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A distopia

Distopia é uma palavra bonita. A princípio ela significa a situação anormal de um


órgão. É uma palavra da linguagem médica. Para filósofos, ensaístas, pensadores em
geral, distopia é como se fosse uma anti-utopia, uma utopia que em vez de sonho se
mostra como pesadelo, em vez de salvação se mostra como perdição da humanidade.
Ideia utilizada muito frequentemente nas artes, em que sociedades centralizadoras,
autoritárias, controladoras fazem da vida das pessoas uma espécie de caos ordenado. Na
literatura, George Orwel com seu “A revolução dos bichos” em que todos são iguais
perante a lei, mas uns são mais iguais que os outros e Aldous Huxley e seu “Admirável
Mundo Novo”, são exemplos mais clássicos de olhares distópicos. Já no cinema, em
1926, Fritz Lang apresentou ao mundo uma visão bastante distópica no belo e cada vez
mais atual “Metrópolis”. O cinema contemporâneo tem usado de maneira recorrente esse
tipo de história: o controle do estado sobre o indivíduo, o uso perigoso e ditatorial da
tecnologia com a possibilidade do surgimento da inteligência artificial, o uso descabido da
genética e da manipulação de vírus, causando catástrofes gigantescas. O engraçado
desses exemplos distópicos é que o epicentro é nos EUA e, obviamente, quem salvará o
mundo é um herói americano. É como se estivéssemos vivendo uma distopia ainda maior:
somos manipulados, formatados nos moldes genéricos da cultura de massa e, para
disfarçar, ela nos engambela com exemplos pretensamente críticos e inteligentes sobre
sociedades distópicas. Nos controlam fingindo que nos dão o controle.
A distopia é um pensamento mais pessimista, mais negativo dos caminhos
possíveis que a humanidade traçará. Não é um niilismo, uma completa negação de tudo,
mas uma crítica às tentativas utópicas de salvar a sociedade, de achar que o humano
ainda será um ser evoluído, capaz de encontrar um equilíbrio, político, social, religioso só
para ficar nas relações humanas, quanto um equilíbrio entre o homem e a natureza. O
olhar distópico não acredita muito na evolução do homem como sociedade. Somos as
mesmas bestas-feras das cavernas, apenas um pouco mais tecnológicos, sabedores de
outras coisas, com controle melhor sobre as doenças, sobre o nosso corpo e sobre o
tempo, mas de maneira geral, ainda muito semelhantes a nossos antepassados mais
peludos. Brigamos, guerreamos, matamos, com armas muito melhores, mas por motivos
ainda mais torpes do que a fome ou o abrigo.
Outra distopia atual está representada num ser sem corpo, nome, endereço fixo,
chamado “mercado”. Ele é o grande pai de tudo, a mão por trás dos títeres. O mercado
dominador, o grande olho, o grande irmão, um ser acima de todos, criador de ruínas,
destruidor de reputações. Quem é o mercado? Por que devemos tanto a ele? Que utopia
conseguirá vencê-lo? Que outra distopia virá substitui-lo? São questões cuja resposta,
talvez, esteja no próximo filme estrelado por Will Smith, o que nos deixa contentes, pois
ninguém tem mais experiência em salvar a humanidade do que ele.

Rubens da Cunha

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