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Artesanato - Mídia Popular e o Lembrar Comunitário
Artesanato - Mídia Popular e o Lembrar Comunitário
e o lembrar comunitário
Cristina Schmidt*
Resumo
O artesanato é uma forma muito recorrente de representação do cotidiano. Por
meio dele são registradas cenas do dia a dia, histórias, mitologias, tecnologias.
É a vida expressa em materiais e formas diversas. É a comunicação realizada
entre os seus interlocutores por meio de canais próprios à sua identidade,
localidade. É um conjunto de fragmentos que fala do passado e do presente,
onde atuam fatores de ontem e de hoje, construindo algo novo a respeito do
acontecimento que o homem é incapaz de repetir. Nessa reflexão, apresentamos
aspectos relacionados à produção cultural e sua reprodutibilidade; colocamos
aspectos metodológicos ligados à folkcomunicação e a necessidade de uma
taxionomia do artesanato; e por fim reforçamos a arte popular como meio de
comunicação da memória.
Palavras-chave: Folkcomunicação. Mídia popular. Memória.
linhas, alimentos são usados como meio para essa produção. É a vida expressa
em materiais e formas diversas. É a comunicação realizada entre os seus
interlocutores por meio de canais próprios à sua identidade, localidade.
De acordo com os produtores são os produtos. Em conformidade
com seu ideário, suas mensagens. Dentro de cada contexto, o método e as
técnicas. O artesanato vira uma marca cultural, que traz os modos culturais
de um grupo específico, e configura um mercado simbólico.
Os modos culturais populares e eruditos tornam-se mercadoria ora para
marginalizar, ora para incorporar os grupos sociais ao contexto de urbanização.
A definição de modo cultural pode ser encontrada em Teixeira Coelho (1997), no
Dicionário crítico de política cultural, onde ele define por “modo cultural”: “Forma
particular de manifestação de uma cultura. Modo designa o tipo de uma mani-
festação cultural: o cinema, o teatro, a música, a dança, a manifestação folclórica,
o livro, a arquitetura, etc. Em outras palavras, modo é a disposição particular da
expressão cultural num meio determinado”. E, como uma ocorrência concreta
de um modo, podemos entender uma versão desse modo, ou seja, um filme,
uma peça teatral, uma festa, uma peça artesanal, um espetáculo de dança. Coelho
classifica os modos culturais em duas categorias: o aberto, aqueles que estão
em constante construção e prevalece o princípio da não conformidade; e o
fechado, de sentido concluído e fixado. Uma manifestação folclórica, uma festa
popular é, portanto, para ele, um modo cultural fechado, pois traz um sentido
determinado em sua apresentação e herdado historicamente.
Nesse contexto, os modelos culturais são expostos de diferentes ma-
neiras a fim de ressaltar a intencionalidade do produtor ou os interesses de
quem comercializa. A produção cultural simbólica é redefinida pela lógica do
mercado, e este apresenta as potencialidades dessa produção. Por exemplo, o
artesanato absorve mão de obra local, isso significa que abre possibilidade de
trabalho. Esse material é vendido em feiras, festas e lojas especializadas nesses
produtos. O turismo é outra potencialidade que absorve tanto os patrimônios
naturais como os simbólicos. Para os turistas, o trabalho artesanal é símbolo de
distinção. E, ainda, com os modismos, a produção popular mistura elementos
de vários segmentos, tornando-a consumível por variados públicos.
As trocas culturais que acabam ocorrendo por decorrência dessa posição
mercadológica do produto cultural – artesanato – criam uma dinâmica nos
grupos de modo a tomar as experiências vividas em apresentações artísticas
onde se revive e se revê – a si e aos outros. Na verdade, esse processo é a
reconversão cultural dentro do mercado de consumo de bens simbólicos. O
fenômeno da reconversão cultural se dá pelo fluxo e contrafluxo das culturas;
ou seja, ocorre a transferência de valores entre os vários modos culturais,
inclusive os da cultura urbana para a rural e vice-versa.
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[...] com que os migrantes camponeses adaptam seus saberes para viver na cidade,
e seus artesanatos para interessar a consumidores urbanos; quando os trabalhado-
res reformulam seu processo de trabalho frente às novas tecnologias produtivas
sem abandonar suas crenças antigas [...] (CANCLINI, 1995, p. 14).
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repen-
sar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não
é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado,
tal como foi, e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é
uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição,
no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais
nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem
que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então
e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de
realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui
a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em
termos de ponto de vista. (BOSI, 1979, p. 17).
O trabalho artístico/artesanal, por sua vez, não pode ser entendido como
uma memória propriamente, e também não é o passado, mas uma apresen-
tação de uma dada vivência histórica e que deve ser tratada como tal. Mas,
assim como a memória, é um conjunto de fragmentos que fala do passado e
do presente, onde atuam fatores de ontem e de hoje, construindo algo novo
a respeito do acontecimento que o homem é incapaz de repetir.
E se, por um lado, lembrar não se limita ao ato de pensar acontecimen-
tos do passado com as mãos no presente, pois é imprescindível o trabalho da
consciência na reelaboração de elementos já vividos, por outro lado, lembrar
3. Considerações metodológicas
O estudo do artesanato aos olhos da comunicação percorre um con-
texto amplo de possibilidades. Ao adotarmos a folkcomunicação como teoria
para analisá-lo, mais que uma teoria, adotamos uma postura de trabalho que
diferencia-nos de muitos outros pesquisadores. A folkcomunicação faz uma
delimitação de objetos de estudo pertencentes a um grupo que está nas bordas
dos grandes processos comunicacionais; de acordo com Beltrão, são grupos
marginalizados que criam seus próprios meios para transmitir seus saberes.
Norteados por essa abordagem, alguns aspectos foram considerados no
momento da reflexão do objeto – neste texto, o artesanato. Nos processos
folkcomunicacionais, os meios estão vinculados à prática cotidiana. Muitas
vezes, grupos se comunicam por meio da alimentação, como já mostrou
Câmara Cascudo; na realização de festas, estudado pela Rede Folkcom em
pesquisa nacional; na crença e oferecimento de ex-votos, como elucidou o
próprio Beltrão; por meio da internet, como apontam as novas pesquisas.
E, claro, também se comunicam pelo artesanato. Nesses mesmos processos
estão inseridos os emissores e receptores, individuais ou coletivos, voltados
a transmitir suas mensagens “em linguagem própria a sua audiência”, pois
têm como objetivo comunicar-se “com um mundo” específico de convi-
vência. Isso implica em fazer um recorte de estudo que permita abarcar
os conteúdos comunicacionais, seja ele processo, agente (líder de folk),
produto ou meio (folkmídia).
Outro ponto importante para estudar o artesanato no campo da
folkcomunicação é adotar uma metodologia adequada, ou seja, referências
teóricas e técnicas de coleta de dados que permitam abarcar o objeto em sua
complexidade e diversidade. Estudiosos que evidenciam a pesquisa empírica
de caráter qualitativo como fundamental nesses casos. Uma metodologia
interdisciplinar que permita contemplar a objetividade do mesmo modo que
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