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CRENÇA Do - Capital - Simbolico - Ao - Capital - Economic
CRENÇA Do - Capital - Simbolico - Ao - Capital - Economic
CRENÇA Do - Capital - Simbolico - Ao - Capital - Economic
D A C R E N Ç A E N A R R AT I VA S A R T I F I C A D A S E M A L E X A N D E R
MACQUEEN, UMA ABORDAGEM SOCIOLÓGICA
P R O D U C T I O N O F A R T I F I C I A L N A R R AT I V E S IN ALEXANDER
MCQUEEN, A SOCIOLOGICAL APPROACH
N
o contexto das chamadas economias de bens simbólicos – descritas e exemplificadas
na sociologia cultural, principalmente no trabalho do sociólogo francês Pierre
Bourdieu – um conceito se avulta: o de produção da crença. Para Bourdieu há certa
concordância no fato de que,
Os bens culturais possuem, também, uma economia, cuja lógica específica tem de ser
bem identificada para escapar ao economicismo. Nesse sentido, deve-se trabalhar, antes
de tudo, para estabelecer as condições em que são produzidos os consumidores desses
bens e seu gosto; e, ao mesmo tempo, para descrever, por um lado, as diferentes maneiras
de apropriação de alguns desses bens considerados, em determinado momento, obras
de arte e, por outro, as condições da constituição do modo de apropriação, reputado
como legítimo (BOURDIEU, 2007: 9).
A fascinação pelo ato criador como ato auto criativo, nada mais é que uma insistência
social na illusio, uma vontade compartilhada entre os não-agentes – isto é, as pessoas não
autorizadas a atuar no campo, muitas vezes pela inexistência de capital escolar ou capital
simbólico – pela crença no valor superior dos bens da alma. Ao encarar esses bens simbólicos
como um traço comunicacional e desinteressado do criador, comprova-se a aderência ao
A produção da crença como idealizada por Bourdieu ratifica um princípio fundador dos
mercados de bens simbólicos: a imposição de valor. Vimos que, grande parte da imposição de
valores surge dos mecanismos discursivos dos agentes que contam, inexoravelmente, com o
desconhecimento coletivo dos não-agentes, de modo a, partindo de uma crença mágica no
valor simbólico do item, arregimentar para si (através de um tipo de fé), a especulação devida
ao mercado, transubstanciando – sendo este o verdadeiro fim – valor simbólico em valor
econômico. Há, portanto, a inauguração de um valor que não o essencialmente material,
algo que dilata a compreensão marxista da mais-valia; é da “natureza dos bens simbólicos
e da própria produção simbólica”, que este não se reduza a “um ato de fabricação material,
mas comporte um conjunto de operações que tendem a assegurar a promoção ontológica e
a transubstanciação do produto” (BOURDIEU, 2002: 168).
Assim, qualquer produto entendido como tal, isto é, suscetível de adentrar uma
certa dinâmica econômica, estará suscetível aos processos de construção simbólica. É o
que Bourdieu explicita, por exemplo, ao tratar as diferenças entre um perfume produzido
pela maison Chanel, e outro, bastante semelhante, produzido e comercializado pela rede de
mercados populares franceses Monoprix. Para ele a diferença estrutural entre o Chanel Nº5
e o Eau de Cologne du Monoprix reside exatamente no ato de,
Produzir um perfume que traz essa grife é fabricar ou selecionar um produto, mas
é também produzir as condições de eficácia da grife que, sem nada modificar à natureza
material do produto, transmuta-o em um bem de luxo (BOURDIEU, 2002: 155).
No campo da moda, a partir do final do século XIX e início do século XX, principalmente
Ao longo de sua carreira, entre 1992 e 2010, McQueen desfilou diversas coleções
em que experimentava tanto na aparência das roupas e suas proporções, quanto no formato
performático e artístico de seus desfiles, borrando os limites usuais entre a arte contemporânea
do período e a moda de vanguarda. Para além de um interesse pessoal sobre os temas artísticos,
a imprensa, os acadêmicos e os críticos atuam também nos procedimentos de artificação
em McQueen ao identificarem esta recorrência e ao poetizarem tal fato sob lógicas mais
cerebrais, encontrando seus ecos no conceito, na roupa, na locação, nos acessórios, etc.
McQueen foi repetidamente goticizado pela imprensa, que buscou erigi-lo como uma
figura dúbia, a representação perfeita d’O Médico e o Monstro. Esta imagem evidentemente
atingiu seu propósito, permitindo à ele cultivar uma marca particular, em que lhe era
permitido alternar-se, ora como um hooligan do leste londrino, ora como um gênio
artístico torturado (SPOONER, 2015: 154).
O tema da morte, por exemplo, algo bastante recorrente em sua produção, irá estar
suscetível a estas poetizações pela imprensa, a construção de uma crença que transcende
o próprio estilista, de modo que, as referências à mortalidade em desfiles como What-a-
Serão, entretanto, estes discursos mais elaborados que auxiliarão McQueen, como
marca, a galgar o seu status econômico. Falta-nos páginas para explicar mais minuciosamente
este processo, entretanto destacamos aqui a potência assumida pelos discursos simbólicos
neste empreendimento: será a artificação crítica e a midiatização de suas coleções, por
exemplo, que irão torna-lo atrativo ao conglomerado de luxo francês LVMH – Louis Vuitton
Möet Hennessy, que o contrata – no mesmo ano do desfile Dante – para assumir a direção
criativa da maison Givenchy, e que possibilitará mais tarde – em 2001 – a venda de 51% de
sua empresa ao Grupo Gucci, interessado nesta abordagem mais jovem e artística da moda
como marketing (WATT, 2012).
Em suma, neste breve encerto tentamos demonstrar a existência de uma co-dependência
entre mercado, estética e discursos simbólicos; sendo estes, todavia, os responsáveis pela
crença no valor superior daquele tipo de moda, engendrando uma espécie de alquimia social
do produto cuja valorização é abstrata e incerta. A partir destes elementos discursivos, o valor
simbólico narrativo irá encontrar um valor econômico análogo, isto explicaria, por exemplo, a
comercialização de uma simples camiseta McQueen – em seu primeiros anos – por £40,00,
enquanto, atualmente, pode alcançar facilmente a cifra de £700,005. Sem dúvida há certa
instabilidade nesta cartografia, entretanto isto não minimiza a importância de nos atermos
e buscar compreender as dinâmicas que reescrevem a moda como prática social.
ARCHER, Michael. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes,
2013.
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BOURDIEU, Pierre. A produção da crença, contribuição para uma economia dos bens simbólicos.
Porto Alegre: Zouk, 2002.
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: Gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia
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DUGGAN, Ginger Gregg. O maior espetáculo da Terra. Fashion Theory, v.1, n.2, jun. 2002.
EVANS, Caroline. O espetáculo encantado. Fashion Theory, v.1, n.2, jun. 2002.
SPOONER, Catherine. A gothic mind. In: WILCOX, Claire (ORG.). ALEXANDER MCQUEEN.
Nova York: Abrams, 2015.
WATT, Judith. Alexander McQueen, the life and the legacy. Nova York: Harper Design, 2012.