Como A Vida Me Fez Professora

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Como a vida me fez Professor a Ree : Regina Leite Garcia Ao falar de minha historia de professora, mai srofessora, seria Mais verdadei: SsOra, mais do ie nate Pe ee Fee a” WUE afirmar que ge moe eu quem me navega, quem me oa Be ajudou a compreender post revelar 0 que foi acontecendo na minha vid: mar. Talvez o meu texto foram © abrindo, as portas que eu fui abrindo ‘4, as Oportunidades que gigumas que fi deixando entreabertas. Talvez a fechando, ou mesmo age me navesst, na vida mais fui sendo levada pi See nade ee deixando levar, outras vezes Iutando contra a z lo mar, algumas vezes mergulhando na onda e descobrindo as ar ine Cini outras ainda prazer de abrir os olhos a0 subir do mergulho e vero sole undo do mar € 0 participava comigo das brincadeiras com o mar. O ange azule quem quando adolescente, que eu me arriscava a chegar em casa, ig aout go mar e d@s amig@s, além do meio-dia, hora limite que im a considerava decente para se estar na praia. q — Enfim, mais uma vez abro o meu batt de memérias e vou revivendo momentos de minha vida que me parecam importantes, e, a0 puxar 0s fios, you tecendo um bordado tipo patchwork, de minha relagao com a escola, seja como aluna, seja como professora. Talvez, para come¢ar, eu deva dizer que entre as minhas mais remotas reminiscéncias nado aparece a cena da Regina-crianga a brincar de ser professora. Talvez por ainda nao ter estado na escola. Talvez por nao haver, naquele tempo, professoras em minha familia, embora meu avo materno italiano, tenha vindo para 0 Brasil como professor, pois assim faziam os outro pais: levavam um professor a fim de garantir a preservagao da cultura italiana. Tenho inclusive uma fotografia do professore Michele Grassani sentado, muito pomposo, a frente da Scuola ltaliana Dante Alighieri, cercado de alun@s e duas professors. me ti? em italianos quando migravam para 83 de brincadeiras infantis sAo brincar de comadre de comidinha, de boneca, portanto de ser mae, ae sa baba, q ao crescer um tico, fui brincando de roda, de amarelinha, de pegar, e logo, logo comecei a andar de bicicleta e de patins, a ir a praia, Catar tatui na beira do mar e, na volta, comé-los fritos com arroz. E a que de repente, nado mais que de repente, vou aos albuns de fotografia que minha mae sempre organizou e me deparo com talvez um momento de ensinagem e aprendizagem vivido por mim, momento que ha de ser um dos primeirose mais prazerosos de minha vida. LA estamos eu e meu pai, ele acocorado, como adorava ficar, e eu, com os meus 3 anos, em pé ao seu lado, ambos pegando as conchas na pedra lambida pelas aguas do mar, abrindo as ostras, pingando limao e as comendo. Hao de me perguntar— mas tudo isto aparecia numa fotografia? E eu respondo que aquela fotografia me fez mergulhar numa das cenas familiares mais felizes de minha vida, em que eu aprendia com meu pai, que me ensinava fazendo comigo. Learning by doing? Pois é, eu aprendia fazendo com quem me ensinava com muito amor. E agora posso compreender que eu vivia, antes da Madalena Freire ter me ensinado muito mais tarde, “O prazer de aprender”. E isto aconteceu em Floriandpolis, onde vivemos por um tempo e onde minha irma Gilka nasceu. Minhas lembran¢as 84 sche?! deixar 0 coragiio falar em memérias a que o mais importante seria que eu i sa colecdo que ela esté organizand esse muito prazer E o tive, Ooo Hines dea Se refere a memérias de a c escola ou de ser professora. ae de infancia, eu sell pas memortas de tempos mais remotos de escola. pit NOS entao ja moravamos em Copacabana, mi ps 2 amas velha, Gilka, a do meio, Fi eae ae ty ints pee ra experiencia de cola Coleg Nani 1 fn COPEC ana, na Rua Xavier da Silveira, Sempre ee mbro-me que ali comecou a minha vida escola; nae! nos, pois, por ter pulado a quinta série, ou a ana pro BOM como era denominado cada ano de vida oo eee no segundo ano do gindsio, conforme fotografia ae aon ado a quinta série, perdi a minha turma que vinha an - i fui para uma turma de colegas na sua maioria mais ie aca Pao o colegio era pequeno ¢ tod@s morévamos na es ™ ae auais exam oni novas amizades. A ; professora da turma além a de musica e a de francés, enquanto que no de ginastica, um professor ou professora para cada disciplina. bem préximo do colégio, até os meus 8 anos, nossa “Aos meus 9 anos, ja nos foi mendaces de nossa mae. Isto ha, que tinha “cabelinhos nas eguinha, como se fossem ser chamada por dona sinha ganhar um castigo. Rosinha ficou um esquecido, te is pos mais remotos. E ci per fati20 a, Ma to. gO ais rer 05 ot seincava 4 10s entao a algumas das a, le estava rer pul seriee ev. Mas ©} gmizades 78 povidade era da professora io tinhamos Como viviamos mae nos levava € nos buscava diariamente. permitido irmos as trés juntas, cheias de reco! nao impediu que um dia a minha irma Rosin ventas”, se atracasse em plena rua com um col dois meninos brigando, © que fez minha mae Estefania, a proprietria € diretora do colégio, € Ro: Como o pior castigo para nés era nao poder ir a praia, tempo impedida de ir a praia, ‘ossa mae fingisse ter até que ni! como sempre fazia quando uma de nds era posta em castigo. ‘Anexo a meu texto uma foto. ma de segundo ano ygrafia de minha tur giasial onde ha de ficar claro ser eu a mais joven da turma de adolescents quase adultos. Mais a frente me t¢PO! rtarei a0 momento em que meu pai, ;omunicou-n gindsi ‘os as trés filhas algo que mudaria ae um ar muito sério, ¢ icalmente pelo menos a minha vida. 85 Mas retornemos as lembrancas que guardo do jardim de infancja _ tecelagem, desenho, pintura, modelagem, hist6rias contadas, cantadas ¢ dramatizadas, brincadeiras, grupinhos de meninas e, se mais néo me lemibry ha de ser porque no foi importante para mim. Afinal, trata-se de memoria, afetivas dos primeiros anos de vida de quem ja esta hoje nos 80. Muitas vezes tenho me perguntado como fui alfabetizada, Pois alfabetizacdo € a questao que eu € meu grupo, o Grupalfa, estudamos, pesquisamos, escrevemos € publicamos, desde os anos oitenta. Talvez por isso seja cuidadosa nas minhas criticas aos diferentes “métodos” que fui conhecendo e criticando, como se as consequéncias de tal ou qual método fossem definitivas na vida de qualquer aprendente. Quero crer nao ter tido qualquer problema na primeira série, definido pelo sistema educacional, momento em que a crianga, até ent&o analfabeta, deve ser alfabetizada na escola. Na minha infancia, como ainda nao se conhecia Paulo Freire, pelo que estudei, na primeira série era esperado que a crianga fosse alfabetizada para que, dai em diante, fosse aprendendo tudo 0 que caberia a escola ensinar, aprofundando e ampliando a cada dia aquilo que ja trazia sabido paraa escola. Assim, sem problemas, j4 considerada alfabetizada, fui passando pelo primeiro, segundo, terceiro e quarto ano do primario. Pela minha tecorda¢ao de dona Estefania, a diretora da escola, levando-me de salae™ 86 ee ad Tem POs de escola - Memérias ~ Volume I! do como “aluna modelo”, devo t i i¢ na escola, em geral, quer dizer eee one il pmportadas embora nao me lembre de estud bat a a vem ni ne foi dito que cu poderia fazer 0 Saal sui ae ost semn cursat a quinta série. E, a cada tarde, fa Siiertl ee 80 rofessore da quarta série para me prepara canes et v1 2 Page Se dificuldade. para o exame de ann) ela altura, duas coisas aconteciam em minha vida fe nora aprendizagens € consequéncias em minha ae ae orc olesi© Mallet Soares se estudava francés desde o primat Ba ne 0 weit 1 inasio, 20S 8 anos foi resolvido por meus pais me See es com una professora inglesa que vinha 4 nossa casa ina vere a quecivel a Jembranga que dela guardo — uma senhora, sempre de - me parecia toda beige, com scus indefectiveis chapéu ic = ae yas aulas, desde sempre fui fluente em inglés. Oe solvido por meus pais que cu deveria estudar piano, portante de uma boa educacao. Uma vez professora, conceituada concertista, bela de me dar aulas, levava-me aos concertos aiores pianistas de minha mimo gosto pela musica, o que mais gostava ma vez por 400; tagdes nas provocava apresentan luna, 0d" nesaer ge, aids: C14 ° wei8es i _Gragas 4s 5 Foi tambem re: parecia componente 1m| a eu ia Acasa de minha amavel joven muther que, além 10 Municipal, tendo eu assistido aos mi dolescente, 0 que despertou em prazer que St or toda a minha vida. Naquela época, de minha aprendizagem de piano eram as audicoes que, U minha professora organizava com tod@s @s alun@s, apresen' quais o que me cabia tocar eram sempre misicas de efcito, 0 que comentarios em relagdo a0 meu “talento musical”. Mirinha, assim chamavamos carinhosamente Belmira Frazao Ferreira Pinto, apostava 2 possibilidade de me tornar uma pianista. No entanto, havia um problema — eu adorava jogar yolei na praia, © jogar volei, segundo Mirinha, estragava os dedos de uma pianista. Durante anos tentei conciliar 0 inconciliavel. AO mesmo tempo em que, além de continuar estudando piano eme apresentando nas audigdes anuais, Mme formeiem teoriae solfejoe, em seguida, o que indicaria uma OP’ v6lei na praia. Mantinha-se em m que insistia em me navegar. Oestudo do piano foi para mim, na qual eu hesitava 87 ue se escancaravar ameras portas @ e alma e somente ne 1e Garcia + Como a vida ma foz profossore Rogina Let ar a possibilidade, tendo persistido apenas 0 amor € o prazey 4. namorar a Pi das do mar, vez por outra, me levassem pa,, mlsical PO, Ce a witisicn era forte e sobreviveu através dos anos OOS aes oe importante de minha vida, a ponto de até hoje estuday Romande) ae com misica, até dormir com musica, além de jr 4 ee Pa ys no Brasil e em minhas viagens ao exterior. caecares trazer nessc texto 0 tipo de educa¢ao que me foi imposta por meus pais, vem-me A memoria a cobranga de meu filho pelo a cs N40 ter tidg uma educacdo musical como a que cu tivera € oe tanta fal ta the fazia. A minha resposta de que cu tentara, embora neme le nem a irma tivessem se interessado, ele afirmou me desafiando: E vocé acha que uma crianga sabe ° que é melhor para si? E eu me lembrei do que certa vez uma amiga desabafara entre amigas: Mde erra sempre, erra se dé demais, erra se dé de menos, erra se cobra demais, erra se cobra de menos. E me lembrei do que certa vez meu amigo Hélio Pellegrino, conceituado psicanalista, afirmara: Superego ndo faz mal g ninguém, Deste mal seguramente cu nao morreria. Puxando outros fios de minha historia escolar, aparece a minha predilecao pelas aulas de desenho, em que se revelava 0 que passou a ser denominado “talento para o desenho e a pintura”. Talvez influenciada pelas minhas primas, filhas da irma mais velha de meu pai, que tinham tido uma educacao primorosa, fui levada a tomar aulas de pintura com Oswaldo Teixeira, apesar de seu maneirismo, e, apds aulas de historia da arte, tomei aulas com Zaluar e depois com Aluizio Zaluar. Desenhava... e pintava, embora néo tenha me dedicado unicamente 4 pintura, 4 gravura ou ao desenho. Mais uma vez, as ondas do mar me levavam pra ld € pra ca. Mais uma vez, um potencial nao se tornou a escolha da vida. Embora mais uma vez a arte me acompanhasse, tendo me levado, por exemplo, a Escolinha de Arte do Brasil, onde, ja professora, trabalhei com Augusto Rodrigues, Cecilia Conde, Illo Krugli Pedro, Klaus e Angel Viana e tantos outros artistas, fazendo eu a ponte entre a Secretaria de Educagdo e a Escolinha de Arte, ou seja, atuando no sentido de que as professoras que faziam o curso da Escolinha incorporassem a arte ao curriculo. Na Escolinha de Arte também fiz alguns cursos importantes, dadas as relagGes internacionais de Augusto pees eps tnaia importantes artistas europeus para dar cursos na ead eee periments dos cursos de Mike Mayne Arte, E, num dew aa ‘On, dois ingleses, grandes actistas Chore ‘Bressos Internacionais da SOBREARTE ¢ 88 a te Tempos de escola - Memérias - Volume Il Saas Board on Books for Young People, participei do planejamento, realisade rio’ Migceu ae Ait avaliasao do Primeito Domingo da Fantasia Serica ‘useu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, tendo em seguida jo. com minha amiga Regina Yolanda, em sé S trabalho realizado por nos. Mais tarde, j4 como orientaden nena trouxe a experiéncia com arte para a minha rites or eee um Nucleo de Arte na escola em que atuava como ori oe tendo convidado a participar comigo a orientadora ei ee eaterconen de arte da escola. Gragas a este trabalho deseioiia ne convidada a participar do grupo coordenador do cathe i escola, ona educacional desenvolvido nas escolas do Municipio do ide] DetelPor dez anos trabalhei na Secretaria de Educacao do Rio de Ji eae a Assessoria de Orientacao Educac ae ee i ‘ional, eleita que fora para atuar como chefe daquela assessoria, fato inédito na Secretaria de Educacao. O nosso grupo era o unico grupo que tinha o privilégio de escolher a sua chefe. Ao escrever este texto memorialista, sou levada a pensar que muitas idades, algumas vezes, como no meu caso, em vez de facilitar uma definitiva, podem, ao contrario, criar o que os franceses denominam Como escolher se as possibilidades eram tantas? Eu ainda scolhas definitivas, embora carregasse comigo entos em que o mar parecia me navegar € cU possibil escolha embarras de choix. nao me navegava, nao fazia e pela vida cada um dos mom surfava nas ondas que queriam me levar. Voltando atras no tempo, retornando aos meus tempos de Colégio Mallet Soares, puxo dacoes fortes daqueles anos. Uma os fios de duas recor delas é a lembran¢a de tod@s @s alun@s do colégio formad@s na hora da entrada e, de repente, mals uma vez a] parece a imagem de dona Estefania, temida por todos, tirando um menino da forma ¢ 0 expulsando do colégio. Por qué, nado sci. O que me vem a memoria ¢ 0 aperto no meu cora¢ao, tao forte que sO a recordagao me emociona com um sentimento de medo. oO que de tao grave um menino poderia ter feito que justificasse tal puni¢: 40? A escola as vezes sabe ser cruel, e uma punicao pode ser tao forte que atinge nado somente O “culpado”, mas todos os circt ‘unstantes. A outra lembran¢a, esta muito forte pela beleza e forca, éa i momento em que todas as escolas do Rio de Janeiro participarae ; en encontro num grande estadio, se 140 me engano no Campo do Gama, e, regidas por Heitor Villa-Lobos, cantamos, po! is eu estava entre OS ste tenha sido eee Te eriamgas e jovens, em coror Capela. Talver es 89 eee Regina Leite Garcia » Como a vida mo fez professora um momento em que, pela primeira vez, vivi ¢ compreendi a forca coletivo, o eu que se faz nds no coletivo. Foi tao forte a emosao vivida mim que posso me lembrar ¢ cantarolar algumas das misicas que canta, naquele dia. Esta foi a primeira situagao vivida por mim em que me sen pertencendo a um povo. Hoje posso comprcender criticamente a ya7s. tao forte ainda me comova. Esta ha de ge, a daquele encontro, embora de t emogao que sentem os componentes de uma orquestra. Dai a belezg do Ensaio de Orquestra, inesquecivel filme de Fellini. E como estou indo e vindo, puxando fios e dando nés nesse bricor, retorno ao dia em que meu pai me comunicou que cu iria para o Institury de Educagao, pois profissdo de mulher é ser professora e, segundo ele, o Tnstituty de Educa¢ao era 0 colégio que melhor formava professoras. Ao saber ue eu teria de andar para tras, pois j4 estava no segundo ano ginasial no Colégig Mallet Soares, onde conhecia tudo ¢ todos, € era comunicada que iria Para um colégio que sequer sabia onde ficava, onde ninguém eu conhecia oy me conhecia, e, além de tudo, teria de passar por um novo exame de aAdmissig dito ser dificilimo, chorei muito, disse que nao iria, que nao queria passar ne tal exame de admissdo. De nada adiantou minha rea¢do. Na semana Seguinte passei a ir 4 Tijuca, bairro que me parecia tao distante de Copacabana, onde moravamos, para tomar aulas com uma professora especialista em Preparar para o exame de admissao do Instituto de Educacao. Dava-se um corte radical em minha vida naquele momento. Poss me lembrar do dia do tal exame de admissao para o Instituto de Educagio do Rio de Janeiro. Era um saldo imenso, cada candidata, todas mulheres, sentada numa cadeira/mesa e, a frente de cada fila de cadeiras, uma mulher que nos vigiava, o que muito me assustou. Nao fui aprovada, o que muito desagradou a meus pais, tendo provocado em mim um terrivel sentimento ambivalente. Eu nao queria passar, pois nao queria mudar de colégio, mas fiquei apavorada com a possibilidade de perder o amor de meu pai, eu, a predileta do “rei”. Como pela primeira vez era aberta a possibilidade de uma segunda ¢poca (nao me recordo se assim foi denominada a segunda chance que nos era oferecida), é bvio que fui obrigada, por tudo, a me candidatar. E desta ver fui aprovada, para alegria mais de meus pais do que minha. Eis-me entre as minhas novas colegas, com um novo uniforme, iniciando uma nova fase de minha vida,no Instituto de Educasao, onde me formei professora primaria. 90 No Instituto de Educacao tive excelentes professores. Além de Biologia, Quimica, Fisica, Antropologia e Histéria, que me encantavam, tive uma disciplina, de que nao me recordo a denominagao, mas na qual aprendiamos a trabalhar com madeira, cobre e outros materiais, o que me encantava. Tinhamos também uma disciplina dada por umas senhoras que nos ensinaram a costurar, bordar, fazer croché e tricd, o que me parecia muito util. Ja as disciplinas ligadas propriamente ao futuro exercicio do magistério, as Didaticas, as Metodologias, nao me interessavam tanto, embora nunca tenha sido reprovada ou ficado em segunda época em qualquer disciplina. Ainda que nao gostasse das aulas, tive um imenso prazer em preparar e dar uma aula sobre masculino e feminino. Lembro-me de ter feito um belo cartaz muito colorido, onde desenhei um castelo com duas portas, por onde passavam os animais. Nada original... mas me deu prazer fazer o cartaz e dara aula. Ao final do curso, fomos classificadas e chamadas a escolher escola onde iniciariamos nossas carreiras de magistério. Combinamos escolher a mesma escola, eu e minhas trés melhores amigas. Assim fizemos, e fomos trabalhar no Mendanha, Campo Grande, aquele tempo considerado zona tural. Escola Capistrano de Abreu, uma escola com quatro salas de aula, e 91 Regina Leite Garcia + Como a vide me fez professore ada sabendo do mister de ser profe lembrar do meu sentimento assustado ao me deparar can quarta série em que alguns cram quas® da minha idade e que pense: un, o que é que cu fayo? Hoje, trabalhando com professoras, ougo frequenteme.”” ne disse naquele tempo; confirmando o que comigo aco, Ente nos formamos professoras. nt Para chewar & escola tomavamos o trem na Central do Brasil g Minha mae me levava até o ponto do dnibus, pois ainda era noite ale, bey saia de casa. Naquela época, 0 6nibus passava na hora certa, o trem do cy hora certa e, ao chegarmos a Campo Grande, uma caminhonete a" i esperava para nos levar, as novas professoras, pois todas éramog’s Nos professoras, a cada uma das escolas. A diretora da Escola Capistrano dean onde nds quatro trabalhavamos, pouco aparecia, pois j4 aguardava brew, aposentadoria. Na verdade, quem “cuidava” da escola era um Sele Sua José. Meus alunos eram filhos de pequenos granjeiros e, a cada dia, volt te, S) com sacolas cheias de legumes, verduras, frutas com que nos presenter Eeu, além de dar aula, na medida em que a pratica ia me ensinando weavay conversas no trem nos faziam aprender umas com as outras, a cada msi semana levava um dos alunos para passar 0 fim de semana em minha iM de que enchia meu pai e minha mae de orgulho. Lembro-me mais dos an ° eram todos meninos, e pouco do que lhes ensinava. Nesse tempo ja we noiva e nés dois os levavamos a passear, a conhecer o Rio de Janeiro, a stava o parque de diversées, os chamados pontos turisticos da cidade. 4 Praia, Guardo até hoje uma foto daquela primeira turma de minha vida de éramos quatro professorandas, n Posso me eee mesmo que cur de ser na pratica que professora. Sh Tempos de escola ~ Memorias - Volume Il Na verdade, quando de fato comecei a ‘aprender a ser professora, a sentir-me professora, a gostar de scr professora, a se anunciar para mim algo que daria um novo sentido a minha vida, foi na segunda escola em que trabalhei, agora na Penha Circular, subtrbio do Rio. Na Escola Desembargador Montenegro, encontrei um grupo de professoras experientes € gencrosas, capazes de compartilhar a sua longa ¢ rica experiéncia com uma Jovem pe eaentel como eu. A cada 15 dias havia uma reunido pedagogica, emi que sc. discutiam as nossas praticas docentes, acertos ¢ insucessos, consequéncias sociais de nossa pratica pedagdgica coletiva, o que me encorajava a criar alternativas pedagogicas a situacdes que me desafiavam. A diretora atenta e presente, de tal forma que sua presenga era sentida ainda quando, eventualmente, pudesse nao estar na escola. Naquela escola, aprendi qual o papel de uma boa diretora, aprendi a importancia de reunides pedagogicas, aprendi a importancia das reunides de pais e maes e a sua participacao num curriculo que atendesse ao nosso desejo coletivo de uma escola de qualidade para tod@s, aprendi a importancia de um trabalho de equipe, aprendi a importancia de ser professora, aprendizagens que foram definitivas em minha vida. Nascia em mim, naquela escola, um sentimento novo de responsabilidade social, de compromisso com algo até entao desconhecido por mim, de um sentido maior que uma vida pode adquirir. Eu ndo estudava mais para passar de ano ou porque me cobravam, eu passava a estudar para me tornar melhor professora. Eu me tornava professora, nao mais porque meu pai resolvera por mim que este seria meu futuro, mas porque a cada dia crescia em mim o desejo de sé-lo. Eu comecava a navegar a minha propria vida.

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