Você está na página 1de 2

Universidade Federal da Bahia – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Pensamento Antropológico Clássico no Brasil - FCHE90

Prof.: Livio Sansone

Aluna: Mariana de Araújo

Análise do livro “As Raça Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil”, Nina


Rodrigues

Nina trata em seu texto da responsabilidade exigida penalmente ao indivíduo pela


prática delituosa e dos critérios levados em conta para essa penalização. Ele inicia o
capítulo III evidenciando o caráter “universal” do código penal e como todos os
indivíduos são responsabilizados por seus delitos de forma igual perante a lei.
Entretanto, ele aponta, existem fatores que influenciam no nível da “responsabilização”
de um indivíduo e que deveriam ser levados em consideração, sendo a raça um deles.
Para Nina, a igualdade das raças perante o código penal deixaria subtendida a ideia
(equivocada) de que para a lei, todos seriam responsabilizados de maneira semelhante.
“Desconhecendo a grande lei biologica que considera a evolução ontogenica simples
recapitulação abreviada da evolução phylogenica, o legislador brazileiro cercou a infan-
cia do individuo das garantias da impunidade por immaturidade mental, creando a seu
beneficio as regalias da raça, considerando iguaes perante o codigo os descendentes do
europeu civilisado, os filhos das tribus selva-gens da America do Sul, bem como os
mem-bros das hordas africanas, sujeitos á escra-vidão.” (N. RODRIGUES, 1894, p.77)

Logo após essa constatação, ele evidencia a discrepância entre essa compreensão e a
realidade prática através do art. 1° da lei de 10 de Junho de 1835, onde punia com morte
o escravo, o americano e o africano que assassinasse ou ferisse gravemente seu senhor.
Outro exemplo trazido por Rodrigues é o do tratamento dos indígenas no Sul da Bahia,
onde os indígenas considerados civilizados eram punidos pela lei, como cidadãos
brasileiros, enquanto os considerados selvagens eram caçados e tinham suas aldeias
dizimadas pelos povoados onde os crimes teriam sido cometidos. Tendo essa situação
em vista, o Dr. Sá, colega de Nina Rodrigues e relator da situação anterior, propõe que
outros fatores devam ser levados em consideração como critérios de penalização, como
o grau de instrução, classe social, condição econômica, temperamento, etc. Nina sugere
um desses novos fatores a serem levados em consideração seja a raça. Aqui, ele cita
Tobias Barreto para defender sua sugestão, uma vez que “para que haja imputabilidade,
isto é, responsabilidade penal, diz Berner, se deve ter a consciencia de si mesma, a
consciencia do mundo exterior, e a conscien-cia desenvolvida do dever" (N.
RODRIGUES, 1894, p.81), consciência do dever se tratando de um dos quatro
momentos da evolução individual: a consciência de si mesmo, a consciência do mundo
externo, a consciência do dever e a consciência do direito, esses dois últimos sendo
desenvolvidos de maneira distinta entre povos em “diferentes fases da evolução
sociológica” (p.83), impossibilitando então a compreensão e consciência do direito para
os “povos inferiores”, diferentemente dos povos civilizados ou sociologicamente
evoluídos, uma vez que os entendimentos do conceito de direito variam de uma
civilização para outra, de uma época para outra. Para Nina, as condições existenciais das
sociedades nas quais as raças inferiores vivem os levam a uma consciência do direito e
dever diferente, até mesmo antagônica a das raças superiores, em soma a isso, ele
acrescenta, há também a falta de uma “imposição revolucionária de uma composição
social” (p.84) que estaria presente na evolução físico-psicológica dos povos “cultos
evolutivamente”.

Uma vez que essa consciência é produto de uma evolução cultural e não um esforço
individual, Nina argumenta que seria inconcebível então, “tornar os barbaros e selva-
gens responsaveis por não possuir ainda essa consciencia, como seria iniquo e pueril
punir os menores antes da maturidade mental por já não serem adultos, ou os loucos por
não serem sãos de espirito.” (p.85).

Entretanto, ele assegura que sua obra não tem como objetivo defender a impunidade das
raças inferiores, e finaliza o capítulo com a seguinte afirmação:

“Se, de facto, a evolução mental na espe-cie humana é uma verdade, á medida que
des-cermos a escala evolutiva, a mais e mais nos deveremos approximar das acções
automati-cas e reflexas iniciaes. Deste geito, nas raças inferiores ,a impulsividade
primitiva, fonte e origem de actos violentos e anti-sociaes, por muito predominarão
sobre as acções reflecti-das e adaptadas, que só se tornaram possíveis, nas raças cultas e
nos povos civilisados, com o apparecimento de motivos psychicos de uma ordem moral
mais elevada. Entretanto, em rigor, esta nova ordem de irresponsabilidade para as raças
inferiores no Brasil, — que havendo de desenvolver nas li-cções subsequentes —, não é,
de facto, mais do que uma outra face apenas do assumpto discutido nesta licção. Com
effeito, as condições existenciaes de cada sociedade, das quaes se origina e pro-cede
todo o direito, não são em ultima analy-se senão o resultado da sua capacidade men-tal,
— effeito e causa ao mesmo tempo da evolução social —; de sorte que é sempre na
psychologia das raças humanas existentes no Brazil que havemos de procurar a
capacidade delias para o exercício das regras, de direito, que as regem.”

Você também pode gostar