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FELICIDADE E BEM-ESTAR NA VIDA PROFISSIONAL - Crenças e Mitos Da Felicidade
FELICIDADE E BEM-ESTAR NA VIDA PROFISSIONAL - Crenças e Mitos Da Felicidade
BEM-ESTAR NA
VIDA PROFISSIONAL
Crenças e mitos
da felicidade
Pablo Bes
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
O ser humano busca compreender o sentido da felicidade desde os primórdios de
sua existência e, de acordo com cada contexto histórico, acaba desenvolvendo em
sua cultura concepções específicas, estabelecendo condições para a felicidade.
Como as culturas exercem um forte caráter pedagógico e se relacionam com os
aspectos econômicos, políticos e sociais existentes em cada período, muitas
vezes são produzidas concepções equivocadas sobre a felicidade, assumidas,
porém, como verdades e possibilidades, subjetivando as pessoas e levando-as a
perseguirem objetivos dúbios. Surgem assim vários mitos que cercam a felicidade,
alguns apontando para o passado, outros para o porvir, ou ainda enfocando no
presente aspectos exteriores às pessoas, como o dinheiro, o trabalho e a popu-
laridade nas redes digitais.
Neste capítulo, você vai conhecer as concepções de felicidade que foram sendo
criadas na cultura humana. Além disso, estudará a origem dessas abordagens e
examinará alguns mitos relacionados ao conceito.
2 Crenças e mitos da felicidade
[...] o saber é uma atividade que só pode ser entendida em relação ao contexto
do qual ela deriva sua lógica e a racionalidade que contém. Os saberes, portanto,
devem ser vistos como uma forma dinâmica que emerge continuamente (JOVCHE-
LOVITCH, 2004, documento on-line).
Se há, então, para as ações que praticamos alguma finalidade que desejamos por
si mesmas, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo
por causa de algo mais (se fosse assim, o processo prosseguiria até o infinito, de
tal forma que nosso desejo seria vazio e vão), evidentemente tal finalidade deve
ser o bem e o melhor dos bens.
4 Crenças e mitos da felicidade
Quem é que, de fato, ousaria negar que os primeiros homens no Paraíso tenham
sido felizes antes do pecado [...]? Não é sem motivo que nós hoje chamamos
felizes àqueles que vemos viverem na justiça e na piedade com a esperança da
imortalidade, sem qualquer crime a roer-lhes a consciência, obtendo facilmente
a misericórdia divina para os seus pecados de fragilidade presente. [...] a respeito
do gozo de um bem presente, o primeiro homem era mais feliz no Paraíso do que
qualquer justo na debilidade desta vida mortal.
[...] a felicidade para Platão tem o objetivo de refletir certo ideal de comportamento
humano, uma felicidade que exija esforço e seja reservada para poucos. O princi-
pal obstáculo para Platão consistia no silenciamento do corpo sem anulá-lo, sem
matá-lo. A chave para a felicidade estava na relação do homem com seu desejo.
Para uma visão antagônica e mais otimista dos frutos colhidos pelo
Iluminismo em termos de felicidade humana, uma boa dica de leitura
é O novo Iluminismo (2018), do psicólogo, linguista e intelectual canadense Steven
Pinker. Apoiada em dados das mais variadas fontes, a obra tenta mostrar que, em
termos gerais e estatísticos, o nível de bem-estar e de felicidade na sociedade
humana só vem aumentando desde a aplicação das ideias provenientes do
Iluminismo e da Modernidade.
vamos analisar alguns mitos que tais ideias ajudaram a formular e que na
sociedade contemporânea pós-moderna ainda costumam fazer parte da
discussão sobre a felicidade.
A partir daí o tom geral é pessimista. Para a mitologia grega, a Idade de Ouro é um
caso encerrado e, em decorrência disso, a felicidade é inacessível aos homens.
Pode-se reencontrá-la no hipotético além, nas Ilhas Bem-Aventuradas reinadas
por Cronos. Nossa única felicidade na terra está ligada à ideia de um retorno da
Idade de Ouro.
Esse quadro do sonho edênico volta a confirmar que a felicidade está excluída deste
mundo, que funciona, no âmbito intelectual e social, sobre princípios totalmente
opostos aos do paraíso. A ordem natural prevista por Deus foi desregulada pelo
pecado; o que torna a felicidade impossível; no entanto, alguns não se conformam,
tão forte é o desejo de uma vida feliz. Não seria possível recriar o paraíso terrestre,
restaurar o quadro e os princípios do Jardim do Éden?
Capital humano (ou o empreendedor de si): a crise não á apenas econômica, social
e política, mas também é, acima de tudo, uma crise do modelo subjetivo neoliberal,
encarnado pelo ‘capital humano’. O projeto de substituir o assalariado fordista
pelo empreendedor de si, transformando o indivíduo em empresa individual, que
gera suas capacidades como recursos econômicos a serem capitalizados sucumbiu
perante a crise dos subprimes (LAZZARATO, 2014, p. 14).
[...] evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida
social em busca de acumulação de resultados econômicos conduz a uma busca
generalizada do ter e do parecer, de forma que todo o ter efetivo perde o seu
prestígio imediato e a sua função última.
[...] ‘celebridades da internet’ que, sem fazerem nada em particular, mas aquilo que
todos costumam fazer — exibir sua vida e seu corpo nas redes sociais —, conquis-
tam muitos seguidores e, portanto, despertam o interesse das empresas, que lhes
oferecem dinheiro para postar fotos promovendo seus produtos de modo mais ou
menos velado. Quanto mais honesto pareça esse gesto — ou seja, quanto menos
óbvio seja o fato de que a pessoa está sendo paga para isso —, mais interessante
será para a companhia investidora.
Referências
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Leituras recomendadas
BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis. Rio de Janeiro:
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