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REVISTA UNIFESO – CADERNO DE DIREITO

Artigo v. 3, n. 1, 2021, Teresópolis - ISSN 2526-8600

REPRODUÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA “POST


MORTEM” E OS SEUS REFLEXOS NO DIREITO
SUCESSÓRIO
Nathália Pinna do Amaral Rodrigues 9

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo analisar as diversas formas de reprodução artificial nas relações homólogas, que são
aquelas cujo material genético pertencem ao casal que almeja a concepção de um filho. No entanto, diz respeito especificamente
às fecundações ocorridas após a morte do cônjuge (Post Mortem). Os principais questionamentos que surgem quanto à
concepção após a morte do genitor, por meio da reprodução assistida, são as concernentes aos direitos sucessórios do concebido
e este estudo abrangerá seus efeitos na esfera jurídica das sucessões, tendo em vista a ausência de regulamentação do assunto.
Palavras-chave: Reprodução Assistida, Homóloga, Inseminação Artificial, Inseminação In Vitro, Gestação por Substituição, Direito
Sucessório, Post Mortem.

ABSTRACT
The present study aims to analyze the different forms of artificial reproduction in homologous relationships, which are those
whose genetic material belongs to the couple who want to conceive a child. This kind of relationship concerns specifically the
fertilization that occur after the death of the spouse (Post Mortem). The main questions that arise about this assisted
reproduction are those related to the succession rights of those conceived. This study addresses its effects in the legal sphere of
successions, in view of the lack of regulation on this subject.
Keywords: Assisted Reproduction, Homologous, Artificial Insemination, In Vitro Insemination, Pregnancy by Substitution, Right of
Succession, Post Mortem.

INTRODUÇÃO doador do sémen, e este é estudo deste


O presente artigo busca abordar a trabalho, a reprodução assistida após a
problemática que envolve a evolução morte do doador do material genético
humana através da técnica de reprodução especificamente nas relações homólogas e o
homóloga “post mortem” e suas direito sucessório do concebido em relação
implicações no âmbito jurídico para o ao genitor falecido.
nascido por esse meio. Atualmente esse procedimento só é
Com a possibilidade de conservação permitido sob a condição de autorização
dos materiais genéticos coletados, tornou-se prévia e específica, deixada pelo falecido
exequível a fecundação em momento a ser (RESOLUÇÃO DO CONSELHO
escolhido pelo casal que se submeterá à FEDERAL DE MEDICINA, 2017, nº
técnica. Diante disso é perfeitamente 2.168). Abordaremos o direito sucessório
possível a fecundação do material genético do concebido através desse método, as
e implantação do embrião após a morte do condições e consequências decorrentes

9Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Serra dos órgãos – UNIFESO. Advogada.
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dessa relação, uma vez que não há 1.CONSIDERAÇÕES SOBRE A


REPRODUÇÃO HUMANA
legislação que regule tal fato.
ASSISTIDA
A bioética trata do estudo
A reprodução humana assistida é o
pormenorizado do agir do homem frente aos
conjunto de formas denominadas
avanços no campo das ciências da vida,
“artificiais” de se conceber, ou seja, são
tecnologias e saúde, em ponderação com
intervenções médicas no processo
princípios morais e éticos (DINIZ, 2007.
reprodutivo. Atualmente a medicina conta
p.10). Enquanto que o biodireito surge para
com uma gama tecnológica para auxiliar os
frear os efeitos dos avanços médico-
procedimentos, que poderão ser feitos tanto
científicos, é a positivação jurídica do
dentro quanto fora do útero a ser implantado
conjunto de normas ético-morais voltada
o embrião.
para as ciências da vida, ou seja, positivação
Os métodos utilizados para
dos princípios fundamentais da Bioética.
concepção artificial são inseminação
Vale destacar, ainda, as legislações
artificial, fecundação “in vitro” e gestação
que tratam alguns pontos pertinentes ao
por substituição ou Cessão temporária de
tema do presente trabalho, como por
útero. Já as técnicas para realização dos
exemplo a Constituição Federal de 1988, o
procedimentos são denominadas:
Código Civil de 2002, a Lei de
reprodução assistida homóloga,
Biossegurança 11.105/2005 e a Resolução
reprodução assistida heteróloga e
do Conselho Federal de Medicina
reprodução assistida post mortem.
2.168/2017.
Para melhor entendimento,
A problemática gera discussão
basicamente o que diferencia a técnica
doutrinária e jurisprudencial, uma vez que
homóloga da heteróloga é que naquela o
não há legislação específica que sedimente
material genético masculino utilizado é
tais direitos. Parte da doutrina entende que
do marido/companheiro da mulher em
este nascituro, ao nascer com vida, é
que serão implantados os gametas,
detentor de todos os direitos inerentes à
enquanto que na técnica heteróloga o
filiação, enquanto que outros doutrinadores
material genético masculino provém de
entendem apenas que este terá o
terceiros, doadores anônimos.
reconhecimento do vínculo de paternidade,
posto que a concepção se deu por expressa 2. PRINCÍPIOS NORTEADORES-
BIOÉTICA E BIODIREITO.
autorização do falecido (COLOMBO, 2012.
p. 169).
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costumes, tradições de lugares específicos,


etc (GAMA, 2003, p. 1050).
A bioética e o biodireito andam Diante de todas as questões atuais, é
necessariamente juntos com os direitos a moral algo subjetivo para cada individuo
humanos. Surgiram da necessidade de e, na ausência de legislação pertinente, é
regular a vida social a partir das inovações que vem sendo publicadas algumas
científicas e objetivam romper a resoluções médicas, como por exemplo a
sobreposição do avanço científico Resolução nº 2.168/2017 do Conselho
modernista ao respeito da dignidade da Federal de Medicina, onde dispõe critérios
pessoa humana. éticos e funcionais para a realização da
A Bioética faz parte do ramo da Reprodução Assistida.
filosofia moral, e possui duas faces, são O Biodireito é definido como o
elas: o discurso e a prática. Por Bioética ramo do direito que trata da teoria e da
entende-se a aplicação da ética puramente legislação relativas às normas reguladoras
teórica, no campo das ciências da vida e da da conduta humana em face dos avanços da
saúde, a partir da reflexão de valores morais biologia, biotecnologia, biogenética,
de uma determinada sociedade, trás biomedicina e da medicina (ARNAUD,
reflexões acerca do bem e do mal, do certo 1999. p. 76).
e do errado, sempre com o condão de Esse princípio surge com o fito de
solucionar os conflitos éticos concretos. limitar, regular e ponderar o direito à
Uma espécie de balança onde se pesa o liberdade científica assegurada no Art. 5º,
conhecimento médico e o valor humano IX, CRFB/88 e os direitos fundamentais,
(GAMA, 2003. p. 104). dentre eles a vida, Art.5º, caput, CRFB/88,
No que se refere ao tema deste e a privacidade, Art.5º, X, CRFB/88, e
artigo, a bioética vem acrescentar no que havendo conflitos com a livre expressão da
tange aos limites éticos do profissional em atividade científica se sobreporá o
relação a reprodução medicamente fundamento constitucional da dignidade da
assistida. pessoa humana, contido no Art.1ª, III,
Além disso é importante traçar a CRFB/88.
diferença entre ética e moral. Enquanto a Segundo (AGUIAR, 2005, p. 6) o
ética é universal e abstrata, a moral se refere Biodireito é caracterizado pela sua
aos grupos determinados, muitas vezes por multidisciplinariedade, por ser formado por
estabelecer ligação com a cultura local, quatro esferas do conhecimento: direito,
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filosofia, medicina e tecnologia, mas, projeto de lei foi arquivado sem motivos
conforme prescreve (DINIZ, 2007, p. 11) plausíveis aparentes. (BRASIL, PL
possui como fontes imediatas a bioética e a SENADO nº 90, 1999,
biogenética. <http://www.senado.gov.br/atividade/m
Em geral as problemáticas que ateria/detalhes.asp?p_cod_mate=1304>)
envolvem o biodireito e a bioética tem
3.1 CÓDIGO CIVIL 2002
repercussões polêmicas por tratarem de
O código civil de 2002 reconhece a
questões afetas a moral e a modificação de
existência do instituto em análise, pois o
determinados costumes.
cita em alguns de seus dispositivos, como
É um complexo de normas capazes
por exemplo o Art.1.597, III disciplinando
de regular a atividade da biotecnologia de
algumas poucas situações acerca da
modo geral, e especialmente na Reprodução
reprodução assistida homóloga post
Assistida.
mortem.
3. ASPECTOS LEGISLATIVOS DA No que se refere à técnica realizada
REPRODUÇÃO ARTIFICIAL POST
MORTEM após a morte do pai, podemos observar o
artigo 1.597, III, CC, que inclui os nascidos
A respeito do direito sucessório do
por meio dessa técnica na presunção filial.
filho nascido post mortem, os direitos
Além de ratificar, juntamente com o
assegurados no ordenamento jurídico
art.1.596,CCB, a equiparação dos filhos
brasileiro, a jurisprudência, as normas e as
disposta no artigo 227, §6º, CRFB/88.
resoluções infra legais é que balizam as
(BRASIL, Código Civil, Lei 10.406 de 10
decisões do judiciário nos casos concretos
de Janeiro de 2002. Art. 1.596).
(REVISTA SÍNTESE DE DIREITO DE
O art.1.798 do código amplia o rol dos
FAMÍLIA, 2011, n. 65, p.7). Entretanto, a
herdeiros quando legitima os nascituros a
ausência de regulamentação específica
suceder, pois só considera capaz de herdar
desacompanha a realidade social. À
os nascidos ou concebidos à época da
propósito, em 09 de março de 1999 foi
abertura da sucessão. (BRASIL, Código
proposto pelo senador Lúcio Alcântara um
Civil, Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.
projeto de lei a fim de regulamentar e fixar
Art. 1.798)
normas para a realização da reprodução
Em compensação não atinge os
assistida, além de delimitar regras acerca de
concepturos, os filhos que por ventura
questões decorrentes desse instituto. Ocorre
poderão ser concebidos através da técnica
que em 28 de fevereiro de 2007 o referido
da reprodução assistida homóloga post
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mortem. É importante destacar que a prole 3.2 ENUNCIADOS 104, 106, 129 DA I
JORNADA DE DIREITO CIVIL DO
eventual, ou seja, os concepturos, estão
CJF E 267 DA III JORNADA DE
submetidos à regra do art.1.799, I, CC, que DIREITO CIVIL DO CJF
disciplina a sucessão testamentária, o que Corroborando a máxima latina:
quer dizer que legalmente é imprescindível “mater semper certa est et pater is est quem
que o testador indique e destine bens à nuptiae demonstrant” (a maternidade é
futura prole. Porém, o artigo condiciona sempre certa, a paternidade é presumida),
esse direito ao nascimento do filho no foi fixado o entendimento elaborado o
momento da abertura da sucessão. O §4º do enunciado nº 104 da I jornada de direito
art.1.800, CC, indica o prazo de dois anos civil, o qual determina que no emprego da
para que o futuro herdeiro seja concebido, técnica de inseminação artificial heteróloga,
sob pena de perder os bens reservados para a presunção é determinada pela
os herdeiros legítimos, ou seja, os filhos já manifestação expressa ou implícita do
nascidos na época da abertura da sucessão, marido ou companheiro. (BRASIL, Jornada
que diga-se de passagem são filhos de direito civil, 2007).
igualmente. Ora, o mesmo diploma que Outrossim, no que se refere ao
assegura a equiparação filial e a realização emprego da técnica homóloga, o Enunciado
da técnica de reprodução assistida 106 do CJF pode-se observar que a linha de
homóloga post mortem, diferencia a forma entendimento do CJF (BRASIL, Jornada de
de herdar e impõe prazo decadencial de uma direito civil, 2007) condiciona a existência
expectativa de direito. (BRASIL, Código de dois requisitos, são eles: a condição de
Civil, Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. viúva, ou seja, a necessidade dos cônjuges
Art. 1.799, I) terem formalizado a união, e a autorização
Devido a isso conclui-se que o código expressa deixada pelo marido. Vale
civil de 2002 não desautoriza nem destacar que o requisito que se refere à “a
regulamenta a reprodução assistida, mas condição de viúva”, deve ter seus efeitos
procura solucionar alguns problemas estendidos aos casos de união estável
decorrentes da realização da técnica. Desta formalizada, ou seja, a mesma regra valerá
forma, não soluciona integralmente, e no para a companheira sobrevivente,
intuito de resolver acaba por contradizer acompanhada do consentimento do
alguns pontos e omitir outros. companheiro (COLOMBO, 2012. p.163).
O enunciado nº 129, é uma proposta
legislativa que trata dos casos em que a
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gestante, ou seja, mãe substituta, cria Também dispôs regras relativas a


problemas em relação a entrega do produto quantidade de embriões a serem
da concepção à mãe de direito, que é a implantados de cada vez, a depender da
doadora do material genético ou que, idade da receptora, sendo portanto:
planejando a gestação, tenha se valido do mulheres até 35 anos: até 2 embriões;
uso de material de terceiros, na forma mulheres entre 36 e 39 anos: até 3 embriões;
heteróloga. mulheres com 40 anos ou mais: até 4
O enunciado nº 267, que também embriões; O número de embriões a serem
versa sobre questões relativas à reprodução transferidos não pode ser superior a quatro.
assistida, faz menção à questão sucessória (RESOLUÇÃO DO CONSELHO
dos embriões, determinando que sejam FEDERAL DE MEDICINA, 2017, nº
estendidos os efeitos da vocação 2.168)
hereditária. No entanto, frise-se que a Após a implantação e resultado
questão patrimonial deverá submeter-se às positivo de gravidez múltipla, fica
regras de petição de herança, arts. 1,824 a terminantemente proibida qualquer técnica
1.828, CC, não sendo, portanto, uma que vise reduzir os embriões implantados
transmissão automática, uma vez que o com sucesso.
concebido deverá pleiteá-la através deste No que diz respeito à técnica assistida
instituto (BRASIL, III JORNADA DE post mortem, a única consideração abordada
DIREITO CIVIL, 2005) foi no sentido de que a técnica somente será
realizada mediante autorização prévia
3.4 RESOLUÇÃO DO CONSELHO
FEDERAL DE MEDICINA Nº específica do falecido(a). A referida
2.168/2017 autorização diz respeito ao consentimento
A Resolução vigente vem deixado pelo de cujus, que será abordado no
sedimentando algumas questões, dentre as tópico 5.3.
quais destacamos as seguintes: A idade A referida resolução tenta preencher
limite para doação de gametas é de 35 anos uma lacuna existente na legislação
para as mulheres e 50 anos para os homens. brasileira, que não tem lei específica para a
A idade limite para que a mulher se submeta prática da reprodução assistida, entretanto,
à alguma técnica de reprodução assistida não possui força legal, apenas ético-
será de até 50 anos, e as regras se estendem disciplinar.
às mulheres que servirão como útero de
substituição.
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4- CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA “Aberta a sucessão, a herança transmite-


REPRODUÇÃO ASSISTIDA
se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
HOMÓLOGA POST MORTEM NO
DIREITO SUCESSÓRIO testamentários”.
A evolução genética no campo da
4.2 DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
medicina trouxe como consequência o
Podemos entender por vocação
desencadeamento de vários
hereditária a ordem sucessória adotada pelo
questionamentos jurídicos, e, sendo assim,
ordenamento jurídico, destinado a
coube a ciência do direito se adaptar a esses
estabelecer os herdeiros dos bens do de
novos fatos.
cujus. (COLOMBO, 2012, p. 206)
Nessa esteira, indaga-se por exemplo
A vocação hereditária divide-se em
qual direito sucessório será cabível ao
sucessão legítima e sucessão testamentária.
concebido postumamente? Ou então, será
A primeira envolve os herdeiros necessários
possível a diferenciação filial após a
e/ou os facultativos. Enquanto que a
igualdade estabelecida na Constituição de
testamentária depende da expressa
1988? E ainda se haverá a possibilidade de
declaração do falecido por meio do
um filho se ver na condição de não-
testamento. Logo, herdeiro legítimo é o
herdeiro? (COLOMBO, 2012, p. 169)
apontado pela lei, e, herdeiro testamentário
Todas essas perguntas espelham a
é o nomeado por testamento. (TARTUCE,
insegurança jurídica que pairou sobre os
2013, p. 23)
operadores do direito no que concerne a este
A maior problemática pertinente à
tema, e é o que vamos detalhar a seguir.
vocação hereditária e o tema do presente
4.1 DA ABERTURA DA SUCESSÃO trabalho diz respeito a não inclusão do
A sucessão é o instituto jurídico que concepturo no rol dos herdeiros necessários.
cuida da transferência da titularidade dos Parte da doutrina, legislação e
bens de uma pessoa após seu falecimento. A jurisprudência entendem que o concebido
sucessão inicia-se com a morte, isso é o que post mortem somente poderá integrar a
dispõe o princípio de saisine, sucessão se contemplado no testamento.
(GONÇALVES, 2012, p.65) segundo o Desta forma, em alguns casos o concepturo
qual o domínio e a posse da herança deixada só será considerado herdeiro se estiver
pelo de cujus é transferida de forma incluído na forma testamentária.
automática, conforme podemos observar no Ocorre que tal prática acaba por violar
texto legal contido no art. 1.784, CC: alguns princípios constitucionais, como a
igualdade entre os filhos e isonomia.
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4.2.1 Da sucessão legítima- análise dos 4.2.2 Da sucessão testamentária- análise


arts. 1.829 e 1.798 do código civil de dos arts. 1.799, I e 1.800 do código civil
2002 de 2002 e o instituto do Fideicomisso
A sucessão legítima é a determinada De acordo com (MENEZES, 2018),
legalmente, e trata dos herdeiros “a sucessão testamentária é conduzida pelo
denominados necessários e facultativos. testamento, sendo um principio de direito
Os necessários são os apontados nos sucessório o respeito à vontade do extinto.
incisos I, II, III e IV do art. 1.829 do código O testamento pode contemplar herdeiros,
civil. Como herdeiros facultativos podemos que sucedem a título universal, e legatários,
citar os colaterais até o 4º grau e, para parte que sucedem a título singular.”
da doutrina, o companheiro. (TARTUCE, E, ainda de acordo com o professor
2013. p.270) citado, “testamento é negócio jurídico
No inciso II do Art. 1.829, o solene pelo qual alguém, nos termos da lei,
legislador determinou que estarão aptos a dispõe de seus bens, no todo ou em parte,
suceder os descendentes. para depois de sua morte.”
No entanto, o Art. 1.798 excepciona No que se refere ao tema deste artigo,
que pessoas concebidas no momento da alguns doutrinadores indicam 2 institutos
abertura da sucessão também serão regulados pelo código civil, para
legítimas a suceder. contemplar o concepturo em testamento,
É importante destacarmos a diferença são eles: o instituto da disposição em favor
entre concepturo e nascituro. O concepturo de prole eventual, contido no art.1799, I
é o produto genético ainda não (BRASIL, Código Civil, Lei 10.406 de 10
implantado/fecundado, ou seja, é um de Janeiro de 2002. Art. 1.799, I) e o
potencial nascituro. Enquanto que o instituto do Fideicomisso, regulado nos arts.
nascituro é o produto da concepção já 1.951 ao 1.960 do Código civil.
implantado/fecundado e se encontra em (TARTUCE, 2013, p. 28)
formação dentro do útero. Na disposição em favor de prole
Muito embora, uma vez nascido o eventual, a disposição testamentária é feita
produto da concepção da reprodução diretamente e, de forma especificada, ao
assistida post mortem seja considerado concepturo, e após a partilha deverá o juiz
descendente, enquanto concepturo não está indicar curador ou administrador para o
incluído neste rol, o que afasta a segurança bem confiado, de acordo com o caput do
de seus direitos sucessórios pela vocação art.1.800, CC.
hereditária legítima.
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O Art.1799, I, CC nos remete a uma Já o instituto do fideicomisso se trata


corrente adotada por parte da doutrina que de uma transmissão sucessória
entende somente ser possível a sucessão do concomitante, plenamente cabível a
concebido post mortem pela via sucessão do concebido após a morte do
testamentária. Como adepta desta corrente testador, conforme podemos observar pela
podemos citar Maria Helena Diniz, quando leitura do Art. 1.952 do código civil.
afirma: No Fideicomisso temos a figura do
fideicomitente (testador), fiduciário
(beneficiário imediato) e o fideicomissário
Filho póstumo não possui (o beneficiário cuja sucessão se resolverá
legitimação pra suceder, visto
após o termo ou condição estabelecida pelo
que foi concebido após o óbito
testador).
de seu pai genético e por isso é
afastado da sucessão legítima O fiduciário difere do curador do
ou ab intestato. Poderia ser art. 1.800 do Código civil, que só
herdeiro por via testamentária, administra. Além disso, o fiduciário pode se
se inequívoca for a vontade do
tornar proprietário pleno se o
doador do sêmen de transmitir
fideicomissário não nascer, conforme Art.
a herança ao filho ainda não
concebido, manifestada em 1.958, CC.
testamento. (DINIZ, 2008,
4.3 DO CONSENTIMENTO DO
p.527)
DOADOR NA REPRODUÇÃO
No entanto, vale atentar-se ao fato de ASSISTIDA HOMÓLOGA

que o produto da concepção deverá ter O consentimento expresso do


nascido ou ao menos já estar concebido no cônjuge, para realização da técnica
ventre materno à época da abertura da reprodutiva, é questão intrigante entre os
sucessão, o que exclui a aplicação nos casos doutrinadores e as regras sedimentadas no
de Reprodução Assistida Post Mortem, uma ordenamento, vejamos:
vez que a abertura da sucessão opera-se no No artigo 1.597 do código civil, o
momento do evento morte e este será inciso III (BRASIL, Código Civil, Lei
concebido a posteriori. Desta forma 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Art. 1.593,
concluímos não ser aplicável o dispositivo III) dispõe sobre a presunção de filiação nos
1.799, I e 1.800, caput ao concebido post casos do emprego da técnica homóloga post
mortem. mortem, mas é omisso quanto ao
consentimento do doador do material
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genético para a realização da técnica. Deputados, projeto de lei que trata do tema
Enquanto que no inciso V do mesmo artigo do presente trabalho, e, inclusive, inclui a
(BRASIL, Código Civil, Lei 10.406 de 10 condição do consentimento informado pelo
de Janeiro de 2002. Art. 1.596, V), o falecido. No entanto, não exaure a questão,
legislador determinou expressamente a visto que não cuida de outras implicações
necessidade da autorização do marido na relativas ao instituto, como por exemplo,
técnica heteróloga, para que o concepturo eventuais direitos sucessórios.
seja presumido seu filho. (COLOMBO, Existe divergência doutrinária acerca
2012, p. 144) da exigibilidade da autorização prévia do
Ademais, é bom destacar que a Lei falecido, porém, majoritariamente os
de Biossegurança também não trata do juristas tomam por necessária a autorização
consentimento do cônjuge na reprodução prévia. De acordo com Rolf Madaleno é
assistida homóloga. necessário o consentimento expresso
Porém, atualmente é necessário que o daquele que depositou seu material genético
cônjuge homem exteriorize sua permissão junto à Clínica especializada, entretanto,
para que ocorra uma eventual fecundação também vale como prova de manifestação
póstuma em sua esposa/companheira, mas de vontade, alguma eventual disposição
isso é determinado pela Resolução do testamentária ou documento que exteriorize
conselho federal de medicina, que não nesse sentido. (MADALENO, 2011 apud
possui força legal. (RESOLUÇÃO DO COLOMBO, 2012, p. 147)
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, Ainda podemos apontar o
2017, nº 2.168) entendimento de Maria Helena Diniz que,
Além disso, como já vimos no em concordância com a legislação
tópico 4.2, há entendimento sedimentado espanhola, expõe sua opinião no sentindo
pelo Conselho da Justiça Federal, na I de exigir, por instrumento público ou
Jornada de direito civil, quando lavrou o testamento, a anuência do marido. (DINIZ,
enunciado nº 106 que determina a 2008, p. 527)
obrigatoriedade da condição de viúva e
4.3.1 Inseminação artificial homóloga
possua a autorização escrita deixada pelo post mortem com o consentimento
marido falecido. (COLOMBO, 2012, p. expresso deixado pelo marido

146) De acordo com Cristiano Colombo,


Acentua-se que, além dos diplomas podemos elencar 3 situações hipotéticas
mencionados, tramita junto à Câmara dos sobre o consentimento a ser deixado pelo
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falecido, a primeira delas diz respeito ao pessoa humana; Outro fundamento seria a
emprego da técnica da reprodução assistida ausência da exigência expressa pelo código
homóloga post mortem com o civil de 2002, do consentimento do falecido,
consentimento expresso deixado pelo diferente da norma estabelecida para a
falecido. inseminação artificial heteróloga, e como o
Quando a técnica da reprodução que não é proibido é permitido, segundo o
assistida post mortem tiver sido realizada princípio da legalidade, pode-se entender
com a anuência expressa do marido, não há que o que a lei não distingue, não pode o
maiores complicações, uma vez que estarão intérprete distinguir - "ubi lex non distingmt
cumpridos os requisitos indicados no nec nos distinguere debemus",(SÃO
enunciado do conselho da justiça federal, PAULO, CR 3577755300)- desta forma,
além de também estarem de acordo com as por não haver amparo legal que obrigue a
normas indicadas na resolução do conselho formalização do expresso consentimento,
federal de medicina. (COLOMBO, 2012, p. conclui-se pela realização da reprodução
161) assistida e pelo estabelecimento da
paternidade. (COLOMBO, 2012, p. 165)
4.3.2 Inseminação artificial homóloga
post mortem sem consentimento e sem Acrescenta-se também, a importância
oposição deixada pelo marido de viver em sociedade e pensar
Como já exposto acima, nos casos coletivamente, ressaltando a importância do
em que não há o consentimento expresso bom acolhimento ao concepturo a ser
deixado pelo marido ou companheiro, o gerado. Colombo destacou a relevância da
Conselho Federal de Medicina e o Conselho evolução tecnológica andar em compasso
da Justiça Federal posicionam-se com o avanço social, moral e jurídico, de
contrariamente à realização da técnica modo que a aceitação aos procedimentos
reprodutiva. disponibilizados atualmente conte com
Entretanto, Cristiano Colombo cita menos burocracia.
alguns fundamentos embasadores para que Além dos fundamentos citados,
a realização da técnica seja permitida e a devemos considerar a igualdade de filiação
paternidade seja estabelecida sem a assegurada constitucionalmente (BRASIL,
expressa autorização, (COLOMBO, 2012, Constituição Federal, 1988, Art.227); o
p. 164) são eles: A constitucionalização do princípio do melhor interesse do menor
direito privado, como forma de garantir a (BRASIL, Estatuto da Criança e do
aplicação do princípio da dignidade da Adolescente, Lei 8.069 de 13 de Julho de
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1990, Art.3º); o princípio da solidariedade, dignidade da pessoa humana, uma vez que
no sentido de reconhecer a condição de não estaria de acordo com a vontade do
vulnerável e cooperar para doador do material genético. Também
desenvolvimento da pessoa humana; E por ofenderia o princípio da eticidade, boa-fé,
fim, destaca o critério biológico decorrente socialidade, tendo em vista estimularia atos
dessa relação, que exprime o projeto do ilícitos, fraudulentos, e contrários à vontade
casal. do falecido. Outrossim, não estaria em
Pode-se presumir que, depositar seu consonância com o princípio da
material genético em uma clínica destinada operabilidade, que, por sua vez, preza o
a criopreservação espermática seja por si só avanço tecnológico de acordo com as
prova de que o falecido já tenha externado normas da bioética e do biodireito.
sua vontade de procriar através da técnica (COLOMBO, 2012, p. 167)
artificial, o que invoca, inclusive, o É importante salientar que, mesmo se
princípio “non venire contra factum tratando de fraude, tendo a técnica atingido
próprio” (JUSBRASIL, O que é venire seu fim com sucesso, e o concepturo
contra factum próprio?, 2008). Ademais, nascido com vida, parte da doutrina entende
enquanto casal, é assegurado pela estar assegurada a aplicação do princípio do
Constituição Federal o princípio do melhor interesse do menor, contida na
planejamento familiar no §7º do art.226, e Constituição Federal.
§2º do art.1.565 do código civil. Na opinião de Cristiano Colombo,
nessa hipótese não caberia o
4.3.3 Inseminação artificial homóloga
post mortem com manifestação expressa estabelecimento da filiação. (COLOMBO,
de oposição 2012, p. 168)
Nos casos de oposição expressa Já para Fábio Ulhoa Coelho, mesmo
deixada pelo de cujus, é consolidado nesses casos, deve ser admitido o
entendimento contrário à realização do reconhecimento da paternidade, aplicando-
procedimento de reprodução assistida, bem se a teoria do risco, pelo fato de que, uma
como o estabelecimento da filiação. vez submetido à técnica de fertilização
Há quem intitule a realização da assistida homóloga, o homem assume o
reprodução assistida nessas condições de risco de ter seu material genético utilizado e
“adultério casto”. ser pai. E além disso, na opinião do referido
A realização da reprodução assistida doutrinador, os filhos concebidos teriam
nessas condições feriria o princípio da direito ao reconhecimento da paternidade,
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uma vez que não poderiam ser atingidos da técnica homóloga, é filho biológico do
pela fraude cometida por terceiros. falecido e lhe é garantido o direito ao
(COELHO, 2011 apud COLOMBO, 2012. reconhecimento filial. Entretanto, não o é,
p. 148) visto que, ao tempo da abertura da sucessão,
ainda não adquiriu a personalidade civil, de
4.4 DO DIREITO SUCESSÓRIO DO
CONCEBIDO APÓS A MORTE NO acordo com artigo 2º do código civil/2002
CÓDIGO CIVIL 2002 ((BRASIL, Código Civil, Lei 10.406 de 10
A divergência doutrinária no que diz de Janeiro de 2002. Art. 2º). Sendo,
respeito ao direito sucessório do concebido somente, considerado herdeiro, ao tempo da
post mortem se dá em razão da ausência de abertura da sucessão, caso tenha sido
legislação específica para regular o assunto. incluído no testamento do falecido, ou seja,
Há quem entenda que o filho como herdeiro testamentário.
concebido pela reprodução assistida post Saliente-se que, o ordenamento
mortem não possui nenhum direito jurídico brasileiro, a doutrina e a
sucessório, em virtude do Art. 1.798 do jurisprudência brasileira posicionam-se de
código civil. forma majoritária pelo não acolhimento da
É importante frisar que, de acordo sucessão legítima do concebido post
com esses posicionamentos, um filho, mortem, ou seja, entendem que esse
nascido enquanto ambos os pais estão concepturo será considerado tão somente
vivos, é considerado herdeiro legítimo, herdeiro testamentário. Temos como
enquanto outro filho, nascido através de adeptos dessa teoria, por exemplo, Eduardo
inseminação artificial após a morte do pai, Oliveira Leite (LEITE, 2004 apud
seria, no máximo considerado herdeiro COLOMBO, 2012, p. 223) e Giselda Maria
testamentário (Revista Síntese Direito de Fernandes Novaes Hironaka.
Família n.65, Julho de 2011, p.7), uma vez (HIRONAKA, 2007, apud COLOMBO,
que deverá constar expressamente os bens 2012. p. 223)
que o serão destinados. Essa problemática Ademais, vale informar que o
viola a equiparação da filiação assegurada entendimento da impossibilidade jurídica
pela Constituição de 1988 e do Código Civil de sucessão legítima do concebido post
de 2002. mortem, também é o posicionamento da
O concepturo de que trata o tema do maior parte dos diplomas estrangeiros,
presente trabalho deveria ser considerado como o código civil argentino.
um herdeiro legítimo, uma vez que, através
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(ARGENTINA, CÓDIGO CIVIL, 2015, existir ou não quando da


abertura da sucessão. Ela
artículo 3.290)
refere-se a filhos concebidos
O código civil italiano possui
antes ou depois do testamento,
entendimento idêntico ao adotado no Brasil, antes ou depois da morte. Não
assim como na França e na Suíça. (ITÁLIA, existindo ainda essa prole, por
CODICE CIVILE, 1865, art. 462) um período mais ou menos
longo, os bens desse quinhão
Em Portugal é vedada a inseminação
deverão ficar sob guarda
artificial post mortem, contudo, caso ocorra,
provisória. Há ainda uma
à criança serão garantidos todos os direitos partilha provisória que depois
inerentes à filiação e à sucessão. poderá transformar-se em
Outro ponto relativo ao direito definitiva. Há ainda o
problema de saber de quantos
sucessório do concebido post mortem no
filhos se constituirá essa prole.
Brasil, é a aplicação do art. 1.952 do código
Essa provisoriedade poderá
civil através do instituto do Fideicomisso. perdurar por tempo
Pode-se entender por fideicomisso a indeterminado. Deve o
disposição testamentária do testador, patrimônio cabente à prole
eventual ficar sob o guarda
beneficiando pessoas não nascidas ao
provisória de um
tempo do testamento ou da abertura da
administrador, que o vigente
sucessão, por meio de substituição código denomina curador, que
sucessória. se nada o impedir, poderá ser o
Segundo Rafael de Menezes “é uma pai ou a mãe da futura prole,
uma vez que os pais
espécie de substituição onde o substituto
administram, por lei, os bens
não herda no lugar do substituído, mas após
dos filhos menores, tendo seu
o substituído, beneficiando pessoas não usufruto legal. (VENOSA,
concebidas ao tempo da morte do testador”. 2007, p.188)
(MENEZES, 2018)
Saliente-se que o §4º do art.1.800
Vale ressaltar que a regra da vocação
estabelece o prazo de dois anos para a
hereditária na sucessão testamentária para a
concepção do herdeiro esperado, não tendo
prole eventual, art.1799, I, não se confunde
o falecido disposto de forma diversa no
com o instituto do Fideicomisso, apesar de
testamento, sob pena dos bens reservados
muito parecidos.
serem redistribuídos aos demais herdeiros.
Essa prole eventual
mencionada pela lei pode já
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4.5 DA OPONIBILIDADE DOS entendimento de François Gorphe.


DIREITOS SUCESSÓRIOS DO
(COLOMBO, 2012, p. 238 e 239)
CONCEBIDO POST MORTEM EM
INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
HOMÓLOGA - Novo herdeiro, 4.6 A NECESSÁRIA
Herdeiro Aparente e Terceiro REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA E
SUAS CONSEQUÊNCIAS
O concebido post mortem é tido por
Atualmente não há, em nível de
alguns doutrinadores como “o novo
instrumento normativo, lei especial para dar
herdeiro”, e, conforme art.1.824 e 1.973 do
solução às questões que envolvem o tema
código civil, poderá requerer o rompimento
do presente estudo, sobretudo as
do testamento para garantir seu direito
implicações sucessórias do concebido post
sucessório, exceto nos casos em que o
mortem, limitando-se apenas as normas já
testador tenha disposto de sua metade
estabelecidas no código civil 2002, as
disponível.
disposições ético-disciplinares
Nessa esteira, a doutrina também
regulamentadas pelo Conselho Federal de
indica a figura do “herdeiro aparente”, que
Medicina, a Lei de Biossegurança nº
se trata daquele que em algum momento
11.105/2005 e os enunciados das jornadas
expectou herdar, contudo, ao tempo da
de direito civil do CJF.
abertura da sucessão não adquiriu tal
Há que se mencionar que tramita
direito. Ou ainda, pode-se entender como
junto ao Senado Federal o projeto de lei nº
herdeiro aparente, aquele que possui de
90/1999, que visa regulamentar as técnicas
boa-fé a posse de algum bem do falecido,
de reprodução assistida, mas não supre
entretanto, não deveria.
todos os detalhes da temática, além de,
Já o “terceiro”, que é aquele que
atualmente, encontrar-se arquivado.
celebrou negócio jurídico com o “herdeiro
(BRASIL, PL SENADO nº 90, 1999,
aparente”, e se subdivirá em: terceiro de
<http://www.senado.gov.br/atividade/mate
boa-fé e terceiro de má-fé. No que diz
ria/detalhes.asp?p_cod_mate=1304>)
respeito ao primeiro, o bem alienado pelo
A divergência doutrinária a respeito
herdeiro aparente, onerosamente, para o
desse tema gira em torno da aceitação e não
terceiro, configurará direito adquirido, não
aceitação da possibilidade de procriar após
devendo a restituição ao “novo herdeiro”.
a morte. E por essa razão, existem
Enquanto que, em se tratando do terceiro de
basicamente duas correntes. (AGUIAR,
má-fé, caberá a este a restituição dos bens
2005)
ao “novo herdeiro”, conforme
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Os contrários à realização de técnicas Entendo que, no que se refere ao


post mortem, baseiam suas ideias no direito sucessório, o herdeiro esperado
princípio da paternidade responsável e do deveria ser considerado herdeiro legítimo
melhor interesse da criança, uma vez que necessário, assim como são os filhos já
este concepturo já está fadado à nascer concebidos e nascidos. A diferenciação
órfão, e, isso não é, num primeiro momento, estabelecida entre os filhos viola
interessante para o desenvolvimento do diretamente o princípio constitucional da
menor. equiparação filial, o que já a torna
Além disso, alegam que por muitas inconstitucional.
vezes, a busca por procriar postumamente Ante o exposto, conclui-se que a
pode estar travestida de interesse omissão legislativa gera insegurança
emocional, no que diz respeito ao jurídica e desse modo, a sugestão
sentimento de perda abatido no cônjuge majoritária é pela promulgação de uma lei
sobrevivente, ou interesse patrimonial, especial que regulamente o tema, em todas
nesses casos o filho seria buscado como um as suas vertentes, e, inclusive, no que atenta
meio e não como um fim, o que fere o ao direito sucessório do concebido post
princípio da dignidade da pessoa humana. mortem, e que enfim o direito acompanhe
Para a outra parte da doutrina não há de forma digna a evolução da sociedade ou
empecilhos de natureza moral, mas tão proíba a prática da reprodução assistida
somente legal, visto que a ausência de homóloga post mortem.
norma regulamentadora atinge diretamente
5 CONCLUSÃO
o fruto da técnica reprodutiva, qual seja: o
O ordenamento jurídico pátrio
concepturo.
infelizmente não acompanhou a evolução
Tais doutrinadores afastam o
das técnicas médicas. Como pôde ser
fundamento de que o procedimento fere o
analisado este tema possui muitas vertentes
princípio da paternidade responsável, uma
e não se esgota apenas sob o enfoque
vez que atualmente não é incomum
forense. É bem verdade que leis não são
encontrarmos famílias monoparentais.
perfeitas, mas a ausência delas torna a
Além disso, muito se discute acerca do
resolução dos casos concretos mais
consentimento a ser deixado pelo finado, o
tormentosa e insegura do ponto de vista
que implica a realização ou não da referida
jurídico.
técnica e a contemplação ou não do
Não foram exauridas juridicamente
concepturo na sucessão patrimonial.
todas as nuances que envolvem a
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reprodução assistida post mortem, ao não ter sido gerado da maneira natural/
contrário, muitas dúvidas ainda pairam tradicional.
sobre o mundo forense no que se refere aos Importante destacar, todavia, a
efeitos após a morte de um doador de urgência na elaboração de uma legislação
material genético, como por exemplo: em em consonância com o estágio atual dos
qual momento se inicia a vida? Os embriões avanços médico-científicos e, levando em
criopreservados são considerados conta, ainda, os princípios da dignidade da
nascituros, são capazes de possuírem pessoa humana e da paternidade
direitos sucessórios como os demais responsável, adequando-se, desta forma, o
herdeiros? É possível um concebido após a ordenamento jurídico, para a solução deste
morte ter resguardados direitos como nome e outros conflitos desenvolvidos em face
e filiação, e, não possuir direitos das técnicas de reprodução assistida.
sucessórios? Concluímos que é extremamente
Diante dessa situação, até o momento necessária a formulação de diretrizes
podemos destacar que o estudo da Bioética legislativas para o deslinde de questões
e do Biodireito possuem enorme jurídicas sobre reprodução assistida e seus
importância no que diz respeito à efeitos. Portanto, entende-se que o caminho
reprodução humana assistida post mortem para a resolução da problemática não é a
pois se trata de assunto polêmico a depender simples negativa do direito sucessório ao
do ponto de vista ético, moral, cultural e etc. concebido post mortem, em razão da
Devemos refletir sobre a ausência de legislação.
vulnerabilidade que se encontram os Os interesses dos concepturos,
concebidos por esta técnica. O direito independentemente da forma como serão
brasileiro não pode admitir que haja gerados, devem ser garantidos. Enquanto o
tratamento desigual entre filhos, nem poder legislativo não elaborar lei que
tampouco minoração aos direitos garantidos discipline de forma adequada as técnicas de
pelo princípio constitucional da igualdade reprodução humana assistida, entendemos
entre os filhos, previsto no art. 227, § 6º, da que o direito sucessório dessas pessoas deva
Constituição Federal. ser protegido e interpretado à luz da
Enfim, à luz do principio da dignidade Constituição Federal de 1988. (JUS,
da pessoa humana, não há que se REFLEXOS DA INSEMINAÇÃO
discriminar um filho pelo simples fato dele ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST
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MORTEM NO ÂMBITO DO DIREITO GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das


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