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PARA UMA PSICOLOGIA _ DA LIBERTACAO IGNACIO MARTIN-BARO Acontribuigao social da Psicologia na América Lat Com base em uma perspectiva geral, deve-se reconhecer que a contribui¢do da Psicologia, como ciéncia e como praxis, 4 historia dos povos latino-americanos é extremamente pobre. ‘Certamente, nfo faltaram psicdlogos preocupados com os grandes problemas do subdesenvolvimento, dependéncia e ‘opressiio que agoniam os nossos povos. Mas, na hora de se {materializar, em muitos casos, essas preocupagées tiveram de ' ser canalizadas por meio de um compromisso politico pessoal, 4 margem da Psicologia, cujos esquemas eram inoperantes para responder as necessidades populares. Nao me refiro apenas 4 Psicologia social, cuja crise de significado tem sido um tema muito exposto na tiltima década; refiro-me 4 Psicologia em seu conjunto, a teérica ea aplicada, a individual e a social, a clinica e a educativa. A minha tese é de que 0 fazer (quehacer) da Psicologia latino-americana, salvo algumas excegGes, néio somente tem: mantido uma dependéncia “servilao definir problemas e buscar solugGes, mas permaneceu a imargem dos grandes movimentos e inquietudes dos povos Quando se trata de apontar alguma contribuig4o latino-americana ao acervo da Psicologia universal, Ignacio Martin-Bars 182 . ntre outros, a“‘tecnologia social” de Jacobo Varela(1971)ou mencionam-se, ents * naliticos de Enrique Pichon-Riviére na Argentina os delineamentos ie nosso respeito € ndo serei eu quem os minimizarg, 7 Amos merecem rive que @ obra de Varela tenha sido publica Toei ome em inglés e que se inscreva na linha dos estudos norte-americanos sobre as atitudes, tal como se, para dar uma contribuigig universal, um latino-americano tivesse de abdicar te a origem ou de sua identidade, Em relagao aos trabalhos de Pichon-Riviére, 6 triste afirmar que sio insuficientemente conhecidos fora da Argentina. Possivelmente, contribuigdes latino-americanas de maior vigor ¢ impacto social podem estar ali onde a Psicologia deu a mao a outras areas das Ciéncias Sociais. O caso mais significativo parece-me ser, sem davida alguma, © método de alfabetizagfio conscientizadora de Paulo Freire (1970, 1971), surgido da fecundacdo entre Educagio e Psicologia, Filosofia e Sociologia. 0 “i conceito jé consagrado de conscientizagao articula a dimensao psicol6gica da consciéncia pessoal com a sua dimensao social e politica e explicita a dialetica historica entre o saber e o fazer, o crescimento individual e a organizagio comunitéria, a libertagdo pessoal e a transformagao social. Mas, sobretudo, a conscientiza¢ao foi uma resposta historica 4 caréncia da palavra, pessoal e social, dos povos latino-americanos, néo somente impossibilitados de ler e escrever 0 alfabeto, mas, acima de tudo, de ler a si mesmos e de escrever a sua propria historia. Lamentavelmente, tao significativa quanto a contribuigdo de Freire € a pouca importancia que se da ao estudo critico de sua obra, sobretudo se isso é comparado com o esforgo e o tempo dedicados em nossos programasa contribuigdes tao triviais como algumas das chamadas “teorias da aprendizagem” ou alguns dos modelos cognitivos, hoje tio em voga. A precariedade da contribuiciio da Psicologia latino-americana é melhor avaliada quando comparada com a de outros ramos do fazet intelectual. Assim, por exemplo, a teoria da dependéncia foi um esforgo original da Sociologia da América Latina para explicar a razio de ser da situagio: de subdesenvolvimento de nossos paises, sem recorret a ereceees da cultura latino-americana ligadas & concepsi9 “4 snes tmsoca esi gumesaze ae GateiaMarqueson ar aPsicologia denossos povos lendo umanovelade 0 cardter ou a personal ine pose que em nossos trabalhos técnicos sobre s - E, certamente, a Teologia da Libertagao {0 origi "Ht uma Psicologia da Libenasde 183, “apaz de, ag mesmo tempo, refletir & estimular as recentes lutas historicas das Massas marginais com muito mais forga que Rossas anilises e receitas Psivolépicas sobre a modernizagao ou a mudanga social. ' Diferentemente da cultura saxOnica, a cultura latina inclina-se a Conceder um importante papel para as caracteristicas das pessoas ¢ para as telagées interpessoais. Em um pais como El Salvador, o Presidente da Repiblica é uma referéncia imediata de quase todos os problemas, desde os maiores até og menores, ¢ a ele se atribui a responsabilidade de sua resolugiio, © que leva a recorrer ao Presidente para reclamar da mesma forma sobre a guerra ou sobre uma briga de vizinhos, para estimular a reativagao econémica do pais ou para cancelar um indiscreto prostibulo situado proximo de uma fscola (Martin-Bard, 1973). Nesse contexto cultural, que tende a personalizar J»ainda, a psicologizar todos os processos, a Psicologia tem um vasto campo \de influéncia. E, todavia, em vez de contribuir para desmontar esse senso comum de nossas culturas, que oculta e justifica os interesses dominantes transmutando-os em tragos de carater, a Psicologia tem abonado —por aco ou por omissiio—o psicologismo imperante. Inclusive no caso da alfabetizago conscientizadora de Freire, chegou-se ao ponto de resgatar para o sistema as suas principais categorias, despojando-as de sua essencial dimensao politica e convertendo-as em categorias puramente psicologicas. Atualmente, com a crescente subjetivacdo dos enfoques predominantes, a Psicologia continua alimentando 0 psicologismo cultural, oferecendo-se como uma verdadeira \“ideologia de reconversio” (Deleule, 1972). Em nosso caso, o psicologismo tem servido para fortalecer, direta ou indiretamente, as estruturas opressivas, ao desviar a atengao delas para os fatores individuais e subjetivos. “Nao se trata aqui de estabelecer um balango da Psicologia latino-americana, porque, entre outras coisas, ainda se esta por fazer uma historia que transcenda a organizago mais ou menos parcial de dados (ver, por exemplo, Ardila, 1982, 1986; Diaz-Guerrero, 1984; Whitford, 1985). O importante é perguntar-nos se, com a bagagem psicoldgica de que dispomos hoje, podemos dizer e, sobretudo, fazer algo que contribua significativamente para dar resposta aos problemas cruciais de nossos povos. Porque, em nosso caso, mais que em nenhum outro, tem validade a afirmagao de que a preocupagio do cientista social nao deve centrar-se ‘anto em explicar o mundo, mas em transformé-lo. 184 gia Jatino-americana Uma das justificagdes que se pode dar a pobreza da Contribuis, J americana reside em sua relativa juveniyiy je vista, apontam-se a8 prongs. arcialmente, por todas as Pare valido, ainda que insuficiente, ¢ ndermos, para NAO revisar 4. itos casos, continuam a leyar) , Acscravidao da Psicole historica da Psicologia latino-2 Como confirmagao desse ponto di originais, que comegam a surgir, P' (Psicologia, 1985). O argumento ¢ torna-se perigoso se nele nos esco deficiéncias que nos levaram (e, em mui dade cientifica e A inoperdncia social. ‘ Em minha opiniao, a miséria da Psicologia latino-americana tem suas raizes em uma historia de dependéncia colonial que nao coincide com a historia da colénia ibero-americana, mas com a do colonialismo dy “garrote e da cenoura”! que foi imposto a nds ha um século. O “garrotago cultural” que diariamente recebem nossos povos, com frequéncia, encontra, na Psicologia, mais um instrumento entre outros para moldaras mentes e um valioso aliado para tranquilizar consciéncias ao explicar as indubitaveis vantagens da cenoura modemista e tecnolégica. Podemos sintetizar, em trés, as principais causas da miséria hist6rica da Psicologia latino-americana, as trés relacionam-se entre si: seu mimetismo cientificista, sua auséncia de uma epistemologia adequada e seu dogmatismo provinciano. Examinemos, separadamente, cada uma dels. \ Mimetismo cientificista margii Com a Psicologia latino-americana ocorreu algo parecido como que aconteceu com a Psicologia norte-americana no comeco do século: seu desejo de adquirir um reconhecimento cientifico e um status social resultou em um sério tropego. A Psicologia norte-americana voltou seu olhar as Ciéncias Naturais a fim de adquirir um método e conceitos que 4 consagrassem como cientifica enquanto negociava sua contribuigdo a 1. Garrote y lazanahoria—termo sem equivalente exato em portugués, usado part referir-se a politica de relagdes entre nagées, na qual hé a marca da domina¢i imperialista. As poténcias dominantes fazem promessas de ajuda (simbolizadas pela cenoura), concomitantes com ameagas econémicas e/ou militares (simbolizadas pelo garrote). A maior reteréncia da politica do garrote y la zanahoria & 0 resgate da Doutrina Monroe pelo Presidente Roosevelt ¢ sua politica do Big Stick, isto é, a politica dos EUA com 0s paises pobres deveris pautar-se por uma fala mansa com um porrete na mao (Nota do tradutor). Para uma Psicologia da Libertagho 185, nocessidades do poder estabelecido para reeeher um posto e uma posi .O que a Psicologia latino-americana fe socin / foi voltar seu olhar ao big brother, a quem ja era respeitado cientifica & soc Jalmente, ¢ a ele pediu emprestada a sua bagagem conceitual, metodologica ¢ pratica, es poder negociar com as instincis perando sociais de cada pais um status social norte-am NOs, cquivalente ao adquirido pele I: discutivel se a profissiio de psicdlogo j4 conquistou, nos paises latino-americanos, 0 reconhecimento se al que buscava; o que éclaro é que a quase (otalidade de seus esquemas tedricos € praticos foi importada dos Fstados Unidos. Assim, aos enfoques psicanaliticos ou organicistas que imperaram em um primeiro momento, em razio da dependéncia da Psicologis e uma onda de comportamentalismo ortodoxo, com sua pesada carga de resoluto positivismo e individualismo metodolégico. Hoje, muitos psicdlogos latino-americanos descartaram 0 comportamentalismo e afiliaram-se a uma ou outra forma de Psicologia cognitivista, nZo tanto por ter submetido a para com as escolas psiquidtricas, sucedeu- critica os esquemas psicanaliticos ou comportamentalistas, mas porque esse €0 enfoque em moda nos centros académicos norte-americanos. O problema nao se radica tanto nas virtudes ou nos defeitos que possam ter © comportamentalismo ou as teorias cognitivistas, mas, sim, no timetismo que nos leva a aceitar os sucessivos modelos vigentes nos Es 'sse se tornar médico ao colocar 0 estetoscdpio ou como se a crianga se tornasse adulto pelo fato de vestir as roupas do papai. A aceitagiio acritica de teorias e modelos é, precisamente, a negagao dos fundamentos mesmos da ciéncia. E a importagiio a-historica de esquemas conduz a ideologizagiio de certas definigdes, cujo sentido e validade, tal como nos lembra a Sociologia do Conhecimento, remetem a cerlas circunstincias sociais e a certos questionamentos concretos. dos Unidos, como se 0 aprendiz, pud Auséncia de uma epistemologia adequada Os modelos dominantes na Psicologia fundam-se em uma sé ie de Pressupostos que apenas raramente sio discutidos € aos quais, cada vez, menos, se propdem alternativas. Mencionarei cinco de ‘Ss pressupostos, que, em minha opiniio, tem marcado as possibilidades da Psicologia latino-americana: © positiv mo, O individualismo, o hedonismo, a visio chomeostatica eo a-historicismo, Ignacio Martin-Barg 186 Opositivisme, tal como indica o nome, éaquela concep¢aio de ciéncia que considera que 0 conhecimento deve se limitar aos dados positivos, aos fatos e as suas relagdes empiricamente verificaveis, descartando tudo o que possa ser caracterizado como metafisica. Assim, 0 positivismo sublinha 9 “como” dos fenémenos, mas tende a deixar de lado 0 qué, 0 por que € o para qué. Isso, obviamente, supde uma parcializagao da existéncia humana, 0 que 0 deixa cego para os significados mais importantes. Portanto, nao ha que se estranhar que o positivismo se sinta tio bem no laboratério, onde pode “controlar” todas as varidveis e termine reduzido 4 andlise de verdadeiras trivialidades, que pouco ou nada dizem dos problemas cotidianos. Contudo, a questo mais grave do positivismo esta, precisamente, em sua esséncia, isto é, em sua cegueira de principio para a negatividade. 0 nao reconhecimento de nada além do dado leva a ignorar aquilo que a realidade existente nega, isto é, aquilo que nao existe, mas que seria historicamente possivel, se fossem dadas outras condigdes. Sem divida, uma analise positivista do camponés salvadorenho pode levar a conclusdo de que se trata de uma pessoa machista e fatalista, tal como o estudo da inteligéncia do negro norte-americano leva 4 conclusdéo de que seu quociente intelectual se encontra, em média, em um desvio padrao abaixo do quociente intelectual do branco. Considerar que a realidade nao é mais que o dado, que o camponés salvadorenho é simplesmente fatalista ou queo negro € menos inteligente, é uma ideologizacao da realidade que termina por consagrar como natural a ordem existente. Obviamente, de tal perspectiva, restrito € o horizonte que se desenha aos latino-americanos e pobre € 0 futuro que a Psicologia pode nos oferecer. E paradoxal que esse positivismo se combine, na pesquisa psicolégica, com um idealismo metodolégico. Pois idealista é 0 esquema que antepde o marco tedrico a andlise da realidade e que nao da passos para além da exploragao dos fatos indicados na formulagdo de suas hipoteses. Sendo assim, as teorias nas quais pode basear-se tém surgido frente a situagdes positivas muito distintas das nussas. Esse idealismo pode acabar naio somente nos cegando para a negatividade de nossas condigdes humanas, mas também para a sua propria positividade, isto 6, ao que, de fato, sao. Um segundo pressuposto da Psicologia dominante é 0 individualis- mo, mediante o qual se assume que 0 sujeito ultimo da Psicologia é 0 indivi- duo como entidade com sentido em si mesma. O problema com 0 individualismo radica-se na sua insisténcia por ver, no individuo, o que sé se encontra na coletividade ou por remeter a individualidade o que somente se P, TQ uma Psicologia da Libertario 187 Produz na dialética das relagdes interpessoais. Dessa forma, o individua. lismo acaba reforgando as estruturas existentes ao ignorar a realidade das estruturas sociais e reduzindo os problemas sociais a problemas Pessoais, : Sobre o hedonismo imperante na Psicologia ja se falou muito, ainda que nao se tenha destacado suficientemente 0 quao incrust €sté nos modelos mais divergentes em uso. Tio hedonista quanto a Psicanalise ¢ 0 comportamentalismo, tanto quanto a teflexologia & a Gestalt. No entanto, eu me pergunto se com o hedonismo é Possivel entender adequadamente 0 comportamento solidario de um grupo de Tefugiados salvadorenhos que, sem nada saber sobre o recente terremoto que devastou o centro de San Salvador, abriram mao de toda a sua reserva de alimentos ea enviou para as vitimas da zona mais atingida. Pensar que \ Por tras de todo comportamento ha sempre, e por principio, uma busca de , Prazer ou satisfacdo nao é fechar os olhos para uma forma distinta de ser \humano ou, pelo menos, a uma faceta distinta do ser humano, mas tio real Como a outra? Integrar como pressuposto o hedonismo em nosso marco tedrico nao é, de fato, uma concessio ao Principio de lucro fundante do sistema capitalista e, portanto, uma transposi¢o a natureza do ser humano daquilo que caracteriza o funcionamento de um determinado sistema socioeconémico? (Martin-Baré, 1983). =~) lado ele A visio homeostatica leva-nos a suspeitar de tudo 0 que émudanga edesequilibrio, a avaliar como mau tudo aquilo que representa ruptura, (conflito e crise. Dessa perspectiva, mais ou menos implicita, é mais dificil que os desequilibrios inerentes as lutas sociais nao sejam interpretados como transtornos pessoais (nao falamos de pessoas “desequilibradas”?) e \jos conflitos criados pela recusa da ordem social nao sejam considerados 'patolégicos, \y O Ultimo pressuposto da Psicologia dominante que quero mencionar & provavelmente, 0 mais grave: 0 seu a-historicismo. O cientificismo dominante induz-nos a considerar que a natureza humana é universal e, Portanto, que no ha diferengas de fundo entre o estudante do MIT e 0 camponés nicaraguense, entre John Smith de Peoria (Illinois, Estados Unidos) ¢ Leonor Gonzalez de Cuisnahuat (El Salvador). Assim, aceitamos a escala de necessidades de Maslow como uma hierarquia universal ou assumimos que o Stanford-Binet apenas precisa ser adaptado e normatizado Para medir a inteligéncia de nossas populagées. Todavia, uma concepgiio de Ser humano que coloca a sua universalidade na sua historicidade, isto é, em “uma natureza hist6rica, aceita que tanto as necessidades, quanto a inteligéncia 188 portanto, que ASsUMir py histéricos, elaborag, i io social e, jo, em boa medida, uma construgao soci nte transculturais e trans-Dh das nossas, pode conduzir-nos a uma grave dj povos. ente os pressupostos mais b; presumivelmer circunstincias distintas sobre o que na realidade siio os nossos Enecessario revisar profundamente 0s pis*" A nossa concep¢io psicolégica, mas essa revisio nao deve ser realizag, nosso escritério, mas por meio de uma praxis comprometida com % ; populares, Somente assim, alcangaremos uma perspectiva diferente tay) sobre 0 que positivamente sfio as pessoas de pees Povos, Come © gue negativamente poderiam ser, mas que as condi¢ées historicas no permite, > averdade nao tera de serum. simples reflexo dos dagos arefa; nao os fatos, mas aquilo por fazer, Apenasdessa forma, mas a verdade podera ser uma t Falsos dilemas ‘A dependéncia da Psicologia latino-americana levou-a a se deb; em falsos dilemas. Falsos nao tanto porque nao representam dilemas tedricos, mas porque nao respondem as perguntas de nossa realidade. Trés dilemas caracteristicos, que em alguns lugares levantam preocupacdes, sio: Psicologia cientifica e Psicologia “com alma”; Psicologia humanista ¢ Psicologia materialista; e Psicologia reaciondria e Psicologia progressista. O primeiro dilema, talvez o mais superado nos centros académicos, resultava em uma oposi¢ao entre os delineamentos da Psicologia e um Antropologia crist’i. A “Psicologia dos ratos” era contraposta a um “Psicologia com alma”, enquanto psicélogos e sacerdotes brigavam porum mesmo papel para os setores médios ou burgueses da sociedade. Certamente, 0 dogmatismo de muitos sacerdotes induzia-os a temer uma ameaga contra a fé religiosa nas teorias psicolégicas e a ver as explicagdes destas como uma nega¢do da dimensio transcendente do ser humano. Porém, os psicélogos latino-americanos, com seus esquemas made in USA, tampouco souberam solucionar o dilema, talvez porque thes faltasse um= compreenstio adequada tanto de seus proprios esquemas, quanto sobre tudo aquilo que supunham sobre os delineamentos religiosos. Um segundo dilema, mais vigente que o anterior, é 0 que opde uma Psicologia humanista a uma Psicologia materialista ou desumanizada. Pessoalmente, esse dilema desconcerta-me, porque acredito que uma teoria ou um modelo psicolégicos serio validos ou nao, teriio utilidade ou nao para 9 trabalho pratico e, em todo caso, acertarao mais ou menos, melhor ou pict, et Para uma Psicologia da Libertagiio 189 como teoria e modelo psicolégicos. Porém néo consi (Cat R. Rogers seja mais humanista que Sigmun {Maslow mais que Henri Wallon. Além disso, a leonsegue uma melhor compreensio do ser hamano que Regers ou Wainy que Maslow, suas teorias propiciario um fazer (quehacer) psicolbgico mare sdequado ¢, consequentemente, dario uma melhor conteibuigio para 2 humanizagao das pessoas, G0 Ver em que assunto id Freud ou Abraham credito que se Freud O terceiro dilema é o de uma Psicologia reacionaria frente a uma Psicologia progressista. O dilema, uma vez mais, é valido, ainda que se possa apresenté-lo inadequadamente. Uma Psicologia reacionéria é aquela cuja aplicacao leva a assegurar uma ordem social injusta; uma Psicologia progressista é aquela que ajuda os povos a avangar, a encontrar o caminho de suarealizacao histérica, pessoal e coletiva. No entanto, uma teoria psicolégica nao é reaciondria apenas pelo fato de vir dos Estados Unidos, tal como o fato de ter origem na Uniio Soviética nfo a converte, automaticamente, em progressista ou revolucionaria. © que torna uma teoria reacionéria ou progressista nfo é tanto o seu lugar de origem, mas a sua capacidade para explicar ou ocultar a realidade e, sobretudo, para reforgar ou transformar a ordem social. Lamentavelmente, existe muita confuusio quanto a isso € comhego centros de estudos ou professores que aceitam a reflexologia por causa da nacionalidade de Pavlov ou que esto mais atentos 4 ortodoxia politica do que a verificagdio historica de seus delineamentos. Esses trés dilemas denotam uma falta de independéncia para estabelecer os problemas mais importantes dos povos latino-americanos, para utilizar com total liberdade aquelas teorias ou modelos que a praxis (demonstre ser mais validos ¢ titeis ou para elaborar outros novos. Por tras /dos dilemas escondem-se posturas dogmiticas, mais prdprias de um espirito '\ de dependéncia provinciana que de um compromisso cientifico por encontrar e, sobretudo, fazer a verdade de nossos povos latino-americanos. (xt) Para uma Psicologia da Libertagao Com base nas reflexées anteriores hé, claramente, uma conclusio: se quisermos que a Psicologia realize alguma contribuicao significativa a historia de nossos povos, se, como psicdlogos, queremos contribuir para o desenvolvimento social dos paises latino-americanos, necessitamos Fedefinir nossa bagagem teérica e pritica, mas redefini-la valendo-nos da woo Ignacio Martin-Barp vida de nossos préprios povos, de seus sofrimentos, de suas aspiracdes de suas lutas. Se me é permitido formular essa proposta em termes latino-americanos, devo afirmar que se queremos que_ a_Psicologia contribua para.a libertagio de nossos povos, devemos elaborar uma 0. Elaborar uma Psicologia da Libertagao nao ¢ Psicologia da Liberta implesmente tedrica, mas, primeira e fundamentalmente, uma uma tarefa tarefa pratica. Por isso, se a Psicologia latino-americana quer se langar pelo caminho da libertagdo, ela tem de romper com a_sua propria escravidiio. Em outras palavras, realizar uma Psicologia da Libertacag exige, primeiro, alcangar uma libertagio da Psicologia. Recentemente, perguntava eu, a um dos mais conhecidos tedlogos da libertagio, quais seriam, em sua opiniao, as trés intuigdes mais importantes dessa teologia. Sem muitas davidas, meu bom amigo destacou os seguintes pontos: 1. A afirmagao de que o objeto da fé crista é um Deus de vida e Portanto, que o cristio deve assumir como sua primordial tarefa teligiosa promover ; a vida. Dessa perspectiva crista, 0 que se opée a Deus nao é0 ateismo, mas a idolatria, isto é, a crencaem falsos deuses, deuses que produzem a morte. A fé crist em un Deus de vida deve buscar, por consequéncia, todas aquelas condigées historicas que dio vida aos POV0 e, no caso concreto dos povos latino-americanos, essa busca de vida exige um primeiro passo de libertagiio das estruturas — sociais primeiro; pessoais depois — que mantém uma situagao de pecado, ou seje, de opressao mortal sobre as maiorias; 2. A verdade pratica tem primazia sobre a verdade tedrica, a ortopraxis sobre a ortodoxia, Para a Teologia da Libertagio, mais importante que as afirmagées sfo as ages e mais expressivo da fé 0 fazer que o dizer, Portanto, a verdade da fé deve mostrar-se em realizagdes histéricas que evidenciem e fagam crivel a existéncia de um Deus de vida. Nesse contexto, adquirem toda sua significagao as necessdrias mediagSes que tornam possivel ¢ libertagao historica dos povos das estruturas que os oprimem € impedem sua vida ¢ seu desenvolvimento humano; 3. A fécrist& chama a realizagtio de uma opgao preferencial pelos pobres. A Teologia da Libertagao afirma que Deus deve set “ buscado entre os pobres e marginalizados e com eles € d@ perspectiva deles viver a vida de fé. A razio para essa opsa0€ Pata uma psjcotogia da Libertagao 191 iniltipla. Em primeiro lugar, porque essa foi, concretamente, a opgaio de Jesus. Em segundo lugar, porque os pobres constituem as maiorias de nossos povos. Em terceiro lugar, (porque somente os pobres oferecem condigdes objetivas e subjetivas de abertura a0 outro & sobretudo, ao tadicalmente outro. A opgao pelos pobres nao se opde ao universalismo salvifico, mas reconhece que a comunidade dos pobres é 0 lugar teolégico por exceléncia, no qual se realiza a tarefa salvadora, a construgao do reino de Deus. / Com inspiragio na Teologia da Libertacdo podemos propor trés { elementos essenciais para a construgdo de uma Psicologia da Libertago ,¢ 108 povos latino-amerianos? um novo horizonte, uma nova "\ epistemologia e uma nova praxis. Um novo horizonte A Psicologia latino-americana deve descentrar sua atengao de si mesma, despreocupar-se com seu status cientifico e social e propor-se a um servigo eficaz para atender as necessidades das maiorias populares. Sio os problemas reais dos préprios povos, néio os que preocupam outras latitudes, que devem ser 0 objeto primordial de seu trabalho. E, hoje, a questao mais importante que confrontam as grandes maiorias latino-americanas é a sua situagdo de miséria opressiva, sua condigao de dependéncia marginalizante que Ihes impde uma existéncia inumana e lhes arrebata a capacidade para definir sua vida. Portanto, se a necessidade objetiva mais peremptoria das maiorias latino-americanas ¢ a sua libertacao histérica de estruturas sociais que as mantém oprimidas, para essa area devem se voltar a preotupagdo ¢ o esforgo da Psicologia. A Psicologia sempre teve clareza sobre a necessidade de libertago pessoal, isto é, a exigéncia de que as pessoas adquiram controle sobre sua propria existéncia e sejam capazes de orientar sua vida para aqueles objetivos que se proponham como valiosos, sem que mecanismos inconscientes ou experiéncias conscientes lhes impegam a conquista de suas metas existenciais e de sua felicidade pessoal. Todavia, a Psicologia, em geral, no tem sido muito clara sobre a intima relagao entre a desalienagdo pessoal ea desalienagao social, entre controle individual e poder coletivo, entre a libertagaio de cada pessoa ea libertagaio de todo um povo. Mais ainda, com frequéncia, a Psicologia tem contribuido para obscurecer a relagao Hanacio Manin, 192 b entre a alienagio pessoal ca cores sa se a 9 emia a pessoas fosse algo alheio a histéria ¢ A socieda transtornos comportamentais se esgota (Martin-Baré, 1984). A Psicologia deve trabalhar pela libertagaio 408 povos lating. americanos, um processo que, tal como mostrou a alfabetizagig /conscientizadora de Paulo Freire, incorpora tanto uma Tuptura com ag cadeias da opressio pessoal como com as cadeias da opr recente histéria do povo salvadorenho prova que a superagiio de sey fatalismo existencial, isso que honesta ou ideologicamente alpuns psicdlogos preferem chamar “controle externo” ou “desesperanga aprendida”, como se fosse um problema de ordem puramente intra-individual, envolve uma confrontagao direta com as forgas estruturais que os mantém oprimidos, privados de controle sobre sua existéncia e forgados a aprender a submissio ea niio esperar nada da vida, Lido doy ¢ no plano individyy Uma nova epistemologia O objetivo de servir A necessidade de libertagaio dos povos latino-americanos exige uma nova forma de buscar 0 conhecimento: a verdade dos povos latino-americanos nao esta em seu presente de opressiio, mas em seu amanha de liberdade; a verdade das maiorias populares nio deve ser encontrada, mas, sim, deve ser feita. Isso supde, ao menos, dois aspectos: uma nova perspectiva e uma nova praxis. A_nova perspectiva tem de ser a partir de baixo, das proprias maiorias populares oprimidas. J4 nos perguntamos, seriamente, sobre como sao vistos os processos psicossociais da vertente do dominado, ao invés de enxerga-los da vertente do dominador? Tentamos delinear a Psicologia educativa do ponto de vista analfabeto, a Psicologia do trabalho a partir do desempregado, a Psicologia clinica partir do marginalizado? Como se véa satide mental a partir do colono da fazenda, a maturidade pessoal a partir do habitante de um barraco, a motivagiio a partir da senhora em um mercado? Observem que se diz “a partir” do analfabeto, do desempregado, do colono, da senhora e no “para” eles. Nao se trata de pensarmos por eles, de Ihes transmitir nossos esquemas ou de resolver os seus problemas; mas trata-se de pensarmos e teorizarmos com eles ea partir deles. Também aqui acertou a intuigao pioneira de Paulo Freire, que deservolveu uma pedagogia “do” oprimido e nao “para” o oprimido; cra a propria pessoa, a propria Para uma Psicologia da Libertagio 193 comunidade que deveria constituir-se em sujeito de sua prépria alfabetizagao conscientizadora; que deveria aprender, em didlogo comunitirio com o educador, a ler sua realidade e a escrever sua palavea, historica, Assim como a Teologia da Libertago sublinhou que somente « partir do pobre € possivel encontrar © Deus de vida anunciado por Jesus, uma Psicologia da Libertacao tem de aprender que somente a partir do proprio povo oprimido sera possivel descobrir ¢ construir a verdade existencial dos povos latino-americanos, Assumir uma nova perspectiva nao supée, obviamente, descartar todos os nossos conhecimentos, o que supe é a sua relativizagao ea sua revisiio critica do angulo das maiorias populares. Somente com base nisso ‘as teorias e os modelos mostrarao sua validade ou sua deficiéncia, sua utilidade ou sua inutilidade, sua universalidade ou seu provincialismo; apenas comegando dai as técnicas aprendidas mostrario suas potencialidades libertadoras ou suas sementes de submissio. Uma nova praxis Todo conhecimento humano esta condicionado pelos limites impostos pela propria realidade. Sob varios aspectos a realidade é opaca e sé atuando sobre ela, transformando-a, é possivel ao ser humano ter noticia dela. O que vemos e como vemos, certamente, esta condicionado por nossa perspectiva, pelo lugar a partir do qual nos ligamos a historia; mas também est determinado pela propria realidade. Assim, para adquirir um novo conhecimento psicolégico, nao basta nos situar na perspectiva do povo, & necessario nos envolver em uma nova praxis, uma atividade transformadora da realidade que nos permita conhecé-la nao apenas no que é, mas no que nao 6, ¢ isto ocorre na medida em que tentamos orientd-la para aquilo que deve ser. Tal como afirmou Fals Borda (1985, p. 30), abordando a pesquisa participativa, somente ao participar se produz.a rupturavolun relagdo assimétrica de submissio e dependéncia, implicita no bindmio sujeito/objeto, iaevivencial da Em geral, o psicélogo tem tentado inserir-se nos processos sociais Por meio das instncias de controle, A pretendida assepsia cientifica tem sido, na pratica, uma aceitagio da perspectiva de quem tem o poder e um atuar tomando por base quem domina. Como psicélogos escolares temos trabalhado, a partir da diregao da escola e nao da comunidade; como Psicélogos do trabalho temos selecionado ou treinado o pessoal segundo as Ignacio Martin-Baré 194 exigéncias do proprietério ou do gerente, nao a partir dos ee trabalhadores ou de scus sindicatos; até mesmo como psicologos comunitarios temos chegado, com frequéncia, nas comunidades montados saber e de nosso dinheiro, no carro de nossos esquemas e projetos, de nos: wad . , Nao é facil deixar nosso papel de superioridade profissional ou tecnocratica \e trabalhar lado a lado com os grupos populares. Mas se nao embarcamos nesse novo tipo de praxis, que além de transformar a realidade transforma a nés mesmos, dificilmente conseguiremos desenvolver uma Psicologia latino-americana que contribua para a libertagao de nossos povos. O problema de uma nova prixis coloca a questio do poder e, portanto, da politizagao da Psicologia. Esse 6 um tema, para muitos, escabroso, mas nem por isso menos importante. Certamente, assumir uma perspectiva, envolver-se em uma praxis popular, é tomar partido. Pressup6e-se que ao tomar partido se abdica da objetividade cientifica, confundindo-se, dessa, forma, a parcialidade coma objetividade. O fato de que um conhecimento seja parcial nao quer dizer que seja subjetivo; a parcialidade pode ser consequéncia de certos interesses, mais ou menos conscientes, mas pode ser também o resultado de uma op¢do ética. E, enquanto estamos condicionados por nossos interesses de classe que parcializam nosso conhecimento, nem todos realizam uma opgao ética consciente que assuma uma patcializago coerente com os préprios valores. Diante da tortura ou do assassinato, por exemplo, deve-se tomar partido, o que nao quer dizer que nao se pode alcangar a objetividade na compreensio do ato criminal ¢ de seu ator, torturador ou assassino. Se nao é assim, facilmente condenaremos como assassinato a morte causada pelo guerrilheiro, mas perdoaremos e ainda exaltaremos como ato de heroismo a morte produzida pelo soldado ou pela policia. Por isso, concordo com Fals Borda (1985) que defende que o conhecimento pratico adquirido mediante a pesquisa participativa deve se encaminhar para a conquista de um poder popular, um poder que permita aos Povos tornarem-se protagonistas de sua propria historia e realizar as mudangas que tornem as sociedades latino-americanas mais justas e humanas. ~~ AW Iqu —~_- Trés tarefas urgentes Sao muitas as tarefas que se apresentam a Psicologia latino-americana da Libertagao, tanto tedricas como praticas. Apresento trés que me parecem de especial importincia e urgéncia: a recuperagio da meméria histérica, a desideologizagao do senso comum e da experiéncia cotidiana e a potencializagao (potenciacién) das virtudes populares. Para uma Psicologia da Libertagao ion ©) Emprimeiro lugar, a recuperagdo da meméria histérica. & dificil ung Por conquistarasatisfagio cotidiana das necessidades basicas forgaas maiorig Populares a permanecerem em um constante presente Psicol6gico, em um aqui © agora sem antes e depois; mais nda, o discurso dominante estrutura uma Tealidade aparentemente natural e ahistorica, que leva sua simples aceitacao, Assim, é impossivel tirar ligdes da experiéncia ¢, 0 que é mais importante, encontrar-as raizes da propria identidade, tanto para interpretar o sentido do que atualmente se é, quanto para vislumbrar possibilidades alternativas sobre o que se pode ser, A imagem predominantemente negativa que o latino-americano médio tem de si mesmo em relagaio aos outros povos (Montero, 1984) denota a interiorizagdo da opressio no proprio espirito, viveiro propicio para o fatalismo conformista to conveniente para a ordem estabelecida. Recuperar a meméria histérica significera descobrir seletivamente, mediante a memoria coletiva, elementos do passado que foram eficazes para defender os interesses das classes exploradas e que voltam a ser Uteis para os objetivos de luta e conscientizacéo (Fals Borda, 1985, p. 139). yi Trata-se de recuperar nao somente o sentido da propria identidade, ( nfo somente o orgulho de pertencer a um povo, assim como de contar com \ uma tradig&o e uma cultura, mas, sobretudo, de regatar aqueles aspectos que serviram ontem e que servirio hoje para a libertac’o. Por isso, a recuperacaio de uma memoria historica supde a reconstrugao de certos | modelos de identificagio que, ao invés de encadear e alienar os povos, lhes ) abrirdo o horizonte para a sua libertagaio e realizagao. \\_E preciso, em segundo lugar, contribuir para desideologizar a experiéncia cotidiana. Sabemos que o conhecimento é uma construgao social. Nossos paises vivem submetidos 4 mentira de um discurso dominante que nega, ignora ou disfarga aspectos essenciais da realidade. O mesmo “garrota¢o cultural” que, dia apds dia, se ministra aos nossos povos por intermédio dos meios de comunicagio massiva ¢ um marco de referéncia em que, dificilmente, se pode encontrar a formalizagiio adequada da experiéncia cotidiana da maioria das pessoas, sobretudo dos setores populares, Dessa forma, vai se conformando um ficticio senso comum, enganoso ¢ alienador, sustenticulo para a manutengio das estruturas sociais de exploragio das atitudes de conformismo. Desideologizar significa Tesgalar a experiéncia original dos grupos e das pessoas e devolvé-las como {ado objetivo, o que Ihes permitira formalizar a consciéneia de sua propria nacio Marti Ignacio Martin, , 196 lo conhecimento adquirido ( Martin-Bars lizar, na medida dy na vida dos Setoreg formas predominante, realidade, verificando a validade d 1985a, 1985b). Essa desideologizagao deve se rea possivel, em um proceso de participag4o Se populares, o que representa uma certa ruptura com as e pesquisa e anialise. . A “ oe Finalmente, devemos trabalhar para potencializar as vittudes dg nossos povos. Para nao ir além de meu proprio povo, © povo de El Salvador, a historia contempordnea ratifica, dia apos dia, sua insubornaye| solidariedade no sofrimento, sua capacidade de entrega e de sacrificio pely bem coletivo, sua tremenda fé na capacidade humana de transformer 0 mundo, sua esperanga em um amanha que violentamente continua a ser negado. Essas virtudes estiio vivas nas tradigdes populares, na religiosidade popular, naquelas estruturas sociais que permitiram 0 povo salvadorenho sobreviver historicamente em condiges de opressio e repressio inumanas e que permitem, hoje em dia, manter viva a fé em seu destino ¢ a esperanca em seu futuro, apesar de uma pavorosa guerra civil que j4 se prolonga por mais de seis anos, Monsenhor Romero, 0 arcebispo de San Salvador assassinado, disse, em uma oportunidade, referindo-se as virtudes do povo salvadorenho: “Com este povo, nao é dificil ser um bom pastor”. Comoé possivel que nds, psicdlogos latino-americanos, nao tenhamos sido capazes de descobrir todo esse rico potencial de virtudes de nossos povos e, consciente ou inconscientemente, dirigimos nossos olhos para outros paises € para outras culturas na hora de definir objetivos e ideais? Ha uma grande tarefa adiante se queremos que a Psicologia latino-americana realize uma contribuico significativa para a Psicologia universal e, sobretudo, para a historia de nossos povos. A luz da situacdo atual de opressia e fé, de repressio e solidariedade, de fatalismo e lutas, que caracteriza Os nossos povos, essa tarefa deve ser a de uma Psicologia da Libertag’io. Mas uma Psicologia da Libertacfo requer uma libertagiio prévia da Psicologia e essa libertagdo chegard apenas por meio de uma praxis comprometida com os softimentos e esperancas dos povos latino-americanos: Nota: Artigo publicado originalmente na revista Boletin de Psicologia, 22, 1986, p. 219-31, Agradecemos a UCA Editores pela autorizagao da tradugdo ¢ publicagtio do texto, assim como A mediagao realizada por Mauricio Gaborit. Para uma Psicologia da Libertagaio 197 Referéncias Ardila, R (1982). Intemational psychology. American Psychologiss 37, 323-329, Ardila, R. (1986). 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