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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAMPUS DO PANTANAL
MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS

EDSON PEREIRA DE SOUZA

TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS


ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS

CORUMBÁ/MS
2012
EDSON PEREIRA DE SOUZA

TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS


ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços
da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, Campus do Pantanal, como requisito final
para obtenção do título de Mestre, sob a
orientação do Prof. Dr. Sérgio Ricardo
Oliveira Martins.

CORUMBÁ/MS
2012
FICHA CATALOGRÁFICA

Souza, Edson Pereira de.


Territorialidades e conflitos entre o Distrito de Taunay e Aldeias
Indígenas Circunvizinhas: Fronteiras Etnoculturais / Edson Pereira
de Souza; orientador: Sérgio Ricardo Oliveira Martins –
Corumbá/MS, 2012, 90 p.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Mato


Grosso do Sul, Campus do Pantanal, Programa de Pós-graduação
Strictu Senso em Estudos Fronteiriços.
Este documento corresponde à versão final da dissertação de mestrado intitulada
TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS
INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS, à Banca
Examinadora do Mestrado em Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, Campus do Pantanal, tendo sido APROVADO. em 28/09/2012.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________
Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Sérgio Ricardo Oliveira Martins
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

___________________________________________
Membro externo ao Programa de Mestrado em Estudos Fronteiriços
Prof.ª Dr.ª Icléia Albuquerque de Vargas
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS

___________________________________________
Membro
Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
A Srª Maria Aparecida de Souza (in
memorian), minha mãe, que não mediu
esforços em me apoiar e educar.

Aos queridos vizinhos, o casal Sr. Alfredo


Fraulob e Maria Mardine Fraulob pelos
ensinamentos, diálogos, 'puxões de orelha' e
apoio e incentivo incondicional.

A Srtª Ariane Nantes Braz, pessoa a quem


tenho imenso e intenso apreço, por ser a
inspiração da minha busca incessante pela
qualificação educacional.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente, externo meus agradecimentos a Deus por ter me concedido vida, e


em seguida, a oportunidade de aprender e me qualificar, para em seguida tentar contribuir
com a sociedade, principalmente os povos indígenas.
Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços, Campus do Pantanal da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - PPGEF/CPAN/UFMS, por ter acreditado no
meu projeto e me aceitado neste programa.
Neste terceiro momento, ao meu amigo e orientador Prof. Dr. Sérgio Ricardo
Oliveira Martins, por me EDUCAR cientificamente, com sugestões, duras, chamadas de
atenção, correções, sugestões, discussões técnicas, esclarecimentos, apoios, articulações, idas
a campo nas aldeias do Distrito de Taunay, tudo isso, em prol do meu crescimento científico;
obrigado pelo crédito depositado.
À Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul - PROPP/UFMS, especialmente em duas situações: a primeira na concessão da
”bolsa REUNI de mestrado”, e a segunda, durante entraves que enfrentei no transcorrer da
pesquisa, em decorrência de tramitações no Comitê de Ética e Pesquisa - CEP, juntamente
com o CONEP, por se tratar de pesquisa em terras indígenas, e no momento de descrédito,
tive o apoio salutar e magnífico do Chefe da Coordenadoria de Pós-Graduação da UFMS,
Prof.ª Dr.ª Maria Rita Marques.
Acrescento também o imenso apoio dado pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI,
através do seu Coordenador Regional, o Sr. Edson Fagundes, bem como o servidor desta casa,
o antropólogo, Sr. Alexandre Silva Rampazzo. Externam-se agradecimentos a Fundação
Nacional de Saúde - FUNASA, especialmente ao departamento de mapeamento, por conceder
dados atualizados inerentes ao contingente populacional da referida área de pesquisa.
À Escola Evangélica Lourenço Buckman - EELB, localizada no Distrito de Taunay,
especialmente nas pessoas de Srª Delair de Oliveira Wargas (Diretora), e também Indíria
Carvalho de Oliveira (coordenadora), estendendo-se também os agradecimentos aos demais
professores, secretariado e alunos, pelo imenso apoio no desenvolver desta pesquisa; bem
como pela aceitação imediata deste pós-graduando ao corpo docente da escola.
De maneira enfática, agradeço a oportunidade de contato, troca de ideias e
informações, a todos os colegas de mestrado, da turma de 2010. Desejando assim, sucesso nos
6

resultados das pesquisas dos colegas, e que os mesmos não parem, e deem continuidade nesse
crescimento intelectual, e deem um retorno à sociedade.
À minha família, iniciando-se pela minha mãe Sr.ª Maria Aparecida de Souza (in
memorian), que pôde ver o meu ingresso a este programa, mas por percalços da vida, não
poderá ver o seu final; externa-se também ao meu irmão Alexsandro Pereira Gomes pelo
apoio e pelas ”correrias”, idas e buscas na rodoviária e pontos estratégicos de minha ida ao
Distrito de Taunay e Corumbá, como também de chegada à Campo Grande.
À minha amiga Senhora Queli Waldow Gonçalves, pelo imenso apoio, correção
gramatical, na construção de artigos e textos, bem como pelas críticas construtivas e apoio nos
meus momentos de desabafo.
Ao amigo David Rees Dias, pela ajuda e apoio quanto à forma motivacional, para
que eu nunca desistisse, e pudesse ser alguém, por meio de objetivos a serem traçados, assim
como nos ensinamentos de caráter e objetividade profissional e relacional.
Faz-se imprescindível mencionar as seguintes pessoas que de forma direta e/ou
indireta propiciaram apoio e ensinamentos, quais sejam: Prof.ª NOSIMAR Ferreira dos
Santos Rosa; Perito ALBERTONI Martins da Silva Junior; Bibliotecária TÂNIA Regina de
Brito; Procurador do Trabalho CÍCERO Rufino Pereira; Oficial de Justiça LAURA Regina
Echeverria da Silva; Prof. ODAILSON Figueiredo; Prof.ª MARCILENE Ramos; Prof.
ANTONIO Firmino de Oliveira Neto; Prof.ª ICLÉIA Albuquerque de Vargas; Prof.ª ANA
Paula Correia de Araujo; Técnico Administrativo JOÃO Batista; Prof. MILTON Augusto
Pasquotto Mariani; Turismóloga LÍGIA Magalhães Braga; Prof.ª ROSANGELA Vargas; PRF
VALTER Lopes Rodrigues; Administrador NATANAEL Junior Cardoso de Miranda; Prof.ª
LUCIANI Coelho Guindo; Pastor MARCOS Batista Ferreira; Capelão EDILSON dos Reis.
Diante do exposto, PEÇO DESCULPAS se porventura esqueci de mencionar alguém
que, de maneira direta e/ou indireta, contribuiu para que eu pudesse chegar até o ponto
conclusivo desta pesquisa.
Por fim, prezados e eternos COLEGAS e AMIGOS, quero lhes agradecer os
momentos de grande valia, que nos piores momentos e/ou de entraves vocês me estenderam a
mão, me orientaram, me ensinaram que na vida há sempre um melhor caminho a seguir, que a
melhor vitória de um ser humano é extrair a felicidade com pequenos e talvez desconhecidos
gestos.
O poder está dentro da comunidade e ela o
exercita controlando o resultado social dos
seus atos (KEPPI, J., 2001).
RESUMO

Quando os portugueses e espanhóis chegaram aqui (no Brasil) a terra já estava ocupada pelas
populações indígenas. Com isso, o Estado de Mato Grosso do Sul tem a segunda maior
população indígena do país, ficando atrás apenas do Amazonas. Os Terena, por contarem com
uma população bastante numerosa e manterem um contato intenso com a população regional,
são o povo indígena cuja presença no estado se revela de forma mais explícita, por meio do
contato entre indígenas e não indígenas (purútuye). Nessa relação étnica de contato, é que,
objetivou-se compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a
fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas. Para tanto, definiu-
se procedimentos técnico-metodológicos para se trabalhar com pesquisa em terras indígenas,
quais sejam: fez-se a delimitação, a qual abrange a área do Distrito de Taunay e as aldeias
indígenas circunvizinhas, em seguida, partiu-se para a revisão teórica sobre alguns elementos:
cultura, comunidade, território, territorialidade, conflitos, fronteira e etnicidade, em
sequência, um trabalho de escritório para orientar (e complementar) o trabalho de campo.
Posteriormente, aplicou-se a técnica de observação, em conjunto do orientador, sendo
indispensável ao melhor proveito possível do trabalho de campo. Utilizaram-se recursos
como: caderneta de campo e da máquina fotográfica enquanto instrumento de registro.
Depois, elaborou-se um planejamento do trabalho de campo, que consistiu da observação
sistemática da realidade com registros diretos em caderneta de campo, pesquisa documental,
produção de imagens fotográficas digitais e coleta de depoimentos por meio de relatos orais e
entrevistas. Após esta sistemática metodologia aplicada, a fim de equacionar o objetivo
estabelecido, percebeu-se que as relações étnicas entre indígenas e não indígenas podem ser
denominadas de fronteiras etnoculturais, não somente pelo quesito geográfico, mas também
pelas relações de contato e inter-relações existentes.

Palavras-chave: Territorialidades, Populações Indígenas, Fronteira Etnocultural.


ABSTRACT

When Portuguese and Spanish arrived here (in Brazil) the land was already occupied by
indigenous peoples. Therefore, the Brazilian state of Mato Grosso do Sul has the second
biggest indigenous people of the country, the first is the state of Amazonas. Terena, which has
a large population and maintains intense contact with other people in region, are the
indigenous people whose presence in Mato Grosso do Sul is more visible by contact between
indigenous and non indigenous (purútuye). In this ethnic relation, this research aimed to
understand the dynamics of conflict and territorialities that characterize the ethno-cultural
frontier in District of Taunay and indigenous villages surrounding. Technical and
methodological procedures were needed to research in abovementioned indigenous lands: a) it
was demarcated the geographic area of research, which covers the District of Taunay and
indigenous villages surrounding; b) a bibliographic review was done about following
elements: culture, community, territory, territoriality, conflicts, frontier and ethnicity; c) the
office work was done to guide (and complement) the field work. Subsequently, it’s applied
the observation technique in field work, where the accompaniment of the advisor was very
important to make better use of data collection. In field work, the field notebook was used to
record details and a photographic camera to capture images. The field work was conducted
and a systematic observation was done. Documentary research, production of digital
photography and collecting of oral narratives have been made at field work too. The field
surveys were performed in order to reach the objectives of this research. The results has
shown that the ethnic relations between indigenous and non indigenous may be called ethno-
cultural frontier, not only by its geographic characteristics but also by the inter-relationships.

Keywords: Territorialities, Indigenous peoples, Ethno-cultural frontier.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Representação da localização do Distrito de Taunay................................................46


Figura 2: Placa indicativa de entrada ao Distrito de Taunay e Aldeias. ...................................48
Figura 3: Placa que delimita a entrada nas Terras Indígenas. ..................................................48
Figura 4: Associação de Moradores do Distrito de Taunay. ....................................................49
Figura 5: Posto dos correios no Distrito de Taunay. ................................................................49
Figura 6: Escola Evangélica Lourenço Buckman (Indígena) no Distrito de Taunay. ..............51
Figura 7: Escola General Rondon (Indígena) na Aldeia Bananal. ...........................................51
Figura 8: Escola Indígena, de 1° e 2° Grau, na Aldeia Bananal...............................................52
Figura 9: Igreja na Terra Indígena da Aldeia Lagoinha. ..........................................................52
Figura 10: Indígenas e não-indígenas preparadas para a dança Terena – putu-putu................53
Figura 11: Apresentação cultural de indígenas Xavantes do Norte de Mato Grosso. ..............53
Figura 12: Apresentação cultural de crianças indígenas e não-indígenas. ...............................53
Figura 13: Professor de História, não indígena com seu aluno, indígena, Xavante. ................53
Figura 14: Pesquisador aplicando temática transversal aos indígenas. ....................................54
Figura 15: Capacitação pedagógica entre professores indígenas e não-indígenas. ..................54
Gráfico 1: Mostra a distribuição por faixa etária dos entrevistados. ........................................66
Gráfico 2: Informa a distribuição pelo gênero dos entrevistados.............................................66
Gráfico 3: Apresenta a maneira como os entrevistados se identificaram.................................67
Gráfico 4: Distingue a localização de residência dos entrevistados.........................................67
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Caracterização Demográfica, Étnico-Cultural dos Povos Indígenas do DSEI-MS..46


Tabela 2: Correlação dos atores sociais com o objeto..............................................................47
Tabela 3: Caracterização demográfica pelo número de residências dos Povos Indígenas que
circundam o Distrito de Taunay, município de Aquidauana-MS.............................................65
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................13
1 O CONCEITO DE FRONTEIRA ETNOCULTURAL ...................................................19
1.1 Etnicidade e Fronteira .....................................................................................................20
1.2 Território e Territorialidade, como elementos do conceito de fronteira Etnocultural
............................................................................................................................................34
2 A FRONTEIRA ETNOCULTURAL NO DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS
CIRCUNVIZINHAS ..............................................................................................................43
2.1 Processo Histórico e Caracterização do Distrito de Taunay e das Aldeias
Circunvizinhas ..................................................................................................................44
2.2 Caracterização dos Atores, dos Locais de Interação e da Natureza da Pesquisa.......47
2.3 Caracterização da Fronteira Etnocultural do Distrito de Taunay e das Aldeias
Circunvizinhas ..................................................................................................................55
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................78
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................81
APÊNDICE A .........................................................................................................................85
APÊNDICE B..........................................................................................................................87
APÊNDICE C .........................................................................................................................88
13

INTRODUÇÃO

No Brasil, presenciam-se até os dias atuais, principalmente, nos veículos de


comunicação, as relações estabelecidas/existentes entre indígenas e não indígenas,
desdobrando-se em relações harmônicas e desarmônicas. Isto não é diferente em Mato Grosso
do Sul, que possui a segunda maior população indígena do país. Sendo assim, especificam-se
estas relações étnicas na área de estudo que foi o Distrito de Taunay e as Aldeias
Circunvizinhas.
Com isso, a presente pesquisa, primeiramente, pretende verificar a necessidade de
compreender os conflitos etnoculturais no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas do
município de Aquidauana. Tal compreensão se faz necessária ao equacionamento dos
problemas ali encontrados. Pouco se sabe sobre a natureza e os motivos que desencadeiam os
conflitos em Taunay, tampouco sobre as relações de interdependência que afetam e redefinem
a fronteira etnocultural. Tal conceito, em proposta de construção, refere-se à complexidade
das relações socioculturais em territórios questionados e mesmo indefinidos.
Geograficamente, a fronteira etnocultural emerge nos contatos, nas relações e
embates entre grupos culturalmente distintos, transcendendo os limites territoriais das reservas
indígenas ali demarcadas. Imersa nesta realidade, esta proposta de investigação se objetiva em
estudar como a fronteira etnocultural se expressa nas relações e territorialidades
socioespaciais, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas.
No entanto, sabe-se que a problemática indígena é expressiva em Mato Grosso do
Sul, desdobrando-se em pesquisas de outras áreas de conhecimento. Exemplificam-se
algumas das problemáticas recentes com os povos indígenas de Mato Grosso do Sul no ano de
2011, que fora o ateamento de fogo, por meio do 'coquetel molotov1' a um ônibus, no para-
brisa dianteiro, do lado direito do motorista, da frota do Transporte Escolar de Miranda, que
fazia o trajeto entre a área urbana e a Aldeia Cachoeirinha.
O atentado aconteceu na primeira entrada que leva à Aldeia Babaçu (que faz parte do
complexo Cachoeirinha). Com o impacto, o para-brisa quebrou e a gasolina se espalhou pela

1
Trata-se de uma bomba incendiária de fabricação caseira: uma garrafa cheia de combustível com um pavio no
gargalo. Esse tipo de arma existe desde que se descobriram os poderes inflamáveis da gasolina, mas o nome
surgiu na Segunda Guerra Mundial. Os guerrilheiros soviéticos utilizavam armas domésticas como essa para
atacar o exército alemão e resolveram prestar uma homenagem ao chanceler (ministro das Relações Exteriores) e
então presidente do Conselho de Ministros da antiga União Soviética: Vyacheslav Mikhailovich Molotov (1890-
1986). O próprio chanceler chegou, inclusive, a encomendar uma grande quantidade de garrafas para atacar os
invasores. Disponível em: <http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-funciona-e-onde-surgiu-o-
coquetelmolotov>, acesso em 18 de maio de 2012).
14

parte dianteira do ônibus. Ao mesmo tempo, diversas pedras foram atiradas nas janelas do
lado direito, quebrando diversos vidros, inclusive os da porta2. Diante desse fato lamentável,
diversos indígenas ficaram feridos, alguns de forma mais grave, e foram transportados a 220
km, no caso, transferidos para a Santa Casa de Campo Grande-MS.
Ainda segundo o Jornal Gazeta do Pantanal (2011), o ataque teria sido feito por
pessoas a mando de fazendeiros – que disputam terras com os índios, pois, no mês de março
de 2011, os Terena ocuparam duas fazendas no município de Miranda-MS, uma delas
denominada fazenda Petrópolis, do ex-governador de Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian,
tendo a Justiça, no entanto, ordenado a retirada dos indígenas da referida área.
Outra evidência desta problemática indígena são os dados apontados pelo CIMI -
Conselho Indigenista Missionário de 2011 - que mostra Mato Grosso do Sul como o estado
brasileiro com mais registros de casos de violência contra os povos indígenas, concentrando
um percentual de 57% de todos os assassinatos de índios no país. O CIMI (2011) apresenta
que no ano de 2010 foram registrados 60 assassinatos de índios em todo o Brasil. Desse total,
34 deles aconteceram no Mato Grosso do Sul, sendo 29 mortos da etnia Guarani-Kaiowá, 01
da etnia Guarani Nhandeva, 01 Terena, 01 Ofaye-Xavante e 02 Kadiweu.
De acordo com informações apresentadas pelo CIMI (2011), acrescenta-se que mais
de 50 mil índios do Mato Grosso do Sul estão confinados em pequenas reservas, insuficientes
para o contingente populacional atual, principalmente os da etnia Guarani-Kaiowá que são
obrigados a viver em pequenos espaços de terra.
Nos últimos anos, esse confinamento está crescendo por causa da expansão das
plantações de soja e cana, acirrando o conflito por terras. As manifestações por demarcações
de novas áreas estariam sendo reprimidas com violência. O maior número de assassinatos no
estado aconteceu em cidades como Dourados, Amambaí e Caarapó, cidades onde estão
concentradas as maiores aldeias indígenas da etnia Guarani-Kaiowá (CIMI, 2011).
O conflito com fazendeiros, principalmente os mono-agroindustriais, tem gerado um
confronto ofensivo e violento contra os índios, não sendo reprimido pelo poder público.
Sendo assim, a pressão dos povos não-indígenas pela não regularização destas terras, nesse
processo demarcatório, inviabiliza assim a efetividade do cumprimento das legislações para
com os povos indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul.
O relatório do CIMI (2011) aponta ainda, que além da falta de emprego para as
populações indígenas no Mato Grosso do Sul, agravada pela mecanização das lavouras de

2
Fonte: Informação extraída do Jornal Gazeta do Pantanal, de 6 de junho de 2011.
15

soja e cana, há problemas em relação ao atendimento à Saúde, Educação e Assistência Social.


No relatório, constata-se que os índios de Mato Grosso do Sul enfrentam situações como:
pobreza, fome e falta de perspectiva. Uma das consequências é o alcoolismo e o alto número
de suicídios, além da violência generalizada.
Diante do exposto, os povos indígenas de Mato Grosso do Sul, presentes no III
Congresso da CPT, realizado em Montes Claros (MG), em maio de 2011, produziram uma
carta que diz:

A realidade das comunidades indígenas do Mato Grosso do Sul é das mais


cruéis e violentas de nosso país, e merece a mais forte repulsa. Foram
espoliadas de suas terras e hoje vivem espremidas em minúsculas aldeias que
não lhes possibilita as mais elementares condições de sobrevivência, quando
não são empurradas para acampamentos às beiras das estradas, sempre perto
de uma terra tradicional, sujeitas às intempéries, à fome, à sede… Um povo
autossuficiente, de uma riqueza cultural ímpar, é tratado como marginal,
como escória da sociedade, mal visto pelo conjunto da sociedade sul-mato-
grossense. Uma realidade que clama aos céus.

Segundo CIMI (2012), precisamente no dia 18 de agosto de 2012, fazendeiros


anunciaram “guerra” contra indígenas que têm direito à posse de terras no extremo sul do
Estado. Em virtude disso, destaca-se que os povos indígenas anunciaram novas ocupações e
lutaram com mulheres e crianças sem armas, já os fazendeiros com os recursos disponíveis.
Ambos culparam o Governo pelo conflito que existiu.
Por estes e outros motivos, além da significativa população indígena presente em
MS, a importância do presente tema está relacionado, sobretudo, com a situação
historicamente conflitante que tem sido a demarcação das terras indígenas. Na base dos
conflitos está a ocupação e uso pelos povos não indígenas de “terras tradicionais” indígenas, e
a tentativa destes (indígenas) de recuperá-las.
Informa-se outro ponto muito importante que desencadeou esta pesquisa: o fato de
ter sido convidado, por um indígena, nos corredores da UFMS, Campus de Aquidauana, no
final de 2007, para ministrar aulas de Geografia, numa escola indígena. Diante do convite
feito, no início de 2008, fui à Escola, denominada ”Escola Evangélica Lourenço Buckman”
(EELB), sito à Rua Americana s/n, no Distrito de Taunay/Aquidauana – MS, tendo como
Diretora a Senhora Delair de Oliveira Wargas (Índia Terena). Cheguei à EELB e observei
uma realidade, uma relação temporal, (por exemplo: a dinâmica das atividades
desempenhadas, serem num ritmo menos intenso que na cidade), totalmente contrária ao meu
cotidiano citadino.
16

Na EELB, a diretora relatou o processo histórico de surgimento da escola, conotando


que as atividades educacionais remontam cinco décadas, nascendo do desejo de dois
moradores (indígenas da etnia Terena) deste Distrito de Taunay, que almejavam implantar
uma escola evangélica nesta localidade para atender as crianças desde o 1º ao 4º ano primário.
Resumidamente, ela contou que, em 1979, foi a única Escola da região a atender
plenamente o 1º Grau (1ª a 8ª Séries) e oferecendo ainda uma classe de alfabetização com
”ensino transcultural” (bilíngue), para melhor adaptação das crianças Terenas oriundas das
aldeias desta região, utilizando método próprio de alfabetização.
Acrescenta-se que, em 1998, implantaram gradativamente o funcionamento do
Ensino Médio (Lei nº 7044/82), pois “entendiam que é preciso avançar para fornecer, aos
nossos alunos, condições de prosseguirem na senda do conhecimento e tenham mais chances
de lutar por uma melhor qualidade de vida” (palavras da Diretora da EELB).
Por isso, ao vivenciar aquele mundo e realidade de relações interculturais, chamou-
me a atenção, para que de forma científica, pudesse tentar entender, e/ou identificar elementos
que ora caracterizam a união nas relações, bem como, evidenciar situações advindas de
conflitos decorrentes do processo histórico, a fim de atender o objetivo desta pesquisa que foi
de, especificamente estudar como a fronteira etnocultural se expressa nas relações e
territorialidades socioespaciais, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas. Com isso, no
decorrer do texto, tentar-se-á responder ao seguinte questionamento direcionador: "Como ou
quais elementos substanciam o conceito de fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e nas
Aldeias Circunvizinhas?"
É nesse viés que essa pesquisa encontra-se enquadrada na área de concentração
“Estudos Fronteiriços”, inserido na linha de pesquisa: Desenvolvimento, Ordenamento
Territorial e Meio Ambiente, em que aborda o processo de ordenamento territorial na
promoção do desenvolvimento de área fronteiriça, e assim, analisando os arranjos territoriais
como expressões dos processos de organização do espaço rural produzidos no território.
Considerando o prisma de abordagem deste problema de investigação, esta pesquisa
é tratada de maneira qualitativa, haja vista a percepção de premissas quanto à relação
dinâmica entre a realidade e o sujeito, ou seja, uma indissociabilidade entre a forma de vida
objetiva e a subjetividade dos atores sociais, que às vezes, não se traduz numericamente.
No transcorrer da pesquisa, e conforme os procedimentos metodológicos
(apresentados a seguir), não foram necessários o uso de métodos e técnicas de cunho
estatístico. Acrescenta-se que o Distrito de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas foram fontes
17

diretas para a coleta de dados (principalmente, os relatos orais), e este pesquisador, também
foi instrumento para esta pesquisa, por ter sido professor numa escola indígena e vivenciar,
através de um olhar externo, as dinâmicas ali existentes. Porém, até o presente, tudo está em
conformidade com as exigências do CEP/UFMS e FUNAI, e ainda no aguardo do parecer
final da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP (de Brasília), após em maio de
2012, ter atendido todos os condicionantes exigidos.
Diante do exposto, na tentativa de melhor esclarecer o objetivo desta pesquisa,
pensou-se e pesquisou-se sobre procedimentos técnico-metodológicos para se trabalhar em
terras indígenas, as quais se descrevem: primeiramente, fez-se a delimitação da pesquisa à
área do Distrito de Taunay e às aldeias indígenas circunvizinhas; posteriormente, partiu-se
para a pesquisa e revisão bibliográfica sobre as seguintes categorias: cultura, comunidade,
território, territorialidade, conflitos, fronteira e etnicidade, em seguida, um trabalho de
laboratório para orientar (e complementar) o trabalho de campo.
Em seguida, fez-se treinamento para a técnica de observação, acompanhado pelo
orientador, sendo indispensável ao melhor proveito possível do trabalho de campo. Teve-se
como instrumentos de registro o uso da caderneta de campo e da máquina fotográfica. Depois,
elaborou-se um planejamento do trabalho de campo, que consistiu da observação sistemática
da realidade com registros diretos em caderneta de campo; pesquisa documental e produção
de imagens fotográficas digitais. Foram dois os seguimentos de coleta de dados: a) Coleta de
dados secundários e b) Coleta de relatos orais.
Ressalta-se que por essa pesquisa ser desenvolvida em terras indígenas, garantiu-se a
confidencialidade na identificação dos sujeitos da pesquisa, sendo eles representantes
legalmente instituídos ou indicados das seguintes instituições: Associação de Moradores
Indígenas, Associação de Moradores Não Indígenas, escolas indígenas, escolas não-indígenas,
igrejas, estabelecimentos comerciais e as lideranças indígenas (apêndice B).
E também, quanto ao critério de inclusão e exclusão de sujeito de pesquisa, pois a
opção por sujeitos com representatividade institucional é a mais adequada aos propósitos da
pesquisa, ao tratar de conflitos territoriais e etnoculturais. Neste sentido, foi fundamental
recorrer a visões mais abrangentes e representativas, a fim de obter relatos com maior grau de
impessoalidade.
Sendo assim, o objetivo principal e toda a estruturação teórico-metodológica
apresentada foram a fim de elucidar e evidenciar o porquê dos resultados, considerações finais
e/ou proposituras feitas; tudo na tentativa de esclarecer a problematização inicial da pesquisa.
18

Por se tratar de pesquisa em áreas indígenas, fez-se necessário que o pesquisador se


submetesse a exigências importantes, das quais, informa-se que: a) submissão do projeto ao
CEP/MS; b) submissão do projeto à FUNAI (de Campo Grande-MS, e também de Brasília);
c) tomar vacinas, como requisito obrigatório da FUNAI, para adentrar às ‘terras indígenas’; d)
submissão do projeto ao CONEP, via CEP/UFMS (onde, após ter atendido todos os
condicionantes no mês de maio de 2012, aguarda-se parecer final).
Com isso, espera-se contribuir para uma compreensão das relações e dinâmicas
socioespaciais entre indígenas e não-indígenas, propiciando subsídios relevantes à gestão dos
conflitos etnoculturais na área. Pretende-se, ainda, que esta pesquisa seja ponto de partida
para outros trabalhos sobre a realidade socioespacial e etnocultural do Distrito de Taunay e
das Aldeias Circunvizinhas.
Assim, este trabalho segue estruturado em três partes. Na primeira, encontra-se a
fundamentação teórica, na tentativa de se fazer uma abordagem sobre o conceito de “Fronteira
Etnocultural”, a partir de alguns elementos, tais como: i) etnicidade e fronteira; ii) território e
territorialidade, a serem identificados na área de estudo. Já na segunda parte, apresentar-se-á a
aplicabilidade dos materiais e métodos utilizados na área de estudo, ou seja, a caracterização
dos atores, nos seus locais de interação e da natureza desta pesquisa, a fim de, através das
premissas socioespaciais identificadas, subsidiar o conceito de fronteira etnocultural, com a
narrativa da experiência empírica realizada.
Por último, na terceira parte, a consolidação dos fatos identificados. Na parte das
considerações finais, além do embasamento encontrado a fim de fundamentar e fortalecer esta
fronteira etnocultural, ser aporte teórico-científico à comunidade pesquisada e suas esferas
governamentais, conforme compromisso firmado (como exemplo: a FUNAI, que solicitou
uma cópia da dissertação após finalizada).
19

1 O CONCEITO DE FRONTEIRA ETNOCULTURAL

O Programa de Pós-Graduação em Estudos Fronteiriços (PPGEF), no Câmpus do


Pantanal da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, constituiu-se como um local
estratégico e privilegiado de intercâmbio entre pesquisadores e alunos que estejam em
formação, e que buscam estudar e compreender o tema cerne do PPGEF, qual seja a temática
fronteira.
Percebe-se que além do intercâmbio e participação de pesquisadores, também tem
sido um “espaço geográfico” de participação de lideranças; segmentos políticos; estrangeiros
e, até o presente momento, voltado para os indígenas do nosso Estado, especificamente, mas
não apenas, para os índios do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, pertencentes ao
município de Aquidauana, na busca de se investigar como se estabelecem as relações
etnoculturais nestas localidades.
Nesse sentido, merecem destaque as experiências adquiridas nas ”terras indígenas”,
bem como a constituição e compreensão das relações étnicas e interétnicas entre indígenas e
não-indígenas no Estado de Mato Grosso do Sul. Sendo assim, partindo das premissas
teórico-bibliográficas, tentar-se-á expor elementos que possam subsidiar, e também
evidenciar, a proposta de fundamentação do conceito de Fronteira Etnocultural.
Por isso, essa pesquisa direcionou-se à linha 2, que trata sobre “Desenvolvimento,
Ordenamento Territorial e Meio Ambiente”, cuja linha de pesquisa abarca a distribuição
espacial e setorial de atividades socioeconômicas e de gestão, e, principalmente, abordando o
processo de ordenamento territorial na promoção do desenvolvimento de uma região
fronteiriça, analisando os arranjos territoriais como expressões dos processos de organização
do espaço rural, sendo este local do objeto de estudo, além da ação diferenciada dos mesmos e
dos impactos produzidos no território.
O fato desencadeador, que norteou esta pesquisa, e também esta proposta conceitual
de Fronteira Etnocultural, se dá pelo fato dos povos indígenas, no Brasil, e especificamente no
Estado de Mato Grosso do Sul, serem vistos pelos não-indígenas ora de forma preconceituosa
ora de forma idealizada. Tal situação se dá, por apontamentos vistos por teóricos, tais como
Azanha (2005, p. 87), que os povos indígenas estavam sujeitos aos "preconceitos vigentes nas
escolas dos purutuyé", onde esse purutuyé significa não-indígenas, ou seja, indígenas
passando por dificuldades no processo ensino-aprendizagem, em decorrência de preconceitos.
20

Já a forma idealizada, como aponta Azanha (2005, p. 88), é sobre as amplas áreas de
vegetação ainda preservadas nas áreas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas que:

[...] apesar da pressão interna por novas áreas de cultivo - refletem a


necessidade de manterem-se as fontes básicas do trabalho interno das
mulheres Terena - qual seja: a cerâmica, a cozinha e o extrativismo vegetal -
e sua fonte de medicamentos. Mas aqui aparece outra limitação: o mercado
para o artesanato, também não incentivado por quaisquer governos. O
resultado desta limitação é o crescente número de jovens mulheres Terena
empregadas no serviço doméstico em centros urbanos regionais - de onde é
comum voltarem grávidas dos filhos (ou mesmo dos maridos) de suas
"patroas".

Sendo assim, Oliveira (1976) chama a atenção para a designação pejorativa do termo
bugre que era imposta aos Terena pelos regionais como uma forma de identificá-los como
bêbados e preguiçosos entre outros rótulos negativos. No contexto acima, observa-se, por
exemplo, o princípio das relações etnoculturais, ou seja, estabelecidas por meio do contato, e
também por situações territoriais, e assim percebe-se, ainda que focalizando um só lado, a
existência de preconceitos, bem como idealizações (e/ou perspectivas), que se desdobram em
possíveis conflitos.
Por isso, observa-se que ”na” e “a” terra é fundamental para os índios Terena, pois é
o local de produção e reprodução cultural e econômica. Sendo assim, mediante estas relações
etnoculturais é possível se desvelar uma compreensão sobre alguns dos aspectos culturais, na
compreensão dos mesmos, tornando-se peça fundamental e necessária, para, por exemplo, a
gestão pública, e também para a FUNAI entender a manutenção das aldeias.
É com o foco nesse processo de compreensão que apresentamos a importância desta
pesquisa, que está em refletir e compartilhar, a partir dos subcapítulos a seguir, informações
sobre esses possíveis elementos, tais como: i) etnicidade e fronteira e; ii) território e
territorialidade, que podem caracterizar e fundamentar esta Fronteira Etnocultural existente.

1.1 Etnicidade e Fronteira

Tentar-se-á, através de referenciais teóricos, apontar, por meio dos elementos aqui
propostos, que esses (etnicidade e fronteira), podem, agregados, conjecturar e embasar o
conceito já existente de fronteira etnocultural. O processo histórico entre indígenas e não-
indígenas, bem como pelas relações étnicas (pré)estabelecidas, bem como as relações
21

socioespaciais em ambos os territórios, respectivamente, o Distrito de Taunay e as Aldeias


Circunvizinhas.
Pretende-se com esta pesquisa entender o conceito de Fronteira Etnocultural, por
meio do referencial teórico sobre os elementos “etnicidade” e “fronteira” que pairam e são
encontrados e identificados nas relações sociais existentes entre indígenas e não-indígenas ao
longo do processo histórico do território brasileiro, e que permeiam, as aldeias do nosso
Estado, principalmente, à do Distrito de Taunay e Aldeias Adjacentes.
Percebe-se a existência dessa fronteira etnocultural, entre indígenas e não-indígenas,
no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, pela relação de contato entre estes grupos
étnicos. Contudo, procurar-se-á analisar, de maneira sistemática, as relações socioespaciais
destes grupos étnicos e a natureza de suas fronteiras. Conforme Poutignat e Streiff-Fernart,
(1998, p. 188), “[...] a interação em um sistema social como este, [...] as diferenças culturais
podem permanecer apesar do contato interétnico e da interdependência dos grupos”.
A criação do Distrito de Taunay foi um processo essencialmente conflituoso, já que
os objetivos e limitações implicados pelas Terras Indígenas contrapõem a outros interesses e
usos (por fazendeiros) da área e seu entorno. Assim, faz-se necessário entender o conceito de
conflito, que é basicamente choque de interesses pessoais (ou coletivos) que se expressam em
processos litigiosos caracterizados pelo confronto ou sobreposição de usos e interesses
aparentemente ou realmente inconciliáveis (ZBOROWSKI; LOUREIRO, 2006).
Diante dessa situação de conflito entre os grupos étnicos, de indígenas e não-
indígenas, principalmente, mas não apenas pelo viés territorial, Baines (2009, p. 29) explica
que:

As Terras Indígenas fragmentadas sofrem de problemas graves de falta de


espaço para aumentar as roças, destruição irreversível de áreas de caça e
pesca e não tem condições para abrigar suas populações em processo de
crescimento rápido, além dos conflitos interétnicos constantes entre os povos
indígenas e fazendeiros e moradores das vilas implantadas que ocorrem
dentro de suas terras.

Isso explica o porquê de fato os Terena do Distrito de Taunay estão insatisfeitos com
a presença dos não-índios. Estes ocupam “terras indígenas” que lhes foram expropriadas, e
que são consideradas imprescindíveis à existência da organização cultural Terena. De fato, o
confinamento territorial resultou em alteração do modo de produção e vida tradicionais, como
22

publicado no Diário Oficial da União de 14/11/20003. É precisamente no processo de


confinamento espacial indígena que os conflitos e as alterações socioculturais e sociopolíticas
dos Terena no Distrito de Taunay configuram o que aqui se entende por fronteira etnocultural,
que delimita grupos étnicos por sua territorialidade e etnicidade4.
Há inúmeros tipos de fronteira, os quais têm em comum a ideia de interface
territorial. Como esclarece Machado (1998), a fronteira indica uma dinâmica de integração e o
limite de separação. Contudo, os diferentes modos de vida, ou seja, as culturas e
territorialidades, conflitivas e não conflitivas, construídas entre indígenas e não indígenas são
fundamentais, pois nos permite observar, no Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, a
existência dessa fronteira etnocultural.
Sendo assim, diante do processo histórico-cultural em que os indígenas permanecem,
de forma direta e indireta em situação conflitante com os não indígenas, em busca pelo
”poder” da terra, entende-se, de acordo com Raffestin (1993, p. 50) que “o poder é imanente a
toda relação que é o teatro e o lugar do confronto”, ou seja, do conflito, que no latim significa
conflictus5, ou seja, entendido como: alteração, desordem, pendência, choque, embate, luta,
oposição e até disputa.
Lapierre diz que (1968 apud RAFFESTIN, 1993, p. 56) o ‘poder’ resulta num
elemento desencadeador do conflito, pois, parte da “necessidade natural, mas a capacidade
que os homens têm de transformar, por seu trabalho e ao mesmo tempo, a natureza que os
circunda e suas próprias relações sociais”, ou seja, cada ator social, indígena e não indígena
tenta, de maneira aceitável, por e impor sua resistência, em que muitas das vezes, não é aceita,
por uma das partes, sendo determinante para o surgimento de novos entraves interétnicos.
Nesse prisma, tem-se, de forma sinônima, o elemento conflito, que ao ser
desencadeado é denominado, segundo Oliveira (1964), por “friccional”, cuja situação é
desencadeada entre indígenas e não indígenas no território brasileiro. Muitas vezes, tais
situações são geradas pela mantença da própria cultura, como pela ampliação de extensões

3
Processo FUNAI/BSB nº 0289/85. Terra Indígena: Taunay-Ypegue. Superfície: 33.900 ha. Perímetro: 78.500m.
Município: Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul. Sociedade Indígena: Terena. População: 3.880 hab.
Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 1.155/PRES de 13/11/00 (DOU de 14/11/00).
4
Por etnicidade se entende o conjunto temporal e dinâmico de “traços culturais, transmitidos da mesma forma de
geração para geração na história do grupo” (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998, p. 250; PEREIRA,
2003). Entendida também como “uma categoria objetiva de autorreconhecimento de diferenças, a demarcação de
territórios simbólicos” (SILVA, 2005, p. 259-260).
5
Extraído do site: http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=conflitos em 08-03-2012.
23

territoriais, para o desenvolvimento de atividades macroeconômicas, tais como pecuária e


(mono) agricultura.
Esse conflito, originado de forma direta e indireta pelo contato entre grupos étnicos
distintos, é explicado por Martins (2009a, p. 24) como:

No entanto, a situação de contato, a sociabilidade que demarca a


convivência, dominada pela diferença e pelo desencontro étnicos no
espaço ainda indefinido da frente de expansão, constitui uma realidade
sociológica sui generis. Embora marcada por uma transitoriedade notória e
menor do que a das durações históricas das sociedades e grupos que ali se
encontram e se confrontam, o calendário dessa convivência complicada é
mais extenso do que parece (grifo nosso).

Para tanto, Baines (2009, p. 27-28) esclarece também que os conflitos oriundos da
fronteira, muitas das vezes têm sua origem desencadeada pelo Estado/Nação, como por
exemplo, sobre as prioridades das políticas indigenistas (pré) estabelecidas:

Nesta fronteira, tornam-se muito evidentes as contradições entre políticas


indigenistas dos Estados nacionais, que visam a respeitar os direitos
indígenas, e os interesses políticos e econômicos das elites locais dos
Estados e regiões fronteiriças dos dois países que visam ao desenvolvimento
econômico regional e veem as reivindicações indígenas como empecilho
para este desenvolvimento.

Com isso, observa-se que, no decorrer do seu processo histórico de uso e ocupação,
os povos indígenas “(...) tem mais do que resistido à invasão e a espoliação” dos não
indígenas e do sistema vigente em seus territórios (MARTINS, 2009a, p. 25). Sendo assim, os
povos indígenas tentam enfrentar a situação violenta que lhes tornam atores nesse cenário. A
partir de então, passa-se a perceber que esse contato, em detrimento às ações socioespaciais
podem se configurar na fronteira etnocultural.
Martins (2009a, p. 25) nos mostra que a realidade do conflito cria uma situação de
fronteira etnocultural, sofridos pelos ataques ao diferentes grupos indígenas, conforme segue:

Assim como a violência do branco se manifesta na tentativa de desfigura-las


culturalmente, elas também têm indicado, em suas lutas, o que lhes é
insuportável e indecifrável no que para muitas delas é uma nova situação,
que é a situação de fronteira, criada pela expansão territorial do grande
capital e da sociedade civilizada (grifo nosso).
24

Com isto, percebe-se que os indígenas, ao passarem por entraves sociais, de acordo
com Martins (2009a), se organizam, de forma inteligente, para sobreviver e atender aos
anseios de sua comunidade e das aldeias do entorno, respeitando-se os valores e concepções,
que “dão sentido à sua vida e aos diferentes modos como os diferentes grupos se organizam”
(2009a, p. 25-6).
Para comprovar essa forma inteligente dos indígenas se organizarem numa situação
de conflito, observa-se nas palavras de Reis (2005, p. 06) que diz:

Assim, não é raro, nessas situações, presenciar-se a determinação da


liderança que, para conseguir conquistar seus objetivos, usa de toda a sua
tenacidade e capacidade de persuasão, a fim de convencer aliados, possíveis
parceiros, interlocutores e todos os agentes que, de alguma forma, devam
participar do empreendimento.

Ou seja, a autora nos mostra que “tirar a terra e a liberdade do índio de ir e vir é um
ato desumano”, principalmente quando se analisa o seu processo histórico de povoamento.
Segundo Reis (2005, p. 12):

A casa do índio é o chão batido quase sempre porque, para ele, é necessário
e vital ter contato com a mãe-terra. Os seus antepassados ao cortarem uma
árvore para canoa ou para outra necessidade, conversavam com e pediam
desculpas por terem que derrubá-la.

Sendo assim, como se vê, a originalidade dos conflitos interétnicos, muitas das
vezes, são provocados por não indígenas (fazendeiros) que querem, como diz Raffestin (1993,
p. 58), “construir um poder pela apropriação”, em detrimento dos seus próprios anseios e não
se importando com a localidade presente, além da fauna e flora local. Na contramão dos não-
índios, conforme Reis (2005, p. 14), “o índio sabe, por intuição que a natureza cobrará em
dobro a agressão sofrida”. Sendo assim, a ótica do não indígena, em dar dinâmica ao sistema,
não engloba, muitas das vezes, a racionalidade dos povos indígenas, desencadeando uma série
de conflitos.
No entendimento de Andrade e Santos (2009), percebe-se, por meio dos processos
históricos, que palavras de maiores frequências entre indígenas e não indígenas, que
desencadeiam uma situação conflituosa, ora pela manifestação, ora pela militância são:
preconceito, respeito e igualdade. Essas palavras indicam um posicionamento crítico dos
atores sociais sobre essa realidade preconceituosa presente no imaginário social, ao mesmo
25

tempo em que demonstra a importância da sensibilização como possibilidade de mudança


social e construção de relações de respeito e convivência com o outro na sua diferença.
Tudo isso, para Praxedes (2008), é que a maior dificuldade para se solucionar os
problemas provocados pelo preconceito contra os índios é porque continuamos a acreditar na
supremacia das culturas, formas de conhecimento, comportamentos e aparência apresentados
pelos membros das civilizações europeias.
Sendo assim, Baines (2009, p. 28) aponta a realidade dos povos indígenas com
relação ao Estado/Nação:

[...] apresentam-se como populações discriminadas e esquecidas pelos


Estados nacionais, com constantes reivindicações junto aos governos
centrais para que seus direitos sejam reconhecidos e respeitados (grifo
nosso).

Diante disso, Nogueira (2006, p. 292) traz uma definição para o termo preconceito:

[...] uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada,


em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como
estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da
ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece.

Observa-se nos referenciais teóricos que essa relação da diferença, exclusão e/ou
preconceito propriamente dito, podem desencadear situações conflitivas entre os grupos
étnicos. Sendo assim, acrescenta-se que o preconceito é um dos grandes obstáculos que deve
ser superado para que seja assegurado o acesso e a permanência dos diversos grupos étnicos
nas diversas modalidades6 do sistema (escolar, político, cultural, outros). Contudo, tais
modalidades, no meio indígena, ainda permanecem na condição de ”marginais”
(PRAXEDES, 2008).
Nesse sentido, verifica-se que se é necessário que se entenda o preconceito da
população marginal como a “[...] criação de um contexto favorável aos marginalizados e
oprimidos, para a recuperação da sua história, da sua voz, e para a abertura das discussões
acadêmicas para todos” (BONNICI, 2000, p. 10).
O preconceito, para Praxedes (2008, p. 4), é resultante da violência simbólica, pois
“[...] só se completa quando os próprios dominados se consideram inferiores e aceitam a sua

6
Explica-se este termo modalidades como as maneiras existentes.
26

submissão aos poderes dominantes”. É assim que se constrói a hegemonia das culturas e
relações sociais capitalistas sobre os grupos subalternos, em relação aos indígenas.
Tal relação cultural é explicada por Bonnemaison (2002, p. 92): “o papel central da
cultura fica então afirmado; o espaço é subjetivo, ligado à etnia, à cultura e à civilização
regional”. Diante disso, Giroux (1999, p. 47) destaca que respeitar as diferenças é “expandir o
potencial da vida humana e as possibilidades democráticas”, e só assim, ter-se-á a
possibilidade de minimizar as situações preconceituosas indígenas do cotidiano.
Para os autores Andrade e Santos (2009), a palavra preconceito indica um
posicionamento crítico dos sujeitos/participantes sobre essa realidade preconceituosa presente
no imaginário social, ao mesmo tempo em que demonstra a importância da sensibilização,
como possibilidade de mudança social e construção de relações de respeito e convivência com
o outro na sua diferença.
O preconceito é denotado, principalmente, pelas populações rurais que convivem
diretamente com os índios. Além disso, em decorrência de interesses das elites municipais,
dos fazendeiros nas terras indígenas e pelos recursos ambientais existentes, não são raras as
vezes que as populações indígenas necessitam disputar as escassas oportunidades de
sobrevivência nas aldeias e adjacências com os não-indígenas que ali vivem (SOUZA et. al.,
2010).
Corroborando com esta linha do saber, Guareschi (1992, p. 246) explica como se dá
a origem dos conflitos etnoculturais:

O conflito, como se constata empiricamente, surge da presença que causa


assimetrias, discriminações, desequilíbrios, injustiças. O simples fato de
existir diferenças nada significa. O problema surge no momento em que se
estabelece uma relação entre pessoas ou grupos, que não seja aceita por
alguma das partes. Inicia-se, nesse momento, o conflito (grifo nosso).

Em Frederic (2000), as relações interétnicas, abordam ações, práticas e


representações de vários setores da sociedade não-indígena em relação aos índios, em que é
observada uma “expropriação” do discurso indígena como uma forma tática de submeter os
índios ao controle de diferentes instâncias de poder. A autora descreve e analisa o sistema de
pacificação que, através da estratégia do contato interétnico, por meio da interação e
integração, reforça a relação de dependência econômica dos índios em relação à sociedade
nacional.
27

No desenvolvimento dessas estratégias, para se gerenciar a situação de conflito


iminente entre indígenas e não-indígenas, observa-se, conforme Raffestin (1993, p. 58), a
tentativa de supremacia das ”relações de poder”, em que “o conflito [...] pela posse de uma
região não é apenas um conflito pela aquisição de um pedaço de território, mas também pelo
que ele contém de população e/ou de recursos”.
Com isso, as relações conflitantes, entre os atores sociais, indígenas e não indígenas,
acabam provocando “um entrave no jogo relacional” (RAFFESTIN, 1993, p. 67), fazendo
com que este entrave, proporcionado por uma situação de conflito entre os grupos étnicos,
seja entendida, sob a ótica da Fronteira Etnocultural, como mais um conflito de interesses. É a
partir dela, da ótica da Fronteira Etnocultural, pelo contato que estas relações ocorrem,
principalmente no cenário conflitivo, partindo da premissa da busca da terra como subsídio, e
das relações sociais, entre a heterogeneidade dos diferentes atores sociais que permeiam as
terras indígenas, que esta pesquisa se apoia.
Por isso, tais exposições, por meio dos teóricos, que divergem e/ou convergem, sobre
a etnicidade, em relação a este contato, dá o entendimento dessa Fronteira Etnocultural. Na
base filosófica, Comte (s.d.) informa “que a sociedade gradualmente, desde suas origens [...]
conduziriam o grupo social ao desmantelamento [...] a intolerância religiosa e étnica” (grifo
nosso)
Paralelamente, percebe-se em Santos (2008, p. 45) que “as formas espaciais também
obrigam as outras estruturas sociais a modificar-se, procurando uma adaptação, sempre que
não possam criar novas formas”. Nesse processo de ”modificar-se”, os atores sociais (objetos
deste estudo), indígenas e não-indígenas, muitas das vezes são submetidos a processos de
adaptações impostas, em que é visto um limite dado, para não ultrapassar, e outro limite dado,
que permite a passagem, permite a interação (MACHADO, 1998).
Com isso, reporta-se a Santos (2008, p. 45) para explicar esse limite e essa interação,
no que se vislumbra o conceito de Fronteira Etnocultural, entre indígenas e não-indígenas, o
“impacto das forças externas (os fazendeiros) é preponderante em todos os processos”, por
exemplo: na destinação orçamentária para se atender as propriedades rurais particulares.
Diante disso, os indígenas, com seu território expropriado pelo processo histórico pelos não-
indígenas, sempre perpassaram pela dinâmica das ”relações de poder” (RAFFESTIN, 1993),
que ora se fazem vigentes pelo sistema.
Tal comprovação (das terras indígenas ocupadas por não-indígenas) é um dado fato
presente hoje nos meios de comunicação, principalmente em níveis locais e nacionais
28

(acrescenta-se mundiais), que são as relações existentes entre indígenas e não-indígenas no


Brasil. Segundo Guareschi (1992, p. 247), “existem interesses materiais concretos presentes
nessas relações (étnicas)” como fator dominante do problema que é a questão da terra, mas
também, têm-se premissas preponderantes quanto às interações e interrelações existentes entre
essa diversidade étnica, sejam no meio do ensino, nas relações conjugais, relações políticas,
dentre outras.
Sendo assim, essas relações étnicas, entre indígenas e não-indígenas, no
entendimento da temática “fronteira” são apresentadas por Albuquerque (2010, p. 48) como:

As fronteiras podem ser vistas como um campo singular de relações sociais


entrelaçadas com os atuais processos de globalização e de redefinição do
papel dos limites entre os Estados nacionais. A fronteira é geralmente
percebida [...] como um lugar de passagem, de contato e tradução cultural. A
fronteira deixa de ser linha, limite, finitude, o lugar da diferença (...). Torna-
se aberta, porosa, exemplo de integração e de aproximação.

Essas relações etnoculturais, por meio do contato, por exemplo, como o já citado
incidente ocorrido com os povos indígenas, Terena, do município de Miranda-MS, onde foi
ateado fogo ao ônibus que ali estavam, bem como os altos índices de violência, em meio as
questões de demarcação territorial entre fazendeiros e povos indígenas do município de
Dourados-MS, tudo isso mostra que a fronteira esta além do limite, transpassando-o, em
virtude das próprias evidências documentais apontadas pelo Estado/Nação, bem como na
busca de mão-de-obra indígena, no caso, para trabalharem nas grandes plantações de cana e
soja. Outro ponto, importante, é essa questão da busca dos povos indígenas pela qualificação
educacional, em escolas, muitas das vezes, dirigidas pelo sistema de povos não-indígenas.
Sabe-se que antigamente o povo indígena não tinha essa oportunidade de interação,
mas quando isso acontecia, era no sentido de expropria-los de suas terras. Hoje isso ainda
acontece, de maneira veemente, no Brasil e, principalmente, no 2° maior Estado com reservas
indígenas – Mato Grosso do Sul. Contudo, em contra partida, a relação Estado-Nação, auxilia-
os no processo de interação, ou seja, transpor os limites impostos, na abertura do contato com
o diferente, no atendimento das necessidades básicas de saúde, educação, habitação, emprego
e renda, dentre outros.
Sem dúvida, o que se apresenta em tela permite-nos refletir sobre as relações (pré)
existentes destes grupos étnicos. Sendo assim, uma leitura de Barth (1969 apud SILVA,
2005a, p. 115), revela-nos o elemento que substancia o termo ”grupo étnico”, que diz: “a
característica definidora dos grupos étnicos é a de serem tipos organizacionais definidos por
29

categorias de adscrição do tipo ‘nós’ e ‘outros’”. Ora, isto permite identificar que o contato
entre estes distintos grupos étnicos é produto das relações sociais entre indígenas e não-
indígenas.
Torna-se evidente, na ótica de Barth (1969 apud SILVA, 2005a, p. 115) que “os
grupos étnicos não surgiram do isolamento geográfico, mas de processos sociais produtores
da diferença cultural”. Esses processos se davam através do contato, ou seja, da interação, na
premissa de atender um interesse existente.
Nessa relação de contato interétnico Silva (2005a, p. 119) diz que:

[...] “índios” e “brancos” ou “não-índios”, devem ser pensados enquanto


construções sociais oriundas de contextos ideológicos específicos em que
estas categorias referem-se mais a representações políticas de grupos de
interesse locais e agências de contato do que a descrições literais de atores
sociais concretos e heterogêneos.

Esse ponto é bastante significativo porque nos permite entender que esse contato
entre diferentes, indígenas e não-indígenas, acarreta singularidades na construção de relações
interétnicas entre estes atores sociais, que antes, era posta, ou entendida de forma limitada,
como se tivesse uma barreira que impedisse o estabelecimento de relações, e quando isso
acontecia, era de forma totalmente negativa e avassaladora aos povos indígenas.
Mas, não somente, precisa-se tomar partido pela evidência negativa, quando se
estabelece o contato entre indígenas e não-indígenas, percebe-se e constata-se, por exemplo, a
importância desse contato nas relações educacionais. Um exemplo disso ocorre no Distrito de
Taunay e Aldeias Circunvizinhas, na etnia Terena, que se tem o primeiro indígena com
titulação de doutor pela PUC-RS. Isso mostra que o contato possibilita as ”construções
sociais” propostas por Silva (2005).
Segundo Silva (2005a, p. 125), a relação entre os grupos étnicos – indígenas e não-
indígenas - é entendida que “não denota uma homogeneidade cultural entre os índios, mas
efeitos semelhantes ‘misturas’ advindos de uma certa estrutura colonial de subordinação dos
índios e seus territórios a regimes administrativos estatizados”.
Contudo, essa visão étnica se torna pertinente para os atores. A etnicidade se
transforma em um princípio de divisão, não necessariamente conflitivo, da vida social
(POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998), permitindo a interação, por meio das relações
sociais entre indígenas e não-indígenas, que de maneira direta e/ou indireta comungam por
30

um interesse qualquer, fazendo com que essa fronteira, no principio entendida como limite,
seja elo entre estes atores.
Nesse sentido, Silva (2005a, p. 128) assevera que:

É evidente que, nas áreas de fronteira nacional e expansão econômica, as


diferenças físicas e culturais entre índios e brancos se fazem marcadamente
presentes, uma vez que a situação de convivência interétnica, com a
interação social continuada entre os membros das respectivas sociedades,
começa, pela primeira vez, a se configurar de modo irreversível. Enquanto
isso, nas áreas de mais antiga convivência interétnica, o que se faz presente é
a resistência identitária por parte dos índios e suas comunidades às tentativas
de eliminação das fronteiras étnicas. Porém, deve ficar ainda mais evidente
que as fronteiras nacionais são antes de tudo variações de fronteiras étnicas
e, sob esses termos, ambos os casos representam ‘culturas constrativas’ que
emergem na forma de sistemas interétnicos nos quais pessoas, grupos,
comunidades e agências (estatais e/ou não) se encontram ligados de maneira
interdependente em um processo de fricção interétnica.

Percebe-se na fala de Silva (2005a) a importância da fronteira nacional como ponto


de limite, mas esta não evita o contato entre os diferentes, e assim surgindo os contatos
interétnicos, rompendo as barreiras dos estados nacionais, estabelecendo assim as fronteiras
etnoculturais por meio dos contatos, trocas, interações, interrelações, e também, conflitos.
Nessa mesma linha de raciocínio Silva (2005a, p. 129) diz que:

As áreas de fronteira poderiam então ser consideradas variações


concomitantes de processos de manutenção de fronteiras étnicas e, nesse
sentido, seriam passíveis de ser contrastadas por meio da noção de
territorialização enquanto áreas de fricção interétnica geradoras de novas
identidades.

Encarada nessa perspectiva, o que importa nessa relação entre os grupos étnicos é
que no contato entre “nós” e “outros”, a diversificação das características entre os atores
sociais, indígenas e não-indígenas, podem mais a frente adquirir as mesmas e novas
conjecturas num mesmo território (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998).
Ora, o indígena, com o convívio no mesmo território que o não indígena, por
exemplo, os indígenas das aldeias circunvizinhas do Distrito de Taunay, ao se deslocarem até
a cidade de Aquidauana, para usufruir dos serviços de saúde e educação, estabelecem o
contato com os não-indígenas, e mesmo assim, não deixam de ser indígenas. O que acontece,
na maioria das vezes, é que se confunde tal situação com o indígena que ao retornar para sua
aldeia, traz consigo inovações. Mas isso não o descaracteriza como índio, pois, no exemplo de
se utilizar os serviços de saúde, o indígena, sendo atendido por um médico não indígena, não
31

faria com que o indígena perdesse sua identidade, e sim acrescentasse inovações, desde que
convenientes e aceitas pelos povos indígenas.
Por isso, Poutignat e Streiff-Fernart, (1998, p. 11) evidenciam características que
comprovam a etnicidade onde:

[...] a etnicidade não é um conjunto intemporal, imutável de ‘traços culturais’


[...], transmitidos da mesma forma de geração para geração na história do
grupo; ela provoca ações e reações entre este grupo e os outros em uma
organização social que não cessa de evoluir.

Do mesmo modo, entende-se pelos autores acima que a etnicidade se dá também


pelos ”símbolos identitários” de cada grupo étnico, proporcionando assim, a transposição
desse – limite – cultural, e promovendo a interação por meio de uma origem comum, por
exemplo: conflitos por interesses, a crença, dentre outros.
Concomitantemente, observou-se em Silva (2005a, p. 129) que a transposição desses
limites culturais, na forma de interação, e também inter-relação podem gerar novas
identidades, conforme segue:

A ‘fronteira’ aparece aqui como uma categoria analítica de comparação de


variações concomitantes de um processo histórico (a territorialização) ao
mesmo tempo em que aparece como situação real de interação social e
conflito de onde emergem experiências históricas únicas, geradoras de novas
identidades.

É diante dessa evidência que se pode compreender que os indígenas de hoje, em


decorrência do seu processo histórico, de contato e relações sociais, carregam características
oriundas dessa relação sociedade-natureza, onde se constata as inúmeras
alterações/transformações nos diversos graus de sua existência sociocultural.
Paralelamente, inicia-se um processo de entendimento, pautado nos autores,
Poutignat e Streiff-Fernart, (1998) que no decorrer desse processo histórico, nas relações entre
os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, que essa conceituação de fronteira etnocultural,
é significativamente vista neste segundo elemento – etnicidade – nas situações de: a)
estigmatização; b) grupos com projetos coletivos ameaçadores; c) problemas de coabitação; d)
gestão das relações de vizinhança; e) segregação étnica, isso no aspecto negativo de limite, e
transposição do mesmo, desencadeando a ‘“imposta” interação, mas também, visualiza-se os
aspectos positivos desse limite, tais como: i) a quebra de (pré) conceitos; ii) processo de
organização interétnico; iii) estabelecimento de relações sociais em prol de um interesse
32

comum; iv) a troca, na forma de - o aprender e o ensinar com o ”outro”; v) possibilidades de


aproximação.
Porém, Geertz (1989) orienta-nos na compreensão da relação da etnocultural como a
concepção de que a cultura não é o resultado de apenas um ser humano, mas de todo um
grupo, e que este, seja possuidor de características e/ou interesses, divergentes e/ou
convergentes, mas que não apenas limite, mas permite a inter-relação de um grupo com o
outro.
Por isso, em Poutignat e Streiff-Fernart, (1998, p. 28) enxerga-se dados que
substanciam a formação de um grupo étnico, além do entendimento da palavra etnicidade, que
é a “estratégia de reivindicação [...], ou como uma forma de resistência organizada ao
processo de modernização [...], ou ainda como um produto histórico da economia-mundo
capitalista”, vista como um fenômeno contemporâneo.
Em função desse contato entre grupos étnicos, podem-se visualizar as características
dessa fronteira etnocultural, em que ultrapassa as regras do limite, e assim desencadeando
interações e inter-relações, principalmente com os grupos étnicos antigos, quebrando assim os
paradigmas (pré)existentes conforme se verifica em Poutignat e Streiff-Fernart (1998, p. 30):

Simultaneamente à descoberta de que os sentimentos e as formas de


organização comunitárias podem manifestar-se em meios supostamente
organizados pelos liames impessoais e contratuais, recoloca-se fortemente
em discussão o caráter pretensamente estável e homogêneo das pertenças e
das solidariedades de grupo nas sociedades tradicionais.

Por isso, nota-se que os grupos étnicos ”formavam-se e transformavam-se”, pois


eram grupos isolados e experimentavam esse contato, onde só assim foi possível visualizar as
”similaridades e diferenças”. Isso nos remete à compreensão, ainda prévia, de que a
etnicidade desencadeia um possível segundo elemento que subsidia a proposta de fronteira
etnocultural (POUTIGNAT; STREIFF-FERNART, 1998).
Desse modo, a diversificação dos grupos étnicos, principalmente, mas não apenas,
com os povos indígenas proporciona a reprodução ampliada e territorial, conforme nos ensina
Martins (2009a, p. 26) em que:

[...] os povos indígenas estão definindo lentamente, por implicação, em seus


confrontos com os brancos é uma situação de convivência marcada pela
pluralidade cultural e social e pelo estabelecimento de um espaço
inteiramente novo na relação com o outro, que seja um espaço de afirmação
e reconhecimento da diferença que dá sentido à existência dos diferentes
33

povos. Nesse outro lado também estão determinações que dão sentido à
dialética da fronteira.

Nesse sentido, Poutignat e Streiff-Fernart (1998, p. 36) informa que “uma nação não
pode mais valer-se de fronteiras geográficas naturais, mas reivindicar populações que lhe
pertenceriam pela comunidade linguística ou parentesco racial”. Isso faz valer a importância
do contato e das relações interétnicas, respeitando-se os limites, mas também que haja a
possibilidade de continuarem a ser transpassados, e assim proporcionando um dinamismo
nessa chamada fronteira etnocultural.
Dando sustentação à interpretação apresentada, Weber (1971 apud POUTIGNAT;
STREIFF-FERNART, 1998, p. 37), no que tange aos contatos interétnicos, entre indígenas e
não-indígenas, observa que os grupos étnicos são:

[...] esses grupos que alimentam uma crença subjetiva em uma comunidade
de origem fundada nas semelhanças de aparência externa ou dos costumes,
ou dos dois, ou nas lembranças da colonização ou da migração, de modo que
esta crença torna-se importante para a propagação da comunalização, pouco
importando que uma comunidade de sangue exista ou não objetivamente.

Com isso, percebe-se em Raffestin (1993, p. 130) que “as diferenças interétnicas
constituem um fator político, ora virtual, ora concreto”, isso se configurando também como o
estabelecimento de limites, em meio aos interesses de outrem. Daí, ao ser imposto o limite, os
grupos étnicos ora convergem ora divergem, em prol de seus interesses. Quando isso
acontece, sendo numa perspectiva positiva e/ou negativa, inicia-se a interação interétnica no
território, para analisarem como resolver determinados entraves. Sendo assim, conforme
Raffestin (1993, p. 139), “a eliminação da diferença está relacionada à destruição da
informação”, por isso esse limite e a transposição do mesmo ser importante, caracterizando a
fronteira etnocultural.
Portanto, após exposição teórica, partir-se-á para outros dois elementos: “território” e
“territorialidade”, que são condicionantes para subsidiar o objetivo desta pesquisa. Para
Raffestin (1993, p. 144), “[...] o território, [...] é um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder”, em que
os grupos étnicos se constroem e (re) constroem no território, e nessa construção e
reconstrução, (reporta-se a Sack, 1986), em que o território é marcado pelas territorialidades
exercidas, que será observado no próximo subcapítulo.
34

1.2 Território e Territorialidade, como elementos do conceito de fronteira Etnocultural

A seguir, discutir-se-ão Território e Territorialidade, espacialmente como elementos


do conceito de Fronteira Etnocultural. Chega-se finalmente nos elementos inerentes à
perspectiva geográfica – o território e a territorialidade, em que estes estão inseridos no
”espaço geográfico”, em que ocorre a prática de ações, diante ou em prol de um objeto,
contribuindo assim para a construção de apropriações e de relações entre os atores sociais,
leia-se os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas.
Nesse sentido, considera-se, dentro do espaço geográfico, o território, em que os
atores sociais, indígenas e não-indígenas, constroem durante seu cotidiano, estratégias
significativas de apropriação, como elementos de sobrevivência no mundo vivido,
constituindo tramitações na ambivalência temporal do indígena com o ”outro”, na maioria das
vezes em suas terras, constatando-se uma complexidade vivida entre estes grupos étnicos no
espaço geográfico, por eles definidos.
Sendo assim, é impossível acompanhar e entender as transformações e as premissas
ou fenômenos que ocorrem no mundo sem o aporte geográfico. Por isso, é no espaço
geográfico que se realizam as manifestações da natureza e as atividades humanas. No entanto,
faz-se necessário compreender a organização e as transformações sofridas por esse espaço,
tornando-se essencial para a compreensão dessa dinâmica territorial.
É nesse sentido que o pesquisador visualiza o ”território” como um elemento que
poderá fortalecer o conceito de fronteira etnocultural existente, ou seja, deve-se levar em
consideração o território atual, sobretudo as mudanças que vem ocorrendo no modo de viver
entre indígenas e não-indígenas, no Brasil e, principalmente, no Estado de Mato Grosso do
Sul, especificamente, os atores sociais do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas.
Diante disso, Anjos (2007, p. 115) afirma que:

A geografia é a ciência do território, e esse componente geográfico básico


continua sendo o melhor instrumento de observação do que aconteceu,
porque apresenta as marcas da historicidade espacial, do que está
acontecendo; isto é, tem registrado os agentes que atuam na configuração
geográfica atual e o que pode acontecer, ou seja, é possível capturar as linhas
de forças da dinâmica territorial e apontar as possibilidades da estrutura do
espaço no futuro próximo.

Isso mostra que o território é uma importante vertente para se compreender o “espaço
geográfico” que ora adquire o compromisso de expor a sociedade, de modo compreensível,
35

como se dá as dinâmicas e transformações territoriais, desencadeada pela sociedade,


permitindo a possibilidade de uma melhor organização do espaço geográfico.
O sentido mais utilizado para a palavra espaço é oferecido por Santos (1997), como
sendo um sistema de objetos e um sistema de ações que não devem ser considerados
isoladamente, mas fundidos em um só quadro. Território possui outra conotação. Derivado do
latim territorium, significa terra pertencente a alguém. Pertencente, entretanto, não se vincula
necessariamente à propriedade da terra, mas a sua apropriação (CORRÊA, 1994). Com a
expansão urbana do Distrito de Taunay ficaram evidenciados os territórios, ou seja, as
circunstâncias de apropriação e/ou relações de poder.
O conceito território surge na Geografia Política como o espaço concreto em si, com
seus atributos naturais e socialmente construídos, o qual é apropriado, ocupado por um grupo
social (SOUZA, 1995). Ele é, então, o espaço apropriado; é lugar de relações sociedade-
natureza e dos seres humanos entre si; é espaço de ação e de poder (RAFFESTIN, 1993).
É nesse contexto que o processo de apropriação do espaço em terras indígenas por
diferentes grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, supõe considerar o conceito de lugar.
Para isso, Araújo (2006) demonstra que o lugar vincula-se ao espaço vivido, dotado de
símbolos, significados, lembranças e sentimentos. Representa um espaço em movimento e um
espaço-tempo vivido que se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário. “Falar do lugar é se
referir à escala das inter-relações pessoais, da vida cotidiana, da identidade cultural que se
constrói em um território” (MARTINS, 2002).
Contudo, Corrêa (1995) expressa que o lugar é marcado por maior afetividade que
nas sociedades mais desenvolvidas. A afetividade manifesta-se tanto no que diz respeito ao
gostar dos lugares como à movimentação espacial. Lugares e áreas longínquas tornam-se
próximas em função da afetividade espacial. Já, Santos (1997), acrescenta que o lugar possui
um valor sentimental que se vincula à vida, às relações afetivas entre pessoas e ao espaço
construído. Nesse sentido, as relações socioespaciais adquirem no lugar um valor que pode
levar à ações mais planejadas em prol do bem comum. A vida cotidiana, as relações de
amizade, de pertença e de afeto se manifestam no lugar.
Na geografia humanística, Tuan (1983) enfatiza que são ponderados os sentimentos
espaciais, os ideais de um povo ou grupo sobre o espaço, e este passa a ser analisado por meio
das experiências. O espaço vivido é considerado dividido em função do pertencimento ao
mesmo povoado, tribo, grupos etnolinguísticos, castas ou área cultural, que fornecem
referenciais básicos para o cotidiano em sua dimensão espacial (CORREA, 1995, p. 32).
36

Dessa maneira, precisamos entender como se propagam as relações sociais entre


estes grupos étnicos. Para isso, Anjos (2007, p. 115-6) retrata o território da seguinte maneira:

O território é um fato físico, político, categorizável, possível de


dimensionamento, onde geralmente o Estado está presente e estão gravadas
as referências culturais e simbólicas da população. Dessa forma o território
étnico seria o espaço construído, materializado a partir das referências de
identidade e pertencimento territorial, e, geralmente, a sua população tem um
traço de origem comum (grifo nosso).

Com isso, na tentativa de se pensar com o autor, visualiza-se o território como


elemento que subsidia o conceito de fronteira etnocultural, pois “[...] tratar da diversidade
cultural brasileira num contexto geográfico [...] é ter uma atuação sobre um dos mecanismos
estruturais da exclusão social” (ANJOS, 2007, p. 116), como também, dos mecanismos de
interação e integração social. Na exclusão social, em determinado território, coloca-se o
limite, para não rompê-lo; já a transposição desse limite, delimitado, muitas das vezes,
proporciona a interação e integração social no território.
A inferência no território dos grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, é visto como
limite e fronteira, em que Hissa (2002, p.34) explica da seguinte maneira:

O limite, visto do território, está voltado para dentro, enquanto a fronteira,


imaginada do mesmo lugar, está voltada para fora como se pretendesse a
expansão daquilo que lhe deu origem. O limite estimula a ideia sobre a
distância e a separação, enquanto a fronteira movimenta a reflexão sobre o
contato e a integração.

Ora, percebe-se na fala desse autor a importância das relações sociais numa
dimensão espacial, em que o território torna-se o lugar dos estímulos e/ou ”repulsa ao
contato” entre os diferentes grupos étnicos (HISSA, 2002), precisamente os indígenas e não-
indígenas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas.
Dessa maneira é que se começa a fortalecer a proposta de ”fronteira etnocultural”,
pois no território configura-se a possibilidade de “[...] recuperação e resgate dos fragmentos
de informações geográficas [...]” daquilo que foi apropriado e construído no espaço
geográfico, e assim permitindo “[...] a compreensão do que está acontecendo no processo
[...]” de distribuição socioespacial (ANJOS, 2007, p. 117).
A fim de fortalecer ainda mais este elemento – território – reporta-se a Raffestin
(1993, p. 143-144) que nos ensina que:
37

O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida


por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível.
Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela
representação), o ator ‘territorializa’ o espaço. [...] Produzir uma
representação do espaço já é uma apropriação, uma empresa, um controle
portanto, mesmo se isso permanece nos limites de um conhecimento.
Qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a
imagem desejada de um território, de um local de relações.

Diante dessa conceituação de Raffestin (1993) sobre território, reporta-se a Poutignat


e Streiff-Fenart (1998, p. 152) para caracterizar a fronteira etnocultural, compreendida pelo
elemento território, mediante a relação de pertença entre os grupos étnicos, conforme segue:

[...] a pertença étnica não pode ser determinada senão em relação a uma
linha de demarcação entre os membros e os não-membros. [...] é preciso que
os atores possam se dar conta das fronteiras que marcam o sistema social ao
qual acham que pertencem e para além dos quais eles identificam outros
atores implicados em um outro sistema social.

Com isso, verifica-se que, por meio do território, a fronteira etnocultural existe não
somente pelo “[...] conteúdo cultural interno que definem o grupo étnico e permitem que se dê
conta de sua persistência”, mas também pelo seu modo de organização, apropriação, traços
culturais oriundos da relação com o ”outro”, nesse caso, específico, o não indígena
(POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 153).
Nessa mesma linha de raciocínio, aos indígenas foram reconhecidos seus costumes,
línguas, crenças e tradições, bens a que compete ao Estado-Nação proteger e fazer respeitar,
(BRASIL, 2009, CF, 1988, ART. 231). Por isso, a reprodução cultural das sociedades
indígenas deve ser considerada na identificação das terras por eles ocupadas (BRASIL, 2009,
CF, 1988, ART 231, § 1°).
Para o cumprimento desta Carta Magna, em detrimento da preservação e
manifestação dos grupos étnicos, faz-se necessário um território, este apropriado, para o
estabelecimento de relações etnoculturais, pois, como se sabe, hoje no Brasil, as áreas
territoriais, denominadas ‘terras indígenas’, estão, muitas das vezes, dentro e/ou próximas de
áreas rurais de pequenos ou de grandes fazendeiros. Sendo assim, verifica-se que a
compreensão constitucional sobre as culturas indígenas modificou-se radicalmente, em função
desse contato interétnico entre indígenas e não-indígenas, se as compararmos com as
abordagens antes vigentes.
38

Mediante esse contato interétnico entre indígenas e não-indígenas, ora na maior parte
se dá em suas terras, na área rural, ora de forma menos intensa se dá na área urbana, ou seja,
em territórios distintos. Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) ensinam-nos que:

[...] a fronteira que os separa dos outros é determinada por forças agindo do
interior e do exterior e ela é constantemente redefinida pela interação desses
mecanismos internos e externos. [...] Essa interação entre as pressões
externas e internas exercidas na fronteira é particularmente sensível [...].

Nesse sentido, observa-se em Saquet (2007, p. 09) que “o território é mediador das
relações sociais de produção”, ou seja, é no território que possibilita o contato com o ”outro”,
seja para impor um limite, como para interagir. Por isso, pensar o território como elemento
conceitual de fronteira etnocultural é demonstrar a importância que o contato entre estes
atores sociais, indígenas e não-indígenas, ora de modo conflitante, ora de modo agregador,
podem ensinar e contribuir para melhorar a vida em sociedade.
Ainda em Saquet (2007, p. 17-18), visualiza-se o território como:

[...] suporte ou conjunto de recursos naturais, para abordagens relacionais-


processuais, reconhecendo-se outros níveis de relações de poder, os
conflitos, a apropriação e dominação do espaço, enfim, o movimento
histórico e multiescalar. [...] como produto de relações sociais efetivadas no
âmbito da família, da comunidade rural e desses indivíduos com agentes da
cidade, historicamente condicionados e caracterizados, tanto econômica
como politica e culturalmente, em tramas socioespaciais (destaque do autor).

Essa abordagem territorial permite-nos tentar compreender o processo da relação


sociedade-natureza entre indígenas e não-indígenas: como se constituem? Como se
organizam? Como se apropriam? Como interação em prol de um interesse distinto, ou muitas
vezes, em prol de um interesse comum? Este último, quando acontece, transpassa o limite,
gerando a interação etnocultural.
Novamente em Saquet (2007, p. 27) fundamenta-se essa relação entre os grupos
étnicos no território da seguinte maneira:

[...] se o território é um compartimento do espaço como fruto de sua


diversificação e organização, ele tem duas funções principais: a) servir de
abrigo, como forma de segurança e, b) servir como um trampolim para
oportunidades. Segurança e oportunidade requerem uma organização interna
do território bem como relações externas, de poder e dominação. Assim, o
território assume significados para diferentes sociedades e/ou grupos sociais
dominantes (destaque do autor).
39

Nesse processo relacional entre os atores sociais, indígenas e não-indígenas, no


território, observe o que diz Saquet (2007, p. 51-52): "O território é entendido para além da
área, superfície e palco de ações: significa um lugar de relações, internas e externas (em
pequenas e grandes escalas), como espaço aberto em constante transformação".
Sendo assim, com a perspectiva e a análise aqui apresentadas são importantes para se
compreender como o elemento território pode dar subsídios ao conceito de fronteira
etnocultural, revelando-nos que a apropriação do território se torna resultante de mudanças
nas diferenças étnicas definidoras e/ou a definir na fronteira, imposta e/ou transposta.
Portanto, percebe-se também que o elo da geografia, no conceito de fronteira
etnocultural, entre o elemento ”território”, anda concomitantemente com outro elemento
identificado como ”territorialidade”, conforme aponta Bonnemaison (1981, p. 253-254):

[...] um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares


hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários. No interior deste
espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o
enraizamento e as viagens. [...] A territorialidade se situa na junção destas
duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é
mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares.

Pelo exposto, a seguir apresentar-se-á o outro elemento condicionante para se


entender essa fronteira etnocultural, que é a ”territorialidade”. Tal elemento é abordado,
principalmente, numa perspectiva de Sack (1986), ou seja, analisar a estratégia utilizada entre
estes grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, para se apropriar e organizar seus territórios.
Por isso, o território não pode ser entendido sem a identificação e análise das
territorialidades existentes e/ou em construção, pois ela (a territorialidade), nessa pesquisa, é
vista como possibilidade de se compreender a existência dessa fronteira etnocultural. Nesse
sentido, Santos (2007, p. 127) assevera que: “[...] o mundo atual é movido pelo discurso;
nosso trabalho é oferecer o contra-discurso”. É mediante essa frase que se tentará abordar e
apresentar particularidades e peculiaridades, partindo de teóricos conceituados, sobre o
elemento territorialidade. Dessa maneira, serão abordadas as estratégias que os grupos étnicos
praticam em suas ”ações” sobre o ”objeto” (SANTOS, 2008, p. 166).
De qualquer forma, inicia-se a discussão sobre elemento territorialidade em Raffestin
(1993, p. 158-159) que diz:

Os homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto


territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou
produtivistas. Quer se trate de relações existenciais ou produtivistas, todas
40

são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram
modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais.

Diante dessa ótica, observa-se o procedimento estratégico, isto é, na forma e/ou


modo de ocupar e organizar o território, seja em terras indígenas ou não, por parte dos grupos
étnicos, indígenas e não-indígenas, em conjunto ou não, evidencia o que Raffestin (1993)
define como territorialidade. Os seres humanos vivem ao mesmo tempo, os processos
territoriais e o produto territorial por relações existenciais e ou produtivas, todas são relação
de poder, onde os atores se modificam.
Segundo Holzer (1997, p. 83-84), “[...] a territorialidade é melhor compreendida
através das relações sociais e culturais que o grupo mantém com essa trama de lugares e
itinerários que constituem o seu território [...]”, ou seja, a dinâmica estabelecida nas relações
socioculturais enquanto produtos e estímulos respectivamente.
Contudo, denota-se que a territorialidade não pode ser entendida sem a análise do
território, haja vista que é nos territórios que a(s) territorialidade(s) se desenvolvem, isto é, no
processo de apropriação e organização, tida como a estratégia utilizada para fazer o uso e
ocupação deste território (MARTINS, 2007). Indígenas e não-indígenas para se manterem no
mesmo território recorrem a interesses individuais e/ou coletivos, tentando a mantença7 da sua
dinâmica cultural numa relação socioespacial.
Assim, a territorialidade pode ser como uma estratégia espacial para afetar,
influenciar, ou controlar recursos e pessoas por controle de área. Essa estratégia está ligada ao
uso da terra (entendida como área geográfica) pelas pessoas, com a sua organização espacial,
e com o significado que o lugar tem para elas.
Percebe-se que as territorialidades indígenas e não-indígenas no território do Distrito
de Taunay e aldeias circunvizinhas, no que tange ao seu processo de organização, utilizam-se
de estratégias para se manterem e se organizarem. Sendo assim, as territorialidades se dão por
meio das “estratégias para manter certa ordem social” (SACK, 1986). Deve-se destacar que as
territorialidades existentes no processo histórico-relacional diagnosticada, significam
estratégias dos indígenas para com os não-indígenas para controlar recursos (proteger suas
terras), assim como estabelecer relações entre as pessoas, numa perspectiva de se manter e
divulgar as peculiaridades da cultura local.

7
De acordo com o Dicionário on-line Priberam da Língua Portuguesa significa manutenção.
41

Essa ”estratégia” colocada por Sack (1986) para se entender a concepção de


territorialidade, oriunda das relações entre os atores sociais, é acrescida por Raffestin (1993,
p. 160-161) que disse que “[...] essa territorialidade é dinâmica, pois os elementos que a
constituem, são suscetíveis de variação no tempo”. A territorialidade “é sempre uma relação,
mesmo que diferenciada, com os outros atores”, permitindo assim o contato e a inter-relação
entre os grupos étnicos objeto deste estudo.
Em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143), percebem-se evidências de
territorialidade quando diz que “[...] a existência e a realidade de um grupo étnico não podem
ser atestadas por outra coisa senão pelo fato de que ele próprio se designa e é designado por
seus vizinhos por intermédio de um nome específico”, ou seja, reportando-se a
exemplificação de Raffestin (1993, p.162), quando trata do ”siciliano” constituição de
territorialidades pela diferença, vista e identificada pelo outro.
Nesse sentido, esclarece-se que os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas, ao
reconhecerem a diferença um do outro irão, cada um com sua comunidade, por exemplo,
numa situação territorial (conflito de luta pela terra), pensar, desenvolver mecanismos,
estratégias (territorialidades), a fim de atender seus interesses, ou seja, esse processo de
articulação caracteriza a territorialidade (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998;
RAFFESTIN, 1993; SACK, 1986).
Sendo assim, Sack (1986 apud SAQUET, 2007, p. 86) ratifica “a territorialidade
como controle de área e estratégia para manter certa ordem social”. Por isso, ao pensar nos
povos indígenas, deve-se ter em mente seu órgão de representação, a Fundação Nacional do
Índio (FUNAI), órgão criado a fim de atender e mediar os interesses do povo indígena,
principalmente conotado pelo uso da terra.
Por isso, reforça-se essa definição de territorialidade em Sack (1986), por estar
intimamente relacionada a três situações: a) como as pessoas usam a terra; b) como organizam
o espaço e; c) como dão significados ao lugar. Isso nos mostra uma interconexão no que se
está apropriado, pois, para que esteja apropriado é preciso pensar, se articular em apropriar-se.
Nessa linha de raciocínio, esse processo, podendo ser chamado de estratégia, é compreendido
como territorialidade.
Diante dessa abordagem conceitual do quarto elemento – territorialidade – para se
entender a fronteira etnocultural existente entre os grupos étnicos, indígenas e não-indígenas,
precisa-se analisar e observar como cada ator social se organiza no território, ou seja,
42

identifica-se um limite, por não deixar o ”outro” participar, como também, visualiza-se a
interação, quando há a permissibilidade do “outro” no processo de organização.
Isso se fundamenta em Saquet (2007, p. 86), em que nos revela que “cada sociedade
usa e organiza o território a sua maneira, com uma tendência areal, conforme suas formas de
vida e de poder”. Entretanto, “a territorialidade é uma forma de união, a partir do uso comum
dos recursos, facilitando a reciprocidade nas tarefas para indivíduos e famílias” (SAQUET,
2007, p. 84-85), fazendo com que se entenda a territorialidade como a estratégia no processo
das relações sociais entre os grupos étnicos.
Sendo assim, considera-se que a territorialidade permite aos grupos étnicos,
indígenas e não-indígenas, reconstituir seus horizontes e anseios em novos espaços, ao se
apropriarem de novos territórios. Portanto, a territorialidade parece ser um elemento útil à
coesão dos grupos sociais. Por outro lado, ela é uma fonte ou um apoio a hostilidades,
exclusões, ódios.
Diante dos elementos apresentados, por meio de referenciais teóricos, para se
entender a proposta desta pesquisa, que é a fronteira etnocultural, no capítulo dois, a seguir,
responder-se-á o questionamento objeto desta pesquisa que foi "Como ou quais elementos
substanciam o conceito de fronteira etnocultural no Distrito de Taunay e nas Aldeias
Circunvizinhas?", através da apresentação dos resultados obtidos em campo e do cruzamentos
entre os depoimentos (parte prática e empírica) corroborado em teóricos.
43

2 A FRONTEIRA ETNOCULTURAL NO DISTRITO DE TAUNAY E ALDEIAS


CIRCUNVIZINHAS

Um dos grandes problemas que marcam essa situação conflitante, sem dúvida,
manifesta-se pelo predomínio das questões territoriais, especificamente, nas aldeias que
circundam o Distrito de Taunay, pertencente ao município de Aquidauana-MS. Esse traço
negativo colocado pela situação territorial se dá pelo “passar do outro lado” e/ou não respeitar
o ”limite” estabelecido pelo Estado/Nação por parte dos não-indígenas, principalmente, mas
não apenas os fazendeiros.
Sendo assim, os meios para atingir o objetivo dessa pesquisa, que se trata de
compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a fronteira
etnocultural no Distrito de Taunay, município de Aquidauana, desdobra-se em identificar e
analisar as territorialidades locais, identificar e mapear os conflitos considerando seus
protagonistas, naturezas e objetos, e também analisar os conflitos territoriais entre os limites
existentes.
Neste contexto, colocar-se-á a aplicabilidade da metodologia proposta, a fim de
apresentar os atores sociais, que se propuseram a relatar sobre essa dinâmica etnocultural
(pré)existente entre indígenas e não-indígenas, assim como o objeto, no caso as questões
socioespaciais, e a natureza desses conflitos, em síntese, para nos defrontarmos com os
obstáculos, e também alternativas que indígenas e não-indígenas desenvolvem para, no
mínimo, mitigar seus problemas e viver de forma interrelacionada no Distrito de Taunay e nas
aldeias circunvizinhas.
Diante disso, reporta-se a Reis (2005, p. 11) que acrescenta sobre a questão territorial
indígena, onde:

Suas terras férteis e dadivosas, suas florestas, seus rios, a caça e a pesca,
tudo lhes foi tomado. Alguns possuem terras que não lhes pertencem porque
foram arrendadas e a força política muitas vezes, com sustentação de órgãos
do governo, não rescinde o contrato e o mesmo se perpetua, sendo a família
índia obrigada a ser empregada do arrendatário.

Portanto, neste capítulo, contar-se-á o processo histórico de criação, delimitação e


demarcação do Distrito de Taunay e aldeias circunvizinhas, a fim de clarear essa dinâmica
conflituosa, e também, apresentar-se-á elementos secundários e registros fotográficos
aplicados pela técnica de observação, proposto metodologicamente, para se compreender os
mecanismos/estratégias que indígenas e não-indígenas desenvolvem para viverem
conjuntamente.
44

2.1 Processo Histórico e Caracterização do Distrito de Taunay e das Aldeias


Circunvizinhas

Neste item, por meio de fontes secundárias8, (BRASIL, 2004) de forma sintetizada,
apresentar-se-á um relato quanto ao processo de ocupação e uso das terras indígenas no Sul do
Estado de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), e posteriormente chegando à criação do
Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas, além de relatar, como se deu a gênese dos
conflitos nestas terras.
Os povos indígenas, especificamente os Terena, são descendentes dos antigos
Guaná-Txané, os Terena contemporâneos falam uma língua da família linguística Aruak. Os
Guaná, até pouco tempo depois da Guerra do Paraguai, estavam separados em quatro
subgrupos (Terena/Etelenoé, Echoaladi, Kinikinawa e Laiana), contudo, atualmente se
reconhecem como “Terena”.
A eclosão do conflito entre o Paraguai e a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e
Uruguai), no final de 1864, viria afetar a vida em todas as aldeias Guaná-Txané. Um dos
palcos do conflito foi justamente o território destes povos e, como eram aliados dos
brasileiros, sofreram ataques por parte das tropas paraguaias invasoras. Muitas aldeias foram
incendiadas pelos invasores e todas as aldeias então existentes na região dos rios Miranda e
Aquidauana se dispersaram, com seus habitantes buscando refúgio em serras e terrenos
incultos inacessíveis na região ou nas serras de Maracaju (BRASIL, 2004).
Findo o conflito com o Paraguai, as terras das aldeias Terena passaram a ser
“apossadas” por brasileiros, em geral oficiais e soldados desmobilizados do exército brasileiro
e comerciantes que lucraram com a guerra – e que permaneceram na região. Aqueles novos
colonizadores – a maioria chegada de regiões do Brasil onde a relação com as populações
indígenas era fundada na prepotência e no desprezo ao “bugre” – desconheciam qual havia
sido o papel fundamental dos Terena para a conquista e manutenção daquela região em mãos
brasileiras e os motivos que os levaram a abandonar temporariamente seus territórios
tradicionais.
Os índios se surpreenderam com o caráter eminentemente predador destes novos
purutuyé (não-indígenas) e recorreram como puderam às autoridades de Cuiabá – que antes os
tratavam com o respeito devido aos aliados – para defenderem suas terras; agora, sem

8
Referência: Processo FUNAI/BSB nº 0289/85. Terra Indígena: Taunay-Ypegue. Superfície: 33.900 ha.
Perímetro: 78.500 m. Município: Aquidauana, Estado de Mato Grosso do Sul. Sociedade Indígena: Terena.
População: 3.880 hab. Grupo Técnico constituído pela Portaria nº 1.155/PRES de 13/11/00 (DOU de 14/11/00).
45

sucesso. Este tempo do pós-guerra é conhecido pela maioria dos Terena contemporâneos
como “o tempo da servidão” (MIRANDA, 2006).
É a época, em fins do século XIX, em que se intensifica a abertura dos
estabelecimentos pecuários na região, com apoio das autoridades do Império. Todos aqueles
empreendimentos só foram possíveis graças a “liberação” forçada das terras indígenas e pelo
uso intensivo da mão-de-obra indígena, então disponível, pela circunstância.
É este o território que os velhos habitantes das aldeias da Terra Indígena Taunay-
Ypegue reconhecem, ainda hoje, quando definem os limites daquela terra indígena. Contudo,
a partir de 1892, o governo do Estado do Mato Grosso passaria a expedir títulos provisórios
de aquisição e/ou legitimação de posse para terceiros dentro dos limites reconhecidos pelos
Terena do Ypegue, transformando de direito, mas não de fato, parcelas de terras daquela
ocupação indígena tradicional em “terras devolutas sujeitas a legitimação”.
A continuidade histórica da ocupação Terena no interflúvio Miranda-Aquidauana
remonta às primeiras décadas do século XIX, quando Miranda era apenas um Presídio
abastecido por estes mesmos índios. Os depoimentos de anciãos Terena nascidos nas décadas
de 1910 e 1920, seja na “Reserva” do Ypegue, demarcada por Rondon em 1905, ou em
“fazendas” da região que fazem parte do território tradicional Terena dali, demonstram que a
influência indígena na região nunca arrefeceu, e que a criação de um espaço arbitrário (a
Reserva) jamais constituiu em obstáculo para a continuidade do uso e ocupação indígena nas
áreas que os Terena do Ypegue tinham (e têm) como de ocupação tradicional.
A atual aldeia Bananal tem sua origem registrada desde o final do século XIX
(1894). Foi nessa aldeia, em 27.08.1905, o local onde Rondon realizou audiências antes de
iniciar a demarcação da “Reserva” do Ypegue naquele ano. Mesmo quando grande parte dos
territórios tradicionais desses Terena do Ypegue lhes foram expropriados indevidamente.
As alterações nos padrões históricos da ocupação territorial Terena em Taunay-
Ypegue ao longo dos anos, assim como as alterações no modo de produção tradicional estão
atualmente determinados pela redução territorial explicitada pelo confinamento, cujo espaço
atual é insuficiente para possibilitar àqueles Terena um futuro com um mínimo de dignidade
(BRASIL, 2004).
Sendo assim, informa-se que o Distrito de Taunay situa-se no início da planície
pantaneira, divisa no planalto brasileiro com as escarpas da Serra de Maracaju. Pelo decreto-
lei federal nº 6.550, de 31/05/1944, o Distrito de Taunay pertence ao município de
Aquidauana, localizando-se no km 530, da BR 262 entre os municípios de Aquidauana e
Miranda, no sentido Campo Grande-Corumbá-MS, conforme figura 1.
46

Figura 1: Representação da localização do Distrito de Taunay.

Para avançar nessa pesquisa, e mostrar numericamente, e como os números tornam-


se, em épocas distintas, importantes e não importantes, respectivamente, no período eleitoral e
pós-eleições, apresenta-se o contingente populacional das aldeias indígenas que circundam o
Distrito de Taunay, dados estes cedidos pela Fundação Nacional de Saúde, em 2011,
conforme o tabela 1.

Tabela 1: Caracterização Demográfica, Étnico-Cultural dos Povos Indígenas do DSEI -


Distrito Sanitário Especial Indígena MS

Cinta Larga Guarani Kadiweu Kaiowa Kinikinawa Terena Total


Água Branca 2 - - - - 701 703
Bananal - 1 - - - 1.169 1.170
Colônia Nova - - - - - 189 189
Imbirussú - 2 1 1 - 184 188
Lagoinha - 1 - 1 2 612 616
Morrinho - - - - - 280 280
Ypegue - - - 2 - 942 944
Total 2 4 1 4 2 4077 4090
Fonte: FUNASA, 2011 – adaptado pelo Autor, 2012 (Trabalho de Campo).
47

Ao se analisar o tabela 1, constata-se que esse contingente populacional corresponde


a aproximadamente 10% da população do município de Aquidauana-MS.

2.2 Caracterização dos Atores, dos Locais de Interação e da Natureza da Pesquisa

Para a realização dessa pesquisa, entrevistaram-se vinte e cinco pessoas, que foram
escolhidas segundo a representatividade que as mesmas possuem no Distrito e nas Aldeias
circunvizinhas, a fim de, conforme proposto na metodologia, obter o máximo de informações
precisas e de maneira imparcial, a fim de não tornar prejudicial à análise e os resultados desta
pesquisa.
No entanto, quando se vai analisar o território, parte-se da caracterização dos atores,
dos locais de interação e da natureza, configurando o que Santos (2004, p. 128) diz que os
“[...] componentes não estão isolados. Apresentam padrões de distribuição no território e
estão relacionados em uma intricada rede de interações que determinam funções e
comportamentos”.
Por isso, na tentativa de apresentar e correlacionar essa interação, direta e/ou indireta,
respectivamente, em que a primeira é para se entender a natureza do contato interétnico no
processo de integração, enquanto que na segunda forma, como a presença, mais acentuada de
um limite estabelecido e/ou imposto, observa-se a tabela 2:

Tabela 2: Correlação dos atores sociais com o objeto

Escolas AMDT AMIDT Igrejas Correios ESF Comércio P.PM.


Indígenas D D/I D D D/I D D/I I/D
Não-indígenas D D I D D D D D
Legenda: D – Relação Direta; I – Relação Indireta; AMDT – Associação de Moradores do Distrito de
Taunay; AMIDT – Associação de Moradores Indígenas do Distrito de Taunay; ESF – Estratégia de
Saúde Familiar; P.PM – Posto da Policia Militar
Fonte: Trabalho de Campo, 2012.

Diante dos dados apresentados na tabela 2, que foram os atores sociais, indígenas e
não-indígenas, bem como os objetos (escolas; AMDT; AMIDT; Igrejas; Correios; ESF;
Comércio; Posto Policial), tentar-se-á apresentar a natureza dessa relação, bem como
caracterizar a relação atribuída a cada objeto participado pelos atores sociais. Destaca-se que
essa análise engloba o Distrito de Taunay e ”todas” as sete (7) aldeias circunvizinhas, a fim de
maneira empírica apresentar a existência desta fronteira etnocultural.
48

Para isso, conforme figura 2 e 3, apresentam-se as indicações de acesso ao Distrito


de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas na sua esfera municipal, proporcionando de forma
direta uma relação interétnica, mas também, observa-se na esfera federal, o estabelecimento
do limite por meio da sinalização indicativa nesta conjuntura socioespacial.

Figura 2: Placa indicativa de entrada ao Figura 3: Placa que delimita a entrada nas Terras
Distrito de Taunay e Aldeias. Indígenas.
(Autor, 2011) (Autor, 2011)

Sendo assim, reporta-se a Bourdieu (2010, p. 133-134) que explica essa forma de
ocupar e utilizar o território na ótica das relações sociais e de poder em que para:

[...] assim representar o mundo social em forma de um espaço (a várias


dimensões) construído na base de princípios de diferenciação ou de
distribuição constituídos pelo conjunto das propriedades que atuam no
universo social considerado, quer dizer, apropriadas a conferir, ao detentor
delas, força ou poder neste universo.

Ora, diante disso, percebe-se uma contradição de acesso às aldeias, em que o não
cumprimento da placa indicativa, determinada pelo governo federal que diz: “[...] Terra
Indígena com acesso interditado a pessoas estranhas [...]”, por parte dos não-indígenas,
segundo Bourdieu (2010, p. 134), desencadeia um “campo de forças”, e que este pode dar a
eclosão de uma situação de conflito, bem como proporcionar as interações.
Diante dessa questão de identificação e demarcação do território, recorre-se a
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 112-113) onde informam que:

Tais processos são organizacionais precisamente na medida em que não


derivam da psicologia dos indivíduos, mas da constituição de espaços
49

cênicos e das operações externas que os atores aí realizam uns com os


outros. É nesses espaços que os atributos culturais adquirem um valor
expressivo (e podem então ser altamente seletivos), não como revelador de
uma realidade subjetiva, até mesmo inefável, mas como reivindicação a ser
julgada como ’um certo tipo de pessoa’, reivindicação pública que necessita
ser publicamente validada e ratificada e que supõe um idioma convencional
comum.

Ora, isso remete-nos a analisar a grande preocupação que os índios Terena têm dessa
presença significativa de não-indígenas em suas terras, em decorrência da situação territorial
(demarcação de terras), e acrescenta-se a esta preocupação com a perda de um “atributo
cultural”, decorrente da comunicação, que é a língua falada pelo povo Terena, no contato com
os não indígenas em suas terras.
Em seguida, têm-se as figuras 4 e 5, que mostram como esses povos indígenas e não-
indígenas se organizam no território em meio a relações diretas e indiretas uns com os outros,
em prol das territorialidades do poder no território, ou seja, a estratégia que cada indivíduo
usa para se manter no espaço territorial.
Isso, conforme Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 196), caracteriza que “[...] a
fronteira étnica canaliza a vida social – ela acarreta de um modo frequente uma organização
muito complexa nas relações sociais e comportamentais”, isso se torna evidente quando,
conforme figura 4, encontra-se construída uma ”Associação de Moradores do Distrito de
Taunay – AMDT”.

Figura 4: Associação de Moradores do Figura 5: Posto dos correios no Distrito de


Distrito de Taunay. Taunay.
(Autor, 2011) (Autor, 2011)

A AMDT foi criada pelos povos indígenas que residiam e residem no Distrito de
Taunay, em busca de reivindicar melhorias e estabelecer contato organizado com a esfera
50

pública municipal. Essa AMDT não fazia objeção quanto à participação dos povos não-
indígenas que residiam no Distrito de Taunay, sendo assim, começaram a atuar conjuntamente
em prol de interesses comuns. Tal prova de que essa relação direta, ou seja, o contato
interétnico deu êxito foi, por exemplo, com a implantação de um correspondente postal dos
correios e um posto telefônico (vide figura 5), que até hoje é cuidado pela AMDT.
Observa-se que nas figuras 4 e 5, respectivamente, a infraestrutura de uma
associação de moradores, bem como de um correspondente postal dos correios e um posto
telefônico, mostra que nas terras indígenas são encontrados equipamentos urbanos, em que
estes são utilizados pelos não-indígenas. Tais equipamentos presentes em terras indígenas não
os descaracterizam, mas sim, proporcionam agilidade e acompanhamento as dinâmicas
oriundas do sistema, não os apontando como ”atrasados”.
Diante do exposto, acrescentam-se duas situações importantes dessa relação direta e
indireta entre os povos indígenas e não-indígenas, dentro dos ensinamentos de Raffestin
(1993, p. 58), que mostra que “o poder visa o controle e a dominação sobre os homens e sobre
as coisas”, contudo na perspectiva de esclarecer essa dinâmica etnocultural: a) Segundo os
indígenas do Distrito de Taunay, a AMDT começou a agir por interesses próprios, ou seja,
com a vertente em prol dos não-indígenas, por isso, os indígenas criaram a Associação de
Moradores Indígenas do Distrito de Taunay – AMIDT, presidida hoje por um indígena, em
que este foi o fundador da AMDT, que atualmente, encontra-se presidida por um não
indígena; b) As instalações do correspondente postal dos correios são cuidadas pela AMDT,
conforme informação acima, acrescenta-se que os correios (segundo a regional de
Aquidauana) por não ter uma demanda acentuada, não disponibilizam carteiros, por isso, as
entregas das correspondências aos indígenas e não-indígenas são feitas pelo filho do
presidente da AMDT, que por mais que haja divergência no poder de quem responde por tal
benefício a comunidade local, há a interação, muitas das vezes pela necessidade do sistema.
A fim de substanciar as informações ditas no parágrafo anterior, com essas relações
etnoculturais existentes, em iminência do poder, no processo organizacional do território,
reporta-se a Raffestin (1993, p. 59) onde retrata que:

Cada organização procura reforçar sua posição obtendo trunfos


suplementares, de tal modo que possa pesar mais que outras na competição:
“o poder (político) aparece, em consequência, como um produto da
competição e como um meio de contê-la”. Obter trunfos suplementares não
significa, de modo algum, “possuí-los” ou “dominá-los”. Simplesmente pode
se tratar de exercer um controle [...].
51

Ora, isso explica o porquê da criação exclusiva de uma Associação de Moradores


Indígenas do Distrito de Taunay. Observou-se que para os indígenas, eles estavam perdendo o
poder de representação e de atendimento às suas demandas e/ou reivindicações. A AMIDT os
traria de volta às esferas do poder perante a sua comunidade.
Dando continuidade a essa relação direta e indireta dos atores sociais em meio aos
objetos identificados, observaram-se dois tipos de objetos, conforme figuras 6; 7; 8 e 9,
entendidos como relevantes para tal análise, que são: as escolas indígenas e as instituições
religiosas (igrejas), tanto no Distrito de Taunay como nas Aldeias Circunvizinhas, ou seja,
mostrando que esses locais (objetos) não impedem o contato etnocultural. Explica-se a
presença desse pesquisador, em algumas das figuras, para enfatizar a importância do contato
interétnico, mostrando que para o ocorrido, primeiro houve, principalmente, a aceitação da
comunidade indígena local, bem como da FUNAI.

Figura 6: Escola Evangélica Lourenço Figura 7: Escola General Rondon (Indígena)


Buckman (Indígena) no Distrito de Taunay. na Aldeia Bananal.
(Diretora, 2011) (Autor, 2011)
52

Figura 8: Escola Indígena, de 1° e 2° Grau, na Figura 9: Igreja na Terra Indígena da Aldeia


Aldeia Bananal. Lagoinha.
(Autor, 2011) (Autor, 2011)
Diante do apresentado, corroboram-se as palavras de Poutignat e Streiff-Fenart
(1998, p. 155) em que “[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira nunca
chegam a impedir que um determinado número de indivíduos a transponha [...]”, ora, percebe-
se que há permeabilidade e/ou transposição dessa fronteira etnocultural, evidente nas questões
educacionais, em decorrência da distância, onde as escolas da área urbana de Aquidauana
mais próximas encontram-se a aproximadamente 52 km. Portanto, se faz necessário o
cumprimento do direito à criança que é a educação, e para isso, adaptar-se aos mecanismos já
estabelecidos pelas escolas nas terras indígenas. Outro ponto importante é sobre a questão
religiosa, em que nos templos existentes no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas
não há acepção de pessoas quanto a sua representatividade/distinção étnica, sendo assim,
constituindo-se numa relação direta de contato interétnico em prol de uma fé.
Portanto, nessa questão religiosa, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 156),
“um grupo pode adotar os traços culturais de um outro, como a língua e a religião, e contudo
continuar a ser percebido e a perceber-se como distintivo”, ou seja, a aceitação pela mesma ou
“[...] a mudança de religião é justamente um meio de reforçar a solidariedade interna do grupo
e a diferenciação externa com outros grupos” (p. 157).
No sentido de se tentar compreender essa relação dinâmica nessa fronteira
etnocultural, ora conflituosa, ora em virtude das territorialidades, relata-se, por meio das
observações realizadas, como se desencadeia, tanto no Distrito de Taunay, como nas aldeias
circunvizinhas, a transposição desse limite, em decorrência do contato interétnico,
principalmente, e muito bem caracterizado, nas escolas presentes, conforme figuras 10; 11;
12; e 13, que serão caracterizadas a seguir.
Nas figuras 10 e 11, distintamente, existem 03 (três) grupos étnicos, que são: a)
índias Terena; b) não-indígenas (quinta menina da esquerda para direita, de cabelos loiros) e;
c) índios Xavantes. Diante da observação desse contato interétnico, reporta-se a Poutignat e
Streiff-Fenart (1998, p. 157) em que: “a cooperação dos membros para a manutenção das
fronteiras é uma condição necessária [...]”. Essa condição só é necessária porque as escolas
identificadas permitem que tal realidade aconteça sem distinção e/ou evidencias de
preconceitos.
É também, nas escolas, conforme figuras 12 e 13, que acontecem a oportunidade das
trocas culturais, bem como a gênese do despertar de um sentimento de pertença ao lugar,
fazendo assim, com que as práticas culturais exercidas por um grupo étnico diferente, possam
53

ser aprendidas, praticadas, e no decorrer da situação temporal, a pessoa, por exemplo, a não
indígena, pode se identificar como indígena.
Para isso, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143), em que “o fato de
nomear tem o poder de fazer existir na realidade uma coletividade de indivíduos a despeito do
que os indivíduos assim nomeados pensam de sua pertença a uma determinada coletividade”,
ora pelo convívio estabelecido, o não indígena, por meio de práticas culturais aprendidas e
praticadas, pode ser identificado como indígena por outrem, como também pode não ser.

Figura 10: Indígenas e não-indígenas Figura 11: Apresentação cultural de indígenas


preparadas para a dança Terena – putu-putu. Xavantes do Norte de Mato Grosso.
(Autor, 2011) (Autor, 2011)

Figura 12: Apresentação cultural de crianças Figura 13: Professor de História, não
indígenas e não-indígenas. indígena com seu aluno, indígena, Xavante.
(Autor, 2011) (Autor, 2011)

Ratificando as informações diagnosticadas pela prática da técnica de observação, este


pesquisador-participante percebeu, após sua aceitação de permanência nas terras indígenas
54

por parte das lideranças, e em conformidade com as exigências da FUNAI e do CEP-UFMS, a


importância do contato interétnico e das relações interpessoais de troca, conforme se observa
nas figuras 14 e 15.

Figura 14: Pesquisador aplicando temática Figura 15: Capacitação pedagógica entre
transversal aos indígenas. professores indígenas e não-indígenas.
(Diretora, 2010) (Diretora, 2010)

As figuras 14 e 15 apresentam, como apontam Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.


143), que: “um grupo não pode ignorar o modo pelo qual os não-membros o categorizam”,
ou a participação destes (não-indígenas) no território ou grupo dos indígenas. Acrescenta-se
nas palavras dos autores Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 139) que:

[...] os agrupamentos se autodefinem como unidades independentes ou


interdependentes, dentro da comunidade humana, formulam
identidades coletivas em contraste umas com as outras e descrevem os
outros e a si mesmos em termos simbólicos como semelhantes, se bem
que diferentes.

Portanto, após as observações, num primeiro momento, realizadas, tem-se ainda de


forma preliminar de apontar que as fronteiras etnoculturais existentes no território indígena,
Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, se dão pelas relações de limite, bem como e,
principalmente, pelas territorialidades. Na perspectiva de Sack (1986), tais realizações são ”as
estratégias” para a transposição desses limites, proporcionando a interação interétnica, ora
conflituosa, ora para interesses comuns.
55

2.3 Caracterização da Fronteira Etnocultural do Distrito de Taunay e das Aldeias


Circunvizinhas

Neste item, serão caracterizados o Distrito de Taunay e as Aldeias Circunvizinhas


por meio do apontamento de sua formação político-administrativa. Além disso, será relatado o
processo histórico de uso e ocupação dos povos indígenas no Brasil e no Estado de Mato
Grosso do Sul, com ênfase na etnia Terena, mas não deixando de citar outras etnias quando se
julgar necessário.
Segundo o IBGE9, Aquidauana foi elevada à categoria de município e distrito, pela
Lei Estadual nº 467, de 18-12-1906, desmembrando-se do município de Miranda, com sede
na Freguesia Alto Aquidauana e constituída do distrito sede. Foi instalada em 03-05-1907 e
elevada à categoria de comarca, pela lei nº 549, de 20-07-1910.
Em divisão administrativa referente ao ano de 1911, a vila, constituída pelo distrito
sede, é elevada à condição de cidade, com a denominação de Aquidauana, pela lei estadual nº
772, de 16-07-1918. Então, em divisão administrativa referente ao ano de 1933, o município é
constituído do distrito sede.
Em divisões territoriais datadas de 31-XII-1936 e 31-XII-1937, o município aparece
constituído de 5 distritos: Aquidauana, Corguinho, Correntes, Igrapiuna e Taunay. Pelo
Decreto-Lei Estadual nº 145, de 29-03-1938, o distrito de Igrapiuna tomou o nome de Santa
Fé. Pelo Decreto-Lei Estadual nº 208, de 26-12-1938, o distrito de Santa Fé (ex-Igrapiuna),
foi extinto, sendo seu território anexado ao distrito sede do município de Aquidauana. Pelo
mesmo decreto-lei, o distrito de Corrente tomou o nome de Palmeiras.
No quadro fixado para vigorar no período de 1939-1943, o município é constituído
de 4 distritos: Aquidauana, Corguinho, Palmeiras (ex-Correntes) e Taunay. Pelo Decreto-Lei
Estadual nº 545, de 31-12-1943, o distrito de Palmeiras tomou o nome de Jango e, pelo
mesmo decreto, o distrito de Taunay foi transferido de Aquidauana para o município de
Miranda.
Pelo Decreto-Lei Federal nº 6550, de 31-05-1944, o distrito de Taunay volta a
pertencer ao município de Aquidauana. Por outro lado, no quadro fixado para vigorar no
período de 1944-1948, o município é constituído de 4 distritos: Aquidauana, Corguinho,
Jango e Taunay. Pela Lei nº 204, de 23-11-1948, o distrito de Corguinho, foi transferido de

9
Disponível em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=500110#>. Acesso em 30 de
agosto de 2012.
56

Aquidauana para Rochedo. Em divisão administrativa referente ao ano de 1-VII-1950, o


município é constituído de 3 distritos: Aquidauana, Jango e Taunay, assim permanecendo em
divisão territorial datada de 1-VII-1955.
Pela Lei Estadual nº 1164, de 20-11-1958, os municípios de Anastácio, Cipolândia,
Camisão e Piraputanga foram criados e anexados a Aquidauana. Em divisão territorial datada
de 1-VII-1960, o município é constituído de 7 distritos: Aquidauana, Anastácio, Camisão,
Cipolândia, Jango, Piraputanga e Taunay, de modo a permanecer em divisão territorial datada
de 31-XII-1963.
Pela Lei Estadual nº 2143, de 18-03-1964, desmembram do município de
Aquidauana os distritos de Anastácio e Palmeiras (ex-Jango), alterados pela mesma Lei
Estadual citada anteriormente, para constituir o novo município de Anastácio. Em divisão
territorial datada de 31-XII-1968, o município é constituído de 5 distritos: Aquidauana,
Camisão, Cipolândia, Piraputanga e Taunay e assim permanece em atual divisão territorial.
A partir do século XIX, a etnografia sul-americana registrou a existência dos Terena
no Brasil, especificamente na região pantaneira, após a travessia do “Huveona Kaxeonó” (rio
Paraguai), caminhando na direção das terras do atual Estado de Mato Grosso do Sul. Foi nas
proximidades de Miranda que os Terena instalaram um dos primeiros aldeamentos, como
monumento marcante da chegada do “Exiva10”.
Quando pareciam estar em paz, os Terena tiveram que participar da Guerra do
Paraguai, combatendo os invasores em defesa do território brasileiro. Em troca, negociaram
com os “purútuye11” a demarcação de terras indígenas para garantir a sobrevivência do grupo
étnico. Após a Guerra do Paraguai, os Terena foram reconstituindo os seus aldeamentos em
diversos lugares. Muitos estavam dispersos em fazendas, buscando abrigo e trabalho no
campo. Criaram novos aldeamentos, local de abrigo e refúgio em consequência da invasão
“Kaxeonó” (paraguaia).
Os aldeamentos estabelecidos no município de Aquidauana, resultaram do
reagrupamento dos Terena após a Guerra do Paraguai, em particular as aldeias Bananal e
Ypegue, que são aldeamentos mais antigos. Outros foram destruídos e os atuais receberam
nova formatação espacial imposta, sobretudo pelos coordenadores do antigo SPI (Serviço de
Proteção aos Índios, hoje FUNAI).

10
Exiva na lingua Terena refere-se ao “chaco” Paraguaio.
11
Purútuye na língua Terena refere-se aos não indígenas, preferencialmente os “brancos”.
57

O novo modelo espacial-geográfico, impresso em terras indígenas (especialmente as


Aldeias Bananal e Ypegue) foi copiado da planta das cidades dos brancos, com ruas paralelas
e transversais, formando quadras. Mais tarde, com a implantação das redes de água encanada
e de energia elétrica, a iluminação das “ruas”, além do transporte coletivo da aldeia para a
cidade — típicas de uma organização espacial urbana não indígena —, a etnia Terena
deparou-se com a interferência avassaladora do modelo espacial-geografico imposto pelos
não indígenas, hoje tem o desafio de reconstruir a sua identidade territorial e cultural.
A infraestrutura “civilizada” implantada na aldeia foi iniciativa dos órgãos públicos,
visando à emancipação do índio, política adotada pelos agentes do SPI e FUNAI, que afetou
diretamente a vida e os valores culturais dos Terena. Outra política implantada, com uma
visão colonialista e expansionista na região do Pantanal Sul-Matogrossense, foi a construção
da estrada de ferro Noroeste do Brasil e da rede telegráfica, iniciada no século XX e
comandada por Marechal Cândido Mariano Rondon que contou com a mão-de-obra indígena.
Essas iniciativas impactaram profundamente a vida social e cultural dos povos
indígenas, em especial aqueles localizados nos arredores do Distrito de Taunay, Município de
Aquidauana, Mato Grosso do Sul. No final do século XX, as aldeias do Distrito de Taunay
receberam diversos projetos dos poderes públicos, que tratavam de facilitar a relação do
Terena com o mundo dos brancos. Incentivaram-se a implantação profissional de padarias e
bicicletarias, o uso de tratores com implementos agrícolas e a agroindústria com implementos
para a fabricação de rapadura de cana-de-açúcar e farinha de mandioca.
Observou-se no contexto histórico que a Aldeia Bananal, por ser a mais antiga,
devido sua maior densidade populacional e que está centralizada e é centralizadora das
decisões, sendo assim, influencia as outras aldeias. Já a aldeia conhecida como Lagoinha
pelos purútuye, e cujo nome tradicional é “Kali Lâvona12”, sempre foi fornecedora de índios
na formação de novas aldeias no seu entorno. Localizada a um quilômetro da Aldeia Bananal,
a Aldeia Lagoinha nasceu em decorrência do cultivo de roças dos índios vindos de Bananal,
local escolhido por ficar longe dos animais de pequeno porte.
Chama-se a atenção para a necessidade de se compreender e valorizar o processo
decisório indígena. O respeito aos valores culturais evidenciados nessa negociação, bem como
o processo decisório em si, tem o potencial de minimizar os equívocos verificados ao longo
da história do contato entre esses povos e maximizar os seus benefícios, desde que observados
a partir da ótica indígena. As políticas públicas precisam levar em consideração as

12
Kali Lâvona, na língua Terena, significa “pequeno lago”.
58

características culturais de cada povo, a forma tradicional de sua organização, economia,


território, não generalizando aspectos localizados, autoridades e organizações que pretendem
implementar projetos de desenvolvimento comunitário.
A guerra exigiu o sacrifício de muitos e o derramamento de sangue de povos
indígenas. Logo, iniciou-se a fase da “servidão”, quando se viram forçados a trabalhar nas
fazendas de gado, o que exigiu energia e resistência dos índios na exploração de mão-de-obra
pelos latifúndios. Com isso, Baltazar (2010) afirma que 80% da peonada eram de índios,
sendo que o serviço doméstico nas casas dos patrões sempre foi exercido pelas mulheres
indígenas.
Rondon, quando esteve à frente da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas no
(então) Estado de Mato Grosso (1901), relatou os conflitos acirrados entre índios e
fazendeiros que chegaram ao seu conhecimento, a ponto de fazê-lo escrever cartas aos
fazendeiros, pedindo-lhes que evitassem a carnificina que ameaçava a população indígena.
As lideranças indígenas puseram em cheque os valores dos promotores do projeto,
contrapondo a eles os valores culturais indígenas, que priorizam o consenso, a igualdade de
benefícios, e a união das populações autóctones. A comissão executora do projeto rendeu-se à
sabedoria Terena e repensou a forma de compensação a partir das contrapropostas feitas pelos
representantes indígenas.
No final do século XVIII, os Terena foram afetados pela disputa do território entre
portugueses e espanhóis. Os portugueses logo se preocuparam em defender a fronteira contra
os invasores construindo o Forte Militar de Dourados, o Forte de Coimbra e o Presídio de
Miranda. Já os espanhóis estavam preocupados com a instalação de fazendas e com a
produção agropecuária para garantir o povoamento da terra e, ao mesmo tempo, com a
expulsão de diversos povos instalados no Pantanal Sul-mato-grossense. Esse fato levou os
Guaicuru e os Terena a fazerem alianças para combater os invasores.
Terminada a Guerra do Paraguai, em 1870, a ocupação de terras pelos fazendeiros e
colonizadores no Centro-Oeste brasileiro começou a se multiplicar. O incentivo do governo
republicano para povoar e, ao mesmo tempo, cuidar a fronteira do Brasil, encontrou resposta
rápida desses grupos de colonos.
Essa fase de reorganização socioespacial serviu para a consolidação das fronteiras
das áreas indígenas e foi importante para assegurar um lugar de reagrupamento de grupos
familiares. Os remanescentes Terena que trabalhavam nas fazendas da região iniciaram um
59

processo de reagrupamento, visando a sobrevivência como etnia e à reprodução cultural e


populacional do grupo.
Segundo Baltazar (2010), nesta nova etapa de vida, os Terena passaram a conviver
com outros grupos originários de diferentes regiões, que se revelavam heterogêneos e
desconhecidos, como os purútuye, na sua maioria, originários de outras regiões do Brasil, cuja
relação com os índios era fundada na prepotência e no desprezo ao bugre. Esse era um
indicativo de que o caminho à sua frente seria de sofrimento e violência.
O reconhecimento de Rondon pelos serviços prestados pelos grupos indígenas e o
respeito pelas suas decisões, sabendo que estava diante de uma fronteira natural bem
demarcada pelos índios, foi patente nos aspectos administrativos do seu trabalho como
“pacificador” dos índios. O conhecimento e o domínio do seu espaço ecológico permitiram-
lhe delimitar as áreas territoriais indígenas entre os vários grupos, de modo que cada um
respeitasse as suas áreas de perambulação13 natural
Tradicionalmente, os Terena apresentam relativa mobilidade espacial e geográfica,
que se justifica pela busca de suprimento alimentar e pela prática de uma agricultura de
subsistência, levando-os à procura de novas terras férteis para o plantio. A partir do contato
com o mundo dos brancos, os Terena posteriormente trabalharam em fazendas nos arredores
das aldeias. Nos dias atuais, a dinâmica da sua subsistência é mais intensa, com sua dispersão
por diversas cidades e estados do Brasil, à procura de melhores condições de vida.
As experiências advindas dos envolvimentos, de forma intensa, com a sociedade
nacional capitalista, aconteceram de duas maneiras. Primeiramente, alguns índios trabalhavam
fora da Aldeia, como empregados nas fazendas regionais, passando a relacionar-se com
populações não-indígenas, geralmente opressoras e exploradoras da mão-de-obra Terena.
Posteriormente, dentro das aldeias, conviveram com a presença de missionários
protestantes e católicos (além de representantes do governo), que dividiam as famílias no jogo
de interesses na evangelização e catequização. Desse modo, as opções de sobrevivência
tornaram-se mais complexas. Por outro lado, o trabalho missionário por meio da Escola
trouxe a preparação mínima para disputar o mercado de trabalho fora da aldeia, incentivando
a saída em busca de melhores condições de vida para a família.
A presença dos Terena em Aquidauana justifica-se pela busca de melhores condições
de vida e melhor educação para os seus filhos. Na base desse deslocamento está o desejo de
trabalhar na sociedade urbana como assalariado, muitas vezes sem nenhuma qualificação

13
Passeio natural, vagueamento natural.
60

profissional. Geralmente desempenham trabalho braçal, como “changueiros”, guardas


noturnos e ajudantes de pedreiro. Quando são contratados pelo poder público municipal,
trabalham como garis, cortadores de árvores ou em serviços gerais.
Esse fenômeno sociocultural de subordinação dos Terena ao Estado possibilitou a
inter-relação com o mundo não indígena, que o levou a incorporar novos hábitos e costumes
desconhecidos até então. Neste processo, que aconteceu ao longo dos anos, vários foram os
empreendimentos governamentais que favoreceram a ocupação e a integração nacional da
região pantaneira.
A presença da relação Estado/Nação se estabeleceu nas proximidades das aldeias
com a construção das ferrovias e rodovias, onde os Terena foram, cada vez mais, atraídos às
cidades, especialmente Aquidauana, Anastácio e Campo Grande, no Estado do Mato Grosso
do Sul, e mesmo além, como, por exemplo, a aldeia Araribá, próxima a Bauru/SP, Mogi das
Cruzes/SP, Peixoto de Azevedo/MT (BALTAZAR, 2010), para a comercialização dos seus
produtos e a compra de gêneros alimentícios.
Outro fator de mobilidade são os casamentos entre índios e purútuye. O número de
mulheres Terena que se casam com brancos supera em muito o de homens Terena que buscam
esposas não-indígenas. A proibição de morar com marido não indígena dentro da aldeia é
submetida aos costumes tradicionais, que foram estabelecidas pelos Terena como uma
maneira de protegê-los de eventual interferência em setores críticos da vida social e cultural
dos moradores. Os velhos, pela sua experiência de vida, parecem acertar nessa política de
segregação, pois fatos dessa natureza já haviam acontecido com eles.
A exploração de mão-de-obra indígena continuava por meio de baixos salários,
obrigando o indígena a trabalhar horas extras para conseguir recursos para o sustento familiar.
Hoje, é raro ver a presença do “patrão” na aldeia, como eram conhecidos os recrutadores de
índios Terena para o corte de cana-de-açúcar nas destilarias de álcool do Estado.
Hoje, há duas empresas de ônibus que levam pessoas das aldeias para Aquidauana e
região, intensificando o contato com a população urbana. As idas constantes às cidades são
motivadas pela necessidade de receberem sua aposentadoria, comprar gêneros alimentícios,
escoar suas especiarias para comercialização, principalmente no Mercado Municipal de
Campo Grande – conhecido como “Mercadão” e, sobretudo, para reivindicar seus direitos
junto ao poder público, especialmente a FUNAI.
Mesmo com a intensa relação com os purútuye, inclusive na interação com
representantes políticos na qualidade de eleitores indígenas, os Terena exibem poucas
61

conquistas públicas diante de suas necessidades. Após anos de conflitos, as políticas públicas
não encontraram uma fórmula para minimizar os impactos do contato com os brancos na vida
dos indígenas na aldeia. As iniciativas governamentais não passam de paliativos, sem
continuidade e desprovidos do respeito ao processo decisório dos Terena.
As primeiras terras indígenas criadas pelo SPI foram delimitadas com base no
conceito de gleba, usado para delimitar a área de uma propriedade rural. Dessa forma,
nenhum desses pequenos vilarejos destinados aos índios levava em conta a vida tradicional e
a relação cultural com o território. Isso restringiu muito a vivência dos índios em
determinadas regiões, especialmente no Sul, no Sudeste e em parte do Centro-Oeste
(PROGRAMA, 2009/2010). "A ideia era de que os índios tinham que ter terra como os
brancos, ou seja, lotes, glebas. Foi um erro terrível, que prejudicou tremendamente os Guarani
e os Terena, no Mato Grosso do Sul" (PROGRAMA, 2009/2010, p. 37).
O Estado de Mato Grosso do Sul abriga uma das maiores populações indígenas do
país. Os Terena, por contarem com uma população bastante numerosa e manterem um contato
intenso com a população regional, são o povo indígena cuja presença no estado se revela de
forma mais explícita, seja através das mulheres vendedoras nas ruas de Campo Grande, ou das
legiões de cortadores de cana-de-açúcar que periodicamente se deslocam às destilarias para
changa, o trabalho temporário nas fazendas e usinas de açúcar e álcool.
Essa intensa participação no cotidiano sul-mato-grossense favorece a atribuição aos
Terena de estereótipos tais como “aculturados” e “índios urbanos”. Tais declarações servem
para mascarar a resistência de um povo que, através dos séculos, luta para manter viva sua
cultura, sabendo positivar situações adversas ligadas ao antigo contato, além de mudanças
bruscas na paisagem, ecológica e social, que o poder colonial e, em seguida, o Estado
brasileiro os reservou.
A taxa de suicídio entre as populações indígenas do Brasil é quatro vezes maior do
que no resto do país, segundo o UNICEF. Um dos grupos analisados para a pesquisa foi
justamente o Guarani-Kaiowá, alvo de chacinas nos últimos anos. Mato Grosso do Sul e
Amazonas concentram cerca de 81% dos casos de suicídio do país. No primeiro, as taxas são
34 vezes maiores do que a média nacional. O valor sobe ainda mais entre os jovens. O Brasil
tem cinco casos de suicídio a cada cem mil habitantes; entre os jovens indígenas de MS, esse
número chega a 446 casos para cada cem mil.
Assim, enquanto o Brasil tem taxas baixas de suicídio na América Latina, essa
relação se inverte quando se trata das populações indígenas. O estudo aponta para a
62

discriminação sofrida pelos indígenas, as mudanças substanciais em seu entorno, a expansão


das cidades e a especulação fundiária como situações que levam a esses altos índices.
Além disso, os jovens sentem-se impotentes para mudar a situação de suas
comunidades. Apenas em 2008, houve 17 suicídios no município de Amambai, onde vivem os
Guarani Kaiowá. Destes, nove eram adolescentes. Na cidade de Dourados, também no Mato
Grosso do Sul, foram 25 no mesmo período. Oito eram adolescentes. Mantinham a
propriedade coletiva da terra com divisão do trabalho por sexo, praticando uma agricultura
itinerante de subsistência e cultivando produtos cuja utilização depois se tornou universal,
como a mandioca, o milho, o algodão, o tabaco, o inhame e a pimenta chili. Eram governados
por líderes conhecidos como “caciques” (termo que deriva, aliás, das línguas aruak),
assessorados nas maiores comunidades, por conselhos comunitários. Alianças entre tribos
aruak foram eventualmente estabelecidas como estratégia de autodefesa contra grupos que
lhes eram hostis (como os seus belicosos vizinhos karib ou os próprios colonizadores
europeus). Valorizavam festivais mítico-religiosos e a convivência social.
No Estado de Mato Grosso do Sul, mediante os elevados índices do número de
suicídios, criou-se e lançou-se em 2011 o CONDEPI – Comitê Nacional de Defesa dos Povos
Indígenas, que tem por primazia:

Art. 1º – Fica criado o Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de


Mato Grosso do Sul com sede na cidade de Campo Grande-MS, com
objetivo de defender a população indígena contra todas as formas de
violência, seja por ação ou omissão, seja por parte de particulares ou do
poder público.
Art. 2º – Constituem os compromissos das entidades e órgãos que integram o
Comitê Nacional de Defesa dos Povos Indígenas de Mato Grosso do Sul:
I – a defesa dos direitos à vida, da integridade física e mental, da liberdade e
da segurança pessoal dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.
II – a defesa dos povos e das pessoas indígenas na sua integridade como
povos distintos, na preservação e divulgação de seus valores culturais e de
sua identidade étnica dos povos indígenas de Mato Grosso do Sul.
III – a defesa da posse e das demarcações de terras indígenas e do amplo
acesso aos recursos nelas existentes.
Art. 3° – A forma de atuação, de coordenação e os demais regramentos
internos serão deliberados na primeira reunião presencial, no dia 24-11-
2011, na sede da OAB-MS, e submetidos para consulta de todas as entidades
ausentes e sediadas fora de Campo Grande, via internet, com prazo não
inferior a três dias. A resposta à consulta que vise alteração da proposta
inicial será submetida na segunda reunião e votada, já considerado o voto a
favor do proponente e daqueles que se manifestarem via e-mail até uma hora
antes da reunião.
63

Com a criação do CONDEPI, os povos indígenas têm conseguido adeptos purútuye,


na esfera governamental e não governamental para auxiliá-los em virtudes destes índices
elevados de suicídios, ajudando-os na organização de reuniões e palestras, com folders
informativos dentro das aldeias indígenas.
Para efeitos de execução desta pesquisa, respeitaram-se e cumpriram-se efetivamente
as determinações da Instrução Normativa n° 01/PRESI, de 29 de novembro de 1995, que trata
das normas que disciplinam o ingresso em Terras Indígenas com finalidade de desenvolver
Pesquisa Científica. Acrescentam-se também outras legislações que tiveram de ser atendidas,
por se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos, principalmente, povos indígenas, de
acordo com a Resolução n° 304 de 09 de agosto de 2000 e a Portaria n° 177/PRES, de 16 de
fevereiro de 2006, que visa ao respeito aos povos indígenas, a proteção de seu patrimônio
material e imaterial relacionados à imagem, criações artísticas e culturais.
Sendo assim, faz-se uma caracterização das temáticas fronteira e etnicidade, para
evidenciar que, de maneira conjuntural, ambas subsidiam o conceito de fronteira etnocultural
que vem sendo discutido, haja vista que a fronteira envolve os limites, por meio da
demarcação do(s) espaço(s), bem como os processos territoriais. Ela (a fronteira) proporciona
as relações sociais que se estabelecem num determinado espaço, por exemplo: de vizinhança,
de solidariedade, de tensões e de conflitos. E é nestas relações sociais, que se observam as
apropriações, configurando-se num processo político inerente às relações de poder.
Já na etnicidade, percebem-se as relações de organização social que se desdobram
em demarcação de espaço, e também "[...] baseadas na atribuição categorial que classifica as
pessoas em função de sua suposta origem, validadas na interação social pela ativação de
signos culturais [...]" (POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 141). É nessa maneira de
classificar que se percebem as relações de vizinhança e de conflitos, em que os grupos étnicos
distintos usam sua atribuição categorial para “ter” e “ser” o poder sobre outros, de grupos
diferentes e até do mesmo grupo étnico.
Diante das especificações acima sobre fronteira e etnicidade, acrescenta-se o Art. 231
da CF (1988) que diz:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas
em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
64

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu


bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições.

É nesse sentido que estão sendo observados, por meio desta pesquisa, os elementos
comuns entre fronteira e etnicidade, como perenidade; relação social; relações de poder;
organização social; apropriações; limites; contingente e o desencadear de ações e reações. O
que foi observado nesta pesquisa contribui para o conceito de fronteira etnocultural, ou seja,
para a exposição da compreensão das dinâmicas através das territorialidades e conflitos
(pré)existentes no Distrito de Taunay e nas aldeias circunvizinhas.
Com isso, de forma empírica, durante o transcorrer da pesquisa, por meio da
entrevista com os representantes das associações de moradores, os respectivos senhores,
Waldomiro Wargas, que representa a AMIDT - Associação de Moradores Indígenas do
Distrito de Taunay, e Antônio José dos Santos, que representa a AMDT - Associação de
Moradores do Distrito de Taunay, informaram das conquistas que conseguiram, por meio das
respectivas associações. Pela AMIDT, conseguiram cestas básicas, através do Programa de
Segurança Alimentar Indígena, para 62 famílias cadastradas e ainda existem cerca de 40
famílias aguardando serem cadastradas, além da construção na sede do Distrito do PSF -
Posto de Saúde Familiar.
Pela AMDT, conquistaram os seguintes benefícios para indígenas e não-indígenas: a)
caixa d'água para o Distrito; b) construção da sede da associação; c) construção do
Destacamento da Polícia Militar; d) aquisição de uma viatura da PM; e) restauração da Escola
Municipal Visconde de Taunay; f) manutenção do campo de futebol; g) convênio com
correios; h) aquisição de uma ambulância para a sede do Distrito.
Portanto, observaram-se nas relações entre as associações - A.M.D.T. e A.M.I.D.T. -
as relações etnoculturais inerentes aos interesses distintos e em comum, por meio das relações
de poder, que uma pode e/ou tenta exercer sobre a outra, no que tange a conquistas para a
comunidade de indígenas e não-indígenas.
Em seguida, de maneira geral, percebe-se que os aruak abrangem povos indígenas
ainda demograficamente vigorosos como os Terena no MS. Sendo assim, reportou-se à
Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, para visualizarmos os dados do contingente
populacional pelo número de residências nas aldeias que circundam o Distrito de Taunay.
Assim, nessas aldeias, perfaz-se uma relação étnica com os Cinta-Larga; Terena; Guarani;
Kadiwéu; Kaiowá; Kinikinawa e Xavante, conforme quadro abaixo:
65

Tabela 3: Caracterização demográfica pelo número de residências dos Povos Indígenas que
circundam o Distrito de Taunay, município de Aquidauana-MS.

Aldeia Caciques Residências Total


01 Água Branca Isaias Francisco 174
02 Bananal Carlos Hortêncio 301
03 Colônia Nova Oto Milton Lara 66
04 Imbirussú Jurandir Lemes 57 1031
05 Lagoinha Alcery Marques 134
06 Morrinho Agustinho Francisco 58
07 Ypegue Alvisure Gonçalves 241
Fonte: Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, 2011.
Adaptado pelo autor (2012)

Diante da Tabela 3, principalmente na coluna que trata de apresentar os "Caciques",


procurou-se saber como funciona a hierarquia indígena dentro de cada aldeia. Sendo assim,
descobriu-se que a liderança indígena das aldeias circunvizinhas ao Distrito de Taunay são
compostas por 12 integrantes, distribuídos da seguinte maneira: a) 1 Cacique; b) 1 Vice-
Cacique; c) 1 Presidente do Conselho; d) 5 Diretorias (Esporte, Cultura, Educação, Saúde e
Eventos); e) 4 membros. Acrescenta-se também que as aldeias Ypegue, Colônia Nova,
Morrinho, Imbirussú e Água Branca, além de Bananal e Lagoinha, estão numa área
demarcada de 6.334 hectares de terras indígenas (BALTAZAR, 2010).
A seguir, serão expostos os resultados das entrevistas, a fim de elucidar e
exemplificar o entendimento sobre o conceito de fronteira etnocultural, em que este é oriundo
da manifestação do contato entre indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das
Aldeias circunvizinhas, e para evitar posterior desdobramento e/ou contratempo, ao nominar a
fala do entrevistado, utilizar-se-á o pseudônimo de ”Depoente”, seguido de uma sequência
numérica. Informa-se que foram entrevistados 25 representantes, tanto do Distrito de Taunay
como das aldeias indígenas circunvizinhas, e mediante análise prévia das respostas, percebeu-
se que muitas eram repetidas, por isso, resolveu-se elencar e analisar as 5 entrevistas distintas.
Os gráficos 1 a 4 retratam em distribuição percentual o total de 25 (vinte e cinco)
entrevistados, distribuídos por faixa etária, gênero, identificação étnica e onde residem.
66

Gráfico 1: Mostra a distribuição por faixa etária dos entrevistados.


Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Gráfico 2: Informa a distribuição pelo gênero dos entrevistados.


Fonte: Pesquisa de Campo, 2011
67

Gráfico 3: Apresenta a maneira como os entrevistados se identificaram.


Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Gráfico 4: Distingue a localização de residência dos entrevistados.


Fonte: Pesquisa de Campo, 2011

Em seguida, de maneira empírica, apresentam-se os resultados das entrevistas (coleta


de relatos orais), destacando que não serão nominados de maneira original os entrevistados,
mas sim, utilizando pseudônimo de ”Depoente”, com respectivo sequencial numérico a frente,
68

bem como ver a teoria sobre a proposta de fronteira etnocultural sendo corroborada pelas
evidências apontadas.
Ao tratarmos sobre qual a visão que os moradores “Não-indígenas” das Aldeias
Indígenas têm sobre os moradores “Indígenas” que residem nas Aldeias, percebeu-se na
resposta de um dos depoentes, que disse: "A visão que eles tem é que todos deveriam ser
igual, deveriam ter direitos iguais sendo ele índio ou não-índio" (DEPOENTE 5, 2011).
Diante dessa resposta, observa-se que o pronome eles refere-se aos ”não-indígenas”
que residem nas aldeias e que querem fazer uso e gozar dos direitos (benefícios,
principalmente os sociais e territoriais) dos povos indígenas. Nessa ótica, observa-se em
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 80) que a etnicidade designa "[...] uma forma de
organização social própria às sociedades modernas". Ora, o não indígena, no seu tempo
”acelerado”, muitas vezes conotando o tempo do indígena, como se fosse arcaico, o que se
sabe que não é fato.
Nesse mesmo prisma, fez arguições de qual a visão que os moradores “Indígenas”
das Aldeias Indígenas têm sobre os moradores “Não-indígenas” que residem nas Aldeias,
constataram-se nas respostas dos depoentes o seguinte: "Na Água Branca não tem esse
estranho", não é contra, mas não aceita (DEPOENTE 1, 2011). Diante dessa resposta, as
definições implicam a ideia de não se ter a presença do não indígena, com isso, de acordo com
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 80) "[...] um grupo que tem uma tradição cultural e um
sentido da identidade, [...] um grupo social que, no interior de um sistema sociocultural mais
amplo reivindica ou possui um estatuto [...]". No entanto, se tem uma liderança indígena que
tenta ainda preservar o mínimo de traços étnicos existentes, manifesta-se o bloqueio e/ou
situações subentendidas como preconceituosas, como por exemplo, na resposta, a frase "esse
estranho", que remete ao não indígena.
Em seguida, têm-se as palavras do próximo depoente, que disse: "Por causa de não
índios de outros estados que casaram com índias que trabalhavam nas fazendas, e também
encontrou a índia trabalhando de doméstica, e quando vem trabalhar de pedreiro"; "O índio
tem todos os direitos independente do casamento ser com a não-índia"; "A índia existe um
preconceito da liderança e dos moradores"; "O marido (não indígena) vai pode ter escritura de
bens e direito, sua presença é permissível, desde que ele se autossustente, não tem direito a
benefícios sociais"; "Tem direito a voz e não a voto"; "O não-índio passa por rejeição e
69

preconceito quando se está dentro da aldeia, fica sempre em segundo plano" (DEPOENTE 2,
2011).
Nessa fala, baseou-se novamente em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 103) que
teoriza sobre a etnicidade como uma relação social lógica de poder, onde "a etnicidade como
uma forma de solidariedade que emerge em resposta à discriminação e à desigualdade e
manifesta uma grande consciência política por parte dos grupos que buscam reverter uma
lógica dominação". Isso acrescenta na relação de interação entre os distintos grupos étnicos,
indígenas e não-indígenas, mas em detrimento das questões territoriais manifesta-se as
relações de poder, daquele que já se apropriou do espaço, no caso, os indígenas.
Acrescentando resposta ainda a esta pergunta, observa-se na fala do depoente a
seguir um fato importante, a presença de imigrantes, na parte oeste do Pantanal sul-mato-
grossense, em terras indígenas, vejam: "Tem boliviano, paraguaio, purútuye (branco)"
(DEPOENTE 3, 2011). Nessa resposta, percebeu-se que o Depoente 3 tem a visão de
reciprocidade da aceitação do outro, e com isso gera muita polêmica em sua aldeia.
Para se entender melhor essa resposta do Depoente 3 reportou-se a Poutignat e
Streiff-Fenart (1998, p. 105) que diz:
[...] através da agregação de interesses individuais, mas como estratégia
própria a um grupo particular que manipula, em proveito próprio, o apelo à
lealdade étnica [...] onde a formação de comunidades étnicas nas sociedades
em vias de modernização à capacidade das elites em mobilizar os
camponeses para apoiar suas próprias pretensões de prestígio e às vantagens
econômicas.

Para esta aldeia, mediante a resposta do Depoente 3, corroborada pela teoria abaixo,
entende-se e percebeu-se no diálogo com o referido depoente que a presença de imigrantes,
sendo estes indígenas e não-indígenas, podem contribuir para melhorias e benefícios na
aldeia, haja vista a dificuldade de acesso e chegada das informações em seu território. Tudo
isso é autorizado, desde que não seja ultrapassada a hierarquia (pré) concebida.
Finaliza-se essa questão com a resposta do próximo depoente que disse "A presença
do não indígena na aldeia só é permitida de acordo com a gestão do cacique"; "O caso que
tem, não atrapalha a comunidade, não-índio de Coxim (Eduardo)"; "Tem variação/aceitação
de aldeia para aldeia, exemplo no Ypegue tem mais não-indígenas" (DEPOENTE 4, 2011).
Nesse sentido, reporta-se a Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 109) onde mostra que
"[...] a etnicidade como um sistema cultural que permite aos indivíduos situar seu espaço em
uma ordem social mais ampla", em que "[...] o processo pelo qual as pessoas, por meio das
diferenças culturais, comunicam ideias sobre a distintividade humana e tentam resolver
70

problemas de significação". Esse contato entre moradores indígenas e não-indígenas rompe os


paradigmas da fronteira estabelecida como limite, colocando-a com ponto de interação e
integração, proporcionando aos distintos grupos étnicos as relações sociais.
Continuando, perguntou-se aos entrevistados sobre a relação dos moradores
Indígenas e Não-indígenas das Aldeias e Distrito de Taunay com os fazendeiros, e recebeu-se
as seguintes explicações: Para o Depoente 1, "briga não tem", mas preocupa-se com a questão
territorial. Até o presente momento, os fazendeiros vizinhos ajudam (auxiliam) a todos.
Mediante essa resposta com vertente na questão territorial, reportou-se a Raffestin, (1993, p.
153) que disse: "Falar do território é fazer uma referência implícita à noção de limite que,
mesmo não sendo traçado, como em geral ocorre, exprime a relação que um grupo mantém
com uma porção do espaço. A ação desse grupo gera de imediato, a delimitação".
No segundo momento dessa resposta, percebeu-se as relações de interação social
entre estes grupos étnicos distintos, que se justifica em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.
153), pautados na concepção barthiana que dizem: "[...] a manutenção das fronteiras étnicas
necessita da organização das trocas entre os grupos e da ativação de uma série de proscrições
e de prescrições regendo suas interações". Ora, permite-se e “aceita-se” o purútuye por meio
das relações de contato e troca, desde que este (purútuye) não interfira e/ou venha a
comprometer as questões territoriais do povo Terena, principalmente desta região pesquisada.
Posteriormente, ainda dentro desta mesma questão, observam-se em conjunto, a fala
de mais quatro Depoentes, que dizem: "Existem um respeito dos fazendeiros para com os
indígenas, geram emprego e arrumam maquinários" (DEPOENTE 2, 2011). O representante
desta aldeia disse que a mesma faz divisa com 4 fazendas, e com isso tem "boa relação com as
fazendas", e também "fazem os artesanatos e vendem para as fazendas" (DEPOENTE 3,
2011). "Hoje é pacífico, e os fazendeiros tem atendido as necessidades, por meio do diálogo
prévio". "O não indígena trouxe o problema da bebida", percebe-se que os não-indígenas
(purutuye) estão preocupados com o processo demarcatório. "É só a aldeia que se mobiliza
diante das necessidades"; "O povo da aldeia tem suas necessidades atendidas somente pelos
fazendeiros, Taunay não se manifesta" (DEPOENTE 4, 2011). "Eles tem a relação de briga,
de ódio, por causa da demarcação das terras" (DEPOENTE 5, 2011).
Diante desses depoimentos, buscou-se em Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 155)
que disseram: "[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira nunca chegam a
impedir que um determinado número de indivíduos a transponha, [...] a fronteira étnica
superpõe-se à fronteira social, uma reforçando a outra". Entende-se que por mais que haja um
71

limite (pré) estabelecido, o contato se faz necessário e complementador, inclusive para se


fazer a distinção de tal grupo, pois "[...] os membros dos grupos minoritários que são bem-
sucedidos são percebidos como indivíduos fora da categoria" (p. 156), como por exemplo os
fazendeiros, e também aqueles que saíram das aldeias e foram estabelecer suas relações no
Distrito de Taunay.
Observou-se também, principalmente na fala do Depoente 4, justificado em
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 157) que "[...] a cooperação dos membros para a
manutenção das fronteiras é uma condição necessária da etnicidade [...]", e também, "[...] os
homens ‘vivem’, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio
de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas" (RAFFESTIN, 1993, p. 158).
De acordo com o exposto, percebeu-se que essas relações de um indígena com um
não indígena estão diretamente ligadas às relações de poder (RAFFESTIN, 1993) que um
pode e quer ter sobre o outro grupo étnico, mas, visualiza-se também a cautela de alguns
depoentes quando citam o purútuye (fazendeiro), pois os veem como mecanismos e
alternativas de subsídios em meio a necessidades iminentes, e este purútuye, conforme Sack
(1986), estrategicamente atende-os, com a perspectiva de conquistar a confiança e de se
estabelecer ainda mais no território indígena.
Ainda dentro de uma vertente a essa pergunta feita, acrescentou-se outras duas, que
trataram, especificamente, sobre o quê discordam (brigam), e também sobre o que concordam.
Respectivamente tiveram-se as seguintes respostas: "Discordam porque não querem sair da
terra e brigam por causa dela" (DEPOENTE 5, 2011), e "Concordam que deveriam fazer mais
obras no Distrito" (DEPOENTE 5, 2011).
Bom, na primeira resposta, Raffestin (1993, p. 161-162) disse:

Cada sistema territorial segrega sua própria territorialidade, que os


indivíduos e as sociedades vivem. A territorialidade se manifesta em todas as
escalas espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria
possível dizer que, de certa forma, é a ’face vivida’ da ’face agida’ do poder.

Por isso, é tomando como referência esta trajetória que se observa uma interface
conflituosa, a meu ver, central no campo das políticas pelo poder do território. Em que pesem
tais divergências, surge o que Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) esclarece sobre as
fronteiras étnicas, que através da interação perspectivada, "a fronteira que os separa dos
outros é determinada por forças agindo do interior e do exterior e ela é constantemente
redefinida pela interação desses mecanismos internos e externos".
72

Já na segunda resposta, observou-se que em meios às relações de convívio por


grupos etnicamente distintos, mas se unem em prol de algum benefício maior a todos, e isto é
consubstanciado nas palavras de Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 163) que diz:

Nem o fato de falarem a uma mesma língua, nem a contiguidade territorial,


nem a semelhança dos costumes representam por si próprios atributos
étnicos. Apenas se tornam isso quando utilizados como marcadores de
pertença por aquele que reivindicam uma origem [algo] comum.

Ora, independentemente das relações (pré)existentes e demandadas por situações


conflitantes, quando algo atinge e/ou afeta o interesse comum a todos os moradores, ambos se
unem, tanto é fato, que se presenciam a formação e consolidação de associações de
moradores, indígenas e para não-indígenas no Distrito de Taunay.
Outra pergunta realizada, a fim de se tentar compreender a fronteira etnocultural
existente, refere-se sobre o que se tem a dizer sobre a união matrimonial/conjugal entre
indígenas e não-indígenas. Com essa pergunta percebe-se preocupações inerentes por parte
dos depoentes quanto ao uso (e a perda) de território; identidade e cultural, conforme segue:

"Preocupado com a língua materna"; "Preocupado com o estudo"; "O


indígena não pode ficar parado"; "Porque os índios não estão morando aqui
na aldeia, até porque aqui tem um 'espacinho'" (DEPOENTE 1, 2011). "Não
é taxativa (segue a rigor), mas vai se perder a cultura (essa é a preocupação -
aqui não se fala a língua materna), perda de costumes e tradições"
(DEPOENTE 2, 2011). Concorda, "pois sentimento é sentimento". Na aldeia
que ele representa, "o não-índio fica no máximo 3 dias para visitar um
amigo/família". Ele acrescenta que "o raciocínio do não-índio é o problema
da sua não aceitação", por isso não é aceito de forma fixa e efetiva nas
aldeias (DEPOENTE 3, 2011). "Os filhos devem acompanhar o
costume/cultura dos pais". "A diferença pode ou não interferir". "Não
aceitam o homem (não-índio) na aldeia, por causa do pensamento rápido".
"A mulher índia, casada com o purútuye (não-indígena) perde seus direitos:
a) perde o direito de construir; b) benefícios sociais; c) não opinar nas
reuniões (DEPOENTE 4, 2011).

Para subsidiar esta análise, Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 160) nos ensinam
que:

Essa interação entre as pressões externas e internas exercidas na fronteira é


particularmente sensível nas restrições ao casamento misto: estas podem ser
impostas do exterior e definir um limite exclusivo (endogamia de exclusão),
mas é frequente que a maior tolerância dos membros do out-group ao
casamento misto acompanha-se por uma restrição maior do interior. [...] a
crença na origem constitui o traço característico da etnicidade. É a crença na
origem comum, que justifica e corrobora as outras dimensões ou signos da
identidade e assim o próprio sentido da unicidade do grupo (p. 162).
73

Com isso, percebe-se que as diferenças entre os grupos, indígenas e não-indígenas,


por meio do casamento, só servem para a diferenciação étnica quando representam
marcadores de uma filiação compartilhada, ou melhor dizendo, é a crença na origem comum
que substancializa e naturaliza os atributos, tais como a cor, a língua, a religião, a ocupação
territorial e fazem-nas percebidas como traços essenciais e imutáveis de um grupo
(POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998).
Todas as dimensões apontadas para se definir um grupo étnico tornam-se importantes
e ao mesmo tempo preocupantes, pois a presença do purútuye na forma conjugal é tida como
preocupante no viés do raciocínio “rápido”, e este tipo de raciocínio pode acarretar conflitos
em decorrência das questões territoriais, bem como da questão do tempo do indígena, em que
este é totalmente diferente do tempo (relógio), do não indígena.
Com isso, a fim de dar mais subsídios ao termo fronteira etnocultural, perceberam-se
as relações de importância das representações sociais, através das associações de moradores
existentes no Distrito de Taunay, onde se fez a arguição sobre qual a importância da
A.M.D.T. (Associação de Moradores do Distrito de Taunay) para os moradores “Indígenas” e
"Não-indígenas" do Distrito de Taunay. Entretanto, constatou-se que: "Vê a AMDT como
mais atuante" (DEPOENTE 2), e "É importante para manter a ordem no Distrito e evitar
brigas entre fazendeiros e índios" (DEPOENTE 5).
Em seguida, percebeu-se uma vertente quanto ao olhar da outra associação que foi
sobre qual a importância da A.M.I.D.T. (Associação de Moradores Indígenas do Distrito de
Taunay) para os moradores “Indígenas” e "Não-indígenas" do Distrito de Taunay, constatou-
se que: Vê a "AMDT como mais atuante" (DEPOENTE 2, 2011), e também "Está
conseguindo identificar os indígenas das aldeias. Origem. Saber as famílias"; "Os benefícios
do governo estão chegando no Distrito por causa das duas associações" (DEPOENTE, 2011).
Com isso, percebeu-se que as duas associações, apesar de serem distintas, possuem
um objetivo em comum, que é a interação e fortalecimento dos grupos, de indígenas e não-
indígenas. Essa interação é consubstanciada em Santos (2008, p. 18) onde "[...] a interação
supõe interdependência funcional entre os elementos", sendo assim, a interação, através das
duas associações, se torna elo entre os diferentes em prol de um objetivo maior, ou por um
número de necessidades de comum acordo, em que Santos (2008, p. 18) diz que "[...] essas
necessidades são todas satisfeitas pelo ato de produzir".
É dessa maneira que as ações exógenas e endógenas entre os grupos étnicos distintos
não podem ser analisadas separadamente, pois, nessas interações (pré) estabelecidas exercem
74

o ato de produzir no espaço, onde essa produção interativa vai atestar e/ou definir o sentido
produtivo dessa interação no meio pelos diferentes.
Com isso, através das questões inerentes a presença das duas associações em um
único local, perguntou-se por que há duas associações de moradores no Distrito de Taunay.
Observou-se como reposta pelos depoentes que: "Cada um quer se promover" (DEPOENTE
1, 2011); "A associação deveria ser integrada. Há preconceitos da AMIDT com as outras"
(DEPOENTE 2, 2011); “Vê como a distinção de objetivo de uma entre outra” (DEPOENTE
4, 2011) e "Porque defendem os dois lados" (DEPOENTE 5, 2011).
Diante disso, percebeu-se o "poder de nomear" que é a rotulação que um grupo
exerce sobre o outro, quando, por exemplo, identifica que ”seus” interesses não estão sendo
atendidos, bem como, quando se observa na resposta do Depoente 2 (2011), observa-se em
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 143-144) que: "[...] o fato de nomear tem o poder de fazer
existir na realidade uma coletividade de indivíduos a despeito do que os indivíduos assim
nomeados pensam de sua pertença a uma determinada coletividade".
Nessa questão de “nomear” se visualizam os preconceitos (pré) estabelecidos e
manifestados quando interesses são atendidos apenas a um determinado grupo, mas o que se
observou nessas situações é o fato de serem nomeados, tanto exógena quanto endogenamente,
visualizando-se assim, a fronteira etnocultural, ultrapassando os limites (pré) estabelecidos
através da integração perspectivada.
É nesse contexto que se baseou em Vargas et, al. (2009, p. 7) que acrescenta que "as
relações sociais produzem o território como espaço específico e, ao transformarem o espaço
em território, criam limites e fronteiras num espaço de conflitualidades". Esse espaço muitas
vezes é marcado pelas relações de poder (RAFFESTIN, 1993) e proporciona as interações
entre os distintos grupos étnicos no seu processo de construção e/ou planejamento de
militância por algo, e este, quando se concretiza, desdobra-se em produto para um dos lados,
origina-se o conflito. Por isso, que é fato marcante, as situações conflituosas existentes entre
indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e Aldeias Circunvizinhas, em decorrência da
questão territorial, onde limites são estabelecidos e transpassados.
Num prisma educacional, procurou-se saber o quê os entrevistados pensam sobre o
contato entre alunos “Indígenas” e “Não-indígenas” nas Escolas. Visualizaram-se os seguintes
depoimentos: Na aldeia Água Branca "não tem alunos não-indígenas, somente os
professores", com isso, preocupa-se por causa da "timidez da criança e do aprendizado", pois
esse problema da linguagem/comunicação gera muita nota baixa (DEPOENTE 1, 2011); "O
75

professor não indígena dá muito mais atenção aos alunos indígenas"; "Os alunos indígenas
tem um carinho e atenção com os professores não-indígenas"; "As professoras (es) índias (os)
chegam estressados nas escolas";; "É bom. Em termos de aprendizagem, o índio tem que
acompanhar a evolução do não-índio" (DEPOENTE 3, 2011). "Quando estuda na cidade,
sente-se sozinho"; "Quando estuda na comunidade, sente-se integrado"; "A escola incentiva a
valorização da cultura" (DEPOENTE 4, 2011) e "Acho que deveriam vir mais indígenas de
fora (das aldeias) para estudarem aqui (no Distrito)" (DEPOENTE 5, 2011).
Percebeu-se uma especificidade existente nas aldeias, principalmente na resposta do
Depoente 1 (2011), que é a não aceitação de alunos não-indígenas. Com isso, justifica-se em
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 148) que diz: "a relação de força que atua em torno das
definições da pertença nem sempre opõe os dominantes aos dominados, mas pode algumas
vezes opor frações dos dominados na luta pela hegemonia [...]", é nesse viés de luta, de
mantença cultural, que esta aldeia não permite a relação educacional de alunos não-indígenas,
e tão somente dos professores, haja vista demandar dos serviços educacionais estabelecidos
pela relação de imposição do município.
Dessa maneira, salutar se faz apontar a dialética estabelecida entre os professores
indígenas com os não-indígenas, principalmente pelas relações de afetividade que são
percebidas e manifestadas pelos alunos indígenas, e também, pela grande preocupação dos
professores não-indígenas em quererem manter a sua presença nas escolas indígenas,
tornando-os estimuladores das praticas culturais de cada grupo indígena. Portanto, Poutignat e
Streiff-Fenart (1998, p. 153) aponta que as "[...] fronteiras étnicas e não o conteúdo interno
que definem o grupo étnico e permitem que se dê conta de sua persistência", com isso,
entende-se que a fronteira etnocultural aqui identificada é definida por princípios de se manter
e estabelecer a fronteira entre os indígenas e não-indígenas pelo contato, não se limitando
apenas aos traços culturais.
Outro elemento que estabelece relações sociais são as instituições religiosas (igrejas),
como qual a importância das igrejas para o Distrito de Taunay, e obteve-se a seguinte
resposta: "Elas são importantes para evangelizar os índios e os não-índios" (DEPOENTE 5,
2011). Essa pergunta foi complementada por “como é a relação entre indígenas e não-
indígenas nas igrejas do Distrito de Taunay”? Viu-se que "Nas igrejas não há discriminação"
(DEPOENTE 5, 2011).
Arguiu-se também, sobre qual a importância das igrejas para as aldeias. Percebeu-se
nos depoimentos: "Ajuda na redução de álcool (pinga) drogas e bagunça e prega a palavra de
76

Deus, existe a transformação dos 'patrícios' e ajuda a se desenvolver mais" (DEPOENTE 1,


2011); "A igreja católica tem ajudado em palestras educativas e eventos". "A igreja
evangélica tem atraído os jovens, tirando do alcoolismo". "A teologia está em contra censo
nas aldeias, tornando a mente dos índios em conflito" (DEPOENTE 2, 2011); "Contribui
muito para a aldeia, em termos de bebida, violência, brigas, droga, pessoal prega paz"
(DEPOENTE 3, 2011); "A igreja é muito importante para a dinâmica da comunidade, e tem
mais igrejas evangélicas do que católicas". "A igreja impõe restrições nas práticas culturais"
(DEPOENTE 4, 2011).
Complementou-se a esta pergunta sobre como é a relação entre indígenas e não-
indígenas nas igrejas das aldeias. Diagnosticaram-se as seguintes respostas: que na aldeia
Água Branca "tem que ter a permissão, independente de ser pastor" (DEPOENTE 1, 2011);
"Existe a quebra do preconceito" (DEPOENTE 2, 2011) e "Há troca de informações: como é
aqui dentro (aldeia) e como é lá fora (cidade)" (DEPOENTE 3, 2011).
Diante das respostas inerentes ao quesito eclesiástico, pautou-se nas falas de
Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p. 153) onde diz que "[...] a manutenção das fronteiras
étnicas necessita da organização das trocas entre os grupos e da ativação de uma série de
proscrições e de prescrições regendo suas interações". Ora, pelos depoentes, por mais que em
todo o contexto histórico a catequização é visualizada numa ótica impositiva, tornando-se
negativa, nesta localidade, objeto dessa pesquisa, a evangelização, através das igrejas,
católicas e evangélicas contribuíram e contribuem para o processo de interação e integração
entre os povos indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas,
bem como o desenvolvimento de práticas de cidadania e de preservação da saúde. Mas,
deixou-se claro, na fala do depoente 1 (2011), que todo e qualquer tipo de atividade deve ser
submetido pela relação de poder existente, seja no caso Estado/Nação, como por exemplo: a
FUNAI, bem como pela aceitação e permissão da liderança da localidade.
A fim de conclusão do roteiro de entrevistas aplicadas, fez-se uma última pergunta,
que foi como os indígenas das aldeias e Distrito de Taunay mantêm sua cultura. Percebeu-se
as seguintes respostas: Na aldeia Água Branca é "pela escola", mas "os pais não devem deixar
de falar na língua materna (idioma)", pois "os antigos tem a dificuldade de entender o
português" (DEPOENTE 1, 2011); "Através do artesanato". "Não tem planejamento familiar
para manter a cultura"; "Casou, tem que morar todo mundo junto, tem que trabalhar com os
pais"; "Tentam sobreviver da própria lavoura"; "A família se reporta ao cacique para as
decisões/problemas" (DEPOENTE 2, 2011). "Passado de pai para filho. Quando o casal é
diferente (indígena com não indígena) aprende com os avós, parentes" (DEPOENTE 3, 2011)
77

e "Através do ensino, eventos, não é só no dia 19 de abril". "Para se sentir homem e


independente, é quando entra no qual e quando vai cortar cana" (DEPOENTE 4, 2011).
Analisando os depoimentos, percebeu-se, segundo Poutignat e Streiff-Fenart (1998, p.
154), que "as fronteiras étnicas entre os grupos étnicos são mais ou menos estáveis". Assim,
identificou-se nessa relação histórico-temporal que para a consolidação da fronteira
etnocultural discutida nessa pesquisa, as fronteiras devem: "[...] manter-se, reforçar-se,
apagar-se ou desaparecer", nesse viés, elas (as fronteiras étnicas) podem ser mais flexíveis ou
mais rígidas; a primeira propiciando a interação e integração entre os grupos étnicos distintos
e, a segunda se impõe o limite, mas "[...] os mecanismos institucionais de controle da fronteira
nunca chegam a impedir que um determinado número de indivíduos a transponha (p. 155)".
Nisso se percebe que a herança cultural vista na resposta do depoente serve para compartilhar
a experiência do grupo para a sua manutenção. Essa instabilidade, vista nos grupos étnicos
distintos, se faz evidente para constatar a existência da fronteira etnocultural.
De acordo com os resultados dos depoimentos, cada grupo étnico identificado como
indígenas e não-indígenas, durante o transcorrer desta pesquisa, pode modificar e substituir
sua cultura, sem perder seus traços originais. Isso é corroborado na fala de Poutignat e Streiff-
Fenart (1998, p. 156) onde "[...] um grupo pode adotar os traços culturais de outro, como a
língua e a religião, e contudo continuar a ser percebido e a perceber-se como distintivo".
Considera-se, então, a necessidade da cooperação entre indígenas e não-indígenas para a
manutenção dessa fronteira etnocultural, não importando que essa cooperação possa se
desdobrar numa situação conflitiva ou não.
Entretanto, essa fronteira etnocultural é consubstanciada em Poutignat e Streiff-Fenart
(1998, p. 158) onde afirmam que "a manutenção das fronteiras baseia-se no reconhecimento e
na validação das distinções étnicas no decurso das interações sociais". Sendo assim, essa
existência da fronteira etnocultural, remete-nos a perceber que essa relação de contato, limite
(determinada por forças endógenas e exógenas), interação, conflito que se dá (muitas das
vezes) no território, e que este (o território) bem como as estratégias (territorialidades) de se
instalarem, usarem e se manterem no espaço (pré) definido são importantes para a
compreensão dessa fronteira etnocultural identificada no Distrito de Taunay e nas Aldeias
Circunvizinhas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Expressivas personalidades indígenas e não-indígenas do Distrito de Taunay e das


Aldeias Circunvizinhas, já mencionadas, puderam fazer parte e contribuir significativamente
para os resultados desta pesquisa, que buscou equacionar a caracterização do termo fronteira
etnocultural, por meio da compreensão e contextualização da dinâmica socioespacial inerentes
aos conflitos e territorialidades que foram identificados através de processos históricos, bem
como pelas situações visualizadas no transcorrer da pesquisa.
Para tanto, ao executar esta pesquisa referente aos procedimentos técnico-
metodológicos estabelecidos para se trabalhar em terras indígenas, a fim de elucidar o
objetivo proposto, percebeu-se que os elementos apontados no capítulo 1 fizeram-se
primordiais e substanciais para a compreensão desse termo fronteira etnocultural.
Os elementos apontados foram: a) Etnicidade e Fronteira e; b) Território e
Territorialidade, respectivamente estes elementos possuem características em comum, quais
sejam: 1) relações sociais e de poder; 2) limites; 3) interações; 4) estratégias e 5) conflitos. Tal
conjuntura de apontamentos foi identificada no capítulo 2, que na sua construção, norteou as
ideias para fortalecer o entendimento do termo fronteira etnocultural.
Vale aqui destacar que esse entendimento do conceito fronteira etnocultural não
significa algo definido (impositivo), mas sim uma construção conceitual, consubstanciado por
elementos com base geográfica, pois tanto o Distrito de Taunay como as Aldeias
Circunvizinhas ocupam um espaço geográfico, em que este espaço passou a ser território por
meio das apropriações estabelecidas e também pelo processo das territorialidades
identificadas, ora a estratégia e/ou maneira pensada para ocupar e gerir o território.
Acrescenta-se outro elemento de característica geográfica que foi a fronteira, sendo
esta entendida como "[...] criações humanas, delimitadas e demarcadas [...]
(ALBUQUERQUE, 2010, p. 37)", ou seja, vista como limite, mas acrescenta-se essa mesma
fronteira, que foi vista como ponto de elo, de interação entre os distintos atores sociais
pesquisados, indígenas e não-indígenas. E por fim, a etnicidade, este como último elemento,
num viés socioantropológico, mas sempre trazendo ao contexto geográfico, na tentativa de
espacializar as relações sociais e de poder identificadas.
Nesse sentido, o elemento etnicidade ficou pautado, principalmente, mas não apenas,
em Barth (1984 apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998, p. 183) assevera que:
79

[...] às definições da etnicidade, o da posição de uma fronteira, que esta seja


pensada como objetiva e real, isto é, independente das perspectivas dos
atores, ou que ela seja pensada como subjetiva, ligada às propriedades
simbólicas de um modo de vida e de valores compartilhados.

Com isso, a visão sociohistórica de que o isolamento geográfico e social tenham sido
os fatores críticos para a sustentação da diversidade cultural não se equivalem para os
resultados desta pesquisa, pois, foi a partir do contato com o outro, do indígena com o não
indígena que as trocas, relações, necessidades, disputas (inclusive pela terra) e aprendizado se
fizeram identificadas nesta pesquisa, e assim consubstanciando o termo fronteira etnocultural.
Essa fronteira etnocultural, entendida no prisma geográfico, estabelecida entre os
povos indígenas com os não-indígenas do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas,
mostraram que as relações socioespaciais são estáveis e instáveis, persistentes e muitas vezes
de uma importância social vital. A manutenção dessas fronteiras é frequentemente baseada
precisamente nos quesitos territoriais, quando este é objeto, ora na situação de disputa entre os
grupos distintos, ora na situação de união, contra um terceiro ator social, bem como nas
relações de interação.
Observou-se que a fronteira etnocultural é decorrente do processo de interação, onde
esta, em um sistema social como este, indígenas e não-indígenas, não leva a seu
desaparecimento por mudança e aculturação; as diferenças culturais podem permanecer
apesar do contato interétnico e da interdependência dos grupos. Os grupos étnicos são
categorias de atribuição e identificação realizadas pelos próprios atores sociais e, assim, têm a
característica de organizar a interação entre estas pessoas.
Contudo, faz-se relevante apontar que além dos depoimentos citados, os depoentes se
expressaram no quesito de se pedir melhorias para a localidade, haja vista que ao se colher as
entrevistas deixou-se claro que esta pesquisa se tornaria um documento público, e este
pesquisador aponta as situações demandadas pelos depoentes indígenas e não-indígenas, pois,
como estamos num ano de período eleitoral, que muitos possam tomar nota destas
informações e pensar em melhorias e/ou políticas públicas para esta localidade.
Sendo assim, percebe-se a necessidade da efetivação das políticas públicas da relação
Estado/Nação com as populações do Distrito de Taunay e das Aldeias Circunvizinhas, a fim
dos entraves identificados, quais sejam: a) Projeto de capacitação para trabalhos manuais e de
maquinários (roça e costura) para as mulheres; b) A renda da família não é suficiente para
investir na lavoura; c) As mercadorias na aldeia são muito caras; d) Um engenho comunitário,
80

para se vender por um preço mais em conta; e) Faltam moradias - poucas casas de material
(alvenaria); f) É a única aldeia que não foi contemplada pelo governo foi a Água Branca com
habitações de alvenaria; g) Falta d'água (reservatórios).
A Fronteira Etnocultural, partindo dessas necessidades apontadas, pode ser entendida
como ponto de interação, a partir do momento que esses entraves são expressos aos
segmentos governamentais, mesmo que não atendidos, mas oportunizam ao indígena a se
expressar, de tal modo a buscar necessidades da realidade, e/ou contexto da cidade, que
possam dinamizar o convívio nas terras indígenas, como também serve para dar gênese a
situações conflitivas, quando esses segmentos não atendem as situações inerentes a
demarcações territoriais.
Por conseguinte, com os resultados apontados no transcorrer dessa pesquisa, espera-
se que possam ser minimamente utilizados para um planejamento estratégico ao se pensar em
adentrar e/ou desenvolver e/ou implantar qualquer atividade em terras indígenas, haja vista,
que esta fronteira etnocultural mostrou que as populações indígenas e não-indígenas precisam
ser ouvidas. No entanto, para serem ouvidos, os não-indígenas precisam ser autorizados a
entrar e se manifestar nas terras indígenas. É a partir dessa autorização que a aceitação se
estabelece ou não, evidenciando as relações socioespaciais na fronteira etnocultural
identificada.
81

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, J. L. C. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios na fronteira entre o


Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010. 268 p.

ANDRADE, E.S.; SANTOS, I.V. Reflexões sobre a formação continuada no âmbito das
relações etnicorraciais: uma experiência em nível de pós-graduação lato sensu no Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Rio de Janeiro: Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET/RJ, 2009.

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85
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTAS DA PESQUISA DE MESTRADO INTITULADA -
“TERRITORIALIDADES E CONFLITOS ENTRE O DISTRITO DE TAUNAY E AS
ALDEIAS INDÍGENAS CIRCUNVIZINHAS: FRONTEIRAS ETNOCULTURAIS”
Pesquisador: Edson Pereira de Souza; RGA: 2010.1.55200001.005; MEF/CPAN/UFMS.
Orientador: Sérgio Ricardo Oliveira Martins; SIAPE: 01543978-1; DGC/CPAQ/UFMS.

1) Idade: ______ anos;


2) Gênero: a) ( ) Feminino; b) ( ) Masculino;
3) Considera-se:
a) ( ) Indígena; b) ( ) Não-Indígena;
3.1) Caso a resposta anterior foi a opção “a” – Indígena, diga qual a sua etnia:
a) ( ) Terena; b) ( ) Kadiwéu; c) ( ) Xavante; d) _________________;
3.2) Caso a resposta anterior foi a opção “b” – Não-Indígena, diga qual a sua etnia:
a) ( ) Branca; b) ( ) Parda;c) ( ) Negra; d) Outra:_________________;
4) Reside no:
a) ( ) Distrito de Taunay; b) ( ) Aldeia Indígena;
4.1) Caso a resposta anterior foi a opção “b” – Aldeia Indígena, especifique-a:
a) ( ) Água Branca; b) ( ) Bananal; c) ( ) Colônia Nova; d) ( ) Imbirussu;
e) ( ) Lagoinha; f) ( ) Morrinho; g) ( ) Ypegue;
5) Representa alguma instituição, qual?
a) No Distrito de Taunay: ____________________________________________, ou
b) Na aldeia indígena: _________________________________________________.
6) Tempo de residência do entrevistado no:
a) Distrito de Taunay:ou;______.
b) Aldeia Indígena ______.
7) Caso o representante entrevistado, seja não-indígena residente no Distrito de Taunay,
responder as questões a seguir:
a) Qual a visão que os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay têm sobre os
moradores “Indígenas” que residem no Distrito de Taunay?
b) Qual a visão que os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay têm sobre os moradores
“Não-Indígenas” que residem no Distrito de Taunay?
8) Caso o representante entrevistado seja indígena residente em uma das aldeias locais,
responder as questões a seguir:
a) Qual a visão que os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas têm sobre os
moradores “Indígenas” que residem nas Aldeias?
b) Qual a visão que os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas têm sobre os moradores
“Não-Indígenas” que residem nas Aldeias?
9) Qual a relação dos moradores Indígenas e Não-Indígenas das Aldeias e Distrito de Taunay
com os fazendeiros?
9.1 Sobre o quê discordam (brigam)?
9.2 Sobre o quê concordam?
10) O que tem a dizer sobre a união matrimonial/conjugal entre indígenas e não-indígenas?
86

11) Qual a importância da A.M.D.T. (Associação de Moradores do Distrito de Taunay) para:


a) Os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay?
b) Os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay?
c) Os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas?
d) Os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas?
12) Qual a importância da A.M.I.D.T. (Associação de Moradores Indígenas do Distrito de
Taunay) para:
a) Os moradores “Indígenas” do Distrito de Taunay?
b) Os moradores “Não-Indígenas” do Distrito de Taunay?
c) Os moradores “Indígenas” das Aldeias Indígenas?
d) Os moradores “Não-Indígenas” das Aldeias Indígenas?
13) Por que há duas associações de moradores no Distrito de Taunay?
14) O que você pensa sobre o contato entre alunos “Indígenas” e “Não-Indígenas” nas
Escolas?
15) Qual a importância das igrejas para o Distrito de Taunay?
15.1) Como é a relação entre indígenas e não-indígenas nas igrejas do Distrito de Taunay?
16) Qual a importância das igrejas para as aldeias?
16.1) Como é a relação entre indígenas e não-indígenas nas igrejas das aldeias?
17) Como os indígenas das aldeias e Distrito de Taunay mantêm sua cultura?

Entrevistado em Data: ____ / ____ / 2011


87

APÊNDICE B

TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Termo de comprometimento do pesquisador, e garantia de confidencialidade, no uso


de dados e documentos (relatos orais e/ou transcritos) coletados ou produzidos, com
informações sobre os sujeitos da pesquisa.

Título do projeto:
Pesquisador responsável:
Demais pesquisadores:
Instituição de origem do pesquisador:
Área de Conhecimento:
Curso:
Telefone para contato:
Local da Coleta de dados:
Protocolo no CEP/UFMS:

O(s) pesquisador(es) do projeto acima identificado(s) assume(m) o compromisso de:


I. Preservar o sigilo e a privacidade dos sujeitos cujos dados (relatos orais e
transcritos) serão estudados;
II. Assegurar que os dados, documentos e informações serão utilizados, única e
exclusivamente, para a execução do projeto em questão;
III. Assegurar que os resultados da pesquisa somente serão divulgados de forma
anônima, não sendo usadas iniciais ou quaisquer outras indicações que
possam identificar o sujeito da pesquisa.

O(s) pesquisador(es) declara(m) ter conhecimento de que as informações pertinentes


às técnicas do projeto de pesquisa somente podem ser acessados por aqueles que assinaram o
Termo de Confidencialidade, excetuando-se os casos em que a quebra de confidencialidade é
inerente à atividade ou que a informação e/ou documentação já for de domínio público.

Local, ____ de _______ de _____.

Nome do pesquisador Nome do pesquisador


RG RG
88

APÊNDICE C

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Você esta sendo convidado a participar em uma pesquisa. Você precisa decidir se
quer participar ou não. Por favor, não se apresse em tomar a decisão. Leia cuidadosamente o
que se segue e pergunte ao responsável pelo estudo qualquer dúvida que você tiver. Este
estudo está sendo conduzido por Edson Pereira de Souza do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Fronteiriços da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Porque o estudo esta sendo feito? O motivo pelo qual se pretende realizar este estudo
é, primeiramente, a escassez de estudos sobre os conflitos etnoculturais e territoriais no
Distrito de Taunay do município de Aquidauana. Há na referida localidade muitas questões à
espera de equacionamento. Pouco se sabe sobre a situação conflituosa entre as
territorialidades (e comunidades) existentes na referida localidade, bem como sobre as
relações de interdependência que afetam e definem a fronteira etnocultural, a qual transcende
os limites territoriais indígenas.
A finalidade deste estudo é estudar a fronteira etnocultural em Taunay, ou seja,
compreender como as relações entre indígenas e não-indígenas se expressam como
territorialidades e afetam as comunidades constituídas ou em formação. outro propósito é de
compreender a dinâmica dos conflitos e das territorialidades que caracterizam a fronteira
etnocultural no Distrito de Taunay, município de Aquidauana.
Quem participará deste estudo? Quais são os meus requisitos? Poderão participar
deste estudo apenas as lideranças indígenas e não-indígenas, portanto, pessoa maior de 18
anos, livre e voluntariamente.
Quem não pode ou não deve participar deste estudo? Não participará deste estudo
qualquer liderança indígena e não-indígena que, por qualquer motivo, se recuse a conceder a
entrevista, além de menores de 18 anos.
O que serei solicitado a fazer?
Você será entrevistado sobre as relações sociais, políticas e econômicas entre
indígenas e não-indígenas. A entrevista será gravada e o que você disser será registrado para
posterior estudo.
O que se sabe sobre este assunto (este procedimento )? Sabe-se que, a fim de melhor
compreender e contextualizar as relações (interesses, associações e conflitos) entre indígenas
e não-indígenas, serão colhidos relatos pessoais com o uso de gravador de audio apropriado.
89

Por outro lado, o procedimento visa também à obtenção de informações sobre as práticas
sociais e espaciais cotidianas, especialmente as relações entre as pessoas (ou grupos) e destas
com o lugar em que vive. A quantidade de relatos orais a serem colhidos será definida em
correspondência com o número de lideranças indígenas e não-indígenas existentes na
localidade (Distrito e Aldeias). Portanto, esta é uma pesquisa qualitativa que conforme
Chizzotti (2008, p. 28) visa "extrair do convívio os significados visíveis e latentes que
somente são perceptíveis a uma atenção sensível". A aplicação da referida técnica será
baseada nas orientações metodológicas de Queiroz (1991).
Quanto tempo estarei no estudo? A partir de maio de 2011 até fevereiro de 2012,
período em que você participará deste estudo, correspondendo ao início das entrevistas até
apresentação final da dissertação no Câmpus Pantanal da UFMS, em Corumbá.
Que prejuízos (ou eventos adversos ) podem acontecer comigo se eu participar deste
estudo? Não há previsão de qualquer prejuízo ou evento adverso.
Que benefício eu posso esperar? Em relação aos sujeitos da pesquisa (pessoa que
concederá entrevista) não há benefícios diretos decorrentes deste estudo. Todavia, seus
resultados poderão subsidiar as políticas públicas e gestão social e territorial voltadas para a
localidade (Distrito de Taunay e as 7 aldeias adjacentes).
Quem poderá ver os meus registros / respostas e saber que eu estou participando do
estudo? Se você concordar em participar deste estudo, seu nome e identidade serão mantidos
em sigilo. A menos que requerido por lei, somente o pesquisador e seu orientador (equipe de
estudo) e Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul terão acesso a suas informações para verificar as informações do estudo.
Eu serei informado do surgimento de informações significativas sobre o assunto da
pesquisa? Sim, você será informado periodicamente de qualquer nova informação que possa
modificar a sua vontade em continuar participando do estudo.
Quem devo chamar se tiver qualquer dúvida ou algum problema? Para perguntas ou
problemas referente ao estudo ligue para (67) 9268-0202 ou 3362-8043 [Edson Pereira de
Souza e/ou Sérgio Ricardo Oliveira Martins]. Para perguntas sobre seus direitos como
participante no estudo chame o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFMS,
no telefone 3387-3093 - Ramal 2299.
Eu posso recusar à participar ou pedir para sair do estudo? Sua participação no
estudo é voluntária. Você pode escolher não fazer parte do estudo, ou pode desistir a
qualquer momento. Você não perderá qualquer benefício ao qual você tem direito. Você não
90

será proibido de participar de novos estudos. Você poderá ser solicitado a sair do estudo se
não cumprir os procedimentos previstos ou atender as exigências estipuladas. Você receberá
uma via assinada deste termo de consentimento.
Declaro que li e entendi este formulário de consentimento e todas as minhas dúvidas
foram esclarecidas. e que sou voluntário a tomar parte neste estudo.
Assinatura do Voluntário__________________________________data__________
(se possível obter uma forma para que o sujeito da pesquisa possa ser contactado
Assinatura do pesquisador __________________________________data_________

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