CESARIO VERDE (1855-1886) Esvae-se; e todavia, a tarde, fracamente,
Oico-a cantarolar uma canção plangente
In. Livro de Cesário Verde. D'uma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume. UMA POETICA DO COTIDIANO Quem sabe se depois, eu rico e n'outros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas lettras eu conheço um campo de manobras; CONTRARIEDADES Emprega-se a reclame, a intriga, o annuncio, a blague, Eu hoje estou cruel, frenético, exigente; E esta poesia pede um editor que pague Nem posso tolerar os livros mais bizarros. Todas as minhas obras... Incrível! Já fumei três massos de cigarros E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha? Consecutivamente. A pobre engomadeira ir-se-ha deitar sem ceia? Doe-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos: Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. E feia... Tanta depravação nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes E os ângulos agudos. NOITE FECHADA Sentei-me a secretaria. Ali defronte mora Uma infeliz, sem, peito, os dois pulmões doentes; Lembras-te tu do sabbado passado, Soffre de falta d'ar, morreram-lhe os parentes Do passeio que demos, devagar, E engomma para fora. Entre um saudoso gaz amarellado Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! E as caricias leitosas do luar? Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. Bem me lembro das altas ruasinhas, Lidando sempre! E deve a conta a botica! Que ambos nos percorremos de maos dadas: Mal ganha para sopas... As janellas palravam as vizinhas; O obstáculo estimula, torna-nos perversos; Tinham lívidas luzes as fachadas. Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Não me esqueço das cousas que disseste, Por causa d'um jornal me rejeitar, ha dias, Ante um pesado templo com recortes; Um folhetim de versos. E os cemitérios ricos, e o cypreste Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta Que vive de gorduras e de mortes! No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Nos saíramos próximo ao sol-posto, Mais d'uma redação, das que elogiam tudo, Mas seguíamos cheios de demoras; Me tem fechado a porta. Nao me esqueceu ainda o meu desgosto A critica segundo o methodo de Taine Nem o sino rachado que deu horas. Ignoram-n'a. Juntei n'uma fogueira immensa. Tenho ainda gravado no sentido, Muitíssimos papeis ineditos. A imprensa Porque tu caminhavas com prazer, Vale um desdém solemne. Cara rapada, gordo e presumido, Com raras exceções merece-me o epigramma. O padre que parou para te ver. Deu meia-noite; e em paz pela calcada abaixo, Como uma mitra a cúpula da egreja Um sol-e-do. Chovisca. O populacho Cobria parte do ventoso largo; Diverte-se na lama. E essa bocca vicosa de cereja, Eu nunca dediquei poemas as fortunas, Torcia risos com sabor amargo. Mas sim, por deferência a amigos ou a artistas, A lua dava tremulas brancuras, Independente! Só por isso os jornalistas Eu ia cada vez mais magoado; Me negam as columnas. Vi um jardim com arvores escuras, Receiam que o assignante ingenuo os abandone, Como uma jaula todo gradeado! Se forem publicar taes cousas, taes auctores. E para te seguir entrei comtigo Arte? Nao lhes convem, visto que os seus leitores N'um pateo velho que era d'um canteiro, Deliram por Zaccone. E onde, talvez, se faca inda o jazigo Um prosador qualquer desfruta fama honrosa, Em que eu irei apodrecer primeiro! Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie"; Eu sinto ainda a flor da tua pelle, E a mim, não ha questão que mais me contrarie Tua luva, teu véu, o que tu es! Do que escrever em prosa. Nao sei que tentação e que te impelle A adulação repugna aos sentimentos finos; Os pequeninos e cansados pes. Eu raramente falo aos nossos litteratos, Sei que em tudo attentavas, tudo vias! E apuro-me em lançar originaes e exactos, Eu por mim tinha pena dos marcanos, Os meus alexandrinos... Como ratos, nas gordas mercearias, E a tísica? Fechada, e com o ferro acceso! Encafunados por immensos annos! Ignora que a asphyxia a combustão das brazas, Tu sorriras de tudo: Os carvoeiros, Não foge do estendal que lhe umedece as casas, Que apparecem ao fundo d'umas minas, E fina-se ao desprezo! E a crua luz os pálidos barbeiros Mantém a cha e pão! Antes de entrar na cova. Com óleos e maneiras femininas! Fins de semana! Que miseria em bando! CRYSTALISACOES O povo folga, estúpido e grisalho! E os artistas d'officio iam passando, Faz frio. Mas, depois d'uns dias de aguaceiros, Com as ferias, ralados do trabalho. Vibra uma immensa claridade crua. O quadro anterior, d'um que a candea, Ensina a filha a ler, metteu-me do! De cocaras, em linha os calceteiros, Gosto mais do plebeu que cambalea, Com lentidao, terrosos e grosseiros, Do bêbado feliz que falla so! Calcam de lado a lado a longa rua. De súbito, na volta de uma esquina, Como as elevacoes seccaram do relento, Sob um bico de gaz que abria em leque, E o descoberto sol abafa e cria! Vimos um militar, de barretina A frialdade exige o movimento; E galões marciaes de pechisbeque, E as pocas d'agua, como em chao vidrento, E em quanto elle fallava ao seu namoro, Que morava n'um prédio de azulejo, Reflectem a molhada casaria. Nos nossos lábios retinio sonoro Em pe e perna, dando aos rins que a marcha agita, Um vigoroso e formidável beijo! Disseminadas, gritam as peixeiras; E assim ao meu capricho abandonada, Luzem, aquecem na manha bonita, Erramos por travessas, por viellas, Uns barracoes de gente pobresita. E passamos por pe d'uma tapada E uns quintalorios velhos com parreiras. E um palacio real com sentinellas. Nao se ouvem aves; nem o choro d'uma nora! E eu que busco a moderna e fina arte, Sobre a umbrosa calcada sepulchral, Tomam por outra parte os viandantes; Tive a rude intenção de violentar-te E o ferro e a pedra--que uniao sonora!-- Imbecilmente como um animal! Retinem alto pelo espaco fora, Mas ao rumor dos ramos e d'aragem, Com choques rijos, asperos, cantantes. Como longínquos bosques muito ermos, Bom tempo. E os rapagoes, morosos, duros, bacos, Tu querias no meio da folhagem Cuja columna nunca se endireita, Um ninho enorme para nos vivermos. Partem penedos; cruzam-se estilhacos. E ao passo que eu te ouvia abstractamente, O grande pomba tépida que arrulha, Pesam enormemente os grossos macos, Vinham batendo o macadam fremente, Com que outros batem a calcada feita. As patadas sonoras da patrulha, A sua barba agreste! A la dos seus barretes! E atravez a immortal cidadesinha, Que espessos forros! N'uma das regueiras Nos fomos ter as portas, as barreiras, Acamam-se as japonas, os colletes: Em que uma negra multidao se apinha E elles descalcam com os picaretes, De tecelões, de fumos, de caldeiras. Mas a noite dormente e esbranquicada Que ferem lume sobre pederneiras. Era uma esteira lucida d'amor; E n'esse rude mez, que nao consente as flores, O jovial senhora perfumada, Fundeam, como a esquadra em fria paz, O terrivel creanca! Que esplendor! As arvores despidas. Sobrias cores! E ali comecaria o meu desterro!... Mastros, enxarcias, vergas! Valladores Lodoso o rio, e glacial, corria; Atiram terra com as largas pas. Sentamo-nos, os dois, n'um novo aterro Eu julgo-me no Norte, ao frio--o grande agente!-- Na muralha dos caes de cantaria. Nunca mais amarei, ja que nao me amas, Carros de mao, que chiam carregados, E e preciso, decerto, que me deixes! Conduzem saibro, vagarosamente; Toda a mare luzida como escamas, Ve se a cidade, mercantil, contente: Como alguidar de prateados peixes. Madeiras, aguas, multidoes, telhados! E como e necessario que eu me afoite Negrejam os quintaes, enxuga e alvenaria; A perder-me de ti por quem existo, Em arco, sem as nuvens fluctuantes, Eu fui passar ao campo aquella noite O ceu renova a tinta corredia; E andei leguas a pe, pensando n'isto. E tu que nao seras somente minha, E os charcos brilham tanto, que eu diria As caricias leitosas do luar, Ter ante mim lagoas de brilhantes! Recolheste-te, pallida e sosinha E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos, A gaiola do teu terceiro andar! Eu tudo encontro alegremente exacto. Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. E tangem-me, excitados, sacudidos, O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!