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Semiose Segundo Peirce

Book · October 2004

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1 author:

Joao Queiroz
Federal University of Juiz de Fora
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Semiose segundo C. S. Peirce

Cópia de Peirce Queiroz.p65 1 15/10/2004, 14:15


Conselho Editorial: Ana Maria Rapassi, Bernardete A. Gatti, Cibele Isaac Saad
Rodrigues, Dino Preti, Marcelo Figueiredo, Maria do Carmo Guedes, Maria Eliza
Mazzilli Pereira, Maura Pardini Bicudo Véras, Onésimo de Oliveira Cardoso, Raquel
Raichelis Degenszajn (Presidente), Scipione Di Pierro Netto, Vladmir O. Silveira.

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João Queiroz

Semiose segundo C. S. Peirce

São Paulo
2004

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

Queiroz, João
Semiose segundo C. S. Peirce / João Quieroz. - São Paulo : EDUC ; FAPESP, 2004.
207 p. ; 23 cm
Bibliografia.

Originalmente Tese de Doutorado de Comunicação e Semiótica - PUC-SP, 2002.


Apêndice : Cronologia da diva e obra de C. S. Peirce.

ISBN 85-283-0309-8

1. Peirce, Charles Sanders, 1839-1914 - Crítica e interpretação. 2. Semiótica.


3. Sinais e símbolos. 4. Cognição. I. Título.

CDD 149.946
302.2

EDUC – Editora da PUC-SP

Direção
Maria Eliza Mazzilli Pereira
Denize Rosana Rubano
Produção Editorial
Magali Oliveira Fernandes
Preparação e Revisão
Tereza Maria Lourenço Pereira
Editoração Eletrônica
Waldir Antonio Alves
Capa
Sara Rosa
Realização: Waldir Antonio Alves

Rua Ministro Godói, 1197


CEP 05015-001 – São Paulo – SP
Tel./Fax: (11) 3873-3359
E-mail: educ@pucsp.br
Site: www.pucsp.br/educ

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Para João Antônio A. de Queiroz,
autor das melhores perguntas.

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Agradecimentos

Peirce Edition Project (Iupui), Nathan, Andre, Cornelis, Tracy;


Research Center for Language and Semiotic Studies (Cognitive
Science Program/Indiana University), Bauman, Senchuk, Port;
Institut de Recherche en Sémiotique, Communication et Éducation
(IRSCE, Université de Perpignan), Joelle, Tony, Michel, Emmanuelle;
Robert; ICTP, Yirga; Décio; Miguel; Winfried, Solomon, Freadman,
Rossella, Nubiola, Shapiro, Rosenthal; Cândida, Eunice, Lauro;
Zampronha, Goldfarb, Rejane, Helena, Phillip, Marília, Ceccs,
Breno, Christopher, Paulão, Gudwin, Antônio, Ângelo;

Álvaro, Anna & Ruth;

aos co-autores: Priscila Farias, Lafayette de Moraes,


Sidarta Ribeiro, Ivan de Araújo;

aos interlocutores: Claus, Bia, Floyd;

à Lúcia Santaella.

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PREFÁCIO

Este livro de João Queiroz é, sobretudo, um livro necessário. De-


pendendo da identidade do leitor, poderá ainda ser didático ou heré-
tico; para outros, será apenas lógico. Nem mesmo para os diletos
colaboradores de João haverá leitura sem surpresas, pois o caminho
percorrido é tão único quanto o próprio autor. Trata-se de sua tese de
doutorado, toda ela orientada para a superação de um célebre gueto
epistêmico. Passados mais de cem anos desde sua formulação origi-
nal, a semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914) permanece
vastamente desconhecida, sendo estudada e desenvolvida por um
hermético círculo de filósofos espalhados pelo mundo. Inúmeros es-
tudos semióticos foram publicados no último século tratando de ge-
ração, estrutura, função e dinâmica dos signos, mas toda essa litera-
tura está atualmente relegada à atenção de um pequeno número de
ultra-especialistas. Não obstante este isolamento, poucas discipli-
nas rivalizam com a semiótica em sua influência difusa sobre a cul-
tura ocidental. No naipe de idéias fora do lugar que caracteriza gran-
de parte da academia contemporânea, termos como “símbolo” e
“ícone” adquirem significados os mais variados na engenharia, na
computação, na biologia, na psicologia, na publicidade, na literatu-
ra, etc. João propôs-se a duríssima tarefa de atacar esta multiplici-
dade de sentidos, investigando a ciência dos signos segundo seus
próprios pressupostos. No entanto, sendo a semiótica peirceana um
sistema lógico sobre as relações entre os objetos da mente (phanera),
ele optou por construir suas pontes na direção de seu palco principal:
o cérebro.
Foi uma longa viagem. Primeiro foi preciso renunciar à leitura de
Peirce em segunda mão e enfrentar a esfinge de frente. Peirce foi um
autor prolífico, criativo e metafórico, dono de uma obra adjetivada,
eternamente em construção, revisada e reformada múltiplas vezes.
Além disso, boa parte de sua produção ainda aguarda republicação,
estando disponível apenas em notas, epístolas e escassos artigos origi-

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10 SIDARTA RIBEIRO

nais. Muitas visitas às bibliotecas das universidades de Rockefeller,


Indianápolis, Bloomington e Perpignan foram necessárias para re-
construir o complexo mosaico do legado de Peirce. O resultado des-
ses anos de exegese é sintetizado nos Capítulos 1, 2 e 3, apresentan-
do ao leitor diversos conceitos fundamentais da semiótica, como a
lógica triádica da semiose, o modelo signo–objeto–interpretante e as
classificações sígnicas. Esses capítulos são muito úteis ao leitor não
iniciado na obra de Peirce e o preparam para o Capítulo 4, no qual
João apresenta o resultado de suas investigações gráficas da semió-
tica peirceana. Esses engenhosos “diagramas de relações periódicas”
permitem destrinchar diversos aspectos da gramática especulativa
através da percepção visual, e seu desenvolvimento é parte integral
da investigação de semioticistas profissionais. Os diagramas foram
premiados por sua originalidade,1 constituindo um rigoroso exercício
de aplicação da lógica peirceana.
O Capítulo 5 e a conclusão (Capítulo 6) apresentam um estudo
semiótico de um problema biológico específico: o comportamento vocal
de macacos-verdes africanos (Cercopithecus aethiops). Através de uma
análise semiótica fundada em fatos da neurobiologia e da etologia,
chega-se a uma compreensão da comunicação animal que difere da
interpretação atualmente hegemônica entre etólogos, neurobiólogos
e lingüistas. A visão defendida, em especial no Capítulo 5, é de que o
uso dos símbolos não é, em si mesmo, um monopólio da espécie
humana. Ao contrário, o autor propõe que o símbolo, no sentido peir-
ceano restrito, ocorre em primatas relativamente distantes da linha-
gem humana, tendo como substrato relações associativas que, em
sua essência, pouco diferem do condicionamento clássico descoberto
por Pavlov. De acordo com esta posição, propriedades como arbitra-
riedade e generatividade devem ser buscadas não em todo e qual-
quer símbolo, mas em um tipo específico, denominado por Peirce “ar-
gumento” (CP2, 263).2 A introdução desta posição no contexto da

1
2000 Mouton de Gruyter d’Or Award.
2
Vide Nota 1 do Capítulo 1.

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PREFÁCIO 11

comunicação animal e da neurociência representa uma novidade sig-


nificativa para o estudo da evolução da linguagem, e tudo leva a crer
que esta linha de investigação ainda terá muitas conseqüências.
Tomados em conjunto, os seis capítulos deste livro percorrem a
distância que vai do pergaminho à idéia nova, desmistificando e atua-
lizando Peirce tendo em vista chegar a uma grande síntese neurosse-
miótica. Evidentemente, as direções apontadas neste livro estão ain-
da por serem exploradas, e é nisso mesmo que reside sua força: mais
do que prover respostas, este trabalho abre portas para novas per-
guntas. A importância destas não passará despercebida para os ini-
ciados na filosofia de Peirce. Leitores leigos, ao contrário, poderão
talvez questionar a empreitada, criticando o excessivo interesse pela
obra gongórica de um filósofo obsoleto. Bobagem. Um gênio misan-
tropo de seu tempo, polímata e sistemático, coube de fato a Peirce
um lugar oblíquo entre os filósofos que influenciaram o pensamento
do século XX. Isto se deve, em grande medida, à intricácia de sua
obra. No entanto, a semiótica peirceana foi explicitamente formula-
da como uma lógica (uma “ciência formal dos signos”), sendo dota-
da de rigorosa consistência interna.
Se forem férteis as direções aqui delineadas, preciosos elos perdi-
dos estarão por descobrir-se na arca de tesouros deixada por Peirce.
Estará por garimpar-se, por exemplo, um grande avanço teórico so-
bre as origens da linguagem humana. Uma tal síntese neurossemió-
tica poderia converter-se em uma poderosa ferramenta de pesquisa
comum a lingüistas, etólogos e neurocientistas. Grandes promessas
que apenas o futuro responderá. Novas, frágeis, mas ambiciosas pro-
messas… como convém a uma boa tese de doutorado! Que tão intri-
gante ousadia tenha sido parcialmente formulada em bom portu-
guês é um dado saboroso. Que saia agora publicada pela editora Educ/
Fapesp para ampla difusão em nossa língua, isto então é motivo de
júbilo. Evoé, João! Alvíssaras! Abram passagem para os signos.

Sidarta Ribeiro
Duke University
Novembro de 2003

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 15
Cognição e representação ................................................................... 16
Fundações da semiótica de C. S. Peirce .............................................. 17
Semiótica de C. S. Peirce .............................................................. 19
Gramática especulativa e classificações sígnicas ......................... 21

1 – CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS ................................................. 23


Teoria das categorias ......................................................................... 24
Categorias cenopitagóricas ................................................................. 26
Introdução a uma abordagem baseada
na lógica das relações e em diagramas .................................. 30
Introdução faneroscopia .............................................................. 40
Conclusão ........................................................................................... 45

2 – SIGNO E SEMIOSE ........................................................................ 47


Quais os fatores mínimos envolvidos
na constituição do signo? ............................................................ 47
Modelos da semiose ........................................................................... 50
Modelos: coerções empíricas e teóricas ........................................ 51
Diversos modelos da semiose ...................................................... 52
Conclusão e discussão ........................................................................ 62

3 – CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS .......................................................... 65


Classificações e classes de signos: definição ...................................... 65
Divisão das classificações sígnicas .................................................... 67
Classificações sígnicas: alguns problemas e cronologia .................... 69
Primeiras classificações ............................................................... 73
De “Sobre uma nova lista das categorias”
a “Sobre a álgebra da lógica” ................................................ 75
Novas subdivisões tricotômicas ................................................... 83
Conclusão ......................................................................................... 101

4 – DEZ CLASSES DE SIGNOS .........................................................105


Mente como semiose e inferência lógica .......................................... 107
Relações entre as dez classes: modelo do argumento lógico ............ 110
Modelos gráficos das relações hierárquicas ..................................... 116
“Naturalização” da semiose ............................................................. 119

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14

Uma metodologia aplicada às dez classes de signos:


introdução a sign design ......................................................... 122
Sign design: considerações preliminares ................................... 123
Sanders I .................................................................................... 126
Diagramas triangulares ............................................................. 131
Discussão ......................................................................................... 140

5 – SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE .......................145


Pressupostos e conseqüências metodológicas .................................. 146
Vocalizações como alarmes de predadores ....................................... 147
Relações triádicas entre macacos-verdes ................................... 150
Classificação dos alarmes conforme a primeira
divisão tricotômica .............................................................. 151
Revisão dos principais argumentos
e novos complicadores analíticos............................................... 164
Proto-símbolos? Símbolos rudimentares? ................................. 166
Algumas distinções sobre as vocalizações – legissignos
e sinsignos, signos genuínos e degenerados ....................... 167
Para que servem ícones, índices, símbolos?............................... 172
Mais conseqüências e novos desenvolvimentos ............................... 176

6 – CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS ........................179


Signo e cognição .............................................................................. 179
Representações e seus modelos ....................................................... 180
Semiótica formal de Peirce ............................................................... 182
Resultados e desenvolvimentos ................................................. 185
Comentário final............................................................................... 188

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................189


Bibliografia ...................................................................................... 200

APÊNDICE: CRONOLOGIA
RESUMIDA DA VIDA E OBRA DE C. S. PEIRCE .................................205

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INTRODUÇÃO

É um consenso que a sobrevivência de diversas criaturas depen-


da de ajustes de seus comportamentos às modificações do ambiente.
Se, como muitos autores defendem, cognição é o conjunto de ativida-
des que permite a realização de tais ajustes, representação parece ser
o que torna isto possível. Como explicar, por exemplo, que um inseto,
sem os instrumentos que usamos para navegar com precisão (ma-
pas, bússolas, astrolábios, etc.), voe longas distâncias sem se per-
der? Que processos atuam para que ele se desloque de um lugar em
que se encontra para outro que não está perceptualmente manifesto
e que ele precisa alcançar? Hipoteticamente, o inseto processa repre-
sentações, que estoca em um mapa cognitivo que ele possui do terri-
tório que sobrevoa (Gallistel, 1998, p. 5); cada região do mapa que
está em seu cérebro deve corresponder a uma região do espaço por
onde ele se desloca; deve representá-lo de algum modo.
Mapas, placas e sinais, gestos, palavras, diagramas, gráficos,
imagens, bandeiras, fórmulas matemáticas e lógicas, partituras mu-
sicais, fotos, filmes, marcadores de átomos e partículas; das tarefas
mais ordinárias (p. ex.: deslocamento orientado no espaço) às ativi-
dades que demandam treinamento mais sistemático (p. ex.: constru-
ção de sistemas formais), tudo o que fazemos, ou pensamos poder
fazer, parece depender de representações. É intuitivamente claro que,
ao representarmos uma coisa, nós a substituímos por uma entidade
(ou processo). Assim, supomos que o inseto, quando sobrevoa uma
região, substitui certos objetos por suas representações em um mapa
da região. É algo mais ou menos próximo do que fazemos quando
nos deslocamos, com um mapa na mão, à procura de um lugar.
Mas o que são representações? Como são produzidas? Qual sua
lógica de funcionamento? Quantos tipos de representações conhece-
mos? Como são usados? Como esses tipos se complexificam nas
criaturas mais complexas? Em que momento surgem, em termos on-
togenéticos e filogenéticos? Que estruturas estão associadas à sua

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16 JOÃO QUEIROZ

produção em organismos complexos? Como o desenvolvimento de


sistemas de representação otimizam certas perfomances cognitivas?
Como simulá-las em criaturas artificiais?

Cognição e representação

É fácil imaginar que, diante de tantas questões, diversas ciências


se apresentem: etologia, psicologia cognitiva e comparada, ciências
e neurociências cognitivas, lingüística, filosofia, lógica, inteligência
artificial, entre outras. Também é fácil supor que cada uma delas
ciências faça uso de teorias, métodos, modelos e protocolos próprios
de investigação, e que muitas vezes eles diferem tão radicalmente
que uma conversa entre departamentos e disciplinas torna-se impra-
ticável.
Ao que tudo indica, não há um só domínio de pesquisa interessa-
do em processos cognitivos que não tenha incorporado às suas preo-
cupações a noção de representação. Ao mesmo tempo, esse “compo-
nente infra-estrutural das investigações científicas” é “obscurecido
por confusões terminológicas” (Clark, 1997, p. 462).1 De acordo com
Bechtel (1998, p. 297), esse termo “é usado em uma tal variedade de
modos nas ciências cognitivas que se torna um desafio acessar as
diferentes propostas que diversos cientistas fazem sobre representa-
ção”. Churchland sugere algo próximo quando afirma:

(...) em ciências cognitivas existe um considerável e proposital silêncio


sobre representações cognitivas, em que a questão sobre a natureza e o
status das representações é deixada convenientemente vaga. (1989,
p. 387)

O fato é que estudos sobre cognição, nos diferentes níveis de des-


crição em que são conduzidos (psicológicos, neurofisiológicos, lógi-
cos, computacionais, etc.), têm levado em conta “modelos de repre-
sentação” e diferentes tipos desta. As abordagens têm um caráter
explícito entre muitos cientistas e aparecem de modo subterrâneo

1
Obs.: A tradução, assim como de todas as demais extraídas de obras em língua
estrangeira, foi realizada pelo autor deste livro.

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INTRODUÇÃO 17

em outros, mas em todos pressupõem um modelo desses processos e


seguem uma tipologia, ou classificação, dos diversos tipos de repre-
sentação.
O que irei apresentar aqui é um trabalho sobre representações
baseado na semiótica de C. S. Peirce (1839-1914).2 Espero concluir
que as variações do conceito de representação, desenvolvidas ad hoc
em ciências da cognição, ganham em rigor, precisão e generalidade –
embora percam, pelos mesmos motivos, em intelecção imediata – se
for adotada a perspectiva formal de sua semiótica. Mas para abordar
este conceito, explicar sua origem, descrever suas principais formas,
relacioná-las sistematicamente e investigar empiricamente tais rela-
ções terei de introduzir as fundações de seu sistema filosófico, os
principais domínios e disciplinas deste sistema.

Fundações da semiótica de C. S. Peirce

As áreas envolvidas na solução de problemas científicos podem


recorrer – e muitas vezes o fazem – a métodos, teorias e modelos
disponíveis em diferentes áreas. Esta prática se baseia no crédito
que tais “ferramentas” disponibilizaram em seus campos de origem.
Esses trânsitos, chamados de relações interteóricas, são difíceis e
raros. Envolvem, muitas vezes, a criação de ambientes interdiscipli-
nares de investigação, sendo seus resultados submetidos a rigorosos
escrutínios críticos. Peirce, abordando este assunto em sua própria
época, afirma:

Os mais altos lugares nas ciências, nos últimos anos, foram para aqueles
bem-sucedidos em adaptar métodos de uma ciência à investigação de outra.
Isto tem consistido nos mais altos progressos das últimas gerações.
Darwin adaptou à biologia o método de Malthus e o dos economistas;
Maxwell adaptou à teoria dos gases os métodos da doutrina do acaso, e à

2
A obra de Peirce será citada observando-se a seguinte convenção: CP identifica os
Collected Papers; os números identificam o volume, seguindo-se os parágrafos. A mesma
convenção vale para: EP (Essential Peirce), NEM (The New Elements of Mathematics),
LW e SS (cartas para Lady Welby), MS e L (manuscritos editados por R. Robin),
W (Writings of C. S. Peirce: a Chronological Edition), N (C. S. Peirce: Contributions to
the Nation).

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18 JOÃO QUEIROZ

eletricidade os da hidrodinâmica; Wundt adaptou à psicologia os métodos


da fisiologia; Galton adaptou ao mesmo estudo os métodos da teoria dos
erros; Morgan adaptou à história os métodos da biologia; Cournout adap-
tou à economia política o cálculo de variações. (CP7, 66)

Peirce levou a conseqüências radicais, em seu próprio trabalho a


idéia de inter-relação entre ciências e métodos. Ketner (1995,
p. 243), em uma feliz extrapolação, chega a afirmar que “toda a car-
reira de Peirce pode ser descrita como a de um adaptive methodolo-
gist: alguém especializado em aplicar métodos de uma ciência em
áreas de outras ciências, particularmente em filosofia”.
Em seu modus operandi, Peirce tomou emprestado, de uma ciência,
teorias, modelos e protocolos, com resultados comprovadamente bem-
sucedidos em seus domínios de origem, para investigar novos fenôme-
nos; além disso, inventou métodos de observação, sistemas de notação
e ferramentas de modelagem. As conseqüências desta prática fizeram
dele um verdadeiro polímata. Suas contribuições se estenderam por
áreas tão diversas como metrologia, psicologia experimental, geodésia,
fotometria estelar, economia matemática, filosofia da matemática, teo-
ria da gravitação, lingüística, história e filosofia da ciência, história e
filosofia da lógica, lógica matemática (ver Fisch, 1986, p. 376).
Mas Peirce é considerado, acima de tudo, um lógico (Houser, 1997,
p. 1). Junto com Frege, Russell e Hilbert, foi um dos fundadores da
lógica moderna (Lukasiewicz, 1970, p. 111; Barwise e Etchemendy,
1995, p. 211; Quine, 1995, p. 23; Hintikka e Hilpinen, 1997, p. ix).
Desenvolveu, com Mitchell, e independentemente de Frege, as no-
ções de quantificação e de quantificador lógicos (Hintikka e Hilpinen,
1997, p. ix; Quine, 1985, p. 767; 1995, p. 31) e foi autor de uma
lógica trivalente (Lane, 2001), além de ter antecipado, em mais de
trinta anos, o operador de Sheffer (W4, pp. 218-221; Houser, 1997,
p. 3) e a descoberta de Shannon de uma correspondência entre fun-
ções de verdade e circuitos elétricos (W5, 421-422; Gardner, 1982),
podendo também ser considerado um dos inventores da história mo-
derna da computação.
Peirce, além disso, foi autor de uma notação lógica de caráter
geométrico-topológico (grafos existenciais – GE), prenunciando o
desenvolvimento de sistemas híbridos de notação lógica –

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INTRODUÇÃO 19

heterogeneous logic – baseados em grafos, diagramas, mapas, redes


(Roberts, 1973; Shin, 1994; Barwise e Etchemendy, 1995; Allwein e
Barwise, 1996; Hammer, 1994; 1995a e b; Moraes e Queiroz, 2001).
O motivo para relacionar tal lista de descobertas é claro. Peirce é
autor de um sistema filosófico – uma filosofia construída de modo
que suas partes estão sistematicamente co-implicadas através de
certos princípios (Parker, 1998, pp. 2-27). A ordenação desse siste-
ma, que se baseia em relações hierárquicas de dependência, pode ser
seguida em sua classificação das ciências (Kent, 1987). Uma intro-
dução a esse sistema deve levar em conta suas principais contribui-
ções em áreas formais e experimentais, práticas e teóricas, bem como
o modo como elas atuam em sua organização.
Veremos que as categorias cenopitagóricas, elaboradas ao longo
de mais de quarenta anos, funcionam como o princípio de organiza-
ção desse sistema. Seu desenvolvimento requereu tanto análises for-
mais e interpretações fenomenológicas quanto aplicações em uma
metafísica científica e no que hoje chamamos de psicologia cognitiva.
Um trabalho sobre Peirce deve, portanto, explicar quais e como
estão co-implicadas essas partes em seu sistema, através das cate-
gorias, e, ao menos introdutoriamente, deve apresentar o “aparato
formal” desenvolvido para a formulação das categorias, cuja prova
de necessidade e completude foi conduzida, durante um período ma-
duro de seu pensamento, em um domínio de experimentação com
grafos e diagramas.3

Semiótica de C. S. Peirce

Peirce é considerado o fundador da moderna teoria do signo, ou


semiótica (Weiss e Burks, 1945, p. 386), que ele também chamou de

3
Gostaria de alertar o leitor de que, embora com prejuízos interpretativos, essa estraté-
gia não é incondicionalmente aceita e praticada entre os especialistas da obra de
Peirce. Isto é, boa parte dos trabalhos sobre sua filosofia insiste em ignorar suas
contribuições formais. Isto é grave, pois é sabido que essas contribuições têm impor-
tantes conseqüências no conjunto de sua obra. Apresentarei (especialmente no Capí-
tulo 2) alguns dos principais componentes de suas contribuições formais, o que tem
um caráter introdutório e deve servir ao leitor apenas como um guia inicial para uma
pesquisa mais aprofundada.

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20 JOÃO QUEIROZ

“teoria formal do signo” (NEM4, 20), “semiótica cenoscópica”


(MS499), “geral” (CP1, 444), “normativa” (CP2, 111), “especulativa”
(MS693), “teoria pura dos signos” (MSL107). A semiótica foi defini-
da por ele (CP5, 484) como “a doutrina da natureza essencial e fun-
damental de todas as variedades de possíveis semioses”, isto é, de
qualquer forma concebível de semiose, de suas condições de possibi-
lidade e de suas possíveis variações. Seu objeto de investigação é,
portanto, de grande generalidade.
Em outras palavras, a semiótica descreve e analisa a estrutura de
processos semióticos sem se importar com base em que suporte ma-
terial tais processos podem acontecer, ou em que escala podem ser
observados – no interior de células (citossemiose), entre plantas (fi-
tossemiose), no mundo físico (fisiossemiose), em comunicação ani-
mal (zoossemiose) ou em atividades consideradas tipicamente hu-
manas (produção de notações, metarrepresentações, modelos, etc.).
É desse tipo de investigação que resulta a natureza “quase neces-
sária” dessa ciência, que, como a matemática, é concebida por Peirce
como uma ciência formal (CP2, 227). Mas seu status de ciência for-
mal não pode ser comparado ao da matemática, nem ao modo como
esta extrai suas conclusões (CP4, 229), porque, diferentemente des-
ta, que “constrói na imaginação” os objetos de seus experimentos
(CP1, 240, 4.233ff) para deles extrair “relações de necessidade” (CP4,
229), a semiótica não investiga as formas de sua própria construção
(CP1, 241). Ela encontra prontos os objetos de sua observação – a
“experiência humana normal” ou a “experiência ordinária” (Potter,
1967, p. 8; CP1, 241).
Embora seja uma disciplina essencialmente teórica, seu objeto de
investigação é empírico, em um sentido geral, ou seja, pode ser con-
firmado ou refutado indutivamente, e boa parte de seus métodos são
formais. Os domínios (alguns dos quais descobertos ou inventados
pelo próprio Peirce) em que ele testou suas principais hipóteses
incluem uma lógica topológica e uma incipiente teoria dos grafos
(Burch, 1991; Ketner, 1995; Brunning, 1997), novos desenvolvimen-
tos em psicologia experimental (CP5, 223) e descobertas da química
(Ferriani, 1990), entre outras.

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INTRODUÇÃO 21

Gramática especulativa e classificações sígnicas

A semiótica subdivide-se em gramática especulativa, lógica crí-


tica e retórica especulativa (CP2, 229). A primeira divisão dessa
ciência é a que me interessa neste trabalho. Sua tarefa é examinar
a “fisiologia dos signos de todos os tipos” (CP2, 83). É o ramo que
investiga as condições às quais devem se submeter todo e qualquer
tipo de signo, do signo como tal, ou conforme sua natureza (CP1,
444). Como parte de suas construções, a gramática especulativa
elabora “classificações de signos”. Para Houser (1997, p. 9), “o ló-
gico que se concentra na gramática especulativa investiga relações
de representação (signos), trabalha nas condições necessárias e su-
ficientes da representação, e classifica os diferentes tipos de repre-
sentação”.
Peirce desenvolveu, entre 1867 e 1908-1911, um sofisticado mo-
delo de signo como processo, ação, relação, tendo construído elabo-
radas divisões de signos para descrever esses processos. É bem co-
nhecida a classificação “ícone, índice, símbolo”. Mas há, além desta,
que é “a mais fundamental divisão de signos” (CP2, 275), diversas
classificações, formadas por diversas “classes de signos”. As classi-
ficações aparecem em diversos momentos, de 1867 a 1908, e estão
organizadas no que podem ser considerados sistemas de classes: três
classes, dez classes, 28 classes e 66 classes de signos. “Para que”,
“como” e “por que” tais classificações foram desenvolvidas, essas
são algumas das questões que este trabalho pretende investigar.

Modelos gráficos e investigação empírica

Para responder a tais questões, sugerirei uma abordagem basea-


da em diagramas. Sabemos que Peirce “pensava através de diagra-
mas visuais” (Kent, 1987). Em suas próprias palavras:

Não é um fato histórico que o melhor raciocínio tenha sido feito por
palavras, ou imagens por aurais. Ele tem sido conduzido por imagens
visuais e imaginações musculares. No pensamento de melhor tipo, um
experimento imaginário é conduzido. (NEM4, 375)

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22 JOÃO QUEIROZ

Sua preferência explícita por um tipo de raciocínio visual não


teve, porém, desdobramentos em importantes tópicos de sua gramá-
tica especulativa. Este trabalho toma seriamente em consideração
esse tipo de estratégia.
No Capítulo 2, sobre as categorias cenopitagóricas, a prova de
completude da lista de categorias, além da propriedade de irredutibi-
lidade de seus elementos, recebe um tratamento diagramático, bem
como uma abordagem introdutória baseada nos grafos existenciais,
para o cálculo funcional clássico de primeira ordem com identidade
(sistema beta). A fenomenologia será igualmente apresentada.
No Capítulo 3, um modelo adequado para a relação irredutivel-
mente triádica da semiose é também abordado através de tratamen-
tos diagramáticos. Diversas propostas são comparadas à luz do que
chamarei de “princípios de regulação” da semiose, a que os modelos
devem, ou deveriam, satisfazer.
No Capítulo 4, faço um esboço do desenvolvimento cronológico
das classificações sígnicas, de um período “juvenil” que acontece em
torno de 1865 e prossegue até 1908-1911.
Meu foco, no Capítulo 5, volta a ser o desenvolvimento de mode-
los gráficos para tratar as classificações sígnicas. Estou particular-
mente interessado no modo como as classificações, sobretudo as dez
classes de signos, podem ser visualizadas. Desenvolvemos (Farias e
Queiroz, 2000a e b; 2001), a fim de explicar a estrutura das únicas
construções gráficas de Peirce para as dez classes de signos, um mé-
todo diagramático baseado no que chamamos de “coordenadas tri-
angulares”, além de diversas ferramentas para descrever as relações
que operam entre as classes.
Por fim, no Capítulo 6, idealizamos (Queiroz e Ribeiro, 2002) um
protocolo experimental para checar as relações de pressuposição entre
as classes de signos, previstas pelos modelos de Peirce, fundadas em
um sistema exaustivo de relações exclusivas e em sua fenomenologia.
Esse protocolo baseia-se na análise de vocalizações de primatas não
humanos e sugere a construção de um novo programa de pesquisas.
Chamamos esse programa de “neurossemiótica comparada”.

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1
CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS

A categorialogia é uma ciência de predicados (Ryle, 1953), pro-


cessos (Rescher, 1996, p. 36), tendências (Merrell, 1995b), mecanis-
mos de regulação (Thom, 1985, p. 115), questões orientadas (Res-
cher, 1996), relações (Murphey, 1993, p. 298; Leo, 1994, p. 96) e
concepções (CP5, 82) fundamentais. Matemática, lógica, fenomeno-
logia e metafísica são os domínios nos quais tradicionalmente essas
“coisas” (processos ou entidades) são definidas, descritas e explicadas.
A categorialogia de Peirce resulta em um corpo altamente abstra-
to de idéias e é o centro de sua filosofia arquitetônica. Para um lógi-
co, matemático e cientista experimentado como ele, as categorias
são hipóteses que podem ser refutadas/demonstradas (Putnam, 1992,
p. 85) por investigações conduzidas em lógica matemática (MS292),
teoria dos grafos (MS492, 292), fenomenologia (EP2, 145-159), bio-
logia e fisiologia celular (CP1, 385, 1.395), psicologia (CP1, 374,
1.384), metafísica (CP1, 373), topologia (NEM4, 307). Elas depen-
dem, por um lado, de experimentação empírica e, por outro, de de-
senvolvimentos formais. Para Freeman (1934, p. 3), “essa qualifica-
ção marca sua contribuição única para a ciência da categorialogia –
a tentativa de combinar métodos racionalistas e empiricistas, sem
que um seja absorvido pelo outro”.
Neste primeiro capítulo, farei uma breve apresentação da teoria
das categorias em filosofia, bem como alguma digressão sobre suas
propriedades e sua fundação no artigo que é considerado a pedra
de toque do pensamento de Peirce (“Sobre uma nova lista de cate-
gorias” [W2, 49, CP1, 545]); no segundo, introduzirei a propriedade
de irredutibilidade das relações, através da lógica das relações e de
uma estrutura dos grafos existenciais (GE), para, no terceiro capí-
tulo, desenvolvê-la no âmbito da fenomenologia; no quarto, apre-
sentarei uma classificação de diferentes tipos de consciência:
“feeling, altersense, medisense”.

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24 JOÃO QUEIROZ

Teoria das categorias

As categorias demarcam as condições do que é inteligível e de-


vem ser pensadas como uma lista exaustiva de concepções ou ques-
tões fundamentais impostas, a priori, à cognição. A dimensão
a priori das categorias peirceanas não deve ser confundida com uma
perspectiva transcendentalista, mas com um “campo de testes” inde-
pendente de exames de fatos (CP1, 374; Rosenthal, 2001). Para
Hausman,

(...) tais concepções podem ser observadas como classes (ou tipos) atra-
vés das quais as coisas que são conhecidas, ou podem ser conhecidas,
são divididas; ou são consideradas modos, condições por meio das quais
as coisas podem ser distinguidas e, de acordo com elas, ser conhecidas.
(1993, p. 94)

Segundo Hookway,

(...) uma teoria das categorias é uma série de concepções altamente abs-
tratas e que funciona como um sistema completo de summa genera,
qualquer objeto do pensamento ou da experiência devendo pertencer a
uma das categorias desse sistema. (1985, p. 80)

Uma lista de categorias funciona como uma lista do que não pode
ser experimentado, pensado, imaginado, etc., a não ser por meio de
seus elementos: “sabemos de sua universalidade ao sabermos que
não poderíamos encontrar um mundo que não poderia se conformar
a ela” (ibidem, 1985, p. 81). Ainda segundo esse autor (p. 80), “se
temos uma série de categorias, temos um sistema de classificações
que tem lugar para qualquer coisa que possamos pensar ou experi-
mentar”.
Como construir uma lista desse tipo? Isso não pode ser feito in-
dutivamente. Se lidamos com métodos indutivos, então não pode-
mos garantir universalidade na aplicação das categorias. Metodolo-
gicamente, o problema é óbvio. Não é possível, por observação,
construir uma lista na qual qualquer coisa que se possa pensar ou
experimentar tenha lugar. Sua construção envolve os próprios pro-
cessos que cataloga, como o barão de Munchausen levantando a si

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 25

mesmo pelos cabelos. Ao contrário, não podemos garantir a aplica-


ção a um mundo de fatos se baseamos unicamente em métodos for-
mais os desenvolvimentos dessa lista, porque isto a tornaria arbitrá-
ria em sua formulação.
Sobre as categorias, Kuntz (1994, p. 178) afirma que Peirce é um
“methodologist of categoriality”, ao mobilizar, entre 1857 e 1910,
diferentes métodos (fenomenológico, ideoscópico, lógico, histórico,
etc.) para obtê-las e testá-las. Mas tem sido aceito que Peirce oscila
entre dois grandes métodos (Freeman, 1934; Hookway, 1985;
Hausman, 1993; Rosenthal, 1997, 2001): o fenomenológico e o lógico.
O primeiro é desenvolvido independentemente de Husserl; o último,
no início de extração kantiana, é revisado, depois de 1885, pela lógi-
ca das relações e, em um período tardio, pelos grafos existenciais.
Esta “oscilação” entre duas visões é atribuída a diferenças cronológi-
cas de desenvolvimento (Murphey, 1993) e a um conflito entre uma
posição naturalista e uma posição transcendentalista de seu pensa-
mento (Goudge, 1950).
Tendo a concordar com Rosenthal (2001) sobre uma abordagem
experimental baseada em uma visão pluralista e falibilista. Tentarei
ser ainda mais enfático do que ele sobre o que penso ser a prática
cotidiana de um cientista-filósofo inteiramente envolvido na cons-
trução de modelos para testar/demonstrar suas principais hipóteses
de trabalho. De acordo com essa visão, não há mais do que mudança
sistemática, e controlada, de perspectivas de observação e análise,
seguida de avaliação e comparação dos resultados por ela provoca-
dos. Esta posição permite incorporar novos resultados e, neste con-
texto, supor o que Peirce chamou de séries alternativas de categorias
(MS296, 16). Rosenthal (2001) resume assim essa idéia:

Peirce, em lugar nenhum, indica que suas categorias são absolutas e


eternas; de fato, estabelece claramente que, embora sua seleção possa
ser a mais adequada, séries alternativas de categorias são possíveis (CP1,
525). Sustenta que sua seleção tem sua própria e única importância, e
que provavelmente não é maior que outras séries (MS296, 16); e reco-
nhece que continuamente encontramos concepções que seu conjunto
não inclui (CP1, 525).

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Categorias cenopitagóricas

Na obra de Peirce, as categorias são um princípio metateórico


cujo desenvolvimento requereu tanto análises formais como inter-
pretação fenomenológica e especulação metafísica. A construção desse
princípio, cujas fundações matemáticas combinam métodos algébri-
cos e diagramáticos (Burch, 1991, 1997; Ketner, 1995; Brunning,
1997), associa diversos domínios, formais e empíricos (Freeman, 1934,
p. 3; Rosenthal, 2001). Esta associação pretende justificar:
(i) completude, porque a lista de categorias deve ser exaustiva;
(ii) irredutibilidade de seus elementos, pois eles devem ser radi-
calmente distintos;
(iii) composicionalidade de seus elementos, porque, embora radi-
calmente distintos, é possível combiná-los, e porque entre eles há
uma ordem de pressuposição necessária;
(iv) inspecionalidade, pois deve ser possível checar suas proprie-
dades em um “mundo de fatos”.

Muitos dos comentadores de Peirce têm introduzido as categorias


baseando-se em “Sobre uma nova lista de categorias” (W2, 49, CP1,
545), publicado em 1867.1 Há muitas vantagens em se começar por
esse artigo, pois nele Peirce forneceu seu primeiro esquema da teoria
das categorias. É considerado por muitos como o mais importante
trabalho de sua carreira, a fundação da semiótica peirceana. Nele
são definidas as condições gerais necessárias para a formação de
concepções, e as condições pelas quais as “impressões” são “unifica-
das” em estruturas proposicionais. De acordo com Hausman (1993,
p. 96), “o principal problema abordado remete à identificação das
concepções requeridas para articular a experiência pela unificação
de seus componentes, na forma de proposições”.

1
Para aqueles interessados nos trabalhos que culminam neste artigo, recomendo:
De Tienne (1989; 1996), Hookway (1985), especialmente o terceiro capítulo (“Cate-
gorias”), e Murphey (1993), também o terceiro capítulo (“Origens do segundo sistema,
1862-1867”).

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 27

A primeira apresentação das categorias é duplamente kantiana:


Peirce se autodenominou, por muito tempo, um devoto de Kant
(CP4, 2), e “Sobre uma nova lista” é uma reconstrução nele inspirada
(CP1, 563, 4.2, 8.329; Hookway, 1985, p. 81-85). Em primeiro lugar,
as categorias são definidas como “concepções que reduzem a varie-
dade das impressões a uma unidade”, a unidade da proposição; em
segundo lugar, refletem a definição de número kantiana: “simples-
mente a unidade da síntese da variedade de uma intuição homogê-
nea em geral” (Savan, 1952, pp. 186-187).
Para Savan, Kant reinterpreta uma noção que vem de Pitágoras, e
que Aristóteles resume assim: “número é uma pluralidade mensurá-
vel por um” (Metafísica, 1057-a/3, apud Savan, ibidem). E o autor
continua:

Peirce aparentemente conclui que, desde que as categorias e os números


são, ambos, funções de unificação da variedade, as categorias, como os
princípios numéricos, serão chamadas de Primeiro, Segundo e Terceiro.
(ver CP1, 556)

Ao longo dos anos, as categorias recebem muitas denominações,


resultado de experimentos em muitas áreas, sendo suas correspon-
dências analisadas em diversos domínios. Em “Sobre uma nova lis-
ta” (W2, 54), são denominadas: qualidade, relação e representação.
Posteriormente, diversos conceitos são usados para designá-las (ver
Quadro 1.1): espontaneidade/dependência/mediação (CP3, 422);
feeling/reação/hábito (CP4, 157); qualidade/reação/mediação (CP4, 3),
os mais recorrentes sendo primeiridade/secundidade/terceiridade:

Primeiridade é o modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e


sem referência a qualquer outra coisa. (CP8, 328)
Perfeitamente simples e sem partes. (CP1, 531)
As típicas idéias de Primeiridade são qualidades de feeling ou mera apa-
rência. (8.329)
Secundidade é o modo de ser daquilo que é tal como é, com respeito a
um segundo, mas sem observar qualquer terceiro. (CP8, 328)
O tipo de idéia de Secundidade é a idéia de esforço, prescindindo da
idéia de um propósito. (CP8, 330)

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Como é “impossível resolver tudo em nossos pensamentos por


meio destes dois elementos” (CP1, 343) – primeiridade e secundida-
de –, embora haja tentativas para fazê-lo (CP8, 331), é necessário um
terceiro elemento, a terceiridade:

Terceiridade, no sentido da categoria, é o mesmo que mediação.


(CP1, 328)
Algumas das idéias proeminentes, devido à sua grande importância em
filosofia e ciência, e que requerem atento estudo são: generalidade, infi-
nidade, continuidade, difusão, crescimento e inteligência. (CP1, 340)

No Quadro 1.1 estão algumas das propriedades associadas às


categorias.

Quadro 1.1 – Denominações atribuídas às categorias

Primeiridade Secundidade Terceiridade


1867 Qualidade Relação Representação
1891 Espontaneidade Dependência Mediação
Mente Matéria Evolução
Feeling Reação Mediação
1896 Qualidade Fato Lei
1897 Idéias de feelings Atos de reação Hábitos
Feelings Reação Pensamento
1898 Primeiras Existência Potencialidade/
qualidades/Idéias Reação Continuidade
Acaso Self-willedness
Liberdade Continuum
1902 Orience Luta –
(originalidade)
1903 Presentidade Ação Lei
Qualidade de feeling Luta Geral
Reação Representação
Força mecânica Mediação

Como afirmei, a mais importante das sucessivas “revisões” da


teoria das categorias é conduzida pela lógica das relações (Murphey,
1993, pp. 296-320), e seus resultados são apresentados pela primei-
ra vez em 1885: “Um, dois, três: categorias fundamentais do pensa-

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 29

mento e da natureza” (W5, 242). A partir dos anos 1870-1880, as


categorias passam a descrever três tipos fundamentais ou irredutí-
veis de relação (monádicos, diádicos e triádicos), “cada um servindo
a uma função de unificação distinto e necessário pelos quais os obje-
tos são tornados inteligíveis” (Hausman, 1993, p. 109). Para
Murphey:

(...) em vez de derivar as categorias de análise da relação sígnica, como


havia feito em “Sobre uma nova lista de categorias”, Peirce as apresenta
diretamente como três tipos de relação – monádica, diádica e triádica.
Este procedimento tem a vantagem da generalidade, pois todas as rela-
ções lógicas possíveis, incluindo a sígnica, pertencem a uma dessas três
classes. (1993, p. 303)

Segundo Peirce,

Um cuidadoso estudo da lógica de relativos confirma as conclusões que


havia obtido muito anteriormente – os termos lógicos são mônadas,
díadas ou políadas, e estes últimos não introduzem nenhum elemento
radicalmente diferente dos encontrados na tríada. (CP1, 293)

Minhas pesquisas em lógica dos relativos têm mostrado, além de quais-


quer dúvidas, que combinações de conceitos exibem uma notável analo-
gia com combinações químicas, todo conceito tendo uma valência estrita.
(...) Então, o predicado “é azul” é univalente; o predicado “assassina” é
bivalente (...); o predicado “dar” é trivalente, desde que A dá B para C,
etc. (CP5, 469)

Para entender como Peirce muda sua compreensão sobre o predi-


cado da proposição, após contato com a obra de De Morgan, apresen-
tando a idéia de classes irredutíveis de relações, introduzirei (na pró-
xima seção), sumariamente, a álgebra das relações e sua abordagem
do cálculo funcional clássico de primeira ordem, especialmente de
uma estrutura diagramática: teridentidade. Devido à importância
deste tópico, alguns comentários são necessários.
Para Roberts (1973, p. 17), a primeira aplicação por Peirce de um
método diagramático em lógica deve ser pensado concomitantemen-
te aos desenvolvimentos de uma notação para a lógica das relações,
com base nos trabalhos de Augustus De Morgan, a que ele teve aces-

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30 JOÃO QUEIROZ

so em 1866 e para os quais fez diversas contribuições em 1870-1880.


A proposta de uma notação para uma lógica de relativos é um exem-
plo dos seus desenvolvimentos nessa esfera. O artigo “Descrição de
uma notação para a lógica dos relativos” (W2, 359-429) constitui
sua mais importante contribuição neste domínio.
Fisch (W2, xxxi), por sua vez, relaciona esse artigo, de um lado, à
“Álgebra associativa linear”, de Benjamin Peirce, mais do que aos
trabalhos de George Boole e aos Augustus De Morgan; de outro lado,
associa-o com a teoria das categorias. Esta última interpretação é
também a de Leo (1994, p. 97): “Peirce interpretou – poderíamos quase
dizer produziu – a lógica das relações como uma verificação essenci-
al de seus estudos sobre as categorias”.
Segundo Flower e Murphey (1977, p. 589), a principal contribui-
ção de Peirce para a filosofia foi feita na área da lógica das relações
(ver Kneale e Kneale, 1962, p. 432). Afirmam que o desenvolvimento
da tese do pragmatismo vai depender dos desenvolvimentos dessa
lógica, e ainda dos grafos existenciais. A “prova da hipótese pragma-
ticista” e a do sinequismo (CP5, 415) também dependem essencial-
mente dos GE (Fisch, 1986, p. 365). Essas interpretações dão a medi-
da de importância desse tópico.
Peirce afirma:

Em minha própria história mental, foi o estudo da lógica das relações – na


teoria e na prática – que me levou a ver que todas as concepções, ainda
que abstratas e nobres, eram capazes de ser definidas com perfeita preci-
são formal no que se refere a concepções cotidianas. (...) Foi esta visão
que tentei incorporar em minha máxima do pragmatismo. (MS313, 30)

Introdução a uma abordagem baseada


na lógica das relações e em diagramas

É este o foco de meu argumento nesta seção: uma discussão so-


bre as categorias não deve ignorar os primeiros desenvolvimentos de
Peirce quanto à álgebra das relações e aos GE, desenvolvidos espe-
cialmente a partir de 1896-1897 (MS482), através dos quais é

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 31

demonstrada a propriedade de irredutibilidade das relações triádicas


(Ketner, 1986, 1995; Brunning, 1997). A faneroscopia, assim como
as ciências normativas, beneficia-se diretamente dessa estratégia.
O tópico da obra de Peirce mais negligenciado pelos autores inte-
ressados em sua semiótica é, provavelmente, sua lógica de diagra-
mas, cujos primeiros ensaios datam de 1882 (W4, 395-397; Roberts,
1973, p. 18), por meio da qual (cf. Ketner, 1995; Brunning, 1997,
p. 253) uma demonstração da principal propriedade da semiose é
possível: a irredutibilidade das relações triádicas genuínas.2 Como
alerta Brunning (ibidem),

(...) um cuidadoso estudo de toda a maquinaria lógica de Peirce, come-


çando com a álgebra das relações através da teoria dos quantificadores
até os grafos existenciais, pode tornar as categorias menos misteriosas
metafisicamente [ou semioticamente].

Concordo com Brunning. Uma análise das propriedades formais


das categorias, em contraposição às suas propriedades materiais –
uma divisão claramente estabelecida a partir de 1885 (MS901) e 1890
(CP1, 424, 457, 473; ver Kent, 1997, p. 448) –, deve anteceder qual-
quer outra investigação. Em outras palavras, uma análise lógico-
matemática das categorias deve ser anterior a qualquer formulação
das ciências normativas e mesmo da faneroscopia, que empregam
“técnicas e resultados matemáticos para validação das categorias”
(Hookway, 1985, p. 182; CP5, 42).
Os motivos para se recorrer a tratamentos formais, que não são
óbvios, estão relacionados às propriedades de completude e suficiên-
cia que Peirce quer imprimir à lista de categorias (Parker, 1998, p. 3).
Para obter uma lista exaustiva de itens, argumenta:

2
É enorme a lista de publicações sobre as classificações sígnicas, e também sobre a
faneroscopia, que ignoram qualquer tratamento baseado em sua lógica. Embora exce-
ções devam ser mencionadas (p. ex. Murphey, 1993, em que há um capítulo sobre
topologia e teoria dos números, e Hookway, 1985), estes não constituem trabalhos
sobre semiótica, em um sentido estrito. Devo citar Parker (1998), que dedica todo o
Capítulo 3 (“A matemática da lógica: aspectos formais das categorias”) a um trata-
mento das categorias por meio de diagramas. Entretanto, mesmo nesse trabalho, não
há uma passagem dos resultados implicados pelo uso de diagramas lógicos para as
ciências normativas e, em particular, para semiótica.

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32 JOÃO QUEIROZ

(...) eu lhe convido a considerar não todas as coisas no fâneron, mas


apenas seus elementos indecomponíveis, isto é, estes que são logica-
mente indecomponíveis, ou indecomponíveis por inspeção direta.
(CP1, 288; 1.299)

Como definir os elementos “logicamente indecomponíveis”?


A resposta a esta questão é contundente: tais elementos são relações
e suas formas. Para Peirce (MS931, 396), “tudo o que sabemos, sabe-
mos apenas por suas relações, e tudo o que podemos saber são rela-
ções”. Para que se possa avaliar as implicações dessa afirmação, ele
não está apenas interessado em uma teoria da cognição baseada em
uma teoria geral das relações que funcione como uma “stecheology”
(CP1, 191) do pensamento (Houser, 1997, p. 15); no centro de seu
sistema filosófico está o conceito de relação (Leo, 1992, 1994). Para
investigar tais elementos, argumenta: “Inventei diversos sistemas
de signos para lidar com relações. (...) Fui finalmente levado a prefe-
rir o que chamo de sintaxe diagramática” (MSL, 231; ver CP4, 530;
Kent, 1997, p. 445).
Uma conexão entre relações, lógica das relações, grafos existen-
ciais (GE) e “elementos do fâneron” é explicitamente formulada em
diversas passagens:

Os grafos existenciais nos fornecem o melhor diagrama do pensamento


jamais inventado. (...) E, portanto, não pode haver melhor instrumento
para pensar sobre os constituintes do fâneron, sendo ele próprio eva-
nescente para uma compreensão bem definida, do que aquele conduzido
através dos grafos existenciais. A maior lição da lógica dos relativos, de
que eles são meramente uma expressão, é que conceitos simples inde-
componíveis, constituintes ou elementos do fâneron não diferem um do
outro somente em suas matérias, como pensava a velha lógica, mas
também em suas formas. (MS499s, 17-18)

Não pode haver melhor método para estudar o fâneron, sendo ele pró-
prio muito elusivo para observação direta, do que através de um diagra-
ma dele, que o sistema dos grafos existenciais põe à nossa disposição.
(MS293, 23-24)

Para extrair “todas” as conseqüências dessa perspectiva, não


se deveria desconsiderar: (i) uma introdução à álgebra das relações;

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 33

(ii) a demonstração da irredutibibilidade das relações (“tese da redu-


ção”), conduzida por Ketner (1995) com base no manuscrito “Sobre
os grafos lógicos” (MS492); (iii) as considerações de Brunning (1997)
sobre teridentidade, para demonstrar a irredutibilidade das relações
triádicas; (iv) o método algébrico-topológico, baseado no manuscrito
MS492, desenvolvido por Burch (1991; 1997).
Iintroduzirei os itens (i) e (iii) dessa lista. Sobre este último item,
conforme diz Brunning (1997, p. 254), “Peirce afirma que o aspecto
bidimensional torna a representação de tríades possível”. Em outra
passagem, a autora diz:

Peirce tornou-se convencido de que a verdadeira natureza das relações


triádicas foi freqüentemente mascarada pelas álgebras. Foram os grafos
existenciais que tornaram explícitos os caracteres triádicos. (Ibidem)

Devo enfatizar que este é um tratamento introdutório de aspectos


formais das categorias, assim como das implicações – especialmente
aquelas baseadas na estrutura de dependência entre diversos domí-
nios e sistematizadas na classificação das ciências – que tais trata-
mentos têm na contrução da teoria das categorias. Diversos autores
desenvolveram suas interpretações na mesma direção, entre os quais
posso mencionar: Hookway (1985), Leo (1992), Murphey (1993), Pape
(1997), Brunning (1997), Kent (1997), Ketner (1995), Houser (1997),
Parker (1998). Em geral, essas interpretações aceitam que, em ter-
mos metodológicos, as categorias são inicialmente formuladas em
um ambiente lógico-dedutivo, do qual uma fase indutiva empresta
métodos e resultados: “a fenomenologia é usada para confirmar a
tese sobre as formas que o raciocínio matemático pode considerar”
(Hookway, 1985, p. 103). Segundo Parker,

(...) com a descoberta dos relativos monádicos, diádicos e triádicos na


lógica matemática, temos os conceitos formais das categorias cenopita-
góricas. A questão sobre sua aplicabilidade material permanece indica-
da pela fenomenologia; aquela sobre sua necessidade e suficiência, como
categoria lógica, deve aguardar análise na parte matemática da lógica.
(1998, p. 43)

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34 JOÃO QUEIROZ

As conseqüências desse tratamento na elaboração da teoria do


signo, e das classificações sígnicas, são salientadas por diversos au-
tores. Para Kent,

(...) as categorias logicamente formais foram caracterizadas como rela-


ções irredutíveis: Primeiros são monádicos, Segundos são diádicos e
Terceiros são triádicos. Nenhum deles pode ser reduzido, e relações de
mais alto nível são redutíveis a relações triádicas. Essas categorias for-
mais provêm a base para a classificação do signo. (1997, p. 448)

Ainda sobre esse tópico, segundo Houser,

(...) de acordo com Peirce, existem somente três classes fundamentais de


relações: mônadas, díadas e tríadas. É claro que ele reconheceu que
existem relações de adicidade de mais alto grau do que tríadas, mas
afirmou que estas podem todas ser reduzidas (com respeito a suas es-
truturas básicas) a complexos de tríadas.
(...) [É na] matemática, aparentemente em suas bases, [que] nós encon-
tramos a teoria das relações, em que, presumivelmente, as categorias
universais de Peirce foram primeiramente elaboradas e a tese da redu-
ção foi estabelecida. (1997, pp. 14-16)

Redutibilidade das relações3

A seguinte pergunta, segundo Peirce, precisa ser considerada:

Por que parar em três? Por que não podemos encontrar uma nova con-
cepção em quatro, cinco e assim por diante, indefinidamente? A razão é
que, enquanto é impossível formar uma tríade genuína pela modifica-
ção do par, quatro, cinco e todo e qualquer número mais alto podem ser
formados pela mera complicação de três. (CP1, 363)

A prova de completude, necessidade e irredutibilidade das cate-


gorias tem de mostrar que: (i) toda políada maior do que três é cons-
truída com base em tríadas; (ii) tríadas e díadas são irredutíveis.
Para Burch (1997, p. 234), há dois componentes a considerar, um
positivo e um negativo:

3
Esta seção foi desenvolvida graças à colaboração de Lafayette de Moraes (PUC-SP).

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 35

(i) todas as relações podem ser construídas com base em relações


de aridade 1, 2 e 3 (componente positivo); e equivalentemente, todas
as relações de aridade maior do que 3 podem ser reduzidas a rela-
ções de aridade 1, 2 e/ou 3;
(ii) relações de aridade 2 não podem (em geral) ser construídas
com base em aridade 1, ou, equivalentemente, reduzidas a relações
de aridade 1 (componente negativo).

E acrescenta:
(iii) relações de aridade 3 (e maior) não podem (em geral) ser
construídas com base em (ou, equivalentemente, reduzido a) rela-
ções de aridade 1 e/ou 2 (componente negativo);
(iv) relações de aridade 2 podem ser construídas com base em
relações de aridade 1 se, e somente se, a relação de aridade 2 é dege-
nerada (componente negativo, “de maneira mais detalhada”);
(v) relações de aridade 3 (ou maiores) podem ser construídas com
base em relações de aridade 1 e/ou 2 se, e somente se, a relação de
aridade 3 é degenerada (componente negativo, “de maneira mais de-
talhada”).

Ou diz Burch, mais simplesmente (1991, p. 237), que relações


não degeneradas de aridade 1, 2 e 3 não podem ser reduzidas, e que
todas as relações de aridade maior do que 3 podem ser reduzidas a
relações de aridade 1, 2 e/ou 3.
Há três questões que devem ser abordadas para se demonstrar a
redução das relações (Burch, 1997, p. 234): conceito de relação; con-
ceito de construção e redução (aplicado a relações); conceito de dege-
neração e de não-degeneração (aplicado a relações). Sumarizarei os
principais problemas sobre a tese das relações triádicas e apresenta-
rei alguns desenvolvimentos de Peirce.4

4
Para aqueles interessados em uma abordagem da “tese da redução das relações” em
Peirce, recomendo os seguintes trabalhos: Burch (1991; 1997), Hazen (1995), Ketner
(1995), Brunning (1997) e Anellis (1997).

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36 JOÃO QUEIROZ

Álgebra das classes e relações

De Morgan e Peirce elaboraram o que é conhecido como “lógica


das relações”, a qual, em certos aspectos, é análoga à álgebra das
classes de Boole (Kneale e Kneale, 1962, p. 432). Wiener (cf. Quine,
1966) reduziu a teoria das relações a classes, ao construí-las como
classes de pares ordenados, definindo-os com base na teoria das clas-
ses. É conhecida a definição de par ordenado de Kuratovstki, um
refinamento do trabalho de Wiener (Quine, 1966). Com esses traba-
lhos, segue-se que todas as relações podem ser reduzidas a relações
diádicas.
Há ainda o trabalho de Löwenheim (1915), baseado justamente
nos desenvolvimentos de Peirce e Schröder, cujo teorema VI afirma a
redutibilidade a relações diádicas. Assim, uma relação n-ádica – Rx1,
x2, … xn – é constituída por um conjunto de n-uplas – {<a1 … an>
<b1 … bn> <c1 … cn>} –, que, por sua vez, podem ser reduzidas a
{<a1 <a2 … an>>, <b1 <b2 … bn>>, <c1 <c2 … cn>}. Cria-se,
portanto, um problema para lidar com a afirmação de Peirce de que
não há necessidade de relações primitivas com valências maiores
que três: “Eu provo absolutamente que todos sistemas de mais de
três elementos são redutíveis a compostos de tríades. (…) O ponto
é que, evidentemente, tríades não podem ser reduzidas” (SS43; ver
CP7, 537).
De acordo com Burch (1991, p. 7), que propõe um tratamento
consistente com os resultados de Quine (1966) e de Löwenheim (1915),
há dúvida sobre o fato de Peirce ter apresentado uma prova de sua
afirmação. Contudo, ainda segundo Burch (ibidem), desta controvér-
sia não deriva “o fato de que a afirmação de Peirce esteja errada ou
que não possa ser provada”. Em primeiro lugar, deve-se especular
sobre os conceitos de relação e de redução peirceanas. Em segundo
lugar, há a sugestão de Brunning (1997, p. 253) de que as álgebras
“falham” em prover uma demonstração da necessidade das relações
triádicas: “os grafos existenciais, através de teridentidade, fazem ex-
plícita a necessidade da terceira categoria”. Esta é também a opinião
de Ketner:

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 37

(...) depois de ter sido um dos pioneiros em lógica algébrica, Peirce veio
a favorecer uma abordagem topológica e diagramática em lógica e em
análise lógica. Seria, portanto, muito natural para ele expressar a prova
da redução em alguma forma diagramática (não algébrica). (1995,
p. 197)

Como já mencionado, relações podem ser definidas como n-uplas


ordenadas (relações meramente formais). Mas Peirce tem uma noção
de relação como “conceito relativo”, que funciona aproximadamente
como “classes de equivalência”, as quais correspondem a três primi-
tivos: mônadas, díadas e tríadas (Brunning, 1997, p. 255).5 Tríadas,
bem como díadas, podem ser degeneradas (redutíveis diádica ou
monadicamente) e genuínas (irredutíveis).
Degeneração é um conceito cuja aplicação, extraída do estudo
das “seções cônicas” (MS304, 35-36; EP2, 544-545), se refere à redu-
ção de uma figura geométrica a figuras mais simples. Aqui, é uma
relação que pode ser expressa através de relações de menor aridade,
quando, por exemplo, se reduz uma relação n-ádica, como um con-
junto de n-uplas, a uma relação diádica. Mas uma 3-upla não é uma
tríade genuína: “três coisas não constituem necessariamente uma
tríade” (MS942). Uma tríade degenerada é uma “mera justaposição”
(CP1, 371), uma “mera combinação” (CP1, 363) de “congêneres”
(MS717), cuja expressão algébrica vimos anteriormente. Seguindo a
orientação de Brunning (ibidem), para provar esse conceito primitivo
deve-se, recorrer a um tratamento não algébrico.
Enquanto o tratamento algébrico é unidimensional, o que se dá
através dos grafos existenciais é bidimensional. Pode-se estabelecer
uma correspondência aproximada entre o cálculo proposicional clás-
sico e o sistema alfa dos grafos, assim como entre o cálculo funcio-
nal clássico de primeira ordem, com identidade, e o sistema beta
(Roberts, 1973). Tem relevância, para nossa abordagem, as chama-
das “linhas de identidade”. O aspecto bidimensional dos grafos, mais

5
Classe de equivalência é normalmente entendida como em álgebra das classes, ou
seja, como “partições de um conjunto”.

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38 JOÃO QUEIROZ

especificamente do sistema beta, torna possível a representação de


tríades genuínas através de uma de suas estruturas: teridentidade
(cf. Ketner, 1995; Brunning, 1997).
Segundo Peirce, “um ponto sobre o qual tocam três linhas de iden-
tidade é um grafo expressando uma relação de teridentidade” (MS478).
Para verificar que teridentidade é um conceito primitivo, é necessário
provar que ele “não é mera identidade. É identidade e identidade,
mas é este ‘e’ um conceito distinto [de seu homônimo da álgebra
booleana e da lógica clássica], e é precisamente este o conceito de
teridentidade” (MS296).
Em outras palavras, “teridentidade não pode ser formada com
base em bi-identidade” (ibidem), conforme sugere Kempe (ver CP3,
424), que reduziria a relação “A dá B para C” (um dos mais mencio-
nados exemplos de Peirce) em:
– em um certo ato D, algo é dado por A;
– em um certo ato D, algo é dado para C;
– em um certo ato D, para alguém é dado B, cuja expressão
gráfica é:
A
D B
C

Peirce faz, contudo, uma restrição à análise de Kempe, conside-


rando-a uma pseudo-redução da tríade a um conjunto de díadas.
Portanto, o grafo acima está incorreto, segundo Peirce, que represen-
ta assim essa relação:

B
A
C

Precisamos, para definir teridentidade como um conceito primiti-


vo, de um pequeno vocabulário de elementos gráficos: (i) individuais
são representados por pontos; (ii) termos (remas) são “spots”, repre-
sentados por letras ou palavras (no caso acima: A, B e C); (iii) nas

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 39

periferias dos “spots” existem conectores (invisíveis) nos quais são


ligadas as linhas de identidade. Mônadas e diádas são representa-
das, respectivamente, por: – x e – y –.
Para afirmar a “identidade de indivíduos” designados por dife-
rentes pontos, estes são conectados por linhas de identidade. Duas
restrições devem ser respeitadas: (i) duas linhas de identidade não
podem ser ligadas ao mesmo conector – “um conector de um grafo é
ligado a outro conector de um grafo” (MS296); (ii) linhas de identida-
de não podem se interceptar.
A multiplicação relativa é definida como “a aplicação de uma re-
lação de tal modo que, por exemplo, Lw denotará o que quer que seja
amante de uma mulher [lover of a woman]” (W2, 369) – “alguma
coisa que ama”, e esta “alguma coisa é uma mulher”, ou, segundo
Peirce, L-W. Frege representaria assim esta relação: (x, z) (Lxz e Wz).
Com respeito às restrições estabelecidas, combinações de –L- (“al-
guém é amante de algo”) e –W (“este algo é uma mulher”), são cone-
xões de aridade perfeitamente definidas. Deste exemplo, obtemos:
– L – –W. Conforme Peirce, “um grafo com três conexões não pode ser
formado com base em um grafo com uma ou duas conexões, e combi-
nações de grafos de três conexões são suficientes para construir gra-
fos com números mais altos de conectores” (CP1, 347). Esta proprie-
dade é suficiente para definirmos teridentidade como uma relação
primitiva, e é a “prova” da necessidade da terceiridade.
Em outra passagem, Peirce diz (MS492b, 202): “é impossível afir-
mar que A, B, C são todos idênticos sem o rema triádico ‘– é idêntico
com – e com –’, que é um simples rema. Mas a asserção de que A, B,
C, D são idênticos pode ser feita por duas tríadas”.
Esta é uma sumária introdução dos elementos que servem como
base para a prova de necessidade da terceira categoria (terceiridade)
e suficiência da lista de categorias. A interpretação dos resultados
desta fase, na faneroscopia (próxima seção) e na teoria do signo (pró-
ximo capítulo), constitui as próximas etapas. A partir daqui vou me
deter no exame das categorias através da faneroscopia: a descrição
daquilo que está “defronte à mente ou na consciência” (CP8, 303).

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40 JOÃO QUEIROZ

Introdução à faneroscopia

A fenomenologia experimental de Peirce, ou faneroscopia6, é uma


ciência “ocupada com os elementos formais do fâneron”, o “total co-
letivo de tudo que está, de qualquer modo, ou em qualquer sentido,
presente à mente, sem consideração sobre se corresponde a algo real
ou não” (CP1, 284).

Minha lista de categorias difere das de Aristóteles, Kant e Hegel, na


medida em que eles nunca realmente se voltaram para um exame do
fenômeno para ver o que havia para ser observado lá; e eu não faço
exceção à Phänomenologie de Hegel em minhas críticas. (NEM4, 19)
Vamos agora nos voltar para o fâneron e ver o que encontramos de fato.
(CP1, 299)

Como “a mais básica (primal) de todas as ciências positivas” (CP5,


39), teoricamente baseada em “pura matemática” (CP5, 40), a tarefa
da faneroscopia é prover um catálogo exaustivo dos elementos men-
tais (CP1, 292). Suas principais questões são: quais os “elementos
indecomponíveis” do fâneron (MS292, 71-75) e como eles estão in-
terconectados? Seu protocolo de investigação prevê diversas fases
(EP2, 149; CP1, 299, 5.42), de considerações a priori sobre relações à
generalização de dados discriminados por observação sistemática.

O que eu chamo de faneroscopia é aquele estudo que, baseado na obser-


vação direta dos fânerons, e generalizando suas observações, indica suas
diversas classes gerais; descreve as características de cada uma delas;
mostra que, embora inextrincavelmente misturadas, tanto que não po-
dem ser isoladas, ainda assim é manifesto que seus caracteres são dis-
tintos; então prova, além de qualquer questão, que uma lista curta for-
ma as mais gerais categorias que existem nos fânerons; finalmente,
prossegue com a difícil e laboriosa tarefa de enumerar as principais sub-
divisões destas categorias. (CP1, 286)

O resultado é um catálogo dos “departamentos da ação mental”


(CP7, 539) e da explicação destes, bem como de suas relações, com

6
Sobre a faneroscopia de Peirce, recomendo os seguintes trabalhos: Savan (1952),
Rosensohn (1974), Spiegelberg (1981) e Rosenthal (2001).

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 41

base na análise de seus componentes fundamentais, que são as “for-


mas das estruturas dos elementos” essenciais do fâneron (MS292). A
questão pode ser colocada, simplificadamente, nestes termos: a extra-
ordinária diversidade de eventos e estados mentais expostos à obser-
vação pode ser agrupada em formas homólogas? Quando examina-
mos a mente, se não somos eliminativistas (ver Churchland, 1984,
pp. 43-49) e descremos radicalmente dos métodos conhecidos para
fazê-lo e dos resultados por eles obtidos, observamos idéias, volições,
representações, sensações, percepções, hábitos, feelings, reações, con-
ceitos. (Já há nessa pequena lista uma classificação rudimentar, uma
vez que aquilo que examinamos, pelo foco da atenção consciente, são
coisas mais particulares – uma lembrança, um distúrbio no campo da
audição, uma interrupção no foco da visão, etc.) Tem sido sugerido
que, para explicar o que examinamos, a primeira coisa conveniente a
fazer é uma classificação, ou seja, dividir o que examinamos em pro-
cessos, e/ou entidades, e/ou formas, de diferentes tipos.
Resulta dessa divisão o que Peirce (CP7, 539) chama de “departa-
mentos da ação mental”. Dos gregos, passando pelos escolásticos,
William Hamilton e Mill, diferentes soluções foram propostas, que
correspondem a tipologias. Provêm elas uma partição do fenômeno
observado em classes e últimas subdivisões destas – da atividade
mental em “componentes da atividade mental”.
Quais são os componentes mais fundamentais e como eles estão
relacionados? A faneroscopia propõe um método para responder a
esta questão e compara os resultados assim obtidos com aqueles
extraídos de outros domínios, especialmente da matemática
(Hookway, 1985). A idéia central é que a faneroscopia mostra que
relações formais estudadas na lógica matemática, que antecedente-
mente exclui diversas possibilidades (cf. CP1, 292), possuem correla-
to na experiência.

Encontramos, então, a priori, três categorias de elementos indecompo-


níveis a serem observados no fâneron: os que são simplesmente totais
positivos, os que envolvem dependência, mas não envolvem combina-
ção, e os que envolvem combinação. (CP1, 299; ver MS499s, 17-18;
MS293)

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42 JOÃO QUEIROZ

A questão sobre o que são os “elementos indecomponíveis do


fâneron” (MS292) pode ser comparada ao problema matemático das
quatro cores:

(...) qual o número mínimo de cores suficientes para colorir os países


mostrados por um mapa, de modo que nenhum país adjacente seja colo-
rido com a mesma cor? Tem sido sugerido, mas não provado, que a
resposta a este problema é quatro. (W4, xivi)

Esta metáfora tem também estreita correspondência com desco-


bertas da química (Tursman, 1987, p. 28), especialmente da tabela
periódica (CP5, 469), e do “poder de combinação de um átomo ou
radical” (Picardi, 1990), em que a questão é formulada em termos
“faneroquímicos”: classes de conexões, descritas como valências,
aparecem, de modo indissolúvel combinadas e misturadas no fâne-
ron, que é “analiticamente quebrado” (Marty, 1982, p. 169) em seus
elementos constitutivos.
Pode-se conceber que tal análise forneça uma variedade ilimitada
de elementos? Não é o que se observa. Um inventário dos elementos
resultantes revela três formas, a que Peirce chama de “valências fa-
neroquímicas” (CP1, 288).
Não vou me deter mais neste assunto, que diz respeito à “forma
da estrutura dos elementos” classificados no fâneron (MS292, 71),
que é sua “estrutura externa” ou “a estrutura de seus possíveis com-
postos (ligações!)” – e que, de fato, é o que “limita as diferenças de
estruturas possíveis”, assim como permite construir uma classifica-
ção dessas estruturas (Ketner, 1995, p. 214). Este tópico conecta as
pesquisas com os grafos existenciais, os GEs, e com a faneroscopia
(cf. MS499s; MS293); além disso, fornece a esta os meios para inves-
tigar os elementos fundamentais presentes na consciência.

“Departamentos da ação mental”:


experiências monádicas, diádicas e triádicas

Como descrever e explicar a experiência multidimensional da cons-


ciência? Para Chalmers (1997, p. 5), “não há apenas um problema da

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 43

consciência”. Consciência é um termo ambíguo, que se refere a dife-


rentes fenômenos. Cada um deles precisa ser explicado, mas alguns
são mais fáceis de explicar do que outros. Para Peirce, os “departa-
mentos da ação mental” são constituídos por três “componentes fun-
damentais”, isto é, por três componentes cuja “forma da estrutura”
não pode ser explicada através de qualquer outro componente.

Todos os elementos da experiência pertencem a três classes, que, desde


que são melhor definidas em termos numéricos, podem ser chamadas
categorias cenopitagóricas. Nominalmente, a experiência é composta de:
1º, experiências monádicas, ou simples (...); 2º, experiências diádicas,
ou recorrências (...) experiência direta de uma oposição de pares de ob-
jetos; 3º, experiências triádicas, ou compreensões (...) experiência direta
que conecta outras possíveis experiências. (CP7, 528)

Toda a variedade de estados que constituem a mente consciente


pode ser dividida em três formas: feeling ou experiência monádica;
sentido de alteridade ou experiência diádica; e sentido de mediação
ou experiência triádica. De acordo com essa divisão, três tipos funda-
mentais da experiência devem ser explicados: (i) “o conteúdo mo-
mentaneamente presente da consciência” (CP7, 551); (ii) a experiên-
cia “de um outro diretamente presente, ou segundo, resistindo a nós”;
e (iii) a experiência de síntese ou mediacão (CP1, 378).

Imagine uma consciência em que não haja nenhuma comparação, ne-


nhuma relação, nenhuma multiplicidade reconhecida, nenhuma mudan-
ça, nenhuma imaginação de qualquer modificação do que está positiva-
mente lá, nenhuma reflexão – nada além de uma simples característica
positiva. Tal consciência poderia ser apenas um odor (...). A primeira
categoria é uma qualidade de feeling. (EP2, 150)
Ela seria alguma coisa que é o que é sem referência a qualquer outra
coisa, dentro dela ou fora dela, sem considerar nenhuma força ou razão.
(CP2, 85)
(...) Esse tipo de consciência, que não envolve análise, comparação ou
processo de qualquer tipo, nem consiste em todo ou em parte de qual-
quer ato pelo qual um trecho da consciência distingue-se de outro, tem
sua própria positiva qualidade, que consiste em nada mais e que é, de si
mesmo, tudo o que é. (CP1, 306)

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44 JOÃO QUEIROZ

A próxima simples característica que é comum a tudo que vem à mente,


e, conseqüentemente, a segunda categoria, é o elemento de Luta.
(EP2, 150)
Você tem um sentido de resistência e ao mesmo tempo um sentido de
esforço. Não pode haver resistência sem esforço; não pode haver esforço
sem resistência. Eles são somente dois modos de descrever a mesma
experiência. É uma dupla consciência. Nós nos tornamos atentos a nós
mesmos nos tornando atentos ao não-self. O estado de vigília é uma
consciência da reação, e como a consciência ela própria é bidividida,
tem também duas variedades: nominalmente, ação, em que nossa modi-
ficação de outras coisas é mais proeminente do que sua reação sobre
nós; e percepção, em que seu efeito sobre nós é esmagadoramente maior
do que nosso efeito sobre eles. (CP1, 324)
Existe uma dualidade de agente e paciente, de esforço e resistência, de
esforço ativo e inibição, de agir sobre o self e sobre objetos externos.
(CP1, 332)
Sentido de mediação é consciência de um meio-termo ou processo, pelo
qual alguma coisa, não-self, é reunido na consciência. Toda consciência
de um processo pertence a esse sentido de mediação. (CP7, 544)

A seguinte questão deve ser formulada neste ponto (CP1, 363):


esta lista é suficiente para explicar toda a variedade de formas da
mente consciente? Segundo Peirce,

Não existem outras formas de consciência, exceto as três mencionadas:


feeling, altersense, medisense. Eles formam um tipo de sistema. Feeling
é o conteúdo momentâneamente presente da consciência tomado em
sua simplicidade pristina, à parte qualquer outra coisa; é a consciência
em seu primeiro estado, e poderia ser chamada primisense. Altersense é
a consciência de um outro diretamente presente, ou segundo. Medisense
é a consciência de uma terceiridade, ou meio entre primisense e alter-
sense, indo do primeiro para o último; é a consciência de um processo de
trazer à mente. Feeling, ou primisense, é a consciência da primeiridade;
altersense é a consciência da alteridade, ou secundidade; medisense é a
consciência de significados, ou terceiridade. (CP7, 551)

Os elementos dessa lista podem ser esquematicamente distribuí-


dos assim (Houser, 1978, Apêndice 3):

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CATEGORIAS CENOPITAGÓRICAS 45

Quadro 1.2 – Distribuição dos elementos

Ms. Data Primeiridade Secundidade Terceiridade


901 1885 Feeling Consciência de uma Consciência sintética/
interrupção no campo sentido de
da consciência/sentido aprendizagem
de resistência pensamento
359 1866 Feeling Esforço Concepções/ noções
909 1890 Feeling imediato Sentido de polaridade Consciência sintética
1099 1891 Qualidades de Reação (volição e Aquisição de hábitos
feeling experiência)
445 1898 Qualidades de Sentido de reação entre Consciência de hábitos
feeling ou dentro e fora: esforço e – formação ou
consciência imediata choque da experiência aprendizagem
908 n.d. Pensamentos puros Sensações Paixões
e simples
1105 n.d. Feeling Ações Pensamento
1106 n.d. Feeling Esforço (modo intelectual)
1107 n.d. Feeling/Premisense Sentido de alteridade Sentido de mediação
Peirce- 1909 Sentido de qualidade Molition Reconhecimento de
James hábito

Conclusão

A categorialogia de Peirce prova que uma lista de elementos –


categorias cenopitagóricas – é completa; que seus constituintes, a
saber, primeiridade, secundidade, terceiridade, são irredutíveis; e que
duas propriedades (genuíno/degenerado) são suficientes para des-
crever todas as variações de suas naturezas. Essa lista de elementos
constitui um sistema de relações exclusivas e exaustivas (relações 3-
ádicas, 2-ádicas e 1-ádicas), que são as fundações formais de seu
sistema filosófico. Uma inspeção indutiva é conduzida, através da
faneroscopia dos resultados de uma fase dedutiva de experimenta-
ção: que três categorias são necessárias e suficientes para explicar
toda a variedade de fenômenos observados na mente, bem como na
consciência, é uma hipótese cujas investigações conduzidas pela fa-
neroscopia, “em notável analogia com as combinações químicas” (CP5,
469), confirmam.
Estou tratando do problema sobre a validação indutiva da tese
sobre as relações e sobre a forma das relações (cf. CP4, 530). Esta
questão – que pode ser resumida em como um problema matemático
afeta um problema não matemático, no sentido amplo que Peirce

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46 JOÃO QUEIROZ

atribui à natureza desta ciência (Hookway, 1985, pp. 181-207) –


envolve a descoberta e a inspeção do triadismo na natureza, cuja
operatividade baseia-se no que Pape (1997) chama de “isomorfismo
estrutural” entre os processos de pensamento e a realidade (NEM4,
343-345), isto é, os “dois lados da mesma moeda” (CP1, 420; ver
5.283, 5.105).
Esse tópico, que para ser desenvolvido deveria ocupar toda uma
seção deste trabalho, exige uma análise das metodologias implica-
das na categorialogia (Rosenthal, 1997; 2001), da codificação do sis-
tema filosófico de Peirce na classificação das ciências (Kent, 1987),
além de uma investigação minuciosa do sinequismo. Essa questão
pode, em outros termos, ser assim resumida: a metafísica científica
de Peirce, concebida como uma metafísica geradora de hipóteses
(Putnam, 1992, p. 85), descreve como o comportamento regular de
fenômenos que apresentam uma tendência geral para formar padrões
segue um princípio geral (CP2, 170), um princípio independente de
nível de organização (CP1, 354).
O que interessa, no ponto em que estamos, é que a inspeção de
um isomorfismo entre as noções de signo e de irredutibilidade rela-
cional entre os termos que constituem uma tríade exige uma defini-
ção precisa de: (i) relação; (ii) tipos de relação (relações irredutíveis);
(iii) construção de relações, e em conexão com uma metodologia
baseada em diagramas; (iv) métodos de observação e descrição de
relações.
A correspondência entre signo e relação triádica, classe de signo
e variações desta relação (triádica), à qual vou dedicar os próximos
capítulos, exigiu um tratamento negligenciado pela comunidade de
autores interessados na semiótica de Peirce – aquele tratamento que,
baseado em sua lógica matemática e desenvolvido através de diver-
sas notações, investiga as propriedades formais das categorias. O
próximo passo é correlacionar tais propriedades com o signo e com
as classes de signos. Só baseados nos desenvolvimentos deste capí-
tulo é que estamos preparados para abordar a questão: qual “a natu-
reza essencial e fundamental de todas as variedades de possíveis
semioses” (CP5, 488)?

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2
SIGNO E SEMIOSE

Os conceitos de signo e semiose envolvem idéias interdependen-


tes – terceiridade, continuum, relação triádica, inferência, lei, hábito –
desenvolvidas em diferentes domínios – matemática, lógica, fenome-
nologia, metafísica – e em diferentes fases do pensamento de Peirce.
Esta é a principal dificuldade para apresentar sua intrincada teoria
do signo.
Devo fazer uma observação preliminar: precisa estar claro que
este não é um trabalho de história da semiótica. Ignorarei as con-
tribuições feitas até a fundação da semiótica de Peirce. Certamente,
sua teoria resulta de um complexo diálogo com muitas épocas e
autores, de ramos especializados e aplicados como a sintomatolo-
gia e a gramática gregas, até a lógica algébrica de Boole, passando
pelos escolásticos, por Locke, pelo idealismo alemão, para citar
apenas algumas das mais destacadas e mencionadas influências.
Meus propósitos neste capítulo são: (1) definir signo e semiose; (2)
definir “modelo”; (3) apresentar diversos modelos gráficos da semi-
ose, de acordo com diversos autores; (4) comparar as soluções des-
ses autores de acordo com algumas das condições estabelecidas
pela teoria das categorias.1

Quais os fatores mínimos envolvidos


na constituição do signo?

Leitor, como você define um signo? Não pergunto como a palavra é ordi-
nariamente usada. Quero uma definição como um zoólogo a daria de
um peixe, ou um químico de um corpo aromático ou gorduroso – uma
análise da natureza essencial de um signo. (EP2, 402)

1
Para uma introdução à teoria do signo de Peirce, recomendo os trabalhos de Fisch
(1986), Savan (1987-1988), Santaella (1992; 1995), Merrell (1995b) e Parker (1998).
Para uma abordagem histórica, recomendo: Clarke (1990) e Nöth (1995b).

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48 JOÃO QUEIROZ

São estas algumas das definições de Peirce:

(i) [Um signo] é qualquer coisa que determina qualquer outra coisa (seu
interpretante) a se referir a um objeto ao qual ele mesmo se refere
(seu objeto) do mesmo modo, o interpretante se tornando por sua vez
um signo, e assim por diante, ad infinitum. (CP2, 303)
(ii) Um REPRESENTAMEN é o sujeito de uma relação triádica DE um
segundo, chamado de seu OBJETO, PARA um terceiro, chamado de seu
INTERPRETANTE, esta relação triádica sendo de tal ordem que o
REPRESENTAMEN determina que seu interpretante fique na mesma re-
lação triádica com o mesmo objeto para algum interpretante. (CP1, 541)
(iii) Um Signo, ou Representamen, é um Primeiro que está em uma tal
relação genuína com um segundo, chamado seu Objeto, de modo que
seja capaz de determinar um Terceiro, chamado seu Interpretante, para
assumir a mesma relação triádica com seu Objeto na qual ele próprio
está com o mesmo Objeto. (CP2, 274)
(iv) Um Representamen é o Primeiro Correlato de uma relação triádica, o
Segundo Correlato, sendo chamado de seu Objeto, e o possível Terceiro
Correlato sendo denominado seu Interpretante, por cuja relação triádica
o possível Interpretante é determinado como o Primeiro Correlato da
mesma relação triádica para o mesmo Objeto, e para algum possível
Interpretante. (CP2, 242)
(v) [O signo] é determinado pelo objeto relativamente ao interpretante, e
determina o interpretante em referência ao objeto, de tal modo que pro-
duza o interpretante a ser determinado pelo objeto através da mediação
do signo. (MS318, 81)

Conforme essas definições: (1) o signo, ou semiose, é uma rela-


ção; (2) é uma relação entre coisas que podem ser abstraídas na for-
ma de correlatos (termos da relação); (3) três são os termos necessá-
rios e suficientes para descrever o signo como uma relação; (4) o
signo é uma relação irredutível de três termos; (5) signo, objeto e
interpretante são os termos dessa relação; (6) o signo é o primeiro
termo, o segundo é o objeto, e o terceiro é o interpretante; (7) o inter-
pretante é determinado pelo objeto como uma determinação do signo
pelo objeto.
De (1) e (2) pode-se inferir que signo é um padrão, um arranjo de
itens, qualidades, eventos, processos, e qualquer coisa que é signo,
de qualquer natureza, pode ser abstraída na forma desse padrão;

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SIGNO E SEMIOSE 49

de (3), (4) e (5) infere-se que esse padrão é irredutivelmente triádico


e S-O-I são seus termos; de (6) pode-se inferir que os termos dessa
relação são definidos conforme a posição que ocupam relativamente
aos outros termos.
Usarei signo e semiose como sinônimos; não farei distinção do
signo como primeiro termo da relação triádica e da relação triádica
como signo. De acordo com Johansen,

Peirce usa a palavra “signo” em um sentido amplo e em um sentido mais


estreito. No sentido amplo, “signo” é usado para designar a relação
triádica entre objeto, signo e interpretante. Em um sentido mais restrito,
“signo” denota um elemento, “signo” ou “representamen”, dentro da
tríade. (1993, p. 62)2

Para Peirce, o signo é uma estrutura lógica (CP4, 9). Qualquer


descrição da semiose envolve – de um modo menos intuitivo que o
modelo diádico dominante nas ciências cognitivas (Deacon, 1997,
pp. 69-70), na linguística de Saussure (Nöth, 1995a, p. 59) ou na
teoria da referência de Frege (Merrell, 1997) – uma relação constitu-
ída por três termos irredutivelmente conectados (S-O-I), que são os
seus elementos mínimos. Vimos (Capítulo 2) o que significa uma re-
lação irredutível. O signo, um “outro” quanto ao objeto que ele indica
ou o substitui (“fica no lugar de”), determina outro signo, o interpre-
tante, como uma determinação do objeto.
Segundo Ransdell,

(...) para Peirce, esta palavra [determinação] carrega, de uma só vez, um


sentido causal e um lógico, correspondendo a uma diferença comple-
mentar entre observar a “representação” formalmente, como uma rela-
ção, e observá-la dinamicamente, como um ato ou processo de tal ato.
(1983, p. 23)3

Sobre sua natureza, Peirce afirma, em diversas passagens, que


um signo é qualquer coisa que depende de ser interpretado como um
signo. Sua “natureza sígnica” é definida “na medida em que ele é

2
Ver também Hausman, 1993, p. 72.
3
Sobre o significado preciso deste termo (determinação) em Peirce, ver: CP5, 447, 2.428,
8.177.

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50 JOÃO QUEIROZ

interpretado em outro signo” (CP8, 225). Pode-se dizer, aproveitando


uma idéia de Rescher (1996, p. 52), que esse modelo descreve um
processo cuja coerência, como uma “unidade funcional”, depende de
um intérprete, que é generalizado como o “interpretante” da relação
triádica.
Para Peirce (MS634, 18): “Signo é uma classe que inclui pinturas,
sintomas, palavras, sentenças, livros, bibliotecas, sinais, ordens de
comando, microscópios, representações legislativas, concertos musi-
cais, performances”. Mas parece ser justamente seu escopo de apli-
cação que impõe os mais graves problemas à sua interpretação. Em
uma carta de 1908, para Philip Jourdain, Peirce afirma:

Minha idéia de um signo é tão generalizada que desisti de me fazer


entender por quem quer que seja, de modo que, para considerá-la com-
preensível, eu a limitei a uma definição em que um signo é qualquer
coisa que, de um lado, é determinado (ou especializado) por um objeto e,
de outro lado, determina a mente de seu intérprete, o último sendo as-
sim mediatamente, ou indiretamente, determinado pelo objeto real que
determina o signo. Mesmo esta definição pode ser pensada como dema-
siado geral. (NEM3, 886)

Passarei diretamente à questão que mais me interessa neste ca-


pítulo: qual a forma desta relação (objeto–signo–interpretante)?

Modelos da semiose

Esta questão é abordada por Ransdell (manuscrito s.d., p. 16)


nos seguintes termos: “podemos argumentar que uma descrição ver-
bal do processo da semiose sempre apela, para sua inteligibilidade, a
uma esquematização gráfica”.
Muitos autores propuseram diferentes “esquemas gráficos” para
representar a semiose. Esses modelos podem ser considerados “íco-
nes de relações”, que Spinks (1991, p. 445) define como “constru-
ções hipotéticas usadas para entender e prever como um sistema de
relações deve funcionar”. O problema aqui é que, embora Peirce te-
nha conferido um status especial a métodos diagramáticos, que ele

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SIGNO E SEMIOSE 51

associa a formas de pensamento abdutivos (CP4, 571; Kent, 1997),


ele não desenvolve sistematicamente um modelo diagramático da
semiose. O resultado é uma variedade desencontrada de abordagens.
A diversidade de propostas, evidentemente, sugere um problema.
Dentre os diversos modelos conhecidos, posso mencionar: Savan
(1987-1988); Deely (1990); Chauviré (1995); Deledalle (1990); Jappy
(1989, p. 147); Pape (1993); Merrell (1997, p. 13); Johansen (1999);
De Tienne (1992b); Parker (1998); Balat (2000, p. 71).
A primeira pergunta que se pode fazer é se esses modelos estão
tratando de diferentes fenômenos ou são representações alternati-
vas que descrevem aspectos complementares de um fenômeno para
diversos propósitos. Neste caso, deveriam estar conectados, mas não
o estão. Pode-se simplesmente dizer que não são modelos, senão
adendos ilustrativos de uma teoria, um posicionamento que prefiro
não considerar. Se o que examino aqui são modelos, devo começar
por sua definição sumária, por algumas de suas diversas acepções e
suas principais subdivisões em esquemas algébricos, topológicos, ana-
lógicos, e ainda por simulações.

Modelos: coerções empíricas e teóricas

Um modelo pode ser definido como uma “representação de um


sistema por outro sistema, usualmente mais familiar, cujo funciona-
mento é suposto análogo ao primeiro” (Blackburn, 1996, p. 246).
Modelos são parte de estratégias usadas para entender estruturas e
processos de evidências por aproximações, através de descrições sim-
plificadas dessas evidências. Toda modelização envolve “idealização,
simplificação, abstração e sistematização” de um fenômeno.
Uma vez que o que me interessa é um fenômeno que pode ser
observado (semiose), uma posição compatível com os objetivos das
ciências normativas (CP1, 241), devo presumir que investigo proprie-
dades de um modelo que deve satisfazer a condições indutivas de
tratamento e refutabilidade. Mas as coerções teóricas às quais ele
deve satisfazer, que tratarei como “princípios de regulação” e que de
fato me interessam, são impostas por princípios formais e por análi-
se fenomenológica. São restrições impostas por esses princípios.

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52 JOÃO QUEIROZ

Estão entre os “princípios de regulação”:


(i) irredutibilidade da relação triádica (CP1, 346, 2.242, 5.484);
(ii) ação e processualidade (CP5, 484);
(iii) irreversibilidade (CP5, 253, 5.421);
(iv) continuidade (MS875; Parker, 1998, p. 147);
(v) convergência para o objeto dinâmico, independente da semiose
(CP1, 538; Pape, 1993);
(vi) tendência para o infinito (CP2, 92, 2.303).

Conectados, esses princípios sugerem que a semiose é um proces-


so evolutivo que tende continua e indefinidamente para um objeto,
sendo sua natureza explicada como uma relação irredutível entre
três correlatos. Como representar esse processo?

Diversos modelos da semiose

No que se refere à representação da irredutibilidade da relação


triádica, Merrell (1995b; 1997) é um dos autores que mais tem insis-
tido sobre a inadequação do triângulo de Ogden-Richards (1923/1946,
p. 11 – Figura 2.1). Um triângulo é uma relação de pares de termos, e
nenhuma combinação de seus vértices (S-O, I-O, S-I) deve produzir
uma relação triádica genuína (S-O-I).

Figura 2.1 – Triângulo de Ogden-Richards

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SIGNO E SEMIOSE 53

O tripod (Figura 2.2), por sua vez, é a estrutura que melhor repre-
senta uma relação desse tipo, embora, para Merrell (1995b, p. 39), a
estrutura topológica do nó borromeano ainda seja a representação
mais precisa dessa propriedade (Figura 2.3):

Figura 2.2 – Tripod

Figura 2.3 – Nó borromeano

Vimos (Capítulo 2) como teridentidade, um conceito primitivo no


sistema beta dos grafos existenciais, é expresso graficamente por
uma linha bifurcada que conecta três termos (Brunning, 1997). Esta
relação, capaz de reduzir relações poliádicas de qualquer grau, cons-
titui uma prova da irredutibilidade das triádicas genuínas, e equiva-
le, na semiótica, a uma relação em que S, O, I são “terceiros” e for-
mam seus membros indispensáveis. Na relação triádica expressa no
triângulo de Ogden-Richards (1923, p. 11), três díadas “meramente
co-existem”, não constituindo o que Peirce chama de um “fato triplo”
(W5, 244; NEM4, 307). Segundo Peirce (ibidem), “uma estrada com
uma bifurcação é um análogo de um fato triplo, porque traz três
termos em relação, uns com os outros”.
Ainda sobre a relação entre os elementos, De Tienne (1992) suge-
re, provocativamente, a idéia de “monismo semiótico”: o signo é qual-
quer coisa que depende de ser interpretado como um signo, e os ele-
mentos da relação sígnica têm suas naturezas definidas pela posição

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54 JOÃO QUEIROZ

relativa aos elementos da tríade, de acordo com a interpretação so-


bre o papel destes. Embora os elementos da tríade reflitam, em uma
correspondência com as categorias, diferentes níveis de complexida-
de estabelecidos por relações não recíprocas de hierarquia, são rela-
ções funcionais, dependentes da análise da tríade, que definem suas
naturezas. Segundo De Tienne,
(...) em uma tríade, as categorias são vistas em seus aspectos elementa-
res de primeiro, segundo e terceiro, cada um dos quais é considerado na
função particular que realizam sem consideração pela identidade espe-
cífica dos outros dois elementos. (...) A função de um dado elemento
pode variar dependendo da perspectiva tomada como análise da tríade.
(Ibidem, p. 1.292)
Foi o que sugeri, no início deste capítulo, como “unidade funcio-
nal dependente do intérprete”. Se, como vimos, os correlatos (S-O-I)
da tríade genuína são “terceiros”, como definir a posição relativa dos
correlatos? Segundo Peirce (MS339, 533), o interpretante é definido
como “aquilo que traz o signo em relação com o objeto”; o signo “é
determinado pelo objeto relativamente ao interpretante, e determina
o interpretante em referência ao objeto” (MS318, 81). Mas, como alerta
De Tienne (1992), “encontramos Peirce afirmando que o signo é um
‘Priman’, que é segundo para o objeto dinâmico e terceiro para o
objeto imediato, para o interpretante (MS793, 13)”. Em outra passa-
gem, Peirce afirma que o “objeto e o interpretante são meramente os
dois correlatos do signo, um sendo o antecedente e o outro o conse-
qüente do signo” (MS318, 82).
Deve haver três tipos “complementares” (cf. De Tienne, 1992,
p. 1.296 – Figura 2.4) de mediação a serem considerados: (i) o signo
faz a mediação entre O e I; (ii) o objeto faz a mediação entre S e I; (iii)
o interpretante faz a mediação entre S e O.

Figura 2.4 – Modelo baseado em tipos “complementares” de mediação

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SIGNO E SEMIOSE 55

Na primeira, “a mais freqüente interpretação da epistemologia


semiótica de Peirce”, “O é revelado apenas através da semiose”.
Na segunda relação, “O é considerado como o fundamento comum,
que dá a S o poder de se referir a I, e a I seu poder para representar
S como representando o mesmo O que próprio I, representa”. Na ter-
ceira, “I media entre S e O”, e o interpretante “é definido como ‘repre-
sentação de mediação’ que representa o signo, que ele interpreta como
um signo do mesmo objeto que ele próprio representa” (De Tienne,
1992, pp. 1.296-1.297). As relações reunidas sugerem o seguinte
modelo:

Figura 2.5 – Reunião de tipos complementares de mediação

Se a semiose é também um processo, ela envolve tempo (irrever-


sibilidade). Para Rosenthal (1994, p. 27), “significados devem ser
entendidos como estruturas relacionais que emergem de padrões de
comportamento”. Segundo Pape (1993),

(...) cada um dos três correlatos é um aspecto e, simultaneamente e não


simultaneamente, uma fase no processo de formação sígnica e de inter-
pretação; [a semiose] é evolucionária, porque toda a semiose é, ela pró-
pria, parte de uma sequência possivelmente ilimitada de tais processos.

A introdução de conexões orientadas (setas) parece satisfazer a


esta restrição, ao estabelecer “ordens de determinação” (cf. Chauviré,
1995, p. 75) entre os termos da relação. Diversas soluções são pro-
postas (Figuras 2.6, 2.7, 2.8 – ver Réthoré, 1980, p. 33).

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56 JOÃO QUEIROZ

Figuras 2.6, 2.7, 2.8 – Diversos modelos de relação R-O-I

Mas como representar uma relação em que o interpretante torna-


se signo de uma relação triádica subseqüente para o mesmo objeto
do signo da relação precedente, e assim sucessivamente, ad infinitum
(cf. CP2, 303)? Esta propriedade, “teleológica e normativa” (Pape,
1993, p. 586), é assim representada no modelo de Parker (Figura 2.9):

(...) cada interpretante subseqüente é requerido como o finalizador da


função sígnica prévia, e cada signo, por sua vez, requer a produção de
signos interpretantes ulteriores. (...) O último interpretante estaria na
mesma relação para o objeto, como o primeiro signo esteve. Isto é certa-
mente concebível se postulamos que cada função do signo é um proces-
so infinitesimal. Não deveria existir nenhuma diferença discernível en-
tre as interpretações sucessivas que estão imediatamente conectadas.
(1998, p. 147)

Figura 2.9 – Semiose ad infinitum

Não há no modelo de Parker nenhuma indicação de “estrutura


triádica”. Vimos que o interpretante se relaciona com seu objeto atra-
vés de um signo que ele interpreta. Se esse signo está em uma rela-
ção desse tipo com seu objeto, então ele é um interpretante do objeto
cujo signo ele também interpreta. Tal modelo (Figura 2.9) descreve
com precisão a idéia de que, para todo signo, “existe um signo ante-

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SIGNO E SEMIOSE 57

cedente do qual ele é um interpretante, e um signo conseqüente que


é seu interpretante” (Savan, 1987-1988, p. 43). Mas não há, em seu
modelo, nenhuma indicação da irredutibilidade das relações triádicas.
Balat (2000, p. 71), para lidar com essa propriedade, faz o seguinte
diagrama:

Figura 2.10 – Modelo das relações triádicas de encadeamento S-I


relativamente ao mesmo objeto

Já Savan (1987-1988, p. 6) – que define o objeto de um signo


“como aquele item específico, dentro de seu contexto, para o qual
todo interpretante do signo está relacionado colateralmente”, propõe
a seguinte construção:

Figura 2.11 – Modelo das relações de transfomação S-I relativamente ao


mesmo objeto, ad infinitum

Merrell, por sua vez, afirma que um diagrama que represente o


“potencialmente infinito regresso do significado” deve se parecer com
um “padrão de rede”:

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58 JOÃO QUEIROZ

I1, o original representante de R1, torna-se ele próprio um signo e deve,


por sua vez, engendrar seu próprio I. Vamos chamar esse interpretante
de I11. I11, durante o processo, torna-se outro signo, R2; e seu interpre-
tante, I2, por sua vez, torna-se o interpretante de I11, que é insignifi-
cantemente diferente do interpretante original – ele passou adiante e
para dentro de I2, e para dentro de ainda outro signo, R3. E assim por
diante. (1997, pp. 18-19)

Figura 2.12 – Semiose como uma “rede”

Novos modelos provenientes das subdivisões


do objeto e do interpretante

Nenhuma dessas construções apresentadas considera as divisões


estabelecidas por Peirce sobre diferentes tipos de interpretante e de
objeto. Ambas as divisões são “complicadores”, cuja relevância é in-
direta para este trabalho. A divisão do objeto (dinâmico e imediato)
permite observar a determinação do signo pelo objeto sob dois aspectos.
Uma vez “tricotomizados”, esses aspectos vão estruturar as 28 e 66
classes de signos, que abordarei superficialmente (Capítulo 4).

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SIGNO E SEMIOSE 59

O signo é definido como aquilo que pode “denotar um Objeto per-


ceptível, somente imaginável, ou mesmo inimaginável” (C2, 230).
Peirce propõe uma divisão em que o objeto é observado “dentro e
fora” do signo como termo da relação triádica que define a semiose:

Devemos distinguir entre o Objeto Imediato – i.e., o objeto como repre-


sentado no signo – e o Real (...) o Objeto Dinâmico, que, da natureza das
coisas, o Signo não pode expressar. Ele pode apenas indicar e deixar o
intérprete descobri-lo por experiência colateral. (CP8, 314)

Quanto à subdivisão do interpretante, este é aparentemente um


tópico mais complicado e que tem recebido atenção mais dedicada de
diversos especialistas. As principais perguntas que muitos fazem são:
Quais são os tipos fundamentais de interpretantes? Esta questão pode
ser reformulada: Que classes de “efeitos” (cf. CP5, 473, 5.475, 2.228)
um signo é capaz de produzir? Como relacioná-los? O interpretante
imediato é o efeito não analisado (LW, 110) de um signo; o interpre-
tante dinâmico é o efeito real do signo (CP4, 536); o interpretante
final refere-se ao modo como “o signo tende a representar a si mesmo
como relacionado a seu objeto” (CP4, 536), estabelecendo regras para
agenciar a “interpretação do signo”.
Para que se tenha uma idéia das variações terminológicas e con-
ceituais desenvolvidas por Peirce para as divisões do interpretante,
segundo Liszka,

(...) uma das divisões primárias é a seguinte: “imediato”, “dinâmico”,


“final” (CP8, 314, MS339d, 546-547, LW109-111); o interpretante ime-
diato algumas vezes é chamado “felt”, (CP8, 369), “naïve” (MS499,
p. 47) ou “rogate” (MS499, 47); o interpretante dinâmico também é cha-
mado “médio” (NEM4, 318); o interpretante final é algumas vezes cha-
mado “eventual” (CP8, 372), “normal” (CP8, 343), “ultimate” (CP8, 314).
Outra importante divisão é entre “emocional”, “energético” e “lógico”
(CP5, 475-476, MS318, 35-37), e o lógico é subdividido em “primeiro”,
“infe-rior”, e “segundo mais alto”, “terceiro” e “ultimate” (MS318, 169-
171). Outras divisões incluem “intencional”, “efeitual”, e “comunicaci-
onal” (LW196); “destinado”, “efetivo”, “explícito” (LW84). (1996, p. 25)

A questão é se a esta variedade terminológica corresponde uma


variedade conceitual. O argumento “clássico”, conforme sugere

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60 JOÃO QUEIROZ

Fitzgerald (1966, p. 78), que foi o primeiro a se debruçar sobre o


problema – e que se pode depreender da lista de autores que ele for-
nece (ver também Liszka, 1996, p. 120) –, é que todas as divisões são
sinônimas e análogas à divisão “interpretante imediato, dinâmico,
final”, o que indica um exercício de natureza lexical e terminológica
de Peirce. Mas é duvidoso se esse argumento se sustenta por princí-
pio, isto é, tendo em vista o tratamento que Peirce confere ao uso de
novos termos (cf. LW23).
A posição de Ransdell difere daquela mais corrente, já que consi-
dera duas tricotomias, a saber, “imediato, dinâmico, final” e “emoci-
onal, energético e lógico”,

(...) as variações em suas numerosas tentativas para formular a tricoto-


mia do interpretante, ou, como alguns comentadores argumentam, duas
tricotomias do interpretante. Isto indica que Peirce se deparou com o
problema de ter de acomodar diversas necessidades teóricas e não con-
seguiu esclarecer precisamente onde coincidem, ou qual a base de todas
elas. (1983, p. 41)

Liszka, ao argumentar que o interpretante dinâmico não é o úni-


co a produzir um efeito, embora só ele produza um “efeito efetivo”,
afirma, em uma crítica a Fitzgerald:
Creio que existe uma confusão na interpretação de Fitzgerald entre
“feeling”, ação ou pensamento, como um interpretante singular, enten-
dido como produto, e emocional, energético ou lógico, como tipos de
interpretantes. Se um pensamento é o efeito não analisado de um signo
(imediato), isto não o torna um interpretante lógico; em vez disso, é um
interpretante imediato que “acontece” ser um pensamento. Desde que,
para Peirce, está muito claro que “interpretante [dinâmico] deriva seu
caráter da categoria diádica, a categoria da ação” (CP8, 315), e desde
que a “ação não pode ser um interpretante lógico” (CP5, 491), então o
interpretante lógico não poderia ser uma subdivisão do interpretante
dinâmico. “O interpretante dinâmico é um singular, um evento real”
(LW, 111). (1996, p. 120)

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SIGNO E SEMIOSE 61

Santaella (1995, p. 110), ao sistematizar a questão, propõe o se-


guinte esquema:
1. Imediato
1.1. Emocional
1.2. Energético
1.3. Lógico (em termos de possibilidade ainda indefinida)
2. Dinâmico
2.1. Emocional
2.2. Energético
2.3. Lógico (em termos de efeito realmente produzido)
3. Final
3.1. Emocional
3.2. Energético
3.3. Lógico (em termos de propósito a ser preenchido)

Não pretendo propor uma solução para este impasse. O que me


interessa aqui é verificar se há tentativas de incorporação dessas
subdivisões em modelos gráficos. Liszka (1996, p. 32 – Figura 2.13),
Jappy (1989, p. 147) e Pape (1993) são, até onde tenho conhecimen-
to, os únicos autores a levar em consideração essas subdivisões.

Figura 2.13 – As setas indicam “ordem de determinação” entre os termos


da relação, constituída por: “objeto dinâmico” (do), “objeto imediato” (io),
signo (s), “interpretante imediato” (ii), “interpretante dinâmico” (ii),
“interpretante final” (fi).

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62 JOÃO QUEIROZ

Conclusão e discussão

Como representar, através de forma geométrica, estrutura gráfica


ou topológica (sequência de nós e conexões, dobras, etc.), o arranjo
consistente ou característico de elementos que o signo constitui, esta
é uma questão cujo tratamento recorrente sugere a medida de sua
importância. Para Peirce,

Devemos começar por levantar noções diagramáticas dos signos, das


quais retiramos, numa primeira instância, qualquer referência à mente,
e, depois que tivermos feito aquelas noções tão distintas como é nossa
noção de número primitivo ou a de uma linha oval, podemos então con-
siderar, se necessário, quais são as características peculiares de um sig-
no mental e, de fato, dar uma definição matemática da mente, tendo em
vista que podemos dar uma definição matemática de uma linha reta.
(Apud Fisch, 1978, p. 56)

Um levantamento das “noções diagramáticas” dos signos – su-


pondo por isto um levantamento das estruturas icônicas das rela-
ções que operam na semiose – está por ser feito.
O problema aqui é metodológico. Só é possível fazer uma aborda-
gem deste tópico dividindo-se os problemas, tratando-os separada-
mente, passo a passo. Minha primeira sugestão é considerar o que
chamei de “coerções teóricas”, uma etapa que envolve ajuste e ali-
nhamento conceitual. Dividi as coerções em seis itens:
(i) irredutibilidade da relação triádica;
(ii) ação e processualidade;
(iii) irreversibilidade;
(iv) continuidade;
(v) convergência para o objeto dinâmico;
(vi) tendência para o infinito.

Certamente, outras propriedades podem ser listadas (p. ex.: gene-


ralidade, vaguidade, etc.), mas suas seleções, neste contexto, devem
ser orientadas tendo em vista suas possíveis contribuições para dis-
cussão dos modelos propostos.

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SIGNO E SEMIOSE 63

A diversidade de modelos sugere que há um problema. Mesmo


com respeito à questão mais “simples” – sobre a forma das relações
de determinação entre S-O-I –, há diversas e aparentemente incom-
patíveis abordagens. Quando novos componentes (objetos e inter-
pretantes) são considerados, parecem ainda maiores as dificuldades.
Como compatibilizar as diversas propriedades que caracterizam a
semiose em um modelo gráfico? Por exemplo, uma vez aceito que a
estrutura irredutivelmente triádica da relação S-O-I deva ser expres-
sa por uma linha que se bifurca (cf. teridentidade), como adicionar
“tempo” a essa estrutura?
A forma de teridentidade funciona como um modelo da irreduti-
bilidade da relação triádica S-O-I, mas nada informa sobre tempora-
lidade, irreversibilidade ou ordem de determinação entre os termos
da relação. Pode-se abandonar estruturas desse tipo (Liszka, 1996,
p. 32 – Figura 2.13; ver Jappy, 1989, p. 147; Pape, 1993) ou adaptá-
la, incorporando-se novos componentes gráficos (Merrell – Figura
2.12). Tais modificações, como é prática corrente, não estão basea-
das na adoção de um vocabulário gráfico adaptado às condições a
que, como modelos, devem satisfazer, nem há sugestão de que “com-
pletam” ou “incrementam” soluções já estabelecidas.
Abordei, neste capítulo, a forma da relação sígnica. O que apre-
sentei deve ser considerado como uma etapa preliminar, mas neces-
sária, de sistematização de um problema. No próximo capítulo, abor-
darei as “variedades fundamentais” (CP5, 488) desta forma.

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3
CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS

O modelo triádico de semiose exibe a “forma de um processo sem


especificar a natureza dos participantes do processo” (Colapietro,
1989, p. 6), nem a natureza das relações entre os participantes do
processo (termos da tríade). As classificações de signos respondem
às seguintes questões: (i) Quantas modalidades, “variedades funda-
mentais” (CP5, 488), dessa forma podem ser concebidas? (ii) Quais
são estas modalidades? (iii) Como elas estão inter-relacionadas?
As classificações baseiam-se, de um lado, nas categorias e, de
outro, nas tricotomias, que equivalem a questões (tricotômicas) for-
muladas sobre a tríade S-O-I (cf. Houser, 1991). Como resultado de
diversas experiências e pressionado por descobertas em diferentes
domínios, Peirce desenvolveu, por mais de quarenta anos, diversas
classificações. Meus objetivos neste capítulo são (1) definir as classi-
ficações sígnicas; (2) apresentá-las, desde um período preparatório,
que Freadman (2001a) chama de “juvenil”, até as 66 classes, com
atenção especial para as dez primeiras, e analisar suas estruturas;
(3) discutir algumas das razões que resultam nas subdivisões trico-
tômicas e os principais problemas para lidar com elas.

Classificações e classes de signos: definição

Se uma classe de signo descreve um “tipo” de semiose, uma clas-


sificação descreve todas as suas variedades possíveis (cf. CP5, 484).
Assim, de acordo com uma classificação, apenas três tipos de relação
entre signo e objeto podem ser concebidas. Como uma categoria, e
relativamente às categorias, uma classe é: (i) irredutível, não poden-
do ser explicada por outra classe; (ii) parte de uma lista exaustiva
(completa) de classes; (iii) estas estão hierarquicamente organiza-
das em um sistema de pressuposições. Os autores, para tratar das
classificações, oscilam entre duas visões – que, talvez, possamos

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66 JOÃO QUEIROZ

chamar de nominalista e realista. Assim, de acordo com a primeira,


uma classe de signo é um arranjo de propriedades atribuído a um
agregado de coisas, reunido por um observador pela atribuição des-
sas propriedades; é uma operação que confere homologia aos mem-
bros de uma classificação.
Hacking (1993, p. 284), ao tratar de tipologias, define um tipo
como um “conjunto”, uma perspectiva que tem a vantagem de vir
acompanhada de uma teoria naive de conjuntos e de relações entre
tipos (inclusão, pertinência, transitividade, correspondência, identi-
dade, etc.). Em nosso caso, subtipos são facilmente identificados.
Veremos que símbolos e índices são tipos, o segundo podendo pres-
cindir do primeiro, mas a recíproca não sendo verdadeira; todo ícone
corresponde a um qualissigno, ou signo, que é uma qualidade, etc.
Há porém outra perspectiva, simplisticamente mencionada por
Liszka (1996, p. 44) e ignorada pelos especialistas: a relação entre
“tipos naturais” e classes de signos. Para Hulswit (1997, p. 729;
2001), a seguinte questão está por traz do problema dos “natu-
rais”: “Qual é a origem de nossa divisão do mundo em classes?”.
Esse autor (ibidem) analisa três interpretações das classes naturais
de Peirce. Para Haack (apud Hulswit, 1997), fatos e eventos particu-
lares são “expressão de um padrão subjacente de tipos e leis natu-
rais”. Este padrão, que é real, consiste, segundo Peirce, em “grupos
de similaridades reunidos de um modo legal”; são “gerais que figu-
rariam nas leis” e “tipos de coisas no mundo que realmente se com-
portam de um modo legal”. O modo legal de comportamento dos
tipos é mantido por uma estrutura condicional subjuntiva real, que
é a tese do “realismo escolástico extremo”.
Segundo Hookway (apud Hulswit, 1997), “a generalidade é real,
mas a divisão das coisas em classes refletem nossos interesses e
decisões convencionais”. A possibilidade de um mapeamento objeti-
vamente correto do mundo com um sistema de tipos é descartada de
acordo com sua interpretação anti-realista.
Há ainda a interpretação de Rosenthal, que garante o elemento
de arbitrariedade defendido por Hookway (linhas de demarcação em
classes) em um espaço objetivo contínuo de tipos naturais (apud

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 67

Hulswit, 1997). A questão que pode ser formulada é, portanto, se as


classes de signos são exemplos de classes naturais. Peirce, em outra
passagem (MS728, CP4, 116), afirma que uma classe é uma solução
para um problema; em outra definição, diz que “uma classe é o total de
objetos que podem estar no universo de uma certa descrição” (CP1, 204).

Divisão das classificações sígnicas

Como a comunidade separa e analisa as classificações e as clas-


ses de signos? Não há uma abordagem sistemática deste tópico. Quan-
to à natureza das classificações, embora eu não esteja totalmente de
acordo com as considerações de Liszka (1996), acho que sua aborda-
gem pode ser um bom ponto de partida. Ele as divide em hierárqui-
cas, típica das classificações das ciências, e tipológicas, de caráter
“formalista”, típica das classificações sígnicas (ibidem, p. 43). Se-
gundo esse autor,

(...) na classificação hierárquica, que pode ser facilmente visualizada


como uma organização em forma de árvore, o objetivo é mostrar rela-
ções de afinidades, dependência ou interdependência entre as classes,
em vários níveis (cf. CP1, 180). (Ibidem)

O que Liszka (1996, p. 44) chama de “classificação tipológica”


deriva de um procedimento que tem na matemática seu uso mais
exemplar; p. ex. em geometria, descrição de certas entidades que sa-
tisfazem a condições formais, sem consideração por alguma relação
que essas entidades possam ter com quaisquer outras. De acordo
com o autor (ibidem), tal procedimento “baseia-se nas condições for-
mais do tipo do fenômeno, e sua classificação é gerada a priori a
partir deste tipo, seguindo ‘uma conexão entre as coisas e um siste-
ma de idéias formais’ (CP1, 223)”. Assim, veremos que um legissigno
indexical remático (321) é uma classe que satisfaz a diferentes con-
dições de um legissigno icônico remático (311), no domínio das dez
classes, e tais condições são estabelecidas a priori (cf. CP2, 233).
As classificações sígnicas são, em minha opinião, e seguindo a
divisão de Liszka (1996), um exemplo de forma híbrida de classifica-
ção (hierárquico-formalista). Desse modo, um legissigno indexical

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68 JOÃO QUEIROZ

remático (321) (cf. veremos nos Capítulos 4 e 5) tem sua natureza


determinada por condições a priori a que deve satisfazer, mas estas
condições são distinguidas através das relações de dependência que
o legissigno indexical remático (321) mantém com outros elementos
no interior do sistema.
Ransdell e outros autores têm enfatizado aspectos muito diver-
sos quando tratam das classes e das classificações. De acordo com
Ransdell (1983, p. 49), as classes devem ser observadas como “bate-
rias de distinção analíticas” – tipos analíticos não excludentes, siste-
maticamente obtidos pela aplicação recursiva das categorias, va-
lendo-se de uma combinação limitada por regras lógicas. Hausman
(1993) está de acordo quanto a dois dos aspectos mais salientes des-
ta abordagem: (i) as classes são baterias de análise, ou instrumentos
de distinção, comparação e classificação de “qualquer coisa” (even-
to, atividade, processo) interpretada como signo; e (ii) estão coorde-
nadas como funções mutuamente inclusivas, como modos comple-
mentares de observação. Segundo Hausman,

(...) deve ser útil se reconhecermos que uma mesma coisa (objeto ou
evento) pode pertencer a mais de uma divisão dentro da classificação
que Peirce propõe. Então, deveríamos pensar as classes como modos em
que uma coisa classificada funciona. (Ibidem, p. 84)

Para Ransdell (1983, p. 49), as classificações formam um “voca-


bulário inter-relacionado” de tipos, um “espaço de relações coorde-
nadas” dependentes do observador. As classes são: “distintos, mas
sistematicamente coordenados e mutuamente compatíveis modos em
que ‘algo’, que é por hipótese um signo, pode ser semioticamente
identificado” (ibidem, p. 54). Quando afirmamos que algo é um íco-
ne, estamos dizendo que foi projetado para ser interpretado como
tal, e que processos de escolha e seleção de propriedades de similari-
dade entre S e O atuam de modo predominante nesse processo.
Segundo Savan (1987-1988, p. 34), “qualquer qualidade, considera-
da como tal, afora suas exemplificações particulares, pode ser consi-
derada como signo [ícone] apenas por semelhanças qualitativas com
seu objeto”. Em outras palavras, podemos supor que qualquer coisa
pode assemelhar-se, por hipótese, a qualquer outra coisa.

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 69

Sobre o índice, Deacon (1997, p. 77) afirma que “quase qualquer


coisa poderia ser fisicamente, ou temporalmente, associada a qual-
quer outra coisa em virtude de alguma extensão da experiência de
proximidade no espaço ou no tempo”. Isto não impede que certas
coisas comportem-se predominantemente como indexicais, ou que
artefatos sejam construídos para serem interpretados como tal, mas
isto difere de atribuir um status intrínseco a essas entidades. Mas
estou me adiantando. Apresentarei, de modo sucinto, as principais
etapas de construção das classificações.

Classificações sígnicas: alguns problemas e cronologia

Qual a principal dificuldade para apresentar as classificações de


signos dos anos 1860 até as cartas trocadas com Lady Welby, entre
1903 e 1911 (LW3, 151), e com William James, entre 1909 e 1911
(CP8, 313; EP2, 492-502)? A teoria do signo começa a ser desenvolvi-
da, de modo sistemático, em 1865 (Harvard Lectures, W1, 162), em
um período “juvenil” (cf. Freadman, 2001a) que antecede a prepara-
ção de “Sobre uma nova lista de categorias” (W2, 49), e se estende
até 1909-1911. A primeira pergunta – sobre a qual não há um con-
senso entre os especialistas – é se tratamos de uma teoria gradual-
mente ampliada ou se há alterações fundamentais ao longo de seu
desenvolvimento. Por exemplo, pode-se perguntar se a divisão do
objeto, em dinâmico e imediato (LW84; CP8, 314), e as diversas divi-
sões do interpretante (CP8, 343) mudam as primeiras formulações.
Com relação às tricotomias, alguns autores (p. ex. Liszka, 1996, p.
128) perguntam por que Peirce teria adotado uma metodologia me-
nos formalizada para obtê-las e organizá-las a partir de 1903. (A
questão das tricotomias tem gerado uma série de problemas não re-
solvidos. Abordarei alguns deles no próximo capítulo.)
Para Murphey (1993, p. 3), o sistema filosófico de Peirce é um
sistema em mudança, “refeito e revisado desde dentro” por novos
métodos e modelos. Flower e Murphey (1977) estão corretos ao afir-
mar que o espectro de tratamento do objeto da lógica, no sentido
amplo em que esta equivale à semiótica, com base nos trabalhos
sobre a lógica das relações, do desenvolvimento dos diagramas lógi-

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70 JOÃO QUEIROZ

cos e dos quantificadores lógicos, obrigaram Peirce a uma revisão


radical de todo o seu sistema filosófico. Mas sabemos que as concep-
ções tricotômicas que fundamentam suas classificações sígnicas per-
maneceram intactas por toda sua obra.
Segundo Savan (1987-1988, p. 25), as mudanças “são expansões
de uma teoria fundacional. Muitas das teses essenciais, no centro da
teoria, permaneceram não afetadas pelas mudanças que Peirce in-
troduziu depois de 1867-1868”. Savan fornece uma lista de dez con-
ceitos fundamentais, nove dos quais sobre as categorias e um sobre
o modelo triádico do signo, com os quais Peirce constrói seu sistema –
da possibilidade das inferências a priori e a posteriori às relações de
prescindibilidade entre as categorias. Goudge (ver Houser, 1992a, in
EP1, Introdução), e mais recentemente Rosenthal (1997), de outra
perspectiva, defendem a existência de dois Peirces.
Concordo com Savan quanto a este tópico. Apresentarei (no
Capítulo 5) um exemplo convincente desta tese na Gramática Especu-
lativa. Desenvolvemos (Farias e Queiroz, 2000b; 2001) modelos grá-
ficos, baseados dois diagramas de Peirce para as dez classes de sig-
nos (EP2, 296, 2: 491), que permitem relacionar diacronicamente as
estruturas das classificações. Mas diversos exemplos podem ser men-
cionados, entre eles a descoberta dos quantificadores existenciais,
por Mitchell e Peirce (CP4, 391), e a relação desta descoberta com a
introdução, de um modo definitivo, do índice no esquema triádico
das classes, como um componente indispensável em qualquer siste-
ma de representação; a subdivisão do ícone em hipoícones (imagem,
diagrama e metáfora), que se segue ao desenvolvimento dos diagra-
mas lógicos, a partir de 1882, e principalmente a partir de 1896-
1897; a tricotomização do fundamento (ground) do signo, que intro-
duz um modo de análise que Peirce já havia esboçado, em 1865 (W1,
172), quando propôs uma separação entre o uso de certos signos
(palavras) e signos-em-si-mesmos. Em 1868, Peirce distinguiu a “qua-
lidade material” de um signo de seu caráter representativo (CP5, 287).
Estes são alguns exemplos de uma teoria cujo desenvolvimento pa-
rece respeitar suas fundações básicas.
O fato é que a obra de Peirce é um exemplo de “work in progress”,
e para lidar com ela é uma boa idéia dividi-la cronologicamente.

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 71

Assim o fizeram muitos comentadores, destacando aspectos distin-


tos de seu sistema filosófico.
Fisch (1986) dividiu a obra peirceana em três grandes períodos:
Cambridge (1851-1870), cosmopolita (1870-1887), Arisbe (1887-
1914). Estes correspondem às fases que vão da leitura de Whately
(Elementos da lógica, 1826) à lógica dos relativos, às viajens de ob-
servações científicas (Europa e Canadá), bem como ao período filoso-
ficamente mais produtivo de reclusão em Milford, na Pensilvânia,
até sua morte.
Deledalle (1990) segue a divisão de Fisch, mas renomeia as fases
correspondentes – “Leaving the Cave; The Eclipse of the Sun; The
Sun Set Free” – e destaca diferentes aspectos de cada uma delas.
O primeiro período corresponde a uma crítica à lógica de Kant e ao
cartesianismo; o segundo, à descoberta da lógica moderna e ao prag-
matismo; e o terceiro, à fundação da semiótica na fenomenologia e
ao desenvolvimento de uma metafísica científica.
Murphey (1993), por sua vez, interessado nas mudanças de sua
lógica, divide o pensamento de Peirce em quatro períodos: (i) a fase
kantiana (1857-1865/66); (ii) a descoberta da irredutibilidade das
três figuras silogísticas (1866-1869/70); (iii) o desenvolvimento da
lógica das relações (1870-1883); (iv) a descoberta dos quantificado-
res e da teoria de conjuntos (1884-1914).
Há ainda a sugestão de Houser (1992a, p. xxiv), que segue outro
esquema de Fisch (1986, pp. 84-200) e divide a obra de Peirce confor-
me a tranformação de seu pensamento, de uma fase quase nomina-
lista até um período de realismo radical. Segundo Fisch, encontra-
mos duas fases até 1872 (a primeira vai até 1868), quando Peirce
apresenta a tese pragmatista no Clube Metafísico, em Cambridge.
As fases seguintes são divididas em dois períodos: pré-monista (1872-
1890) e monista (1891-1914). Os principais desenvolvimentos da
monista são apresentados por Murphey na última fase – marcada
pela descoberta, com Oscar Mitchel, dos quantificadores existenciais
e da teoria de conjuntos (Murphey, 1993, p. 3).1

1 Thibaud (1975), outro autor que deve ser mencionado, é quem faz a mais cuidadosa
cronologia das descobertas lógicas entre 1867 e 1911.

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72 JOÃO QUEIROZ

Há, entre os problemas que observo nessas divisões, o fato de


que nenhum autor destaca como uma fase especial o desenvolvi-
mento dos grafos existenciais (GEs). Esta omissão aos grafos, consi-
derados por Peirce sua chef-d’œuvre (CP4, 347), é hoje especialmente
grave, pois há uma enorme quantidade de novas publicações sobre o
assunto (p. ex.: Faris, 1981; Hammer, 1994, 1995a, 1995b; Shin,
1994; Allwein e Barwise, 1996; Searle, 1997; Sowa, 1997) e um inte-
resse crescente pelo desenvolvimento de sistemas híbridos de nota-
ção em lógica – heterogeneous logic (Barwise e Etchemendy, 1995) –,
baseados em grafos, diagramas, mapas, redes e frames. No esquema
de Murphey, os GEs entram no mesmo período dos quantificadores
lógicos (1884-1914), período que, no quadro de Fisch (pré-monista),
têm destaque a introdução dos signos indexicais e a redescrição das
categorias (cf. W5, 244), sob a revisão dos quantificadores (“realida-
de da secundidade”); já no esquema de Deledalle, corresponde à fun-
dação da semiótica na fenomenologia.
Com foco nas classificações sígnicas, duas abordagens merecem
destaque: Fisch (1986) e Freadman (2001a e b). O primeiro (1986,
pp. 321-355) propõe a seguinte divisão: (i) “The first founding” (1865-
1869); (ii) 1877-1879; (iii) 1879-1883; (iv) 1898-1911. Já Freadman
(2001a e b) propõe uma divisão atenta aos desenvolvimentos da teo-
ria do signo conforme referências bem específicas (p. ex.: o desenvol-
vimento do pragmatismo e o advento de novas tricotomias).
Como veremos, a complexificação das classificações baseia-se no de-
talhamento analítico da tríade S-O-I e, conseqüentemente, na formu-
lação de novas tricotomias, bem como no novo arranjo de suas inter-
relações.
Os períodos que, creio, devem organizar uma cronologia são:
(i) um período de formação, que começa em 1865 (W1, 162-302)
e se estende até 1903, com dois momentos de intensa produção –
“Sobre uma nova lista das categorias” (W2, 49; CP1, 465) e “Sobre a
álgebra da lógica: uma contribuição para a filosofia da notação” (W5,
162; CP3, 359);
(ii) um período de experimentação com as tricotomias, em torno
de 1903 (especialmente MS540 e MS339);

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 73

(iii) um último período, também de intensa experimentação com


as tricotomias e com a teoria do interpretante, que acontece entre
1905 e 1908 (MS339; EP2, 477-491).2

Primeiras classificações

Em 1865, Peirce faz uma série de conferências em Harvard – “So-


bre a lógica da ciência” (W1, 162-302). Vamos encontrar, nessas con-
ferências, muitos dos tópicos mais recorrentes em sua obra: Kant,
lógica, semiótica, probabilidade, álgebra booleana. Já na segunda
parte da primeira palestra, Peirce descreve sua abordagem não psi-
cológica da lógica e propõe, com base na identificação que Locke faz
desta com a semiótica, sua própria versão ampliada dessa identifica-
ção. Neste ponto, confere à lógica a tarefa de estudar três tipos de
representações por uma simbolística. Argumenta que esta tarefa não
é “considerar como um objeto ou uma idéia podem ser apresentados,
mas como podem ser representados”, algo cujas linhas básicas serão
definidas em “Sobre uma nova lista”, uma lógica revisada por uma
abordagem semiótica.
Depois de desenvolver diversos argumentos a favor de uma visão
da lógica dissociada da psicologia, Peirce propõe defini-la como
“ciência das representações em geral”, ao modo de Locke, e restringe
seu escopo de análise a certos “tipos de representação”. Diz ele:
“A semelhança de um retrato com seu objeto, por exemplo, não é uma
verdade lógica”. Aqui, Peirce sugere uma divisão tricotômica de gêne-
ros (genus) de representação, conforme as relações com seus objetos:
“É necessário dividir os gêneros de representação segundo os diferen-
tes modos em que podem estar de acordo com seus objetos” (W1, 169).
Esta é, provavelmente, a primeira divisão tricotômica formulada
por Peirce: “O primeiro e o mais simples tipo de verdade é a seme-
lhança de uma cópia. Ele pode, aproximadamente, consistir em uma
similitude de predicados (W1, 170)”.
2
Liszka (1996, p. 34) é outro leitor atento a esses desenvolvimentos, mas sugere uma
divisão em quatro momentos, que correspondem a quatro diferentes tipologias, que
ele chama de “original”, “ínterim”, “expandida” e “final”.

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74 JOÃO QUEIROZ

Logo conclui que lógica não pode tratar de cópias: “O segundo


tipo de verdade é a denotação de um signo de acordo com uma con-
venção prévia”. Denotação refere-se, aqui, a objetos individuais, con-
cepções individuais, atos individuais, e “signos neste sentido estrito
não são tratados na lógica, porque a lógica lida somente com termos
gerais (ibidem)”. E continua:
(...) o terceiro tipo de verdade, ou acordo de uma representação com seu
objeto, é aquele inerente à própria natureza da representação, seja origi-
nal, seja adquirida esta natureza. A esta representação eu dou o nome
de símbolo. (Ibidem)
Na oitava palestra (“Formas de indução e hipótese”, W1, 256), a
mesma tipologia é assim apresentada:
Encontramos representações de três tipos – signos, cópias, símbolos.
Por uma cópia, quero indicar uma representação cuja concordância com
seu objeto depende meramente de uma similitude de predicados. Por um
signo, quero indicar uma representação cuja referência a seu objeto é
fixado por convenção. Por um símbolo, eu me refiro a algo sobre o qual o
ser é apresentado à mente – sem nenhuma semelhança com seu objeto e
sem nenhuma referência a uma convenção prévia –, a saber, um conceito.
Em seguida, Peirce tricotomiza as condições às quais se sujeitam
os símbolos e associa a cada divisão uma ciência correspondente:
(i) gramática formal, ou “ciência das leis gerais das relações dos sím-
bolos com logoi”; (ii) lógica, ou “ciência das leis gerais de suas rela-
ções com os objetos”; (iii) retórica geral, ou “ciência das leis gerais
de suas relações com outros sistemas de símbolos”.
Em “Lógica teleológica” (W1, 303, 1865), manuscrito de quatro
páginas que inicia um livro que jamais foi escrito (cf. Fisch, 1986, p.
323), aparece, além de uma lista de definições (lógica, simbolística,
semiótica, representação, “coisa”), uma tipologia de representações
divididas de acordo “com suas verdades ou coincidência com seus
objetos”, em um domínio de leis gerais da lógica:
(i) signos: “representações em virtude de uma convenção”;
(ii) símbolos: “representações em virtude de sua natureza natu-
ral ou adquirida”;
(iii) cópias: “representações em virtude de uma similaridade de
predicados”.

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 75

Para completar a pré-história de “Sobre uma nova lista das cate-


gorias”, devo mencionar a série de doze palestras ministradas por
Peirce no Lowell Institute, em Boston, 1866. Creio que os principais
tópicos de sua semiótica estão seminalmente em “Lowell Lectures”,
sobretudo na palestra IX, ministrada em novembro de 1866 (W1,
471-488): uma teoria do símbolo, de diferentes formas de relação
entre os termos da tríade, uma definição quase formal do interpre-
tante que privilegia a noção de “relação”, uma explicação do método
de separação mental que permite estabelecer as relações de depen-
dência entre concepções (I, it, thou) e entre os termos da tríade sígnica.

De “Sobre uma nova lista das categorias”


a “Sobre a álgebra da lógica”

É no artigo “Sobre uma nova lista de categorias” (W2, 49), po-


rém, que Peirce sistematiza os conceitos sobre os quais fará experi-
mentos em diferentes domínios por mais de quarenta anos: experi-
mentos teóricos, formais, algébricos e diagramáticos. Esse artigo é a
“pedra de fundação” da teoria das categorias. Muitos autores têm
apontado enfaticamente para o fato de que as divisões e subdivisões
da semiótica dependem diretamente das categorias e do modo de
combiná-las: “A semiótica de Peirce, mais do que qualquer outro as-
pecto de seu trabalho, é baseado em suas três categorias, primeirida-
de, secundidade e terceiridade” (Savan, 1987-1988, Introdução).
Para Nauta (1981, p. 121), “cada fragmento da obra de Peirce
está impregnado por [categorias], estruturado por elas, e muito fre-
qüentemente obscurecido por elas”. Posso mencionar, entre os frag-
mentos a que Nauta se refere, e cujos desdobramentos são cruciais
para uma compreensão detalhada da teoria do signo: (i) a distinção
entre relações genuínas e degeneradas; (ii) a irredutibilidade e a re-
dutibilidade das relações; (iii) o princípio de dependência entre as
relações (um princípio que afeta a ordem das tricotomias nas classi-
ficações sígnicas e que determina as relações de pressuposição entre
as classes de signos).

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76 JOÃO QUEIROZ

Segundo Fisch (1986, p. 324), a partir de “Sobre uma nova lista”


as categorias (qualidade, relação, representação) funcionam como
um “princípio orientador” poderoso, determinam muitas bifurcações
e são usadas para distinguir: tipos de representações (ícones, índices
e símbolos); tipos (trivium) de ciências concebíveis (gramática for-
mal, lógica e retórica formal); tipos gerais dos símbolos, como ter-
mos, proposições e argumentos; tipos de argumentos, como dedução
(símbolo), hipótese, indução (índice).
Os autores têm destacado o papel desse artigo como responsável
por uma radical reconcepção da lógica como semiótica: “[Lógica] passa
a ser definida em dois sentidos; em um sentido amplo, é sinônimo
de semiótica, em outro sentido, é uma teoria geral das inferências”
(Ransdell, 1983, p. 11). Para Murphey (1993, p. 106), “os fenômenos
da experiência são concebidos como representação e estão conecta-
dos com outros através de relações representativas”.
No fim do artigo, três classes de signos são descritas: símbolos,
índices, ícones (likeness). Segundo Freadman (1996, p. 149), essa clas-
sificação deve ser entendida como uma resposta a questões sistemati-
camente construídas: “um sistema de classes é uma solução para um
problema sistemático”. E o problema aqui (ver Capítulo 2) diz respeito
à síntese das impressões em uma “unidade cognitiva” (W2, 49-50), a
“unidade da proposição” (ibidem), que é analisada em termos de “com-
paração” (CP1, 553), como um efeito de “comparação”:

A psicologia empírica tem estabelecido que podemos conhecer uma qua-


lidade apenas por seu contraste ou similaridade com outra qualidade.
Por contraste, e acordo, uma coisa refere-se a um correlato. (CP1, 552)

Diversas evidências (CP1, 552) indicam que há três tipos de com-


paração: concorrência, oposição e imputação de uma qualidade.
Esses tipos são usados para distinguir a divisão tricotômica “ícone
[likenesses]/índice/símbolo”, a última delas sendo a que interessa ao
escopo da lógica (CP1, 559). A comparação de “b” e “p”, a relação
entre “assassino e assassinado”, a imputação de uma propriedade
(compartilhada) entre as palavras “man” e “homme”, eis alguns dos
exemplos que satisfazem a esta divisão (CP1, 553, 1.558).

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 77

Mas o que é uma comparação? Quando, ao interpretar um signo,


outro signo do mesmo objeto é produzido, há uma comparação. Esta
operação (mediating representation) define o “interpretante”, e seu
mecanismo é comum às três classes: ícone, uma representação “cuja
relação com seu objeto é uma mera comunidade de alguma qualida-
de”; índice, uma representação cuja “relação com seu objeto consiste
em uma correspondência de fato”; símbolo, uma representação cujo
“fundamento da relação com seu objeto é uma característica imputa-
da” (CP1, 558). O símbolo, por sua vez, se divide em “termo, proposi-
ção e argumento”.
Com respeito ao status que as classes possuem em qualquer sis-
tema de representação e em “qualquer raciocínio”, a posição assumi-
da por Peirce em “Sobre uma nova lista” é revisada, em 1885, em
dois trabalhos: “O aspecto religioso da filosofia” (CP8, 39) e “Sobre a
álgebra da lógica: uma contribuição à filosofia da notação” (W5, 162;
CP3, 359). Esta “revisão” se seguiu à publicação de “Estudos em lógi-
ca pelos membros da Universidade John Hopkins”, editada por Peirce
em 1883 (vide edição de 1983). Em um dos trabalhos, Oscar Mitchell,
um de seus alunos e colaboradores, desenvolveu, independentemen-
te de Frege, uma notação formal para as noções de quantificação e
quantificador lógicos (CP3, 363; ver Quine, 1995, p. 31). Diversos
autores (p. ex. Flower e Murphey, 1977, p. 600) têm salientado o
impacto dessa descoberta na obra de Peirce, da lógica formal à meta-
física, passando pela fenomenologia e pela semiótica. O conceito de
índice como signo relativo a individuais que ele denota seguiu-se à
conexão explicitamente estabelecida entre quantificação e secundi-
dade, sendo sua necessidade afirmada em diversas passagens.
Peirce conclui:

Agora achamos que, ao lado de termos gerais, dois outros tipos de sig-
nos são perfeitamente indispensáveis em todo raciocínio. Um desses
tipos é o índice, que, como um dedo apontado, exerce uma força fisioló-
gica real sobre a atenção, como o poder de um mesmerizer, direcionando
os sentidos para um objeto particular. Tal índice deve entrar em toda
proposição, sendo sua função designar o sujeito do discurso. (CP8, 39)

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78 JOÃO QUEIROZ

Tenho me esforçado para deixar claro minha distinção de ícones, índices


e TOKENS com o objetivo de enunciar esta proposição: em um sistema
perfeito de notação lógica, signos de diversos tipos devem todos ser
empregados. (CP3, 363)

Os efeitos locais desse impacto têm conseqüências na descrição


do símbolo. Segundo Freadman,

(...) no artigo de 1867, Peirce não discrimina entre a função das pala-
vras: são todas “palavras” e signos racionais. No artigo de 1885, “Sobre
a álgebra da lógica”, entretanto, esta classe é delimitada ao “principal
corpo da fala” e explicitamente exclui “pronomes relativos e demonstra-
tivos”, que são agora exemplos de índices. (2001a, p. 14)

O critério de “indexicalidade” é estendido a princípios de causali-


dade (p. ex.: sintomas físicos), de contiguidade espacial (p. ex.:
letras em geometria) e de conexão espaço-temporal (p. ex.: pronomes
demonstrativos) (CP3, 361-362). Também neste artigo, Peirce gene-
raliza a proposição, que se torna “qualquer modo de expressar um
julgamento”. O ícone, por sua vez, é usado “para analisar a função
diagramática da sintaxe notacional”, e a teoria do signo para “des-
crever a notação lógica” (cf. Freadman, 2001a, p. 14; CP3, 363). Com-
parativamente, são estes os novos exemplos, ajustados à nova abor-
dagem (Quadro 3.1):

Quadro 3.1 – Exemplos das classes “ícone”, “índice”, “símbolo”

1867 (W2, 49) 1885 (CP3, 359)


Ícone retrato diagramas geométricos, pinturas
Índice assassino signos naturais, sintomas físicos,
“weathercock”, dedo apontado,
pronomes relativos e demonstrativos,
números em álgebra
Símbolo “man/homme”, palavras gerais, fala, qualquer modo
palavra, proposição de julgamento

Em relação à formulação de 1867, um dos desenvolvimentos mais


relevantes diz respeito à introdução da noção de “degeneração” na
teoria do signo. Este fato deve ser atribuído à revisão das categorias,

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 79

baseada na lógica das relações, entre 1870 e 1883 (cf. Murphey, 1993),
cujo principal trabalho (“Um, dois, três: categorias fundamentais do
pensamento e da natureza”, W5, 242) é do mesmo ano que “Sobre a
álgebra da lógica” (3, 154-251), ou seja, 1885. As categorias são
apresentadas (ver Capítulo 2) como tipos de relações lógicas – moná-
dicas, diádicas e poliádicas. Predicados monádicos são não relati-
vos; os diádicos se dividem em genuínos e degenerados; e os triádi-
cos possuem duas formas de degeneração.
O signo é um exemplo de relação triádica. Uma relação sígnica
(S-O-I) envolve uma relação diádica (S-O). Se esta pode prescindir do
terceiro termo (I), então é uma relação degenerada em primeiro grau,
tratando-se de um índice. Se pode prescindir do segundo e do tercei-
ro termo, é duplamente degenerada, tratando-se de um ícone. Ícones
podem prescindir dos correlatos da relação triádica, já que dependem
de suas qualidades intrínsicas: “a relação dual entre o signo e seu
objeto é degenerada e consiste em mera semelhança entre os dois”
(CP3, 362). Índices, que são “signos degenerados em primeiro grau”,
podem prescindir do terceiro termo da relação: “Um índice é um sig-
no que perderia o caráter que faz dele um signo se seu objeto fosse
removido, mas manteria este caráter se não houvesse interpretante”
(CP2, 304). Se a relação não puder prescindir de qualquer um dos
correlatos, então ela é uma relação genuína, portanto, um símbolo.
O símbolo é:

Um signo [que] está em uma relação de conjunção com a coisa denotada


e a mente. Se esta tripla relação não é de uma espécie degenerada, o
signo está relacionado com seu objeto apenas em conseqüência de uma
associação mental e depende de um hábito. Tais signos são sempre abs-
tratos e gerais, porque hábitos são regras gerais às quais o organismo
tem se sujeitado. Eles são, em sua maior parte, convencionais ou arbi-
trários, e incluem todas as palavras gerais, o principal corpo da fala e
qualquer modo de julgamento. (CP3, 360)

No ensaio que, para Fisch (1986, p. 35), é um dos melhores já


escritos sobre a teoria do signo – “Novos elementos” (EP2, 300, NEM4,
238-263) –, os símbolos são definidos como signos genuínos, os ín-
dices como signos degenerados em primeiro grau e os ícones como

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80 JOÃO QUEIROZ

signos degenerados em segundo grau, ou duplamente degenerados


(NEM4, 241-243). Esta é uma importante mudança introduzida por
Peirce no interior do primeiro esquema, mas sua estrutura, baseada
em modos de análise da relação triádica S-O-I, permanece inalterada
até 1903, quando novas divisões tricotômicas são incrementadas.
Descreverei melhor, na próxima seção, esta estrutura e fornecerei al-
guns exemplos das três classes, antes de abordar as novas divisões.

Três classes de signos: descrição e exemplos

Pode-se descrever as classificações como estando baseadas nas


tricotomias e na noção de relações irredutíveis. As tricotomias são
formas de observação ou análise das relações dos termos da tríade
S-O-I. Traduzimos tais formas em perguntas, como sugere Houser
(1991, p. 432). A “mais fundamental divisão de signos” (CP2, 275)
resulta da questão: “Como estão relacionados os termos S-O da rela-
ção triádica S-O-I?”. Essa questão, de acordo com a lista de relações
(monádicas, diádicas e triádicas), divide os signos em ícone, índice e
símbolo, e estabelece certas relações entre eles.
Segundo Ransdell (1983, p. 63), essa divisão “é obtida pela dis-
tinção entre diferentes tipos de identidades semióticas que um dado
signo pode ter em virtude de diferentes tipos de relações que ele man-
tém com seu objeto como signo deste”. Para Liszka, essa divisão des-
creve o “caráter representativo” do signo:

(...) o caráter de representatividade de um signo (a divisão de signos


provavelmente mais familiar aos leitores) refere-se ao modo como este
está em relação com seu objeto e, portanto, se coloca como uma repre-
sentação daquele objeto. (1996, p. 37)

Ícones se baseiam em relações de similaridade (CP2, 276), ou de


analogia (CP1, 369), que podem prescindir de qualquer correlação
espaço-temporal que um S (signo) pode ter com um O (objeto) exis-
tente (CP5, 73).

Um ícone é um signo que se refere ao objeto que ele denota meramente


por virtude de seus próprios caracteres, que ele possui, seu objeto real-
mente existindo ou não. (CP2, 247)

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 81

Defino um ícone como um signo que é determinado por seu objeto dinâ-
mico em virtude de sua própria natureza interna. (CP8, 335)

Se a relação entre S e O for monádica, isto é, se S for signo de O


em virtude de uma qualidade que S e O compartilham (CP2, 248),
então S é ícone de O. Sendo assim, S é uma qualidade que é signo de
O (CP2, 276). S e O constituem, por semelhança, uma identidade em
algum aspecto.

Chamo um signo que está para alguma coisa, meramente porque se as-
semelha a esta coisa, um ícone. Ícones são tão completamente substitu-
ídos por seus objetos que dificilmente podem ser distinguidos deles.
(CP3, 362)

Diversos exemplos são mencionados:

Toda pintura (ainda que convencional em seu método) é essencialmente


uma representação deste tipo. Assim é todo diagrama, ainda que não
haja semelhança sensória entre ele e seu objeto, mas apenas uma ana-
logia entre as relações das partes de cada um. (CP2, 279)
Um diagrama é principalmente um ícone, e um ícone de relações inteli-
gíveis. (CP4, 513)
Uma figura geométrica desenhada num papel pode ser um ícone de um
triângulo ou de outra forma geométrica. (EP2, 306)

Mas se S é signo de O em virtude de estabelecerem uma relação


diádica de causa e efeito, uma relação que pode prescindir de I (CP2,
92), então ele é um índice de O, e sua relação de determinação por O
é uma relação de secundidade. S está em relação com O devido uma
“ação dinâmica”, ou “conexão física” (CP1, 372), que O exerce sobre
ele. Neste caso, S é realmente afetado por O (CP2, 248), de modo que
devem existir, como fatos ou eventos, S e O: “Um índice é um signo
que se refere ao objeto que ele denota em virtude de ser realmente
afetado por este objeto” (CP2, 248).
Como definir “ação dinâmica”, “realmente afetado” ou “conexão
física”? A noção de co-variação, mediada por relações causais e ca-
racterística de processos de secundidade, é a explicação mais recor-
rente. Diversas relações parecem satisfazer a estas descrições. De um
pronome demonstrativo, que “força atenção para um objeto particu-

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82 JOÃO QUEIROZ

lar sem descrevê-lo” (CP1, 369), a um sintoma físico; termômetros


(co-variação entre a altura da coluna de mercúrio e temperatura);
hidrômetros (CP5, 73); barômetros; balão de vento (co-variação da
posição do balão e a direção do vento), etc. estão entre os exemplos
mais citados por Peirce.
Um índice pode ser genuíno e degenerado:

Um índice, ou sema (séma), é um representamen cujo caráter represen-


tativo consiste em ser um segundo individual. Se a secundidade é uma
relação existencial, o índice é genuíno. Se a secundidade é uma referên-
cia, o índice é degenerado. Um índice genuíno e seu objeto devem ser
existentes individuais (coisas ou fatos), e seu interpretante imediato
deve ser do mesmo caráter. Mas desde que um individual deve ter carac-
teres segue-se que um índice genuíno pode conter uma primeiridade e,
portanto, um ícone como uma parte constituinte. Qualquer individual é
um índice degenerado de seus próprios caractéeres. (CP2, 283)

Se a relação S-O é mediada por I, então esta é uma relação triádi-


ca. Se S está em uma relação triádica com O, envolve um terceiro
termo, I, que está para O através de S. Neste caso, S é um signo
genuíno de O, ou um símbolo de O, sendo a relação de determinação
de S por O, através de I, uma relação de terceiridade.

Um símbolo é um signo que se refere ao objeto que ele denota em virtu-


de de uma lei, usualmente uma associação de idéias gerais, que opera
de modo a levar o símbolo a ser interpretado como se referindo àquele
objeto. (CP2, 249)
Defino um símbolo como um signo que é determinado por seu objeto
dinâmico apenas no sentido que ele será assim interpretado. Ele depen-
de, portanto, ou de uma convenção, ou de um hábito, ou de uma dispo-
sição natural de seu interpretante, ou do campo de seu interpretante
(aquele do qual o interpretante é uma determinação). (CP8, 335)
Um símbolo é uma lei ou regularidade do futuro indefinido. Seu inter-
pretante deve ser da mesma descrição, e assim deve ser também seu
objeto imediato, ou significado. Mas uma lei necessariamente governa,
ou “é incorporada em” individuais, e prescreve algumas de suas quali-
dades. Conseqüentemente, um constituinte de um símbolo pode ser um
índice, e pode ser um ícone” (CP2, 293).

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 83

A última definição (CP2, 293) introduz, de modo explícito, um


novo problema: como estão relacionadas as classes de signos? Como
não poderia deixar de ser, a solução para este problema depende di-
retamente da relação entre as categorias (cf. vimos no Capítulo 2).
Detalharei, nas próximas seções, as relações hierárquicas que ope-
ram entre as dez classes de signos, e cujos princípios podem ser ge-
neralizados para qualquer classificação.
Três classes de signos descrevem as relações S-O da tríade S-O-I.
Ícones são relações de similaridade entre S e O que podem prescindir
de O existentes. S é índice de O em virtude de uma relação de causa e
efeito com O, de modo que devem existir S e O. S é símbolo de O se a
relação S-O é uma relação mediada por I.

Um signo ou é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo


que possuiria os caracteres que fazem dele significante, mesmo que seu
objeto não tivesse existência. (...) Um índice é um signo que perderia os
caracteres que fazem dele um signo se seu objeto fosse removido, mas
não perderia tais caracteres se não houvesse um interpretante. (...)
Um símbolo é um signo que perderia os caracteres que fazem dele um
signo se não houvesse um interpretante. (CP2, 304)
O ícone não tem conexão dinâmica com o objeto que ele representa;
simplesmente suas qualidades se assemelham às do objeto e excitam
sensações análogas na mente para a qual ele é uma semelhança. Mas
está realmente desconectado de seu objeto. O índice está fisicamente
conectado a seu objeto, fazendo um par orgânico, mas a mente interpre-
tadora não tem nada a ver com esta conexão, exceto por observá-la de-
pois de ter esta sido estabelecida. O símbolo está conectado com seu
objeto em virtude da idéia da mente usando o símbolo, sem a qual tal
conexão não existiria. (CP2, 299)

Como já sugeri, a relação S-O-I pode ser analisada porém, de acordo


com outras tricotomias.

Novas subdivisões tricotômicas

As tricotomias definem os “modos” como o signo se constitui, ou


como pode ser observado. Se estas distinções são questões que se

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84 JOÃO QUEIROZ

pode formular a respeito de qualquer signo, deve-se destacar que


não são exaustivas, podendo ser “multiplicadas” em muitos níveis.
Esta é a principal inovação que acontece a partir de 1903: três trico-
tomias, com dez classes (EP2, 289); seis tricotomias, com 28 classes
(EP2, 478-481); dez tricotomias, com 66 classes (EP2, 483-490). Isto
implica um enorme detalhamento das relações observadas em S-O-I;
implica também uma redescrição das relações estabelecidas pelas
tricotomias.
Para as dez classes, as relações observadas em S-O-I são defini-
das nos seguintes termos: se estamos na condição de sermos capa-
zes de tomar certas coisas como signos de outras, então a explicação
desse processo envolve três modos irredutíveis (suficientes e neces-
sários) de relação, pelos quais o signo – quanto à sua própria nature-
za (primeira tricotomia), em relação ao seu objeto (segunda tricoto-
mia) e como ele representa seu objeto para outro signo (terceira
tricotomia) – se constitui.
Em um manuscrito que acompanha as conferências no Lowell
Institute (1903), “Syllabus de alguns tópicos em lógica”, na seção
“Nomenclatura e divisões das relações triádicas” (MS540), essas três
divisões são formuladas pela primeira vez. Em seguida, Peirce conce-
be um modelo em que as classes resultam do cruzamento das divi-
sões (tricotomias). A partir desse ponto, as classificações tornam-se
“sistemas de relações cruzadas” (Freadman, 1996, p. 150; 2001b).
Peirce não chega todavia a este modelo baseado em três divisões
sem antes ensaiar um esboço “intermediário”: “Representamens são
divididos por duas tricotomias” (EP2, 273). Para Freadman (2001b),
esta fórmula é uma variação “inconsistente” do modelo – “o repre-
sentamen (...) se divide por tricotomia em signo geral, ou símbolo,
índice e ícone” (CP5, 73), porque desrespeita sua habitual “triado-
mania” (CP1, 568).
Esta versão “intermediária” aparece em “Diversas concepções ló-
gicas” (MS478), em uma subsecção desse manuscrito (“Gramática
especulativa”), fragmentariamente publicado nos Collected Papers (2,
274-277, 283-284, 292-294, 309-331). Peirce adiciona, nesta subse-
ção, a divisão tricotômica sumissignos/dicissignos/argumentos à di-

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 85

visão ícone/índice/símbolo (EP2, 275). No modelo das dez classes,


esta tricotomia, que se refere ao interpretante, é renomeada: rema/
dicente/argumento. O dicissigno, por exemplo, é um “representamen
cujo interpretante o representa como índice de seu objeto” (EP2, 277).
Como mencionei, desde essa seção as classes passam a ser defi-
nidas pelo cruzamento das divisões tricotômicas. Uma proposição,
que é um símbolo dicente (EP2, 278), tem como sujeito um índice “do
objeto primário” (EP2, 279), e como predicado um sumissigno icônico
(EP2, 281). Que cruzamentos são permitidos? Se as divisões tricotô-
micas não são independentes, então eles são limitados por regras, e
diversas construções não são permitidas.3
Segundo Peirce, “Nossa definição proíbe o ícone de ser um dicis-
signo, pois o interpretante de um ícone não pode representá-lo como
um índice” (EP2, 277). E acrescenta: “Argumentos podem apenas ser
símbolos, não índices ou ícones (EP2, 286).
Por meio de duas divisões tricotômicas, temos nove classes de
signos (Quadro 3.2), a saber: 11, 12, 13, 21, 22, 23, 31, 32, 33, das
quais seis (em negrito) são permitidas.

Quadro 3.2 – Combinações possíveis (em negrito)


dentre as classes de signos.

ícone 1 índice 2 símbolo 3


Sumissignos, 1 1>1 1>2 1>3
(simples ou signos substitutivos)
Dicissignos, 2 (quase proposições, 2>1 2>2 2>3
duplos ou signos informativos)
Argumentos, 3 (signos triplos ou 3>1 3>2 3>3
racionalmente persuasivos, signos
suassignos)

3 Para os que têm interesse em ver como a independência das tricotomias pode produzir
muitas classes — 729, 59.049, e mesmo alguns milhões de classes de signos —, ver
MS284, 499.

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86 JOÃO QUEIROZ

Divisão das relações triádicas: dez classes de signos

Como descrever as regras que formam as combinações permiti-


das? Vou abordar diretamente o modelo das dez classes. No manus-
crito MS540, que é a quinta secção do “Syllabus” (EP2, 289), a cons-
trução desse modelo segue os seguintes passos:
(1) Divisão das relações triádicas: (1.1) relações triádicas de com-
paração, ou da natureza das possibilidades lógicas; (1.2) de perfor-
mance, ou da natureza dos fatos; (1.3) de pensamento, ou da nature-
za das leis;
(2) Distinção entre o primeiro, o segundo e o terceiro correlato de
qualquer relação triádica, através dos seus níveis de complexidade;
(3) Divisão das relações triádicas, por tricotomia, conforme seus
correlatos sejam possibilidades, fatos ou leis (as três tricotomias,
“tomadas juntas”, dividem todas as relações triádicas em dez clas-
ses);
(4) Separação das dez classes, conforme a natureza dos correlatos;
(5) Descrição dos correlatos;
(6) Divisão dos signos em três tricotomias; descrição destas, com
as seguintes divisões: (6.1) qualissigno, sinsigno, legissigno, (6.2)
ícone, índice, símbolo, (6.3) rema, dicente, argumento; descrição das
dez classes;
(7) Relações de afinidade exibidas através de um diagrama;
(8) Subdivisões e variedades das classes.

De acordo com (1) temos: relações triádicas; relações de compa-


ração performance/pensamento (natureza das possibilidades [natu-
reza dos fatos, natureza das leis] lógicas).
De acordo com (2) e (3), as relações triádicas que produzem dez
classes podem ser obtidas de diferentes modos:
(i) De acordo com o status de seus correlatos:

Relações triádicas são divisíveis de três modos por tricotomia, conforme


o primeiro, o segundo e o terceiro correlato sejam uma mera possibilida-
de, um existente ou uma lei. (CP2, 238)

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 87

(ii) De acordo com o status das relações diádicas entre os correlatos:


(...) haverá, além disso, uma segunda divisão similar de relações triádi-
cas em dez classes, conforme as relações diádicas entre o primeiro e
segundo correlatos, ou o primeiro e o terceiro correlato, ou o segundo e
o terceiro correlato sejam da natureza de possibilidades, fatos ou leis; e
as dez classes serão subdivididas de diferentes modos. (CP2, 239)

(iii) De acordo com o modo como o primeiro correlato determina o


terceiro correlato para o segundo correlato:

(...) em toda relação triádica genuína, o primeiro correlato pode ser ob-
servado como determinando o terceiro correlato em algum aspecto; e as
relações triádicas podem ser divididas conforme a determinação do ter-
ceiro correlato tenha alguma qualidade, tenha uma relação existencial
com o segundo correlato ou esteja em alguma relação de pensamento
para o Segundo para alguma coisa. (CP2, 241)

Conforme o modo (i), os três correlatos da relação triádica S-O-I


podem ser da natureza de “primeiridade, secundidade, terceiridade”.
Uma vez que esses modos podem ser designados por <1,2,3>, res-
pectivamente (cf. uma notação para as classes que aparece em MS799,
4), é fácil ver como obtemos 27 possíveis combinações, das quais
apenas dez são permitidas. Isto é, de 27 possíveis combinações, pe-
las restrições descritas em CP2, 235-236-237 apenas dez são permi-
tidas.
Seis regras podem ser enunciadas, baseadas na descrição acima,
sobre os primeiros, os terceiros e os segundos correlatos:
R1: Primeiro correlato: “possibilidade”, se qualquer um dos três é
desta natureza;
R1': Primeiro correlato: “lei”, se todos os três forem “lei”;
R2: Terceiro correlato: “lei”, se qualquer um dos três é “lei”;
R2': Terceiro correlato: “possibilidade”, se todos forem “possibili-
dade”;
R3: Segundo correlato: se quaisquer dois forem da mesma natu-
reza, então o segundo correlato é da mesma natureza;
R3': Segundo correlato: se os três forem de natureza diferente, o
segundo correlato será uma “existência real”.

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88 JOÃO QUEIROZ

O primeiro correlato é aquele que, dos três, é observado como de nature-


za mais simples, sendo uma mera possibilidade se qualquer um dos três
é desta natureza, e não sendo uma lei a menos que todos os três sejam
desta natureza. (CP2, 235)
O terceiro correlato é aquele que é observado como o de mais complexa
natureza, sendo uma lei se qualquer um dos três é uma lei, e não sendo
uma mera possibilidade a menos que todos os três sejam desta natureza.
(CP2, 236)
O segundo correlato é, dos três, o de complexidade intermediária, tal
que, se quaisquer dois forem da mesma natureza, sendo ou meras pos-
sibilidades, ou existentes atuais, ou leis, então o segundo correlato é da
mesma natureza, e, se os três forem de natureza diferente, o segundo
correlato será uma existência real. (CP2, 237)

As 27 combinações possíveis são: 1(111), 2(221), 3(331), 4(211),


5(311), 6(121), 7(321), 8(231), 9(131), 10(112), 11(222), 12(332),
13(212), 14(312), 15(122), 16(322), 17(232), 18(132), 19(113),
20(223), 21(333), 22(213), 23(313), 24(123), 25(323), 26(233),
27(133). As dez combinações que devem satisfazer aos princípios
descritos são: 1(111), 2(221), 3(331), 4(211), 5(311), 7(321), 11(222),
12(332), 16(322), 21(333), conforme mostra o Quadro 3.3.

Quadro 3.3 – Dez classes de signos

Classes Primeira tricotomia Segunda tricotomia Terceira tricotomia


111 (I) Qualissigno Ícone Remático
211 (II) Sinsigno Ícone Remático
221 (III) Sinsigno Índice Remático
222 (IV) Sinsigno Índice Dicente
311 (V) Legissigno Ícone Remático
321 (VI) Legissigno Índice Remático
322 (VII) Legissigno Índice Dicente
331 (VIII) Legissigno Símbolo Remático
332 (IX) Legissigno Símbolo Dicente
333 (X) Legissigno Símbolo Argumento

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 89

Para obter as dez classes, com base nas três tricotomias, são fei-
tos os cruzamentos indicados na Figura 3.1:

Qualissigno

Legissigno

Figura 3.1 – Cruzamentos originando dez classes.


Nesta Figura 3.1, os cruzamentos correspondem às relações possíveis
entre as tricotomias; os números se referem às dez classes e foram assim
obtidos: para a primeira tricotomia, (1) qualissigno, (2) sinsigno (3)
legissigno; para a segunda tricotomia, (1) ícone, (2) índice (3) símbolo;
para a terceira tricotomia, (1) rema, (2) dicente (3) argumento.
(Figura baseada em Merrell, 1996, p. 8; esta notação é encontrada
em Peirce, MS799, 4.)

Há, porém, outros modos de obtermos ou interpretarmos as com-


binações permitidas. Vimos que as tricotomias são combinadas for-
mando, conforme sugerido acima, um sistema de relações cruzadas.
Tursman (1987, p. 38), baseado nesta idéia, chamou as classes de
“compostos de relações”. Para Savan (1987-1988, p. 14), suas for-
mações são permitidas por uma “regra de qualificação”. Esta regra é
expressão de uma lei – precisão (CP1, 353; 1, 549; 2, 428; 5, 449) –,
que permite aplicar recursivamente classes de relações. Para nossos
propósitos, precisão é uma operação que restringe as possibilidades
livres de combinação das tricotomias.

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90 JOÃO QUEIROZ

As tricotomias estão arranjadas conforme a mesma ordem de pres-


suposição, sendo associadas às categorias: caráter de apresentação
(primeiridade do signo) => caráter de representação (secundidade)
=> poder interpretativo do signo (terceiridade). O tipo de relação
que responde à primeira questão qualifica a segunda, que qualifica a
terceira. De acordo com esta regra, um

primeiro pode ser qualificado apenas por um primeiro; um segundo pode


ser qualificado por um primeiro e por um segundo; um terceiro pode ser
qualificado por um primeiro, por um segundo e por um terceiro (Savan,
1987-1988, p. 14)

Ainda de acordo com Savan:

(...) a “regra de qualificação” estipula que, em qualquer sucessão, um


membro de uma categoria pode ser seguido por um membro de uma
categoria igual ou menor do que a si-mesmo – um primeiro pode ser
qualificado apenas por um primeiro; um segundo pode ser qualificado
por um primeiro e por um segundo; um terceiro pode ser qualificado por
um primeiro, por um segundo ou por um terceiro. (Ibidem)

Esta regra, que em Deledalle (apud Jappy, 1984, p. 16) aparece


como “princípio hieráquico cenopitagórico”, e em Tursman (1987,
p. 38) como “coerção de ligação faneroquímica”, será usada para se
obterem classes de relações n-tricotômicas.
Há ainda outra maneira de apresentar a construção das dez clas-
ses, baseada nas regras que descrevi (cf. Pape, 1990, p. 378): a rela-
ção triádica pode ser dividida em seus correlatos (S-O-I), o primeiro
dos quais só apresenta uma forma (11); o segundo apresenta uma
forma genuína (22) e uma forma degenerada (21); e o terceiro apre-
senta uma forma genuína (33) e duas formas degeneradas, a saber,
(32) e (31). A aplicação recursiva desta regra produz, no nível se-
guinte de organização, dez classes de relações.

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 91

Figura 3.2 – Dez classes de relações obtidas pela aplicação recursiva das
categorias

Coerções faneroquímicas: regra diagramática


para construção de uma classe 3-tricotômica

Formulamos (Farias e Queiroz, 2000a) uma regra para compor as


classes que pode ser aplicada a qualquer classificação n-tricotômica.
Esta regra se baseia em uma sugestão de Merrell (1994, pp. 196-
197), de acordo com a qual uma “valência faneroquímica” pode ser
representada por “ligações” de grafos – simples, duplos e triplos,
para relações monádicas, diádicas e triádicas, respectivamente.
Começamos com um tripod (Figura 3.3a), que é um grafo para três
questões tricotômicas. Em seguida, estabelecemos uma notação para
distinguir diferentes tipos de relação: 1, 2 e 3 linhas, para relações
monádicas, diádicas e triádicas, respectivamente (Figura 3.3b).

Figura 3.3 – (a) Tripod; (b) notação visual distinguindo


três tipos de relação

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92 JOÃO QUEIROZ

Figura 3.4 – Possíveis arranjos para representação da classe 321

Se consideramos todas as combinações possíveis dos três ele-


mentos (os três tipos de relação), obtemos 27 elementos. Existem,
entretanto, apenas dez triplets válidos, correspondentes a dez clas-
ses 3-tricotômicas. A combinação dos três elementos obtidos segun-
do a notação sugerida por Merrell produz, sem considerarmos a posi-
ção relativa de cada elemento do tripod (Figura 3.4), dez tipos de
combinação (vide Quadro 3.4).

Quadro 3.4 – Classes válidas segundo as relações monádicas, diádicas e


triádicas que as compõem

Quais as principais inovações proporcionadas pelo novo modelo


das dez classes?

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 93

Descrição das tricotomias

Quanto à primeira classificação, a divisão 3-tricotômica introduz


diversas modificações. Em primeiro lugar, examinamos um sistema
de relações cruzadas, isto é, um sistema constituído pela combina-
cão de modos de observação da relação S-O-I (cf. veremos); em se-
gundo lugar, as subdivisões do símbolo (termo, proposição, argu-
mento) passam a formar uma tricotomia (terceira tricotomia); em
terceiro lugar, uma distinção é introduzida no modelo das classes
para analisar o “fundamento” do signo, a primeira tricotomia do novo
modelo. Para Freadman (1996, p. 144), relativamente à primeira clas-
sificação esta é a modificação mais importante. Concordo com a au-
tora. Entretanto, ela está equivocada, parece-me, quanto à originali-
dade dessa distinção. Apresentei, no início da segunda seção, o que
creio ser um esboço dessa tricotomia (ver W1, 172). Começarei a
descrever as tricotomias por esta distinção, que é a primeira neste
modelo.
Com respeito à sua própria constituição, um signo pode ser uma
qualidade (qualissigno), um existente (sinsigno) ou uma lei (legis-
signo). Para Liszka (1996, p. 35), esta divisão descreve o “caráter de
apresentação” do signo, “uma certa característica que o signo tem
qua signo e que forma a base de sua capacidade enquanto tal para
representar seu objeto”. De acordo com Peirce,

Como ele é em si mesmo, um signo é da natureza de uma aparência,


quando o chamo de qualissigno; ou, em segundo lugar, é um objeto
individual ou evento, quando eu o chamo de sinsigno (a sílaba sin sen-
do a primeira sílaba de semel, simul, singular, etc.); ou, em terceiro lu-
gar, ele é da natureza de um tipo geral, quando eu o chamo legissigno.
(CP8, 334)

Qualissigno é uma qualidade que é um signo, que funciona como


um signo sem nenhuma referência a qualquer outra “coisa”; para
Savan (1987-1988, p. 20), ele é “um signo que significa, através de
sua qualidade como tal, a primeiridade da qualidade, à parte qual-
quer relação empírica ou espaço-temporal da qualidade com qual-
quer outra coisa”. O sinsigno é uma ocorrência, um fato, um evento

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94 JOÃO QUEIROZ

particular, que é um signo. O legissigno é um signo que é uma “lei”;


segundo Ransdell (1983, p. 54), é um signo “observado apenas com
respeito a um particular poder que tem para agir semioticamente,
isto é, para gerar signos interpretantes”. Na definição de Peirce,

(...) um sinsigno (onde a sílaba sin é tomada como significando “sendo


uma única vez”, como em singular, em simples, no latim: semel) é uma
coisa ou evento existente, que é um signo. (CP2, 245)
Um legissigno é uma lei que é um signo. Usualmente, esta lei é estabe-
lecida pelos homens. Todo signo convencional é um legissigno (mas a
recíproca não é verdadeira). Não é um objeto singular, mas um tipo geral
que, tem-se concordado, será significante. (CP2, 246)

A segunda tricotomia (relação S-O), o “caráter representativo” do


signo (cf. Liszka, 1996, p. 37), não sofre modificação significativa.
A terceira tricotomia, o “poder interpretativo do signo” (Liszka, 1996,
p. 40), descreve sua capacidade do signo para gerar um interpretante
de seu objeto, e se divide em rema, dicente e argumento (CP2, 250). O
rema é um signo que, para seu interpretante, é um signo de primeiri-
dade; ele é interpretado como um signo de “possibilidade”: “um sig-
no de possibilidade qualitativa, ou seja, entendido como represen-
tando esta e aquela espécie de objeto possível” (CP2, 250). O dicente
é um signo que, para seu interpretante, tem existência real, é um
evento ou uma ocorrência: “portanto, ele não pode ser um ícone, que
não dá base para interpretá-lo como algo que se refere a uma exis-
tência real” (CP2, 251). O argumento é um signo que é interpretado
como um signo de lei.

Um argumento é um signo que, para seu interpretante, é um signo de


lei. Ou podemos dizer que um rema é um signo que é entendido repre-
sentar seu objeto meramente por seus caracteres; que um dicissigno
[dicente] é um signo que é entendido representar seu objeto com respei-
to a uma existência real; e que um argumento é entendido representar
seu objeto em seu caráter de signo. (CP2, 252)

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 95

Alguns exemplos

São estes os exemplos mencionados por Peirce acerca das dez


classes. No próximo capítulo, voltarei a examinar estes exemplos,
bem como suas relações.
• 111, ou qualissigno, é uma “qualidade” que é um signo, e, relati-
vamente à sua própria natureza, é uma primeiridade. Assim, só
pode ter um ícone como objeto e um rema como interpretante –
uma “sensação de vermelho” (CP2, 254).
• 211, ou sinsigno icônico, é um evento ou ocorrência (como todo
sinsigno) que é um signo, e é uma secundidade quanto à sua pró-
pria natureza. Seu objeto é um ícone, que é interpretado como um
rema – um “diagrama particular” (CP2, 255).
• 221, ou sinsigno indexical remático, é uma ocorrência que é um
signo, que está para seu objeto, que é também uma ocorrência,
através de um rema (signo de possibilidade) – “um grito espontâ-
neo” (CP2, 256).
• 222, ou sinsigno indexical dicente, é um signo que é uma ocorrên-
cia, e é interpretado como realmente afetado por seu objeto, tam-
bém uma ocorrência – um “catavento” (CP2, 257).
• 311, ou legissigno icônico, é uma lei que é um signo, e cujo objeto
é uma possibilidade – um “diagrama à parte sua individualidade”
(CP2, 258).
• 321, ou legissigno indexical remático, é uma lei que é um signo,
que está para seu objeto, que é uma ocorrência, através de uma
possibilidade – um “pronome demonstrativo” (CP2, 259).
• 322, ou legissigno indexical dicente, é uma lei que é um signo, e
que está para seu objeto, que é uma ocorrência, através de uma
conexão de fato – um “pregão de mascate” (CP2, 260).
• 331, legissigno simbólico remático, é uma lei que está para um
objeto da mesma natureza através de uma possibilidade – um “subs-
tantivo comum” (CP2, 261).
• 332, ou legissigno simbólico dicente, é uma lei interpretada como
estando para um objeto da mesma natureza através de uma cone-
xão de fato – uma “proposição ordinária” (CP2, 262).

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96 JOÃO QUEIROZ

• 333, ou legissigno argumental simbólico, é uma lei que representa


um objeto da mesma natureza como uma lei – um “argumento”
(CP2, 263).

Relações hierárquicas

A próxima questão é crucial para o desenvolvimento dos capítu-


los seguintes: como estão relacionadas as classes? Descreverei as
relações entre as dez classes em todas as suas variedades (cf. CP2,
254-263):
• qualissigno icônico remático (111) é a base da classificação;
• sinsigno icônico remático (211) “envolve” o qualissigno icônico
remático (111);
• sinsigno indexical remático (221) “envolve” o sinsigno icônico re-
mático (211);
• sinsigno indexical dicente (222) “envolve” o sinsigno icônico re-
mático (211) e o sinsigno indexical remático (221);
• legissigno icônico remático (311) “governa” o sinsigno icônico re-
mático (211);
• legissigno indexical remático (321) “é, em uma certa medida, para
seu interpretante”, o legissigno icônico remático (311), enquanto
sua “réplica” é o sinsigno indexical remático (221);
• legissigno indexical dicente (322) “envolve” o legissigno icônico
remático (311) e o legissigno indexical remático (321), enquanto
sua “réplica” é o sinsigno indexical dicente (222);
• legissigno simbólico remático (331) “compartilha da natureza” do
legissigno indexical remático (321) e do legissigno icônico remáti-
co (311), enquanto sua réplica é o sinsigno indexical remático (221);
• legissigno simbólico dicente (332) “atua como um símbolo remáti-
co”, embora, para seu interpretante, seja o legissigno indexical di-
cente (322), “e ele compartilha desta natureza, embora esta não
seja toda sua natureza”; sua réplica é o sinsigno indexical dicente
(222);
• argumento (333) é um signo cuja réplica é um sinsigno indexical
dicente (222).

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 97

Pode-se dividir em três grupos as relações acima descritas:


(i) “envolvimento”: 211>111, 221>211, 222>221, 222>211,
322>311, 322>321, 332>331, 332> 321;
(ii) “governar réplicas”: 311>211, 321>221, 322>222, 331>221,
332>222, 333>222;
(iii) “seu interpretante representa-o como (...), e isso ele o é” (com-
partilha da natureza): 321>311, 331>321, 331>311,
332>322.

Enunciarei duas regras para descrever os grupos. Uma modifica-


ção em qualquer aspecto de correlação (primeiro, S-S; segundo, S-O;
e/ou terceiro, S-O-I) 2>1 descreve as oito relações do primeiro grupo
e uma relação do terceiro grupo (321>311). Uma modificação 3>2
descreve as seis relações do segundo grupo e duas do terceiro grupo
(331>321, 332>322). Está excluída das regras apenas uma relação
331>311. Para Peirce (CP2, 261), trata-se de um caso particular e
indica que, “em certos casos”, o 331 “compartilha da natureza do
311”.
É possível “reduzir”, portanto, a variedade das relações entre as
classes a dois tipos. Chamarei esses tipos de “relações de envolvi-
mento” (2>1) e de “relações de instanciação” (3>2) (cf. Liszka, 1996,
p. 46; Serson, 1997, pp. 135-136).
Esta generalização está baseada na descrição de dois tipos de
relação: TOKEN > TONE, 2>1 e TYPE > TOKEN, 3>2.
Estas relações, por sua vez, baseiam-se nas que ocorrem entre as
categorias (CP1, 528; 5, 49; 5, 91); descrevem como “gerais” (TYPES),
“instanciam” um número indeterminado de “singulares” (TOKENS),
ou existentes, e prescrevem suas qualidades (TONE): “envolvimento”
(Secundidade > Primeiridade, 2>1), “instanciação” (Terceiridade >
Secundidade, 3>2).
Segundo Savan,

Peirce indicou repetidamente que “leis” não têm realidade sem instan-
ciações em existentes. São regularidades na ação da natureza que con-
ferem às leis seu “ser”. Isto é, as leis não existem independentemente de
suas instanciações em um céu platônico. (1987/1988, p. 13)

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98 JOÃO QUEIROZ

Por sua vez, existentes dependem das “qualidades de que são


feitos”.

Um caráter significante indefinido, tal como o tom de uma voz, não


pode nem ser chamado de Type nem de Token. Proponho chamar este
signo de Tone. Para um Type ser usado, ele tem de estar incorporado em
um Token, que será um signo do Type e, deste modo, do objeto que o
Type significa. Proponho chamar o Token de um Type de uma instância
do Type. (CP4, 537)

Em outros termos, instanciação é uma relação TYPE > TOKEN


(legissigno > sinsigno de tipo especial). É o modo como o legissigno,
um signo que é uma lei, “governa suas réplicas” ou sinsignos (CP2,
258): “todo legissigno significa através de uma instância de sua apli-
cação, que pode ser denominado uma réplica dele. A réplica é um
sinsigno. Então, todo legissigno requer sinsignos” (CP2, 246). O sin-
signo, por sua vez, “envolve um qualissigno” (CP2, 245), isto é, en-
volve uma qualidade (CP2, 254) ou um complexo de qualidades.
Em um dos exemplos de Peirce (CP2, 257), um “catavento” (222),
para “significar”, deve envolver um “sinsigno icônico, a fim de incor-
porar a informação, e um sinsigno indexical remático, para indicar o
objeto ao qual a informação se refere”. Uma proposição ordinária
(cf. CP2, 262) deve envolver termos lógicos: 332>331. Esses termos
são símbolos remáticos, e a proposição os envolve “para expressar
sua informação”, assim como envolve 321s “para indicar o sujeito de
sua informação”. (Analisarei, no próximo capítulo, os componentes e
as relações que formam a proposição lógica.)

Vinte e oito e sessenta e seis classes de signos

Serei muito breve sobre as 28 e as 66 classes de signos.4 Trata-se


de um dos tópicos mais movediços da semiótica de Peirce. A subdivi-
são das tricotomias é a mais importante inovação dessas classifica-
ções, e irei me deter na apresentação dessas tricotomias.

4 Para aqueles interessados nestas classificações, recomendo os seguintes trabalhos:


Weiss e Burks (1945), Sanders (1970), Lieb (1977), Jappy (1989), Linde (1996), Farias
e Queiroz (2001), Farias (2002).

Cópia de Peirce Queiroz.p65 98 15/10/2004, 14:17


CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 99

Peirce (em MS339, 503) afirma: “é muito claro que existem mais
quatro divisões que devem ser levadas em consideração. Talvez mesmo
mais”. Isto nos fornece dez tricotomias. A respeito destas, afirma:
“tenho clara apreensão de algumas (...), insatisfatória e duvidosa
noção de outras (...), uma tolerável mas não minuciosa concepção de
outras” (CP8, 340).
Peirce se refere a essas tricotomias em diferentes passagens, es-
pecialmente em uma carta, de 23 dezembro de 1908, enviada para
Lady Welby (L463, 142-146 e 150-160; EP2, 478-491). Ele apresenta
“dez aspectos de acordo com os quais as principais divisões de sig-
nos são determinadas”, começando com “modo de ser”, ou “modo de
apreensão” do “signo ele mesmo”.5 Essas divisões são seguidas
por três “aspectos” que se referem ao objeto, os quais, por sua vez,
são seguidos por três aspectos referentes ao interpretante (ver Qua-
dro 3.5).
1º, de acordo com o modo de apreensão do signo ele mesmo;
2º, de acordo com o modo de apresentação do objeto imediato;
3º, de acordo com o modo de ser do objeto dinâmico;
4º, de acordo com a relação do signo com seu objeto dinâmico;
5º, de acordo com o modo de apresentação do interpretante ime-
diato;
6º, de acordo com o modo de ser do interpretante dinâmico;
7º, de acordo com a relação do signo com o interpretante dinâmico;
8º, de acordo com a natureza do interpretante normal;
9º, de acordo com a relação do signo com o interpretante normal;
10º, de acordo com a relação triádica do signo com o objeto dinâ-
mico para o interpretante normal (L463, 134, 150; EP2,
482-483).

Em carta de 23 de dezembro de 1908 (EP2, 481), no entanto,


Peirce estabelece uma ordem de determinação para as tricotomias,
que começa com dois objetos (dinâmico e imediato):

5 A expressão “modo de ser do signo ele mesmo” aparece em dois manuscritos [L463,
134 e 150], mas em L463, 150 a palavra “ser” é substituída por “apreensão”.

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100 JOÃO QUEIROZ

(...) e segue-se da definição de signo que, desde que o objeto dinamóide


determina o objeto imediato,

que determina o signo ele mesmo,


que determina o interpretante destinativo,
que determina o interpretante efetivo,
que determina o interpretante explícito,
as seis tricotomias produzirão apenas 28 classes, e, se (...) existem ou-
tras quatro tricotomias (...), isto produzirá 66 classes. As quatro tricoto-
mias adicionais são (...),
ícones índices símbolos
e, então, três se referem aos interpretantes (...):
sugestivos imperativos indicativos
(...) Signos garantindo seus interpretantes por
instinto experiência forma
(...) semes phemes delomes. (EP2, 481)

Em ambos os casos, Peirce afirma não estar absolutamente certo


sobre a ordem exata das tricotomias (EP2, 481 e 483). Mais do que
isso, ele se refere a três tipos de interpretantes com diferentes no-
mes: imediato, dinâmico e normal (L463, 134, 150; EP2, 482); desti-
nativo, efetivo e explícito (EP2, 481).
Os problemas terminológicos são enormes.6 Não deve surpreen-
der, portanto, que haja tantas divergências entre especialistas. Se-
gundo Houser,

(...) um detalhado desenvolvimento da análise de Peirce sobre a teoria


do signo, em todo o seu conjunto, das dez divisões e das 66 classes, é,
talvez, o mais árduo problema para os semioticistas peirceanos. (1992b,
p. 502)

6 Para um tratamento cuidadoso deste tópico, ver Farias (2002).

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 101

Quadro 3.5 – Descrição das dez tricotomias (66 classes de signos)

1º, de acordo com o modo signo ele próprio S 1. qualissigno (tone, mark,
de apreensão do signo ele potisign)
mesmo 2. sinsigno (token, actisign,
réplica)
3. legissigno (type, famisign)
2º, de acordo com o modo objeto imediato Oi 1. descritivo
de apresentação do objeto (degenerado) 2. denominativo (designativo)
imediato 3. distributivo (copulativo,
copulante)
3º, de acordo com o modo objeto dinâmico Od 1. abstrativos (possíveis)
de ser do objeto dinâmico (externo, dinâmico, 2. concretivos (ocorrências)
dynamoid) 3. coletivos (coleções)
4º, de acordo com a relação do signo com o S-Od 1. ícone
relação do signo com seu objeto dinâmico 2. índice
objeto dinâmico 3. símbolo
5º, de acordo com o modo interpretante imediato Ii 1. hipotético (ejaculativo)
de apresentação do (felt, duplamente 2. categórico (singular, imperativo)
interpretante imediato degenerado, destinate, 3. relativo (significativo)
emocional)
6º, de acordo com o modo interpretante dinâmico Id 1. simpatético (congruentive)
de ser do interpretante (singularmente 2. percursivo
dinâmico degenerado, efetivo, 3. usual
energético)
7º, de acordo com a relação do signo com o S-Id 1. sugestivo (ejaculatum)
relação do signo com o interpretante dinâmico 2. imperativo (interrogativo)
interpretante dinâmico (maneira de apelação ao 3. indicativo (cognificativo)
interpretante dinâmico)
8º, de acordo com a interpretante final If 1. gratífico
natureza do interpretante (explícito, lógico, 2. practical (produzir ação)
normal logical, normal, 3. pragmatístico (produzir
eventual) autocontrole)
9º, de acordo com a relação do signo com o S-If 1. rema (sema, termo, sumissigno)
relação do signo com o interpretante normal 2. signo dicente (fema, proposição)
interpretante normal (natureza da influência 3. argumento (deloma, suadisign)
do signo)
10º, de acordo com a relação triádica do signo S-Od-Ig 1. instintivo (garantia por [de]
relação triádica do signo com o objeto dinâmico instinto)
com o objeto dinâmico para o interpretante 2. experiencial (garantia por [de]
para o interpretante final (natureza da experiência)
normal garantia da declaração, 3. habitual (garantia por [de]
relação do interpretante forma)
lógico ou final com o
objeto)

Conclusão

As classificações sígnicas descrevem tipos de relações concebí-


veis de acordo com diferentes perspectivas (divisões tricotômicas)
em que a tríade S-O-I pode ser analisada. Muitas modificações foram
feitas em mais de quarenta anos de experimentação com diversos

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102 JOÃO QUEIROZ

modelos. Várias perguntas devem ser respondidas. “Por que”, “como”,


“para que”, “sob que condições” são concebidas as novas divisões
tricotômicas e as novas classificações? Qual a extensão das modifi-
cações introduzidas pela noção de degeneração, na teoria do signo, a
partir de 1885, e como ela afeta as classificações subseqüentes?
Para explicar “por que” as classificações são expandidas, alguns
autores têm sugerido a idéia de “faneroscopização” (Parker, 1998,
p. 163; Marty, 1990) das relações observadas em S-O-I, um argu-
mento que parece convincente, uma vez que as maiores transforma-
ções são contemporâneas ao desenvolvimento da faneroscopia, sen-
do apresentadas junto dela (Harvard Lectures). Deledalle (1990), por
exemplo, localiza no período que chama de “The Sun Set Free”, entre
1887 e 1914, a fundação da semiótica na fenomenologia. O proble-
ma com seu argumento é que ele cobre um período grande demais
para funcionar com precisão. De outra perspectiva, mas na mesma
linha de argumentação, há a sugestão de Liszka (1996, p. 128) sobre
a introdução de elementos não formais (tricotomias) baseados na
faneroscopia (p. ex.: “modo de apreensão do signo”, “modo de apre-
sentação do objeto imediato”).
Pode-se também falar de uma “pragmatização” das classificações.
Para Freadman (2001b, p. 1), o pragmatismo é o responsável pela
“proliferação de novas divisões” tricotômicas: ele “força ajustes téc-
nicos que anunciam a introdução de novas classes”. E o principal
ajuste parece ser a incorporação do interpretante às análises de
S-O-I, uma incorporação permitida pela natureza “cruzada” das aná-
lises tricotômicas, a partir de 1903. Em 1902, Peirce (MS427, 142),
tratando das classificações hierárquicas de tradição aristotélicas, per-
gunta: “Por que os biólogos impõem sobre a natureza uma classifica-
ção hierárquica como a única forma?”. Para Freadman (2001b), a
primeira classificação é orientada por uma lógica de gêneros e espé-
cies, enquanto as classificações são cruzadas por uma lógica de sis-
temas e relações. Segundo Peirce:

A lógica ordinária tem muito a dizer sobre gêneros e espécies ou, no


jargão de nosso século XIX, sobre classes. Uma classe é um conjunto de
objetos constituído por tudo o que está em uma relação especial de simi-

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CLASSIFICAÇÕES SÍGNICAS 103

laridade. Mas onde a lógica ordinária fala de classes, a lógica de relati-


vos fala de sistemas. Um sistema é um conjunto de objetos constituído
por tudo o que está em um grupo de relações conectadas. (CP4, 5)

Esta me parece ser, de fato, a mudança com efeitos mais radicais.


As analogias com modelos químicos parecem funcionar como o “prin-
cípio guia” de um novo tipo de projeto. Conexões com os desenvolvi-
mentos dos grafos existenciais (GE), a partir de 1896, são uma evi-
dência disso: conceitos, signos, etc. possuem “valências”, que formam
estruturas de acordo com as quais podem ser analisadas. Peirce é
enfático sobre a conexão entre esses domínios: “Inventei diversos
sistemas de signos para lidar com relações. (...) Finalmente, fui leva-
do a preferir o que chamo de sintaxe diagramática” (MSL231).
Em um sentido não trivial, uma classe passa a ser definida como
um sistema de relações. O cruzamento (relação) das “respostas”
(relações) obtidas através das tricotomias (relações) produzem “com-
postos de relações”, que, segundo a sugestão de Tursman (1987,
p. 38), são formados por “ligações faneroquímicas”.
É conhecida a admiração de Peirce pela “tabela periódica” de
Mendeleev. Para Freadman,

(...) a tabela é interessante, porque é um exemplo de um tipo de sistema


que Peirce propõe como uma alternativa às classificações hierárquicas
de tradição aristotélica. Ela pode também ser analisada como uma for-
malização matemática. Descrevendo os trabalhos da tabela em um ma-
nuscrito não datado (MS693), Peirce usa termos similares aos que havia
usado para descrever a matrix de relações diádicas (MS593), e chega a
construir as funções e os argumentos da tabela como relações matemá-
ticas. O ponto importante é o seguinte: as classificações da química e da
matemática, embora não necessariamente as mesmas, seguem juntas
em sua contestação da predominância do modelo biológico, porque am-
bas admitem classificações cruzadas (MS427, 142-3). Os princípios do
sistema são explicados pela matemática e exemplificados empiricamen-
te pela tabela periódica. A segunda classificação de signos é a contribui-
ção de Peirce a este procedimento. (2001b)

Esta é uma explicação (ainda que superficial) de “por que” e “sob


que condições” as novas classificações foram construídas. Resta ex-
plorar “como” e “para quê”.

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104 JOÃO QUEIROZ

No próximo capítulo, irei apresentar os diagramas de Peirce, que


chamarei de “diagramas de relações periódicas” e de “relações de
afinidade”, entre as classes 3-tricotômicas, além de diversos mode-
los gráficos sobre as dez classes, de acordo com diversos autores.

Cópia de Peirce Queiroz.p65 104 15/10/2004, 14:17


4
DEZ CLASSES DE SIGNOS*

Irei me concentrar, neste capítulo, nas relações entre as dez clas-


ses de signos em seus diversos modelos gráficos, e nas idéias que os
subsidiam. Aqui também lidamos com um disparatado ambiente de
explicações, e é justo perguntarmos se é possível que um objeto cujo
tratamento é tão rigoroso possa produzir versões tão distintas de
sua estrutura. Esta questão tem diversas implicações. No melhor dos
casos, ela indica diferentes – e talvez complementares – interpreta-
ções da natureza das relações entre as classes.
No diagrama de Marty (Figura 4.11), as classes são hierarquica-
mente ordenadas em um reticulado, no qual toda classe implica a
presença daquelas hierarquicamente “inferiores”. Da perspectiva su-
gerida pelo diagrama de Merrell (1991 – Figura 4.12), os modelos
propostos por Marty, e também os de Balat (1989-1991 – Figuras 4.9
e 4.10), são capazes de descrever apenas as “propriedades estrutu-
rais” dos signos de maior generalidade. De fato, os operadores de
Balat são unidirecionais e apontam em sentido decrescivo. Embora o
mesmo não possa ser dito sobre o modelo de Marty, a hierarquia é
expressa neste modelo sempre em uma perspectiva top-down. Vere-
mos que, de acordo com Merrell (1991), as relações que ele chama de
“geração semiósica”, encontradas nos modelos de Balat e de Marty,
são insuficientes para descrever a semiose com base em processos
faneroscópicos, que operam, segundo o autor, de modo complemen-
tar, dos qualissignos para os legissignos.
Peirce desenvolveu dois modelos gráficos para as dez classes de
signos (Figuras 4.1 e 4.2):

*
Este capítulo se deve à intensa colaboração da designer Priscila Farias, com quem
tenho publicado, apresentado trabalhos em congressos, organizado publicações e even-
tos. Os diagramas da segunda e da terceira seção aparecem em Farias e Queiroz (2000a,
b; 2001). Para uma análise detalhada dos diagramas destas seções, ver Farias (2002).

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106 JOÃO QUEIROZ

Figura 4.1 – Dez classes de signos (CP2, 264; EP2, 296)

Figura 4.2 – Dez classes de signos (LW463, 146; CP8, 376; EP2, 491)

Esses modelos, cujas estruturas analisarei em detalhes no fim


deste capítulo, não relacionam hierarquicamente as classes. Por que
fazê-lo? Se há relações relevantes que são de dependência, então
esse diagrama deve ter conexões orientadas, de modo que se possa
ver a ação de uma classe mediada pela ação de outra, formando uma
rede de pressuposições. Jappy (1984, p. 19), ao comentar os diagra-

Cópia de Peirce Queiroz.p65 106 15/10/2004, 14:17


DEZ CLASSES DE SIGNOS 107

mas de Marty (1982), resume assim as “inegáveis vantagens” de uma


versão visual das relações de dependência entre as classes: “As rela-
ções entre as diferentes classes de signos são agora hierárquicas,
visualmente aparentes e podem ser checadas junto com os percursos
entre as classes”.
A questão central aqui é que um diagrama com conexões pode
indicar as relações em que os legissignos, que são signos de lei, de-
vem estar para “instanciar” ou “governar” sinsignos, sem os quais
não podem funcionar como signos. Um diagrama deste tipo pode
mostrar como os sinsignos devem “envolver” signos de qualidade, e
quais devem “envolver” para serem signos de fato. Como Peirce não
submete as classificações a um tratamento gráfico que represente as
relações de dependência entre as classes, não fornece um modelo
gráfico dessas relações.
Pretendo, neste capítulo: (1) introduzir a noção de correspondên-
cia entre semiose e inferência lógica; (2) apresentar um modelo grá-
fico das dez classes, no contexto desta correspondência e em diálogo
com uma discussão travada sobre ela (Hilpinen, 1982, 1992; Houser,
1992b; Thibaud, 1996); (3) apresentar os diagramas de diversos au-
tores ligados à Universidade de Perpignan (Marty, 1982; Jappy, 1984;
Balat, 1989-1991); (4) apresentar a visão de Merrell (1991; 1995a;
1997) e um de seus diagramas (1991); (6) apresentar uma metodolo-
gia, que chamamos de “sign design” (Farias e Queiroz, 2000a e b;
2001), e, como resultado desta, apresentar dois casos de sua aplica-
ção, a saber Sanders I e diagramas triangulares; (7) para terminar,
apresentar uma discussão sobre a aplicação dessa metodologia às
classificações sígnicas.

Mente como semiose e inferência lógica

Peirce soluciona, segundo Hookway (1985, p. 94), o seguinte pro-


blema: “Como é possível usar um elemento de nossa experiência como
uma representação de outro elemento?”. Pode-se entender esta ques-
tão, bem como suas consequências, como uma sugestão de equiva-
lência entre signo e pensamento:

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108 JOÃO QUEIROZ

No que consiste a realidade da mente? Temos visto que o conteúdo da


consciência, a inteira manifestação fenomenal da mente, é um signo
resultando de inferência. (...) Devemos concluir que a mente é um signo
se desenvolvendo de acordo com as leis da inferência. (CP5, 313)
Todo pensamento, ou representação cognitiva, é da natureza de um sig-
no. (CP8, 191)

A idéia de que todo pensamento é um signo está em muitas pas-


sagens da obra de Peirce (CP5, 234; 5, 251; 5, 318; NEM3, 883);
constitui uma teoria pragmática da cognição de base anticartesiana,
com raízes em 1868-1869 (W2, 193-272),1 tem muitas variações e
culmina em outra forma de correspondência: “A lógica é, em seu sen-
tido geral, como acredito ter mostrado, apenas outro nome para se-
miótica (sémeiötiké), a quase-necessária, ou formal, doutrina dos sig-
nos” (CP2, 227; ver CP1, 539; 1, 191; 1, 313; 7, 355).
São estas as principais idéias que subsidiam a correspondência:
(i) A inferência lógica é generalizada e estendida a todo compor-
tamento que apresente qualquer forma de periodicidade, síntese, cres-
cimento (ver, p. ex., CP6, 255). Para Peirce, pode-se associar as idéias
de bifurcação, crescimento, diversificação, evolução e síntese à idéia
de inferência lógica, processo que “conecta um termo a outro, uma
proposição a outra, um argumento a outro”, sendo esta conexão “tal
que a passagem do antecedente para o conseqüente vincula mudan-
ça e crescimento” (Savan, 1987-1988, p. 1).
(ii) Inferências lógicas correspondem à dedução e às formas não
demonstrativas de inferência (indução e abdução, cf. CP6, 144), e
todo pensamento, não importando seu grau de complexidade, pode
ser explicado como uma combinação desses tipos (CP5, 269; 5, 274;
5. 277-278).
(iii) A relação entre semiose e inferência pode ser comparada à
seguinte forma de correspondência: primeiro, há na lógica proposi-
cional o ground do argumento (em um argumento silogístico, a inter-

1
As “raízes” a que me refiro são os artigos publicados no Journal of Speculative
Philosophy: “Questões concernentes a certas faculdades clamadas para os homens”;
“Algumas conseqüências das quatro incapacidades”; “Fundamentos da validade das
leis da lógica: conseqüências ulteriores das quatro incapacidades” (CP5, 213-357).

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 109

relação de seus termos); segundo, há a referência da proposição aos


seus correlatos, em virtude dos quais são proposições verdadeiras ou
falsas; terceiro, há a “cópula proposicional”, que é identificada com
o leading principle da inferência.
Para Peirce, são precisamente três os elementos necessários e
suficientes para definir o signo:
(i) há o fundamento do signo;
(ii) o signo “está para” algum objeto;
(iii) há uma regra geral que permite ao signo mediar entre o obje-
to e alguma “tradução” deste, sendo esta tradução uma representa-
ção do signo ou seu interpretante (ver Savan, 1987-1988, p. 3).
E mais:
(iv) há a identificação de uma “homogeneidade sintática”
(Thibaud, 1996, p. 272; Serson, 1997, p. 131) entre predicado, pro-
posição e inferência; sendo assim, o predicado é analisado como uma
“asserção rudimentar” (CP2, 341), e a proposição, como uma “argu-
mentação rudimentar” (CP2, 344); argumentos, proposições e termos
(CP3, 440) têm uma sintaxe comum, não uma natureza comum
(CP2, 95; 4, 538);
(v) Peirce generaliza o conceito de ilação (CP3, 440), que passa a
expressar as conexões índice–ícone no termo, sujeito–predicado na
proposição e premissas–conclusão no argumento (CP3, 175); assim,
é possível falar, indistintamente, de sujeito, antecedente e premissa,
de um lado, e de predicado, conseqüente e conclusão, de outro:

Identificando a relação expressa pela cópula com aquela da ilação, iden-


tificamos a proposição com a inferência, e o termo com a proposição.
(CP3, 175; ver também 4, 3);
A relação ilativa é a primária e primordial relação semiótica. (CP2, 444
Fn P1 Para 2/2 p 269)

Assumindo que são relações triádicas aquelas observadas nos


termos, nas proposições e nos argumentos (e cf. iv e v, acima), obte-
mos a seguinte figura:

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110 JOÃO QUEIROZ

Figura 4.3 – Correspondência sintática entre termos, proposição e


inferência

Relações entre as dez classes: modelo do argumento lógico2

Para meus propósitos, duas questões devem ser formuladas: Como


a correspondência sugerida entre “inferência”, “signo” e “mente” pode
encontrar nas dez classes de signos, e em sua organização mantida
por “relações de prescindibilidade” (Hookway, 1985, p. 96), indica-
dores de um modelo da semiose? Como a redução de “todas as varie-
dades de ação mental a uma forma lógica geral” (CP5, 279), baseada
nas dez classes, pode ser observada? Hartshorne e Weiss, na intro-
dução do segundo volume dos Collected Papers (1932, CP2, iii), afir-
maram:

O presente volume trata das dez classes de signos que Peirce analisou
em detalhes. Suas divisões revelam não apenas como os signos são clas-
sificados, mas por que, por exemplo, existe somente um tipo de abdu-
ção, dois tipos de dedução e três tipos de indução. (...) Esta teoria de
signos é uma nova disciplina; sua aplicação em detalhes ele deixou para
outros.

2
Há alguns anos, Monica Matte, Breno Serson e eu concebemos diversos diagramas
sobre as dez classes, neste contexto de discussão. Os diagramas que apresento podem
ser considerados um desenvolvimento do trabalho deste grupo.

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 111

Em Houser e em Peirce Edition Project, retoma-se o argumento de


Hartshorne e Weiss, quando se sugere, na introdução crítica à quinta
seção do Syllabus (EP2, 289; MS540), uma conexão entre a teoria do
signo e uma análise da complexa estrutura do argumento. Em outro
artigo, Houser (1992b, p. 490), em resposta a Hilpinen (1992), afir-
ma que tal análise só é permitida por uma “teoria semiótica estendi-
da”, isto é, por uma teoria do signo baseada em três divisões tricotô-
micas. Segundo Thibaud (1996, p. 267), esta classificação permite
responder a duas questões: O que informa uma proposição? Como
ela informa?
Analisarei a proposição lógica de acordo com uma “teoria semió-
tica estendida”. A natureza da proposição e a distinção entre propo-
sições, asserções e julgamentos (Hilpinen, 1992, p. 467) – uma dis-
tinção feita explicitamente por Frege em 1892 (Uber Sinn und
Bedeutung) e mais tarde por Russell (1918/1966) – interessaram a
diversos autores. Para Peirce (MS517; NEM4, 248), “uma proposição
pode ser afirmada, negada, julgada, posta em dúvida, colocada como
uma questão, desejada, questionada, efetivamente ordenada ou me-
ramente expressa, e isto não a faz diferente”. Proposições são signos
simbólicos interpretados como índices, ou símbolos dicentes: “a es-
sência da proposição é que ela pretende ser observada como estando
em uma relação existencial com seu objeto, como é um índice” (CP4,
572). São constituídas por índices e ícones. Toda proposição é forma-
da por um ou diversos sujeitos (nomes próprios) e um predicado, que
é um signo remático e deve ser um ícone. Diz ainda:

Uma proposição consiste de duas partes – o predicado, que excita algo


como uma imagem (ou sonho) na mente do intérprete, e o sujeito, ou
sujeitos, cada um dos quais serve para identificar algo que o predicado
representa. (MS280, 32)

Mais detalhadamente, uma proposição é um legissigno simbólico


dicente (332) (CP2, 262), um signo que está para seu objeto através
de uma lei, numa relação interpretada como “existente”.3 O predicado

3
Na análise de Hilpinen (1992), os predicados são “símbolos icônicos”, mas, se um
predicado é um símbolo, ele deve ser remático, não icônico.

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112 JOÃO QUEIROZ

de uma proposição é um signo remático. Para Houser (1992b, p. 493),


o predicado é um legissigno icônico remático (311). O sujeito ou os
sujeitos, que são nomes próprios ou pronomes demonstrativos, são
legissignos indexicais remáticos (321) (LW 22-36; CP2, 262).
Aparece aqui um problema. Segundo Houser (e estou de acordo
com sua argumentação), um sujeito é um legissigno indexical dicen-
te (322). Para ele (1992b, p. 494), “o elemento-chave aqui é o ele-
mento indexical (...), mas o sujeito não apenas deve ter uma conexão
real (existencial) com seu objeto; certamente, ele também deve ser
interpretado como estando de fato conectado com ele”. Seu caráter
requer interpretá-lo como um signo dicente.
Em uma carta para Ladd-Franklin,4 Peirce afirma:

O símbolo é um signo de seu objeto meramente porque ele será interpre-


tado como tal. (...) Então um nome próprio não é um símbolo. Na pri-
meira vez que você ouvi-lo, ele é um índice (sinsigno indexical). Por fim,
um hábito faz dele um legissigno, mas ele sempre permanece um índice.

Como estão (triadicamente) relacionados a proposição, seu predi-


cado e seus sujeitos lógicos? Segundo Peirce (CP5, 473), “O interpre-
tante de uma proposição é seu predicado; seu objeto é a coisa deno-
tada por seu sujeito ou sujeitos (incluindo seus objetos gramaticais,
direto, indireto, etc.)”. Para Hilpinen (1992, p. 475), “a proposição
representa o objeto indicado por seu sujeito, como o objeto de seu
predicado, e neste caso o predicado pode certamente ser observado
como interpretante da proposição”. Peirce diz que a proposição é ver-
dadeira se o objeto do sujeito é o objeto do predicado: “toda asserção
é uma asserção que dois diferentes signos têm do mesmo objeto”
(CP2, 437). Hilpinen (1992, p. 475) interpreta assim essa afirmacão:
“uma proposição diz que o objeto do sujeito de uma sentença é o
objeto do predicado, e, se isto não é o caso, a proposição é falsa”.
Como estão triadicamente relacionados sujeito e predicado?

4
Um fragmento não datado, em “Rare Book and Manuscript Library of Columbia Uni-
versity” (apud Houser, 1992b, p. 494).

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 113

Uma vez que podemos tricotomizar essas relações, e por meio da


divisão triádica representada por , onde 1 é o signo da relação
(ou primeiro correlato), 2 é o objeto da relação (segundo correlato) e
3 o interpretante da relação (terceiro correlato), temos:

Figura 4.4 – Comparação entre a estrutura triádica S-O-I e e a relação


proposição–sujeito–predicado

De acordo com as dez classes, e incorporando a cópula proposi-


cional, que segundo Peirce permite conectar sujeito e predicado (CP1,
548), temos:

Figura 4.5 – Estrutura triádica proposição–sujeito–predicado associada às


dez classes de signos

De acordo com esse diagrama, o predicado é o interpretante da


proposicão (cf. CP5, 473), um signo que é interpretado como um íco-
ne, um rema – legissigno simbólico remático. O sujeito, segundo
Houser (1992b, p. 494), é um legissigno interpretado como represen-
tando indexicalmente seu objeto (322). Mas, como já assinalei, há
duas versões sobre a natureza do objeto, a respeito da qual, segundo

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114 JOÃO QUEIROZ

Thibaud (1996, p. 270), Peirce revela certa hesitação. Peirce (em CP2,
262), diz que o objeto da proposição é classificado como um legissig-
no indexical remático (321). Mas, como afirmei, concordo com a in-
terpretação de Houser. Graficamente obtemos duas versões:

Figura 4.6 – Estrutura triádica em que a cópula conecta


sujeito e predicado

De acordo com esta interpretação (ver Figura 4.6), o sujeito da


proposição, que é o segundo termo da primeira relação (tríade supe-
rior), é o primeiro termo da segunda relação (tríade inferior), cujo
terceiro termo (interpretante) é a cópula proposicional. Este é o se-
gundo termo da segunda relação, em que o primeiro termo é o predi-
cado. A cópula funciona como uma conexão entre sujeito e predica-
do; é o objeto do signo, que é o predicado, e o interpretante do signo,
que é o sujeito.
De acordo com esta interpretação (ver Figura 4.7), o interpretante
do sujeito não é o objeto do predicado, ficando desconexa a relação
sujeito–predicado. Se o predicado é o interpretante da proposição,
seu objeto não pode ser o objeto do sujeito, mas seu interpretante (cf.
Figura 4. 6), que neste diagrama é a cópula proposicional. Neste caso,
e de acordo com Houser (1992), o objeto do sujeito deve ser um exis-
tente (sinsigno indexical dicente, 222). Assim, o objeto do predicado

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 115

Figura 4.7 – Estrutura triádica em que não há conexão


entre sujeitoe e predicado

é o interpretante do sujeito (legissigno indexical remático). Esta in-


terpretação define o papel da cópula proposicional na relação triádi-
ca sujeito–predicado e conecta, internamente, sujeito e predicado. Se
estendemos esta interpretação para uma construção complexa, obte-
mos a seguinte construção.

Figura 4.8 – Estrutura baseada na Figura 4.6, em que a cópula


proposicional conecta sujeito e predicado

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116 JOÃO QUEIROZ

Modelos gráficos das relações hierárquicas

Duas regras podem ser enunciadas para descrever as relações entre


as dez classes de signos: instanciação e envolvimento. Enquanto leis
são instanciadas em existentes, existentes envolvem qualidades.
Irei analisar um símbolo dicente (332), seguindo um dos exem-
plos de Peirce – “Ezekiel ama Houlda” (ver Thibaud, 1996; Serson,
1997) –, através destas relações: a proposição envolve dois sujeitos e
um predicado; o predicado é o ícone de um hábito (“ama”); os sujei-
tos são instanciados por dois 322 – os nomes “Ezekiel” e “Houlda” –
signos que “requerem que cada um de seus casos sejam realmente
afetados por seu objetos” (CP2, 260). Eles, por sua vez, envolvem
321s, “para denotar a matéria da informação”, e 311s, “para signifi-
car a informação”. O 322 deve instanciar um “Ezekiel” e uma “Houl-
da” supostamente existentes. “Ezekiel” e “Houlda”, por sua vez, de-
vem envolver, combinados, sinsignos icônicos, “para corporificar a
informação”, e sinsignos indexicais remáticos (221), para “indicar o
objeto ao qual se refere a informação” (CP2, 257). De volta ao predi-
cado: “ama” é um símbolo remático (331). Esta classe, um “substan-
tivo comum”, no exemplo de Peirce (CP2, 261), conecta-se a seu obje-
to por uma “imagem geral”. Esta associação se dá por meio de “certos
hábitos ou disposições [da] mente [...] e sua réplica tende a produzir
um conceito geral” (ibidem). Uma vez que é instanciado na proposi-
ção em questão (outro 321), envolve um ícone geral (outro 311), as-
sim como instancia um índice, um 221 (CP4, 56-8).
Tais relações são exibidas no diagrama de Balat (Figura 4.9) como
dois tipos de setas: as que designam relações de instanciação e as
que designam relações de envolvimento.

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 117

Figura 4.9 – Diagrama das dez classes baseado em conexões orientadas


(instanciação e envolvimento)

Conforme esta distinção, e de acordo com o diagrama acima, temos:

Quadro 4.1 – Divisão entre relações de instanciação e de envolvimento

Relações de instanciação Relações de envolvimento


333 – 332 332 – 331
332 – 322 322 – 321
331 – 321 222 – 221
322 – 222 321 – 311
321 – 221 221 – 211
311 – 211 –
211 – 111 –

O diagrama (Figura 4.9) representa relações de envolvimento e


de instanciação entre signos de generalidade decrescente, da direita
para esquerda. Assim, argumentos (333) instanciam proposições
(332), que envolvem símbolos remáticos (termos, 331) para consti-
tuir o predicado da proposição, e legissignos indiciais dicentes (322)
para indicar seu sujeito. Legissignos instanciam sinsignos, e assim
sucessivamente até o qualissigno (111). Com base nesse diagrama,
Balat constrói um novo modelo (Figura 4.10). Neste modelo, as clas-
ses são separadas em grupos de relação tricotômicas (ver análise a
seguir), e as relações de dependência são mantidas.

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118 JOÃO QUEIROZ

Figura 4.10 – Diagrama das dez classes baseado em conexões orientadas


(instanciação e envolvimento)

O diagrama é dividido em três linhas, três colunas e três quadros.


As linhas descrevem a natureza dos interpretantes: a linha 1 descre-
ve os remas (seis membros); a linha 2, os dicentes (três membros); a
linha 3, o argumento (um membro). As colunas descrevem a “nature-
za dos signos”: a coluna I descreve o qualissigno (um membro); a
coluna II, os sinsignos (três membros); a coluna III, os legissignos
(seis membros). Os quadros descrevem a natureza da relação signo–
objeto: o quadro A descreve os ícones (três membros); o B, os índices
(quatro membros); o C, os símbolos (três membros).
De acordo com Balat, existem diferenças entre as setas horizon-
tais que aparecem nas colunas I, II, e III: as da coluna I devem ser
lidas como “incorporam”; as setas da coluna II, como “é instanciado
em”; as da coluna III, como “governa” (Balat, 1989-1991, p. 86).
Para Serson (1997, pp. 135-136), as setas verticais, com exceção de
333 –> 332, representam relações de “envolvimento”. As relações
descritas por esse diagrama baseiam-se, por sua vez, no modelo de
Marty (Figura 4.11).

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 119

Figura 4.11 – Estrutura hierárquica de relações entre as dez classes

“Naturalização” da semiose

Resumirei, a partir deste ponto, as idéias originais de Merrell so-


bre as dez classes, mas o que farei aqui é uma apropriação orientada
de uma pequena parte de sua obra. Merrell (especialmente 1994 e
1996) associa as classificações sígnicas a modelos desenvolvidos na
química e na física sobre sistemas termodinâmicos, e propõe uma
espécie de “naturalização da semiose” baseada nos novos paradig-
mas da complexidade. Alguns dos conceitos de que faz uso para des-
crever as classes são: “simetrias quebradas” e “estruturas dissipati-
vas” (cf. Prigogine e Stengers, 1984), emergência de propriedades
auto-organizadas exibidas em processos complexos (cf. Depew e
Weber, 1999), hiperciclo (cf. Eigen, 1979), autopoiésis (cf. Maturana
e Varela, 1980). A rigor, eu precisaria fazer uma cuidadosa aborda-
gem desses conceitos para seguir com detalhes suas idéias sobre se-
miose, mas não posso fazer isto neste contexto. Em sua interpreta-
ção, signo e fâneron são processos complementares:

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120 JOÃO QUEIROZ

(...) a faneroscopia é uma atividade teórica complementar à semiótica


(...) “representamens”, objetos e interpretantes podem estar sujeitos a:
(1) faneroscopia (ou faneroquímica), um estudo de “signos-pensamento”
que são itens da experiência interna, abrangendo, quanto à duração, de
uma fração de segundo até uma vida (...), ou (2) semiótica propriamente
dita, um estudo da semiose (processo em que os signos se transformam
em outros signos). (Merrell, 1991, p. 1)

Ainda de acordo com Merrell:

Faneroscopia e semiótica são a mesma teoria descrita em duas lingua-


gens diferentes e complementares. Desse modo, signos (“signos-pensa-
mento” e “signos-eventos” “lá fora”) são para a semiótica o que fâne-
rons (“signos-pensamento”, “aqui dentro”) são para a faneroscopia.
(Ibidem)

Essa equivalência, também sugerida por Tursman (1987, p. 25),


pode ser assim interpretada: os resultados das investigações da se-
miótica são os mesmos, em diversos aspectos e em “linguagens com-
plementares”, daqueles obtidos pela faneroscopia. Tal equivalência
aparece assim: os elementos indecomponíveis descobertos no fâne-
ron são aqueles descritos pela lógica das relações (CP1, 293); as va-
lências faneroquímicas são três classes de predicados (monovalente,
bivalente, trivalente) (CP5, 469); as categorias cenopitagóricas, a
saber, primeiridade, secundidade, terceiridade, equivalem às valên-
cias faneroquímicas (CP1, 299); as leis descobertas no fâneron equi-
valem àquelas descritas pela semiótica e descobertas no signo
(Marty, 1982).
Para Merrell (1997, p. 135), a faneroscopia descreve um processo
de formação de “compósitos sígnicos”: signos (fânerons) reunidos
em “aglomerados”. Esse processo pode ser seguido, entre as dez clas-
ses, em dois movimentos complementares, mutuamente implicados:
111 –>333 (geração semiótica) e 333 –>111 (degeneração faneros-
cópica). A faneroscopia observa o processo de “de-engendramento”
da semiose em composições cada vez menos gerais. Ao mesmo tem-
po, a semiótica considera “signos-eventos” relativos à percepção do
mundo, começando com signos menos gerais (111), “engendrados
para cima”, até 333.

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 121

Pode-se seguir, portanto, através das dez classes, o desenvolvi-


mento da semiose em duas direções: aumento de generalidade, ou
“geração semiótica”, e decréscimo de generalidade, ou “degenera-
ção faneroscópica”. Esses desenvolvimentos têm percursos prefe-
renciais. Isto explica por que não é possível que um argumento (333),
por um “salto de transformação”, passe a uma vaga impressão dos
ícones implicados em suas premissas. Assim, também não é possí-
vel conceber como um signo particular, um existente, que está para
um objeto por uma conexão de fato (222), possa se transformar em
uma proposição ordinária (322). Um tratamento gráfico das possi-
bilidades de transformação, concebidas por Merrell, resultou em
diversos diagramas.

Figura 4.12 – Versão simplificada do modelo proposto por Merrell

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122 JOÃO QUEIROZ

Esse diagrama (Figura 4.12) possui três colunas, e seus dez com-
ponentes estão divididos de acordo com a natureza da relação S-O
(ícone, índice, símbolo). Os operadores, que são “transformações síg-
nicas dentro da hierárquica e parcialmente ordenada grade de rela-
ções”, indicam quatro tipos de transformação (Merrell, 1991, p. 20):
(i) setas sólidas indicam “caminhos normais de transformação
sígnica”;
(ii) setas tracejadas indicam “caminhos anormais (...) que vincu-
lam ou um salto descontínuo, através de dois níveis na evolução de
R, O, I, ou um nível simples alterado em dois dos três elementos”;
(iii) setas unidirecionais, sólidas ou tracejadas significam “gera-
ção ou evolução (...) dos signos relativamente mais simples para os
mais complexos”;
(iv) setas bidirecionais significam, “em adição à evolução ‘para
cima’, caminhos de subdivisão sígnica ou degeneração ‘para baixo’”,
um indicador tanto do crescimento do signo referente à generalidade
como, inversamente, de “decrescimento” referente à degeneração.
Uma descrição cuidadosa dos operadores pode ser encontrada em
Merrell (1995a, pp. 138-145).

Uma metodologia aplicada às dez classes de signos:


introdução a sign design

Desta seção em diante, apresento alguns resultados cujo conjun-


to temos chamado de sign design (Farias e Queiroz, 2001; 2000a e
b). Temos destacado, quando tratamos deste tópico, projetos afins
desenvolvidos em diversas áreas (matemática, lógica, música, dan-
ça, etc.) e, especialmente, os trabalhos de Zellweger (1982): “enge-
nharia homem–signo”.
Zellweger tem sido enfático sobre a necessidade de exploração de
uma área aplicada e experimental da semiótica, dedicada à “criação
de signos” e baseada em “esforços coletivos altamente especializa-
dos, para compreender e melhorar nossas ferramentas mentais”
(ibidem, pp. 17-18). Segundo o autor, o principal desafio desta área
é projetar signos capazes de estabelecer, através da “iconicidade

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 123

visual” de suas “estruturas de superfície”, um isomorfismo entre “a


rede de relações existentes em uma sociedade de signos e a rede cor-
respondente que existe na estrutura profunda do que está sendo sim-
bolizado” (ibidem, pp. 19-25, 106). Chama a este isomorfismo de “ico-
nicidade relacional”. Na prática, seu plano se divide em duas partes:
(i) identificação das estruturas abstratas que serão simbolizadas;
(ii) invenção de um sistema de signos que incorpore e revele, visual-
mente, as relações presentes nestas estruturas. Em diversos artigos,
Zellweger tem demonstrado os resultados de seus esforços no domí-
nio da lógica (ibidem, 1982; 1991; 1992).
Como concebo, uma metodologia para sign design deve ser divi-
dida em quatro fases: (i) conceitualização; (ii) desenvolvimento;
(iii) experimentação; (iv) avaliação dos resultados.
A primeira fase (i) explora as bases teóricas para o design de
estruturas e processos sígnicos específicos (relação triádica S-O-I,
relação entre classes de signos, relação entre interpretantes, relação
tricotomias-classes, etc.). Chamei a esta etapa (Capítulo 3) de “coer-
ção teórica”.
Na fase de desenvolvimento (ii), os resultados da fase de concei-
tualização são aplicados no design de um novo modelo. Trata-se de
uma fase eminentemente prática, fundamentada na tradução visual
dos componentes teóricos investigados na primeira fase.
Na fase de experimentação (iii), são testadas as informações
visuais proporcionadas pelo modelo construído na fase de desenvol-
vimento.
Os resultados são avaliados, na fase (iv), à luz da primeira fase.
Como resultado desta metodologia, apresentarei, nas próximas
seções, dois casos de sua aplicação: Sanders I e diagramas trian-
gulares.

Sign design: considerações preliminares

Definimos um diagrama como uma associação entre elementos ex-


pressos por relações em um espaço visual. Peirce identifica esse tipo
de signo com um hipoícone que, diferentemente do ícone puro, que é

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124 JOÃO QUEIROZ

uma “possibilidade”, é um ícone instanciado que representa relações


existentes. Diagramas são hipoícones que representam as relações entre
as partes de alguma coisa através das relações entre suas próprias
partes (cf. CP2, 277). Podem ser mapas, grafos, tabelas, partituras
musicais ou qualquer tipo de formalismo usado para expressar as re-
lações entre seus elementos. De acordo com a terminologia de Harel
(1995), muitos dos diagramas mostrados aqui (p. ex.: Figuras 4.5, 4.9,
4.12) podem ser considerados grafos, nos quais as classes são repre-
sentadas por nós conectados por arcos. As conexões orientadas (setas)
representam relações especiais entre as classes.
De acordo com Peirce (The Century Dictionary, 1889; ver CP4. 419,
4535), um grafo é:
A representação diagramática de um sistema de conexões através de
numerosos nós, podendo todos ser distinguidos uns dos outros e estan-
do alguns pares deles conectados por linhas. Deste modo, qualquer sis-
tema de relações pode ser representado.
Os diagramas apresentados, incluindo os de Peirce (Figuras 4.1 e
4.2), apresentam as seguintes características: são bidimensionais,
estáticos e monocromáticos. Essas características não são somente
uma escolha no que refere a formalismo visual, mas, ao menos no
caso de Peirce, uma restrição imposta por processos de impressão
tradicional. Esse problema, em sua época, afetou a divulgação dos
grafos existenciais, especialmente do sistema gama, baseado em co-
res. Chamamos as construções baseadas nessas características de
“diagramas convencionais”.
Diversos autores têm discutido os limites heurísticos desse tipo
de diagrama. Harel (1995, p. 263) destaca a possibilidade de resolver
problemas específicos através do uso de formalismos visuais tridi-
mensionais e de simulações gráficas dinâmicas. Sivasankaran e Owen
(1992) são enfáticos sobre a necessidade de implementar como ins-
trumento de investigação, através de computação gráfica, interação
em tempo real:
Devido às restrições dos diagramas estáticos e bidimensionais, é impos-
sível para o observador examinar mais do que algumas poucas e sim-
ples relações de cada vez. A adição de uma terceira dimensão espacial,

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 125

que pode ser manipulada, e do tempo como uma quarta dimensão enfa-
tiza a utilidade dos diagramas como instrumento de investigação. (Ibi-
dem, p. 453)

Irei identificar e analisar, em primeiro lugar, diversas proprieda-


des encontradas nos modelos apresentados. Em seguida, considera-
rei a aplicação de algumas ferramentas, de acordo com o trabalho de
Sivasankaran e Owen (ibidem), para implementação de “diagramas
dinâmicos”, e de outras possibilidades oferecidas pela computação
gráfica.
(i) Pode-se questionar o status de “nó” atribuído às classes, uma
vez que não são elementos atômicos (cf. Ransdell, 1983) ou estrutu-
ras estáticas (Merrell 1994, 1996). Vimos que, segundo diversas in-
terpretações, as classes podem ser observadas como relações.
Sivasankaran e Owen (1992) propõem um “modelo estendido”, enti-
dade/relação (ER), como um conceito para modelagem de diagramas
dinâmicos. Esse modelo (ER) está de acordo com a posição assumida
na fase de conceitualização, já que inclui a possibilidade de traba-
lhar com entidades de alto nível que podem ter suas próprias entida-
des, como seus próprios membros, em níveis inferiores (p. ex.: o in-
terpretante é o signo de uma relação subseqüente).
O problema para representar muitos níveis de relações ao mesmo
tempo (dentro e entre os elementos), no que se refere a formalismo
visual, é o aumento exponencial da complexidade do diagrama. Oca-
sionalmente, isto pode ser útil para observar relações apenas em um
determinado nível, ignorando detalhes do que acontece em níveis
superiores e inferiores. Harel (1995, p. 262) indica as vantagens de
se fazer “zoom out” de uma cena particular, suprimindo detalhes em
níveis inferiores, quando lidamos com diagramas complexos. Nos
diagramas convencionais, o único modo de se obter zoom é fazendo
diferentes versões do mesmo diagrama. Nos diagramas dinâmicos de
Sivasankaran e Owen (1992, pp. 453, 439), “zoom outs” e “zoom
intos” são interativamente obtidos tomando-se o contexto como um
conceito hierárquico, pela implementação de uma ferramenta de zoom
hierárquico.

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126 JOÃO QUEIROZ

(ii) Pode-se questionar as limitações de um diagrama bidimen-


sional. A adição de uma terceira dimensão introduz uma variável,
o observador, que, na medida em que altera sua posição ante o dia-
grama, descobre novas relações entre as classes. Modos de represen-
tar relações em um ambiente bidimensional, e estático, são limita-
dos pelas características do ambiente; em um ambiente
tridimensional, e dinâmico, relações podem ser representadas por
mudanças na posição de objetos tridimensionais, que podem se mo-
ver em diversas direções, conforme certas regras e coerções.
(iii) Os diagramas convencionais são monocromáticos; a introdu-
ção de cores permite estabelecer relações entre elementos afastados
no diagrama.
(iv) Pode-se questionar a natureza estática dos diagramas con-
vencionais. Esse tipo de modelo tem consideráveis limitações para
lidar com propriedades dinâmicas (temporais), de interconexão, etc.
Nos diagramas tradicionais, há uma vaga alusão ao tempo, sugerido
por conexões (setas). Se não trabalhamos em tempo real, examina-
mos objetos atemporais. Em um diagrama que se transforma no tem-
po, pode-se examinar: mudanças de configuração, ritmo das mudan-
ças, sincronicidade, etc. As conseqüências deste último ponto devem
mudar radicalmente a perspectiva de trabalhos sobre as classifica-
ções sígnicas.

Sanders I

Como primeiro passo para a criação de um novo tipo de diagra-


ma, tomamos como ponto de partida o modelo proposto por Balat
(1989-1991, p. 86, Figura 4.13).

Figura 4.13 – Diagrama de Balat

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 127

Diferentemente dos diagramas que examinamos neste capítulo,


este (Figura 4.13), embora bidimensional, sugere uma terceira di-
mensão espacial. As tricotomias S, S-O e S-O-I estão arranjadas em
três eixos, de acordo com a notação da figura: I, II, III, ao longo do
eixo S (signo); A, B, C, ao longo do eixo O (objeto, S-O); 1, 2, 3, ao
longo do eixo I (interpretante, S-O-I). As classes estão posicionadas
através de coordenadas de acordo com a intersecção dos três eixos:
<I A 1> corresponde a 111.
No diagrama que propomos (Sanders I, Figura 4.14), as classes
são mantidas na mesma posição relativa, mas são idenficadas atra-
vés de outro formalismo visual. O primeiro formalismo é considerar
S, O, I como intersecções de planos. Dentro do espaço delimitado por
esses planos, as classes são representadas como cubos, com faces
paralelas a eles. As tricotomias são representadas pelos planos, cu-
jos “valores” (monádico, diádico, triádico) são refletidos, como cores,
nas faces paralelas dos cubos. Por exemplo, a primeira tricotomia
(qualissigno, sinsigno, legissigno) pode ser assim traduzida: parale-
lamente ao plano do signo, quais as cores das faces dos cubos? As
cores que estabelecemos são: vermelho (monádico), verde (diádico) e
azul (triádico).

Figura 4.14 – Sanders I

O cubo, por exemplo, correspondente à classe 321, tem pintadas


assim suas faces: paralelo ao plano do signo, azul; paralelo ao plano

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128 JOÃO QUEIROZ

do objeto, verde; paralelo ao plano do interpretante, vermelho. De


acordo com esse formalismo, o cubo correspondente à classe 222
tem todas as suas faces pintadas de verde (Figura 4.15).

Figura 4.15 – Cubos correspondentes às classes 321 e 222

Uma conseqüência desse formalismo é que, mesmo se não consi-


deramos “qual face é paralela a que plano”, é fácil observar, quando
três delas são visíveis, que cada cubo é um elemento distinto, na
medida em que cada um é pintado de modo distinto. Isto nos leva a
concluir que, se três cores são disponíveis e faces paralelas têm a
mesma cor, existem apenas dez modos distintos de pintar as faces de
um cubo (Figura 4.16), uma conclusão que pode ser vista como a
tradução visual da fórmula combinatória de Weiss e Burks (1945,
p. 387): (n+1) (n+2) / 2.

Figura 4.16 – Dez diferentes modos de pintar as faces paralelas de um


cubo utilizando três cores

Se observamos um cubo no espaço tridimensional, dependendo


do ponto de vista somos capazes de ver não mais do que uma, duas
ou três de suas faces. Observados em conjunto, pode acontecer de
alguns cubos serem parcial ou totalmente escondidos por outros,

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 129

dependendo de seus arranjos. No exemplo proposto, a posição de


cada classe do diagrama de Balat (Figura 4.13) é o centro de um cubo
de tamanho específico. Para minimizar o efeito de esconder cubos no
espaço, optamos pela redução dos seus tamanhos, de modo que o
intervalo entre eles possa permitir a observação clara de todo o ar-
ranjo. É importante notar que, se este é um modelo tridimensional
que pode ser manipulado, o observador tem sempre a possibilidade
de alterar seu ponto de vista, visualizando os componentes em diver-
sas configurações.
Se, de um lado, um arranjo particular pode ocultar diversos cu-
bos, de outro, permite estabelecer relações significativas entre gru-
pos de classes. É possível, por exemplo, observar o diagrama da pers-
pectiva do plano do objeto (Figura 4.17-a) e imediatamente considerar
a existência de três subgrupos: os que possuem as faces vermelhas
paralelas a este plano (ícones); os que possuem as faces verdes para-
lelas a este plano (índices); os que possuem as faces azuis paralelas
a este plano (símbolos). O mesmo acontece quando observamos o
diagrama da perspectiva dos planos do signo e do interpretante (Fi-
gura 4.17-b e 17-c).
Como sugerimos, as relações entre as classes podem ser repre-
sentadas por mudanças na posição dos cubos ou na configuração do
diagrama. Como exemplo, a Figura 4.18 mostra um story board das
relações entre as classes de acordo com o diagrama de Balat (Figura
4.13). Baseamos o formalismo na interpretação de Liszka (1996,
p. 46) e de Serson (1997, pp. 135-136) sobre as relações encontradas
no diagrama de Balat. A interpretação de Serson se refere especifica-
mente ao diagrama da Figura 4.10: as setas horizontais e verticais
correspondem a dois tipos de relação, a saber, instanciação e envol-
vimento. De acordo com sua análise, existem duas relações “anôma-
las” (333>332, 211>111), que desrespeitam as regras estabelecidas
por esse modelo.

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130 JOÃO QUEIROZ

(a) (b) (c)


Figura 4.17 – Sanders I observado do ponto de vista dos planos do objeto,
do signo e do interpretante.

É fácil observar a existência de subconjuntos especiais de cubos/


classes de cada um desses pontos de vista observando-se as cores
(vermelho, verde ou azul) das faces dos cubos que são paralelas a
cada plano: (a) ícones (à esquerda, em vermelho), índices (ao centro,
em verde) e símbolos (à direita, em azul) do ponto de vista do objeto;
(b) qualissignos (abaixo, em vermelho), sinsignos (ao centro, em ver-
de) e legissignos (acima, em azul), do ponto de vista do signo; (c)
remas (à esquerda, em vermelho), dicentes (ao centro, em verde) e
argumentos (à direita, em azul), do ponto de vista do interpretante.
Duas regras são usadas para representar as relações: relações de
instanciação são representadas pela substituição de classes que ins-
tanciam por classes, pelo aparecimento simultâneo das classes rela-
cionadas, e as classes que envolvem são representadas por cubos
maiores. Esse formalismo deve ser visto como “cubos maiores/
classes envolvem os menores”. De acordo com essas regras, se no
estado 1 temos a classe 333, no estado 2 teremos as classes 332 (por
instanciação: 333>332) e 331 (por envolvimento: 332>331) (ver story
board, Figura 4.18).

Cópia de Peirce Queiroz.p65 130 15/10/2004, 14:18


DEZ CLASSES DE SIGNOS 131

Figura 4.18 – Story board das possibilidades a serem exploradas


na fase de experimentação

Apresentei, acima, as etapas iniciais de desenvolvimento de um


projeto cujo objetivo é criar modelos visuais de um tópico específico
da gramática especulativa. Mais conseqüências dessa abordagem
devem ainda ser testadas após trabalhos sistemáticos com esses
modelos.

Diagramas triangulares

Deste ponto em diante, passo a tratar de dois diagramas dese-


nhados por Peirce para as dez classes, que chamarei de Syllabus e de
Welby. O primeiro aparece na quinta seção de um conjunto de esbo-
ços e foi usado como texto suplementar nas Lowell Lectures (“Sylla-
bus de certos tópicos de lógica”, 1903; EP2, 296; MS540, 17). O se-
gundo está em uma carta escrita para Lady Welby, de 28 de dezembro
de 1908 (EP2, 491). Mostramos (Farias e Queiroz, 2001; 2000b)

Cópia de Peirce Queiroz.p65 131 15/10/2004, 14:18


132 JOÃO QUEIROZ

mediante partir da análise de suas estruturas, os princípios de cons-


trução em que se baseiam. Com essa análise, propomos um modelo
para construção de diagramas n-tricotômicos de classes de signos.
Esse modelo permite relacionar diacronicamente as classificações síg-
nicas e pode ser considerado uma confirmaçao da tese de Savan (1986,
p. 125) sobre uma expansão gradativa do pensamento de Peirce no
domínio da semiótica.
Na citada carta para Lady Welby (28 de dezembro de 1908), Peirce
desenha o diagrama abaixo (Figura 4.19) e acrescenta o seguinte
comentário:

O número acima, e à esquerda, descreve o objeto do signo. O número


acima, e à direita, descreve seu interpretante. O número abaixo descreve
o signo ele mesmo.
1 significa Modalidade Possível, aquela de uma idéia;
2 significa Modalidade Real, aquela de uma ocorrência;
3 significa Modalidade Necessária, aquela de um hábito.

Figura 4.19 – Diagrama Welby (EP2, 491)

Para desenvolver nosso argumento, apresentamos uma versão


modificada desse diagrama (Figura 4.20), no qual são eliminados os
triângulos não ocupados por classes.

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 133

Figura 4.20 – Diagrama Welby na versão modificada

Se comparamos a Figura 4.19 com o diagrama desenhado ante-


riormente por Peirce, em 1903 (Figura 4.21), observamos as mesmas
dez classes, na mesma posição relativa, porém verticalmente inverti-
do. Esta consideração se baseia na notação que distingue as classes
de signos: as partes ocupadas no diagrama Welby apresentam as
classes de acordo com a notação adotada pelos especialistas (p. ex.:
Weiss e Burks, 1945, p. 386; Sanders, 1970, p. 7; Jappy, 1984, p. 1;
Merrell, 1991, p. 1; Deledalle, 1979, p. 82), também encontrada em
MS799, 4 (321 para legissigno indexical remático, 211 para sinsigno
icônico, etc.). A mesma notação deve ser usada para traduzir o con-
teúdo das partes do diagrama Syllabus (Figura 4.21)

Cópia de Peirce Queiroz.p65 133 15/10/2004, 14:18


134 JOÃO QUEIROZ

Figura 4.21 – Diagrama Syllabus (EP2, 296)

Figura 4.22 – Versão modificada do diagrama Syllabus

Há um problema aqui: a descrição das tricotomias, neste último


diagrama, está em desacordo com a descrição apresentada no dia-
grama Welby, já que “o número acima e à esquerda”, no diagrama
Syllabus modificado, não corresponde ao objeto do signo, como no
diagrama Welby, mas à natureza do signo (EP2, 291); o número abai-

Cópia de Peirce Queiroz.p65 134 15/10/2004, 14:18


DEZ CLASSES DE SIGNOS 135

xo, no diagrama Syllabus modificado, não descreve a natureza do


signo, mas a “relação do signo com seu objeto” (ibidem). Não há
problema no que diz respeito ao número “acima e a direita”, que,
conforme a nota no diagrama Welby, descreve “o interpretante do
signo”, enquanto na Figura 4.22 ele descreve o modo no qual “o in-
terpretante representa o signo” (ibidem).
A despeito do desacordo sobre a posição das tricotomias, obser-
vamos um padrão na localização das classes. Esse padrão pode ser
observado mesmo que não seja possível estabelecermos uma corres-
pondência exata entre as classes descritas pelos diagramas, de acor-
do com as categorias, e a ordem das tricotomias. Se a ordem das
tricotomias no diagrama Welby é O-I-S, enquanto no diagrama Sylla-
bus é S-O-I, as classes descritas por ambos podem não corresponder
às mesmas dez classes de signos, conforme sugestão de Houser (co-
municação pessoal). Nossa argumentação é de que as duas constru-
ções se baseiam nos mesmos princípios.

Coordenadas triangulares: uma lógica


para diagramas de classificações 3-tricotômicas

Para testar a idéia de que há uma lógica aplicada às construções


observadas, baseamos nossa abordagem em um método descrito por
Zellweger (1991). Tomamos as classes segundo as coordenadas
triangulares (a, b, c), onde a corresponde a quantidades de “um”,
b corresponde a quantidades de “dois” e c corresponde a quantida-
des de “três”, de acordo com um conjunto ordenado de números
(integers) que variam de 0 a 3. A soma de quantidade de “um, dois e
três”, que formam cada classe, será sempre a+b+c=3, uma vez que
trabalhamos com classes 3-tricotômicas.

Cópia de Peirce Queiroz.p65 135 15/10/2004, 14:18


136 JOÃO QUEIROZ

Figura 4.23 – Padrão de vértices construído com coordenadas triangulares

Nos cantos extremos do triângulo, estão localizados os triplets –


(0,0,3), (3,0,0) e (0,3,0) –, correspondentes às classes 333, 111, 222.
Entre este, nas bordas do triângulo, localizam-se aqueles correspon-
dentes às seqüências “intermediárias”, cada lado do triângulo toma-
do como um eixo, e cujos elementos variam de 0 a 3 com respeito aos
localizados nos cantos. Por exemplo: no lado ocupado, em seus limi-
tes, por (0,0,3) e (3,0,0), aparecem as seqüências (0,0,3), (1,0,2),
(2,0,1), (3,0,0). No centro do triângulo está localizado o triplet (1,1,1),
correspondente à classe 321 (Figura 4.23).
Se desenhamos triângulos em torno dos vértices, com base neste
padrão de dez vértices e por meio do formalismo descrito acima, ob-
temos um diagrama muito similar ao Welby (Figura 4.24).

Cópia de Peirce Queiroz.p65 136 15/10/2004, 14:18


DEZ CLASSES DE SIGNOS 137

Figura 4.24 – Diagrama Welby redesenhado de acordo


com as coordenadas triangulares

Se invertemos as correspondências (para quantidades de “um” e


“três”) de a e c nos triplets, tal que (0,0,3) corresponda a três “um”,
e (3,0,0) a três “três”, e construímos quadrados em vez de triângulos
em torno dos vértices, obtemos exatamente a posição das dez classes
conforme encontrado no diagrama Syllabus (comparar a Figura 4.21
com a 4.25).

Figura 4.25 – Diagrama Syllabus redesenhado de acordo


com as coordenadas triangulares

Cópia de Peirce Queiroz.p65 137 15/10/2004, 14:18


138 JOÃO QUEIROZ

Coordenadas triangulares
para classificações n-tricotômicas

A “lógica de construção” descrita pode ser generalizada, como


um método, para construção de qualquer classificação n-tricotômi-
ca. Aplicamos esse método às classificações 6-tricotômicas (EP2, 478-
481) e 10-tricotômicas (EP2, 483-490). Para desenhar um diagrama
para as 28 classes, distribuímos quantidades de 0 a 6 para cada ele-
mento do triplet (a, b, c), de modo que a soma desses elementos
(a+b+c) é seis. De acordo com o método descrito, temos, nos cantos:
(0,0,6), (0,6,0), (6,0,0). O eixo horizontal tem a seguinte distribui-
ção: (0,0,6), (1,0,5), (2,0,4), (3,0,3), (4,2,0), (5,0,1) (6,0,0). Usando
os mesmos procedimentos, obtemos 28 vértices (Figura 4.27).

Figura 4.26 – Padrão com 28 vértices construídos com 6-tricotômicas


coordenadas triangulares

Uma vez definido os 28 vértices, transformamos cada triplet em


uma sequência de “um”, “dois” e “três”. Assim, o triplet (1,2,3) –
o segundo vértice da esquerda para a direita, na terceira coluna, de
cima para baixo – é traduzido na classe 6-tricotômica 333221, en-
quanto o triplet (0,6,0) é traduzido na classe 222222 (ver Figura 4.27).

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 139

Figura 4.27 – Os 28 triplets traduzidos em 28 classes

Baseando-nos no mesmo procedimento, construímos coordena-


das triangulares para 66 (10-tricotômicas) classes de signos (ver
Figura 4.28).

Figura 4.28 – Diagrama para as 66 classes de signos construído com


coordenadas triangulares 10-tricotômicas

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140 JOÃO QUEIROZ

Discussão

Rescher (1996) opõe dois tipos de classificação: um constituído


de modo fixo e esquemático (substancialista), e outro que, traba-
lhando em um sistema estruturalmente finito, é capaz de exibir alta
complexidade funcional e operacional (processualista). Vimos como
é limitado o vocabulário que aparece nas classificações sígnicas, seus
“building blocks”, definidos quanto a relações. O que apresentei nes-
te capítulo é um ótimo exemplo daquilo que Rescher (p. 79) chama
de complexificação de ordem operacional com base em um sistema
cuja constituição é muito simples.
Sugerimos (Farias e Queiroz, 2001) uma regra capaz de multipli-
car, graficamente, a complexificação operacional da classificação
3-tricotômica. Esta regra permite “refazer” a estratégia usada por
Peirce na construção de seus dois diagramas para esta classificação:
um diagrama que posso chamar de “diagrama de relações periódi-
cas” e outro de “relações de afinidade” morfológicas baseado em “ta-
xas” de proximidade relativas entre suas partes. No primeiro caso,
as relações se distribuem de acordo com um padrão de intervalos
regulares. Descrevemos os princípios que estruturam seus “interva-
los periódicos”. Muito apropriadamente, “periódico” aqui tem o mes-
mo significado adotado na “tabela periódica” em química. Para Scer-
ri (1998, p. 78), “o termo periódico [na tabela periódica] reflete o fato
de que os elementos mostram padrão em suas propriedades quími-
cas em intervalos regulares”.
Os constituintes desses diagramas são formados segundo dois
princípios, cuidadosamente descritos por Peirce: (i) uma lista exaus-
tiva de relações exclusivas e hierárquicas; e (ii) uma ordem de distin-
ções tricotômicas, de acordo com as quais a relação S-O-I pode ser
analisada.
Há uma correspondência entre esses princípios? Assumindo-se
que este tópico nao é uma exceção ao tratamento sistemático confe-
rido por Peirce às suas matérias, a ordem de distinções tricotômicas
deve seguir, ao menos por aproximação, um princípio cuja justificati-
va deve ser encontrada em uma fase dedutiva de análise, em que

Cópia de Peirce Queiroz.p65 140 15/10/2004, 14:18


DEZ CLASSES DE SIGNOS 141

foram definidas as relações entre os membros de uma lista de rela-


ções, ou em uma fase indutiva, de acordo com a faneroscopia. Em
outras palavras, essa(s) fase(s) deve(m) explicar a ordem de determi-
nação entre as divisões tricotomicas.
Tal princípio é claro na divisão 3-tricotômica de dez classes: S
(primeiridade) > S-O (secundidade) > S-O-I (terceiridade). E não há
problema para produzir novas divisões tricotômicas com base nas
regras estabelecidas para dividir as relações triádicas, mas a questão
aqui é que a introdução de novas divisões a partir de 1903 não é
acompanhada de uma interpretação clara sobre o papel de cada nova
divisão. Uma leitura atenta de diversos manuscritos, especialmente
do Logical Notebook (MS339), acentua a impressão de um desenvol-
vimento ad hoc de tais construções.
Sobre os diversos modelos das dez classes, segundo muitos auto-
res, tenho alguns comentários a fazer. Minha opinião sobre o “esta-
do da arte” desses modelos é que eles foram e são desenvolvidos por
uma comunidade de pesquisas sem “vasos comunicantes”. Assim,
Merrell faz pouca menção aos desenvolvimentos de Marty, Jappy ou
Balat, que são seus predecessores. Este problema deve-se ao fato
(entre outras coisas) de que esses autores tiveram boa parte de suas
produções em publicações periféricas (p. ex.: Semiosis, Ars Semeiotica,
Cruzeiro Semiótico). Ao mesmo tempo, Liszka (1996, p. 132) e tam-
bém Hoffmann (2001) não mencionam Marty, Balat, Jappy ou Merre-
ll. Esta é uma questão séria. Os tratamentos dedicados a esse tópico
ignoram as contribuições feitas sobre ele. Os efeitos são óbvios:
repete-se a explicação de algo já compreendido (com menor precisão,
muitas vezes) e conserva-se em “banho-maria” problemas não solu-
cionados, muitos dos quais postulados e sistematizados há muitos
anos.
Para comparar as diversas abordagens, selecionei dois dos mais
representativos trabalhos sobre as classificações sígnicas: Balat e
Merrell. O primeiro tem seu interesse voltado para estruturas de pres-
suposição entre as classes de signos e pode ser especialmente valio-
so para filosofia da lógica (p. ex.: teoria da referência). Trata-se de
um trabalho “conservador” com relação às idéias originais de Peirce

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142 JOÃO QUEIROZ

sobre este tema. O segundo, inspirado em metáforas e modelos das


novas ciências da complexidade (auto-organização, caos, autopoié-
sis, etc.), sugere uma expansão do projeto de Peirce no âmbito da
teoria do signo, alinhando-a com as tendências mais recentes em
ciências cognitivas.
Segundo Merrell (1995, p. 135), as classificações não podem se
sujeitar a uma rigorosa estratificação hierárquica: “as dez classes de
signos de Peirce são construções de complexidade crescente. Mas não
existe hierarquia de distinções aqui, pois signos de menor complexi-
dade estão contidos em signos de maior complexidade”. Ainda de
acordo com Merrell,

mais do que uma simples série de classes sígnicas, existe, mais adequa-
damente, um continuum semiósico de onde uma miríade de variedades
de signos aparentemente discretos podem ser engendrados. (Ibidem,
p. 135)

No centro de suas discussões, estão conceitos como “cognição


situada e contextualizada”, representação como processo “incorpo-
rado, embebido, ativo”. Nesse contexto, a noção de representação
como uma “entidade cognitiva fundamental” é substituída por outra
considerada como um padrão espaço-temporal emergente, “evoluin-
do como um processo vivo” (Merrell, 1996, pp. 3-18). Para represen-
tar esse processo, Merrell (1995, p. 30) observa: “signos tornando-se
signos (...) isso é muito mais do que um labirinto bidimensional: e
também não é como um árvore, mas como um rizoma”.
Dentre os diversos problemas que observo nas abordagens com
diagramas sobre as classes, existe um que merece destaque especial:
há um descaso com relação ás diversas etapas de pesquisa que en-
volvem diagramas.
Com respeito à metodologia que esboçamos para sign design, deve-
se destacar que, se o modelo desenvolvido for suficientemente bom,
deveríamos ser capazes de postular e testar visualmente diversas
hipóteses a respeito dos processos ou das estruturas sígnicas especi-
ficadas em uma fase bem demarcada de conceitualização, com base
no que chamei de “coerções teóricas” (ver Capítulo 3). Esta fase deve
impor restrições às construções desenvolvidas na fase seguinte (ii).

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DEZ CLASSES DE SIGNOS 143

Uma boa estratégia de design na fase de experimentação (fase ii)


deve produzir, na próxima fase (iii), resultados mais interessantes.
Ao mesmo tempo, inconsistências encontradas na fase (iii), e avalia-
das na última fase (iv), deveriam levar a uma reconsideração das
premissas assumidas na fase (i), assim como das estratégias utiliza-
das na fase (ii). O que apresentei neste capítulo (e baseado nos capí-
tulos anteriores) é uma tentativa de combinar essas fases em um
programa estruturado de pesquisa.

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5
SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE*

Qual a “fisiologia dos signos de todos os tipos” (CP2, 83)? Redes-


creverei, baseado na semiótica de Peirce, um problema tradicional-
mente abordado por etólogos e neuroetólogos: quais são as modali-
dades de semiose observadas em comunicação animal, especialmente
em primatas não humanos, e quais são seus substratos neurais?
Esta redescrição deve permitir abordar, de uma nova perspectiva, uma
bateria de problemas em diversas disciplinas (psicologia evolutiva e
comparada, antropologia evolutiva, lingüística, arqueologia cogniti-
va, etc.): como funcionam, por que surgiram e para que servem sig-
nos e, particularmente, símbolos? Como a maturação filo e ontoge-
nética de processos simbólicos pode contribuir, em termos adaptativos,
para um aumento da performance do organismo em diversas dire-
ções? Como o aparecimento de certos tipos de artefatos pode estar
relacionado com o aparecimento de símbolos? Esta redescrição e aná-
lise devem, ao mesmo tempo, fornecer material para que se discuta
um dos tópicos que mais tem produzido controvérsias no ambiente
de especialistas sobre Peirce: relações de pressuposição e dependên-
cia entre as classes de signos.
Analisarei um caso de vocalização em macacos-verdes
(Cercopithecus aethiops, vervet monkeys). Meus objetivos são: (1)
prover uma classificação, no que se refere às classes fundamentais
de signos (ícones, índices, símbolos), de vocalizações interpretadas
como alarmes de predadores; (2) inferir um mínimo de requisitos
neurais responsáveis pela interpretação dessas classes; (3) sugerir
substratos neuroanatômicos capazes de satisfazer a estes requisitos;

*
O que apresento neste capítulo deve seu desenvolvimento à minha colaboração com
Sidarta Ribeiro e, mais recentemente, com Ivan de Araújo. Devo também mencionar,
pelas diversas críticas e comentários: Michael Shapiro, Claus Emmeche, Lauro Barbo-
sa e Michel Balat. Resultados parciais deste trabalho já foram publicados e apresenta-
dos em congressos (Queiroz e Ribeiro, 2002).

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146 JOÃO QUEIROZ

(4) idealizar um design experimental capaz de satisfazê-los e de re-


velar as diversas contribuições desses substratos para a interpreta-
ção dos signos entre macacos-verdes; (5) estender o escopo de análi-
se, com base em novas divisões tricotômicas e em noções de signo
genuíno e degenerado, ao mesmo estudo de caso.

Pressupostos e conseqüências metodológicas

Nossa escolha pela vocalização de primatas não humanos, de


macacos-verdes em particular, baseia-se em critérios metodológicos:
trata-se de um fenômeno largamente estudado em etologia.1 O inte-
resse crescente por estudos de vocalização em primatas não huma-
nos, nos últimos anos, tem razões óbvias e está assentado em sóli-
dos pressupostos. Se a vocalização humana é, em última instância,
produto de processos biológicos (Liberman, 1998; Pinker e Bloom,
1990; Bloom, 1999), e se presumimos que todo fenômeno biológico é
produto de evolução (Darwin, 1859), então a explicação para a emer-
gência de vocalização humana não pode evitar um estudo compara-
tivo, buscando-se as bases neurobiológicas desses processos em pri-
matas não humanos (Deacon, 1997; Tomaselo e Call, 1997; Hauser e
Fitch, 2003).
Vou sugerir, ao fim deste capítulo, que um procedimento similar
pode ser aplicado a diversos casos de comunicação animal, com re-
sultados análogos, apontando para um novo programa de pesquisa:
a neurosemiótica comparada. Os primeiros passos para a efetivação
desse programa já foram estabelecidos (Queiroz e Ribeiro, 2002),
envolvendo pesquisa de campo e de laboratório e conectando três
domínios de investigação: etologia, neuroetologia e semiótica.
Os experimentos (idealizados e previstos) baseiam-se em méto-
dos correntes de neuroetologia (p. ex.: experimentos baseados em

2
Sobre a evolução, a morfologia e o comportamento desses primatas, ver:
http://www.enviro.co.za/ethology;
http://www.enviro.co.za/vervet e
http://www.primate.wisc.edu/pin/factsheets/cercopithecus_aethiops.html.
(Sites acessados em set. de 2004.)

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 147

lesão) e nas teses subsidiárias de especialização e modularidade fun-


cional. Os pressupostos teóricos, por sua vez, divergem diametral-
mente das discussões correntes sobre linguagem em etologia; via de
regra, ou estão baseados em uma folk semiotics, e em uma noção
naïve de representação, ou estão construídos sobre as dicotomias
saussureanas: língua versus fala; significante versus significado;
arbitrariedade versus motivação. Vauclair (1995, p. 117) nos fornece
um bom exemplo:

Para avançarmos na comparação entre os sistemas de comunicação ani-


mal e a comunicação por símbolos, típico da linguagem humana, é útil
discutir, mesmo que sob forma esquemática, o aspecto de arbitrariedade
específico do signo linguístico. (1995, p. 117)

Como se pode prever, impomos um tratamento não dicotômico a


esta matéria, o qual, baseado no modelo de semiose de Peirce e uma
vez convincente, permite falar em “símbolo natural”, em ação como
significado e interpretação, em evento como instanciação de símbo-
los, além de permitir esquematizar logicamente os componentes ati-
vos em ato comunicativo e de mapear as relações de pressuposição e
de maturação ontogenética entre diversos processos sígnicos obser-
vados neste ato. Tal tratamento não deve ser considerado um sim-
ples ajuste terminológico, podendo implicar uma radical mudança
conceitual em etologia e neuroetologia.

Vocalizações como alarmes de predadores

Os macacos-verdes habitam as planícies do sub-Sahara africa-


no, vivem em grupos de dez a trinta animais, com clara ordem de
dominância, e ocupam uma área média de dez acres, área que defen-
dem agressivamente contra a invasão de outros grupos. Possuem
uma dieta baseada compostas de relvas, folhas, frutas e sementes, e
são vitimados por diversos tipos de predação (mamíferos terrestres,
aves de rapina, cobras), portanto, por diferentes estratégias de caça.
Esses primatas desenvolveram um sofisticado e bem documen-
tado repertório de vocalizações usado em interações sociais intra-

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148 JOÃO QUEIROZ

específicas, tais como confrontação e formação de alianças de di-


versos tipos (Cheney e Seyfarth, 1990; Hauser, 1996), e interespecí-
ficas (Estes, 1991), empregando-o também na indicação da presen-
ça de predação iminente (Strushaker, 1967). Estudos de campo
revelaram três tipos de alarmes usados para indicar a presença de:
(1) leopardos, (2) águias e (3) cobras (phitons) (Seyfarth et alii,
1980; Seyfarth e Cheney, 1992). O comportamento do grupo, subse-
qüentemente à produção do alarme, é um indicador de interpreta-
ção discriminada deste, uma metodologia que deriva dos trabalhos
de Smith (1977). Sabemos que uma vocalização é significativa quan-
do provoca um comportamento específico entre os membros do gru-
po. Se um alarme indicando presença de leopardo é produzido, os
macacos-verdes fogem para o topo das árvores mais próximas; o de
águia produz fuga para debaixo dos arbustros, e o de cobra produz
uma reação de escrutínio local sob a grama (Figura 5.1).

Figura 5.1 – Relações entre predadores e reações específicas de fuga

Cópia de Peirce Queiroz.p65 148 15/10/2004, 14:18


SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 149

Os adultos produzem as vocalizações em referência à presença de


predadores específicos, gerando reações também específicas em todo
o grupo. Macacos-verdes jovens e adolescentes, por sua vez, balbu-
ciam até um certo período, e essas vocalizações são indiscriminadas
para predadores e não predadores, recebendo pouca consideração dos
adultos (Seyfarth e Cheney, 1992, p. 128). A especificação progressi-
va de referencialização dos alarmes sugere que se trata de uma apren-
dizagem por experiência, embora fortes componentes inatos sejam
identificados. Evidências de um aumento muito significativo na es-
pecificação das fugas, relativamente aos “objetos designados”, são
uma indicação do amadurecimento dessa atividade com base em treino
e experiência.
A independência de contexto na utilização das vocalizações tem
sugerido diversas comparações com símbolos verbais (Seyfarth et
alii, 1980). Para Rendall,

(...) as vocalizações funcionam referencialmente de um modo análogo


às palavras da linguagem, em que o significado de um chamado deriva
de início das propriedades acústicas do sinal, que pode funcionar para
denotar objetos ou eventos externos ao emissor, independentemente de
pistas contextuais complementares. (Rendall et alii, 1999, p. 584)

Segundo Seyfarth e Cheney,

(...) as respostas provocadas pelas gravações de vários tipos de alarmes


argumentavam contra a idéia de que os chamados eram sinais de alerta
geral. Os sons pareciam carregar informações sobre a presença de tipos
específicos de perigo. Mais do que isso, havia evidências de que os
alarmes não refletiam simplesmente o nível de medo ou excitação do
emissor. (1992, p. 80)

Relações triádicas entre macacos-verdes

Se estão corretas as suposições sobre a natureza “semanticamente


orientada” das vocalizações, observamos um fenômeno descrito
(cf. Capítulo 3) como uma relação irredutivelmente triádica, que
caracteriza a semiose e que, aqui, são formados por: (i) o alarme

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150 JOÃO QUEIROZ

(signo); (ii) o predador (objeto); (iii) a imagem mental do predador


(interpretante), resultando em um comportamento de fuga. Por con-
veniência, chamarei o interpretante simplesmente de “fuga”. A pri-
meira questão é: como estão relacionados esses elementos? Vimos
como o interpretante se relaciona com seu objeto através de um sig-
no que ele interpreta. Recapitulando,

[o signo] é determinado pelo objeto relativamente ao interpretante, e


determina o interpretante em referência ao objeto, de tal modo que pro-
duza o interpretante a ser determinado pelo objeto através da mediação
do signo. (MS318, 81)

Se o predador está em uma relação triádica com o alarme, produz


um terceiro elemento, fuga, que está para o predador através do alar-
me. Segundo essa descrição, o alarme deve ser determinado pelo pre-
dador relativamente à fuga e deve determinar a fuga em referência
ao predador, de tal modo que produza a fuga a ser determinada pelo
predador através da mediação do alarme.
Pode-se decompor esta relação em relações mais simples? É
possível observar resposta de fuga relativamente à produção do
alarme sem (prescindindo de) o leopardo? Em breve voltarei a estas
questões.
Vimos, porém, que o modelo de semiose não especifica a nature-
za dos participantes do processo, nem a natureza das relações entre
estes (termos da relação). Portanto, as questões seguintes devem ser:
Como estão relacionados, para um macaco-verde intérprete, o preda-
dor e o alarme? E qual é, de acordo com as categorias, a natureza
desses componentes? Idealizamos um protocolo para responder a es-
tas questões, baseando-nos especialmente nos experimentos de campo
conduzidos por Seyfarth e Cheney (1992).

Classificação dos alarmes conforme a primeira divisão tricotômica

Nos experimentos de Seyfarth e Cheney (1992), a partir de 1977,


ao sul do Kênia, vocalizações de alarmes para predadores específicos
foram gerados em gravadores para grupos de macacos-verdes selva-

Cópia de Peirce Queiroz.p65 150 15/10/2004, 14:18


SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 151

gens, e seus comportamentos foram cuidadosamente monitorados.


Os membros do grupo reagiram com especificidades, conforme o tipo
de vocalização produzido.
Para nossos propósitos, selecionamos o comportamento de um
macaco-verde ouvinte-intérprete maduro, isto é, familiarizado com o
repertório de vocalizações. Considerem-se dois estímulos disponíveis:
a visão de um predador e um alarme (tocado em um gravador). As
respostas neurais relativas às propriedades físicas da imagem do
predador e às do alarme correspondente são representações icônicas
de seus objetos. Eles são processados como duas modalidades inde-
pendentes (visual e auditiva) em um domínio representacional que
chamamos de DR1 (ver Figura 5.7).
Há uma extensa literatura sobre padrões de atividades isomorfas
na interação mundo/sistema perceptivo (Zaretsky e Konishi, 1976;
Ribeiro et alii, 1998; Tootell et alii, 1988). Tootell (ibidem) mostrou
que um macaco, ao observar determinados padrões, tem camadas de
seu córtex visual inicial (camada C) organizado analogamente à to-
pografia desses padrões. Com respeito a determinadas propriedades
(distribuição topográfica de um padrão de atividade no córtex visual
inicial), o predador é similar ao efeito que produz, podendo ser consi-
derado um ícone dele. Damásio desenvolve jocosamente essa idéia,
imaginando uma experiência em que se pudesse investigar padrões
de atividades do córtex visual de um indivíduo no momento em que
ele vê sua tia Maria:

Se fôssemos inspecionar os padrões de atividades que ocorrem nos cór-


tices visuais iniciais desta pessoa no intervalo de aproximadamente uma
centena de milissegundos após as zonas de convergência para o rosto
de tia Maria terem disparado, seríamos provavelmente capazes de ver
padrões de atividades que tinham alguma relação com a geografia da-
quele rosto. (1994, p. 130)

Presumimos, de volta à nossa questão, que a visão do predador


deve ser suficiente para gerar uma resposta de fuga através do siste-
ma motor. Mas qual é a relação entre as propriedades físicas (p. ex.:
amplitude e freqüência) da vocalização e o leopardo? Não é possível

Cópia de Peirce Queiroz.p65 151 15/10/2004, 14:18


152 JOÃO QUEIROZ

observar nenhuma propriedade do “objeto” (p. ex.: leopardo) na vo-


calização, uma associação que acabamos de estabelecer entre o pre-
dador e o processamento visual de sua presença.
Na ausência de propriedades capazes de produzir analogias entre
a vocalização e o objeto, esta deve simplesmente aumentar o “foco
de atenção” do ouvinte-intérprete para qualquer evento coincidente
de interesse. Esse comportamento, essencial em nossa análise, re-
sulta em um escaneamento sensório do ambiente em direção à fonte
do som e seu entorno. Como um índice, a vocalização “exerce uma
força fisiológica real sobre a atenção (...), direcionando os sentidos
para um objeto particular” (CP8, 39). Ele depende de uma fase icôni-
ca de processamento, em dois níveis: (i) alarme => processamento
auditivo; alarme => correlação com a imagem do predador.
Esta é uma primeira descrição das relações que podem ser forma-
das por um macaco-verde intérprete: (i) a relação entre o alarme (ou-
vido) e o predador (visto), no mundo, e seus respectivos processa-
mentos; (ii) a relação entre o processamento auditivo do alarme e a
visão do predador, no organismo; e (iii) as respostas comportamen-
tais resultantes desta relação.
O que pode acontecer com um macaco-verde após ouvir um alar-
me de predador? Vou supor, para efeito de análise, como já afirmei,
que consideramos um “intérprete” maduro de vocalizações e que uma
vocalização está sempre relacionada a um predador existente, o que
equivale a afirmar que não existe alarme falso. Uma combinação
entre “audição do alarme” (AA), “escaneamento sensório” (ES) e “com-
portamento de fuga” (CF) fornece as seguintes alternativas:

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 153

Quadro 5.1 – Possíveis associações entre “audição do alarme” (AA),


“escaneamento sensório” (ES), “comportamento de fuga” (CF),
avaliação e tipo de signo envolvido

AA ES CF Avaliação Semiose
1 sim sim permanece falso –
2 sim sim foge verdadeiro ícone & índice
3 não sim permanece falso –
4 não sim foge verdadeiro Ícone
5 sim não permanece falso –
6 sim não foge verdadeiro? índice? / símbolo?
7 não não permanece verdadeiro nenhuma interpretação
8 não não foge falso nenhuma interpretação

Vou desconsiderar as situações 1, 3, 5, 7 e 8. Elas descrevem: (1)


audição de um alarme seguido de escaneamento visual, sem gerar
comportamento de fuga; (3) nenhuma audição, seguida de escanea-
mento, sem gerar comportamento de fuga; (5) audição de um alar-
me, não seguida de escaneamento, sem gerar comportamento de fuga;
(7) nenhuma audição, não seguida de escaneamento, sem gerar com-
portamento de fuga; (8) nenhuma audição, não seguida de escanea-
mento, gerando comportamento de fuga.
A audição de um alarme seguida de um escaneamento em que
nada de interesse é encontrado (situação 1), e que mantém o intér-
prete onde está, é uma vocalização interpretada como um índice de-
generado de suas próprias qualidades (CP2, 283); vou desconsiderá-
la porque assumi que não há alarme falso. A audição de um alarme
que não é seguida de escaneamento (situação 5) não satisfaz à pre-
missa que observamos em intérpretes maduros de vocalizações. Nas
situações 3, 7 e 8, nenhuma vocalização é interpretada.
Outros signos poderiam ser incorporados a essa análise. Se di-
versos membros do grupo são observados em um comportamento
específico, o intérprete pode ser impelido a ter o mesmo comporta-
mento. Nesse caso, o alarme do predador, bem como sua presença,
ou um comportamento orientado do grupo (p. ex.: fuga para as árvo-
res) são interpretados como índices do predador, em direta correla-
ção espaço-temporal com ele.

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154 JOÃO QUEIROZ

As situações 2, 4, e especialmente a 6, estão entre aquelas que


mais interessam. Na situação 2, um macaco-verde ouve e observa
um predador, fugindo imediatamente: semiose icônica/indexical.
Em 4, ele não ouve, mas avista um predador, fugindo imediatamen-
te: semiose icônica. Em 6, ele ouve, mas não avista um predador, e
ainda assim apresenta comportamento específico de fuga – (não há
nenhuma indicação, em todos os artigos consultados, de que a situ-
ação 6 não tenha sido observada).

Um possível limiar simbólico

Devemos supor que, ao menos na situação 6, o alarme está em


uma relação previamente estabelecida com o predador que ele repre-
senta, tenha sido esta relação aprendida ou seja geneticamente de-
terminada. Nesta situação, o alarme é capaz de produzir comporta-
mento de fuga sem escaneamento sensório. Qual a natureza de uma
relação triádica capaz de satisfazer a esta descrição?
Segundo Peirce, “um símbolo não pode indicar nenhuma coisa
particular; ele denota um tipo de coisa” (CP2, 301). Por sua vez, um
índice é um signo correlacionado espaço-temporalmente com seu
objeto, de modo que devem existir, como fatos ou eventos, signo e
objeto: “um índice é um signo que se refere ao objeto que ele denota
em virtude de ser realmente afetado por este objeto” (CP2, 248).
Se o alarme é capaz de operar prescindindo de escaneamento,
pode-se concluir que ele é signo de uma classe ou conjunto de obje-
tos? Resta saber se podemos afirmar que um alarme, cuja interpreta-
ção produz uma reação que não depende de correlação espaço-tem-
poral com um objeto existente, é um símbolo, ou mais precisamente
a instanciação, ou a réplica de um símbolo.
O símbolo é um signo conectado com o objeto graças à mente-
que-usa-o-símbolo, sem a qual tal conexão não existiria (CP2, 299;
CP2, 304); é um signo que está relacionado com seu objeto em virtu-
de de uma lei, “usualmente uma associação de idéias gerais” (CP2,
249). Quando o símbolo se coloca operativamente em uma relação
sígnica com algum objeto, ele o faz através de outro signo, seu inter-

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 155

pretante. Isto é, se a relação signo–objeto não pode prescindir de um


interpretante, então esta relação é mediada por uma lei, que Peirce
define como “uma regularidade do futuro indefinido” (CP2, 293), e
que consiste em “uma ocorrência condicional futura de fatos” (CP4,
464). São “gerais”, neste caso, os termos da relação. Se o alarme é
signo de um conjunto de predador, então a relação com seu objeto
deve ser mediada por uma lei. Ele evoca uma representação neural,
de qualquer modalidade, que está para uma classe de objetos através
de ícones associados aos objetos.
Rapidamente pensamos na idéia de “convenção”. Trata-se de algo
exemplar, embora seja, ligada à noção de arbitrariedade lingüística,
lugar-comum entre etólogos, psicólogos e lingüistas, uma delimita-
ção à qual Peirce não restringiu este conceito. As noções de “hábito”,
que são “regras gerais às quais um organismo se submete” (CP3,
360; ver também 1, 369), e de “disposição natural” (CP4, 531), são
mais adequadas neste contexto. Para Peirce, um símbolo é:

(...) um signo que é constituído meramente, ou principalmente, pelo fato


de que é usado ou entendido como tal, seja natural, seja convencional o
hábito, e sem observar os motivos que originalmente governaram sua
seleção. (CP2, 307)

Sidarta Ribeiro (comunicação pessoal) sugere que

existem no cérebro topologias preferenciais (probabilísticas) para a pro-


pagação de futura atividade elétrica, isto é, trajetórias latentes de ativi-
dade que creio podermos chamar de hábitos (no sentido peirceano).

Podemos voltar à definição inicial de signo e semiose, assim como


às implicações que a noção de símbolo pode ter quando associadas à
“disposição natural ou hábito”. Para Peirce,

(...) aquilo que é comunicado do objeto, através do signo, para o inter-


pretante é uma Forma, o que equivale a dizer: não é nada como um
existente, mas é um poder, é o fato de que alguma coisa aconteceria sob
certas condições. (MS793, 1-3)

Pode-se afirmar que aquilo que é comunicado pela presença do


leopardo através do alarme, para um intérprete, é o fato de que algu-

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156 JOÃO QUEIROZ

ma coisa deveria acontecer sob certas condições. Mas como é comu-


nicado? Se a forma incorporada no alarme é uma “preferência proba-
bilística” responsável pela resposta de fuga, manifestado como um
display em resposta ao alarme, então o que é comunicado no alarme,
originando-se do objeto, é uma lei, natural e/ou convencional, isto é,
aprendida filo e/ou ontogeneticamente, e é um símbolo do leopardo.
Que comportamento se espera de seu usuário? Na versão psi-
cossociológica de Knight (1998, p. 72) sobre signos convencionais,
um componente de “confiança” assegura aos seus usuários eficá-
cia na comunicação baseada em símbolos – “signos convencionais
dependem de confiança”. Parece razoável traduzir “confiança” por
uma reação que não requer “confirmação” adicional dos sentidos.
Se estamos na direção correta, e se há um limiar para um nível
simbólico, ele pode estar na passagem do objeto (do signo), que é
um evento, para um objeto, que é um geral, e não precisa estar
presente como um objeto externo. O “efeito colateral” é um macaco-
verde que não precisa escanear visualmente o ambiente para fugir
(Figuras 5.2 e 5.3).

Relações hierárquicas entre as classes

Vimos (Capítulo 3) as relações de pressuposição entre as classes,


que dividimos em relações de “instanciação e envolvimento”: símbo-
los devem instanciar índices, que envolvem ícones. Segundo Peirce,

(...) um símbolo é um signo pronto para declarar que um conjunto de


objetos, que é denotado por não importa que conjunto de índices, possa
estar, de certas maneiras, conectados com ele, e é representado por um
ícone associado a ele. (CP2, 295)

Estou interessado, porém, em considerar esta questão de um ponto


de vista experimental. Para Deacon (1997), o primeiro a levar a cabo
esse tipo de consideração, a chave para se entender uma “semiose
indexical” está na noção de “aprendizagem associativa” entre rela-
ções icônicas. Uma correlação repetida de estímulos visuais e auditi-
vos forma a base de um tipo de aprendizagem que gera a competên-

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 157

(1) visão do predador; (2) vocalização; (3) confirmação sensória; (4) fuga

Figura 5.2 – Semiose indexical

(1) visão do predador; (2) vocalização; (3) fuga

Figura 5.3 – Semiose simbólica

cia, que permite por sua vez interpretar uma vocalização como signo
indexical de um predador. Segundo o autor (ibidem, p. 77), “a compe-
tência indexical é construída por conjuntos de relações entre ícones”
(ibidem), que são a “base sobre a qual todas as formas de represen-
tação são construídas” (ibidem).
A hierarquia aqui é clara: relações indexicais pressupõem diver-
sas relações icônicas. Mas algumas condições devem ser satisfeitas.
Em primeiro lugar, um evento deve ser considerado um ícone de even-
tos similares, isto é, as propriedades acústicas da vocalização devem

Cópia de Peirce Queiroz.p65 157 15/10/2004, 14:47


158 JOÃO QUEIROZ

ser interpretadas, por analogia, como instâncias de um padrão, tan-


to quanto um predador observado deve ser interpretado como simi-
lar a outro predador: “instâncias desta[s] ocorrência[s] devem se cor-
relacionar com estímulos adicionais no espaço-tempo” (Deacon, 1997,
p. 99), e, por fim, “correlações passadas devem ser interpretadas como
icônicas” (ibidem).
Deacon ilustra esse processo através de dois casos (diagramas –
ver Figura 5.4). No primeiro,

(...) a probabilidade de interpretar alguma coisa como icônica de alguma


outra coisa é representada por uma série de domínios concêntricos de
similaridades decrescentes e pelo potencial icônico decrescente entre
objetos. (Ibidem)

No segundo diagrama, as correlações espaço-temporais (setas


verticais) são associadas entre domínios concêntricos de similarida-
de entre eventos pertencentes a esses domínios.

Figura 5.4 – Relações de proximidade entre o signo e seus objetos;


relações entre domínios concêntricos de similaridade

Se, para Deacon (ibidem, p. 83), “aprendizagem é uma função da


probabilidade de correlações entre coisas, de um nível sináptico a
um nível comportamental”, o que determina uma “referência simbó-

Cópia de Peirce Queiroz.p65 158 15/10/2004, 14:43


SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 159

lica” não é uma probabilidade de co-ocorrência, mas, ainda mais do


que isso, uma complexa função de relação que o símbolo estabelece
com outros símbolos. A aprendizagem de símbolos envolve a apren-
dizagem de inter-relações, em um sistema de regras, de nódulos de
uma “matrix símbolo-simbólica”, capaz de produzir “padrões combi-
natoriais potenciais” de referência (ibidem, p. 93), sua principal pro-
priedade de generatividade. O símbolo decorre de uma aprendizagem
de interdependência dos elementos de um sistema construído sobre
a aprendizagem associativa que gerou a competência indexical (cor-
relação espaço-temporal S-O) em um nível inferior.
Relações simbólicas dependem de numerosas relações entre índi-
ces. O problema, então, é determinar quando esta competência, de-
corrente de uma aprendizagem de interdependência dos elementos
de um sistema “construído sobre” a aprendizagem associativa que
gerou a competência indexical, começa a ser observada.
Esta pergunta depende, porém, do escopo de aplicação das clas-
ses. Concordo, em termos gerais, com a análise de Deacon, que tem
em mente o que chamamos de símbolo genuíno, e cuja explicação é
especialmente útil para entendermos a afirmação de Peirce: “símbo-
los crescem” (CP2, 302). Embora eu ache precisa sua abordagem do
índice (competência indexical) como dependente de aprendizagem
associativa, parece-me problemático tratar correlações passadas que
tendem a ser preditivas de futuras correlações, um processo que en-
volve generalização, como parte desta competência, como ele diver-
sas vezes sugere. A questão é que “nem ícones nem índices possuem
generalidade” (CP1, 372). A projecão icônica de um estímulo, quando
apresentado, em outro estímulo – uma operação de predição de suas
possíveis variações – constitui, para Deacon, um exemplo do que ele
chama de competência indexical. Neste caso, a generalização de
estímulos pode explicar a reação de fuga sem escaneameto nos ma-
cacos-verdes (1997, p. 81). Como afirmei, esta questão envolve os
limites de aplicação dessas classes, conforme suas definições. Irei
examinar suas correspondências com substratos neurais específicos.

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160 JOÃO QUEIROZ

Substratos neuroanatômicos
das relações hierárquicas entre as classes

Quais são os candidatos neuroanatômicos associados à interpre-


tação dessas classes? Um limiar simbólico deve pressupor níveis in-
feriores de semiose (icônicos e indexicais) em um domínio mais alto,
DR2 (Figura 5.7), capaz de gerar respostas de fuga através do siste-
ma motor. Isso nos leva ao seguinte esquema:

RD1
RD1
Telencéfalo?
Telencéfalo?
Diencéfalo?
Diencéfalo
c Mesencéfalo?
Mesencéfalo?
é
r
e
b RD2
r Telencéfalo?
Telencéfalo?
polimodal Córtices associativos?
Córtices associativos?
o Hipocampo?
Hipocampo?
Am ídalala?
Amídala?

auditivo visual
RD1
RD1
Mesencéfalo?
Mesencéfalo?
Diencéfalo?
Diencéfalo

comportamento alarme predador


(permanência, (A, B, C) (a, b, c)
fuga, alarme)

Mundo

Figura 5.5 – Diagrama das interações envolvidas


na interpretação dos signos.

Conforme a Figura 5.5, estímulos sensórios apresentados (mundo)


são iconicamente representados no cérebro em um domínio de pri-
meira ordem, DR1, de acordo com modalidades específicas (visual e

Cópia de Peirce Queiroz.p65 160 15/10/2004, 14:43


SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 161

auditiva). Enquanto a visão de um predador em DR1 é suficiente


para provocar uma resposta de fuga através do sistema motor, a re-
presentação de um alarme em DR1 não evoca diretamente o preda-
dor e é insuficiente para produzir a mesma resposta. Apresentados
juntos, o alarme é correlacionado, em DR1, como índice do predador,
e segue-se uma resposta de fuga. A existência de um metadomínio
(“higher-order domain”), DR2, que associa modalidades sensórias,
permite ao cérebro interpretar um alarme apresentado como um sím-
bolo de seu objeto, produzindo uma resposta de fuga através do sis-
tema motor.
Em termos esquemáticos (ver Kandel, Schwartz e Jessell, 1999),
inputs sensórios são traduzidos por receptores periféricos, processa-
dos e analisados por circuitos aferentes primários dedicados a moda-
lidades sensórias específicas. No caso da audição de uma vocaliza-
ção, o processamento tem início na cóclea, que transforma energia
sonora em sinais elétricos. Aproximadamente, dezesseis mil células
ciliares em cada cóclea são inervadas por cerca de trinta mil fibras
nervosas aferentes, que levam as informações ao cérebro através do
oitavo par craniano. Os axônios do componente coclear desse oitavo
par craniano terminam no complexo nuclear coclear, que está locali-
zado na junção medulopontina, medialmente ao pedúnculo cerebelar
inferior. A informação flui de modo ascendente, indo dos núcleos
cocleares para o tronco cerebral por uma série de núcleos relês rica-
mente interconectados. Os axônios de diversos tipos celulares pre-
sentes nos núcleos cocleares se projetam para diversos outros núcle-
os em níveis mais rostrais do tronco cerebral, até que alcançam o
colículo inferior, de onde enviam seus axônios para o corpo genicula-
do medial do tálamo (região diencefálica). As células no geniculado
medial projetam axônios para o córtex auditivo primário no giro tem-
poral superior. As regiões auditivas do córtex cerebral analisam as
informações e decompõem padrões sonoros mais complexos. Através
de vias paralelas de processamento auditivo, que se projetam para
áreas corticais associativas, o cérebro processa diferentes aspectos
do som.

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162 JOÃO QUEIROZ

De acordo com as hipóteses postuladas na Figura 5.7, as áreas


DR1 e DR2 devem ter distintos substratos neurais. As hipotéticas
regiões de DR1 são constituídas por vias sensórias unimodais,
que alcançam o mesencéfalo, o diencéfalo e as áreas neocorticais;
regiões candidatas a DR2 podem ser localizadas em áreas associati-
vas no neocórtex frontal, temporal e parietal. Essas áreas estão rela-
cionadas com a integração de inputs sensórios polimodais e com o
planejamento de atividade motora.
A identificação de possíveis substratos neuroanatômicos para DR1
e DR2 permite-nos idealizar um experimento baseado em lesões sele-
tivas de diversas estruturas (ver legenda do Quadro 5.2). As predi-
ções sao mapeadas no Quadro 5.2. O experimento idealizado consis-
te na apresentação de um alarme e/ou um estímulo visual para um
macaco-verde seletivamente lesado, e suas respostas comportamen-
tais são monitoradas de tal modo que podemos classificar a interpre-
tação em cada instância. DR1 e DR2 são termos genéricos para domí-
nios cerebrais relativos a níveis básicos (first-order), icônicos e
indexicais, e a metadomínios (second-order), simbólicos. A identifi-
cação de áreas específicas pertencentes a DR1 e DR2 é uma questão
empírico-teórica confirmada por lesões neuroanatômicas específicas
e por análise comportamental descrita no referido quadro.

Quadro 5.2 – Experimento baseado na associação entre lesão seletiva,


resposta comportamental e interpretação sígnica

Lesão Estímulo Estímulo Escaneamento Comportamento Interpretação


neuroanatômica visual auditivo pós-estímulo
DR2 sim não não fuga ícone do predador
não sim sim não fuga índice (Call Index)
sim sim sim fuga índice do predador
DR1/Visual sim não não não fuga nenhuma
interpretação
não sim sim fuga símbolo do predador
sim sim sim fuga símbolo do predador
DR1/Auditivo sim não não fuga ícone do predador
não sim não não fuga nenhuma
interpretação
sim sim não fuga ícone do predador
DR2 & sim não não não fuga nenhuma
DR1/Visual interpretação
não sim sim não fuga índice (Call Index)
sim sim sim não fuga índice (Call Index)
DR2 & sim não não fuga ícone do predador
DR1/Auditivo

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 163

A questão que merece tratamento mais cuidadoso trata do envol-


vimento de estruturas que pertencem a DR2 em operações típicas de
DR1 (p. ex.: indexicais) e das implicações desse envolvimento para
se entender como a competência indexical é, hipoteticamente, capaz
de generalização (cf. Deacon, 1997, na seção anterior).
Tenho discutido esta questão com Sidarta Ribeiro e com Ivan de
Araújo, e ela pode ser assim resumida: há evidências de que a região
hipocampal, localizada no sistema límbico, é o substrato neural do
que se conhece como “memória episódica”. O hipocampo recebe pro-
jeções de várias áreas corticais, na forma de inputs polimodais (au-
ditivos, olfativos, visuais, etc.), e uma de suas sub-regiões, o CA3,
devido à sua arquitetura, integra esses inputs na formação de
memórias episódicas. Ele opera indexicalmente em DR2 – os alarmes
são interpretados mediante associações polimodais. A reconstrução
de um padrão, aprendido por correlação repetida de estímulos, é pos-
sível pela apresentação parcial de um estímulo (p. ex.: a presença
iminente do predador pela apresentação de co-específicos em fuga).
As células de CA3, que recebem inputs sensoriais polimodais, interli-
gam esses inputs através de sequências espaço-temporais específi-
cas de cada modalidade. Assim,

(...) se um ruído [vocalização] é seguido pela visualização de um objeto


[predador], em um certo evento, células que respondem ao ruído terão
reforçadas as ligações com as células que respondem à visualização do
objeto. Assim, temos no hipocampo uma estrutura que representa asso-
ciações polimodais, mas de tal forma que esta representação é determi-
nada por seqüências espaço-temporais. (Araújo, comunicação pessoal)

O problema criado com esta linha de argumentação é que “índi-


ces gerais” podem ser produzidos em DR1. Irei, nas próximas seções,
explorar as conseqüências deste argumento no que se refere a com-
petências semióticas “misturadas” – simbólico-indexicais.

Cópia de Peirce Queiroz.p65 163 15/10/2004, 14:18


164 JOÃO QUEIROZ

Revisão dos principais argumentos


e novos complicadores analíticos

Antes de avançar, sumarizarei os principais pontos que apresen-


tei até aqui. Analisamos os processos de interpretação de alarmes
em macacos-verdes, de acordo com a primeira divisão tricotômica de
Peirce: ícone, índice e símbolo. Identificamos, em seguida, os diver-
sos candidatos neuroanatômicos desses processos. Postulamos a exis-
tência de ao menos dois domínios neurorrepresentacionais dedica-
dos à interpretação de signos icônicos, indexicais e simbólicos.
Propusemos um experimento baseado em lesão cerebral, que deve
ser capaz de mapear as relações de pressuposição entre as classes.
Sugerimos que uma resposta comportamental pode servir para iden-
tificar a formação de símbolos em primatas não humanos: a passa-
gem de um comportamento que produz escaneamento sensório, em
seqüência à audição de um alarme, para um outro que produz fuga
imediata, também após ouvi-lo, corresponde à passagem de uma se-
miose reativa espaço-temporalmente (indexical) para uma semiose
simbólica.
Macacos-verdes desenvolveram um sofisticado repertório de vo-
calizações para indicar predação de diversos tipos. São três os tipos
de vocalização documentados: para leopardos, cobras e águias. Cada
um desses tipos produz uma resposta comportamental específica.
As questões que abordamos até aqui foram: (i) qual a relação
entre as vocalizações e seus predadores; (ii) que estruturas neurais
específicas devem ser consideradas os substratos dessas relações.
Se a relação entre o predador e o alarme de sua presença for
icônica, isto é, se o alarme for signo do predador em virtude de uma
qualidade que compartilham, então ele é um signo por similaridade
do predador; ambos constituem, por semelhança, uma identidade
em algum aspecto. Mas não é o que observamos. A estrutura das
vocalizações, isto é, suas propriedades acústicas (amplitude, altu-
ra, etc.), não parecem análogas ao predador, de qualquer modo.
Essas condições, por sua vez, são satisfeitas pelas relações entre a
presença do predador e seu processamento visual, de um lado, e o

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 165

alarme e seu processamento auditivo, de outro. Mas se o alarme é


um signo do predador em virtude de uma correlação espaço-tempo-
ral com este, então ele é um índice do predador. Neste caso, ele é
realmente afetado pelo predador, de modo que ambos devem existir
como fatos ou eventos. As descrições sugerem que algo assim acon-
tece: uma correlação alarme–predador é aprendida por associação,
como um episódio.
Uma contigüidade de dois eventos espaço-temporalmente coinci-
dentes indica um nível indexical de relações. Especulamos sobre os
substratos neuroanatômicos dessas relações. Cheney e Seyfarth
(1990), e outros, não têm dúvidas ao afirmar que tais relações são
“semanticamente orientadas” e dependem de maturação ontogenéti-
ca no convívio do grupo. Não há discussão sobre este ponto (embora
esses autores tenham baseado suas conclusões em pressupostos muito
distintos daqueles que propomos). Sugerimos, porém, a possibilida-
de de um salto para um nível mais “alto” de semiose, em que o objeto
do signo deve ser uma classe de objetos e, portanto, não precisa exis-
tir como um fato. Tal relação só pode funcionar se uma mente inter-
pretadora é capaz de associar objetos com um padrão acústico espe-
cífico, sugerindo sua dependência de uma fase indexical de
aprendizagem. Se as relações de dependência (icônico > indexical >
simbólico) estiverem corretas, qualquer problema com os correlatos
da fase indexical deve comprometer a performance simbólica, e a
recíproca não deve ser verdadeira.
Idealizamos um experimento para testar: (i) possíveis substratos
associados à interpretação de signos icônicos, indexicais e simbó-
licos; (ii) a organização desses substratos de acordo com as relações
de pressuposição previstas pelo modelo de Peirce.

Proto-símbolos? Símbolos rudimentares?

Deste ponto em diante, complicarei a análise de acordo com ou-


tras divisões de signos. Tratei o limiar índice/símbolo como a passa-
gem do objeto (referente do signo) de um particular para uma classe
geral de objetos. Esta análise deve estar correta. Mas é duvidoso se

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166 JOÃO QUEIROZ

lidamos com símbolos genuínos, aqueles “que têm significado geral”


(CP2, 293), seu interpretante e seu objeto sendo da mesma natureza
(ibidem). Pode-se especular que, se fosse assim, eles seriam usados
em situações livres de contextos, em simulações de estados muito
hipotéticos de eventos. A questão é que, aparentemente, eles são sem-
pre dependentes de perigo imediato, mas, ainda assim, em nossa
análise, são tratados como símbolos. As noções de “protossímbolo”,
ou “quase-símbolo”, seriam úteis, não fosse o fato de Peirce ter de-
senvolvido tipologias para descrever formas “rudimentares” que de-
rivam de novas divisões tricotômicas.
Peirce diz que

(...) existem dois tipos de símbolos degenerados, o símbolo singular,


cujo objeto é um existente individual e que significa somente as caracte-
rísticas que o individual pode realizar, e o símbolo abstrato, cujo único
objeto é um caráter. (CP2, 293)

A primeira divisão parece satisfazer precisamente à nossa análi-


se. O alarme é interpretado como signo de uma classe de objetos que
existe; é um símbolo interpretado como um índice, ou um símbolo
dicente. Isto é, o objeto do signo é um geral interpretado como um
existente.
Diversos autores, inclusive Deacon (1997), desconsideraram as
divisões analíticas introduzidas por Peirce em Harward Lectures (Ca-
pítulo 4). Este também é o caso de Noble e Davidson (1996, p. 8):
“Nosso critério para comunicação baseada em símbolos é ‘tudo-ou-
nada’; temos dificuldade com noções como ‘protolinguagem’, ‘lin-
guagem rudimentar’ ou ‘linguagem como nós a concebemos’”.
A questão aqui é que podemos ser levados a concluir que uma
competência para manipulação de diversos tipos de signos observa-
dos em primatas não humanos, em macacos-verdes em particular,
pode não ser delimitada pelo uso das classes, a saber, ícone, índice,
símbolo. Neste caso, o que se pode fazer é recorrer a baterias mais
finas de análise para descrever: (i) a natureza dos signos que operam
na semiose; (ii) a natureza de suas relações com seus objetos (cf.
vimos); (iii) a natureza da mediação dos interpretantes. Em seguida,
pode-se combinar o resultado dessas análises (cf. Capítulo 4).

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 167

Algumas distinções sobre as vocalizações –


legissignos e sinsignos, signos genuínos e degenerados

Em primeiro lugar, tanto o ato de produção do alarme (tais como


a asserção de uma proposição: “Existe leopardo!”) quanto sua per-
cepção e seu processamento são particulares. A questão é se o alar-
me é, ou não, interpretado como a instanciação de um símbolo, pois
devem existir índices que não são réplicas de símbolos. Usamos de-
signadores em nossa comunicação durante todo o tempo, mas eles
são claramente instanciações de Types; um pronome demonstrativo
asserido em uma página pode funcionar como um índice de um obje-
to que não está perceptualmente manifesto, mas é sempre interpre-
tado como conectado a um objeto – e, aliás, sua aprendizagem deve
ter envolvido um “dedo indicador apontado para um evento”.
Como saber quando observamos símbolos? Toda entidade que
funciona como um símbolo é da natureza de uma lei, sendo descrito
por Peirce como uma “regularidade do futuro indefinido” (CP2, 293).
Mas sabemos o que é uma lei pelos casos especiais e particulares de
eventos que ela governa; isto é, uma lei “necessariamente governa
individuais (‘é incorporada em’) e prescreve algumas de suas quali-
dades” (CP2, 293). Então, um constituinte do símbolo deve ser um
índice e deve ser um ícone. Para Peirce:

(...) um símbolo, em si mesmo, é um mero sonho; ele não indica sobre o


que fala. Precisa estar conectado ao seu objeto, e, para este propósito,
um índice é indispensável. Nenhum outro tipo de signo pode atender a
este propósito. (CP4, 56)

Embora um símbolo seja sempre da natureza de um geral (e a


recíproca não é verdadeira, isto é, nem todo signo que é geral, ou
legissigno, precisa relacionar-se com seu objeto através de uma lei),
ele deve instanciar eventos particulares através dos quais pode fun-
cionar como um signo. Qual a natureza de seu objeto? Quando se
tratar de um símbolo genuíno, seu objeto será sempre um geral. Mas
para operar como um signo ele deve ser instanciado em sinsignos.
Se todo legissigno age por meio de sinsignos, que são suas répli-
cas, não é certo que todo sinsigno é a réplica de um legissigno.

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168 JOÃO QUEIROZ

Os alarmes que classificamos não são, todos, instanciações de sím-


bolos, casos em que escaneamentos não se seguem à audição das
vocalizações. Se um membro do grupo reage à audição do alarme
sem escaneamento sensório, supomos que ele substitui este evento
(e suas qualidades: amplitude, altura, textura, etc.) por uma classe
de objetos, um conjunto de objetos existentes. Sugeri que, a favor
desse argumento, há evidências sobre a ontogênese possivelmente
tardia dessa reação, indicando um comportamento mais sofisticado.
Lidamos com outra divisão tricotômica quando perguntamos so-
bre a “natureza dos signos” e sobre a “natureza do interpretante” –
rema, dicente, argumento. Para recapitular (ver Capítulo 3): rema é
um signo que é interpretado como um signo de “possibilidade” –
“um signo de possibilidade qualitativa, ou seja, [ele é] entendido
como representando esta e aquela espécie de objeto possível” (CP2,
250); dicente é um signo que, para seu interpretante, tem existência
real, é um evento ou uma ocorrência – “portanto, ele não pode ser
um ícone, que não dá base para interpretá-lo como algo que se refere
a uma existência real” (CP2, 251); argumento é um signo que é inter-
pretado como um signo de lei.
Diversas argumentações sugerem que aquilo que examinamos
entre os macacos-verdes são réplicas de legissignos, mais particular-
mente de legissignos indexicais dicentes (cf. Lauro Barbosa, Michel
Balat, Joelle Réthoré, comunicação pessoal). Se um signo, que é uma
lei, chama a atenção para um evento, isto é, quando seu Tone identi-
fica um individual, ele pode satisfazer a condições de descrição de
uma classe, que não é um símbolo, mas um legissigno indexical.
Qualquer instância sua é um sinsigno dicente, chamado de designa-
tivo, denotativo ou indicativo; é um signo particular que indica um
existente por ser realmente afetado por ele, interpretado como estan-
do em uma conexão de fato (física) com seu objeto: “como um prono-
me demonstrativo, ou um dedo apontado, [ele] dirige brutalmente o
‘globo ocular mental’ do intérprete para o objeto em questão” (CP8,
350). Um dos exemplos de Peirce sobre esta classe é um “catavento”
(CP2, 257).

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 169

Um sinsigno indexical remático (221) é outra classe que, por


sua singularidade, age dirigindo a atenção para um objeto particu-
lar e pode ser uma instância do legissigno que observamos. É a
existência do objeto que determina esta experiência. Mas, diferen-
temente, a associação entre os dois é interpretada como uma “mera
possibilidade”, como um ícone. Para Merrell (1995a), esta classe
descreve uma “resposta instintiva, espontânea, automática; um alar-
me, um sinal, como ‘Cuidado!’”. Esta interpretação parece em fina
sintonia com a identificação de aspectos volitivos na vocalizações
de chipanzés e de outros primatas, uma importante distinção quan-
to à natureza não “apaixonada” da comunicação de humanos. Se-
gundo Knight,

(...) humanos, diferentemente de chipanzés, podem vocalizar desapai-


xonadamente. Esta é uma capacidade essencial, e chave, para evolução
de sistemas de comunicação vocal baseados em convenção. (1998,
p. 73)

Como essas classes estão relacionadas com aquelas das quais


podem ser réplicas, esse é um problema que deve ser examinado
caso a caso. Duas classes de legissignos, um dos quais simbólico,
podem satisfazer às descrições que examinamos. Na primeira, um
“signo geral” (legissigno indexical remático) é realmente constran-
gido por seu objeto de modo que atraia a atenção para ele. O exem-
plo mencionado antes é o “pronome demonstrativo” (CP2, 259), que
é um “designativo”. Um legissigno simbólico dicente, uma “propo-
sição ordinária” (CP2, 262), é um signo geral, que representa seu
objeto através de uma idéia geral, embora, para seu interpretante,
ele seja realmente afetado pelo objeto que representa. (Com respei-
to à natureza do sujeito da proposição, vimos anteriormente que há
duas posições sobre sua natureza [ver Houser, 1992b; Thibaud,
1996, p. 270]: legissigno indexical remático [CP2, 262] e legissigno
indexical dicente.)
De fato, a questão sobre a natureza do objeto parece ser a mais
complexa. Pode-se perguntar, por exemplo, se um signo indexical é
capaz de ter por objeto algo que não existe como fato. E a resposta é
que, aparentemente, ele pode. O signo é definido por Peirce como

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170 JOÃO QUEIROZ

podendo “denotar um objeto perceptível, somente imaginável ou


mesmo inimaginável” (CP2, 230). Acho que essas propriedades de-
vem ser distribuídas entre as diferentes classes de signos. Assim, o
alarme pode ser índice de um objeto não percebido. A passagem abaixo
sugere que “simples coleções de unidades” e “simples continua” po-
dem satisfazer a esta restrição:

Índices podem ser distinguidos de outros signos, ou representações,


por três marcas características: primeiro, eles não têm semelhanças
significativas com seus objetos; segundo, eles se referem a indivi-
duais, unidades simples, simples coleções de unidades, ou simples con-
tinua; terceiro, eles dirigem a atenção para seus objetos por compul-
são cega. (CP2, 306)

A “compulsão cega” de um “objeto mental”, aprendido e memori-


zado, pode satisfazer à descrição desta classe. Peirce sugere diversas
divisões para análise do índice, como, por exemplo, tipos genuínos e
degenerados (CP2, 283), reagentes e designações (CP8, 368 ft.23).
Em uma relação indexical genuína, S e O devem ser existentes indivi-
duais, e o interpretante deve ser do mesmo tipo. Uma relação indexi-
cal de referência é uma relação degenerada:

Um índice, ou sema (séma), é um representamen cujo caráter representa-


tivo consiste em ser um segundo individual. Se a secundidade é uma
relação individual, o índice é genuíno. Se a secundidade é uma referência,
o índice é degenerado. Um índice genuíno e seu objeto devem ser existen-
tes individuais (coisas ou fatos), e seu interpretante imediato deve ser do
mesmo caráter. Mas desde que um individual deve ter caracteres segue-se
que um índice genuíno pode conter uma primeiridade e, portanto, um
ícone como uma parte constituinte. Qualquer individual é um índice dege-
nerado de seus próprios caracteres. (CP2, 283)

Relativamente aos alarmes descritos, e no domínio de DR1, ob-


servamos os dois tipos. O que chamamos de “índice-de-si-mesmo”
(ver Quadro 5.2, p. ex., linha 2), que é um índice degenerado de seus
próprios caracteres (CP2, 283), parece muito distinto do índice do
leopardo (Quadro 5.2, linha 3), embora não esteja clara a correlação
desses tipos com reagentes e designadores. Esses últimos são consi-
derados por Peirce como elementos “absolutamente indispensáveis à

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 171

comunicação e ao pensamento” (CP8, 368, ft.23). Diversos exemplos


são mencionados (ver CP2, 285-290): um pronome demonstrativo,
relativo ou pessoal, uma letra representando uma variável em um
diagrama, um dedo indicador apontado para um evento estão entre
os mais citados.
O índice descrito como instanciação de um símbolo (designador)
está para “um sistema de signos” como estão, por exemplo, os pro-
nomes demonstrativos para uma gramática? Esta questão é crucial
para a análise que propomos. Um pronome demonstrativo particular
(p. ex.: “aquele”) é um sinsigno cuja função indexical depende de ser
observado como a réplica de uma lei, pela qual pode funcionar como
um índice em uma asserção. Neste caso, a dependência icônica pare-
ce irrelevante, de modo muito distinto de quando pensamos em um
dedo apontando para um objeto e, mais ainda, em uma fotografia
baseada em emulsão sensível de prata à luz apontando para o mun-
do, ambos designadores.
Algumas das vocalizações que observamos são designadores e
podem ser classificados como legissignos indexicais (subindex)
(CP2, 265). Como eventos, são réplicas, sinsignos indexicais dicen-
tes, de um padrão capaz de repetidamente instanciar signos para
indicar a presença de objetos particulares. Em quaisquer casos, seus
interpretantes são dicentes, isto é, signos que são interpretados como
espaço-temporalmente conectados a seus objetos. Mas observamos
um comportamento distinto, que também classificamos como inde-
xical e que se parece com o que Peirce chama de reagente. Ele deve
envolver um comportamento menos complexo, a que chamamos, no
experimento que idealizamos, de índice degenerado de seus próprios
caracteres. Se podemos falar de maturação ontogenética em um ní-
vel indexical e correlacionar as categorias com os eventos que carac-
terizam cada fase, então me parece que a passagem da relação de
secundidade genuína para secundidade degenerada, uma relação
definida como de referência, é uma ótima pista para submetermos a
teste. Mas se, de um lado, índices podem ter “gerais” por objetos
(CP2, 306, acima), de outro, símbolos podem ter coisas reais (eventos
particulares):

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172 JOÃO QUEIROZ

Existem duas maneiras nas quais um símbolo pode ter uma coisa exis-
tencial como seu objeto real. Primeiro, uma coisa pode se conformar a
ela, ou acidentalmente, ou em virtude de o símbolo ter a virtude de um
hábito em crescimento; segundo, o símbolo pode ter um índice como
parte de si mesmo. (EP2, 274)
O símbolo será indiretamente afetado, através de associação ou outra
lei, por suas instâncias; portanto, um símbolo envolverá um tipo de
índice, embora de tipo particular. (CP2, p. 249)

Para que servem ícones, índices, símbolos?

(...) Existem três tipos de signos que são indispensáveis em todo racio-
cínio; o primeiro é um signo diagramático, ou ícone, que exibe similari-
dade ou analogia com o objeto do discurso; o segundo é o índice que,
como um pronome demonstrativo ou relativo, força a atenção para um
objeto particular sem pretender descrevê-lo; o terceiro [ou símbolo] é
um nome geral ou descrição, que significa seu objeto por meio de uma
associação de idéias, ou conexão habitual entre o nome e o caráter sig-
nificado. (CP1, 369)

Ícones são o modo através do qual uma “idéia é comunicada”.


Segundo Peirce:

(...) o único modo de diretamente se comunicar uma idéia é através de


um ícone; e todo método indireto de comunicar uma idéia deve depen-
der, para seu estabelecimento, do uso de um ícone. Portanto, toda asser-
ção deve conter um ícone ou um conjunto de ícones; ou mais, deve con-
ter signos cujo significado é somente explicado por ícones. (CP2, 278)

Vimos antes como uma “competência indexical” deve depender


de associações entre ícones (aprendizagem associativa). Para Peirce,
um índice, stricto sensu, não informa nada (CP2, 291; CP1, 369).
Índices apenas dirigem a atenção para seu objeto através de “com-
pulsão cega” (CP2, 360), sempre se referem a “singulares” e são con-
siderados, no caso de designadores, como “absolutamente indispen-
sáveis à comunicação e ao pensamento” (CP8, 368, ft. 23).
Quais as vantagens adaptativas da simbolização? Hudson em uma
resenha sobre o livro Symbolic Species, de Deacon (1997), afirma:

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 173

Outra vantagem da simbolização é a possibilidade de representarmos


“emoções e crenças” simbolicamente em nossas mentes – por exemplo,
podemos pensar em raiva sem sentirmos raiva, e podemos considerar a
proposição “está chovendo” sem de fato crermos que está chovendo.
Embora Deacon não explique exatamente como esta possibilidade emer-
ge do uso de símbolos, parece razoável ligar os dois. (Hudson, 2001)

A resposta à questão de Hudson – a que, me parece, Deacon res-


ponde, mesmo que superficialmente – é explorada à exaustão por
Peirce em diversas direções, sobretudo no que se refere à preditividade:
“Dificilmente passarão cinco minutos de nossa vida em vigília sem
que façamos algum tipo de predição” (CP1, 26). A passagem de uma
mente “reativa” para uma outra “preditiva” equivale a uma diminui-
ção das coerções da semiose indexical, modulada pelos sentidos, para
uma semiose simbólica.
Essa idéia tem diversas implicações: ela pode ser ligada à filogê-
nese do sonho, ao desenvolvimento de jogos em diversos nichos
(Ribeiro, 2000), à produção controlada de artefatos, em diversas es-
pécies (Vauclair, 1995), e à história evolutiva destas espécies (p. ex.:
sobre primatas humanos, ver Gibson e Ingold, 1993; Noble e David-
son, 1996). Essa aproximação (símbolos <=> atividades prediti-
vas) é metodologicamente facilitada, uma vez que conhecidas estru-
turas responsáveis por algumas dessas tarefas são, hipoteticamente,
aquelas associadas ao processamento de símbolos, segundo o mode-
lo que propomos. Esta é, evidentemente, uma idéia que precisa de
desenvolvimento ulterior e confirmação empírica, mas permite rever
algumas das teses sobre emergência da linguagem em humanos.
A hipótese defendida por Dunbar (1998) acerca de “cérebro so-
cial” é de especial interesse. Segundo o autor, a linguagem resulta de
um aumento de pressão social, que se complexifica quando aumen-
tam as interações intra-específicas.

Em resposta a pressões ecológicas resultantes da demanda de grandes


grupos, espécies foram forçadas a fazer evoluir cérebros proporcional-
mente maiores para permitir a estabilidade de tais grupos. Isto originou
a hipótese de cérebro-social, que enfatiza a tese de que o cérebro prima-
ta é mais propriamente uma ferramenta social do que ecológica. (1998,
p. 94)

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174 JOÃO QUEIROZ

Podemos generalizar a hipótese de Dunbar conforme uma idéia


de “cérebro simbólico”, com foco nas simulações dessas interações,
como parte de diversas situações e atividades (p. ex.: jogos, brinca-
deiras, caça, etc.). Em um “ambiente semiótico”, simulações são con-
duzidas e interações intra-específicas são reforçadas e desfeitas.
Um cérebro simbólico, ao coordenar eventos em um futuro hipotéti-
co, prescreve as qualidades dos objetos desses eventos e extrai con-
seqüências de seus “comportamentos virtuais”. A simulação de di-
versas possibilidades de fuga pode estar entre as pressões seletivas.
Se está certa esta suposição, uma transformação da natureza do ob-
jeto da relação sígnica, de uma singularidade para um geral – Token
=> Type –, que vem acompanhada de uma diminuição do tempo de
reação à vocalização (o que representa um enorme ganho adaptati-
vo), deve ser produto de estruturas evoluídas para se lidar com simu-
lações de interações interespecíficas, sonhos, jogos, etc.
Para aumentar ainda mais o interesse pela idéia de Dunbar, no
núcleo de sua hipótese está explicitamente indicada a passagem da
atividade de “catar” (grooming) entre primatas, que ele considera
uma atividade diádica, para a linguagem ou vocalização, equivalente
ao que descrevemos como uma atividade irredutivelmente triádica.

Linguagem é uma solução efetiva por diversas razões. Primeiro, ela per-
mite uso mais eficiente do tempo, porque o indivíduo pode catar em três
indivíduos ao mesmo tempo. Em contraste, “cata social” é uma ativida-
de essencialmente diádica: você não pode catar em mais de um indiví-
duo por vez. (Dunbar, 1998, p. 96)

Outro tópico que requer uma abordagem cuidadosa, tratado em


arqueologia cognitiva e rapidamente mencionado aqui, diz respeito
à produção controlada de artefatos na história evolutiva de algumas
espécies (p. ex.: para primatas humanos, ver Gibson e Ingold, 1993;
Noble e Davidson, 1996). O problema é formulado nos seguintes
termos:

A maior parte dos arqueólogos associam linguagem com tecnologia


mousteriana. Todos concordam que o problema não pode ser resolvido
por enquanto, pois não há uma performance tecnológica claramente
correlacionada com linguagem. (Audouze, 1999)

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 175

Sugiro que a questão seja reformulada, tratando-se de como o


aparecimento de artefatos e tecnologias podem estar relacionados
com o aparecimento de processos simbólicos (cf. Audouze, ibidem): a
passagem de uma fase de manufaturação de instrumentos indexical-
mente interpretados, e cujas seleções dependem de correlações espa-
ço-temporais com as tarefas que designam, para uma fase de produ-
ção controlada das propriedades (ícones) desses instrumentos, um
momento de manufaturação de símbolos. Mas, como afirmei, esta
questão não passa aqui de uma sugestão para futuros desenvolvi-
mentos. A idéia de relacionar o aparecimento de processos simbóli-
cos contendo vestígios da fabricação de instrumentos com uma es-
trutura cerebral requerida para o processamento de atividades
“homólogas” em primatas não humanos, conforme os modelos pro-
postos, deve permitir a comparação de resultados de neuropaleonto-
logia, etologia cognitiva e arqueologia cognitiva.

Mais conseqüências e novos desenvolvimentos

Quais as conseqüências do uso das classes de signos de Peirce


em etologia? Os etólogos que trabalham na descrição de fenômenos
de vocalização não têm dúvidas ao afirmar que observam eventos
semânticos (Seyfarth et alii, 1980) “funcionalmente referenciais”
(Zuberbühler, 1999), cuja aprendizagem depende de interação com
membros do grupo (Seyfarth e Cheney, 1992). O conceito de arbitra-
riedade lingüística parece satisfazer, em todos os estudos de caso,
às condições para identificação e demarcação desses fenômenos
(Vauclair, 1995, p. 100). Penso que há diversos problemas aqui:
(i) Uma versão lingüicêntrica tem dificuldade para incorporar às
suas explicações processos sígnicos multimodais. Ela tende a obser-
var sistemas de linguagem – por exemplo, “sistemas baseados em
gesticulação” – pelo que lhes falta (generatividade, sistematicidade,
simbolicidade, etc.), relativamente às principais propriedades de sis-
temas lingüísticos (p. ex.: composicionalidade sintática, semântica,
etc.).

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176 JOÃO QUEIROZ

(ii) Os modelos de relação signo–objeto são diádicos e as classifi-


cações dicotômicas – simbólico (ou arbitrário) versus não simbólico
(ou motivado). Há uma fase ignorada de produção indexical, sobre a
qual não há menção em nenhum trabalho consultado, e uma conse-
qüente confusão desta fase com processos icônicos.
(iii) As classificações não fornecem um esquema claro de ordem
de complexidade entre os processos observados.
Dentre as vantagens apresentadas pelo modelo que propomos,
posso enumerar as seguintes:
(i) Uma teoria semiótica de processos multimodais é associada,
no escopo da filosofia arquitetônica de Peirce, a tipos distintos de
inferência – abdutiva, dedutiva e indutiva. O uso desses tipos, em
neuroetologia, foi originalmente proposto por Ribeiro (2000), mas
seu desenvolvimento sistemático ainda está por ser feito. Este argu-
mento deve justificar a razão pela qual não podemos reduzir ícones a
processos perceptivos e índices a aprendizagem associativa (Deacon,
1997).
(ii) O modelo diádico de semiose e as tipologias dicotômicas de
classificação sígnica são substituídos por esquemas mais complexos
de classificação. Isto permite tratar coisas diversas – pronomes, le-
tras como variáveis, coluna sensível de um termômetro, exclamação,
fotografia – como exemplos de um tipo de competência (indexical), e
coisas muito próximas – vocalizações e reações específicas – como
classes distintas de semiose (simbólico e indexical).
(iii) A motivação sinequista do pensamento de Peirce, com conse-
qüências na gramática especulativa, sugere um gradualismo na pas-
sagem do ícone para o índice, e do índice para o símbolo, que não
resulta da incorporação ad hoc de hipóteses explicativas, que são
sistematicamente desenvolvidas no interior de sua filosofia, em dife-
rentes domínios (p. ex.: lógica matemática, fenomenologia). As clas-
sificações correntes baseiam-se em critérios dicotômicos e exclusi-
vos. Como vimos, de acordo com Noble e Davidson (1996, p. 8), “nosso
critério para comunicação baseada em símbolos é ‘tudo-ou-nada’”.
Este critério tem dificuldade para lidar com processos que misturam
competências indexicais e simbólicas.

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SUBSTRATOS NEUROBIOLÓGICOS DA SEMIOSE 177

(iv) Os modelos e as tipologias peirceanas fornecem um esquema


lógico para as versões psicossociológicas correntes em etologia e psi-
cologia comparada sobre competências semióticas.
(v) Conforme as tipologias peirceanas, uma teoria do desenvolvi-
mento ontogenético dessas competências deve se basear em relações
de pressuposição hierárquicas previstas nos modelos lógicos de rela-
ção.
(vi) As descrições de processos sígnicos multimodais, que apre-
sentei neste capítulo, baseiam-se em uma teoria lógica-fenomenoló-
gica de categorias, com as vantagens de generalidade decorrentes de
um modelo que não está primariamente interessado em fenômenos
linguísticos. E sabemos que os processos descritos são filogenetica-
mente anteriores ao aparecimento da linguagem em humanos, o que
deve ser absorvido como um fenômeno especial de semiose simbólica.
Além disso, o modelo intérprete-dependente de semiose integra ten-
dências recentes em ciências cognitivas – Situated and Embodied
Cognitive Science –, cujas abordagens têm foco na ação situada de
agentes cognitivos (Clark, 1997; Bechtel, 1998; Queiroz, 2001a).
O que precisa ser feito mais imediatamente:
(i) explicar como símbolos podem resultar de mecanismos de
aprendizagem associativa entre signos indexicais;
(ii) identificar, mais detalhadamente, os substratos neurobiológi-
cos associados a esses mecanismos;
(iii) simular esses mecanismos em modelos computacionais
(p. ex.: Synthetic Ethology), para se investigar a necessidade e a su-
ficiência de seus requisitos (Loula et alii, no prelo; Queiroz, no prelo);
(iv) explicar as propriedades associadas à linguagem que apare-
cem em tipos especiais de símbolos (p. ex.: argumentos).

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6
CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS

Examinei neste trabalho, da perspectiva da teoria do signo de


C. S. Peirce, as seguintes questões: O que é um signo? Quantos tipos
de signos podem ser concebidos e observados? Como estão relacio-
nados esses tipos? Como descrever graficamente essas relações? Como
checá-las empiricamente? No âmbito da gramática especulativa, do-
mínio que investiga as condições às quais devem se submeter todo e
qualquer tipo de signo, uma parte dessas questões foi respondida.
O desenvolvimento de modelos gráficos para descrever o signo, suas
classes, suas relações, além de explicar a lógica da construção dos
diagramas de Peirce para as dez classes, constituiu o corpus de re-
sultados originais no âmbito dessa gramática. No fim, foi idealizado
um protocolo experimental em neuroetologia capaz de checar empi-
ricamente as relações de pressuposição hierárquica entre as classes,
um tópico de divergência entre os especialistas de Peirce.

Signo e cognição

Supomos que, ao representarmos uma coisa (entidade ou proces-


so), nós a substituímos por outra (entidade ou processo). Assim, hi-
poteticamente, um inseto que se desloca em seu vôo sem se perder
está substituindo certos objetos do espaço por onde voa por repre-
sentações, que ele possui desses objetos, em uma espécie de mapa
desse espaço; sua interação bem-sucedida com um ambiente que se
modifica imprevisivelmente depende dessas substituições. Muitas
perguntas têm sido feitas: Como explicar esse processo? Que tipo de
relação é esta que uma entidade substituída (p. ex.: coisas do “mun-
do real”) estabelece com aquela que a substitui (p. ex.: regiões ou
pontos de referência em um mapa)? Como descrever essa relação?
Que teorias dispomos para explicá-la? Como variam as contribuições

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180 JOÃO QUEIROZ

dessas teorias para a formulação do problema? Como diferem seus


modelos? Antes de sumarizar os principais resultados apresentados
neste trabalho referentes a algumas dessas questões, irei apresentar
brevemente, como contraponto, o tipo de tratamento dedicado a esta
matéria nas ciências da cognição.1

Representações e seus modelos

Representação, para as ciências ocupadas com processos cogniti-


vos de diversas naturezas, é uma noção subsidiária: um sistema cog-
nitivo funciona através da manipulação de estruturas e/ou processos
representacionais. Segundo Hutchins,

(...) muita coisa nas ciências cognitivas consiste em um problema de


atribuição. Nós desejamos fazer asserções sobre a natureza de proces-
sos cognitivos que, em geral, não podemos observar diretamente. Então
fazemos inferências sobre indicações indiretas e atribuímos, a sistemas
inteligentes, conjuntos de estruturas e processos que poderiam ter pro-
duzido certas evidências empíricas. (1995, p. 355)

Defini modelagem (Capítulo 3) como uma estratégia usada para


entendermos estruturas e processos de evidências que observamos,
por aproximações, através de descrições simplificadas destas evidên-
cias – aproximações baseadas em funcionamentos supostamente
análogos de diferentes fenômenos. Para compreendermos como sis-
temas adaptativos podem realizar certas tarefas cognitivas, recorre-
mos a diferentes teorias e modelos, e ainda observamos diferentes
níveis de descrição (p. ex.: neurofisiológicos, psicológicos, lógicos,
etc.).
Uma noção tácita de representação está na base das investiga-
ções de diversos processos em que tal noção é requerida. De acordo
com Haugeland (1998, p. 172), um dos mais influentes filósofos em
ciências da cognição, explicar as condições de adaptação de “um

1
Alguns autores têm preferido, devido à recente “pluralidade metodológica” encontra-
da na área, o termo “ciências da cognição” a “ciências cognitivas”, ainda muito asso-
ciado à modelagem computacional (cf. Pérez-Miranda, 2001, p. 372).

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CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS 181

sofisticado sistema (organismo) projetado (evoluído) para maximi-


zar algum fim (tal como sobreviver)” consiste em definir os proces-
sos de ajuste mediados ao ambiente. Como descrever as condições
que explicam o surgimento desses processos? Algumas possíveis
respostas: (i) observando-se a substituição de um elemento da ex-
periência por outro elemento; (ii) checando-se a antecipação tem-
poral de um evento; (iii) observando-se uma operação sobre entida-
des que não estão perceptualmente manifestas, mas são usadas na
antecipação desse evento.
Haugeland (ibidem) define representação como a parte funcional
de um sistema correlacionada com aspectos do mundo que variam e
que está baseada na propriedade de aboutness: uma representação é
uma entidade sobre alguma coisa. Clark (1997, p. 144) sumarizou
muito apropriadamente as idéias de Haugeland:
(i) o sistema deve coordenar seu comportamento com caracterís-
ticas ambientais que não estão sempre “confiavelmente presentes
para o sistema” – “se as propriedades relevantes estão confiavel-
mente presentes e manifestas ao sistema (através de algum sinal),
não importa que ajustes devem ser feitos, eles não precisam ser re-
presentados” (Haugeland, 1998);
(ii) isto concorda com casos em que “alguma coisa a mais”, que
está para tais propriedades, guia seu comportamento;
(iii) o “alguma coisa a mais” é parte de um esquema representa-
cional mais geral, que permite que o “estar para” ocorra de modo
sistemático e possibilita uma variedade de estados relacionados. Ba-
sicamente, representação é entendida como um estado interno teleo-
lógico funcional associado a ajustes ambientais.

Muitos autores têm analisado as diversas implicações desse con-


ceito (p. ex.: Chemero, 1999; Agre, 1997; Clark, 1997). Como Bechtel
(1998, p. 297) tem observado, os autores, seguindo Haugeland, en-
fatizam o mesmo aspecto: “algo está para alguma outra coisa”. Uma
divisão em modalidades, que separa esta relação em classes específi-
cas, sugere dois tipos excludentes de processos: os simbólicos e os
não simbólicos. Muito freqüentemente, esta restrição se confunde

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182 JOÃO QUEIROZ

com o próprio modelo. Em diversas análises, como Clark e Toribio


(1994) afirmam, representação é vista como uma seqüência de sím-
bolos em um código declarativo composicional.2
Há, portanto, duas etapas bem demarcadas nessas investigações,
umas das quais ocupou uma importante parte desse trabalho que foi
explicitamente ignorada. O que chamamos de modelo geral da semi-
ose, segundo Haugeland (1998, p. 172), pode ser desconsiderado:
“uma avaliação explícita de representação não será necessária; isto
é, podemos seguir sem uma definição anterior de família dentro da
qual os gêneros devem ser distinguidos”. Mas como distinguir gêne-
ros ou tipos de representação? Haugeland pergunta: que tipo de si-
milaridade ou disparidade entre duas espécies de representação de-
termina se elas são do mesmo gênero? Respondemos a estas questões
no âmbito da semiótica de Peirce.

Semiótica formal de Peirce

Neste trabalho, duas importantes questões foram exploradas. A


primeira, em oposição às premissas de Haugeland (1998), é relativa
às condições em que a semiose pode ser concebida e descrita. A se-
gunda pode ser traduzida em duas perguntas, uma vez definida tais
condições: Quantas e quais são as modalidades desse processo? Como
elas estão relacionadas? Estas questões devem ser associadas a um
nível de descrição e análise. Esse nível provê uma família de proble-
mas, além de ferramentas próprias para solucioná-los.
No escopo da semiótica de Peirce, especialmente em uma fase
madura de seu desenvolvimento, tais questões recebem um trata-
mento no âmbito de uma “teoria geral das relações” (Houser, 1997).
E as pesquisas conseqüentes estão interessadas em responder: O que
é uma relação? Quantos tipos de relação podem ser concebidos e
descritos? Que tipo de relação é um signo? Nesse nível de descrição
(teórico-formal), uma ciência da representação pouco se importa com

2
Deacon (1997) está entre os poucos autores que têm mostrado como a escolha de um
modelo diádico mais intuitivo pode conduzir a uma idéia equivocada, que confunde
relações indexicais e simbólicas, sobre processos de mediação.

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CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS 183

os sistemas (suas constituições, sua natureza, seus mecanismos)


nos quais, uma vez implantados (ou implementados), a semiose é
operativa.
Em diálogo com as abordagens mais recentes, os desafios de se
trabalhar com um modelo tão geral, como o da semiose de Peirce,
permanecem mal explorados. Pode-se perguntar: Quais são, relativa-
mente às ciências ocupadas com questões deste tipo, as vantagens
de uma abordagem cuja generalidade absorve processos modelados
em escalas de observação, que vão de acontecimentos cosmogônicos
(Kruse, 1994, pp. 87-98) à microbiologia (Uexkull, 1993; Emmeche,
1991, pp. 325-339), e que descrevem processos de natureza tão dis-
tintas quanto zoo e fitosemiose (Krampen, 1991), químio (Merrell,
1996) ou fisiosemiose (Deely, 1990)? São comuns as naturezas de
processos que envolvem tal variedade de “tamanho e material”?
Estão baseados nos mesmos princípios?
A concepção de um princípio independente de nível de organiza-
ção e descrição encontra nas idéias do físico-teórico Hermann Haken
sobre a sinergética uma recente correspondência metateórica:

O objetivo da sinergética pode ser caracterizado por questões tais como


estas: Sistemas exibem padrões similares de comportamento a despeito
do fato de serem inteiramente diferentes? Existem princípios gerais go-
vernando a natureza de auto-organização dos subsistemas? Existe um
método teórico geral para lidar com esses efeitos? O objetivo que está
por trás dessas questões pode surpreender, pois sistemas podem ser com-
postos de elementos tão diversos quanto átomos, moléculas, fótons, cé-
lulas, animais, computadores, humanos, etc. O modo como esses ele-
mentos interagem são igualmente diversos. Entretanto, passados alguns
anos, largas classes de sistemas têm sido encontradas (pertencentes a
diferentes disciplinas) exibindo notáveis analogias em seus comporta-
mentos macroscópicos. Tais analogias tornam-se visíveis quando ado-
tamos um certo nível de abstração. (1981, pp. 15-16)

Para Peirce (CP1, 354), a realidade exibe um princípio semiótico


independente de níveis de organização. Em que domínio, experimen-
tal e teórico, Peirce desenvolve e testa esta idéia? Em uma teoria das
categorias. A categorialogia de Peirce provê domínios, métodos,
modos de experimentação e demonstração distintos para testar suas

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184 JOÃO QUEIROZ

hipóteses. Peirce é um “methodologist of categoriality”, como sugere


Kuntz (1994, p. 178). A concepção de um princípio semiótico inde-
pendente de nível de organização só é possível em consideração a
um tipo de abordagem que prevê investigação sistemática (de em-
préstimo de métodos à comparação de resultados) em lógica mate-
mática, fenomenologia e ciências normativas.
Sobre a lista de categorias, que é a fundação formal do seu pen-
samento arquitetônico, ela constitui, em lógica matemática, um sis-
tema exaustivo de relações exclusivas, hierarquicamente organizada
em classes de relações, a saber, 1-ádicas, 2-ádicas, 3-ádicas
(Murphey, 1993; Houser, 1997; Brunning, 1997). O signo é o mais
simples exemplo de relação triádica (CP1, 339). No âmbito da gramá-
tica especulativa, e relativamente à primeira divisão tricotômica de
signos, as classes de relações (1-ádicas, 2-ádicas, 3-ádicas) equiva-
lem a ícones, índices e símbolos (CP5, 473). Esta já é uma validação
indutiva dos resultados de uma “teoria das relações” (Houser, 1997,
p. 14; Kent, 1997, p. 448), uma questão que pode ser resumida em
como um problema matemático afeta um problema não matemático,
no sentido amplo que Peirce atribui à natureza desta ciência (Hookway,
1985, pp. 181-207).
As classes de relações correspondem a relações de similaridade,
de contigüidade física e de lei entre os termos da tríade S-O-I,
mediante aspectos de análise selecionados pelas tricotomias. As pro-
priedades (similaridade, contigüidade física, lei) associadas a essas
classes são definidas conforme a dependência dos termos da relação.
Assim, a relação S-O é um ícone na dependência da natureza interna
de S; é um índice quando não puder prescindir de O; e é um símbolo
na dependência da mediação de I.
Na faneroscopia, os resultados de uma “teoria das relações” po-
dem ser interpretados como “estados da consciência” e correspon-
dem a feeling, sentido de alteridade e sentido de mediação, ou sínte-
se, sendo experiências monádicas, diádicas e triádicas.
O signo é um exemplo de relação triádica. Se esta relação pode
prescindir do terceiro termo (interpretante), então ela é uma relação
degenerada em primeiro grau, tratando-se de um índice. Se pode pres-

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CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS 185

cindir do segundo e do terceiro termo, então é duplamente degenera-


da, tratando-se de um ícone. Ícones podem prescindir dos correlatos
da relação triádica, já que dependem de suas qualidades intrínsecas:
“a relação dual entre o signo e seu objeto é degenerada, consistindo
em mera semelhança entre os dois” (CP3, 362). Índices, que são “sig-
nos degenerados em primeiro grau”, podem prescindir do terceiro
termo da relação: “Um índice é um signo que perderia o caráter que
faz dele um signo se seu objeto fosse removido, mas manteria este
caráter se não houvesse interpretante” (CP2, 304). Se a relação não
puder se manter na falta de qualquer um dos correlatos, então ela é
uma relação genuína, sendo, portanto, um símbolo.
Os aspectos tricotômicos de análise incorporam diversos compli-
cadores a partir de 1903, o que resulta em um enorme refinamento
da primeira divisão tricotômica (ícone, índice, símbolo). Discuti an-
teriormente (Capítulo 5) alguns dos fatores que teriam motivado a
construção de novas classificações baseadas nesses complicadores
(tricotomias), bemo como descrevi a classificação que recebeu o mais
cuidadoso tratamento de Peirce, a saber, dez classes de signos, com
base em três tricotomias. O desenvolvimento de classificações “es-
tendidas” de signos nos permite reconhecer, por exemplo, que exis-
tem “casos misturados” de “modelos que são parcialmente indexi-
cais e parcialmente simbólicos” (cf. Houser, 1991, p. 437).

Resultados e desenvolvimentos

Sobre as fundações formais da semiótica, creio que entre as mais


destacadas contribuições encontra-se o tópico sobre a “redutibilida-
de das relações”, com foco em experimentos com estruturas topoló-
gicas. Apresentei no Capítulo 2, muito introdutoriamente, uma des-
sas contribuições: Ketner (1995) e Brunning (1997). Outro importante
autor que deve ser mencionado é Burch (1991; 1997). A importância
deste tópico é crucial nos estudos sobre a teoria do signo e sobre as
classificações sígnicas. Segundo Kent (1997, p. 448), “as categorias
logicamente formais foram caracterizadas como relações irredutíveis.
(...) Estas categorias formais provêm a base para a classificação do

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186 JOÃO QUEIROZ

signo”. Em diversas passagens, Peirce sugere sua preferência por ra-


ciocínios diagramáticos: “Inventei diversos sistemas de signo para
lidar com relações. (...) Fui finalmente levado a preferir o que chamo
de sintaxe diagramática” (MS L231).
A combinação de seu raciocínio visual em um sistema de diagra-
mas lógicos resultou no desenvolvimento dos grafos existenciais,
“a operação do pensamento deixada literalmente aberta à visão; a
imagem em movimento do pensamento” (Kent, 1997, p. 447). De acor-
do com Kent (1987, p. 4), Peirce, como uma possível ramificação des-
te método, indicou ainda outro método, o de “imagens estereoscópi-
cas em movimento” (NEM3/1, 101-102).
Se é reconhecida a importância desses métodos em lógica, o que
dizer sobre a aplicação de um raciocínio e de métodos diagramáticos
em tópicos da semiótica? O que apresentei nos Capítulos 3 e 5 foi
uma tentativa de abordar sistematicamente, através de modelos grá-
ficos, tópicos específicos da gramática especulativa.
Zellweger tem destacado a importância de exploração de uma área
aplicada da semiótica dedicada à criação de signos e baseada em
“esforços coletivos altamente especializados para compreender e
melhorar nossas ferramentas mentais” (1982, pp. 17-18). Segundo o
autor, o principal desafio desta área é projetar signos capazes de es-
tabelecer, através de iconicidade visual de suas “estruturas de super-
fície”, um isomorfismo entre a “rede de relações existentes em uma
sociedade de signos e a rede correspondente que existe na estrutura
profunda do que está sendo simbolizado” (ibidem, 1982, pp. 19-20).
Ele chama esse isomorfismo de “iconicidade relacional”. Na prática,
seu plano se divide em duas partes: (i) identificação das estruturas
abstratas a serem simbolizadas; (ii) invenção de um sistema de sig-
nos que incorpore e revele, visualmente, as relações presentes nes-
sas estruturas.
Abordei, neste trabalho, diferentes grupos de problemas no âm-
bito da gramática especulativa de Peirce. O primeiro, muito motivado
pelo tipo de projeto defendido por Zellweger (1982), está interessado
na construção de ferramentas visuais para observação da semiose e
das classificações sígnicas. O segundo lida com as seguintes ques-

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CONCLUSÃO E FUTUROS DESENVOLVIMENTOS 187

tões: Que estratégia usou Peirce para construir seus modelos gráfi-
cos das classificações sígnicas? Como generalizar essa estratégia para
a construção de classificações n-tricotômicas, e quais as implicações
dessa generalização para a teoria do signo? Os Capítulos 2, 3 e 4
enfrentaram diretamente estas questões.
Parecem “naturais” os desdobramentos desses domínios, em coo-
peração com as ciências experimentais, para testarmos as relações
previstas nas classificações sígnicas. Podemos, agora, voltar à ques-
tão formulada na última seção: O espectro amplo de aplicação do
modelo de signo, derivado do tratamento formal a que foi submetido
no interior da filosofia de Peirce, e as classificações sígnicas cons-
truídas no interior desse sistema podem constituir uma vantagem
metodológica? Aparentemente, não é simples transformar esta ques-
tão em um programa de cooperação interdisciplinar que integre a
agenda de discussões das ciências empíricas interessadas em fenô-
menos de cognição e que proponha soluções efetivas para os proble-
mas tratados pela semiótica de Peirce.
Projetamos neste trabalho as bases de um programa a que cha-
mamos de neurosemiótica comparada (Queiroz e Ribeiro, 2002; idem,
2001a e b). Descrevemos, através das dez classes de signos, eventos
de comunicação animal de “competências semióticas misturadas”.
Tais descrições permitem “reequacionar” alguns dos problemas en-
frentados em etologia sobre os “principais componentes sígnicos”
em comunicação, observados em primatas não humanos. No escopo
da biossemiótica, a zoossemiótica (Sebeok e Ramsey, 1969) constitui
a orientação teórica mais próxima desse programa (ver Nöth, 1995a,
p. 147). Mas as principais idéias, termos e conceitos dessa disciplina
não só não foram incorporados às áreas dedicadas a estudos de com-
portamento animal, especialmente de comunicação e linguagem, como
parece não haver nenhuma indicação de que isso venha a ser feito.
Há ao menos duas idéias distintas (relativamente às abordagens
em biossemiótica) no programa que delineamos: (i) incorporar de um
modo decisivo, à construção do design experimental, fundamentos te-
óricos originais para submeter a teste e refutação; e (ii) redescrever,
com base em novos pressupostos, os principais problemas envolvidos.

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188 JOÃO QUEIROZ

Comentário final

As linhas que constituem as principais idéias deste trabalho –


uma linha teórica, sobre modelos baseados em estruturas visuais e
diagramas, e uma linha empírica, baseada em métodos experimen-
tais de neuroetologia – devem ser consideradas convergentes e com-
plementares, a segunda idealizando um protocolo capaz de testar os
processos previstos pela primeira. Esse tipo de convergência só pôde
ser praticado em razão de uma efetiva colaboração com os campos
do design gráfico, da neuroetologia e da filosofia da lógica. Os co-
autores que permitiram levar a cabo este trabalho foram Priscila Fa-
rias, Lafayette de Moraes, Sidarta Ribeiro e Ivan de Araújo.
Uma semiótica envolvida em projetos de cooperação interdisci-
plinar deve ser estimulada. Projetos assim têm fornecido as idéias
subsidiárias para a construção de uma história natural e evolutiva
da semiose (Hoffmeyer, 1996), de uma teoria semiótica da mente
(Ransdell, 1977) e de uma teoria representacional do self e da cons-
ciência (Houser, 1978; Colapietro, 1989), bem como as bases de uma
teoria evolutiva da linguagem (Deacon, 1997) e de artefatos e tecno-
logias em arqueologia cognitiva (Noble e Davidson, 1996), de uma
teoria da referência em lógica (Hilpinen, 1992; Houser, 1992b;
Thibaud, 1996), de uma filosofia da biologia e biossemiótica (Emme-
che; 1991; Hoffmeyer, 1996), de uma “neurossemiótica comparada”
(cf. Queiroz e Ribeiro, 2002) e de uma semiótica computacional
(cf. Mehler, no prelo).

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APÊNDICE: CRONOLOGIA RESUMIDA
DA VIDA E OBRA DE C. S. PEIRCE

1839 Nasce em Cambridge, Massachusetts (USA).


1850 Escreve, aos 11 anos, uma história da química.
1855 Increve-se em Harvard, onde se forma quatro anos depois.
1860 Estuda com Louis Agassiz.
1861 Ingressa na Lawrence Scientific School, em Harvard; obtém
um cargo na Coast Survey, uma importante agência científi-
ca, onde trabalha como pesquisador em astronomia, geodé-
sia, metrologia e espectroscopia.
1862 Casa-se com Harriet Melusina Fay.
1863 É laureado summa cum laude em química.
1865 Faz uma série de conferências em Harvard: “Sobre a lógica
da ciência”.
1867 É eleito membro da American Academy of Arts and
Sciences; publica, no Proceedings of the American Academy
of Arts and Sciences, o artigo “Sobre uma nova lista das
categorias”.
1868 Publica, no Journal of Speculative Philosophy, os artigos:
“Questões concernentes a certas faculdades clamadas para
os homens”, “Algumas consequências das quatro incapaci-
dades”, “Fundamentos da validade das leis da lógica: con-
sequências ulteriores das quatro incapacidades”.
1869 Torna-se assistente no observatório astronômico de Harvard;
tem início sua colaboração para a revista The Nation; faz
palestras em Harvard: “Os lógicos britânicos”.
1870 Faz a primeira viagem científica à Europa pela Survey; pu-
blica “Descrição de uma notação para a lógica dos relati-
vos”, no jornal Memoirs of the American Academy.

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206 JOÃO QUEIROZ

1872 Funda o clube de metafísica, em Cambridge.


1875 Faz a segunda viagem científica à Europa.
1876 Separa-se de Harriet Melusina Fay.
1877 É eleito para a National Academy of Sciences; faz a terceira
viagem científica à Europa; publica “A fixação das crenças”,
no Popular Science Monthly, o primeiro de seis artigos de
uma série intitulada “Ilustrações da lógica da ciência”.
1878 Publica Photometric Researches, dedicado aos seus experi-
mentos em astronomia.
1879 É contratado como lecturer em lógica pela Johns Hopkins
University, em Baltimore; organiza o primeiro encontro do
clube metafísico nessa Universidade.
1880 É eleito membro da London Mathematical Society; faz a quar-
ta viagem à Europa.
1881 É eleito para American Association for the Advancement of
Science.
1882 Faz os primeiros esboços com uma lógica de diagramas, os
grafos existenciais.
1883 Edita, com seus alunos da Johns Hopkins University, Estu-
dos em lógica pelos membros da Universidade Johns Hopkins;
divorcia-se de Harriet Melusina Fay e casa-se, poucos tem-
po depois, com Juliette Froissy; de maio a setembro cumpre
sua última viagem científica à Europa, pela Survey.
1884 O contrato com a Johns Hopkins University não é renovado,
por motivos até hoje desconhecidos, pondo fim à sua carrei-
ra acadêmica.
1885 Escreve “Um, dois, três: categorias fundamentais do pensa-
mento e da natureza”; publica “Sobre a álgebra da lógica:
uma contribuição para a filosofia da notação”, em The
American Journal of Mathematics.
1886 Recomenda o uso de eletricidade à máquina lógica de
A. Marquand.

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APÊNDICE 207

1888 Adquire, graças a uma herança, uma fazenda próxima a


Milford, perto da Pensilvânia, onde viverá com Froissy até o
fim de sua vida.
1889 Colabora com o Century Dictionary.
1891 Demite-se da Coast Survey; escreve para “The Monist”, uma
série de cinco artigos sobre cosmologia.
1892 Faz conferências no Lowell Institute sobre história das
ciências.
1893 Prepara a publicação de um texto intitulado “Petrus
Peregrinus”; a editora Open Court anuncia a publicação de
Search for a Method.
1894 A editora Henry Holt CO. aceita publicar The Principles of
Philosophy, em 12 volumes, que jamais vêm à luz.
1898 Faz as denominadas The Cambridge Conferences Lectures
(“O raciocínio e a lógica das coisas”).
1901 Colabora para Dictionary of Philosophy and Psychology.
1903 Faz palestras em Harvard sobre pragmatismo, e no Lowell
Institute sobre “Alguns tópicos de lógica”, em que, no
“Syllabus de alguns tópicos em lógica”, formula, pela pri-
meira vez, as três divisões sígnicas tricotômicas; começa
uma intensa troca de correpondências, que se estenderá até
1911, com Victoria Lady Welby.
1904 Escreve “Novos elementos”, que é, para Fish, o melhor en-
saio já escrito sobre a teoria do signo.
1906 Apresenta um trabalho sobre os grafos existenciais para a
National Academy of Science.
1907 Faz uma série de palestras no Clube de Filosofia, em Har-
vard, sobre “Metodêutica lógica”.
1908 Faz intensa pesquisa com as tricotomias sígnicas.
1909 Cria um método de matriz para uma lógica trivalente.
1914 Morre em Milford.

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