Os diferentes processos históricos de reestruturação produtiva resultaram na
atual sociedade capitalista e neoliberal que tem, como pilar, a desigualdade social e econômica. No Brasil, as estruturas políticas e econômicas também tem como base esse modelo que, associado a um desenvolvimento escravocrata de exploração de povos negros, teve como consequência uma cultura racista e excludente, com o sucateamento de setores como a educação e a saúde e o investimento em políticas públicas proibicionistas e armamentistas. Assim, o Estado utiliza da guerra às drogas para criminalizar pessoas e suas práticas, culpabilizando-as por estarem em contextos de vulnerabilidade social. Dessa forma, justificam-se formações e atuações profissionais preconceituosas, moralistas e negligentes que violam direitos básicos dessas populações. Com a dificuldade no acesso a políticas públicas efetivas, tem-se um agravo das desigualdades e vulnerabilidades sociais de diferentes grupos. Durante minha formação, participei de um estágio no Projeto Novos Caminhos, desenvolvido pela Prefeitura de Fortaleza, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), entre outros. O projeto consistiu na qualificação profissional, moradia e acompanhamento psicossocial de pessoas em situação de rua em sofrimento decorrente do uso de drogas, tendo como resultado a construção de novas perspectivas e modos de viver dos usuários beneficiados, com a reinserção deles no mercado de trabalho. Apesar de objetivar uma perspectiva integral dos participantes e dos resultados positivos alcançados com o projeto, haviam constantes conflitos entre usuários e profissionais da rede, que tinham um olhar moralista e uma atuação baseada na tutela da vida dos beneficiários. Essa situação era agravada pela precariedade nas relações trabalhistas desses profissionais, com alta carga horária, baixa remuneração e ambiente de trabalho adoecedor. Outra problemática foi a falta de continuidade das ações, que fez com que alguns usuários se desligassem do projeto e ficassem desassistidos em diferentes aspectos. Pensando nessa experiência e no contexto de violência, exclusão e desigualdade social em que vivem diferentes populações brasileiras – como a população em situação de rua – é preciso viabilizar a criação de políticas públicas direcionadas para as especificidades de cada grupo, entendendo e respeitando suas singularidades, demandas e vivências. Para que isso seja possível, faz-se necessário investir em espaços de diálogo e protagonismo das populações a que se destinam as ações, de forma que a escuta de suas questões e histórias seja o ponto norteador da atuação dos profissionais dos equipamentos públicos. Assim, fomenta-se a reflexão sobre a prática e uma atuação profissional baseada na garantia de direitos, no respeito, na autonomia e no fortalecimento de vínculos entre trabalhadores e usuários.