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Copyright ©2006, Maria Critina Machado rire Copyright den eligo © 2006: org Zaher Edie Lids, raMéxio 3 bron 20031-1 Rio deco X) te: (21) 2108-0508 (21) 2108-0500 mal jc@zahireon br sk neato. A teprocuga nc-aoirc desta publ neo ‘sempre const vinac eds nora Les #1098) Ci Caalpado a Sinficato Nacional dor Edone de Lives RL Freee Cristina 196 Pade Arocomerinl/ Cis dame rie Rio ani Jorge Zabae (amen) nc biog 1. Asteconccital 2 Anweoscital- Brad. S.Ane moder Silo XKI.Tinlo lL Se. e007086 sumario Introdusio (7) HerargaFluus (4) Manifesto! agio/exposicio (20) DevoltaaNarcel Duchamp (3) Projetos/situracdes/regtstros. (38) Circuitos alternatives earte portal 5s] ‘Arquivo coma metatera 73] Referéncias ¢ fontes. 7) Sugestées de leitura (79) Introdugéo © QUE 0 SENSO CoML entende por arte é a maior dfi- coaldade que se enftenta para a compreensio da arte contemporanea. Uma obra dearte,paraamaioriadas pessoas, é uma pintura, um desenbo ou uma escul= ura, auténticae Ginica,realizada por um artiste si lar e genial Essas sio as premissas que vim sendo, dlesde Renascimento,sedimentadas no imaginario social.Transformar ess tipo decompeténciaartistica ‘ substituf-la por outra é sem divida um processo longo dificil. ‘As certezas,jé arraigadas, causam dificuldades paraacompreensio de queosartistasreaizaram, s0- bretudo 2 partir da segunda metade do século XX. 5 pa suindo.o imperative de uma hist afrenteyaseqiiéncia dos“ismos” resiste em aban. que se move rien frore donar idéias jéaceitas, como a nogao moderna de ‘autonomia da arte, para abarcar as poéticas contemn- ordneas, A Arte Conceitual problematiza justa- mente essa concepgio de arte, seus sistemas de legit macio,¢ opera nao com objetos ou formas, mas com {dias € vonceitos, Questoes levantadas desde o final dos anos 60 ¢ ao longo da década seguinte, periodo abrangide pela Arte Conceitual, so ainda pertinen- tes emobilizama critica da produgao, recepgio culagao artisticas no panorama atual. Por isso, este pode ser considerado uum programa inconcluso. A isting entre Arte Conceitual ~ come movimento. notadamente internacional com durasio definida hi hist6ria da arte contemporanea ~ conceituals mo tendéncia critica \ arte objetual que abarca di- ferentes propostas, como arte postal, performance, instalagdo, and art videoarte,livro deartistaete.—€ raitas vezes difusa, Dest man 1-n8o procuro aqui sinteses nem. de programas, nem de estos, mas identificar algu- ras das interrogagoes eestratégias langadaspela Arte Conceitual, em especial no Brasile na América La- ‘tino, para as quais as priticas artisticas atuais se vol tam com vigor renovado. Isso porque, vale notar, a Arte Conceitual, de modo geral, pera na contramao dos principios que norteiam 0 que seja uma obra de artee por isso representa um momento to significa- tivo na histéria da arte contemporanea. Em ver da permanéneia, a transitoriedades a unicidade se esvai frente a reprodutibilidade; contra a autonomia, a contextualizagao; a autoria sc esfacea frente is posti- cas da apropriagao; a fungdo intelectual 6 determi- antena recepgao Taiscontradigtesabalam as estr luiras do sistema da arte hé pelo menos meio século, ‘ou quase um s6culo se pensarmos em Marcel Du- champ. Nas paginas seguintes nos deteremos na influtncia seminal desse artista para a Arte Con- ceitual e mais amplamente para a arte contempora- hea. £ certoque as vanguardashist6ricas,em especial surrealism, o faturismo ¢sobretudo,odadaismo, fanunciavam essas mudangas, apontando, cada ‘qual de uma maneira, ume certa pré-histbria da Arte Conceitual, Mais tarde artistas como o francés Yves kKlein,o norte-americano John Cageeswasexperin~ ias com o som € siléncio, akém do grupo Gutai ne Japao eos Situacionistas na Franga, para citar apenes alguns, desvencitharama artede nie materialidade sensivel ou, em outras palavras, do seu destino co- ‘mo mercadoria ‘Accritica de arte norte-americane Lucy Lip- pard, no inicio da déceda de 1970, chamou essa tendencia de desmaterializacao da obra de arte. Mas,desde meados dos anos 50, 0 universo da ar te expande-se,¢, definitivamente, 2 esfera da arte Ultrapassa a auto-referencialidade moderna, vol~ tando-se para o mando real. Contetidos politicos, antropolé gicos einstitucionais tensionam osdomi~ iplasdimensdes, ios daarte, O contexto,em suasim arte concetual E ceiatere deixade ser uma abstracio e, nfo taro, torna-se.cen- tral em muitos projetos. Asagdes,situagdese perfor- ‘mancesespalham-sepelacidade, misturando ospéles a criagdo ¢ recepgdo da arte, ca figura do artista se Gili, Em suma,a Arte Conccitual ditige-se pera alérn dle formas, materiais ou técnicas.£, sobretudo, uma critica desafiadora ao objeto dearte tradicional. A preponderancia da idéia, a transitoriedade lade-dos materia utilizados, a atitude critica frente is instituigGes, notadamente 0 ‘museu, assim como formasalternativasde circulagzo das proposigées artisticas, em especial durante a ddécada de 1970, sio algumas de suas estratégias. ‘Nota-se um acento politico na produgio bras Ikira elatino-americana,em quea Arte Conceitual se distingue pela contextualizacao e ativismo de con- tetido utépico, em oposigao & auto-referencialidade da Arte Conccitual na Europa e nos Estados Unidos, 'Nao por acaso, 0 periodo de maior relevincia para a Atte Conceitual coincide com o das ditaduras nos paises latino-americanose no Leste Europeu. ‘As proposigdes conceituais negam aaure de ‘eternidade, osentido do tinicoe permanente pos- sibilidade dea obra ser consumida como mercado ria, & nesse momento que as performances, ins~ aveis no tempo, ¢ as instalagées, tcansitérias no ‘P20, tormam-se posticassignificativas.A efemeri- dade das propostas sugere a mais intima relagéo entre arte vida. Freatientemente sio acées queao se situar dosmeiosea prec num corpo mais amplo (social e politico projetos queexpandem olimite da subjetividade,mis- lurando as esferas do publico e do privado. Perante «1 produgao, os espacos de exposicao precisavam também serreinventados. Deste entao, nao parece ser possivel encontrar o sentido da obra dentro dela ‘mesma, como queria 0 mais influente critico norte- nericano do século XX, Clement Greenberg. © campo artistco expande-se.A critica formalista, cen- la nos prinefpios de hegemonia da pintura e do papel autonomo da arte, nao se sustenta antea Arte Vop,ominimalismo-e, maisainda,frente as podticesde artistascomo Joseph Beuys, John Cage, Jan Swidinski JonoslawKoalowski, Hélio Oiticica, LygiaClerke Artur Iharrio, para mencionar apenasalguns, Reescreverahist6rindearterecentetem sido preo- cuupagio constante dos historiadores e crticos, @ a ‘myportancia do que foi realizado nesse pertodo em ides distantes do eiw hegemanico, como o Leste uropeu ou a América Latina, ndo pode ser menos- prezada, Nao se trata aqui de operar uma distingdo e0gréfica das poéticas conceitwais, mas de ampliar 0 conhecimento de sua emergéncia original efecunda, Algumas exposigoes realizadas na ultima década ‘oram muito importantesnesse movimento dereava- liagdo da historia da Arte Conceitual, entre elas“L’Art conceptuel une perspective” (Paris, ARC Muséed Art Moderne de la Ville de Paris, 1989), “Reconsidering the objectofart’, 1965-1975 (Los Angeles, Mocs, 1995), arte concotuat crtina ore 2] “Out ofactions, Between performanceand the object’ 1949-79 (Los Angeles, Moca, 1998) e finalmente “Global conceptualism: points of origin, 1950-80" (Nova York, Queens Museum, 1999). E certo que os artistas brasileitos mais destaca- dos nas potticas conceitualistas nao admixiram que suas obras fossem consideradas dentro do rétulo “Arte Conceitual” importado com 0 sucesso de Joseph Kosuth, Porém, tanto nas formas discursivas como no contetidocognitivo explicit, amatureza des sas obras éconceitual. Para viriosautores, como octi- tivo inglés Peter Osborne,por exemplo, a Arte Con- ceitual na América Latina pode ser entendida como uuma reagio contra os modelos artisticos da Europa ¢ dos Estados Unidos veiculados aps aSegunda Gucr ra como projeios de modemizacao paraa regiso (en tenda-se abstracio lirica e expressionismo abstrato), Js90 porque foi odeslocamento daspraicasdas insti tuigSes artisticasoficias paracdominiosocial epoli- ticoquetornounecessiriaa substituigdo dobjetode aite pelas operagdesconceituais. Sea expressio Arte Conceitual orientaums pla- taforma hist6rieaecritica comparti nalmente, interessa aqui levantar suas peculiaridades nos paises latino-americanos. sada internacio- Nesse sentido, torna-se muito limiteda gual- ‘quet aproximago entre as investigacdes filos6fieas do norte-americano Joseph Kosuth ou do grupo in- alés Art and Language e 0 que artistas brasileiros como Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo Meireles, centre tantos outros, vinham fazendo no mesmo pe- ‘iodo. Asespeculacoes filos6ficas de Kosuth definiar ‘sentido da representag4o, explorando uma an filosdfice da linguagem, Em 1965 esse artista inicia ‘uma sériede trabathos em que justapde objeto reais, fotografias e definigdes desses objetos encontradas nos dicionérios. Esse tipo de trabalho tornou-se cblemitico dentro da bistoria oficial ehegeménica da Arte Conceitual, notadamente norte-americena € curopéia, que, aliés, toma 0 minimalisrno come seu momento origindrio ~ 0 que, diga-se de passagem, 6 rector, pois desconsidera muito da produgio artis- tica conceitual, na qual o objeto de artese volatiliza. Mesmo que a Arte Conceitnal sejacircunscritaa sum periodo deumadécada,asquestOesque dalangou ‘0 bastante atuais Isso porque interrogam as posi~ «cs, sempre instaveis ¢ cambiantes, das figuras que compéem 0 sistema da arte (critico, curador, editor, salerista) do estatuto da obra de arte (por meio da indiferenciasao entre documentacao e obra ce atte). zssim como dos meiose intituigdes que ley Faz-se necessério ampliar os sentidos da Arte Con- ccitual,incluindo ages quepartem docotidiano,mis~ turandoartee vida, ¢ para asquaiso projetoe registro integram tama mesma obra. "Exemplos dessa situagies foram as criadas pelo grupoFluxus Aliés,umdos primcirosartistasausaro termo Arte Coneeitualfoj Henry Flynt, um membro arte conceitual EZ erietina rere do Fluxus, em 1961, embora a denominasio 56 fosse se sedimentar nos discursos criticos na década se- suite. Fsa relagdo do Fluxus com a origem da Arte! ‘Conceitual, muito embora tenha sido dissipada no decorrer da histéria,é de fundamental importancia, Heranga Fluxus E certo que as vanguardas russas anunciaram, jé no comeso do século XX,a mistura ea equivaléncia entre ‘meios e praticas artisticas e sociais. Nas décadas de 1960 ¢ 1970, tais prineipios sio revitalizados nas poe ticas Fluxus (1962-1978), esse grupo de artistas de vrias nacionalidades que colaboravam entre si na Europa, EUA ¢ Japao, Estruturado ao redor da figura de George Maciunas, artista lituano radicado nos Estados Unidos o Fluxus conton com a participagso ‘de Nam June Paik, Joseph Beuys, George Brecht, Ben ‘Vautier¢ Wolf Vostell,entre outros. Desenvolveu uma atuagio sociale politica radical, que contestava a arte ‘como instituigao por meio de performances, filmes e publicacoes(contando com editora propria,a Editora Fluxus). O termo “Fluxus” foi originalmente criado por Maciunaspara ero titulo deuma revistaque teria ‘como objetivo publicar textos de artistas de van- guarca. Alogicac publicagao edisseminasio de con- ‘etdos para além da “cultura séria”esclarece muito de ‘seu espiito, lodavia, ansuspassoua designarecarac- terizar uma série de performances organizadas por Maciunase outros artistas na Europa. Essas apresen- tagdes, nde raro multimidia, foram prolongedas, tomando-se festivais ~ Festum Fluxorum ~ que. jetcorreram varias cidacles como Copenhague, Pa- ris, Diisseldorf, Amsterdam e Nice. As performan- es e happenings realizados pelo grupo, bem como suas publicagdes. filmes e videos, tiveram um pro-_ fiundo impacto nasartesdaquelas décadasem raz0 le sua postura radical e subversiva, ainda gue rara~ mente politica. (Ocfémerodasagies Fluxusmisturavaartee iano, buscava descruir convengdes evalorizar a cria- 20 coletiva de artistas, miscos e escritores. Fluxus ‘marcou um momento de experimentasdo comum cntre artistas da Europa e da América do Norte asim como influencfou maisde uma geragio de artistas em diversos pases, inclusiveno Brasil. Nao secompreence bem o alcance de obras como as de Paulo Bruscky ou de Ivald Granato {nos anos 60), eventos como a “Exposigio nao-exposicac” (1967) de Nelson Leirner, além deoutroshappeningsrealizadosna RexGallery & Sons, em Séo Paulo, ou, mais tarde, “Mitos vadios” (1978),semse perceberai também o espirito Fluxus. Para eriticos como Kristine Stiles, uma das con- tribuigoes centraisdlo Fluxus foi a articulagao entrea esfera da poiesis (o fazer e a produgao de coisas) a pris (a agdo na esfera social), que vém sendo inte ‘rads, respectivamente, como linguagem € como are concetuat crane eee (6) pratica institucional. © espfrito das agdes Fluxus reside na demonstragio de como o compo é 0 agente consiruior de significados de conhecimentos sensi- veis.Bssa seria afonte para a manipulagio de objetos, temas sociais ¢instituigoes, assim como invengio, reinvengio eindagacio da linguagem, E fundamental notaraimportinciaseminaleos escobramentos dos conceitos postulados por Dick Higgins ~ poeta, mésico, editor e artista membro do Fluxus-, que toma aobra de Marcel Duchamp (1892-" 1968) como principio para delinear, em 1965, 0 cont ceito de “intermicin" que viria a ser muito utilizado pelos artistas na década seguinte. O readymade de Duchamp, observa Higgins, sugere um campo inter~ ‘medifrio entre arte e vida. Higgins propde uma defi- nigdo ma qual a obra situa-se no meio, em oposigio a simples combinagio de meios (do multimicia). A idéia de intermidia esta entre os 12 prinefpios gue compdem © expirite Fluxus, juntamente com o li dco, 0 aczso e a unidade entre arte e vida, entre ‘outros. Sobre esse aspecto da postica Fluxus escreve Ken Friedman, um de seus membros: Se nao hi fronteira entre arte e vida, nao deveris hhaver entre as diferentes formasdearte, Para fins da da histbria, das diseussbese distingoes € possvelreferit-se as diversas formas de arte separa- damente, mas. sentido intermidia frequentemente inclui arte oriunds de diferentes raires, de muitas rnfdias que se multipicam em: novos hibridos. Ima- sgineumaforma deartequesejacomposta 10%demt- sica, 2596 de arquitetura, 12% de devenho, 18% de oficia de sapateiro, 30% de pintura e 5% dos mais divorsoscheires, Como seriaessa arte? Pensamentos como esse deram origem as mais intereasantes obras de arte de nosso tempo, muito «bora os artistas ligedos ao Fluxus tenham sido; até Inito recentemente, desconsiderados nessa proto historia da Arte Conceitval. A influencia de John Cage, artista, musico e compositor que disseminou ¢ influencia de Marcel Duchamp na América do Norte por meio de seus «ctitosallas seminariose performances, oi funda sncntal no pensemento de muitos artistas que, mais turd, vieram a participar do Fluxus. John Cage j ombinavaflosofiaoriental com fenomenologiaoci- leatal nas anos 50/em aulas no Black Mountain Col- lege, d2 eujos seminarios também participaram 0 \oreografo Merce Cunningham e os artistas Robert \wuschenberg, Nam June Paik ¢ Dick Higgi ‘onteos. Usando 0 milenar livro chinés do I Ching, Jolin Cage introdur procedimentos do acaso na are, ‘como uma técnica para distanci-la do egocentrismo ‘aracteristico da producto estética desde o Renasci- nento, Cage pensou aconsciéncis comoum proceso hnoqual aaweestaria necessoriamenteenvolvidacom ’ ocato, a indeterminagao e aspectos casutsticos da hnaturera eda cultura, 07) arte coneeitust E_ crstntrove Ocatilo breve e criptogrifico de Duchamp em seus escritosna Caixa verde, porexemplo, foi um ele- mento de inspiragao para os projetos de eventos, transcritos como partituras, assim como para a¢oes ainda mais sintéticas que anos depois, com George ‘Maciunas, foram realizades pelo grupo Fluxus. Agdes banais como epagare acender luzes,aumentare abai- xar 0 volume do ridio,em suas cabticas e complexas Dorquestragbes, sio herdeiras do espirito dad, Como ajOes transit6rias indicadas em “partituras de even- tos’ esses projetos sio peculiares ao repertdrio de George Brecht e identificam essas primeizas agées Fluxus. iluencia de Duchamp também é decisiva, notou entao que os :membrosdo Fluxus deveriam buscar suas aividades ariisticas no cerme das experiéncias cotidianas: co- rier, dormir,andar ete, Muitas ages Fluxus partem_ dde“instrugées" 0 que Brecht chamou de“readymade, temporirio”, Sao exemplares as “Instructions for paintings” de Yoko Ono, realizadas 20 longo da écada de 1960,comoa Pepade voz para soprane,onde cla enumera asagdes/vozes/gritos a serem realizados George Maciunas, para quem a Por outros. Escreve Yoko: Grite 1-Contrao vento 2.Contraaparede 3.Coatra océu Fsses textos sio urn tipo de documentagao na rte Conceitual podem ser ldos de diversas mane- Jus: como partituras musicais, artes visuais, textos ;posticos, instrucdes para performances ou proposi- ‘oes paraalgum tipo de agio. Ocupam,ne maior parte das vezeseste lugar intermedirio entrea idéiaea sua realiza¢ao, Novamente, aobra de John Cage € paradig- atica para ssetipode'‘partiurs":No trabalho #33”, «le 1952, Cage instrui o miisico a ficar em silencio € inndvel durante 0 tempo estipuledono titulo da obre. ‘A forma de circulagao desse tipo de trabalho & também digna de nota, Por ser impressa em publice- ‘oes simples, como livros ce artista, brochuras ou nvesmo revistas,torna-se maisamplamente aeessivel No entanto, muitas vezes, éconsiderado superficial ‘nienteou confundide com gravuras, textos literarios ‘on poesia. Ou seja, ume relagdo entre o projeto sua ‘calizagdo, sua “performance’, € desconsiderada {quando 0s projetos sio equivocadamente tomades ‘como elementos autdnomos. F decisiva af a relagio sla lingcagem com aag3o nas infinitaspossibilidades «lesua realizagao,além da inexorsvel participagao da iéneia, A linguagem ¢ utilizada como elemento ‘de articulagdo com a realidade cotidiana. £ impor- Aunte notara diferenga em relagio ts indagagoes de Kosuth mais pautadas pele filosofia de linguagem. elemento que distingue 0 conceitualismo anglo- suxao de sua vertente latino-americana, que se volta para realidade politica e social O09) arte conceal cristina rere z Manifesto/acao/exposico © artista norte-americano Sol LeWitt publica na re- vista Artforum, em 1967, Parigrafos sobre Arte Con- ‘citual. Nese texto, atesta que a idéia € mais impor tante que a realizagao do trabalho, cuja porcao visival ‘ouaparente¢ secundaria, Nesse mesmo ano, no Brasil, Hélio Oiticica divulga no catalogo da exposigio “Nova objetivi- dade’, realizada no Museu de Arte Modernado Riode Janeiro, um texto que seria seminal para a arte con- temporinea, ¢ nao apenas no Brasil. Estabelece al ‘gus pontos que desenvolye dentro de um programe proprio. Sio cles: vontade construtiva geral 2. tendencia parao objeto sernegadoesupersdodo quadro de cavalete Participagio do espectador (corporal, til, visual, somantica et.) 4, abordagem ¢ tomada de posicio em relagio a problemas politicos, sociais, ticos 5. tenténcia para proposigdes coletivas e conse- ‘quente aboligo dos “ismes” caracteristicos da primeira metade do século XX na arte de hoje (tendencia que pode ser englobada no conceito ‘de“zrte ps-moderna” de Mario Pedrosa) 6. ressurgimento e novas formulagies do conceito deaniarte Binteressante notarque cada um desses topicos aproxima-se da nogao de uma arte “desmateriali- zada".O publico, que Hlio Diticica chamade partici- pador, 60 motor da obra eassume comsua negacae a passividacie uma posiglo critica na dimensdo ética © politica. Em dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional n*5, que recrudesceu a ditadura militar ‘no Brasil, evando & perseguica0 e prisdo de artistas e intelectuais. No ano seguinte seria proibida, no Ma- seu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, a exposi¢io dos selecionados para participer da VI Bienal de Paris,o que provocow um cnérgico protesto de Ass9- «asio Brasileira de Criticos de Arte, Organiza-se,do exterior, um boieote & Bi Paulo. Representagbes estrangeiras, assim como ‘grande parte da comunidade artstiea local, nao par- ticipam da mostra, como forma de protesto a dita- «luca militar. Esse boicote durou até 1983, quando 0 paisretomou a democracia. Nobojo dos movimentoscontestatorios—como ‘ cstudantil de maio de 1968 na Franga, queclamava por mudangas ne sociedade, ¢ © da contracultura obilizado na América do Norte em reagao Guerra slo Viet historia da Arte Conceitual foi sendo claborada também a partir de exposicoes. Em 1968, quando a ditadura militar provocou no Brasil © fechamento de exposigdes e « perseguigao a intelec ‘ais ¢ artistas, era inaugurada em Berna, na Suica, a wl Internacional de Si0 BZ ctouna rere exposigao “When attitudes become form — works ~ concepts ~ processes — situation ~ information’, com curadoria de Harald Szeemann. Na pagina de rosto do catélogo Szcemann indicou o mote de sua pro- posta curatorial: “Live in your head.” Essa exposicéo representou um merco na apresentasoda arte como processo, isto é,nanegagdode arte objetual ema util- zacio de materiais “precirios” ¢ nio convencionais. Além disso, indicava a expansio para outros espacos além daqueles delimitados pelo local expesitivo con- Yencional. £0 processo criativo do artista, ¢ nao seu resultado, que se coloca em primeiro plano, Con- ceitos, processos e informacdes sao as expresses dessa arte que se pauta na vivencia. Participaram da exposicao artistas da Europa e dos Estados Unidos como joseph Beuys, Jon idbets, Joseph Kosuth, Mario Merz, entre muitos outros, masnenhium brasi- Ikiro, Fssa mostra anteci ou uma questo extre mente importante para as instituigGes museoligicas nosdias de hoje:o entendimeniodo museucomo um espaco de experimentagao, aberto a presenga dos antistas sem distinguir em seu interior espego de cria- ‘20 ede exposigdo de obras. Em 19700Museu de Arte ModernadeNova York (MfoMA) inaugurevaa exposigio"Information’, com ‘curadoria de Kynaston MeShine, Foi uma das poucas exposigGes de Arte Conceitual no periodo que inclu trabalhos de artistas latino-americanos ¢ também daqueles oriundos de paises comunistas. Partici param dessa mostra, entre outros, Artur Barrio, Gui- Terme Var, Helio Oiticica ¢ Cildo Mireles, Citicica negou veementemente estar represen tandoo Brasil, que naquele momento viviasoba dita~ dura, ¢ introduziu a0 puiblico norte-americano, no texto do catélogo da exposicio, aspectos da obra Tropicdlia ede seu Programa Ambiental mais amplo. Artur Barrio enviou paraa mesma mostra fotografias um filme, registro das Situagoes TE, trousas ensari- _gllentadas, Cildo Meireles apresentou obras de seu projeto Inserrdes em circuitos ideolBgicos, iniciado naquele ano. Esse trabalho foi também emblematico parao periodo.0 Projeto Coca-Cola o Projerocédula, realizadosao longoda décadade 1970, operararicom sistemas cotidianos de troca, adotando uma estraté= sla de guerritha ao tomar as redes como meio. 0 artista apropriou-sede objetosem circulagdo nas to- «as do dia-a-dia, subvertendoseussentidoscom pala- ‘yeas ¢ frases contundentes, que represeatam golpes certeiros na situacio vivida pela sociedade brasileira hhaquele momento, Sdo sentencas como “Quem ma- tou Herzog?’ corimbaclas em cédulas, que por certo nao seriam destruidas, retornando-as a circulagio. como um grafite em movimento. £ certo que exposigdes paradigmiticas adotam pprincipios curatoriais distantes do convencional, mas slgumas distingoes sto significativas Na mencionada ‘exposigao “Information”, o cardter de pura infornoa- ‘20 na apresentagio des obras foi muito critcado, ea 2 arte concetuat ree bq curadoria de Kynaston MeShine projetou um espaco branco, impo € neutro para a mostra, sem dispensar ‘3 elementos da museografia tradicional como vitti- nas ¢ bases. O méximo de participagdo do artista parece ter sido no projeto de Vito Aeconeci, que pas- sou a buscar sua correspondéncia no museu (Area de Servico, 1970), durante a exposiglo. Quanto ao pu: biico, esse yarticipou na enquete de Hans Haacke que confrontava o visitamte com informagoese perguntas ‘nas quais solicitava uma tomada de conscitncia e posicionarnento em relacto a interdependéncia das -esferas da arte € da politica. ‘Na retiprocidade entre arte ¢ vida, conclamada peloFhinuse por viras geracdes de artistas, descons- ‘e6i-seaawonomiado cubo branco, simbolo da gale ria de arte esconectada do mundo exterior pare que ‘omuseu se ore oepicentio dasubversdodasnormes rigidase denogdesaceitas enaturalizadas. As patedes brancas das galer moderos.padriohegeménico paraasexposicoes do século XX, scentuam essaidéie deeutonomiada obra de total dstanciamento do mundo, ou seja, de ou- tzos contextos além do puramente estético. No en- saio paradiginético “Inside the white cube, The ideo- logy of thegallery space’, do artista e critico Brian O'Doherty publicado originalmente em 1976 revista Artfaruni,a galeria, ou o museu, 60 ponto pri vilegiado deanilise da produgio erecepgao daarte, na galeria ~ou eubo branco—que ocorre a transi \ago da percep ligada aos fendmenos da vida em valores puramente formais. Segundo O'Doherty, essa seria a doenga degenerativa do modernismo. Nao por acaso muitos artistas nesse periodo, in- ‘luindo © préiprio O’Doherty, assim como Robert Smithson, Robert Morris, Hans Haacke e Marcel Hroodthaers,entre outros, ealizaramobrasquecolo- catam 0 contexto expositiva, fsico,simbélico e an- {ropolégicoem primeiro planoem seus trabalhos. As ‘molduras serio entio substitufdas pelo diseurso especializado,e0 espacoda galeria nao sera mais deli ‘mitado unicamente pelas paredes brancas, mas pelos aligns que dao acesso 2s obras. A no«ao deautono- twin da obra de arte, assim como a critica formalista quea acompanhava~ e até entao possibilitavaa per- junta “o queéarte?® como se fosse possvel fornecer 0) sta interrogagio respostas universalizantes - tor- ‘no se anacrOnica. £justamente a partir do finel dos 1108 50, ¢ mais sistematicamente nas duas décadas soquintes, que se passa a perguntar nao mais © que é ite, mas onde ela est. O abjeto de arte desmateria- lisa-se, confurnde-se com a vida cotidiana, revela-se ‘61 processo, ocupa espacos expandidos indiferen- Giivcis, O registro em fotografias e filmes torna-se privilegiado para obras transit6ries no espago € no Hempo. Substituem-se as interrogagdes acerca do fobjctode ertepor aquelas defundomaisepistemolé- ico, sobre 6 objeto da arte. A politica deixa de ser ni esfera autonoma, e,mais do que objetos de arte co arte conceituel riting freire g isoladaments, interessam aqui as esteatégias utiliza das pelos artistas. A transitoriedade dos meios ea precariedade dos materiais utilizados, sobretudo frente a realidade cocioeconomica da América Latina, tornam-se alternativas crticas. Isso porque para varios artistas no Brasil era necessério, naquele momento, estabelecer relagao entre o valor econd- mico dos materiaisutilizadose sua relacao com cir- culos de privilégio. Em $0 Paulo, por exemplo, nos anos em que esteve& frente do Museu de Arte Contemporinea da USP (MAC-USP),6historiadordaarte Walter Zanini~ completamente isolado dos crfticos, que pouco ou hada entendiam de suas propostas — foi incentivado porartistasque, junto com ele, orgeniza~ ram exposigdes coletives no Brasil ¢ no exterior esti- mulandoo uso do museu para desenvolvimento de projetes, cursos, palestras ¢ como forum de debates. ‘Assim como 0 trabalho artistico nao estaria desvin- culado de todo o seu contexto, a exposicao também doveriaestarorganicamente ligadaaseu tempo.Den- to desse espirito foram realizadas as exposigoes “Jovem ArteContemporanea” (JAC); darante todoo periodo da ditadura militar ‘Naqueles anos dificeis, um “espago operacional” seria elemento que melhor expressaria ima museo~ Jogia revolucionaria quanto aénfase ecperimental das ymente tendéncias conceituais, © museu, nessa concep¢zo, deixa de entrar em cena depois da obra, tornando-se concomitanteacla, Assume,assim,uma posigio ativa, ‘Como definiu Zanini, na época, “deixa de ser um ‘orgao expectante cexclusive,armazenador demem6- rias,paraagir no nitleo das proposigdes criadoras,ca participagio direta dos artistas ¢ decisive” AGJAC, por exemplo, ocorrida em 1972, tinha ‘como objetivo declarado alargar o imbito da exposi- «io tormando-a uma yerdadira manifestacto numa ‘epoca em que qualquer demonstracio, ou mesmo reunilo de algumas pessoas em espaco publico, era proibida. A exposigio, de fato, configarou-se como uum processo. Os participantes permaneceram ocu- yyands,literalmente, 0 museu nas duas semanas de tealizagao da mostra. A énfase era deslocada do objeto pproduzido para os processes de produgzo e visava, sobretudo, a consciéncia de suas signiticagdes, Ao se lispensar o jtiri ou qualquer autoridade externa, a partieipagio dos inseritos ocorreu sem qualquer cen- dace de confionto, cola- horagdo, auxilio, permuta, construgao ¢ destruigio, lem da discussio permanente entre 0sparticipantes, concretizoua autorie coletiva aexposigae. Em pleno regime militar, realizou-se na exposigio/manifesta- do um*exercicio experimental deliberdade”. Ecerto \quea participacio do paiblico 6 muito relevante para 1 pensaro papel das instituigdes etestar seus limites, ‘Comotermo“artece guerrilha’—cunhado pelo critieo Frederico de Morais, em 1969, para comentar Irabelhos de Artur Barrio, Cildo Meireles e Antonio ree concettuat extatina ree 28) Manueh entre outros, 0 corpo eas ages dosartist passam a ser esse locus privilegiado onde o social politico e o subjetivo se configuram em seus multi plos sentidos e diregdes. O conceito convencionali zado de obrade artee os locas institucionais parasua ‘exposicio tornam-se, entao, insustentaveis. Em Belo Horizonte, em 1970, Frederico de Morais organiza “Do corpo a terra exposicao/manifestagao coletiva realizada no Parque Municipal da capital mineira, Esse evento foiintegrado a mostra“Objecto e partici« 1pacio”, ocorrida no Palicio das Artes, simultanea- ‘mente. Pela primeira vez no Brasil os artistas eram convidados a realizar projctos efémeros ¢ com mate= riais precérios € a ocuparfintervir dirctamente no espaco piblico. Ao comentar a radicalidade contun= dente dos trabalhos realizados, 0 critico mineiro ‘observa: “Vanguarda nao ¢ atualizagio dos materia no é arte tecnolégica. £ um comportamente, ui modo de encararas cofsas, os homens e os materi, umaatitude definida diantedo mundo. Bo precério, come norma, alata como processo de vida, Nao esta ‘mos preocupadosem concluir, em dar exemplos,ei fazer historia-ismos”” também é experimentada pelo espectador nun espace expandido. Sao propostas eexperiéncias mith tiplas, sobretudo cinestésieas, em que a meméri involuntéria oriunda do corpo irrompe pelo movis mento. 0 olho ve, porém: o objeto é reconhet compo. Entramos aquina discussio que permeia todo debate entre arte modernae contemporanea etrage ov distingdes entre autonomia e contextualizagdo da bra dearte, Ao extrapolar a visdo retiniana,a expe- ridncia da arte é maltipla,envolve todos os sentidos. Disso decorre que o espectador fez parte do processo Gintivo, Em outras palevras, como ja havia argumen- tlo Duchamp, € 0 espestador quem fz a obra Emarelagio as matrizesinterpretativas,foi neces sirio que abordagens diversas como antropologia, psicandlise, sociologia, assim como as teorias da iiformacdo, semiética e Tinguagem, fosser incorpo- uulasem defintivo a0 estudo daarte,alargando, obs jaloriamente, seu campo, A universidade abrigou huilas pesquisas de artistas, Ein So Paulo, Walde- narCordeiro, em 1968, abandona a criagio de obje- Jose comega a pesquisar as possibilidades de criagao 1 1istica com ocomputadorem parceria com Giorgio Muscat, professor de fisica da USP, Desse momento in diante o artista participou de varias exposigaes Jelicionadasaartee computagao no Brasil eno munn- sho. 1971, organiza na Paap (Fundacae Armando Alvares Penteado) a exposigao “Astednica’, neolo- isin criado pela fusao das palavras “arte” e“ele~ Anbnicae que passoua denominar seus experimen J nesse meio. No ano seguinte, contratado como ssquisador na Unicamp,cria Centro de Processa- 1 Ge Imagens econtinua sua pesquiss, dessa ver 10 decientistas. (29) te conceit cistha fee ba Se as universidades garantiram aos artistas em Sio Paulo umespago generoso paracriagio, no Rie de Janeiro foi relevante 0 papel desempenhado pelo Maseu de Arte Moderna (MAM). Em 1969, Frederico de Morais, Cildo Meireles, Guilherme Vaz € Luiz Alphonsus criam ali a Unidade Experimental, Nos anos seguintes, foram realizadas manifestagbes artis- ticas abertas 20 ptblico na parte externa do Museu 05 Domiingosde criagao” Esseseventos,organizados por Frederico de Morais, receberam nomes relacio- rnados com os materiais usados nas produgdes: “Um domingo de pape!’ “Domingo por um fio’, “O som do domingo” etc. Entre 0s pressupostos estavam a liberdade quanto 20 tipo de material, quem realizaria o trabalho ~ artista ou nao ~,a valorizagio da ativi- dade criadora mais que o objeio,a proximidade cada vezmaiorentceartistac piblico,e suarealizagio num espaco aberto e democratic. ‘A exemplo de alguns museus brasileiros, que funcionaram durante regime militar como territ6- ros de liberdade, em outros paises exposigées foram Pensadas como tuma forma de ativisma. Foi o caso da exposigdo/acao“Tucumdn arde’,realizacdanascidades de Rosério ¢ Buenos Aites, na Argentina, Valendo-se de estratégias dos meios decomuni- cacao, “Tucuman arde” tornouse pretexto para de- suunciara situasdo vivkda numa regido muito pobre daArgentina,assoladapeladitaduramilitar;no final da cada de 1950. 0 levantamento estatistico sobre a realidade social da provincia de Tucumsin entao foio ponto de partida para essa exposigta/protesto que tenvolven tedricos, sacidlogos, artistas, cineastas € foldgrafos,e sobretude a Confederacién General del Irabajo (CGT),além de Jaime Rippa, Rubén Naranjo, Norberto Puzzolo, Roberto Zara, Martha Greiner, Noemi Escandell, Roberto Jacoby € Len Ferrari, artistas de Rosério, Santa Fé ¢ Buenos Aires que, junto comoutros,integravam ¢ Grupo de Artistas de Vanguarda. Apresentararealidade forjada pelo poder dom ante em conluio com os meios de comunicagae de ‘masses, em contraposigio as estatisticas realistas dos indices de miséria na regiao, foi a estrategia adotada ppelogrupo para instigara consciénciaertica dos visi- antes dessa exposigde/manifestagdo. Realizada em 1968, em espagos nao convencionais como sedes de Sindicatos, atraiu. um piiblico muito maior e mais cliversificado do que aquele acostumado a freqitentar ualerias e museus,“Tuctiman arde” representa a ope- racionalizago da midia pelos artistas ao revelar, por ‘meio daexposis20,ando-contradigaoentre ocontrole Ucinformagio, a arte ¢ a politica. Atrair a atengio da snidia para exposigao iris reproduvzire difundirmais sindaa informaca0,o que para oGrupode Artistasde ‘Vanguarda poderiacriar um*cireuitoinformacional’, tarefa principal de uma arte revolucionsria” [A proposta, explicaram os artistas num mani- co ate conceal retina freee (x) realizar umaartetotal,transformadora e social apar- tirde um acontecimento esttico come niickeo onde sc integramte unificam todos os elementos que con- formama realidade humana, que destoi separagio idealistuentrea obra co mundo,condeseintegrammas forcas revolucionérias que combatem as formas da dependénciaeconomica eciassista, ‘Com 0 mesmo espirito,em 1969, em reagaoa Visita deNelson Rockefeller Argentina, um grupode ‘mais de 60 artistas organizou ne Sociedade Argentina de Artistas Plasticos, em Buenos Aires, a mostra cle sartazes originais “Malvenido Rockefeller O traba- Iho de Leon Ferrari, por exemplo, sobrepunha a ban- deira argentina a imagem de Che Guevara, com os ieres* Malvenido Rockefelleralatierrade Guevara.” Nessa fusdio entre arte ¢ realidade social e poli- tica,o argentine Victor Grippo construiu um restico forno a lenha no Centro de Buenos Aires, cm 1972. ‘Ospaesassadosali cram entreguesaos transcuntes. A discrepdncia entre o campo ea cidade, a fome ea abundancia, acobertada pelos regimes ditatoriais, fez com quea policia destruisseo forno. A reformu- lagio do espego pablico pela intervencaodoartisiae, ‘como esse evento comprova, desafiadora a ordem itatorial Enguanto isso, nos museus, junds dasbelas-artes—como pinturas, esculturas, clesenhos, gravurase, maistarde, fotografias e videos jos ¢ téenicas organizam as colegoes. Claro que tudo se faz com auséncias e exclusoes, O que sabemos, por exernplo, de performances, agdes€ situacdes como estas, reali- zadas no Brasil e demais paises latino-americanos, a partir dos nossos acervos? E, maisainda, como pode- ‘mos situar a arte brasileira dentro de um contexto De voltaa Marcel Duchamp Do ponto de vista da historia daarte contemporainea, resgate da obrade Duchamp écrucial paraqualquer revisto da Arte Conceituah pois 0 principio do readymade fundamenta uma de suas vertentes mais importantes. Isso porqueaia criagdo nd supdeumastividade ‘manual (artesanal) do artista, mas uma escolha que esti sempre na palavea do artista, Fssas escolhas no esto conectadas ao fazer manual, mas a uma idéia, ‘umsaber mental que artista detém sobresus criagao, colimitedesva opcaoéseu mundo circundante, Para Duchamp esta preferénciaé pautada pela indiferensa, Mas, como vimos, nao é a indiferenca que move es- colha do readymade para artistas como Cildo Meire- es, Victor Grippoe Leon Ferrari, entreoutros. Ejusta- mente « conotacio politica e social do abjero esco- Thido Trata-se de uma estratégia de inser ceiticama realidade cotidiana. Em garrafas de Coca-Cola, icone B) arte conceit B coins éo colonialismo norte-americano, Cildo Meir primiu a frase “Yankees, go home’. As palaveag clandestinamente espalham-se através dos objet ‘que com muita rapidez, passam de mao em mio nas grandes cidades. A utilizagao das garrafas de Coca- Cola ou das cédulas de dinheiro implica a dissolugan da figura do artista ¢o alcance de sistemas de trocas ‘mito mais amplos do que o sistema convencional da arteeimpossiveisce serem controlados pelarepressio ditatorial. Para o artista, o que interessa € a possibi dade de inserir-se ou criar ruido ¢ significago no corpo social, isto 6, tornar visivel a propria nocao de, rede ede circuito,abstcatos ¢ invisives por definicao. Insergdes em cirewitosdeolbgicos funciona no interiog decircuitosde controle deinformagio naocentraliza~ dose traz uma perspectiva maisativista paraa dimen- si critica do readymade duchampiano. Fala-se do componente conceitual definitive ‘as produgdes artisticas eontemporaineas. Ou, como ‘escreveu Joseph Kosuth, “toda arte (depois de Du. champ) é conceitual (em sua naturezs) porque. arte 36 existe conceitualmente”, Ndo por acaso, 0 Bea- borg, na Franga, foi inaugarado em 1977 com uma grande retrospectiva de Marcel Duchamp, de2 anoe depois da morte do artista. Ao longo da décaca de 1970, wérias publicagdes sedimentam sus importin- cia na hist6riada artecontemporanea. ‘Ao contrario de Picasso, que reina absolute na primeira metade do s€culo XX, Duchamp, com sua obra, desmistifca a figura do artista. Afial v rady= ue, como objeto industrial sem qualquer apelo {tico, torna-se paradigms de uma operagao na “(qual a autoria € compartilhada. “Quem fez 0 ready- nade?” indagaoartistacom seu gesto. Numadesvas raras conferéncias piblics, realizada em 1957 nos Vsiados Unidos, Duchamplanca as premissas para se compreendero queveioa sera participagiodo espec- Lawlor na arte contempordnea. Para el, haveria na crsorarore ayo definido de um musev, as virias tapas de rea~ lizagao de um trabalho sto permeadas de interroga- ses:0 que esta de uma obra quando umaiinstalagao € desmontada? £ legitimo remontar uma instala- «40 em lugar diverso do proposto inicialmente? Seria ainda 0 mesmo trabalho? Em eventuais remonta- ‘ens, projetos de instalagbes sugerem linhas diver- entesde operacao, Por um lado, a reconstrucdo pode procurar ser ficla um projeto e partirdo principio da originalida- de.A intengao,nessecaso,éreconstruiro trabalho tal coma ele foi apresentado pela primeira ver. A insta- lacao Desvio para vermelho I: irmpregnagio,de Cildo Meiteles,é exemplar. Nos diferentes espagos em que foi apresentada~no MAM-RJ (1967),em versio am pliada no MAC-USP (1984), na Bienal de Sto Paulo (1998), no New Museum of Contemporary Art de Nova York (1999) e ainda no MAM-SP (2000) =, fo- ram inclufdos todos 0s abjetos componentes da ins- {alagao pretendencio-se manter semprea maior fide- Tidade possivel ao projeto original No entanto,€ certo que apesar de ur projeto iniial orienter os trabalhos de reconstrusao da insta- Jagao, em cada contexto,em cadasituacio,as possibili- dades desuarecepeao sao varidveis. Emoutroextremo, Para alguns artisias, nao seria possivel simplesmente remontar uma instalajao, A reconstrugao de um pro- jetoom tempo clugar diferentes rairiasuasintengoes riginais. Trata-se antes de recrié-lo,deredimen nar otrabalhoem outras bases, traduzindo aidéiaoriginal para ocitgest (espiritodo tempo} eparao genius loci (ginio do lugar) que se apresentam em cada nova cexposicao. No Brasil, Artur Barrio vem realizando projetos caja postica,seja pelasagdes que executa ou materiais ‘que clege, rompe com qualquer categoria ou c6digo hhegemdnico da arte. Na Situago P..-Ff aan (1969) ‘0s gestos do artista ressignificam um material tao simples como o papel higiénico eatestam o essencial a criagao que se completa “em fungio do vento, da gua, da cidade edo compo". No caso da Situagao TE, 0 sentido ea force das ‘trouxas ensangtientadas espathadas anonimamente pela cidade confundem-se com a tensao criada pela ‘conjuntura que as originou. (Em Sitwagao «. ORHH- HHH 01 5000 TB. .NY..City, de 1969, por exemple, Barrio usa © muscu, no caso 0 MAM-R), como um depésito de lino. Nesse projeto, opera com materiais simples: espuma de borracha eaparas demadeira que junta a restos organicos de putrefagao certa como came, sangue e outros dejetas, com o que preenche stuas trowsas.) Ao serem vistas hoje como objetos au- tOnomos estetiza-se um gesto politico. Essa impor- tancia fundamental do contexto na definigao de seus projetos evou Burrioa escrever no chao de uma gale~ ria junto a uma trouxa em exposicio: “Isto nao éuma obra dearte— é apenas um prottipo” Essa nio-equi- valencia entre o projeto € 0 objeto remete mais uma (a rte concen’ vez idéia de uma presenga ausente na produczo do periodo, Questdes como autoria e autenticidade tor- znam-seproblematicasnesse universo deobrasno qual ascriagoes oletivas, de maneiraprogramitica,oblite raram 0 autor. Hoje, 0 serem expostos em museus, {ais projetos cornam-se objetos inertes, mercadologi- camente investides, que mitificamn seus criadores No Brasil, em especial com os pioneiros da vi- deoarte, o corpo aparece de maneira diferente da- quela dos artistas da body art europeus ou norte- americanos, como Chris Burden, Vito Aconéc, Gina Pane, entre muites outros, que dilaceraram, morde- am, feriram ouyaté mesmo, mutilaram o proprio ‘corpo. Da idéia passe-se ao gesto, do corpo repre- sentado (lembramos queo modernismo havia, até ha ouca tempo, abstraido o corpo do artista) vive-se plenamente a experiencia de um corpo encarnado, vivo, politico, erdtico e sexual, na década de 1970, ‘Torma-se paredigmade toda umagerayioc livro Eros civilizazio, de Herbert Marcuse. Ocorpoeas agoesde artistascomo Artur Barrio, Gildo Meitees, Helio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pa- pe, AntOnio Manuel e Paulo Bruscky, entre outros, Passam a ser esse locus privilegiado onde o social, 0 politico ¢o subjetivo se configuramemseus miltiplos sentidos ediregdes. Recusadoao terinscrito oseu pré- prio corpa como obra no Salao Nacional, realizedono MANGRI, AntOnio Manuel apresenta-se na no dia da abertra da mostra. As folografias realizadasentao se tornaram o eixo de seu Corpobra (1970) «também surgem estampadas na primeira pigina do jornal O Dia como uma de suas" insergoes clandestines” Nao 56.0 corpo do artista, mas galeria ¢, mais alem, 4 cidade tornam-se esse espago privilegiado de intervengao. Realidadee representagio fandem-se nes- sas pottices que tomam 0 contexto (institucional ou urbane) como ponte de partida.A cidode inteira pode- ria ser investida pela arte, assim como 0 espaco da gale- riaserinescolhido paraa enunciagiodeslgoqueextra- polasse orestito terreno deuma estticsretiniana No.caso da environmental arteland arta inter vengio direta do artista no ambiente supae o teste- nunho da imagem. Isto é:2 imagem forogréfica per- corre a distancia do espago externo ao interno, ou seja da aco do artista na natareza a enibiedo do seu registro em espacos institucionsis. Essa distancia sugere um intervalo entrea experiéncia ¢ informa: ¢a0 do ambiente. Novamente as fotografias 380 essas ‘onasde passagem e, portanto, no scesgotam numa existéncia autonoma, ‘Uma ruptura na I6gica accita e compartithada por todos doque scjacbra dearte €afreqiente ambi- sghidade ¢ indiferenciagio entre documento e obra. fotografia,assim como filmessuper-Be 16mm, pos- teriormente, o video, ocupa aqui lugar privilegiado. 11a uma certa intengao de permanéncia de algo que definitivamente escapa. Essa presenca ausente € 0 (e arte conceitvat que caracteriza especialmente as performances, agdes, «¢ situagdes, que depenciem do registro para se perpe- tuar no tempo. Rosalind Krauss chamou de indice Gndex) 0 denominador comum desses trabalhos. 0 {dice nas potticas dosanos 70, obretudo nos videos «efotografias,torna presente oinacessivel temporal ou espacial, isto 6, indica essa presenga ausente. Vistos por meio de registros fotogréficos, os trabalhos pro ‘vocam essa sensagao de falte, de perda de um refe- rente, ecolocam novamentea questéo: onde estévafi- nal, aobra dearte? (Ovideo cumpriu tum importante papel na eape- Fimentagae artisticajé desde ofinal dosanos 50, Artis- tas ligados a0 Fluxus, como Wolf Vostell ¢ Nam June Paik, so seus pioneiros. 0 coreano Paik. influenciado or John Cage, mistura musica — ou melhos entirnd- sica~ & tradigae daca e opera uma violenta (des)arti- culacao de instrumentos musicais ¢ televisores em concertos multimidia e performances, como a que reslizou com a violoneelista Charlotte Moorman em. Sutia TV para wna escultura viva(1989),naqual cons- truiu um“sutia® para Moorman com duas pequenas {elas de TV quecobriamseusseiosenquantocla tocava ‘violoncelo, numa galeria de Nova York, Dentro do mesmo espirito flusus, Wolf Vostell chamou de Dé-coll/age uma espécie de dialética da construgso/destruigio propria sua filosofia de cria- ‘980, € 08 aparelios de televisio exam também fi ‘quentes em seas trabalhos, Ogesto destrativo dirigidoa TV por esses artis- tas pode ser entendido, nesse momento, come uma rebelido contra o mais burgués dos eletrodomésticos, {cone poderaso da comunicagao de massas. Mas logo a televisio torna-se totalmente integrada & vida social « passa aconfigurar oimaginario coletivo de maneira ecisiva E bom lemabrar que, stamente nosanos 70,foi introduzida a TV em cores no Brasil iniciava-se tambem ahegemonis da Rede Globo ~isto a fiegdo nos oticidrios enasmovelassuperavaa realidad. No contrafluxo, surge a videoarte, que introduz, uma oatra dimensao de tempo, entendido a prinetpio como uma contratelevisao, possibilitance ao tempo presente mobilizaro espectador,em opesicaoa passi- vidade solitaria diante da TV. Fssa sociedade per- rmeada pelasimagens de consumo ell ol tematirada por Guy Debord em seu livro A seciediale do espett= culo (1967). Ali, Debord observa como a separacao entee sujito e objeto esté por toda parte. Para ele, 0 espetaculo retine o separado, mas oretine coin sepa- ado. Parte dai todo um sistema econdmico gue se pauta no isolamento, doaniomévelttelevisio. Muitos dos videos de artista realizados os anos 70 temo carater de um disrio intimista e slitario, ‘uma espécie de articulario e encenas do privado coma participagaoda camera, Oequipamento porta~ til Portapek, capaz de realizar filmagens em video, surgi. no mercado em 1965 e viabilizou tecnica- o) rte conceitaal isch fetre £ ‘mente essetipo detrabalho, mesmo que deinicio essa tecnologia, tio revolucionsia, nao fosseamplamente acessivel como se tornaria na década seguinte. Desde seu surgimentoo video jé estava presente ‘entre 08 equipamentos policiais como instrumento de vigilincia e controle, antes de chegar is méos dos artistas. relagao entre 0 video ea vigilincia fica evi- dente se observarmos os aparatos de seguranga que nos perscruttam nasgrandescidades. Michel Foucault, ‘em Vigiar e punir, em resposta ao livro de Guy De- bord, sustenta atese deque asociedade moderna nao €a.do espeticulo, mas a da vigiléncia. Vigiléncia ¢ espeticulo seriam termos opostos para Foucault. No entanto, épossivelobservar que ha ama sobreposiio de moxlelos na qual vigilancia e espeticulo nao se ‘excluem, sao as duas faces da sociedad de controle ‘em que vivemos, Muitos artistas contemporaneos ‘vem realizando trabalhos cujasimegens sio captadas pelas cameras de vigilancia. ‘A possibilidade de interagao com o espectador, bem come a articulagao do video com outros meios de expressio como as performances e as a¢0es, inte- ressaram osartistas desde o inicio. Em muitos trebalhos — notedamente naqudles tealizados desde o final dos anos 60 por artistas norte americanos como Vito Aconeci, Bruce Nauman e. Richard Serra, entre outros —o monitor de video era utlizado como um espelho. Essa constatago foi su siento para que critica Rosalind Kraussconsideresseo ‘video numa chave psicologica, ito é mio apenas pela importincia docorpohumanocomo ponte departica ra simultdnea recepdo € projesao de imagens, mas sobretudo pela influéncia da psique humana como foco condutor dos contetidos, pois com a chimera se produziriaumaimagemespecularafeitazo narcisismo. ‘No Brasil o inicio da videoarte data do prinet> pio da década de 1970 ¢ est intimamente ligado a0 vivido interesse e incentivo de Walter Zanini, na paca diretor do MAC-USR, que adquiriu um Porta ‘pak para uso dos artistas em Sio Paulo. Seno Brasil a ficedo estava em alta na TV, 0 foco dos artistas bra Icisos pioneiros da videoarte operava em registro ‘oposto, desmascarando uma realidad sufocante, AS- sim, 0 corpo do artista aparece freqientemente nes- ses videos precutsores realizados entre 1974-77, mas oquesedesvela nasagesdosartstasbrasieiros éum corpo social. Leticia Parente borda a frase “made in brazil” na sola de seu pé; Paulo Herkenhoff engole piginasdejornal,cujo texto oraadulterado pelacen~ ura vigente. Essas agoes simbélicas sdo registradas pola cimera ¢ demarcam um territ6rio vivencial, exiremamente opressivo. Sem 0 recurso da edig20, ‘quenio era teenicamente vidvel naquele momento, filmagem édireta, sem cortes, eas falhas siosignifica- tivamente incorporadas 4 narrativa. Essa linguagem sem censura aproxima tas trabalhos das ténicas psi canaliticas de sondagem do inconsciente, como 2 associagio livre, por exemplo. arte concetuat criti fete z Passagens, de Anne Bella Geiger, realizado em 1974, 6 um dos prinmeiros videos de artista realizados Ropaiseintegrauma sériede trabalhos como mesmo titulo realizados em diferentes meios etécnicascomo fotografas, xerox livros deartista. No video éregis- trado o gesto da artista subindo escadas em tempo real. “Passagens’, aqui, alude nde apenasao livre tran- sito entre meios etécnicas,mas também aosdegraus, como plataformas de representasio da realidade, ¢ Por conseguinte2 relatividade ea instabilidade dos Pontos de vista, Circuitos alternativos e arte postal Aimpressioem sériede livros, revistaseoutraspubli- cagoes de grande tiragem serviu como estratégia de Aisseminagao para projetos e manifestos de artistas conceituais.O artista come critico também serevelou por meio desse canal, Joseph Kosath publicou sew ensaio/manifesto. “Art After Philosophy” om tres partes na revista Stuc ho International em 1969.4 revista Avalanche, ec fada pelo artista Willoughby Sharp no inicio da

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