Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SantanaCavalcante Artigoorbital
SantanaCavalcante Artigoorbital
net/publication/305787226
CITATIONS READS
18 287
2 authors:
Some of the authors of this publication are also working on these related projects:
Development of Site-specific sediment quality guidelines for the coast of São Paulo state: scientific basis for a national legislation. View project
All content following this page was uploaded by Lígia Maria Borges Marques Santana on 14 January 2019.
Article history: Received: 04 December 2015; revised: 15 March 2016; accepted: 19 July 2016. Available online: 31 July 2016.
DOI: http://dx.doi.org/10.17807/orbital.v8i4.856
Abstract: Fish are among the organisms most damaged by aquatic contamination by pesticides, being
ecologically relevant for their bioaccumulation and biomagnification skills of contaminants, which may present
health risks to fish consumers. Several sublethal damages are known in fish due pesticide exposure, however,
the mechanisms acting on their bioaccumulation, toxicity and elimination process are not yet fully understood.
This paper reviewed basic concepts of bioaccumulation of pesticides in fish, including chemical behavior that
drives their bioaccumulation, and major metabolic transformation processes in fish (absorption and elimination
pathways, primary organs, enzymatic groups, phases and chemical reactions involved in biotransformations).
We exemplified metabolites generated from reactions of detoxification and bioactivation (when the metabolite
is more toxic than the parent compound) of organophosphates, carbamates and pyrethroids, commonly used as
pesticides worldwide. Understanding the metabolic transformations of pesticides in organisms beyond the
target species for which it was developed, is critical to elucidate the effects of toxicity on an ecosystem,
grounding risk prevention actions to keep environmental quality, that includes health hazards of aquatic
organisms and human.
cadeia. Consequentemente, participam do processo de publicamente pela primeira vez na década de 1960 com
biomagnificação (transferência ao longo da cadeia a publicação de Rachel Carson, Silent Spring [14]. Em
trófica dos compostos bioacumulados), 1972, principalmente por sua elevada toxicidade,
particularmente nos compartimentos celulares persistência ambiental e bioacumulação, os
lipofílicos, representando riscos à saúde de diversas organoclorados foram banidos nos EUA e
espécies inclusive ao homem [5, 10, 11]. Diferenças posteriormente na Europa, no entanto altas
significativas nas concentrações de organoclorados concentrações desses compostos ainda são encontradas
observadas entre peixes herbívoros e carnívoros foram na biota no mundo todo, continuando a representar
consideravelmente maiores nas espécies carnívoras, as riscos aos organismos aquáticos e ao homem [8, 15,
quais também exibiram elevados teores de lipídeos no 16].
tecido muscular comparados às espécies herbívoras
Atualmente, mais de 1600 agrotóxicos com
[12].
mais 100 classes químicas são usados mundialmente na
Após absorvidos, os compostos químicos são produção de alimentos, com mais de 1700 ingredientes
biotransformados para derivados mais hidrofílicos a ativos diferentes e mais de 350 derivados de éster e sais
fim de aumentar sua polaridade e consequente usados em formulações de pesticidas [17, 18].
eliminação. Os animais possuem fases ativas de Compreendem os inseticidas, herbicidas, fungicidas,
biotransformação, denominadas reações de fase I e fase acaricidas, rodenticidas e outros. De acordo com o
II, que podem modificar a disposição e a toxicidade dos grupamento químico, as principais categorias dos
pesticidas, existindo, contudo, pouco conhecimento inseticidas são organoclorados, organofosforados,
sobre o destino final destes compostos nos peixes. carbamatos, piretróides e neonicotinóides. Dentre os
Embora as transformações metabólicas visem à herbicidas, dinitrofenóis, fenoxiacéticos, dipiridilos,
detoxificação orgânica, a biotransformação, benzonitrila e glifosato são bastante utilizados.
particularmente após a fase I, pode bioativar os
Muitos parâmetros físico-quimicos (como
compostos originais gerando compostos intermediários
solubilidade em água, pressão de vapor, volatilidade,
mais reativos e até mais tóxicos [1]. Recentemente,
estabilidade em água, fotodegradação e propriedades
duas novas etapas, denominadas de fase 0 e fase III,
ácido-base) são característicos da molécula de
têm sido discutidas como relevantes nos mecanismos
pesticida e regem o comportamento das substâncias no
de detoxificação de xenobióticos [13].
ambiente. No entanto, a propriedade química mais
Este trabalho revisou conceitos básicos sobre a frequentemente relacionada à tendência de
bioacumulação de agrotóxicos em peixes, com foco bioacumulação em organismos vivos é o coeficiente de
nas transformações que ocorrem nessa classe de partição octanol-água (KOW) devido à natureza lipídica
contaminantes dentro dos peixes, relacionadas à das membranas biológicas. Normalmente, usado na
detoxificação orgânica e à bioativação química, bem forma logarítimica (logKOW), este coeficiente é a razão
como os processos envolvidos e os metabólitos entre as concentrações de uma substância dissolvida
gerados. O entendimento, tanto dos efeitos tóxicos em n-octanol e em água, em condições de equilíbrio,
quanto da seletividade do modo de ação dos compostos indicando o balanço entre lipofilicidade e
químicos, promove bases para melhorar as estratégias hidrofobicidade dos compostos.
de controle de agrotóxicos e minimizar seus riscos
Na dinâmica de absorção, a princípio, o fluxo
ambientais, particularmente ao meio aquático.
das concentrações químicas entre o rio e o peixe se
altera segundo o gradiente de concentração e depende
da hidrofobicidade do composto, representada pelo
2. COMPORTAMENTO QUÍMICO DOS
logKOW. Esta resposta é gradual e com o aumento do
AGROTÓXICOS
logKOW, a taxa de alterações diminui. Para compostos
Agrotóxicos, ou pesticidas, são definidos pela com baixo logKOW, as taxas de alterações são tão
IUPAC (International Union of Pure and Applied rápidas que as concentrações no peixe se assemelham
Chemistry) como substâncias, ou mistura de às concentrações químicas na água, por exemplo com
substâncias, empregadas para prevenção, destruição e logKOW 2 e 3 (Figura 1B) em relação às medições
controle de pragas. Sua história moderna teve início em diárias na água (Figura 1A). Para compostos com
1939, com a síntese do organoclorado dicloro-difenil- logKOW>5, as concentrações químicas no peixe se
tricloroetano (DDT) por Paul Muller (Suíça), e seus alteram lentamente em relação às alterações nas
efeitos ambientais indesejáveis foram abordados concentrações na água do ambiente e seguirão as
Figura 1. A) Concentração química diária no rio Mississipi, EUA. B) Concentração química diária em peixes
piscívoros para compostos químicos com logKow de 2 a 9 [19]. C) Frequência do fator de bioconcentração
(FBC) de diferentes classes de organismos para compostos químicos de coeficiente de partição variáveis. D)
Fatores de bioacumulação (FBA) medidos em peixes em relação ao coeficiente de partição octanol-água
(logkOW) [20].
Em geral, considera-se que substâncias com escala da IUPAC, que também é usada pela Agência de
logKOW>3 podem se acumular [15, 22]. Por exemplo, Proteção Ambiental dos Estados Unidos (US EPA),
na espécie pescada olhuda Cynoscion guatucupa os valores de FBC abaixo de 100 possuem baixo potencial
compostos p,p’-DDE, α-clordano e heptacloro, com de bioconcentração, entre 100 e 5000 estão no limiar
logKOW>5,2, apresentaram maior taxa de de preocupação, e acima de 5000 possuem elevado
bioacumulação que compostos HCH, com potencial de bioconcentração (Tabela 1). Os peixes
logKow<3,8 [5]. truta arco-íris Oncorhynchus mykiss, bluegill Lepomis
macrochirus e peixe-zebra Brachydanio rerio são
Denomina-se fator de bioconcentração (FBC) a
usados em testes laboratorais para o estabelecimento de
relação entre a concentração do composto químico no
limiares ecotoxicológicos como LC50 (concentração
tecido do organismo e a sua concentração na água,
letal mediana, do inglês lethal concentration 50%), que
considerando-se apenas a absorção da substância pelo
representa a dose necessária para matar metade da
organismo através de superfícies respiratórias e
população avaliada, frequentemente utilizado como
dérmicas; o fator de bioacumulação (FBA) é o
um indicador de toxicidade aguda determinado em
processo pelo qual a substância é absorvida pelo
experimentos de 96 horas; e NOEC (nível ou
organismo considerando-se todas as rotas de exposição
concentração sem efeito observado, do inglês No
que ocorrem no ambiente natural, incluindo trocas
Observed Effect Concentration) mais relacionado à
ambientais e alimentação [20].
avaliação da exposição crônica, determinado em testes
A Tabela 1 apresenta propriedades físico- de 21 dias de duração [21].
químicas de alguns agrotóxicos comumente
A correlação entre a bioacumulação e o logKOW
empregados no Brasil, agrupados em ordem crescente
tem sido reportada para diversos organismos aquáticos
quanto ao FBC, segundo base de dados da IUPAC. Na
Tabela 1. Propriedades físico-químicas e toxicológicas de agrotóxicos, ordenados pelo fator de bioconcentração (FBC) segundo base de dados da IUPAC [20].
Classe de toxicidade Ecotoxicologia (peixes)
PM S FBC
Nº CAS Agrotóxico Tipo Grupo químico FM LogKOW LC50 NOEC
(gmol-1) (mgL-1) (Lkg-1) WHO US EPA
(mgL-1) (mgL-1)
56-38-2 Paration I, A Organofosforado C10H14NO5PS 291,27 24 3,82 - - - 1,5 Mo - -
62-73-7 Diclorvós I, A, M Organofosforado C4H7Cl2O4P 220,98 18000 1,9 Baixo risco Ib I 0,55 Mo 0,11 Mo
16752-77-5 Metomil I, A, M Carbamato C5H10N2O2S 162,21 55000 0,09 Baixo risco Ib I, II, III 0,63 Mo 0,076 Mo
52-68-6 Triclorfon I, V Organofosforado C4H8Cl3O4P 257,4 120000 0,43 0,41 II II 0,7 Mo - -
1912-24-9 Atrazina H Triazina C8H16ClN5 215,68 35 2,7 4,3 III III 4,5 Mo 2 Mo
330-54-1 Diuron H Feniluréia C9H10Cl2N2O 233,09 35,6 2,87 9,45 III III 6,7 Mo 0,41 Mo
1563-66-2 Carbofuran I, N, A, M Carbamato C12H15NO3 221,26 322 1,8 12 Ib I, II 0,18 Mo 0,0022 E
834-12-8 Ametrina H Triazina C9H17N5S 227,12 200 2,63 33 II III 5 Mo - -
15972-60-8 Alaclor H Cloroacetanilida C14H20ClNO2 269,77 240 3,09 39 II III 1,8 Mo 0,19 Mo
116-06-3 Aldicarbe I, A, N Carbamato C7H14N2O2S 190,26 4930 1,15 42 Ia I 0,56 Mo 1,37 Mo
51218-45-2 Metolacloro H Cloroacetanilida C15H22ClNO2 283,8 530 3,4 68,8 III III 3,9 Mo - -
298-00-0 Metilparation I Organofosforado C8H10NO5PS 263,21 55 3,0 71 - - 2,7 Mo - -
1897-45-6 Clorotalonil F Isoftalonitrila C8Cl4N2 265,91 0,81 2,94 100 U II 0,038 E 0,003 E
121-75-5 Malation I, A, V Organofosforado C₁₀H₁₉O₆PS₂ 330,36 148 2,75 103 III III 0,018 E 0,091 Mo
709-98-8 Propanil H Anilida C9H9Cl2NO 218,08 95 2,29 111 II III 5,4 Mo - -
52645-53-1 Permetrina I, V Piretróide C21H20Cl2O3 391,3 0,2 6,1 300 II II, III 0,0125 E 0,00012 E
333-41-5 Diazinon I, A, R, V Organofosforado C12H21N2O3PS 304,35 60 3,69 500 II II, III 3,1 Mo 0,7 Mo
29232-93-7 Pirimifós-metil I, A Fosforotioato C11H20N3O3PS 305,33 11 3,9 741 II III 0,404 Mo 0,023 Mo
52315-07-8 Cipermetrina I, V Piretróide C22H19Cl2NO3 416,3 0,009 5,3 1204 II II 0,0028 E 0,00003 E
2921-88-2 Clorpirifós I Organofosforado C9H11Cl3NO3PS 350,89 1,05 4,7 1374 II II 0,0013 E 0,00014 E
52918-63-5 Deltametrina I, V, M Piretróide C22H19Br2NO3 505,2 0,0002 4,6 1400 II II 0,00026 E <0,000032 E
82657-04-3 Bifentrina I, A Piretróide C23H22ClF3O2 422,88 0,001 6,6 1703 II II 0,00026 E 0,000012 E
50-29-3 DDT I Organoclorado C14H9Cl5 354,49 0,006 6,91 3173 II II 7 Mo - -
309-00-2 Aldrin I Organoclorado C12H8Cl6 364,91 0,027 6,5 3348 O - 0,0046 E - -
60-57-1 Dieldrin I, M Organoclorado C12H8Cl6O 380,91 0,14 3,7 35000 Ib - 0,0012 E 0,25 Mo
Legenda: H=herbicida. I=inseticida. A=acaricida. N=nematicida V=uso veterinário. F=fungicida. M=metabólito. R=repelente. FM=fórmula molecular. PM=peso molecular. S= solubilidade em
água a 20 °C. LogKOW = coeficiente de partição octanol-água. WHO= Organização Mundial da Saúde. US EPA=Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. LC50=concentração letal
mediana. NOEC=concentração sem efeito observado .E=elevado. Mo=moderado. B=baixo.
Valores de referência: FBC=Fator de bioconcentração: < 100 (baixo potencial), 100 - 5000 (Limiar de preocupação), > 5000 (alto potential).
Classe de toxicidade WHO: Ia (extremamente perigoso), Ib (altamente perigoso), II (moderadamente perigoso), III (pouco perigoso), O (Obsoleto), NL (Não listado), U (improvável de apresentar
perigo agudo).
Classe de toxicidade aguda US EPA: I (altamente tóxico), II (moderadamente tóxico), III (levemente tóxico), IV (Não é gravemente tóxico).
A toxicidade será determinada pela interação sangue para excreção nos rins quanto pela bile para
dos processos de toxicocinética e toxicodinâmica. A excreção nas fezes [27].
toxicocinética envolve os mecanismos de absorção,
Semelhante aos mamíferos, as reações de
distribuição, metabolismo e excreção, os quais
biotransformação ocorrem nas células, principalmente
direcionam quanto da forma tóxica da substância
através das enzimas do sistema de monooxigenase
química (composto original ou metabólitos ativos) irão
dependente (citocromo P-450 ou CYP) e diversas
atingir os sítios de ação. A toxicodinâmica trata da
enzimas que catalisam reações das fases envolvidas
interação com os sítios de ação, que conduzem à
[29]. As enzimas da fase I se localizam principalmente
expressão dos efeitos tóxicos. Quanto mais as formas
no retículo endoplasmático e as enzimas de fase II
tóxicas dos compostos químicos atingem os sítios de
principalmente no citosol [1, 26], com exceção da
ação, maior é a sensibilidade do sítio de ação ao
UDP-glucuronosiltransferase (UGT), principal
composto, e maior é a toxicidade [26].
representante das enzimas de conjugação, localizada
O fígado é o principal órgão envolvido na no retículo endoplasmático [30].
metabolização, embora significativa atividade extra-
Os resíduos dos agrotóxicos no peixe podem
hepática ocorra no rim, intestino e brânquias dos peixes
estar disponíveis na forma de composto original,
[1]. GUO et al. [28] encontram níveis
metabólitos livres (primários) ou conjugados
significativamente maiores de organoclorados no
(secundários) (Figura 3). Resultantes da fase I, os
fígado em relação ao músculo, brânquias, pele e trato
metabólitos livres (também designados de exocons)
gastrointestinal de cinco espécies de peixes tanto de
podem ser formados por hidrólise, oxidação, redução
água doce quanto de água salgada, chegando até a trinta
ou recombinação através de enzimas catalizadoras, que
vezes maior na carpa cabeçuda Aristichthys nobilis.
introduzem ou expõem grupos funcionais polares
Por outro lado, os demais órgãos (músculo, brânquias,
reativos (OH, SH, NH2, COOH) da molécula original.
pele e intestino) não diferiram entre si quanto aos
teores de organoclorados nas espécies analisadas, A seguir, nas reações de fase II, os conjugados
sugerindo a capacidade de equilíbrio desses são formados pela reação dos metabólitos primários
agrotóxicos nos tecidos dos peixes [28]. A excreção com moléculas endógenas de ocorrência natural no
hepatobiliar também é relevante na eliminação de peixe (endocons), por exemplo, ácido glucurônico,
xenobióticos nos peixes. Os metabólitos do fígado (e glutationa, sulfato, taurina, aminoácidos e outros
compostos originais) podem seguir tanto através do componentes naturais. Os compostos conjugados são
normalmente mais polares que os metabólitos de fase fenóis ou álcoois, sem reações de fase I. A fase I pode
I, portanto dissolvem-se na água, e podem ser envolver mais de um passo, e pode ainda ativar o
eliminados pelos mecanismos de excreção do animal metabólito, o qual se liga às macromoléculas sem
[32]. Às vezes, o poluente é conjugado diretamente, passar pela conjugação (como a ativação do
por exemplo, interagindo com grupos hidroxila de benzo[α]pireno) [26].
Por fim, os metabólitos excretáveis, produtos com atividades de oxidação, redução e conjugação
das reações das fases I e II, são transportados (fase III [36]. As preocupações com os efeitos adversos,
- transporte) para fora das células por várias famílias de particularmente agudos, sobre a biota devido ao uso
proteínas de transporte como as glicoproteínas indiscriminado de pesticidas possibilitou avanços na
permeáveis (P-gp) [33]. Esse sistema de detoxificação compreensão das transformações metabólicas dos
também previne a entrada de xenobióticos nas células agrotóxicos nas diversas classes de organismos, além
expulsando-os com mecanismo de efluxo (fase 0) das espécies alvo de ação destes compostos. No
modulados pela ação das proteínas transportadoras entanto, apesar da numerosa quantidade de agrotóxicos
ABC (“ATP-Binding Cassette” proteins). Pesquisas usada no mundo, poucos compostos têm sido avaliados
recentes sugerem que as proteínas ABCB1 atuem nas quanto ao potencial de biotransformação nos peixes.
primeiras linhas de defesa prevenindo que compostos Muitos progressos nessa área devem-se às pesquisas
originais se acumulem na célula (fase 0) enquanto farmacêuticas e médicas, com foco em sistemas de
proteínas transportadoras ABCCs e ABCG2 atuem na mamíferos [30].
fase III, todas protegendo os organismos aquáticos de
Exemplos de reações de oxidação da
danos dos xenobióticos pelo mecanismo de resistência
transformação metabólica de agrotóxicos em peixes
à multixenobióticos [13].
são apresentados na Tabela 2. As CYP são o grupo de
Vale ressaltar a importância da degradação dos enzimas mais importantes da biotransformação
pesticidas no meio ambiente, que envolve tanto oxidativa de fase I em peixes, principalmente para
processos de transformações bióticas (mediadas por pesticidas organoclorados, hidrocarbonetos policíclico
plantas e microorganismos) quanto processos abióticos aromáticos (HPAs) e bifenilas policloradas (PCBs),
(como transformações fotoquímicas e termoquímicas muitos deles associados diretamente à indução dessa
pela exposição à luz e ao calor, respectivamente) reação, observada pelo aumento dos níveis de
determinados principalmente pelo potencial redox isoenzimas correlacionadas [37]. Poucos xenobióticos
(oxidação/redução) nos solos, sedimentos e corpos lipofílicos são resistentes à degradação metabólica das
hídricos [22, 25]. Logo, em ambiente natural, a CYP, sendo as principais exceções os compostos
ocorrência de derivados de agrotóxicos em tecidos ou altamente halogenados como dioxina, p,p´-DDE e
excretas de um animal não é necessariamente uma PCBs altamente clorados. Tais compostos resistentes à
prova de que estes derivados foram resultado da detoxificação possuem, particularmente, meia-vida
biotransformação no organismo [35]. biológica longa (dioxina TCDD) e/ou extremamente
longa (dieldrin e p,p´-DDT) em solos [26].
Bagres africanos Clarias gariepinus,
4. EXEMPLOS DE METABÓLITOS DOS
provenientes de represamentos de água doce na África
AGROTÓXICOS EM PEIXES
do Sul, analisados quanto às concentrações de
Desde o final da década de 1970, sabe-se que os organoclorados apresentaram resíduos de DDT e
peixes, assim como os vertebrados, possuem sistema metabólitos (p,p’-DDD; p,p’-DDE; p,p’-DDT; o,p’-
de detoxificação capaz de metabolizar xenobióticos, DDT) no músculo, mesmo distantes no mínimo 500 km
de países que ainda aplicam estes pesticidas no acima do “saudável” para a exposição ao longo da vida,
controle de pragas, o que reforça a relevância da aumentando as chances de risco de câncer em humanos
deposição atmosférica e escoamentos superficiais nas para 1 em 1000 (sendo 1 em 100.000 o “risco
rotas de contaminação difusa dos ecossistemas aceitável”) caso o consumo destes peixes seja
aquáticos. Os níveis de dieldrin (que pode ser tanto prolongado, hábito comum nas populações ribeirinhas
composto original - inseticida comercial - quanto [8].
metabólito do aldrin) foram considerados até seis vezes
Tabela 2. Reações catalisadas pelo citocromo P450 (CYP) na biotransformação de agrotóxicos em peixes.
Reação química Ref.
Paration Paraoxon
Dessulfurização
oxidativa
Clorpirifós Clorpirifós-oxon
[38]
Dietil fosfato
Dietil fosfato
Epoxidação
Aldrin Dieldrin
[26]
O-desalquilação
Clorfenvinfós
semelhantes, ambos são inibidores da glicina) com um centro eletrofílico que pode ser um
acetilcolinesterase (AChE). No entanto, diferem átomo de C, N, ou S. Após a formação do conjugado
quanto à estabilidade do complexo formado com a de glutationa, o metabólito pode ser submetido a duas
AChE. Os organofosforados são capazes de fosforilar reações de clivagem de aminoácidos seguidas por N-
resíduos de serina da AChE de maneira irreversível, acetilação, para formar derivados de ácidos
enquanto a carbamilação dos mesmos resíduos é menos mercaptúricos. Os agrotóxicos alaclor, atrazina, DDT,
estável, e o processo reversível em cerca de 30 a 40 lindano e metilparation estão entre as substâncias que
minutos [39, 40]. Os piretróides são toxinas funcionais, atuam como substratos para essas conjugações. As
que causam efeitos secundários como consequência da GSTs são fundamentais no metabolismo endógeno da
hiperexcitabilidade neuronal. A alta afinidade dos detoxificação dos produtos de estresse oxidativo
piretróides aos canais de Na+ das membranas celulares resultantes da oxidação de lipídeos, ácidos nucléicos e
causam prolongada abertura dos canais. Em baixas proteínas [30]. Agrotóxicos organoclorados (2,4-D;
concentrações, observam-se atividades excitatórias p,p’-DDE; metoxiclor; endosulfan), organofosforados
repetitivas, enquanto em altas concentrações, a (azinfos metil), carbamatos (carbaril,) e piretróides
completa despolarização da membrana bloqueia a (cipermetrina) são indutores da atividade de GSTs em
excitabilidade do neurônio [40]. organismos aquáticos [30, 37].
A detoxificação dos organofosforados, Exemplos de bioativação conhecidos são
carbamatos e piretróides ocorre principalmente por apresentados na Tabela 4. O diclorvós, derivado da
reações de oxidação e hidrólise, destacando-se na hidrólise do triclorfon, é capaz de inibir a atividade da
hidrólise as enzimas carboxilesterases e colinesterase até 100 vezes mais que o triclorfon [41].
fosfotriesterases como as principais catalisadoras das Em experimento com pacus (Piractus mesopatamicus)
reações. A hidrólise via carboxilesterases é a mais simulando condições de piscicultura com uso de
efetiva na degradação dos carbamatos e piretróides triclorfon, Lopes et al. [42] demonstraram baixa meia-
(Tabela 3). Nos piretróides, constituídos vida deste composto na água (57 horas ou 2,5 dias) e
principalmente por moléculas de éster com um média meia-vida nos peixes (290 horas ou 12 dias),
grupamento de álcool e um de ácido, a rota de revelando ainda baixo fator de bioconcentração nos
biodegradação é a clivagem por esterases [40]. peixes (0,41± 0,05 Lkg-1), sendo 0,0302 mgkg-1 a
concentração máxima de triclorfon no peixe. Os
Nos peixes, assim como nos mamíferos, as
autores consideraram necessário um período de 50 dias
enzimas UGT são apontadas como o principal grupo
para a eliminação de 95% de resíduo do inseticida no
das enzimas das reações de fase II, convertendo (e
tecido dos peixes [42]. Por outro lado, o diclorvós não
inativando) compostos endógenos e exógenos a
se bioacumula em peixes, embora seja considerado de
compostos polares e solúveis em água, capazes de
moderado à extremamente tóxico para peixes de água
serem excretados na bile (compostos maiores que 350
doce e estuarinos por sua neurotoxicidade e
MW) ou urina (compostos menores que 300MW). Tais
perturbações no metabolismo energético [43, 44].
enzimas catalisam a transferência (conjugação) do
ácido glucurónico a partir do nucleotídeo de alta Metil paration é um fraco inibidor de AChE,
energia de UDP- ácido glucurónico (UDPGA) a uma mas pode ser bioativado em seu metabólito oxon,
ampla variedade de substratos aceptores (agliconas) (metil paraoxon) por reação de dessulfurização,
para formar β-glucuronídeos. O mais comum é a catalizada pelo citocromo P-450. A detoxificação do
formação de O-glucoronídeos a partir de álcoois, metil paration pode ocorrer por desalquilação pela
fenóis e ácidos carboxílicos, e N-glucuronídeos de glutationa-S-transferase (GST), enquanto o metil
carbamatos, amidas e aminas. Dentre os agrotóxicos paraoxon pode ser removido do sangue por enzimas
em que ocorrem glucuronidação nos peixes estão os como carboxilesterases e colinesterases, ou degradada
inseticidas organofosforados (como malation e por paraoxonase, obtendo-se 4-nitrofenol e ácido
clorpirifós), carbamatos (carbaril), piretróides dimetilfosfórico. Os peixes de água doce pacu
(piretrinas); e os fungicidas imidazol e pentaclorofenol Piaractus mesopotamicus, piavussu Leporinus
[30]. macrocephalus e curimbata Prochilodus lineatus
acumularam metil paration no cérebro cerca de quatro
Outro importante grupo de enzimas da fase II,
vezes mais que as concentrações observadas na água,
também atuante nos peixes, é o das glutationa S-
sendo pacu e piavussu mais resistentes à metabolização
transferases (GSTs), que catalisam a conjugação da
em metil paraoxon [46].
glutationa tripeptídica (gama-glutamil-cisteinil-
[30]
Carbaril 1-naftol
Aldicarb
Hidrólise
Carbofuran
[40]
Cipermetrina
Deltametrina
Tabela 4. Agrotóxicos com metabólitos mais tóxicos que o composto original, em peixes.
Tipo/ Composto
Aplicação Metabólito [Ref.]
Grupo químico original
Herbicida/ Tiobencarb-S-
Tiobencarbe Cultura de arroz
Tiocarbamato óxido [30]
Culturas de algodão, batata, café, cana-de-açúcar, citros e
Inseticida/ Sulfóxido de
Aldicarbe feijão (acaricida e nematicida) / uso irregular como raticida
Carbamato aldicarbe [45]
(“chumbinho”)
Inseticida/ Uso veterinário (anti-helmíntico; controle de larvas de
Triclorfon Diclorvos [45]
Organofosforado insetos); Piscicultura (controle de ectoparasitas)
Inseticida/ Agricultura, abrigos de armazenamento de alimentos; Metil paraoxon
Metil paration
Organofosforado Piscicultura (controle de ectoparasitas) [46]
que alcançam os ecossistemas hídricos, o [2] Sabra, F. S.; Mehana, E. S. E. D. AJAFS. 2015, 3, 01. [Link]
conhecimento sobre o destino final de muitos [3] Uno, S.; Shintoyo, A.; Kokushi, E.; Yamamoto, M.;
Nakayama, K.; Koyama, J. Environ. Sci. Pollut. Res. 2012,
metabólitos nos peixes ainda é insuficiente.
19, 2595. [CrossRef]
Este trabalho revisou os fatores básicos que [4] Fisk, A. T.; Norstrom, R. J.; Cymbalisty, C. D.; Muir, D. C.
regem a bioacumulação dos agrotóxicos nos peixes, G. Environ. Toxicol. Chem. 1998, 17, 951. [CrossRef]
ressaltando as vias de detoxificação desses compostos [5] Lanfranchi, A. L.; Menone, M. L.; Miglioranza, K. S. B.;
Janiot, L. J.; Aizpun, J. E.; Moreno, V. J. Mar. Pollut. Bull.
e suas biotransformações. As reações metabólicas 2006, 52, 74. [CrossRef]
afetam a distribuição, o acúmulo e a toxicidade dos
[6] Gilliom, R. J. Environ. Sci. Technol. 2007, 41, 3408.
compostos químicos no organismo. A lipofilicidade, [CrossRef]
fortemente relacionada ao coeficiente de partição [7] Stone, W. W.; Gilliom, R. J.; Ryberg, K. R. Environ. Sci.
octanol-água (logKOW), é uma das principais Technol. 2014, 48, 11025. [CrossRef]
características químicas que influenciam na [8] Barnhoorn, I. E. J.; Van Dyk, J. C.; Genthe, B.; Harding, W.
bioacumulação das substâncias nos seres vivos. Quatro R.; Wagenaar, G. M.; Bornman, M. S. Chemosphere. 2015,
120, 391. [CrossRef]
etapas de reações estão envolvidas na eliminação dos
xenobióticos, sendo novas fases (0 e III) recentemente [9] Mallin, M. A.; McIver, M. R.; Fulton, M.; Wirth, E. Arch.
Environ. Contam. Toxicol. 2011, 61, 461. [CrossRef]
propostas e igualmente importantes neste processo.
[10] Deribe, E.; Rosseland, B. O.; Borgstrøm, R.; Salbu, B.;
Embora visem à eliminação orgânica da substância, Gebremariam, Z.; Dadebo, E.; Skipperud, L.; Eklo, O. M.
muitas vezes ocorre sua bioativação para formas mais Ecotoxicol. Environ. Saf. 2013, 95, 10. [CrossRef]
tóxicas. [11] Weijs, L.; Briels, N.; Adams, D. H.; Lepoint, G.; Das, K.;
Blust, R.; Covaci, A. Environ Res. 2015, 137, 199.
O monitoramento de resíduos de agrotóxicos [CrossRef]
em diversos organismos, além das espécies alvo, é [12] Robinson, T.; Ali, U.; Mahmood, A.; Chaudhry, M. J. I.; Li,
fundamental para avaliar a toxicidade em ambientes J.; Zhang, G.; Jones, K. C.; Malik, R. N. Sci Total Environ.
2016, 541, 1232. [CrossRef]
prioritários para preservação, como áreas estuarinas (e
manguezais), e verificar o impacto dos efeitos tóxicos [13] Ferreira, M.; Costa, J.; Reis-Henriques, M. A. Front.
Physiol. 2014, 5, 266. [CrossRef]
nas biotas locais e nas relações ecossistêmicas. Além
[14] Köhler, H. R.; Triebskorn, R. Science. 2013, 341 (6147),
dos efeitos tóxicos advindos dos agrotóxicos e 759. [CrossRef]
respectivos metabólitos bioativados, respostas aditivas
[15] Tsipi, D.; Botitsi, H.; Economou, A. Mass Spectrometry for
de pesticidas podem potencializar a indução de efeitos the Analysis of Pesticide Residues and Their Metabolites.
letais e subletais em peixes, cuja intoxicação por New Jersey: John Wiley & Sons, 2015. [CrossRef]
agrotóxicos representa ameaça à saúde de seus [16] Ondarza, P. M.; Gonzalez, M.; Fillmann, G.; Miglioranza,
K. S. B. Chemosphere. 2014, 94, 135. [CrossRef]
consumidores, inclusive o homem.
[17] MacBean, C. The pesticide manual: a world compendium,
Publicações em português também são 6th ed. UK: British Crop Production Council, 2012.
importantes, pois ampliam a compreensão sobre Disponível em: [Link]. Acesso Janeiro, 2016.
relevantes assuntos científicos, particularmente para [18] Compendium of Pesticide Commom Names. Disponível
em: http://www.alanwood.net/pesticides/. Acesso Janeiro,
estudantes e pesquisadores brasileiros e outros que 2016.
usam a língua portuguesa. Além disso, facilitam a
[19] Burkhard, L. P. Environ. Toxicol. Chem. 2003, 22, 351.
comunicação interdisciplinar, o que favorece e incita [CrossRef]
discussões e soluções visando melhores avanços [20] Arnot, J. A.; Gobas, F. A. Environ. Rev. 2006, 14, 257.
sociais. [CrossRef]
[21] Lewis, K.A.; Tzilivakis, J.; Warner, D.; Green, A. Hum.
Ecol. Risk Assess. 2016, 22, 1050. [CrossRef]
6. AGRADECIMENTOS [22] Barceló, D.; Hennion, M. Trace Determination of Pesticides
and their Degradation Products in Water. Amsterdam:
À Fundação Cearense de Apoio ao Elsevier, 1997.
Desenvolvimento Científico e Tecnológico [23] Mhadhbi, L.; Beiras, R. Water Air Soil Poll. 2012, 223,
(FUNCAP) pela concessão de bolsa pelo Programa de 5917. [CrossRef]
Pós-Doutorado para Jovens Doutores - Processo PJ2- [24] Katagi, T. Bioconcentration, bioaccumulation, and
metabolism of pesticides in aquatic organisms. In: Reviews
0103-00065.01.00/15. of environmental contamination and toxicology. New York: