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1717? 1721?

Por enquanto, ainda 1717…

O tema começou a chamar a atenção quando o Irmão Chris Hodapp, no seu


blogue Freemasosns for Dummies, informou que, na Conferência sobre a
História da Maçonaria que a Loja Quatuor Coronati, n.º 2076, o Queen’s
College e a Universidade de Cambridge organizaram, dedicada ao 300.º
aniversário da fundação da Primeira Grande Loja de Inglaterra, em 1717, o
prestigiado historiador Andrew Prescott, professor da Universidade Glasgow
(que, além do mais foi o fundador e Diretor, entre 2000 e 2007, do Centro de
Investigação sobre a Maçonaria na Universidade de Sheffield) e a historiadora
Susan Mitchell Sommers, professora de História do St. Vincent College,
apresentaram uma comunicação na qual terão reportado a descoberta, na
parte de trás de um dos Livros de Atas da Loja Antiguidade, n.º 2, uma ata
referente à criação da Grande Loja de Londres e Westminster (a primeira
Grande Loja) em 1721, na qual, designadamente se refere como Grão-Mestre
fundador John Montagu, o 2.º Duque de Montagu.

A Loja Antiguidade, n.º 2, é tida como sucessora da Loja que reunia na


taverna The Goose and the Giridon, uma das quatro Lojas fundadoras da
Primeira Grande Loja.

Na edição n.º 2176 do JB News, o Irmão Kennyo Ismail retoma o tema, sob o
título O embuste da fundação da Grande Loja Unida de Inglaterra, repetindo a
informação de Cris Hodapp e afirmando que sempre duvidara do acerto da
data de 1717, por falta de “um documento com registro público da época, ou
mesmo uma notícia reproduzida em um dos jornais londrinos”.

Com todo o respeito pelo entendimento do Irmão Kennyo Ismail – de cujas


posições raramente discordo -, este seu argumento não é válido, pela simples
razão de que também se aplica a 1721… Com efeito, também nenhum registo
público ou notícia de jornal existe sobre a fundação da Primeira Grande Loja
em 1721…

Não quero com isto dizer que a descoberta da ata relatada por Prescott e
Sommers não venha a conduzir a uma revisão da data até agora aceite como
sendo a da fundação da Primeira Grande Loja. A História faz-se em função de
documentos e não se pode nem deve ignorar um novo documento descoberto.

Mas, se estou perfeitamente disponível para a revisão da data da referida


fundação, acho que é ainda prematuro fazê-lo.

Não basta um relato de uma comunicação dando conta da descoberta de um


documento. Aliás, essa comunicação ainda nem sequer está publicada: só será
publicada em 2017, juntamente com as demais comunicações da Conferência.

Temos primeiro que ler essa comunicação, para podermos verificar se o que os
seus autores declaram é efetivamente aquilo que o relato, em segunda mão,
afirma. Mas, mais, os historiadores terão que verificar e analisar o documento
descoberto, designadamente para se assegurar da sua autenticidade. E,
concluindo-se que o documento é autêntico, os historiadores terão ainda de se
assegurar da sua veracidade. Isto é, nesta questão estamos ainda no início do
que pode ser um longo caminho e de ponto de chegada ainda incerto.

Será a dita ata autêntica ou forjada? Para já, desconfio do facto de estar na
parte de trás de um dos livros de atas da Loja Antiguidade, n.º 2… Um
documento na parte de trás de um livro de atas faz desconfiar que tenha sido
elaborado depois dos que estão registados nas folhas do livro… Depois, é de
desconfiar que num livro de atas com perto de 300 anos só agora alguém
descobrisse tão importante documento…

Há ainda dados que têm de ser considerados e analisados, para se poder com
alguma segurança concluir, se for caso disso, da autenticidade do documento.
Por exemplo, William Preston foi o Venerável Mestre da Loja Antiguidade, n.º 2,
que a conduziu na secessão desta, ou de parte dos membros desta Loja, da
Grande Loja dos Modernos (a Primeira Grande Loja), em 1779, integrando
a Grand Lodge of All England at York, secessão esta que durou até 1790,
tendo então cessado com a reunificação da Loja Antiguidade, n.º 2, sob a égide
da Grande Loja dos Modernos. A causa desta secessão foi a expulsão de
Preston, acusado de ter liderado uma procissão maçónica não autorizada pela
Grande Loja. Na ocasião, Preston invocou a senioridade da Loja Antiguidade,
uma das quatro Lojas fundadoras da Primeira Grande Loja, enquanto
sucessora da Loja que reunia em The Goose and the Giridon, Em face do
documento agora surgido, se autêntico, o normal seria que Preston invocasse,
não a senioridade da Loja Antiguidade enquanto sucessora da Loja que reunia
em The Goose and the Giridon, mas sim essa senioridade em nome próprio,
em 1721…

Mas, mesmo que estabelecida seja a autenticidade do documento, haverá


ainda que verificar da sua veracidade. Sendo autêntico o documento, isso só
prova que alguém, na época, escreveu o que nele está. Resta saber se o que
está escrito é verdade!

Várias dúvidas terão de ser afastadas e para isso e indispensável conhecer o


teor exato do texto. Por exemplo, não sucederá que o responsável pela escrita
do texto considerasse que só com o início da liderança de Montagu, o primeiro
de uma longa lista de nobres que dirigiram a Primeira Grande Loja e a Grande
Loja Unida de Inglaterra até aos dias de hoje, é que verdadeiramente se podia
considerar fundada a Grande Loja? Que as lideranças anteriores, entre 1717 e
1723, de simples plebeus, mais não era do que trabalhos preparatórios para
uma vera fundação, que só se podia considerar realizada sob a égide de um
membro da nobreza?

Uma outra interrogação me assalta ainda: em 1738 (aquando da publicação da


edição dasConstituições de Anderson que relata a fundação da Primeira
Grande Loja), ainda certamente eram vivos muitos elementos que viveram a
fundação da Primeira Grande Loja. Afinal, só tinham ainda passado 21 anos –
ou 17 anos… Se Anderson falsificou a fundação da Primeira Grande Loja, ao
ponto de a antecipar em quatro anos e inventar três Grão-Mestres antes de
Montagu (ainda com a particularidade de um deles – George Payne – ter
exercido o ofício por duas vezes, não consecutivas, pormenor que não
lembraria ao Diabo inventar…), será que nenhum dos contemporâneos ainda
existentes da fundação nada diria, nem escreveria, nem ao menos faria
qualquer referência na sua Loja, que ficasse registada em ata?

Até pode ser que a data da fundação da Grande Loja tenha de ser revista e
que a lista dos seus Grão-Mestres tenha de ser amputada de três elementos
(incluindo Desaguliers). Mas, para já, o que sabemos, na minha opinião, ainda
não permite essa conclusão. Ainda há que ler, que estudar o documento, que
analisar, enfim, que fazer o trabalho que os historiadores fazem, antes de se
chegar a uma conclusão definitiva. Que pode alterar a data até agora aceite ou
manter essa data como a correta…

Aguardemos com paciência, que também deve ser uma virtude cultivada pelos
maçons!

Autor: Rui Bandeira

Fonte: A Partir Pedra

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