Voto PGE 5549

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ESTADO DE SANTA CATARINA

PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO
CONSELHO SUPERIOR

Referência: PGE 5549/2022


Assunto: Proposta de acordo judicial nos autos 0309928-57.2018.8.24.0023
Origem: Procuradoria-Geral do Estado (PGE)
Interessada: Philips Medical Systems Nederland B.V.
Relator: João Paulo de Souza Carneiro

VOTO

Excelentíssimo Presidente,
Colendo Conselho,

1. BREVE RETROSPECTO
Trata-se de proposta de acordo judicial entre “Philips Medical Systems Nederland B.V.” e
o Estado de Santa Catarina, formulada nos autos nº 0309928-57.2018.8.24.0023, em trâmite na
1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, com a finalidade de pôr fim a litígio
envolvendo a aplicação de sanção por inadimplemento contratual.
O processo judicial nº 0309928-57.2018.8.24.0023 iniciou-se por ação judicial movida por
Philips Medical Systems visando à declaração de nulidade de ato administrativo de imposição de
multa no percentual de 20% do contrato entabulado por ela com o Estado de Santa Catarina.
Segundo consta na petição inicial, a referida empresa teria firmado, em 23 de maio de 2011,
contrato com o ente público para fornecimento de equipamento de ressonância magnética,
acompanhado de vários acessórios, ao Hospital Governador Celso Ramos (HGCR). Devido a um
atraso na conclusão de obras necessárias para a instalação do equipamento, atraso este
imputável ao Estado de Santa Catarina, a colocação do aparelho de ressonância no hospital
somente se teria tornado possível posteriormente, ocorrendo tão somente em 30 de setembro de
2016. Além do aparelho, a empresa teria resosto vários acessórios que, entregues dentro do
prazo originalmente fixado, haviam-se desgastado com o decurso do tempo.
Ainda conforme a inicial, após a instalação do equipamento de ressonância houve a
abertura de processo administrativo de aplicação de penalidade contra a empresa Philips, em
virtude de danos causados ao piso e à pintura do HGCR durante a entrega do material. A própria
empresa teria promovido a troca do piso vinílico danificado e manifestado a sua disposição em
reparar os prejuízos relativos à pintura, orçados em R$ 5.543,86. Contudo, apesar disso, teria
havido a instauração de processo administrativo para que fosse aplicada uma sanção por
inadimplemento, e para que fossem cobradas as quantias gastas com a pintura do HGCR, tendo
sido a empresa Philips notificada em 18 de outubro de 2017 para apresentar defesa prévia.
Posteriormente, a empresa teria sido notificada para proceder à manutenção preventiva do
equipamento e à substituição de acessórios necessários ao seu uso – eletrodos, seringas de
bomba injetora, bateria. Apesar das razões apresentadas em sua defesa, o processo
administrativo teria culminado com a imposição de multa no valor de R$ 946.943,79, equivalente a
20% do valor do contrato, e com a determinação de ressarcimento do valor de R$ 5.543,86.
Em decisão liminar, o juízo deferiu a antecipação de tutela pretendida pela empresa
Philips e determinou a suspensão do valor cobrado a título de multa, bem como a suspensão de
quaisquer atos de inscrição em dívida ativa, além da suspensão de inscrição da empresa, por
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parte do Estado de Santa Catarina, no cadastro geral de fornecedores negativados.


Na contestação, o Estado de Santa Catarina informou que o equipamento de ressonância
magnética foi entregue pela empresa Philips em 30 de setembro de 2016, consignando-se na ata
de instalação a ausência de acessórios – bobina, kit de seringas e aplicação de bomba injetora –
e a necessidade de conserto do piso danificado. Em momento posterior, constataram-se novas
irregularidades ocorridas durante a entrega do material - incompatibilidade dos eletrodos
encaminhados, falta de manutenção preventiva e de treinamento de serviço, dentre outros – o que
levou à emissão da Notificação nº 02, de 23 de novembro de 2016. Diante dessa Notificação, a
empresa teria apenas se comprometido a confirmar posteriormente o prazo de entrega dos itens
faltantes. A falta de acessórios, conforme relata a contestação, persistiu por mais de um ano, o
que levou à emissão de parecer jurídico pela aplicação de penalidade. Aberto o respectivo
processo administrativo, assinou-se o ato de imposição da multa em 20 de fevereiro de 2018,
tendo sido indeferido o recurso apresentado pela empresa.
Apresentada réplica à contestação e realizada audiência de instrução, o processo judicial
nº 0309928-57.2018.8.24.0023 foi suspenso para que se aguardasse eventual composição entre
os litigantes, em 7 de junho de 2022. Na sequência, em 5 de agosto de 2022, a empresa Philips
apresentou proposta de acordo à Procuradoria-Geral do Estado, que foi encaminhada à Câmara
Administrativa de Gestão e Solução e Conflitos (CASC), nos termos da Lei Estadual nº
18.302/2021.
Em face da proposta de acordo, colheu-se a manifestação do Procurador vinculado, para
quem a multa aplicada pela Administração deveria ser de até 9,9% de cada item ou serviço não
entregue no prazo, pois a prestação a ser cumprida ainda era útil ao credor; a par disso, a
questão relativa aos equipamentos e acessórios seria relativa apenas ao prazo de entrega.
Segundo consta na manifestação, a multa aplicada é desproporcional, pois o equipamento de
ressonância funcionava para a maioria de suas funções. Considerando que o atraso na entrega
da bomba injetora – entregue em 27 de abril de 2018 – teria impedido a realização de exames, o
Procurador vinculado propõe que a aferição do valor devido pela empresa Philips tome por base o
valor gasto pelo Estado para contratação de exames de ressonância magnética com a Clínica
Imagem, de maneira que o valor a que o Estado teria direito poderia ser estimado entre R$
117.905,00 e R$ 282.972,00, além do valor da pintura, que é de R$ 5.543,83.
Em 7 de dezembro de 2022, realizou-se acordo entre a empresa Philips e o Estado de
Santa Catarina, pelo qual aquela compromete-se a pagar a este R$ 200 mil, no dia dez do mês
subsequente ao da aprovação do acordo por este Conselho Superior (CONSUP). No despacho de
encaminhamento, a Coordenadora da CASC observa que houve distorção na aplicação da multa,
pois esta tomou por base o valor do contrato em real de acordo com a cotação do dólar atingida
em abril de 2018, ao passo que, segundo entendimento do STJ, a multa deve ter por base o valor
do contrato em reais na data da sua assinatura, que, no caso, foi em maio de 2011, quando a
cotação do dólar era substancialmente menor. A par disso, pondera que, ainda que se calculasse
como devido pela empresa Philips o valor de R$ 442.684,12, correspondente a uma multa de
9,9%, a incidência de honorários advocatícios sobre o proveito econômico que seria obtido por ela
no processo judicial poderia chegar a R$ 104.747,82, levando-se em conta a diferença entre o
valor cobrado atualizado – R$ 1.247.762,28 – e o valor que se estima como efetivamente devido –
R$ 442.684,12. Com base nessas considerações, a Coordenadora do CASC entende bastante
favorável o acordo firmado.
Encaminhados os autos ao CONSUP pela Coordenadora do CASC, o Procurador-Geral
do Estado designou-me como relator.

2. FUNDAMENTAÇÃO
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Para efetuar a análise do Termo de Acordo entabulado entre a Interessada “Philips


Medical Systems B.V.” e o Estado de Santa Catarina, é indispensável avaliar o grau de viabilidade
da demanda submetida ao Poder Judiciário nos autos nº 0309928-57.2018.8.24.0023, o que, por
sua vez, exige o exame da solidez da penalidade imposta no âmbito do processo administrativo
PSES 42072/2016.
Em sede administrativa, impôs-se à Interessada multa no valor de R$ 946.943,79,
correspondentes a 20% do valor do contrato de entrega de equipamento de ressonância
magnética e acessórios ao HGCR, além de ser feita a cobrança de R$ 5.543,86 referente a
ressarcimentos por danos à pintura do hospital ocorridos quando da instalação do aparelho. Como
fundamentos para a aplicação da sanção, a decisão que rejeitou o recurso administrativo lista a
falta de entrega de eletrodos, da bomba injetora, de seringas da bomba injetora e do carregador
de bateria, bem como a necessidade de substituição da carcaça da bomba injetora, de
manutenção preventiva e de treinamento de serviços (pp. 706 e ss). Pois bem: lendo-se o contrato
firmado entre a Interessada e o Estado de Santa Catarina, nota-se que o seu objeto era a entrega
e instalação de um “equipamento de ressonância magnética de 1,5 tesla” (pp. 595 e ss).
Ora, pelo que se dessume dos autos, não há indicação de inadimplemento no que
concerne à entrega e instalação do equipamento de ressonância, restringindo-se a falta contratual
à ausência de entrega de acessórios que deveriam acompanhar o produto. Mesmo em relação a
esta última falta contratual, posteriormente houve o fornecimento dos acessórios, apesar de
ultrapassado lapso temporal significativo: ao responder à indagação desta Procuradoria-Geral do
Estado acerca do cumprimento do contrato em tela por parte da Interessada, a Gerência de
Administração do HGCR informou que dentre todas as irregularidades apontadas, a única que
ainda estava pendente era a relativa à prestação de treinamento, tendo sido sanadas as demais.
Veja-se o teor da Comunicação Interna nº 781/2019, proveniente daquele órgão:
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Portanto, exceto quanto a um único item – treinamento – houve o atingimento do fim


colimado no contrato, muito embora tenha havido atrasos, frisando-se que quanto ao objeto
principal – o equipamento de ressonância – a demora na entrega decorreu de circunstâncias não
imputáveis à empresa. Levando isso em consideração, o Procurador vinculado, ao elaborar seu
relatório, bem ponderou que “[...] o correto seria a aplicação ao caso de multa concernente de até
9,9% de cada item ou serviço não entregue no prazo [...]”, conforme previsto no art. 110, I, do
Decreto Estadual nº 2.617/2009 (p. 1.328):
Art. 110. A multa é a sanção pecuniária que será imposta à contratada pelo atraso
injustificado na entrega ou execução do contrato, de acordo com as alíquotas a
seguir:
I – 0,33% (zero, trinta e três por cento) por dia de atraso, na entrega do objeto ou
execução de serviços, calculado sobre o valor correspondente à parte
inadimplente, até o limite de 9,9% (nove, nove por cento);
[...]
Em abono à posição defendida pelo Procurador vinculado, registre que, nos termos do
art. 110, III, do mesmo Decreto a multa de 20% sobre o valor do contrato é aplicável em caso de
descumprimento de qualquer cláusula do contrato, “[...] exceto prazo de entrega”. Como, no
presente caso, o descumprimento da avença deu-se justamente quanto ao prazo de entrega, seria
inaplicável a multa de 20%. Nessa direção, relembre-se que o Procurador vinculado consignou em
seu relatório que “A multa aplicada é, de fato, desproporcional, pois o equipamento funcionava
para a maioria das funções”. Quanto às funções para as quais o aparelho não operava, o prejuízo
poderia ser estimado entre R$ 117.905,00 e R$ 282.972,00, referentes aos valores que seriam
pagos a clínicas privadas pela realização de exames de ressonância em que se faz necessária a
bomba injetora, durante o período em que o equipamento estava desacompanhado desse
acessório (20 meses). Por esse motivo, o Procurador vinculado, ao terminar seu relatório, opina
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pela realização de um acordo cujo valor se situe entre as duas quantias acima mencionadas. (pp.
1.328-1.329)
Em caso semelhante ao presente, assim decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul:
APELAÇÃO. LICITAÇÃO E CONTRATO ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA.
DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. APLICAÇÃO DE MULTA DE 10%
INCIDENTE SOBRE O VALOR ATUALIZADO DO CONTRATO. EXAME DA
PENALIDADE À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA
RAZOABILIDADE. DESPROPORÇÃO ENTRE O DESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL HAVIDO E A PENALIDADE APLICADA VERIFICADA.
REDUÇÃO DA MULTA A 4% DO VALOR DO PACTO MANTIDA. A penalidade
deve guardar proporcionalidade com o descumprimento contratual ocorrido e
admite gradações, ainda que não expressamente previstas no pacto. Importa
analisar, assim, o objeto do contrato entabulado entre as partes e quanto houve de
efetivo descumprimento para, então, sopesar a proporcionalidade da multa
aplicada. No caso, o contrato firmado entre as partes previa a instalação de porta
giratória, aparelhos de ar-condicionado (17 unidades de variada especificação e
preço), gabinete de ventilação e mini-ventilador. Dentre os aparelhos de ar-
condicionado instalados pela apelada, cinco apresentaram problemas de
funcionamento e, ainda que tenha ocorrido demora nos reparos, foi observada a
cláusula de garantia dos produtos. Possível concluir, como o fez o magistrado a
quo, que o descumprimento contratual foi mínimo em relação à extensão da obra,
havendo de ser mantida a redução da multa a 4% do valor do contrato. APELO
DESPROVIDO. UNÂNIME.
(Apelação Cível, Nº 70072474307, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em: 08-06-2017)
No presente caso, conquanto tenha havido falhas no adimplemento do contrato, o
descumprimento não comprometeu a finalidade precípua do contrato, que era a entrega do
equipamento de ressonância magnética, de forma que a aplicação de multa no percentual de 20%
sobre o valor total da avença caracterizou uma medida desproporcional. Em rigor, a multa deveria
ser aplicada no percentual de 0,33% por dia de atraso na entrega dos acessórios faltantes, até o
limite de 9,9%, calculado sobre o valor da parte inadimplida do contrato, nos termos do art. 110, I,
do Decreto Estadual nº 2.617/2009.
Configurada a excessividade da penalidade aplicada à Interessada, e,
consequentemente, a viabilidade da demanda judicial por ela movida, revela-se conveniente a
aprovação do acordo firmado entre a Interessada e o Estado de Santa Catarina, no valor de R$
200 mil, dando-lhe eficácia para encerrar a lide relativa aos autos nº 0309928-57.2018.8.24.0023.

3. DECLARAÇÃO DE VOTO
Ante o exposto, voto favoravelmente à aprovação do acordo entabulado entre o Estado
de Santa Catarina e a Interessada Philips Medical Systems Nederland B.V. em 7 de dezembro de
2022, conforme Termo da p. 1.352 destes autos.
É o voto.

Florianópolis, data da assinatura digital.

JOÃO PAULO DE SOUZA CARNEIRO


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