Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A Condição de Homo Sacer. O Direito e A Arqueologia Do Sagrado, Um Diálogo Com Giorgio Agamben
A Condição de Homo Sacer. O Direito e A Arqueologia Do Sagrado, Um Diálogo Com Giorgio Agamben
JSTOR is a not-for-profit service that helps scholars, researchers, and students discover, use, and build upon a wide
range of content in a trusted digital archive. We use information technology and tools to increase productivity and
facilitate new forms of scholarship. For more information about JSTOR, please contact support@jstor.org.
Your use of the JSTOR archive indicates your acceptance of the Terms & Conditions of Use, available at
https://about.jstor.org/terms
is collaborating with JSTOR to digitize, preserve and extend access to Revista Portuguesa de
Filosofia
Resumo
Palavras-chave : direito, estrangeiro, homo sacer, parricidium, vida humana, vida nua
Abstract
Giorgio Agamben's research concerning the words homo sacer is focused on the difficulty
of the relationship between law and human life from the archaeology of sacredness. In the
frame of this reflection, we present the thesis that, between the right and the sacredness
of life, there is a paradoxical relationship that can not be solved by denying one aspect, or
dissolving them. The contemporary paradox of law in relation to human life is an offshoot
of biopolitical paradox of sacredness in ancient societies. To better understand this tension,
it is necessary to make up, minimally, the archaeology of key concepts such as homo sacer,
parricidium and legal-political condition of the foreigner in ancient societies.
Keywords : alien, homo sacer, human bare, human life, law, parricidium
Introduçâo
1. Agamben, Giorgio - O homo sacer. O poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte:
UFMG, 2002.
Vol. 69 —
2. Arendt, Hannah - Origens do totalitarismo. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 2009
3. Foucault, Michel-// fout défrendre la société. Paris: Seuil / Gallimard, 1997 (ediçà
portuguesa: Em defesa da sociedade. Sâo Paulo: Martins Fontes, 2000); Foucault,
Michel - Sécurité, territoir, population. Paris: Seuil / Gallimard, 2004 (ediçâo portuguesa:
Segurança, territorio e populaçâo. Sâo Paulo: Martins Fontes, 2008).
4. Benjamin, Walter-"Zur Kritik der Gewalt". In: Gesammelte Schriften, II. 1, Heraus
gegeben von R. Hedemann & H. Schweppenhàuser. Frankfurt a.M., Suhrkamp, 1999,
S. 179-204 (traduçâo portuguesa: Benjamin, Walter - "Sobre a crítica do poder como vio-lência".
In: Benjamin, Walter - O Anjo da historia. Belo Horizonte: Auténtica, 2012).
5. Benjamin, Walter - "Sobre a crítica do poder como violência". In: Benjamin,
Walter - O Anjo da historia. Belo Horizonte: Auténtica, 2012, p. 79.
6. "Talvez valesse a pena investigar as origens do dogma do caráter sagrado da vida.
Talvez esse dogma seja recente, é muito provâvel que assim seja. Talvez seja o último erro da
enflaquecida civilizaçâo ocidental Benjamin, Walter - "Sobre a crítica do poder como
violência", ed, cit., p. 81.
7. Agamben, Giorgio - O homo sacer. O poder soberano e a vida nua, ed. cit., p. 91.
Vol. 69 "d
Fase.2 A» RPF
8. Agamben, Giorgio - "A ambivalência do sacro". In: Agamben, Giorgio - O homo sacer.
O poder soberano e a vida nua, ed. cit., pp. 83-88.
Vol. 69 -%
Fase. 2
■p-r
Q RPF
Vol. 69
Fase. 2 0 RPF
13. Ibidem, p. 79
14. "[...] ter tomado um fenómeno jurídico-político (a insacrificável matabilidade do
homo sacer) por um fenómeno genuinamente religioso é a raiz dos equívocos que marcaram
no nosso tempo tanto os estudos sobre o sacro como aqueles sobre a soberanía." Agamben,
Giorgio - O homo sacer. O poder soberano e a vida nua, ed. cit., p. 93
15. Carandini, Andrea - La nascita di Roma. Dei, Lari, eroi e uomini all'alba di una civiltà.
Torino: Einaudi, 1997, p. 190.
16. Calore, Andrea - "Per lovem lapidem". Alie origini del giuramento. Sulla presenta del
"sacro" nell'esperienza giuridica romana. Milano: Mondadori, 2000, p. 75.
17. Fiori, Roberto. - "Homo sacer". Dinámica politico-costituzionale di una sanzione
giuridico-religiosa. Napoli: Jovene Editore, 1996.
Vol. 69 *
Vol. 69 '
Fase.2 Q RPF
Vol. 69
Fase.2 Q RPF
Vol. 69 -
Fase2 Q RPF
pessoas. Sâo seres humanos nâo protegidos pelo direito sagrado da polisI
civitas ou da oikos/domus; qualquer violência que se cometa contra eles
se encontra fora do direito sagrado e, por tanto, nao pode ser punido.27
O mesmo direito, através do dispositivo da sacralidade, protege e
abandona.
O homo sacer era aquele que tinha o estatuto de pessoa e os direitos
da cidadania, porém sofreu a retirada desse direito, por decreto soberano.
A suspensâo do direito sagrado da vida do cidadâo implicava a perda
automática da sua condiçâo jurídica de pessoa. Cabe destacar que a vida
humana nas polis antigás nâo era reconhecida como urna alteridade
em si. O outro nâo era necessariamente um semelhante por natureza.
Jurídicamente o outro ser humano só era reconhecido como semelhante
quando se tornava pessoa jurídica, que por sua vez significava estar
protegido pelo direito sagrado da polis ou da oikos.2S O estatuto de pessoa
era concomitante ao de cidadania.29 Só se reconhecia a condiçâo de pessoa
num ser humano quando este detinha para si esses direitos sagrados, caso
contrario, era um homo comunis, um simples ser vivente humano.
O mero homo [homo comunis] se caracteriza por nâo ter direitos,
por estar fora do direito sagrado da polis e da oikos. O homo comunis
é urna vida nua por natureza. É certo que o sentido da sacralidade do
direito nas cidades indo-europeias foi modificando-se, inclusive a sacra
lidade do regime patriarcal foi cedendo espaço para o regime da cidade.
Esta mudança foi acontecendo por força das revoluçôes sociais em que
os eupátridas e patricios cujos status e privilégios estavam ligados à
religiâo da familia, viram-se comprimidos pelas pressóes da plebe que
nâo entendia o sentido nem o valor dos privilégios desse direito sagrado
e que aspirava a novos direitos. O código das Doze Tábuas [Lex Duodecim
Tabularum] em Roma veio a substituir a Mos maiorum, que era a antiga
lei nâo escrita e vigorava como regra de conduta. Na Grécia, o código de
Solon testemunha este tránsito.30
Há urna diferença importante entre o homo comunis e o homo
sacer, este sofreu a retirada do direito por um ato de soberania, enquanto
o homo comunis está fora do direito por "natureza". Esta divisâo social
27. Rüpke, Jörg - "You shall not kill. Hiérarchies of norms in Ancient Rome". Numen,
39, 1992, pp. 58-79.
28. Na perspectiva das polis antigás, a origem do direito está vinculado ao caráter
sagrado dos gens e dos lares. Coulanges, Fustel de - A cidade antiga, ed. cit., p. 100.
29. Iglesias Juan - Derecho Romano. Instituciones de derecho privado. Madrid: Ariel,
1965.
30. Cf., Coulanges, Fustel de-A cidade antiga, ed. cit., p. 378 ss.
Vol. 69 ^
Fase2 S ***
Vol. 69 ~iA
Fase.2 (J RPF
34. Este será o ponto de referência que Agamben utilizará para desenvolver o conceito
de profanaçâo como alternativa política à sacralidade. Agamben, Giorgio - Profanaçôes.
Sâo Paulo: Boitempo, 2007.
Vol. 69 -Uj
Fase.2 £J RPF
Vol. 69 •
Fase.2 Q RPF
lítica nâo decretada por urna vontade soberana, como seria o caso do
homo sacer, mas naturalizada pela ausência normal do direito na sua vida,
tornando o estrangeiro urna vida sem direitos, urna pura vida nua.
Na medida em que as cidades foram consolidando redes de
comércio e suas economías délas dependiam, os estrangeiros se tornaram
elos importantes da riqueza da cidade. Para preservar a presença
económica dos estrangeiros, nâo se lhes abriu a possibilidade de terem
os direitos da cidade, mas se criou um tipo de direito secundário e aces
sório que, de forma normativa, regulava suas atividades. Inicialmente,
criaram-se tribunais especiáis para julgar os casos dos estrangeiros, mas
sem que se lhes aplicasse o direito da cidade. Em Roma, se criou a figura
do praetor peregrinus, em Atenas, o juiz que julgava os estrangeiros era o
polemarca. Nâo por acaso o polemarca era o mesmo magistrado respon
sável pela guerra. Os estrangeiros tinham a condiçâo de inimigos reais ou
potenciáis, e como tal eram tratados. Em Roma, principalmente na época
imperial, a presença dos estrangeiros se tornou vital para o comercio e
as finanças da cidade. Roma tinha que oferecer algum tipo de proteçâo e
direitos aos estrangeiros, porém o ius civile da cidade de Roma nâo poderia
ser o mesmo direito para os estrangeiros porque aquele era um direito
sagrado que só as pessoas das familias, das domus e os cidadâos poderiam
ter.38 A fórmula encontrada foi criar um tipo de direito secundário que se
aplicasse extramuros já que intramuros só podia vigorar o direito sagrado
da cidade. Esse direito foi denominado de ius gentium. Era um direito de
gentes/estrangeiras, nâo de pessoas/cidadâs, que regulava as relaçôes com
os estrangeiros e peregrinos que acudiam à cidade. Este direito sempre foi
considerado inferior ao ius civile porque aquele nâo era um direito sagrado
enquanto este sim. A sacralidade do ius civile outorgava a sua legislaçâo e
normativa um estatuto específico de inviolabilidade prescritiva, enquanto
a positividade profana do ius gentium fazia que suas leis tivessem um valor
relativo e violável quando havia interesses outros.
A condiçâo de mera vida nua a que estava reduzido o estran
geiro nas cidades antigás atingía todas as dimensóes de sua existência.
Nem em Roma nem em Atenas, se lhe reconhecia o direito a ser proprietário.
Era um ser simplesmente sem direitos. Nâo poderia casar-se oficial
mente, já que o casamento gerava direitos e era permitido por direito.
Caso houvesse urna uniâo entre um cidadâo e urna estrangeira, seus filhos
nâo eram reconhecidos pela cidade como filhos legítimos, eram filhos
bastardos, também sem direitos. Sua condiçâo impedia-o de realizar
qualquer contrato com um cidadâo, caso o fizesse, esse contrato nâo teria
38. Al ves, José Carlos Moreira - Direito Romano. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 7.
Vol. 69
Fasc. 2O QRPF
RPF 2013
Conclusâo
Vol. 69
Fase. 2 0 RPF
Vol. 69
Fase. 2 O RPF
II
III
Vol. 69
Fase. 2
-sjkr
Q RPF
Vol. 69 ■
Fase. 2 Q RTF
Vol. 69 -J|
Fase2 Q RPF