss chamou «tato social total» pro-
trado os motives de nossa convicção de que urna socio- tegerfi o soci0logo contra as reificaçõ es distdrcivas do
logia puramente estrutural corre endernicamente o pe- SOCİo1OgİSnt0 e ü0 pSİCOlOgisTflo. E’ p0r op0SiçãO à Si-
ilgo de reificar os łenö menos sociais. Mesmo se começa tuação intelectual na qual este duplo perigo se torna
modestamexte por atribuir às suas construçaes uma con- muito real, que desejamos ver compreendido nosso
diçäo meramente heiirística, corn grande freqü ència aeaba tratado.
coxfundiitdo suas próprias conceitualizações com as leis Nosso empreendimento íoi teó rico. Contudo, a teoria,
do universo. em qualquer disciplina ernplrica, deve relacionar-se de
Contrastarido com alguns modos dominantes de teori- dupla maneira corn os «dados+ dełinidos como periinen-
zaçäo nà sociologia contemporãnea, as idéias que nos es- tes para essa disciplina. Deve ser congruente com eles
forçamos por desenvolver não postulam nem um “siste- e deve esłar aparelhada para promover a pesquisa ein-
ma social» a-histórico nem uma cnatureza humana» a- “ plrica. Há uma vasta área de problemas emplricos aber-
hlstórica. 0 enJoque por nós aqui uttlizado è ao nieirno ta para a sociologia do conhecimento. Nao ć aqui o lu-
tempo não-śociologista e nlo-psîcologista. Náo podemos gar para fornecer urn catálogo do que consideramos
concordar com a noçao de que a sociologia tenha por ob- serem os inais inleressantes desses problemas, e menos
jeto a suposta «dinâmíca» dos «sistemas> sociaís psico- ainda para propor hipôteses especlłicas. Demos algumas
lógicos, colocados post hoc numa dúbia relação (diga-se indicaçôes do que temos em mente nos exemplos de
nossa argumentaçăo teórica. Somente acrescentarlamos
de passages que o itin.erário inłelectual desses dois ter- aqui que, em nossa opiniã o, a pesquisa emplrica da re-
mos ć digno de um estudo especial a ser 4eito pela so- lação das instituições com os universes simbòlicos le-
ciologia empirica do conhecimento). . gitimad0res intensificará grandemente a compreensáo so-
A concepçáo da díaléłica entre a realidade s0¢ial e a ciPlógica da sociedade contemporânea. 0s problemas a
existència individual na hist6ria não é de modo alguM este respeito são numerosos. Sáo mais obscurecidos do
nova. Fol serti dúvlda inłroduzida de mamma niais po- que esclarecidos falando-se da sociedade contemporànea
derosa no moderxo pensamerito social por Marx. 0 que em termos de «secularizaçăo», de •idade cientlflca», «so-
é necessãrio, portm, é aplicfr uma perspettiva dialética ciedade de massa>, on inversamente, do «łndivlduo au-
å orlentaçå o teó riea das cièncias serials, Nã o fi preciso tônomos, da «descoberta do iriconsciente», e asslm por
dizer que nä o temos em niente nana introduçã o doutri- diante. Estes termos indicam sornente a ímensldade dos
ná ria das idéias de Marx na teoria socloló gica. Nem há problemas que exigern esclarecimento cientffico. Pode
qualquer linalidade na mera asserçã o de que a dialética admltir-se faciîrnente que o homem ocidental contempo-
anteriormente mencionada, de fato e em geral, existe. râneo, de modo geral, vive em um mundo extexśamente
0 que se precisa è passar dessa aftrinaiiva ä especiłi- diferente de qua1quer outro precedente. No entanto, estź
244
lunge .de scr .claro o que isto sigitifica, no que se refere
com surpresa, herdeiro de QtlBStÕ £S ÍÍlOSÓ fÍC S £{tl8 0S
-à realidadei.-objetiva e subjetiva, em que esses homens filósofos profissionais já não estâo mals interessados em
levarei a vida cotidiana e ’na- qual suas cfises ocorrem. examinar. Em várias secções deste traiado, especialmente
A pesquisa empírica destes problemas, por oposição à na análise dos fundamentos do conhecimento na vida
, especulação mais ou mentos inteligente, mal começou. cotidiana e no debate da objetivação e inslitucionaliza-
"” Desejarfamos que o esclarecimento da perspectiva ted- ção com referência aos pressupostos biológicos da exis-
. rica da sociologia do conhecimento por rtós aqui inten- tênCia humana, demos alguma indicação das contribui-
!.t tada aponte problema's para essa pesquisa, que são fa- ç6es que o pensamento sociologicaniente orientado pode
, cilmente ignorados em outras perspectivas teóricas. Da- trazef para a antropologia filosófica.
mos apenas um único exemplo. O atual interesse por Efn subia, nossa concepção da sociologia do conheci-
parte dos cientistas sociais em teorias derivadas, da psi- mento irriplica uma particular concepção da sociologia
can4lise tomaria uma coloração muito difer“ente se essas em geral. Nõa implica que a sociologia nzo seja uma
tcorias não tossen\ consideradas, positiva ou negativa- Ci8ncla, que seus métodos náo devam ser emplricos ou
mente, como' proposições da úciência», mas analisadas que não pode ser «livre de valores>. /mpffr‹i que a so-
como legitimações ¢lü uma construção da realidade, niui- Biologia toma seu lugar na companhia dos ciênslas que
to particular e provaveliiiente muità significativa na so- tratam do homem enquanto homem. Neste particular sen-
ciedade moderna. Esta análise, sem dú vida, colocaria tido, é uma disciplina íikmanista. Uma conseqlléncia
:: entre parênteses a questão da cvalidade científicas des- importante desta concepção é que a iociologia deve s•r
! sas teorias, e siriiylesmente as consideraria corno dados - realizada em um contínuo diálogo com a histó ria e a
para  cOn1|3rcensãO da realidade subjetiva e objetiva filosofia, ou perder seu objeto ptóçtio de pesquisa. Este
de que surgem, e que,‘ por sua vez, influenciam. objeto f ,a sociedade como parte de um mundo humano,
Abstivenio-nos v*xpressamente de seguir as implicações. feito fpelos homens, fiabitados por homens e, por sua
metodolójicas de nossa concepção da sociologia do cà- vez, azendo os homens, em um contínuo processo his-
nhécimertto. Deveria ficar claro, entretanto, que nosso tórico. Nao t o menor dos frutos de uma sociologia hu-
enfoque nao é positivista, sc o positivismo for entendido manista voltar a desperfar nosso znaraviJhamento diante
,: como uma posição filosófica que defí*e o 0bjet0 das ci- desle espantoso fenômeno.
ências soclais de modo a evitar legislar sobre seus mais
importantes problemas. Apesar disso, não subestimamos
: os méritos do •positivismo», entendido em sentido am-
plo, na redefinição dos cânones da pesquisa empírica
para as ciências soclais.
A sociologia do conhecimento compreende a realldade
humana como uma realidade socialmente construída.
Como a constituiçã o da realidade tem sido tradicional-
mente um problema central da filosofia, esta compreen-
sã o tem certas implicaçõ es filosó ficas. Na medida em
que tem havido uma forte tendência a tornar trivia! este
problema na filosofia contemporânea, com todas as ques-
tõ es que suscita, o soció logo pode encontrar-se, talvez

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