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 Alessander Mendes e Caroline Rossetti Gruber, 2022

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ISBN: 978-65-998908-2-6

Editor: Rommel Kunze


Capa: L. Davi Matos
Projeto gráfico: Rommel Kunze
Revisão textual e normalização: Doralice Jacomazi

Editora ANACON

Av. Historiador Rubens de Mendonça, 1.731, sala 03, Centro Empresarial Paiaguás
Bosque da Saúde | Cuiabá/MT | CEP 78118-000

EDITORA ANACON Site: www.anacon.adv.br | whatsapp: (65) 99630-3027 | contato@anacon.adv.br


“Transformação de conflitos é visualizar e reagir às
enchentes e vazantes do conflito social como oportunidades
vivificantes de criar processos de mudanças construtivos,
que reduzam a violência e aumentem a justiça nas
interações diretas e nas estruturas sociais, e que respondam
aos problemas da vida real dos relacionamentos humanos.”
John Paul Lederach
DEDICATÓRIA

Esta conquista é prova da força e dedicação de colegas que,


desconhecidos, atarefados e espalhados pelo Brasil, enlaçaram-
se ao espírito humano na condução do Direito Condominial.
Somos mais lapidados hoje, avançando no aperfeiçoamento
com técnicas, fundamentos e, sobretudo, coração.

Dedico esta obra a cada um dos colegas que com mérito aqui
chegou e, por certo, daqui segue com mais brilho e grandeza.

Por fim, agradeço, em nome da turma, a organização da pós-


graduação do CBPEJUR em Direito Condominial.

Caroline Rossetti Gruber


ORGANIZADORES

Alessander Mendes do Nascimento


• Mestre em Direito e Gestão de Conflitos
(Unifor-CE).
• Especialista em Direito pela UFPI.
• Mediador do Tribunal de Justiça do Piauí.
• Advogado.
• Professor Universitário.
• Historiador.

Caroline Rossetti Gruber


• Advogada pela UNIVALI.
• Sócia fundadora do escritório jurídico
Rossetti & Gruber.
• Especialista em Direito Societário e
Empresarial pelo CESUSC.
• Pós-graduanda da 1ª Turma em Direi-
to Condominial pela CBEPJUR.
• Pós-graduanda em Direito Negocial e
Imobiliário pela EBRADI.
• Membro da Comissão de Direito Con-
dominial da OAB/SC –15ª subseção.
• Diretora regional da ANACON - As-
sociação Nacional da Advocacia Con-
dominial.
• Vice-Presidente/Diretora Jurídica da
ASBALC - Associação de Síndicos de
Balneário Camboriú/SC e estudante
permanente do Direito Condominial
e da Sindicatura, por paixão.
SUMÁRIO

ORGANIZADORES.........................................................................................................6
ALESSANDER MENDES DO NASCIMENTO
CAROLINE ROSSETTI GRUBER

APRESENTAÇÃO............................................................................................................9
SEXTA-FEIRA, 13 DE AGOSTO......................................................................................11
ADILSON L. TEIXEIRA

SOLICITAÇÃO DE IMAGENS E INFORMAÇÕES PESSOAIS NOS CONDOMÍNIOS –


QUAIS CUIDADOS O SÍNDICO PRECISA OBSERVAR?....................................................19
ARIÁDINE GROSSI

OS CONFLITOS DE CONVIVÊNCIA CAUSADOS PELOS ANIMAIS EM CONDOMÍNIOS....25


TIAGO ANDERSON LUZ FRANÇA

RESPIRANDO A FUMAÇA DO OUTRO. NUM MESMO CONDOMÍNIO TRÊS CASES,


TRÊS ABORDAGENS E TRÊS SUCESSOS.......................................................................33
GLÁUCIA LA REGINA

CONDÔMINOS 60+: OS MORADORES INVISÍVEIS.......................................................41


CIRELLE MONACO DE SOUZA

OBRIGAÇÕES DO SÍNDICO: UM RESPEITO AO ORDENAMENTO NACIONAL E


REGIMENTAL OU PRÁTICAS INTUITIVAS DE RESOLUÇÕES?........................................46
CONRADO BURGOS T. GARCIA

CONFLITO ENTRE O CONDOMÍNIO E A CONSTRUTORA DO IMÓVEL POR VÍCIOS


CONSTRUTIVOS IDENTIFICADOS E O PODER DA EMPATIA E DE UM DOCINHO:
VIDA LEVE, PRÁTICA E SOLUCIONÁVEL.......................................................................51
CAROLINE ROSSETTI GRUBER

DIÁLOGO PÕE FIM A MISTÉRIO E DEVOLVE A PAZ A CONDOMÍNIO NO


INTERIOR DE MG.........................................................................................................57
CLEUZANY LOTT

A HISTÓRIA DO PORTEIRO QUE NÃO QUERIA SE VACINAR:


COMO A MEDIAÇÃO IMPEDIU UMA DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA............................61
DANIELA APARECIDA BIBIANO
“POSSO EMPRESTAR MEU APARTAMENTO PARA UM ESTRANHO? MAS ELE PAGA”....... 65
IVENS DE OLIVEIRA PINTO

CAPACITAÇÃO NA GESTÃO CONDOMINIAL..................................................................68


KARLLA CAETANO RIOS SABBAG
ELIANE APARECIDA SILVA DE ARAUJO

DE GOTA EM GOTA A INFILTRAÇÃO NOS SEPARA........................................................71


LUMENA DE CARVALHO FERREIRA

SOLUÇÕES EM CONFLITOS CONDOMINIAIS: INFILTRAÇÃO EM UNIDADES..................77


MÁRCIA REGINA DE MENDONÇA LIMA

COLISÕES NO PORTÃO DE VEÍCULO: DE QUEM É A RESPONSABILIDADE?


QUANDO É DO PORTEIRO, POSSO DESCONTAR DO SEU SALÁRIO?..............................84
MARÍLIA MENDES FERREIRA

DIFERENÇA ENTRE BARULHO E RUÍDO E A RESPONSABILIDADE DO SÍNDICO


NESSA RELAÇÃO DE CONFLITOS ENTRE AS UNIDADES...............................................91
PAULO FRANCISCO ALVES JÚNIOR

COMPLIANCE: UM CAMINHO ABERTO PARA RELAÇÕES ÉTICAS


NAS PRÁTICAS CONDOMINIAIS..................................................................................98
RENATA VAZ LOPES FELIX

SÍNDICO CONDÔMINO OU SÍNDICO PROFISSIONAL:


EXISTE DIFERENÇA LEGAL OU PRECONCEITO?..........................................................103
ZACARIAS BATISTA DE LIMA

A TÊNUE LINHA ENTRE O DIREITO DE VIZINHANÇA E O DIREITO CONDOMINIAL:


O PAPEL DO SÍNDICO NA CONTEMPORIZAÇÃO DESSES CONFLITOS.........................109
LUCIANA JULIÃO E SILVA CARIBÉ

RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO POR ATO PRATICADO POR CONDÔMINO......... 114


NATHALIA MARIA VIEIRA MOURA
APRESENTAÇÃO

Eram para ser alguns encontros entre as terças e quin-


tas-feiras. A noite nos pressionava a descansar, mas o último sus-
piro dizia: Levantem!
A missão da persecução do conhecimento nos estimula
a continuar a caminhada. E foi assim, de pegadas em pegadas,
construímos um castelo de escritas coloquiais que, hoje, nos dei-
xa vaidosos de participar de tão grandioso trabalho.
Os encontros tinham início, mas não fim. Éramos
muitos e de todos os lugares do Brasil. Uma pós-graduação que
une pessoas, descortina sentimentos e embriaga as alegrias da
convivência. Apesar das limitações geográficas, estávamos próxi-
mos em afetividade e sentimento.
Para alguns, a obra pode ser simples. O objetivo é
exatamente esse. Diante dos conflitos nascedouros das relações
condominiais, a grande missão é transformar um oceano de pro-
blemas em um grão de área incapaz de abalar as nascentes em
soluções que permearam os nossos encontros.
Nas relações condominiais, ninguém administra pré-
dios, casas, lojas; administra pessoas, que vivem em prédios.
Tentar ordenar essas relações como se fossem uma empresa ul-
tramoderna talvez seja um equívoco. As obrigações não são ver-
ticais, mas sim, horizontalizadas. A hierarquia não encontrou
guarita por aqui. Somos iguais em nossas quotas privativas e de-
liberativas. Os encontros da pós nos permitiram enxergar essas
vazantes e construir mecanismos reais de intervenções positivas.
O presente trabalho desenvolveu-se a partir dos vários
problemas advindos das relações em condomínios e suas cons-

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truções intrarrelacionais vivenciadas por cada um dos autores.
A ideia é extrair soluções não empíricas, mas com resultados
satisfatórios diante dos vários conflitos que envolvem o mundo
condominial.
Apresento-lhes uma obra simples e prática, mas que
estará com você em todos os momentos de dificuldade. Cada
um irá se identificar com os problemas e as soluções advindos
deste e-book. Optamos por nos afastar dos formalismos, dog-
matismos e das experiências rebuscadas. O beijo não precisa ser
explicado, mas sentido.
Seja bem-vindo a uma das obras mais apaixonantes que
tive o privilégio de participar, escrita por várias mãos, corações e
sentimentos convergindo para um propósito: auxiliá-lo em suas
demandas cotidianas. E saiba, você nunca estará só.
Agora, dê-me sua mão e vamos juntos desfrutar nossas
experiências. Eu sou Alessander Mendes, prazer em te ver por
aqui!

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SEXTA-FEIRA, 13 DE AGOSTO

Adilson L. Teixeira

No início do mês de agosto de 2021, precisamente


em uma sexta-feira 13, encontrava-me em uma festa de amigos,
quando fui abraçado por um desses inconvenientes, que falam
rápido e alto, a ponto de distribuírem gotículas salivares ao se
pronunciarem, nada bom para este período de pandemia. Essas
pessoas sempre aparecem nos piores momentos. Era o Gastão,
meu amigo de faculdade, que foi logo me apresentando a quatro
senhores, afirmando que eu resolveria o problema deles.
Após os ânimos serenarem, passei a ouvi-los e percebi
que precisavam de uma assistência jurídica no âmbito do di-
reito condominial, assunto pelo qual me interessei, já que sou
pós-graduado nesse ramo, formado pelo Centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas, CBEPJUR, onde fui aluno de um
corpo docente de primeira linha. Prosseguiram com a narrativa,
informando que residiam em um condomínio composto por
100 unidades simples e duas coberturas.
O que os estava incomodando eram os aumentos das
contas de água e energia nos últimos seis meses, fato esse leva-
do ao conhecimento do síndico, que afirmou nada poder fazer,
pois já havia sido feita vistoria tanto no sistema elétrico como
no hidráulico e nada tinha sido detectado de anormal. Disse
ainda que o aumento das tarifas se devia às concessionárias ines-
crupulosas, bem como aos condôminos denominados megalim-
pos, ou seja, aqueles que tomam três ou quatro banhos diários.

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Nada disso os convenceu e por isso estavam à procura de um
profissional da área para orientá-los. Resolvi abraçar a causa e
informei de início que era possível ser convocada uma assem-
bleia extraordinária por iniciativa dos condôminos, bastando
1/4 destes solicitar, conforme o que preceitua o art. 1355 do
CC. Fui mais além, precisávamos investigar todas as hipóteses
possíveis daquele aumento abrupto, no período de seis meses,
caso contrário, a assembleia seria um fiasco.
Conforme combinado, passei a visitar o condomínio
em dias e horários diversos, mais precisamente as áreas comuns,
sempre acompanhado de um condômino que compunha aque-
le 1/4 dos insatisfeitos. Cheguei a encontrar o síndico algumas
vezes e fui a ele apresentado, com a desculpa de ser um futuro
condômino. À primeira vista causou uma boa impressão. Era
educado, sociável, risonho e solícito, não sei como conseguia
essa proeza, pois, além das altas taxas extras, a inadimplência no
condomínio havia disparado.
Logo nos primeiros dias, percebi um movimento
grande de visitantes. Fui sabedor ainda de que as duas cobertu-
ras tinham acesso somente pelo elevador. O acesso pela escada,
sempre trancado. Em uma das coberturas alugadas residia um
casal de idosos, tranquilos e discretos, mas recebiam a maior
parte dos visitantes do prédio a qualquer hora do dia, noite e,
por incrível que pareça, de madrugada, com alegação de que
eram amigos e ali estavam para jogar biriba. Na outra cobertu-
ra, residiam cerca de dez meninas, universitárias, entre 20 e 25
anos. Segundo os porteiros, elas eram de outro estado, os pais
as bancavam e ocupavam o tempo todo assistindo a videoaulas.
As poucas vezes que desciam eram breves, logo retor-
navam. Chamavam a atenção pela beleza contagiante, eram ver-
dadeiras esculturas. Cheguei a ter o privilégio de me deparar
com duas beldades, ambas com esses vestidos de lycra, coladi-

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nhos ao corpo, sapatos “escarpin” e uma maquiagem impecável.
Quando desfilavam, os vestidos subiam numa velocidade incrí-
vel, a ponto de mostrar as belas formas.
Decepcionante para os olhos dos observadores era a
rapidez com que as meninas desciam os vestidos e os colocavam
numa altura razoável, acabando com a expectativa ousada dos
tarados de plantão. Não davam atenção a ninguém, exceto ao
síndico, a quem se dirigiam quando precisavam de alguma coi-
sa. Durante os seis meses em que ali estavam residindo, jamais
receberam uma visita.
Eu já estava inclusive gostando daquele lugar, pensei
em desistir da causa e mudar para aquele paraíso. Na esperança
de ver meus olhos serem lubrificados pelo colírio do dia ante-
rior, visitei mais uma vez o local. Dessa vez não tive muita sorte,
o colírio não foi pingado nas vistas, ou seja, nenhuma das uni-
versitárias desfilou pela passarela do condomínio.
De volta ao escritório, passei a analisar o que vi no
decorrer dos dias anteriores de forma bem profissional, aplican-
do toda a técnica aprendida na minha especialização. Se o casal
de idosos recebia tantas visitas à noite e de madrugada, com a
alegação de que eram aposentados e jogavam cartas, uma coisa
era certa: o movimento dos elevadores era maior para aquela
cobertura, consequentemente demandava mais energia e mais
gastos. Cheguei a constatar na portaria que, em um só dia, ha-
viam subido cerca de 23 visitantes... vão jogar biriba assim lá no
raio que os parta!
As universitárias estariam acima de qualquer suspeita...
não fosse por dois detalhes que me deixaram intrigado. Por que
as meninas, ao descerem da cobertura, estavam sempre maquia-
das, vestidas sensualmente, não demoravam na rua e não rece-
biam ninguém vindo de fora? Pensei até que fosse simpatia para

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o aprendizado dos estudos ser assimilado em alto nível, nunca se
sabe, mas tudo isso teria que ser esclarecido.
Procurei o meu amigo Gastão, que me colocou nessa
enrascada e, por ele morar em outro lugar, elaborei um plano.
Seria fácil ele se passar por viciado em carteado, por isso, propus
a ele chegar à portaria do prédio por volta das 18 horas e pedir
para ir à cobertura participar do jogo já conhecido pelo portei-
ro. Entreguei a ele R$ 500,00 para fazer a “fezinha’’ caso fosse
necessário, pois não sabíamos de nada o que acontecia lá. Fiquei
aguardando Gastão em um bar nas proximidades. Já haviam se
passado mais de três horas e Gastão nada de dar notícia. Mais
30 minutos e surgiu o cidadão, despenteado, amarrotado e visi-
velmente cansado.
Parecia ter brigado e apanhado bastante, pois exibia
alguns vermelhões pelos braços e pescoço. Imaginei que havia
levado uma surra dos seguranças, mas ele logo me tranquilizou.
Estava bem, exausto mas feliz, em face das emoções vividas na
cobertura. Precisava apenas respirar um pouco, segundo ele. Em
seguida, recuperado o fôlego, começou a contar que, para aces-
sar a cobertura, teve que se identificar através de uma câmera e
dizer o que queria. Tendo respondido “jogar biriba”, sem saber
que essa era a senha, teve acesso ao local.
Foi recepcionado por duas lindas mulheres, com ves-
tidos colantes e sapatos de salto alto, conduzido a um salão gi-
gante, onde havia várias máquinas de jogos eletrônicos, mesas
de carteado e apostadores, cerca de 50, ou seja, ali havia se insta-
lado um cassino clandestino. Para não dar “mancada”, arriscou
no bingo e conseguiu duplicar o valor de R$ 500,00 (oba, fiquei
logo contente, meu dinheiro havia retornado!).
Informou ainda que os poucos ganhadores, antes de
deixarem o recinto, o que foi o caso dele, eram beneficiados com

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“drinks” e convidados a uma sala “VIP”, que era nada menos
que uma casa de massagem situada na cobertura ao lado. As
duas tinham acesso entre si, onde cerca de sete ou oito meninas
lindas, bem maquiadas e vestidas somente com roupas íntimas,
faziam de tudo para levá-lo a um espaço reservado, onde um
letreiro luminoso informava “CANTINHO DO AMOR SEL-
VAGEM, VENHA, TIGRÃO!”.
Tudo isso, obviamente, mediante pagamento de uma
quantia que variava de acordo com a cara do cliente, não sua
aparência, mas sim o quanto havia ganhado na jogatina. Dificil-
mente um homem com um intelecto mediano conseguiria re-
sistir a tamanho assédio, elas eram sedutoras, ou seja “ajoelhou,
tem que rezar”. Antes que eu esquecesse, pedi a Gastão meu
dinheiro de volta, já que ele não havia perdido. Ele, então, in-
formou que não tinha mais dinheiro algum, nem mesmo o que
havia ganhado, pois, ao entrar no CANTINHO DO AMOR
SELVAGEM, ficou com três mulheres e cada uma levou R$
400,00, inclusive ficou devendo R$ 200,00 e teve que deixar
seu relógio como pagamento. Meu amigo estava liso, leso e lou-
co, mas demasiadamente satisfeito, se sentindo um verdadeiro
“TIGRÃO”.
Eu estava boquiaberto com tamanha engenhosidade
por parte do casal de idosos. Está certo que o Estatuto dos Ido-
sos e a Constituição Federal da República garantem um rol de
direitos e benefícios a eles, mas a exploração de jogo de azar
e manutenção de estabelecimento em que ocorra a exploração
sexual (nova redação), não possuem amparo legal e estão elenca-
dos respectivamente nos artigos 50 da LCP e artigo 229 do CP.
Levei ao conhecimento de meus clientes, que não sa-
biam de nada, tampouco que alguns moradores apoiavam o
“bingo’’ e até frequentavam, na esperança de ganharem um di-
nheirinho extra. Por isso eram simpáticos ao jogo de azar, não

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queriam denunciá-lo. A casa de massagem ao lado era uma for-
ma de a máfia do jogo auferir um lucro maior, ou seja, o capital
que ali chegasse, estrategicamente ali ficaria, em face da proeza
aventureira dos puladores de cerca, que não resistiam aos encan-
tos das “primas” e optavam pela comemoração desastrosa.
Em face do apurado, solicitei uma AGE, nos moldes
do art. 1355 do CC e inseri os itens a serem discutidos, inclusive
a destituição do síndico, com base no descumprimento do art.
1348 do CC. No dia da assembleia, fui munido de toda pa-
ciência do mundo para tentar efetuar uma mediação tranquila.
Ao me ser dada a palavra, como representante e advogado de ¼
dos condôminos, coloquei toda minha “expertise” pertinente ao
tema, inclusive as consequências cíveis e criminais.
Tive como foco que no jogo de azar só quem ganha
é o banqueiro e que o lucro é ilusório, sem contar que as duas
atividades ilícitas pertenciam a um mesmo grupo. Isso estava
aumentando a inadimplência no condomínio, haja vista a fre-
quência de moradores adeptos ao esquema. Consequentemente
havia evasão de recursos em detrimento das obrigações condo-
miniais.
Em resumo, as esposas, que não sabiam da escapadi-
nha dos maridos, ficaram revoltadas e iniciou-se uma confusão
generalizada. Elas queriam subir e quebrar as coberturas, agre-
dir as “primas”. Nessa altura, as meninas que souberam “deram
linha na pipa”, fugiram. Consegui dissuadir as esposas daquele
instinto e convencê-las de que deveríamos aprovar os itens de
forma democrática e civilizada, não permitindo que o episódio
nefasto se tornasse público a pessoas externas, pois o condomí-
nio ficaria mal afamado, desvalorizado e possivelmente apelida-
do de “Gaiola das Loucas”.

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O síndico quase foi agredido, inclusive ameaçado por
um morador que estava armado com uma pistola, pois ficou
evidenciado que recebia vantagens para fazer vista grossa e dar
acesso livre para frequentar as atividades ora contestadas. Não
tive outra opção, intercedi no conflito e mediei de forma habili-
dosa, no sentido de que o síndico se retirasse da assembleia, para
tentarmos resolver a questão da ameaça no dia seguinte, já com
ânimos calmos. O condômino, policial militar, aceitou a ideia e
permaneceu no recinto.
Assim sendo, a votação prosseguiu e conseguimos
aprovação total dos itens, ou seja: a retirada imediata das ati-
vidades elencadas, com base no art. 1336 do CC; a destituição
do síndico e a eleição do substituto; a construção de uma praça
para os aposentados jogarem cartas, dominó e damas; a organi-
zação de um bingo beneficente, com a premiação toda em mer-
cadorias doadas por empresas parceiras e o lucro repassado a um
orfanato aleatório; as coberturas desocupadas, após rescisão do
contrato com fulcro no art. 1336 IV do CC e o retorno das me-
ninas aos seus lares, pois eram vítimas, limitadas naquele espaço
e sob o jugo dos barões do jogo. Algumas precisaram inclusive
de acompanhamento psicológico. O casal de idosos, já conheci-
do nesse ramo e procurado pela polícia, evadiu-se rapidamente,
abandonando todo o equipamento.
No dia seguinte, conforme prometido, voltei ao con-
domínio, conversei com o síndico e com o condômino PM.
Ambos se desculparam e, de forma civilizada, não quiseram
levar o caso adiante, após eu ter avisado que mais valia uma
solução amigável do que uma demanda judicial. Expliquei que
houve excesso de ambas as partes, existindo a possibilidade da
aplicação de penalidades recíprocas e o convívio entre eles seria
inevitável por serem moradores.

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Com a nova administração e a fiscalização dos condô-
minos, tudo mudou para melhor. A arrecadação aumentou, a
inadimplência caiu e as contas de consumo diminuíram, pois foi
localizada uma subtração clandestina de água e luz, nas cobertu-
ras, famoso “gato”, em detrimento do condomínio.
Final feliz para todos, inclusive para mim, que fui con-
vidado a ser advogado do condomínio. Moral da história: BAN-
DIDOS TAMBÉM ENVELHECEM, NEM TUDO QUE
RELUZ É OURO e NÃO SE PERDE NADA POR OUVIR,
MAS SIM POR DEIXAR DE OUVIR. Palavras direcionadas
ao casal de idosos rufião, às meninas lindas, mas vítimas do sis-
tema capitalista, e ao amigo chato, Gastão, que me apresentou
os condôminos e me ajudou na resolução dos problemas. Des-
fecho inimaginável para algo que teve início em uma sexta-feira,
13 de agosto!

SOBRE O AUTOR

Adilson L. Teixeira - Natural do Rio de Janeiro, bacharel em Ad-


ministração de Empresas e Direito, formado em Gestor de Pro-
priedades Urbanas e pós-graduado em Direito Condominial pela
CBEPJUR. Elaborou este fato com base na realidade da cidade do
Rio de Janeiro.

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SOLICITAÇÃO DE IMAGENS E INFORMAÇÕES PESSO-
AIS NOS CONDOMÍNIOS – QUAIS CUIDADOS O SÍNDI-
CO PRECISA OBSERVAR?

Ariádine Grossi

É muito comum nos condomínios que os síndicos, no


decorrer de seus mandatos, recebam solicitações por parte dos
moradores/condôminos de acesso a imagens do circuito inter-
no, informações de acesso e dados cadastrais de visitantes, pres-
tadores de serviços, vizinhos, etc.
Mais comum ainda é o assédio de empresas interessa-
das neste banco de dados, visando à captação de clientes, che-
gam ao ponto de aliciar colaboradores da portaria e demais fun-
ções na intenção de “comprar” tais informações.
No entanto, a questão não é tão simples quanto parece,
pois envolve a colisão de alguns direitos, dentre eles o direito à
inviolabilidade, honra e à vida privada, resguardados pela Cons-
tituição Federal, no art. 5°, X, com o fito de zelar pela segurança
e privacidade de todos que habitam e transitam pelo local.
Por tal razão, os gestores devem dar às imagens e infor-
mações cadastrais o devido cuidado que merecem, sendo medi-
da de exceção a liberação para terceiros. Deverá ser dispensada
atenção redobrada aos dados pessoais que são coletados normal-
mente através da portaria do condomínio, ou de aplicativos, e
que passaram a ser tutelados por lei, que já está em vigor, con-
tando inclusive com aplicação de penalidades.

19
A Lei Geral de Proteção de Dados, ou LGPD (Lei
13.709/2018), que fora inspirada na GDPR (“General Data
Protection Regulation”), norma aprovada e válida para regula-
mentar a privacidade e proteção de dados pessoais na União Eu-
ropeia, estabelece padrões normativos sobre a proteção e a forma
de se realizar o tratamento de dados pessoais, dando maior en-
foque aos denominados “dados sensíveis”, que são informações
relacionadas à etnia, religião, preferências sexuais, entre outros
(art. 5º, II da LGPD – Lei 13.709/2018).
Essa lei afeta diretamente todas as organizações (como
as empresas públicas e privadas) dos mais variados setores e ser-
viços, e no universo condominial não seria diferente, síndicos,
administradoras, empresas de portaria remota, terceirizados e
demais empresas em geral devem se atentar para as adequações
exigidas.
Em uma análise sistemática é possível verificar que a
intenção do legislador pátrio é preservar e garantir o direito à
privacidade dos titulares de dados pessoais, mediante a criação
de um sistema de salvaguardas desse direito, uma vez que nos
tempos atuais as informações correm em alta velocidade, po-
dendo causar verdadeiros estragos pessoais e reputacionais ao
cidadão.
O pontapé inicial da gestão condominial será en-
tender o que são os dados pessoais/sensíveis, e por onde estes
entram e percorrem dentro daquele universo.
Conforme definido pela lei (art. 5º), dado sensível sig-
nifica qualquer informação relacionada à pessoa natural iden-
tificável, como nome, número de CPF e RG, preferências de
consumo, contato telefônico, endereço, etc., além de englobar
as imagens capturadas nos circuitos internos CFTV.

20
Também é salutar compreender o que a lei entende
por TRATAMENTO de dados, que são todas as ações que
envolvem desde a simples coleta dos dados, ao compartilhamento
com demais pessoas/empresas, armazenamento, descarte, etc.
Após assimilar quais são esses dados e o que significa
tratá-los, o síndico conseguirá visualizar os eventuais gargalos do
condomínio, e assim poderá criar procedimentos e medidas para
evitar o vazamento dessas informações e a sua correta utilização.
A ideia do estudo do tema não é causar qualquer temor
aos operadores, mas sim conscientizar, uma vez que os dados
pessoais podem e devem ser coletados pelos condomínios, bus-
cando a segurança que também é um dever legal do síndico,
todavia é necessário o devido cuidado/tratamento, permitindo
que eles sejam utilizados unicamente para aquela finalidade à
qual realmente se destinam, com base em uma das hipóteses
legais elencadas no art. 7° e art. 11 da LGPD, uma vez que, uti-
lizados indevidamente, poderão causar consequências, inclusive
prejuízos pecuniários à massa condominial.
Trazendo a questão para a prática, vamos tratar de al-
guns exemplos para melhor elucidação.
Quando um condômino solicita acesso a informa-
ções ou imagens de terceiro que acessou o condomínio para
fins pessoais (ex. verificar se o marido recebeu visitas em sua
ausência, ou se sua funcionária está cumprindo seus horários de
trabalho). Nesses casos a solicitação deve ser negada, a menos
que exista o consentimento específico e prévio do titular dos
dados, ressaltando que este poderá se opor à liberação do acesso
de terceiros a sua imagem/informações.
Logo, a criação de um procedimento específico e cla-
ro que regulamente esse acesso é a medida recomendável para

21
evitar ações judiciais por violação à LGPD, bem como para dis-
pensar um tratamento igualitário aos solicitantes/condôminos.
Por outro lado, existem casos em que as informações/
imagens deverão ser concedidas, uma vez que sua coleta possui
finalidade, que via de regra é a segurança do condomínio. As-
sim sendo, no caso de uma prática criminosa, bem como em
caso de requerimento de dados e imagens por autoridades,
através de requerimento formal/decisão judicial, deverão ser
prontamente cedidas.
Outro exemplo comum é a solicitação de imagens em
razão do desparecimento de um animal de estimação. Nesse
caso, ou em outros similares, apesar de ser um interesse indivi-
dual, o condomínio não precisa ser tão rígido, podendo colabo-
rar com o condômino, desde que tomados os devidos cuidados,
como a visualização prévia da imagem, resguardando o direito
de terceiros que possam nelas constar, permitindo ao solicitante
que apenas assista à imagem na presença de um representante da
administração, mas não a reproduza.
Por isso é importante estabelecer condutas positi-
vas e simplificadas visando à adequação dos condomínios,
podendo ser iniciado através de algumas simples e eficazes
medidas:
a) Previamente o síndico deverá:
• mapear os pontos de entrada dessas informações/
imagens (Quem coleta os dados? Quem tem acesso
aos dados? Onde são armazenados? Por quanto tem-
po são armazenados? Como são descartados?);
• gerir os setores de risco;
• criar procedimentos internos padrões para solicita-
ção de informações e imagens;

22
• treinamento/capacitação da Administração e cola-
boradores.
b) Após o recebimento do requerimento o síndico deverá:
• verificar quem é o autor da solicitação. Se autorida-
de pública ou judiciária, as informações deverão ser
prontamente cedidas, se o requerimento partir de
pessoa privada, será necessário passar a análise dos
próximos pontos.
• analisar a finalidade do requerimento, se condizente
com a finalidade da coleta;
• se a liberação das imagens/informações viola o direi-
to de terceiro;
• em caso de dúvida solicitar auxílio ao jurídico do
condomínio.
Inicialmente a implementação de procedimentos po-
derá gerar algum desconforto entre a comunidade condominial
local, porém a Administração deverá enfatizar a necessidade de
criação dessa cultura pautada na privacidade e proteção de da-
dos e na gestão de riscos, diante das penalidades impostas pela
lei, e divulgar tais regras e boas práticas de forma preventiva.
Ademais, tal assunto merece total atenção, pois esta-
mos diante de uma colisão de obrigações do síndico, que tem o
dever legal de zelar tanto pela segurança do condomínio como
pela proteção de dados.

REFERÊNCIA
https://www.migalhas.com.br/depeso/341681/a-aplicabilidade-da-
-lei-geral-de-protecao-de-dados-ao-mercado. Acesso em: 11 jul. 2022.

23
SOBRE O AUTOR

Ariádine Grossi - Advogada associada do Escritório Peixoto &


Cintra Advogados, Head das áreas de Direito Condominial e Imo-
biliário, especialista em Direito Processual Civil – Teoria e Prática
do Novo CPC, pela Fundação Escola Superior do Ministério Pú-
blico de Mato Grosso (2016), pós-graduada em Direito Condo-
minial, pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurídicas
(2021/2022), membro da comissão de Direito e de Direito Con-
dominial, da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Mato
Grosso, presidente da Comissão de Direito Condominial da Iamat,
consultora condominial e palestrante.

24
OS CONFLITOS DE CONVIVÊNCIA CAUSADOS
PELOS ANIMAIS EM CONDOMÍNIOS

Tiago Anderson Luz França

O crescimento de moradias em condomínios tem ge-


rado uma série de conflitos de vizinhança entre pessoas que não
estavam habituadas às regras de convivência que recaem sobre
essa forma de habitação. Entre os campeões de discórdias, es-
tão os animais domésticos. Neste artigo, abordaremos quais os
principais conflitos da convivência dos animais domésticos no
condomínio, a quem pertence a responsabilidade na resolução
dessas demandas e quais medidas podem ser tomadas para pre-
venir ou minorar os problemas.
Inicialmente, é necessário ressaltar que a Convenção
do Condomínio não pode proibir a permanência dos animais,
uma vez que estaria violando o direito de propriedade dos con-
dôminos.
Nesse sentido, aduz Rosely Schwartz1 quando afirma
que “somente poderá haver vedações da permanência em caso
de animais que causem transtornos ao condomínio e aos mora-
dores como barulho, agressividade e ameaça a saúde pública”. O
fundamento legal para essa assertiva está contido no art. 10 da
Lei nº. 4591/64, art. 1277 e art. 1336 da Lei nº. 10406/2002
(Código Civil), que segue em destaque:

1 SCHWARTZ, Rosely Benevides de Oliveira. Revolucionando o Condomínio: saiba


se seu condomínio é bem administrado. 15. ed. São Paulo/SP: Saraiva, 2017. p. 257.

25
Lei nº. 4591/64
Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
III - destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do
prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à
salubridade e à segurança dos demais condôminos;
Lei nº. 10406/2002 (Código Civil)
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio
tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à
segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provo-
cadas pela utilização de propriedade vizinha.
Art. 1.336. São deveres do condômino:
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edi-
ficação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons cos-
tumes.

A orientação jurisprudencial dos tribunais brasileiros é


no sentido de que a Convenção do Condomínio somente pode
proibir a permanência do animal quando este violar as regras
de sossego, salubridade e segurança, conforme decisão abaixo:

RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. ANIMAIS.


CONVENÇÃO. REGIMENTO INTERNO. PROIBI-
ÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Re-
curso especial interposto contra acórdão publicado na vi-
gência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados
Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a
definir se a convenção condominial pode impedir a criação
de animais de qualquer espécie em unidades autônomas do
condomínio. 3. Se a convenção não regular a matéria, o
condômino pode criar animais em sua unidade autônoma,
desde que não viole os deveres previstos nos arts. 1.336, IV,
do CC/2002 e 19 da Lei nº 4.591/1964. 4. Se a convenção

26
veda apenas a permanência de animais causadores de incô-
modos aos demais moradores, a norma condominial não
apresenta, de plano, nenhuma ilegalidade. 5. Se a conven-
ção proíbe a criação e a guarda de animais de quaisquer
espécies, a restrição pode se revelar desarrazoada, haja
vista determinados animais não apresentarem risco à
incolumidade e à tranquilidade dos demais moradores
e dos frequentadores ocasionais do condomínio. 6. Na
hipótese, a restrição imposta ao condômino não se mostra
legítima, visto que condomínio não demonstrou nenhum
fato concreto apto a comprovar que o animal (gato) pro-
voque prejuízos à segurança, à higiene, à saúde e ao sossego
dos demais moradores. 7. Recurso especial provido. STJ -
REsp: 1783076 DF 2018/0229935-9, Relator: Ministro
RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento:
14/05/2019, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publi-
cação: REPDJe 19/08/2019 DJe 24/05/2019 (Grifos do
autor).

Dessa forma, inúmeras convenções condominiais que


utilizam os critérios de raça, porte e quantidade para limitar a
convivência dos animais estão eivadas de nulidade, por violar o
direito de propriedade dos condôminos — o que não deve ser
executado pela administração condominial.
Superada a argumentação de impossibilidade da per-
manência dos animais em condomínios, os condôminos de-
verão se preocupar em estabelecer regras claras no Regimento
Interno para dirimir os conflitos de barulhos dos animais, bem
como maus odores, transporte nas áreas comuns e, principal-
mente, limpeza dos excrementos.
O barulho dos animais é natural, afinal eles se comu-
nicam através do som. O problema ocorre quando a produção
do ruído de um cão ao latir ou de uma ave ao gorjear passa a ser

27
ininterrupta a ponto de incomodar o sossego dos condôminos
vizinhos.
Ao analisar o caso concreto, a administração do con-
domínio deverá levar em consideração os horários do som e o
volume de decibéis. A Convenção e/ou o Regimento Interno
já disciplinam os horários em que é permitido fazer barulhos,
sendo esses horários em sua maioria das 8h às 22h. Outra in-
dicação é a Lei do Silêncio, que, em geral, determina que os
barulhos não podem ultrapassar os 55 decibéis para o período
diurno, das 7h às 20h, e 50 decibéis para o período noturno,
das 20h às 7h.
Outro conflito encontrado na permanência de animais
em condomínio é a perturbação através dos odores exalados da
unidade residencial. Em geral, o presente problema é ocasiona-
do por falta de assepsia dos animais que ficam em confinamento
por maior tempo ou até mesmo o excesso deles nas residências.
Nesse ponto, maior frequência na limpeza dos animais e dos
locais em que fazem suas necessidades fisiológicas já resolve o
problema do incômodo pelo mau odor.
O trânsito dos animais pelas áreas comuns é outro ele-
mento de discórdia no condomínio e que necessita de regras,
sempre respeitando a legislação vigente. Nesse sentido, leciona
Rodrigo Karpat2 que pode o condomínio exigir que os animais:

Transitem pelos elevadores de serviços, e quando necessário


exigir que no interior do edifício o animal somente percorra
as áreas de serviço; proibir que circule em áreas comuns;
requisitar a carteira de vacinação para comprovar que o ani-
mal goza de boa saúde; circulação somente com guia ou uso
de focinheira para as raças específicas.

2 KARPAT, Rodrigo. Questões recorrentes da vida em condomínio. 1. ed. Curi-


tiba: Bonijuris, 2020. p. 96.

28
Não obstante, não é razoável a exigência de transporte
dos animais no colo, uma vez que alguns deles podem ser bas-
tante pesados. Daphnis Citti de Lauro3 cita o exemplo do cão
de porte médio que pesa 35 quilos. Naturalmente, não pode ser
transportado no colo pelas áreas comuns ou ainda animais de
pessoas idosas e com problemas de mobilidade e/ou saúde, que
podem não suportar essa carga do animal. Nesses casos, estariam
inviabilizando a permanência do animal no condomínio.
O campeão de reclamações é a ausência de limpeza dos
dejetos dos animais durante o passeio nas áreas comuns. Mui-
tos animais domésticos, principalmente cães e gatos, precisam
passear pelo condomínio como forma de se exercitar e liberar o
estresse do confinamento. Ocorre que, nesse percurso, acabam
por fazer suas necessidades, que na maioria das vezes não são
recolhidas imediatamente pelos condôminos.
Para a administração do condomínio, a forma mais em-
pática de resolver a questão é realizar campanhas educativas en-
tre os condôminos, porém, caso não surta efeito, é salutar que se
apliquem as penalidades previstas no Regimento Interno e Con-
venção.
Os conflitos acima apontados são, via de regra, de res-
ponsabilidade do condômino proprietário dos animais. Orandyr
Luz4 definiu bem a relação da responsabilidade do proprietário
pelos conflitos originários da permanência dos animais quando
afirmou que se “há reclamações envolvendo um animal domés-
tico é possível arriscar que um ser humano insensível, omisso,
insensato consta no enredo” do problema, uma vez que “manter
animais em condomínio é uma atitude que requer uma extraor-

3 LAURO, Daphnis Citti de. Problemas em Condomínio. 4. ed. Leme/SP: Edito-


ra e Distribuidora de livros Mundo Jurídico, 2020. p. 107.
4 LUZ, Orandyr Teixeira. O Condomínio & Você: práticas de gestão condomi-
nial. Curitiba: Juruá, 2018.

29
dinária capacidade de respeitar seu instinto, e ficar de olho para
que não se estressem”.
A responsabilidade civil do proprietário é reconhecida
na orientação jurisprudencial dos tribunais pátrios, conforme
decisões abaixo:

Responsabilidade civil – Ataque por cão feroz da raça pi-


tbull ocorrido dentro das dependência de Condomínio
– Ação de reparação de danos morais – Culpa in vigilando
do proprietário do animal – Artigo 936 do CC – Respon-
sabilidade objetiva do dono do animal – Ilegitimidade
de parte em relação ao Condomínio bem reconhecida,
porquanto, em convenção, não assumiu qualquer obriga-
ção de segurança sobre animais dos condôminos – Danos
morais configurados – Lesão à integridade física – Indeniza-
ção majorada para R$ 5.000,00 – Ação julgada procedente
– Sentença reformada parcialmente - Recurso provido em
parte. TJ-SP - AC: 10898228120178260100 SP 1089822-
81.2017.8.26.0100, Relator: Edgard Rosa, Data de Julga-
mento: 30/11/2018, 25ª Câmara de Direito Privado, Data
de Publicação: 30/11/2018 (Grifos do autor).

RECURSOS INOMINADOS (2). MATÉRIA RESI-


DUAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS
E MORAIS. ATAQUE DE ANIMAL (CACHORROS)
DE GRANDE PORTE EM ÁREA DE PET DE CON-
DOMÍNIO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO CON-
DOMÍNIO. RECONHECIMENTO. PREVISÃO EM
ESTATUTO QUANTO A NECESSIDADE DE USO
DE FOCINHEIRA. RESPONSABILIDADE DO PRO-
PRIETÁRIO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. REJEI-
TADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E
MORAIS. OCORRÊNCIA. VALORES CORRETAMEN-
TE ARBITRADOS. DANOS MORAIS INDIRETOS

30
(RICOCHETE). LEGITIMIDADE ATIVA. DATA DA
INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE
OS DANOS MORAIS CONTA-SE DO ARBITRAMEN-
TO E OS JUROS DE MORA, POR SE TRATAR DE ATO
ILÍCITO, DESDE O EVENTO DANOSO. AUSÊNCIA
DE ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE RECURSO DOS
AUTORES QUANTO A DECISÃO QUE NÃO CON-
CEDEU OS BENEFÍCIOS DA ASSISTÊNCIA JUDI-
CIÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. SENTENÇA PAR-
CIALMENTE REFORMADA. RECURSO (1) CONHE-
CIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO (2)
PARCIALMENTE CONHECIDO E NA PARTE CO-
NHECIDA DESPROVIDO. (TJPR - 2ª Turma Recursal
- 0007885-22.2019.8.16.0182 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE
DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS
ESPECIAIS IRINEU STEIN JUNIOR - J. 13.08.2021)
(TJ-PR - RI: 00078852220198160182 Curitiba 0007885-
22.2019.8.16.0182 (Acórdão), Relator: Irineu Stein Junior,
Data de Julgamento: 13/08/2021, 2ª Turma Recursal, Data
de Publicação: 16/08/2021) - (Grifos do autor).

Desse modo, ao condomínio compete apenas fiscali-


zar a violação dos deveres dos condôminos, orientar na melhor
execução das regras da Convenção e Regimento Interno, mediar
os conflitos originários da permanência dos animais e, por fim,
aplicar as penalidades administrativas em caso de infração.
A verdade é que os conflitos originários da permanên-
cia de animais em condomínio, muito mais do que a aplicação
da letra fria da norma condominial, necessitam de uma análise
concreta. Nesse sentido, filio-me aos ensinamentos de Silvio Sal-
vo Venosa5, que, ao discorrer sobre o assunto, asseverou que o
“bom senso determinará a solução para cada caso”.

5 VENOSA, Silvio de Salvo. Condomínio em Edifícios. 1. ed. Indaiatuba/SP:


Editora Foco, 2021. p. 82

31
Portanto, conclui-se que algumas condutas podem ser
adotadas a ponto de prevenir ou minorar os conflitos condomi-
niais oriundos da permanência de animais, sendo eles: campa-
nha educativa com cartazes de conscientização aos moradores e
dicas para minimizar ruídos dos animais; definir espaços pró-
prios para circulação dos animais (espaços pets), evitar deixar os
animais por muito tempo sozinhos e realizar a limpeza imediata
dos dejetos.

REFERÊNCIAS
KARPAT, Rodrigo. Questões recorrentes da vida em condomínio.
1. ed. Curitiba: Bonijuris, 2020. p. 96.
LAURO, Daphnis Citti de. Problemas em condomínio. 4. ed. Leme/
SP: Editora e Distribuidora de livros Mundo Jurídico, 2020. p. 107.
LUZ, Orandyr Teixeira. O condomínio & você: práticas de gestão
condominial. Curitiba: Juruá, 2018.
SCHWARTZ, Rosely Benevides de Oliveira. Revolucionando o
condomínio: saiba se seu condomínio é bem administrado. 15. ed.
São Paulo/SP: Saraiva, 2017. p. 257.
VENOSA, Silvio de Salvo. Condomínio em edifícios. 1. ed. Indaia-
tuba/SP: Editora Foco, 2021. p. 82.

SOBRE O AUTOR

Tiago Anderson Luz França - Advogado Condominialista. Pós-


-graduando em Direito e Gestão Condominial pela CBEPJUR, pós-
-graduando em Direito Condominial pela CBEPJUR, membro da
Comissão de Direito Condominial da OAB/MA.

32
RESPIRANDO A FUMAÇA DO OUTRO. NUM MESMO
CONDOMÍNIO TRÊS CASES, TRÊS ABORDAGENS E
TRÊS SUCESSOS

Gláucia La Regina

Popularmente conhecida como “Lei Antifumo”, a


Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011, regulamentada e em
vigor desde 3 de dezembro de 2014, proibiu o ato de fumar
cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilés e outros produtos
“em locais de uso coletivo, públicos ou privados, como hall e
corredores de condomínio, restaurantes e clubes, mesmo que o
ambiente esteja parcialmente fechado por uma parede, divisória,
teto ou até toldo”.
Destarte, os moradores de condomínios podem fumar
nas suas unidades respeitadas as disposições do artigo 1336,
IV, do Código Civil; ou seja, sem perturbar nem prejudicar o
sossego, a salubridade e a segurança dos demais condôminos.
Isso posto, passemos ao relato de como a utilização de
técnicas de mediação proporcionaram êxito na solução de con-
flitos oriundos do ato de fumar, mostrando-se remédio eficaz
e eficiente na busca de resultados positivos e satisfatórios para
todos os envolvidos.
Trata-se de um condomínio grande, com muitas uni-
dades e os apartamentos possuem sacadas. Usualmente os mora-
dores fumavam cigarros, narguilés e outros exatamente nos ter-
raços. Consequentemente, a fumaça e o cheiro propagavam-se,
incomodando os vizinhos. E assim iniciaram-se as contendas.

33
Primordial frisar, desde já, que o intuito principal, nos
três cases, era a solução dos conflitos, a conscientização dos mo-
radores para encontrarem possibilidades de convivência pacífi-
ca e harmoniosa. A simples aplicação de advertências e multas,
num primeiro momento, sem as etapas de ouvir e acolher as
partes, na grande maioria das vezes torna-se infrutífera e o sín-
dico converte-se em mero distribuidor de sanções. Dessa forma,
o problema permanece, podendo, inclusive, progredir e aumen-
tar, com a crescente irritação das partes envolvidas e consequen-
te desgaste nas relações de vizinhança e da gestão. Advertências e
multas consistem nos últimos recursos, empregados apenas após
as “negociações”.

PRIMEIRO CASE
Joaquim fumava narguilé e Agnes sentia enjoos e ton-
turas, provocados pelo cheiro acentuadamente doce do fumo
predileto de Joaquim. Afinal, pensava Joaquim, se eu fumo “na
minha” sacada, dentro do meu apartamento, qual o problema?
Enquanto isso, no apartamento ao lado a vizinha Agnes sen-
tia-se extremamente incomodada com a fumaça e o cheiro que
“saíam” da sacada do Joaquim e “entravam” direto no seu apar-
tamento. Joaquim não imaginava o transtorno causado enquan-
to fumava e relaxava, apreciando a paisagem, além de evitar que
o forte odor produzido pelo fumo ficasse impregnado na sua
mobília e cortinas. Agnes não compreendia por que o vizinho
precisava justamente fumar no terraço e “empestear” o seu lar
cuidado com tanto esmero.
Agnes veio falar conosco, na presença do zelador, mui-
to tímida, não se sentia à vontade para fazer uma reclamação
formal. Joaquim morava sozinho, gostava muito do zelador e

34
conversavam muito. Optamos, então, como uma primeira abor-
dagem na tentativa de chegar a uma boa composição para Agnes
e Joaquim, por uma conversa informal do zelador com Joaquim,
já que possuíam um bom relacionamento e Joaquim o conside-
rava como um amigo.
Concomitantemente, iniciamos uma campanha de
conscientização e orientação, afixando cartazes nas áreas comuns
e elevadores. Enviamos, também, a circular6 abaixo a todos os
moradores com alguns questionamentos que tivessem o condão
de fazê-los refletir sobre o impacto da fumaça e dos cheiros na
vizinhança, além dos perigos das bitucas jogadas pelas janelas e/
ou varandas:

“Prezados Condôminos,
Já parou para pensar que o cheiro pode incomodar tanto
quanto um barulho? E que talvez, o cheiro do seu cigarro
ou fumo em geral incomode muito seus vizinhos?
A ideia não é impedi-lo de fumar em sua unidade! Porém,
fica aqui o convite para a reflexão: você gostaria de sentir
cheiro de churrasco todos os dias, de manhã, de tarde e de
noite? De segunda a segunda? Ou aquele cheiro de perfume
doce? Ou de produto de limpeza?
Imaginamos que não.
Diante do exposto, e tendo em vista as constantes reclama-
ções recebidas ultimamente acerca deste assunto, solicita-
mos especial atenção para que não prejudiquem o sossego
da coletividade.
Ainda falando sobre esse assunto, é de fundamental im-
portância que não se jogue lixo pela janela. Bitucas acesas
podem entrar em uma unidade e iniciar um incêndio, quei-
mar uma pessoa ou um animal de estimação. As apagadas

6 A circular do site Sindiconet foi adaptada.

35
vão se acumulando no chão dando um aspecto de sujeira e
falta de higiene ao condomínio.
Contamos com a sua ajuda e colaboração, visto que o nosso
intuito é de preservar o interesse e sossego da coletividade.”

Estando o “caminho preparado” pela campanha, o ze-


lador conversou com Joaquim e esse diálogo informal surtiu os
efeitos desejados: Joaquim passou a fumar dentro da sua unida-
de e não mais no terraço. Tomara todos os casos se resolvessem
tão fácil e rapidamente assim!

SEGUNDO CASE
Adelino, que mora sozinho, filho de Renato, consome
drogas na unidade. O vizinho João está bastante incomodado e
irritado, essa situação acontece há muito tempo e a gestão ante-
rior nunca havia tomado nenhuma providência, apesar de ele ter
feito inúmeras reclamações.
João relata sentir-se desconsiderado e desrespeitado na
sua condição de morador. Por sua vez, como nunca foi orien-
tado, muito menos advertido, Adelino sente-se à vontade para
continuar fumando. Renato, seu pai, proprietário do aparta-
mento, também nunca foi chamado para conversar. Nesse caso,
a campanha de conscientização não surtiu nenhum efeito.
Pensando, então, na melhor estratégia para abordar
a questão, pedimos que João nos avisasse, imediatamente, na
próxima ocasião que sentisse o cheiro forte da droga, para que
o zelador pudesse, imediatamente, ir até a unidade verificar se
o cheiro estava realmente lá se originando e, então, dizer para
Adelino que o forte cheiro e a fumaça, sem mencionar o uso
de drogas de modo algum, estavam incomodando os vizinhos

36
que poderiam, inclusive, caso o cheiro e a fumaça continuassem,
formalizar uma reclamação para a síndica. Assim foi feito. Adeli-
no mostrou-se bastante receptivo às orientações do zelador mas,
decorridos alguns dias, voltou a fumar.
Diante disso, conversamos com ele, reforçando as
orientações, explicando, novamente, que o cheiro forte e a fu-
maça estavam incomodando os vizinhos. Decorrido um certo
tempo de calmaria, João voltou a reclamar. Notamos que, por
sentir-se ouvido, recebendo “feedback” de todas as tratativas, sa-
bendo que suas necessidades estavam sendo levadas em conta
e constatando nosso empenho em resolver a delicada questão,
João estava mais tranquilo, apesar do incômodo, falando, inclu-
sive, de modo muito mais sereno.
Contatamos Renato, pai de Adelino e proprietário da
unidade, expondo a situação, sem mencionar a palavra droga.
Durante a conversa percebemos, nas entrelinhas, que Renato
tinha consciência do problema. Relatamos todas as medidas to-
madas até o momento e solicitamos que ele interviesse e con-
versasse com o filho. Ele, como todos os demais condôminos,
havia recebido a circular. Explicamos que o problema vinha de
longa data e que nossa administração não poderia ser omissa,
sendo o nosso foco sanar a questão. Entretanto, dali para frente,
não nos restaria alternativa a não ser adverti-lo e, na reincidên-
cia, multá-lo se Adelino mantivesse o comportamento. Renato
comprometeu-se a conversar com o filho.
Mais um período de tranquilidade, até recebermos
nova reclamação de João. Destarte, esgotadas as tentativas de
conscientização, enviamos uma advertência, a qual Renato res-
pondeu, alegando, pela primeira vez, que o cheiro era de incen-
so, numa tentativa de defesa. Supusemos que, habituados ao
descaso da administração anterior, talvez eles não acreditassem
que poderiam, efetivamente, receber uma advertência.

37
Bem, felizmente, até o momento não recebemos mais
nenhuma reclamação, nem de João nem de outro vizinho “de
terraço” e já se passaram muitos meses.

TERCEIRO CASE
Cristina é casada e tem dois filhos pequenos. Seu vizi-
nho, Airton, fumava um determinado tipo de droga na sacada,
perturbando o sossego da família com o odor forte e a fumaça.
Similar ao case anterior, tal fato era recorrente e acontecia há
bastante tempo, sem que a antiga administração sequer tomasse
conhecimento das reclamações de Cristina, que, além de desgos-
tosa, mantinha-se revoltadíssima com toda a circunstância. A
campanha de conscientização também não surtiu nenhum efei-
to nesse caso. Muito nervosa, Cristina veio conversar demons-
trando claramente toda sua indignação com o comportamento
do vizinho e com a falta de providências da gestão anterior.
O apartamento estava locado para um empresário que,
além dele próprio, alojava um ou dois funcionários lá. Num pri-
meiro momento, dialogamos com o empresário Sérgio e, como
de costume, não fizemos alusão ao consumo de drogas, apenas
aos transtornos decorrentes da fumaça e do forte odor. Sérgio
sentiu-se ofendido, alegou que um de seus funcionários fuma-
va um inofensivo cigarro de palha e negou veementemente que
fumassem no terraço, apesar de Cristina ter visto, numerosas
vezes, tal fato ocorrer. Afirmou que o cheiro e a fumaça vinham
do outro bloco e ameaçou acionar o condomínio. Com muita
calma, expliquei o incômodo da vizinha e seus familiares e pedi
que ele conversasse com seus funcionários, apenas para “checar”
se, eventualmente, não estariam fumando o tal cigarro na sa-
cada. Pouco tempo depois, Sérgio telefonou reafirmando que,

38
no momento da reclamação, apenas um funcionário estava no
apartamento e que ele não estava fumando na sacada.
Como já imaginávamos, pouco tempo depois Cristina
reclamou uma vez mais. Imediatamente conversamos com Sér-
gio, enfatizando que naquele momento não havia outros mora-
dores naquele andar, de acordo com as informações do zelador.
Explicamos que, caso as reclamações continuassem, contata-
ríamos o proprietário. Naquela ocasião, ele se comprometeu a
orientar “os meninos”. Isso posto, reportamos o teor das tratati-
vas para Cristina, que se mostrou agradecida, embora mingua-
damente esperançosa.
Não tardou e Cristina procurou-nos para relatar nova
queixa. Entretanto, sua postura já havia mudado, mostrava-se
ainda inconformada com as atitudes dos vizinhos, contudo
não mais revoltada com a gestão. Instantaneamente buscamos
o proprietário Antunes e expusemos, detalhadamente, aquele
cenário, frisando que a nossa conversa era o último recurso que
dispúnhamos antes das tão desagradáveis medidas administrati-
vas punitivas que estávamos tentando evitar, pois o nosso foco
primordial era a solução do conflito. Apesar da resistência ini-
cial e do receio de “perder” o inquilino, Antunes aquiesceu em
conversar com Sérgio e comprometeu-se a retomar o assunto
conosco.
Decorridos alguns dias, recebemos uma ligação de An-
tunes, narrando sua conversação com Sérgio e depois disso, até
o presente momento, não recebemos mais nenhuma reclamação
de Cristina.
Concluímos, dos relatos acima apresentados que, para
solucionar conflitos, nada substitui uma boa conversa, uma es-
cuta atenta do outro, dos seus sentimentos e expectativas, co-
locando-se no lugar dele e reconhecendo seus incômodos. Tais

39
ações e atitudes buscam a colaboração de todos e proporcionam
resultados mais rápidos, fortalecendo as relações entre vizinhos
e entre condôminos e síndicos.

SOBRE O AUTOR

Gláucia La Regina - Advogada condominialista, pós-graduada


em Direito Condominial, pós- graduanda em Gestão Condominial
e síndica profissional.
www.consossegocondominios.com.br

40
CONDÔMINOS 60+: OS MORADORES INVISÍVEIS

Cirelle Monaco de Souza

Condomínio é diversidade. Tanto que, na atualidade,


debates acalorados são realizados para se discutir os direitos de
diferentes “tribos” que compõem a estrutura condominial.
Os debates mais atuais da área condominial revelam
uma forte tendência de busca pela humanização da gestão dos
espaços condominiais. Atualmente, percebe-se uma crescente
preocupação em conferir mais proteção a grupos vulneráveis,
tais como mulheres, crianças e animais de estimação.
Mesmo com o reconhecido avanço em prol da segu-
rança e do bem-estar dos mais vulneráveis, um grupo específi-
co permanece carente de ações especiais que sejam capazes de
atender às suas reais necessidades. Pode-se dizer que esse grupo
específico possui em comum a característica da longevidade: vi-
veram tanto que se tornaram invisíveis aos olhos dos síndicos e
das administradoras de condomínios.
Ao mesmo tempo que a população brasileira envelhece
em uma velocidade nunca vista antes, ações em prol do bem-estar
desse grupo etário parecem não evoluir com a mesma velocidade.
Atualmente, a população 60+ corresponde a pouco
mais de 32 milhões de indivíduos. Apesar de o fator idade ser
determinante para que uma pessoa seja considerada idosa, cabe
ressaltar que não podemos considerar que toda pessoa idosa é
igual, pois as perdas biológicas, psicológicas e sociais ocorrem de
forma diferente em cada pessoa idosa e são fundamentais para
determinar se o indivíduo demandará maiores cuidados.

41
Tanto é verdade que a Organização Panamericana da
Saúde (OPAS) define envelhecimento como um processo se-
quencial, individual, acumulativo, irreversível, universal, não
patológico, de deterioração de um organismo maduro, próprio
a todos os membros de uma espécie, de maneira que o tempo o
torne menos capaz de fazer frente ao estresse do meio ambiente
e, portanto, aumenta sua possibilidade de morte.
Os avanços tecnológicos e médicos têm garantido um
envelhecimento saudável e ativo a boa parte da população. Ain-
da assim, o cenário da longevidade apresenta inúmeras questões
que precisam ser trabalhadas pela sociedade.
Dentre os diversos desafios que surgem a partir do au-
mento da população 60+, quando analisada do ponto de vista
condominial, as questões ligadas à mobilidade dessas pessoas
merecem especial atenção.
A Lei 10.098/2000 (Lei da Acessibilidade) tem mais
de 20 anos e ainda assim existem condomínios residenciais ina-
cessíveis. Ocorre que, para garantir a acessibilidade das pessoas
idosas nas áreas comuns, os gestores condominiais precisam de
profissionais especializados para desenvolver projeto persona-
lizado à realidade de cada edificação e fiscalizar sua execução,
respeitando a legislação vigente e normas técnicas, que abarcam
iluminação, mobiliário adequado, escolha assertiva de cores e
contrastes necessários para prevenir quedas da própria altura,
sinalização adequada, etc.
É preciso conscientizar-se de que acessibilidade é mais
do que construir rampas. É proporcionar autonomia adequada
às pessoas idosas e portadores de necessidades especiais, sejam
condôminos ou não.
Nesse sentido, as pessoas idosas não devem ser ignora-
das, muito menos se sentirem “aprisionadas” em suas unidades

42
autônomas ou serem forçadas a sair do condomínio por falta de
meios adequados às suas necessidades de locomoção e interação
social nas áreas comuns — e, por consequência, gozarem de seus
direitos na sua plenitude.
Elas devem, na verdade, ser acolhidas pelo síndico
e comunidade por meio de ações inclusivas, tais como: locais
adaptados, comunicados/editais com letras maiores para faci-
litar a leitura, ações intergeracionais, etc., além de treinamento
para os colaboradores terem um olhar atento e vigilante, agindo
de forma segura e preventiva quando do desempenho de suas
funções no cotidiano do condomínio, como: saber como agir,
seja no auxílio com sacolas, deslocamentos ou até mesmo em
caso de emergência quando a pessoa idosa está sozinha.
No mais, priorizar a pauta da longevidade nos condo-
mínios residenciais evita processos judiciais, sobretudo aqueles
que envolvam situações que comprometem a integridade físi-
ca das pessoas idosas, especialmente os conexos com quedas da
própria altura.
Portanto, o desafio é grande para o gestor condominial
proporcionar acessibilidade nos condomínios residenciais, mas é
possível, com o auxílio de profissionais especializados, de modo
que os condôminos e visitantes usufruam do condomínio com
autonomia num ambiente seguro e confortável e, ainda, preve-
nindo futuras ações judiciais contra o condomínio.
Ademais, porque oportuno, as pessoas idosas podem
vir a sofrer consequências por abuso ou negligência. Assim, em
atenção à legislação vigente, recomenda-se que se faça denúncia
de violência contra a pessoa idosa, independentemente de ser
familiar ou desconhecido, ligando para o Disque 100 e o Ligue
180, ambos coordenados pela Ouvidoria Nacional de Direitos
Humanos (ONDH).

43
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibili-
dade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Có-


digo Civil.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o


Estatuto do Idoso.

MIRANDA, Gabriella Morais Duarte; MENDES, Antônio da Cruz


Gouveia; SILVA, Ana Lucia Andrade da. O envelhecimento popula-
cional brasileiro: desafios e consequências sociais atuais e futuras.
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 19, n. 3, p.
507-519, julio-septiembre 2016. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, Brasil.

NACIONAL, ABA. Live - 5 Erros dos condomínios ao lidar com a


longevidade. YouTube, 17/09/2021. Disponível em: https://youtu.
be/awGAr5Kxgu8. Acesso em: 28 set. 2021.

SOUSA, Karla Cecilia Delgado Nunes e. Direito do Idoso: na pers-


pectiva da repersonalização. Dissertação (Mestrado em Direito Pri-
vado) – Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Ciências
Jurídicas. Faculdade de Direito do Recife. Programa de Pós-Gra-
duação em Direito. Recife, 2006.

SOUZA, Geruzia Martins de Amorim e. Proteção social ao idoso.


Conquistas e desafios. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais
e Cidadania) – Universidade Católica do Salvador. Superintendên-
cia de Pesquisa e Pós-Graduação. Salvador, 2009.

44
SOBRE O AUTOR

Cirelle Monaco de Souza - Advogada condominialista e filóso-


fa. Advogada voluntária da Casa São José, Associação Cristã do
Lago Norte, instituição sem fins lucrativos, que serve às popula-
ções carentes do Lago Norte/DF e entorno. Diretora adjunta da
Associação Nacional da Advocacia Condominial – ANACON/DF
(2022/2025). Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/
DF (Gestão 2022/2024). Membro da Comissão de Direito Proces-
sual Civil da OAB/DF (Gestão 2022/2024). Membro da Comissão
Nacional de Direito Condominial da Associação Brasileira de Ad-
vogados (ABA). Pós-graduada em Direito Condominial, Gestão
Condominial; Direito Processual Civil; Direito Tributário e Previ-
denciário; Responsabilidade e Contabilidade Fiscal; Direito do
Trabalho e Processo do Trabalho; Gestão Avançada de Recursos
Humanos. Secretária Geral da Comissão de Direito Condominial
da OAB/DF (Gestão 2022/2024). Sócia fundadora da Monaco So-
ciedade Individual de Advocacia.
Contatos: cirelle@cirellesouza.adv.br
Instagram: @cirellemds

45
OBRIGAÇÕES DO SÍNDICO: UM RESPEITO AO ORDE-
NAMENTO NACIONAL E REGIMENTAL OU PRÁTICAS
INTUITIVAS DE RESOLUÇÕES?

Conrado Burgos T. Garcia

Qualquer pessoa pode se tornar síndico, seja morador


ou não, pessoa física ou jurídica. Muitas vezes, quando falamos
de síndico morador, assumem sem qualquer remuneração e
quando muito obtêm isenção de taxa condominial. No entanto
existem convenções condominiais que permitem que o síndico
seja remunerado. Independentemente da forma adotada, qual-
quer deliberação sobre esse assunto deverá passar pelo crivo da
assembleia.
Ao ser eleito em assembleia o síndico deve ter claro em
sua mente que junto ao cargo ele assume diversas obrigações,
dentre elas a responsabilidade de cumprir e fazer cumprir as re-
gras contidas na convenção e regulamento interno.
Mas isso não quer dizer que o síndico não deva levar
em conta as leis que regem o país, sejam elas municipais/esta-
duais/federais.
O síndico costuma ter seu descanso, trabalho ou estu-
do interrompido a qualquer hora e, por não conseguir agradar
a todos, acaba muitas vezes vítima de injustiças. A pessoa que se
dispõe a exercer essa atividade assume uma série de responsabi-
lidades que, se descumpridas, podem fazer com que ele venha
responder civil e criminalmente por seus atos ou omissões.

46
O síndico precisa ter a mente aberta e buscar auxílio de
profissionais capacitados em cada área que ele não domine, ainda
que domine determinada área deve buscar uma segunda opinião.
Muito comum o síndico achar que sabe determinado
assunto trocar os “pés pelas mãos”, justamente por não saber
que o entendimento da justiça mudou, ou que alguma outra
regra foi inserida, fazendo cair por terra o conhecimento que ele
achava que detinha. E isso pode ter consequências avassaladoras.
Sobretudo, o síndico precisa entender que os seus de-
veres são mais importantes do que tudo dentro do ordenamento
condominial. E é esse ponto que o art. 1.348 do Código Civil
destaca dentre algumas das obrigações mais importantes, quais
sejam: convocar a assembleia, dar imediato conhecimento à as-
sembleia da existência de procedimento judicial ou administra-
tivo, cumprir e fazer cumprir a convenção, manter a conserva-
ção das partes comuns, zelar pela prestação dos serviços, previ-
são orçamentária anual, prestar contas à assembleia anualmente
e realizar o seguro da edificação.
Todo condomínio tem uma estrutura, seja ela física, seja
ela documental e diretiva. Em linhas gerais os condomínios pos-
suem síndico, subsíndico, conselho fiscal e conselho consultivo.
As figuras de subsíndico e os conselhos não possuem
essa previsão no Código Civil/2002, no entanto algumas con-
venções condominiais trazem esses cargos e, dessa forma, pode-
rão ou não serem preenchidos de acordo com a vontade assem-
blear.
E quais são as regras que o síndico deve seguir, levando
em conta que as práticas intuitivas não são as mais assertivas de
serem adotadas? Em resposta ao questionamento anterior traze-
mos as leis que devem ser seguidas e que regulamentam, mes-
mo que em partes, o condomínio. Todos nós devemos ter o co-

47
nhecimento de que a Constituição Federal/88 é a lei soberana.
Nenhuma outra lei/norma/regra, poderá sobrepor a ela, e nos
condomínios não poderia ser diferente. Dessa forma, destacarei
qual seria a hierarquia das leis dentro de um condomínio e que
o síndico deveria estar atento em cumprir.
1. Constituição Federal: é o principal conjunto de leis do
país, soberana, embora não trate diretamente de condomí-
nios, trata da propriedade privada, dignidade da pessoa hu-
mana, direito de ir e vir, dentre outros.
2. Leis federais: a exemplo do Código Civil, é a principal
lei que trata de condomínio, podendo ser complementada
com a Lei nº 4591/64 nos pontos em que o Código Civil
for omisso.
3. Estaduais: cada Estado pode ter leis que afetem condomí-
nios, que deverão ser de conhecimento de todos os envolvi-
dos na administração de um complexo condominial.
4. Municipais: da mesma forma que as leis estaduais, cada
município pode criar suas leis específicas.
5. Normas técnicas: embora não sejam leis, as normas téc-
nicas são necessárias e as que versam sobre condomínios de-
vem ser atendidas, inclusive existem leis que fazem menção
sobre essas normas. A ABNT, por exemplo, através da NBR
16.280, normatizou as reformas em condomínios, trazendo
os deveres e direcionando as responsabilidades.
6. Normas regulamentadoras: são as estipuladas pelo Minis-
tério do Trabalho e têm por objetivo garantir condições de
trabalho, segurança e a saúde dos trabalhadores.
7. Convenção do condomínio: normatização interna do
condomínio.
8. Regulamento interno: são regras de convivência e uso do
condomínio.

48
9. Assembleias: fazem regras quando conduzidas dentro da
forma da lei, valendo como regra a ser seguida.

Concluindo, para termos um convívio saudável e har-


monioso que gere uma qualidade de vida elevada para todos,
precisamos conhecer essas regras e segui-las.
Além de seguir as regras de convivência, na maioria
dos condomínios devemos também usar, e muito, o bom senso!
Sim, o bom senso, essa regra em algum momento de nossas vi-
das já utilizamos, seja qual for a situação ou momento.
Ser cordial com funcionários e vizinhos, evitar baru-
lhos excessivos durante o dia e principalmente a noite, respeitar
as delimitações das garagens, respeitar aqueles que possuem pets
e estes respeitar aqueles que não possuem, ajudar a manter o
ambiente limpo, são práticas simples que aprendemos ou deve-
ríamos ter aprendido desde cedo.
Notou que é plenamente possível que a convivência
em condomínio possa ser mais fácil do que parece?
Logicamente, tudo isso só vai se concretizar se o sín-
dico, os proprietários e os moradores conhecerem as regras e
adotá-las como HÁBITO.
E nesse sentido, SÍNDICOS, de tempos em tempos,
devem reforçar essas questões com seus condôminos, através de
comunicados e campanhas!
O síndico de sucesso é aquele que conhece o condo-
mínio como um todo, é aquele que tem conhecimento dos di-
reitos e deveres de todos no complexo condominial, é aquele
que exerce seu papel de forma transparente e descentralizada, é
aquele que se cerca de profissionais capacitados, cada qual com
seu papel, e dessa forma sua gestão flui de maneira mais tranqui-
la, transparente e assertiva.

49
SOBRE O AUTOR

Conrado Burgos T. Garcia - Advogado especialista em Direito


Condominial, bacharel em Administração de Empresas, membro
da Comissão de Direito Condominial da OAB-SP Campinas 3ª Sub-
seção, pós-graduado em Direito Imobiliário pelo Legale (2020-
2021), pós-graduado em Direito Condominial pela CBPEJUR
(2021-2022), síndico morador há mais de sete anos, além de ser
síndico judicial, vivência com condomínios há mais de 18 anos,
trabalhei em algumas administradoras de condomínio, onde ad-
quiri parte do meu conhecimento.
E-mail: advocacia@burgosgarcia.com.br
Instagram: @conradoburgos

50
CONFLITO ENTRE O CONDOMÍNIO E A CONSTRUTORA
DO IMÓVEL POR VÍCIOS CONSTRUTIVOS IDENTIFI-
CADOS E O PODER DA EMPATIA E DE UM DOCINHO:
VIDA LEVE, PRÁTICA E SOLUCIONÁVEL

Caroline Rossetti Gruber

Foi uma ideia que momentaneamente me passou... e


eu a abracei... exigiu coragem, persistência, muita vontade de
aprender, negociar e interagir... Como digo: ultrapassar pare-
des e aproximar pessoas.
O edifício em que morávamos estava chegando à to-
talidade de ocupação das unidades, com poucas vazias ou even-
tualmente ocupadas. Seu primeiro gestor foi indicado pela cons-
trutora respectiva e o seguinte era um senhor demasiadamente
tranquilo e cômodo. Estávamos negativos em meio a ações tra-
balhistas propostas pelos funcionários de empresa terceirizada
de portaria, que havia desaparecido.
Também, estávamos próximos ao final da garantia da
edificação de cinco anos e me preocupava a inexistência de qual-
quer verificação pertinente pelo então gestor já que, aos meus
olhos com lentes jurídicas, muitos eram os indícios de vícios
construtivos.

Sempre gostei de aproximar pessoas, integrá-las e valorizá-las.


Aprecio a integração e os bons momentos.

51
Adoro o chimarrão em grupo, o vinho entre amigos e o
suco com as crianças.
Sempre, claro, com chocolate.

Apresentei minha proposta de gestão coerente de re-


cursos, com a verificação das condições atuais em todos os pon-
tos e a promoção das melhorias possíveis e necessárias, sempre
condizentes com a responsabilidade e a análise devida, utilizan-
do ferramentas e estratégias saudáveis e legais.
Com esse foco, no item três da pauta do dia 9 de janei-
ro de 2016, me disponibilizei ao encargo e fui eleita, dentre três
alternativas de vizinhos.
Com a alegria da confiança daqueles que acreditaram
em minha proposta, iniciei a gestão e o desafio... Para mim, nada
estava no lugar devido... os poucos documentos existentes rece-
bidos na sucessão de gestão ou eram inúteis ou desatualizados
ou, ainda, incompletos... Não havia controles nem registros...
Enquanto são documentos, sempre há outra forma de havê-los
para a segurança de todos. Ainda mais se o edifício tem porteiros
presenciais... rsrs... estes sabem de tudo o que se passa não só nos
bastidores, mas também na tela central... São uma rica fonte de
pesquisa para qualquer “investigação condominial”.
Só que não se inicia um desafio apenas com alegrias.
De forma simultânea, os problemas maiores também se inicia-
ram. O primeiro foi o do gás.
Éramos trinta e duas unidades, em vinte e dois pa-
vimentos, área de lazer com salão de festas e churrasqueira na
piscina, de forma geral. Nossa central de gás era estruturalmen-
te bonita e organizada, com um cilindro P500. Era abastecida
quando algum porteiro lembrava de acionar a empresa, pois o
zelador que tínhamos era “pouco proveitoso”, digamos. Mas,

52
com poucos moradores, estávamos ainda na “fase de sorte”,
que se findava...
Sem grande aviso, com o friozinho do dia 12 de junho
de 2016 - Dia dos Namorados, na hora em que todos chegam
em casa e desejam aquele banho relaxante, “acabou” o gás e as
ligações à nova síndica começaram. Sejamos justos: os xinga-
mentos também.
Não tínhamos recebido da construtora qualquer ma-
nual do edifício e/ou orientações gerais.
Com a inexperiência da época e muito assustada, desci
à central e de imediato me ative a verificar o regulador de carga
que, surpreendentemente, estava com carga acima da metade.
“Como assim? Se tem gás aqui, como está faltando nas unida-
des?” – pensei eu.
Busquei os contatos daquele fornecedor para suporte
e, nessa cadeia, ninguém atendia ou a ligação caía ou o número
não correspondia ao seu representante comercial e o 0800 repe-
tia uma mensagem automática com aquela “musiquinha” típica.
Enfim, nada adiantava...
Nesse momento, para dar mais estímulo à situação,
´aquela vizinha` que concorreu comigo à eleição de síndica es-
creveu no grupo de WhatsApp do condomínio um texto em que
me trouxe como incompetente e, por certo, culpada do desagra-
dável evento do Dia dos Namorados. O grupo estava aqueci-
do... o meu celular e o interfone não paravam...
Óbvio: já exausta de procurar soluções e me descul-
par pelo episódio, sentei-me no meio-fio da frente do edifício
e desesperadamente chorei lágrimas desbravadoras da paixão
arrasadora que me tomaria dali em diante...

53
Como a noite difícil também passa, o dia veio clarean-
do soluções.
Chamei a empresa que realizou a estrutura do gás para
me ensinar a rotina do tema e contratei um engenheiro de outra
cidade, que não conhecia a construtora local, para realizar um
laudo técnico minucioso sobre o assunto.
Visando garantir condições seguras de habitualidade
e funcionalidade, observando as normas vigentes, fiz o mesmo
nos demais segmentos da estrutura do edifício: sistema de ilumi-
nação e preventivo de emergência, para-raios, elétrico, comuni-
cações, hidráulico, estrutural, escada pressurizada.
De fato, muitos foram os problemas identificados em
todos os laudos realizados e pareciam muito complexos aos
meus olhos.
Apresentei ao conselho o primeiro laudo que me foi
entregue - o do gás, e juntos optamos por notificar extrajudicial-
mente a construtora e assim procedi.
Do outro lado, a recepção não foi nada amistosa. Pelo
contrário, o formato “notificação” foi insistentemente contes-
tado pela empresa, entendendo o ato como uma declaração de
guerra e ofensa, apesar de ser a forma oficial mais comum e
afável para solução, registrando-se o evento.
Se o recebimento desse já foi conturbado, a entrega da
notificação envolvendo os demais laudos foi ainda pior. Aliás, era
bem mais extensa, ilustrada e só apontava problemas em todas as
áreas.
Assim, precisávamos de uma solução rápida, evitando
que se criassem ofendidos e vitimizados. E que depreciações e
desvalorizações patrimoniais e imobiliárias se consolidassem.

54
Como os ânimos estavam muito exaltados e a “guerra”
parecia se deslocar ao Judiciário, surgiu uma ideia: convidei to-
dos os engenheiros técnicos responsáveis pelos laudos realizados,
a construtora por seus sócios e engenheiros e preparei, no salão
de festas do edifício, um café maravilhoso e aconchegante para
as tratativas de paz...
De imediato, dispus mesas e cadeiras em formato de um
gigante círculo em área mais limpa e iluminada naturalmente do
salão, em que todos ficavam lado a lado e pudessem ver os demais
e serem vistos; deixei a brisa do mar passar por entre as janelas su-
tilmente abertas, que também permitiam um pouquinho do calor
do sol, apesar do ar condicionado ligado. Gosto muito de agradar
aos sentidos, acionando as ferramentas disponíveis.
O clima tenso que existia entre as partes ficava ameno
e agradável com a chegada ao ambiente estruturado. Técnicos se
apresentavam, saboreavam um bom café e uma diversidade de
petiscos. Ânimos acalmavam... barreiras baixavam...
Ao abrir a reunião, todos já estavam interagindo com
naturalidade de amigos recém-apresentados, expondo com
respeito os problemas encontrados, seus pontos de análise e a
origem construtiva apontada.
A construtora já recebia os pontos com mais técnica
e objetividade. Não via o caso com pessoalidade, já que os téc-
nicos apresentavam os problemas e eu educadamente lhes
questionava possível origem e solução respectiva, sendo a
responsabilidade evidenciada, sem qualquer imputação pessoal.
Ao final dessa reunião, formalizamos prazos e verifi-
cações. Saímos com expectativas promissoras e assim seguimos,
conversando e solucionando, sem declararmos a guerra aparen-
tada, nem migrarmos ao Judiciário.

55
E assim foi meu início na sindicatura... transforman-
do o desafio em paixão e adicionando outros “C”s à vida
do condomínio em que morava: Café, Chocolate, Cuidado e
Carinho... sendo sempre Carol, Caroline.

SOBRE O AUTOR

Caroline Rossetti Gruber - Advogada pela Univali. Sócia funda-


dora do escritório jurídico Rossetti & Gruber. Especialista em Direito
Societário e Empresarial pelo Cesusc. Pós-graduanda da 1ª Turma
em Direito Condominial pela CBEPJUR. Pós-graduanda em Direito
Negocial e Imobiliário pela Ebradi. Membro da Comissão de Direi-
to Condominial da OAB/SC –15ª subseção. Membro fundador/vi-
ce-presidente da Associação de Síndicos de Balneário Camboriú/
SC (Asbalc). Diretora estadual da Associação Nacional da Advocacia
Condominial em Santa Catarina (Anacon). Estudante permanente
do Direito Condominial e da Sindicatura, por paixão.

56
DIÁLOGO PÕE FIM A MISTÉRIO E DEVOLVE A PAZ A
CONDOMÍNIO NO INTERIOR DE MG

Cleuzany Lott

Reclamações sobre o barulho e ruídos fazem parte do


cotidiano, mas alguns fogem ao convencional, como aconteceu
em um condomínio de 48 unidades, no interior de Minas Ge-
rais. O edilício, de classe média, era composto, em sua maioria,
por famílias de idosos e casais com crianças e adolescentes. A
minoria dos condôminos mantinha as unidades para locação.
Um conselho fiscal com atribuição de conselho consultivo, atri-
buído em assembleia geral, forma a diretoria que auxilia o sín-
dico orgânico.
A coabitação nunca tinha sido problema, até o surgi-
mento de sons estranhos e altos quebrarem o silêncio da madru-
gada dos moradores. Pelo menos uma ou duas vezes por semana,
as pessoas acordavam com barulhos não convencionais que per-
maneciam por horas e, não muito raro, só paravam com o raiar
do sol. Apesar da intensidade, ninguém conseguia identificar a
origem do som, que ecoava, alcançando os prédios vizinhos.
Nos primeiros meses, todos acreditavam se tratar de
brigas de casal, já que os murmúrios eram espaçados e, por ve-
zes, abafados. Naquela época, em meados do ano 2000, não ha-
via leis obrigando a denúncia de violência doméstica nos condo-
mínios; o que acontecia entre quatro paredes ficava entre o casal,
exceto quando se pedia ajuda.
A possibilidade de estar ocorrendo agressão física den-
tro dos apartamentos provocou um desconforto entre os mo-

57
radores, afinal, diante do anonimato, todos eram suspeitos de
cometer os ataques. O assunto se estendeu para as rodas de con-
versa do bairro e o condomínio, até então conhecido por ser
tradicional e familiar, perdeu suas principais características.
Para resolver o problema o síndico promoveu uma
campanha de conscientização contra a violência. As crianças
foram incentivadas a fazer cartazes alertando sobre as conse-
quências de crimes contra a mulher e incentivando a denúncia
anônima às autoridades policiais. Mas os cartazes afixados nos
quadros de avisos e em locais de boa visibilidade não surtiram
efeito. Duas semanas após a mobilização o barulho voltou, jun-
to com ele, as frases indecifráveis.
Incomodado com as especulações, o síndico convocou
uma assembleia extraordinária para tratar do assunto. Entretan-
to, ao invés de tentar resolver o problema, todos conjecturavam
a origem dos murmúrios proferidos durante as altas horas da
noite. Após quase três horas de conversa e nenhuma solução,
um membro da diretoria propôs uma vigília para identificar de
qual unidade partia o som. A ideia foi aprovada por unanimi-
dade.
O síndico elaborou o plano, tomando os cuidados para
não expor a imagem dos participantes e dos suspeitos. Foi cria-
do um mutirão, com dois moradores responsáveis pelo respec-
tivo andar que, ao detectar a unidade provocadora do ruído,
deveriam reportar apenas ao síndico, preservando a identidade
do residente.
Assim que o barulho iniciou, as duplas percorreram
os corredores na tentativa de verificar em qual apartamento o
volume do som era mais alto. Em menos de meia hora de “ex-
ploração”, a suspeita recaiu sobre dois imóveis situados frente a
frente.

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Considerando o comportamento e o tempo de mora-
dia no edilício, o síndico analisou os habitantes. Após deduzir
quem seria o suspeito, mas sem citar quem era, ele convocou os
conselheiros, compartilhou a observação e pediu sugestões do
que deveria ser feito, tendo em vista a delicadeza da situação. O
grupo optou por enviar com o boleto de contribuição condo-
minial o regimento interno contendo as informações referentes
a barulho, porém acrescentou recomendações de discrição no
relacionamento entre casais.
Apesar de todos os esforços para preservar a identidade
dos envolvidos, surgiram especulações em torno de duas famí-
lias, acirrando o clima entre os moradores. Não bastasse esse
conflito, o som voltou com vozes sensuais e em outros idiomas,
que foi interpretado como uma provocação aos coprorietários.
Diante da novidade e ao contrário da decisão anterior,
o síndico preferiu usar algumas técnicas alternativas de resolução
de conflitos, provenientes das aulas de Conciliação e Mediação,
do curso de Direito, que ele havia concluído no ano anterior.
O gestor conversou separadamente com os envolvidos, pedindo
uma solução, sem, contudo, atribuir a eles a culpa pelo proble-
ma. Através da escuta ativa, ele identificou os fomentadores das
desavenças e propôs uma conversa entre eles.
Para realizar o encontro o síndico preparou o ambien-
te: usou uma mesa redonda com cadeiras confortáveis, serviu
um chá de erva-cidreira, conhecida pelo efeito relaxante, iniciou
um diálogo para quebrar a animosidade e quando todos estavam
menos tensos, abordou o assunto.
Os próprios envolvidos conversaram a respeito da si-
tuação, o gestor interveio apenas quando as partes se exaltavam.
Após uma longa discussão os quatro entenderam que o motivo
da hostilidade era, na verdade, a gravação de programas de sexo

59
verbal, produzido por um dos casais e nada tinha a ver com a
violência doméstica ou provocações.
O produtor musical e a esposa saíam cedo de casa para
trabalhar e só retornavam à noite. O pouco convívio no condo-
mínio os deixava alheios ao que acontecia, por isso os comuni-
cados não faziam sentido para eles. Ao contrário do outro casal,
que, apesar do trabalho externo, era mais presente no edilício.
A popularidade deles atraiu a atenção dos demais, motivando as
especulações a respeito dos sons emitidos.
Desvendado o mistério, os quatro se entenderam e, ao
final, deram boas gargalhadas com a profissão inusitada do pro-
dutor de áudio. O profissional decidiu reforçar o revestimento
das paredes do quarto onde trabalhava com isolante acústico,
impedindo a passagem do som para eliminar novos conflitos.
O diálogo, intermediado pelo síndico, solucionou um
problema que transcendeu a comunidade condominial. O baru-
lho, fruto da atividade extra durante as madrugadas, nunca mais
foi ouvido. As famílias alvo das especulações voltaram a con-
viver harmoniosamente e no lugar de reclamações o produtor
passou a ser o centro da atenção para explicar como entrou em
um mercado de trabalho que, pelo menos naquela comunidade,
ninguém jamais tinha ouvido falar.

SOBRE O AUTOR

Cleuzany Lott - Síndica, advogada pós-graduanda em Direito


Condominial, jornalista, publicitária e diretora da Associação de
Síndicos, Síndicos Profissionais e Afins do Leste de Minas Gerais
(Asalm).

60
A HISTÓRIA DO PORTEIRO QUE NÃO QUERIA SE VACI-
NAR: COMO A MEDIAÇÃO IMPEDIU UMA DEMISSÃO
POR JUSTA CAUSA

Daniela Aparecida Bibiano

A pandemia da Covid-19 trouxe inúmeros desafios à


humanidade como um todo e, nos condomínios, não poderia
ser diferente.
O isolamento social como forma de prevenção à con-
taminação foi apenas o primeiro enfrentamento com que mui-
tos síndicos e gestores condominiais tiveram que se deparar den-
tro da coletividade condominial pois, tão logo foi anunciada a
vacina, a corrente negacionista da ciência ganhou força e passou
a causar resistência, não só dos condôminos, mas dos colabora-
dores próprios e terceirizados. É nesse ponto que reside o maior
problema.
Como convencer o funcionário receoso, que ao chegar
sua faixa etária sequer se cadastra para receber a imunização con-
tra esse vírus mortal que já ceifou tantas vidas? Como não expor
os moradores à contaminação, já que o objetivo da vacina não é
evitar a contaminação, mas sim que os eventuais contaminados
não desenvolvam a forma grave e fatal da doença?
O primeiro ímpeto, baseado em senso comum, sugere:
demita. Alguns, mais literais, dirão: demita por justa causa!

61
Foi exatamente com esse tipo de assertiva que nos de-
paramos em um caso prático. O porteiro, já idoso e que traba-
lhava no condomínio desde a sua instalação há 27 anos, se re-
cusava terminantemente a se vacinar, mesmo integrando a faixa
etária prioritária.
Com receio de uma contaminação em massa de mora-
dores e de outros porteiros igualmente idosos, o síndico buscou
o respaldo do Conselho e foi encorajado a aplicar a “justa causa”
imediatamente.
Apesar de os Tribunais Regionais do Trabalho enten-
derem ser possível a aplicação da demissão por justa causa para
esses casos (desde que preenchidos os requisitos), devemos nos
lembrar que demitir por justa causa em meio a uma crise pan-
dêmica não apenas não resolveria o problema, como teria aban-
donado à própria sorte os colaboradores que, na maioria das
vezes, contam com longos anos de “casa”, implicando rescisões
onerosas ao condomínio e com custos com a defesa em possíveis
ações trabalhistas.
E é nesse ponto que uma assessoria jurídica voltada ao
preventivo, por meio da conciliação e da mediação, faz toda a
diferença.
Antes de adentrarmos à estratégia para desatar esse nó
górdio, passamos a analisar os requisitos que a Justiça do Tra-
balho tem exigido para manter as demissões por justa causa em
segunda instância, em razão da recusa à vacina.
Primeiramente, devemos ter em mente que nenhum
interesse de classe ou de particular prevalece sobre o interesse
público/coletivo e que é direito constitucional dos trabalhadores
a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança.

62
Essa introdução se faz necessária para delinearmos que
não é direito somente dos moradores em não serem contamina-
dos, mas dos próprios funcionários, permanecendo como dever
dos empregadores/condomínios eliminarem os riscos no meio
ambiente de trabalho.
Chegamos então ao primeiro requisito a ser cumprido
pelos condomínios: o dever de informar sobre a necessidade e
a importância da imunização dos colaboradores, com a emis-
são de instrução interna, coletando ciência inequívoca a esse
respeito.
Adotada essa providência inicial, passamos ao segun-
do requisito, que é o da recusa injustificada, ou seja, mesmo
com a instrução interna de que essa é a política de saúde laboral
adotada pelo condomínio. Mas o colaborador permanece recal-
citrante e não apresenta qualquer laudo médico atestando a con-
traindicação do imunizante para seu quadro clínico específico,
ou seja, a recusa se dá apenas por razões pessoais. Qual atitude
tomar?
Nesse momento, o gestor deve encaminhar o colabora-
dor ao médico do trabalho, para receber as orientações devidas e
sanar todas as suas dúvidas a respeito da ação da vacina e se sub-
meter a exame que elimine qualquer contraindicação para o seu
caso. Caso a recusa injustificada ainda persista, uma advertência
poderá ser aplicada, sempre de forma a oportunizar ao funcio-
nário que se adeque, pois a penalidade mais gravosa da demissão
por justa causa deve ser sempre o último recurso a ser adotado.
O caro leitor deve estar se perguntando: Mas qual a
estratégia que o síndico adotou para convencer o porteiro antigo
a tomar a vacina? Em uma conversa informal, detectou-se que a
resistência vinha de algumas fake news recebidas por ele em um
grupo por meio de aplicativo de mensagens instantâneas.

63
O síndico e o médico do trabalho, pacientemente,
apresentaram vídeos explicativos de profissionais de saúde, de-
monstrando a falta de embasamento científico de tais mensa-
gens. O condomínio disponibilizou aos núcleos familiares de
todos os porteiros uma palestra com o médico do trabalho, sa-
nando todas as dúvidas e receios daqueles que, a partir de então,
passaram a incentivar seus idosos a se vacinarem, não somente
contra a Covid-19, mas contra outras moléstias incompletas na
carteira de vacinação.
É fato que o empregador detém o poder direcional
e punitivo de seus funcionários, mas evitar uma demissão
prejudicial e transformar um resistente em multiplicador de
informações é o que faz um verdadeiro gestor de pessoas.

64
“POSSO EMPRESTAR MEU APARTAMENTO PARA UM
ESTRANHO? MAS ELE PAGA”

Ivens de Oliveira Pinto

Caso prático: Imaginemos o seguinte cenário: Sou


proprietário de um apartamento em condomínio residencial e
gostaria de alugar meu imóvel para um terceiro, por um curto
período de tempo, por exemplo, uma semana. Faço todo o pro-
cedimento por uma plataforma virtual e, após a tratativa com o
novo locatário, informo ao condomínio da data, e os dados do
inquilino. Quando alguns condôminos, ao tomarem conheci-
mento da minha transação, para minha surpresa, manifestam
posicionamento que não poderei “emprestar” meu próprio apar-
tamento, para um terceiro, mesmo ele me pagando por isso, já
outros condôminos manifestam apoio. Sendo assim, meu con-
dômino abre um grande debate sobre isso.
É interessante refletir que para investidores e outros
proprietários surge imediatamente o seguinte questionamen-
to: “Sim, e qual seria o problema com isso, doutor? O aparta-
mento é dele, direito de propriedade acima de tudo”. Todavia,
para quem reside em condomínio ou possui experiência com o
segmento, a indagação poderia ser outra: “Nossa, que absurdo,
como ficaria a segurança dos condôminos? Ou como seria para
controlar isso? Direito Coletivo acima de tudo”.
Então é necessário, de plano, explicar toda celeuma
que rodeia o tema.

65
E, de forma bastante objetiva e sucinta, basicamente são
essas duas correntes que predominam sobre o assunto, quais sejam:

1- a linha de que, com base no direito de propriedade, o


condomínio não poderia proibir o aluguel por curta tem-
porada por meio de plataformas virtuais, como exemplo:
Airbnb, por se tratar de um amparo no direito de proprie-
dade, e por entenderem que é uma forma de locação por
temporada, já prevista na Lei do Inquilinato (art. 48, da Lei
8.245 de 1991)7.
2- Já a outra tese bastante defendida funda-se tanto na
questão da segurança, por entender que o aluguel por curta
temporada pode trazer riscos à segurança condominial (cal-
cando-se na supremacia do interesse coletivo ao interesse
particular), quanto na alteração de natureza do empreendi-
mento de residencial para comercial.

Bom, o Superior Tribunal de Justiça decidiu o mérito so-


bre um caso similar, no início do ano de 2021, em que, naquela
situação em específico, entendeu-se que o CONDOMÍNIO TEM
O PODER DE PROIBIR A LOCAÇÃO POR CURTA TEM-
PORADA (como exemplo por meio da plataforma do Airbnb).
Todavia, é de suma importância explicarmos que a de-
cisão não possui efeitos “erga omnes”, ou seja, seus efeitos não
atingem a todos os condomínios e situações, mesmo que pos-
sua repercussão geral, ou seja, a referida decisão só terá validade
para as partes envolvidas, sem qualquer efeito vinculante, logo,
caberá, a cada condomínio e caso concreto, uma análise mais
atentiva.

7 Art. 48. Considera-se locação para temporada aquela destinada à residência tem-
porária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde,
feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de deter-
minado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não
mobiliado o imóvel.

66
Entendo que baseado na Lei de Locações, bem como
na Lei de Política Nacional de Turismo (que ex legis, afasta toda
e qualquer alegação de alteração de natureza residencial para co-
mercial, tal qual afasta também a alegação de configuração de
hotelaria e/ou hospedagem), o condomínio não pode proibir de
forma genérica a locação por curta temporada.
Solução prática: Todavia, no caso em questão, a solu-
ção é utilizar de meios que atendam às chagas de ambas as partes,
ou seja, para aqueles que se escoram na insegurança condomi-
nial, é possível que se aprovem regras no regulamento interno,
e.g. normas de segurança (identificação minuciosa na entrada e
saída do condomínio, cadastro prévio de locatários, etc.).
Para aqueles que se utilizam do argumento da alteração
de natureza residencial, oriento a elaboração de parecer jurídico
bem fundamentado na inalterabilidade de natureza, vez que se
assemelha à prática assídua da própria locação típica, e por não
se enquadrar nas hipóteses da Lei de Política Nacional de Turis-
mo (conforme explanado alhures).
Por fim, entendo que a proibição pelo condomínio de
os proprietários alugarem seus imóveis por curta temporada é bas-
tante temerário, pois compreendo que fere um apanágio consti-
tucional, qual seja, o direito de propriedade (art. 5°, XXII, CF).

SOBRE O AUTOR

Ivens de Oliveira Pinto - Pós-graduado em Direito Civil e Pro-


cessual Civil. Pós-graduado em Direito Condominial pelo Cen-
tro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurídicas (CBEPJUR). Diretor
da Associação Nacional da Advocacia Condominial (Anacon) no
Amazonas, sócio do Escritório Abelardo Pinto Advogados Asso-
ciados.

67
CAPACITAÇÃO NA GESTÃO CONDOMINIAL

Karlla Caetano Rios Sabbag


Eliane Aparecida Silva de Araujo

Sabe-se que a missão do profissional que atua no mer-


cado condominial é desafiadora. Há uma grande expectativa de
que o síndico e sua equipe tenham bom desempenho, afinal a
gestão condominial gere, além de patrimônios, pessoas.
Um dos fatores que aumentou essa pressão é o fato de
que, nos últimos anos, muitas pessoas migraram de casas fora de
condomínios para moradias dentro de condomínios, pois estes
tendem a ser um lugar mais seguro. Estima-se que no Brasil
50% das pessoas residam ou trabalham em condomínios. A tec-
nologia, por sua vez, tornou o acesso à informação extremamen-
te democrático. Assim, mais pessoas em condomínios e mais
informações resultam em mais questionamentos, cobranças e
fiscalização dos condôminos perante a gestão condominial.
Logo, uma gestão condominial de sucesso precisa po-
tencializar as competências técnicas e comportamentais de todos
os seus colaboradores, e a capacitação se tornou indispensável
para profissionais de alto desempenho e na ambiência condomi-
nial, já que a ausência provoca diversos efeitos negativos, como:
colaboradores insatisfeitos, baixa produtividade, aumento de
conflito entre moradores, colaboradores e síndico, falta de segu-
rança no ambiente de trabalho, aumento de despesas.
É relevante conscientizar que, quando verbalizamos
que um profissional é capacitado, estamos dizendo que é capaz

68
de executar com excelência as suas atividades e por isso alcança
resultados acima da média ou do esperado.
Sendo assim, quando a gestão promove essa capacita-
ção, ela propicia benefícios.

a. Colaboradores motivados – A motivação é o combustí-


vel essencial para fazer um profissional realizar seu tra-
balho com eficiência, ou seja, fazê-lo bem feito. Assim,
quando conseguimos despertar no colaborador o inte-
resse em fazer o seu melhor, temos um profissional de
alto nível na equipe.
b. Melhor qualidade no serviço prestado - Um profissio-
nal qualificado produz mais e melhor.
c. Mais satisfação dos moradores – Um colaborador trei-
nado sabe conviver melhor com outras pessoas, o que
gera um ambiente harmônico.
d. O síndico mostra que é um gestor comprometido –
Um líder competente de liderados treinados.

Para que você possa visualizar a relevância deste tema,


eis algumas dicas práticas para motivar os colaboradores.

a. Treinar e acompanhar os colaboradores - Descrever a


missão do cargo de cada colaborador. O ato de des-
crever quais atividades se espera que o profissional
realize e transmitir-lhe essas informações com exati-
dão é essencial para criar um ambiente harmônico e
produtivo.
b. Validar os colaboradores – Reconhecer a importância
do serviço prestado pelos colaboradores e comunicar-
-lhes que os serviços prestados por eles são extrema-
mente relevantes para a gestão condominial. Assim,
elogiá-los quando eles executam bem suas funções di-

69
minui o nível de estresse e eleva a motivação para exe-
cutar bons serviços.
c. Síndico, seja um bom ouvinte – O colaborador se sen-
te extremamente valorizado quando suas sugestões são
ouvidas por seu líder. Assim, quando o síndico ouve sua
equipe, eles sentem que pertencem à equipe, gratidão e
reconhecimento profissional.
d. Proporcionar um ambiente de trabalho satisfatório
para os colaboradores – É imprescindível que a gestão
condominial assegure que os colaboradores estão tra-
balhando com uniformes adequados, equipamentos
de proteção individual, quando exigidos, o ambiente
precisa ser limpo, organizado, ou seja, saudável para a
execução das atividades.

Podemos perceber que há muito potencial a ser esti-


mulado nos profissionais que atuam no ambiente condominial,
e conscientizar sobre a relevância do investimento na arte da ca-
pacitação é a grande estratégia dos gestores competentes e visio-
nários que administram condomínios de resultados no presente
momento.

70
DE GOTA EM GOTA A INFILTRAÇÃO NOS SEPARA

Lumena de Carvalho Ferreira

Com a crescente urbanização, viver em condomínios


edilícios passou a ser uma tendência natural para otimizar os
espaços da malha urbana. Esses empreendimentos residenciais
têm se tornado cada vez maiores, e, proporcionalmente, sua ad-
ministração mais complexa.
Assim, são muitos os problemas encontrados na seara
condominial. O vazamento em apartamentos é um dos proble-
mas mais relevantes no prédio e acaba gerando conflitos entre os
condôminos — quando verificada a sua existência.
Primeiro, porque muitas vezes é difícil precisar de
quem é a responsabilidade (do condomínio, do condômino do
pavimento superior ou da construtora); segundo, porque, quan-
do identificada a origem do vazamento, comumente há uma
demora na realização do reparo a ser realizado.
Sendo assim, precipuamente é necessário dizer que a
regra básica para responsabilização pelo dano da infiltração é a
determinação da origem do vazamento, sendo necessária a con-
tratação de um profissional habilitado ou empresa especializada
para tal incumbência.
É importante dizer que, em condomínios, temos duas
redes de encanamentos: tubulação vertical (central/coluna prin-
cipal) e tubulação horizontal (canais ramais).
A tubulação vertical conduz água entre os andares e
o esgoto para o local adequado. Por isso, ela é de uso comum,

71
sendo de responsabilidade do condomínio, como se vê na juris-
prudência:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE


FAZER C.C. PLEITO INDENIZATÓRIO POR DA-
NOS MATERIAIS E MORAIS. CONDOMÍNIO. DA-
NOS NO IMÓVEL DECORRENTE DE INFILTRA-
ÇÃO NO TELHADO DO PRÉDIO. SENTENÇA DE
PARCIAL PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DE
AMBAS AS PARTES. PROVA PERICIAL ROBUSTA E
CONCLUSIVA APONTANDO A RESPONSABILIDA-
DE DO CONDOMÍNIO PELOS DANOS SOFRIDOS
PELA AUTORA. DEVER DO CONDOMÍNIO DE
REALIZAR A OBRA EM ÁREA COMUM INDIVI-
SÍVEL DO EDIFÍCIO. ART. 1331,§2º, DO CC. CO-
BERTURA QUE DEVE SER INTEGRALMENTE RE-
FORMADA. DANO MATERIAL QUE SEQUER FOI
IMPUGNADO. DANO MORAL CARACTERIZADO.
AUTORA QUE TENTA RESOLVER O PROBLEMA,
QUE É RECORRENTE A CADA PERÍODO DE CHU-
VAS NA CIDADE, DESDE O ANO DE 1994. VER-
BA QUE ORA SE ARBITRA EM R$ 10.000,00 (DEZ
MIL REAIS), EM OBSERVÃNCIA AOS PRINCÍPIOS
DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDA-
DE. RECURSO DA AUTORA PROVIDO. RECURSO
DO RÉU DESPROVIDO, COM A CONSEQUENTE
CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS RECURSAIS.
(0343075-86.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). MAU-
RO PEREIRA MARTINS - Julgamento: 21/11/2018 - DÉ-
CIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL) - (Grifos nossos).

Já a tubulação horizontal liga a coluna principal às uni-


dades imobiliárias: recebe a água da rede vertical e conduz o
esgoto para ela. Portanto, essa rede é de uso particular do con-
dômino, respondendo este pelos reparos e danos na rede hori-

72
zontal, inclusive se o dano for causado a um morador vizinho,
senão vejamos a jurisprudência:

APELAÇÕES CÍVEIS. CONDOMÍNIO EDILÍCIO.


DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO DE OBRIGA-
ÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS. PRELIMINAR DE NULIDA-
DE DO DECISUM POR AUSÊNCIA DE FUNDA-
MENTAÇÃO QUE NÃO MERECE ACOLHIMENTO.
SENTENÇA APELADA, MESMO QUE CONCISA,
NÃO DESCUMPRIU O DEVER IMPOSTO PELOS
ARTIGOS 93, IX DA CRFB/88 E 489, §1º, DO CPC.
CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE. LAU-
DO PERICIAL ACOSTADO AOS AUTOS QUE É
CLARO E ATENDE SATISFATORIAMENTE OS QUE-
SITOS FORMULADOS PELAS PARTES, DIRIMIN-
DO A MATÉRIA POSTA EM JUÍZO. FALECIMENTO
DO EXPERT NO CURSO DA DEMANDA QUE SE
REVELA IRRELEVANTE, EIS QUE A RÉ PUGNOU
EXPRESSAMENTE PELA HOMOLOGAÇÃO DO
LAUDO. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA CITRA PE-
TITA QUE DEVE SER AFASTADA, PODENDO SER
ENFRENTADAS EM 2ª INSTÂNCIA AS QUESTÕES
NÃO INCLUÍDAS NO DECISÓRIO A QUO. INTE-
LIGÊNCIA DO ARTIGO 1.013, § 1º, CPC. IMÓVEL
DE PROPRIEDADE DA PARTE AUTORA QUE FOI
ATINGIDO POR INFILTRAÇÕES ADVINDAS DO
APARTAMENTO DA RÉ, LOCALIZADO NO PISO
IMEDIATAMENTE SUPERIOR. LAUDO PERICIAL
QUE ATESTA A ORIGEM DO VAZAMEN/TO NO
APARTAMENTO DA REQUERIDA, BEM COMO
OS DANOS CAUSADOS NA RESIDÊNCIA DA DE-
MANDANTE. FOTOS JUNTADAS AOS AUTOS QUE
REVELAM O PÉSSIMO ESTADO DO APARTAMEN-
TO DA RECLAMANTE APÓS O VAZAMENTO, RE-
SULTANDO EM AVARIAS QUE REPRESENTAVAM

73
RISCOS À SUA SAÚDE E INTEGRIDADE FÍSICA.
LONGO LAPSO TEMPORAL EM QUE A RÉ DEI-
XOU DE REALIZAR OS REPAROS EFETIVAMENTE
NECESSÁRIOS À SOLUÇÃO DO PROBLEMA. INÉR-
CIA QUE ENSEJOU A INTERRUPÇÃO PARCIAL DA
ENERGIA ELÉTRICA NO IMÓVEL, DIANTE DO
RISCO DE CURTO CIRCUITO. TRANSTORNOS
QUE ULTRAPASSAM O MERO ABORRECIMENTO.
DANOS MORAIS CONFIGURADOS. VERBA INDE-
NIZATÓRIA FIXADA EM R$6.000,00, DE ACORDO
COM OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PRO-
PORCIONALIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA
343 DO TJRJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS QUE
SE MANTÊM, EIS QUE ARBITRADOS EM CONSO-
NÂNCIA COM OS PARÂMETROS ESTABELECIDOS
NO ARTIGO 85, §2º DO CPC. SENTENÇA DE PRO-
CEDÊNCIA PARCIAL QUE MERECE SER INTEGRA-
DA TÃO SOMENTE PARA DETERMINAR A CON-
DENAÇÃO DA DEMANDADA A REPARAR OS DA-
NOS REMANESCENTES NO IMÓVEL DA AUTORA
EM DECORRÊNCIA DO VAZAMENT-O, CONFOR-
ME VALORES APURADOS EM LAUDO PERICIAL.
DESPROVIMENTO DO RECURSO DA RÉ. PROVI-
MENTO PARCIAL DO RECURSO DA AUTORA.

(0147473-26.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). MA-


RIA DA GLORIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
- Julgamento: 12/08/2021 - VIGÉSIMA SEGUNDA CÂ-
MARA CÍVEL).

Assim sendo, feitas as ponderações necessárias, passo a


narrar uma ocorrência que vivenciei quando no exercício da mi-
nha profissão e a solução dada ao problema — que foi resolvido
de forma pacífica.

74
Um condômino do pavimento inferior procurou o
síndico, relatando que um dos quartos do seu imóvel estava
com uma infiltração no teto (bolhas, descascamento de pintura
e marcas de mofo), vinda do pavimento superior. Ele informou
que procurou o morador, mas que este negou acesso a seu imó-
vel, comunicando que seria um problema do condomínio.
Ao entrarmos no circuito, informamos ao síndico so-
bre a importância da mediação nesse caso, e orientamos a reali-
zação de uma reunião com as partes envolvidas – síndico (repre-
sentando o condomínio) e condôminos (pavimento superior e
pavimento inferior).
Após a realização de contato por telefone com as partes
envolvidas no imbróglio, todos concordaram com a realização
da reunião.
Na reunião, comunicamos as partes que, a fim de de-
limitarmos a responsabilidade pelos prejuízos ocasionados pela
infiltração e subsequente reparo, era necessário identificar a ori-
gem do vazamento e, para tanto, informamos que seria neces-
sária uma vistoria técnica em ambos os imóveis. Vistoria essa a
ser realizada por um profissional habilitado ou empresa especia-
lizada, a fim de verificar se a origem da infiltração decorria da
tubulação particular/horizontal (responsabilidade do pavimento
superior) ou até mesmo da tubulação comum/vertical (respon-
sabilidade do condomínio).
Os envolvidos concordaram com a orientação e, após a
realização da vistoria, foi observado que a infiltração tinha como
origem um vazamento na tubulação particular do imóvel supe-
rior.
Portanto, após a identificação da origem do vazamen-
to, o proprietário do pavimento superior providenciou as re-
parações necessárias (obras saneadoras), oportunizando que o

75
problema fosse resolvido na seara extrajudicial, evitando o ajui-
zamento de demanda, o que poderia, inclusive, ensejar em da-
nos morais.
Enfim, só é possível resolver a infiltração entre aparta-
mentos a partir do momento que seja identificada a origem do
vazamento, ou seja, o responsável pelos danos provenientes ao
imóvel. Para além, concluo ser de extrema importância o auxílio
de um advogado para a condução do caso.

REFERÊNCIAS
PEGHINI, Cesar Calo. Direito Condominial. São Paulo: Mizuno,
2021.
RIZZARDO, Arnaldo. Condomínio edilício e incorporação imo-
biliária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

SOBRE O AUTOR

Lumena de Carvalho Ferreira (OAB/RJ 183.975) – Advogada,


pós-graduada em Direito Condominial, pelo Centro Brasileiro de
Estudos e Pesquisas Jurídicas (CBEPJUR), pós-graduada em Gestão
e Direito Imobiliário pela Universidade Cândido Mendes (2015).

76
SOLUÇÕES EM CONFLITOS CONDOMINIAIS: INFIL-
TRAÇÃO EM UNIDADES

Márcia Regina de Mendonça Lima

Quando o assunto é infiltração, talvez esse seja um dos


grandes e mais silenciosos problemas que um condomínio pode
enfrentar, sem contar que existem outras situações rotineiras,
que preferimos não mencionar neste artigo, vamos nos ater ape-
nas a um problema relacionado à infiltração.
A água é tão necessária e útil para a nossa vida. Em sua
falta, somos capazes de recorrer a serviços de carro-pipa e pagar
caríssimo por sua entrega, e ao mesmo tempo pode, também,
ser a maior vilã em um cenário de convivência diária.
No condomínio comercial em que este caso será relata-
do, tivemos o primeiro ponto de infiltração depois de sete anos
de instalação condominial e que veio a afetar todas as unidades
da mesma coluna. Inicialmente, apenas uma delas percebeu o
que estava acontecendo e, detalhe, esta unidade não era a causa-
dora do transtorno.
Desde março de 2020, a sociedade tem enfrentado a
pandemia do novo coronavírus. Alguns estabelecimentos como
salões de beleza precisaram fechar suas portas, de imediato, em
função do contato direto com seus clientes, e percebemos que,
passado um tempo, devido ao cenário que se instaurou, eles,
simplesmente, mudaram suas localizações e estabeleceram-se
em determinadas salas comerciais em vez de lojas. Foi o que
aconteceu com um salão de beleza, que passou a ocupar uma

77
unidade de um condomínio, ainda no primeiro semestre do ano
de 2020.
Esse salão de beleza dispôs o seu funcionamento em
uma sala do último andar do prédio comercial. Os locadores an-
teriores, dessa mesma unidade, tinham atividades de corretagem
de imóveis. Estes executavam suas tarefas de forma predominan-
temente externa e pouco utilizavam o escritório/sala. Mas, pos-
teriormente, esse ambiente manteve-se fechado por um período
muito extenso, tornando sua utilização mínima ao longo dos
últimos sete anos.
Passados esses anos, a sala comercial do sexto andar do
prédio foi alugada, sendo assim, rapidamente, em uma semana,
os proprietários do salão de beleza iniciaram algumas reformas,
pois estavam transferindo-se de um ponto para outro e ficar pa-
rado com obras é, sem dúvida, um grande prejuízo.
Logo no início das obras já surgiram alguns problemas
aparentes no prédio, porém alguns sem o menor vínculo ou as-
sociados ao salão recém-chegado, pois este estava localizado no
sexto andar e os primeiros focos de infiltração se deram em um
nível mais inferior, no terceiro andar.
Em pouco menos de uma semana, houve reclamação
de um consultório odontológico, que estava na mesma colu-
na da sala no sexto andar. Eles relataram que surgiram algu-
mas manchas em seu teto e que antes eram mínimas, mas que,
ultimamente, elas haviam agravado bastante. Imediatamente, a
Administração solicitou uma visita à sala e, em seguida, houve
a necessidade de adentrar, também, à sala de outro vizinho, da
mesma coluna, no andar superior, onde, aparentemente, nada
foi encontrado.
As manchas mencionadas acima começaram a aumen-
tar no consultório odontológico do terceiro andar e, assim, a

78
Administração solicitou permissão para adentrar às salas da mes-
ma coluna, agora no quinto e no sexto andar. Aparentemente,
nada foi observado nas paredes e nos tetos.
Duas semanas se passaram e surgiu um grande volume
de água, passando pelas escadas, desde o último andar. No pri-
meiro momento, houve a suspeita de que o escoamento de água
viria do novo salão de beleza, contudo, quando a Administração
foi dialogar com a referida unidade, os operários que trabalha-
vam no local informaram que haviam deixado uma torneira li-
gada. O que houve, na verdade, foi um “alarme falso”; não havia
vazamento algum ligado a essa ocorrência.
A partir daí, o síndico desse condomínio reuniu-se
com o Conselho, para elucidar os fatos, relatando o que ha-
via acontecido. Um dos conselheiros sugeriu que o condomínio
contratasse uma empresa de “caça vazamentos” e a Administra-
ção colocou em prática.
A empresa de “caça vazamentos” realizou seu trabalho
e, com base nas informações que passamos, eles notaram que
a água circulava próximo ao prisma, parte central e de ventila-
ção do prédio, onde ao lado também estava localizada a escada
de emergência; porém constataram que naquele local, que era a
parte comum do prédio, não havia nenhum segmento hidráuli-
co importante, tal como lavabo ou alguma lixeira com ponto de
água. Perceberam, também, que as unidades que ficavam pró-
ximo ao prisma compartilhavam seus lavados na mesma coluna
daquela parede; fato que nos chamou a atenção. Ao final, rece-
bemos um laudo da empresa.
Testes com pó xadrez foram realizados em todas as sa-
las dessa mesma coluna, porém não surtiram o efeito esperado e
não apareceram em um local visível, mesmo dentro ou fora das
unidades, como corredores e escadas.

79
Três semanas se passaram e as obras do salão localizado
no sexto andar finalizaram. Em aproximadamente um mês de
locação, os responsáveis pelo salão de beleza colocaram-no em
pleno funcionamento. Certo dia, ouviu-se um barulho de água
pelo prisma do prédio, mas era um ruído considerável, que ini-
ciava e encerrava; e, assim, persistiu durante um longo período,
de maneira intermitente.
Em um dos dias em que esta água jorrava, o auxiliar
de manutenção, que fazia ronda pelos andares do condomínio,
recorreu à Administração, que informou ao síndico o que esta-
va acontecendo e, no mesmo instante, considerou que poderia
estar vindo do salão de beleza, pois, pelas práticas de trabalho,
o uso de água teria uma frequência periódica. Sendo assim, o
síndico entrou em contato com a sala do sexto andar e solicitou
a permissão para entrar no ambiente.
Como forma de monitoramento desse teste, foi deixa-
do um funcionário da Administração dentro da unidade, que
era o salão de beleza, e, ao mesmo tempo, um auxiliar de manu-
tenção no térreo, ao lado da parede do prisma, onde havia uma
visita na parede. A Administração orientou o salão a abrir um
ponto de água por vez. Ao abrir a torneira do lavabo, imediata-
mente, nós percebemos que caía água no prisma e assim desco-
brimos de onde vinha a água que estava causando infiltração no
consultório odontológico.
Acontece que a resolução do problema estava mais lon-
ge do que se imaginava, pois não compreendíamos como uma
torneira aberta poderia jorrar água por dentro do prisma; por
mais que soubéssemos de onde vinha a água do mais novo vizi-
nho do prédio comercial.
A melhor forma de descobrir uma infiltração é a in-
vestigação dos pontos e para isso faz-se necessário a quebra das

80
paredes mais próximas do local, onde se encontra o problema,
até descobrir seu ponto exato.
Como a sala estava locada, a Administração orientou
os locatários a entrarem em contato com o proprietário e que
este deveria se responsabilizar pela obra, que seria necessária,
para descobrir o ponto de infiltração. O locatário compareceu
ao prédio na mesma semana, e informou à Administração que
faria a obra em dias e horários permitidos. E, conforme prome-
tido, assim o fez.
Com a quebra da parede da sala do sexto andar, iden-
tificou-se também que o cano da pia do lavado não estava co-
nectado ao esgoto, e isso fazia com que a água caísse direto no
prisma.
Passando-se alguns minutos após o início da obra, um
funcionário da recepção do prédio contatou a Administração,
para informar que o ambiente estava ficando alagado e que não
sabia de onde vinha aquela quantidade de água. Os elevadores,
também, ficaram cheios de água, e foi necessário acionar o seu
desligamento no quadro geral de energia, para não haver maio-
res problemas. Por consequência disso, a garagem, também, co-
meçou a ficar inundada.
Ocorre que, no início dos serviços, o pedreiro, ao
quebrar a parede do lavabo que ficava junto ao prisma do pré-
dio, deixou despencar pedaços de tijolos que, precipitaram-se
do sexto andar do prédio, alcançaram o térreo e atingiram um
cano da parte hidráulica que atravessava o prisma; a partir daí, o
problema se multiplicou, porque a água jorrava direto do pris-
ma, no térreo. Por esse descuido, fica claro o motivo do inci-
dente do alagamento no prédio. Como esse episódio inesperado
aconteceu no sábado pela manhã, havia uma equipe de serviço
no prédio. O auxiliar de manutenção fechou o registro geral de

81
água, fazendo cessar a sua passagem e começando a conter o
problema.
O proprietário da sala do sexto andar, que estava com
seu operário especializado – pedreiro – disse que faria a obra
para consertar a avaria causada no cano da área comum, porém
o funcionário da Administração informou que na área comum
do condomínio, somente o síndico poderia autorizar. A partir
desse momento, o proprietário discordou e argumentou dizen-
do que com a contratação de seu pedreiro os serviços seriam
mais em conta.
Devido à situação, o funcionário da Administração
contatou o síndico, que não estava no prédio, naquele momen-
to, perguntando se haveria alguma possibilidade de o pedreiro,
da sala mencionada acima, executar a obra. O síndico questio-
nou se o profissional poderia fornecer os documentos legais para
a obra, tais como, recibos, nota fiscal do material e uma ART
(Anotação de Responsabilidade Técnica por um engenheiro)
pela reponsabilidade de um modo geral; porém o profissional
disse que não poderia atender aos requisitos necessários. Sendo
assim, o síndico não autorizou e providenciou os serviços de
uma empresa que poderia fornecer os documentos hábeis para
o condomínio.
Após a conclusão da obra no prisma, o síndico noti-
ficou a unidade e informou que os custos seriam cobrados no
próximo boleto condominial. Entretanto o proprietário da sala
disse que, por não concordar, não honraria com a cobrança do
condomínio e que, também, pelo fato de entender que havia um
vício de obra, alegando que o cano da pia do lavabo não tinha
conexão com o esgoto. Por outro lado, o síndico informou a ele
que o período de garantia da obra, que seria de cinco anos, já
havia passado e que a construtora, provavelmente, não arcaria
com as despesas.

82
A partir desse momento, o proprietário solicitou uma
reunião com o síndico e conselheiros do condomínio. Ele se
mostrou impaciente e irredutível, fazendo com que eles não
chegassem a um comum acordo. Foi aí que o síndico propôs
levar o caso a uma assembleia e o que ela decidisse seria feito;
pois entende-se que a decisão assemblear é soberana e concede
oportunidade para uma nova decisão.
Marcada a assembleia, o plenário decidiu, por votos da
maioria, que os custos da obra de avaria do cano do prisma seriam
arcados 50% pelo proprietário e 50% pelo condomínio, termi-
nando assim o litígio entre as partes, que durou ao todo sete meses
e culminou em uma assembleia convocada para esse propósito, o
que trouxe um resultado mais satisfatório para todos.

SOBRE O AUTOR

Márcia Regina de Mendonça Lima - Síndica, conselheira de


condomínio, contadora, pós-graduanda em Direito Condominial
pela CBEPJUR, membro da Comissão de Contabilidade Condomi-
nial do CRC/RJ.
contato@confiancacontabil.cnt.br
@marcia.confiancacontabil

83
COLISÕES NO PORTÃO DE VEÍCULO: DE QUEM É A
RESPONSABILIDADE? QUANDO É DO PORTEIRO,
POSSO DESCONTAR DO SEU SALÁRIO?

Marília Mendes Ferreira

Com o aumento da população na zona urbana, mais


pessoas passaram a morar em condomínios, consequente-
mente, mais pessoas passaram a transitar através de veícu-
los automotores, tanto nas vias, como nas ruas internas e
nos espaços condominiais. Com isso, os números de colisões
aumentaram e o portão passa a ser mais um elemento a ser
atingido. Quando isso ocorre, de quem é a responsabilidade?
Sendo do porteiro, posso descontar do seu salário? A colisão
no espaço condominial de maior incidência é a do portão de
entrada/saída de veículos. Neste artigo, abordaremos a quem
pertence a responsabilidade em caso de acidentes veiculares
dessa natureza, a possibilidade de desconto na remuneração
do porteiro e quais medidas podem ser tomadas para preve-
nir ou minorar os problemas.
Inicialmente, cabe ressaltar que aos condomínios são
aplicadas as normas do Código Brasileiro de Trânsito, nos termos
do parágrafo único do art. 2º da Lei nº. 9503/97, senão vejamos:

Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as aveni-


das, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas
e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão
ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as
peculiaridades locais e as circunstâncias especiais.

84
Parágrafo único. Para os efeitos deste Código, são conside-
radas vias terrestres as praias abertas à circulação pública,
as vias internas pertencentes aos condomínios constituí-
dos por unidades autônomas e as vias e áreas de estacio-
namento de estabelecimentos privados de uso coletivo
(Grifos nossos).

Nesse sentido, aduz Miguel Zaim8 ao lecionar que se


tornou “obrigatória a observância do Código de Trânsito Brasilei-
ro nos condomínios, aplicando as mesmas penalidades para infra-
tores, regras de velocidades, diretrizes de tráfegos, entre outras”.
Dessa forma, em caso de colisão no portão entrada/
saída, aplicam-se as diretrizes do Código Brasileiro de Trânsito.
Destacamos o dever de cautela do motorista do veículo ao exe-
cutar manobra de entrada e saída no condomínio. Vejamos:

Art. 34. O condutor que queira executar uma manobra de-


verá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para
os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão
cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua
velocidade.
Art. 44. Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento,
o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial,
transitando em velocidade moderada, de forma que possa
deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedes-
tre e a veículos que tenham o direito de preferência.

Como podemos observar, o motorista deverá tomar as


cautelas necessárias para entrar/sair do condomínio com segu-
rança. Para isso, deve aguardar a abertura ou fechamento com-
pleto do portão para proceder com a manobra de saída/entrada.

8 ZAIM, Miguel. Síntese do direito condominial contemporâneo. Cuiabá: Sera-


ta Editora, 2019. p. 43; 98.

85
A maioria dos acidentes ocorre porque o condutor não
adota a previsibilidade objetiva ao conduzir o veículo e acaba
ingressando ou saindo quando o portão já iniciou o seu fecha-
mento automático. Nesses casos, não existe responsabilidade do
condomínio, por culpa exclusiva do motorista.
A orientação jurisprudencial dos tribunais brasileiros
corrobora com a tese acima, in verbis:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - COLISÃO EM VIA


PARTICULAR - APLICAÇÃO DAS NORMAS DO
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - IMPERÍCIA
DO CONDUTOR - RECONHECIMENTO - DANO
MATERIAL CONFIGURADO - MANUTENAÇÃO
DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. - São
consideradas vias terrestres, para efeito de aplicação das nor-
mas contidas no Código de Trânsito Brasileiro, “as praias
abertas à circulação pública, as vias internas pertencentes
aos condomínios constituídos por unidades autônomas e
as vias e áreas de estacionamento de estabelecimentos pri-
vados de uso coletivo” (art. 2º, Parágrafo único, da Lei nº.
9.503/1997)- Os elementos de prova constantes dos autos
revelam que o Primeiro Requerido, condutor do veículo de
propriedade do Segundo Requerido, não observou os cui-
dados necessários para realizar a manobra pretendida, sen-
do essa a causa determinante do evento danoso, que, per
si, impõe o seu dever de indenizar os prejuízos causados.
(TJ-MG - AC: 10704120039794001 Unaí, Relator: Ro-
berto Vasconcellos, Data de Julgamento: 30/08/2018, Câ-
maras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação:
11/09/2018)

Contudo, há casos em que a responsabilidade pode ser


do condomínio. Isso acontece quando restar comprovado que a

86
colisão ocorreu por um ato de descuido praticado pelo porteiro,
por culpa ou dolo.
Quando o porteiro é contratado diretamente pelo con-
domínio, a responsabilidade pela reparação do dano material é
exclusiva do condomínio. Entretanto, quando o porteiro é ter-
ceirizado, a responsabilidade do condomínio é solidária, confor-
me aduz Lino Araújo9 quando descreve:

O condomínio é solidariamente responsável, junto com a


empresa fornecedora de mão de obra, pelos atos dos funcio-
nários terceirizados, pois se entende que estes, apesar de não
ser empregados diretos, é preposto daquele, o que implica
em responsabilidade.

Em ambos os casos, seja terceirizado, seja empregado


do condomínio, o condomínio não poderá realizar o desconto
na remuneração do porteiro sem atender às exigências legais.
O artigo 462 da CLT, que contempla o princípio da
intangibilidade do salário, prevê, em seu parágrafo 1º, a possi-
bilidade de o empregador realizar descontos por danos causados
pelo empregado. Para tanto, determina que isso seja acordado
ou que os danos tenham sido em decorrência de dolo do traba-
lhador, senão vejamos:

Art. 462 - Ao empregador é vedado efetuar qualquer des-


conto nos salários do empregado, salvo quando este resul-
tar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato
coletivo.
§ 1º - Em caso de dano causado pelo empregado, o des-
conto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido
acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

9 ARAÚJO, Lino. Ser síndico não é padecer no condomínio. 1. ed. São Paulo:
Amaral Gurgel Editora, 2014. p. 337.

87
No mesmo sentido, aborda Carlos Alexandre Cabral
quando aduz que: “Em caso de dano causado pelo empregado, o
desconto será lícito se houver previsão neste sentido no contrato
de trabalho ou na ocorrência comprovada de dolo (intensão) do
empregado”.
A orientação jurisprudencial pátria corrobora com a
tese da possibilidade do desconto salarial, conforme decisões
abaixo:

DESCONTOS SALARIAIS INDEVIDOS. DEVO-


LUÇÃO. CULPA DO EMPREGADO. NÃO COM-
PROVAÇÃO. Invocado pelo empregador dano por
ato culposo do empregado como motivo ensejador dos
descontos salariais efetuados, compete-lhe provar o fato
justificador desse procedimento, ainda que tal possi-
bilidade tenha sido acordada no contrato de trabalho
(CLT, art. 462, § 1º), ônus do qual não se desincumbiu
na espécie. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO.
DESCONTOS SALARIAIS INDEVIDOS. INDENI-
ZAÇÃO DEVIDA. A redução da remuneração através
de descontos não autorizados por norma legal nos sa-
lários do autor é capaz de provocar abalo psicológico,
por se tratar de ilícito patronal que privou o trabalhador
de valores destinados à sua subsistência e de sua família,
exsurgindo evidente o dever da recorrente em indenizar
o recorrido pelo dano moral que a redução indevida do
salário acarreta naquele que depende exclusivamente da
contraprestação do seu trabalho para atender suas neces-
sidades básicas, em afronta direta do princípio da digni-
dade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). (TRT-16
00170388520165160004 0017038-85.2016.5.16.0004,
Relator: MARCIA ANDREA FARIAS DA SILVA, Data
de Publicação: 11/10/2018).

88
RECURSO ORDINÁRIO. SALÁRIO. DESCONTOS.
DANO CAUSADO POR ATO CULPOSO DO EM-
PREGADO. PRESSUPOSTOS. A intangibilidade sala-
rial constitui um dos princípios basilares do Direito do
Trabalho, protegendo o salário quanto ao seu valor, quan-
to ao seu poder de compra, quanto à sua impenhorabilida-
de e contra qualquer prática que prejudique o seu efetivo
montante, especialmente a de descontos indevidos por
parte do empregador, proteção esta que está positivada no
art. 462, caput, da CLT. Dentre as exceções a essa vedação,
encontra-se a hipótese de prejuízo causado ao empregador
por ato culposo do empregado, situação que autoriza o
desconto nos salários, mas desde que isso tenha sido ex-
pressamente pactuado pelas partes e o ato culposo seja de-
vidamente comprovado (CLT, art. 462, § 1º). À míngua
de comprovação da conduta culposa imputada à Recla-
mante, não há como dar guarida à pretensão revisional do
Reclamado. Recursos conhecidos e desprovidos. (TRT-10
- RO: 667200601510853 DF 00667-2006-015-10-85-3 ,
Relator: Desembargadora Heloisa Pinto Marques, Data
de Julgamento: 19/11/2008, 3ª Turma, Data de Publica-
ção: 05/12/2008).

A verdade é que o condomínio deve adotar práticas


para evitar tais colisões, como: aumentar a sinalização vertical
e horizontal, instalar sensores antiesmagamento, realizar treina-
mentos periódicos com os porteiros. Contudo, quando aconte-
cer um sinistro de colisão por responsabilidade de ato do portei-
ro, deve o condomínio verificar a condição de ato em culposo
ou doloso. No caso de ato culposo, deve verificar a previsão no
contrato de trabalho e acordar com o trabalhador a forma de
desconto e, quando se tratar de ato doloso, poderá fazer a dedu-
ção salarial de forma imediata.

89
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Lino. Ser síndico não é padecer no condomínio. 1. ed.
São Paulo: Amaral Gurgel Editora, 2014. p. 337.
CABRAL, Carlos Alexandre. Manual de Direito do trabalho para
condomínios. 3. ed. São Paulo: LTr, 2018.
ZAIM, Miguel. Síntese do direito condominial contemporâneo.
Cuiabá: Serata Editora, 2019. p. 43; 98.

SOBRE O AUTOR

Marília Mendes Ferreira - Advogada condominialista. Pós-gra-


duanda em Direito e Negócios Imobiliários pelo Instituto Damá-
sio, pós-graduanda em Direito Condominial pela CBEPJUR.

90
DIFERENÇA ENTRE BARULHO E RUÍDO E A RESPON-
SABILIDADE DO SÍNDICO NESSA RELAÇÃO DE CON-
FLITOS ENTRE AS UNIDADES

Paulo Francisco Alves Júnior

Considerando que os conceitos de barulho e ruído


muito se confundem na prática, já que as pessoas possuem
rotinas distintas, adotaremos o termo ao homem médio, que
serve de medida para o comportamento dos demais seres
humanos, tendo o exemplo de uma rotina de condôminos em
apartamentos, onde é natural e saudável a boa convivência,
sendo necessário a limpeza do imóvel, a retirada adequada de
resíduos (sejam eles orgânicos ou recicláveis), o recebimento de
visitas acompanhadas de som e sorrisos.
Também, nesse campo de atividades são previstos
acontecimentos de situações atípicas, como deixar cair um pra-
to, usar o banheiro nas madrugadas com pequenos intervalos,
sendo necessário acionamento da válvula sanitária a cada uso
ou também tomar banhos, barulhos de casais nas madrugadas,
crianças hiperativas ou com transtornos de ansiedade, onde é
necessária uma atenção especial.
Barulho - Substantivo masculino
1.som, estrepitoso; rumor; estrondo.
2. agitação barulhenta; algazarra, alvoroço.

Ruído - Substantivo masculino


1.som ou conjunto de sons, freq. desagradáveis ao ouvido, cau-

91
sado por queda, choque, pancada, etc.; barulho, estrondo, es-
trépito.
2.rumor contínuo e prolongado; bulício.

Homem Médio – mera criação jurídica para servir de medi-


da para o comportamento de todos os demais seres humanos. É
como o quilômetro, o metro, o quilo, ou seja, é uma medida,
um padrão, cuja conduta sempre servirá de exemplos e de base
para esses demais comportamentos humanos.

No Código Civil o barulho em condomínio é aborda-


do de forma ampla. Por exemplo, o artigo 1.336 diz que existe
obrigação de não prejudicar o sossego.

Art. 1336. São deveres do condômino: [...] IV - dar às suas


partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as
utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e se-
gurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Elencadas algumas situações possíveis de acontecerem


no ambiente condominial, pergunta-se: o que fazer e como pro-
ceder de maneira profissional, sem expor nenhuma unidade,
para resolver situações que para muitos síndicos é o maior desa-
fio de uma gestão inteligente, eficaz e eficiente?
Levando para o mundo prático, reclamações devem ser
feitas formalmente ou em livros físicos com páginas numeradas,
preferencialmente uma página para cada reclamação, onde será
necessário ao reclamante colocar a termo com a descrição do
fato, dia, horário e riqueza de detalhes da situação. Outro meio
é a utilização de aplicativos inteligentes de condomínio, que di-
recionam para o local que será formalizada a reclamação, nesse
caso quando o morador acessar o aplicativo, não é necessário
informar a unidade reclamante, nem o dia e horário que fez

92
a reclamação, tudo será registrado eletronicamente, somente o
fato que deverá ser descrito.
Outro ponto a ser observado sobre a padronização
das ações é o formulário preenchido pela portaria e vigilantes,
servindo de argumentação para fundamentar uma notificação e
multa e também dos colaboradores, com postura profissional e
discreta para resolver o mais rápido possível a lide.
O primeiro contato de um morador ofendido geral-
mente é feito com a portaria, por interfone ou ligação. Esse
primeiro contato deverá ser relatado no livro do porteiro, in-
formando o horário, a unidade reclamante e a suposta unidade
reclamada, também orientar que é necessário uma segunda soli-
citação para informar que o barulho ou ruído persiste, somente
a partir da segunda relação é necessário preencher o formulário,
pois geralmente muitos são resolvidos na primeira chamada,
após o primeiro contato, é necessário confirmar a unidade in-
fratora no local. Fica a dica de antes de interfonar na suposta
unidade infratora, cientificar-se da natureza perturbadora.
Essa averiguação poderá ser feita por um vigilante ou
zelador se for em horário de serviço. Após a confirmação, a por-
taria deve entrar em contato com a unidade, explicar de forma
orientativa, informando artigos do Regimento interno e nunca
falar qual unidade reclamou, caso o reclamado insista em saber,
informar que caso se sinta prejudicado ou mesmo penalizado
injustamente, deve procurar a Administração em momento pos-
terior, mas tentar resolver efetivamente o problema.
O maior problema a ser identificado nessa situação é
sobre o ruído, que possui um lapso temporal curto, como cair
um garfo, onde quando o vigilante ou zelador for identificar, ou
não conseguirá identificar a unidade ou muitos casos são resolvi-
dos com uma mediação entre as partes, solicitado um represen-

93
tante de cada unidade conversar com a Administração em dia e
horário marcado, com o objetivo de encontrar uma maneira de
melhor convivência entre as unidades, trazendo soluções práti-
cas para o caso, estipulando prazos e, caso não resolva, orientar
as partes a procurarem o judiciário, sendo uma terceira possibi-
lidade de acordo, esgotando o Regimento Interno, Conciliação
extrajudicial e judiciário.
Essa situação de levar para o Judiciário seria a última
opção, pois foram esgotadas todas as medidas administrativas
para tentar resolver o conflito.
Na prática, se a conciliação extrajudicial for bem con-
duzida e também registrada, colocando os representantes das
unidades assinando o registro, como forma de compromisso fir-
mado, trazendo a responsabilização as unidades, não exclusiva-
mente da Administração.
Essa é a principal mensagem que o texto quer deixar
aos leitores: que o síndico não é o responsável por problemas
entre unidades; a Administração, de maneira formal e impar-
cial, mediará o conflito, trazendo para cada unidade o senso de
responsabilidade que elas possuem, com caráter até mesmo pe-
cuniário no caso da aplicação de multa, prevista em cada Regi-
mento interno. Ainda, esclarecer que os custos de abertura de
processo judicial são de cada unidade e que o Jurídico do con-
domínio poderá ser citado como parte do processo, porém sua
participação no processo é de meio e não de fim.
Modelos de formulários de reclamação padronizados
com a realidade de cada condomínio, sendo preenchidos a partir
da segunda ligação do reclamante. A elaboração de formulário
observa os itens apontados pelos porteiros e vigilantes, que vi-
venciam situações diversas em seus plantões de 12 horas.

94
Após ter elaborado o formulário e orientado portei-
ros e vigilantes na padronização das reclamações, recomenda-se
divulgar um comunicado geral aos moradores, informando e
explicando os novos métodos de trabalho, associando, ainda,
campanhas educativas com temas inteligentes e divertidos, di-
minuindo significativamente os problemas que antes eram dis-
cutidos em grupos de aplicativos e também deixando os plan-
tões cansativos.
Atribuir a responsabilidade e orientar da melhor forma
a solução de conflitos, trouxe ao ambiente de trabalho mais sau-
dável e harmônico, onde tudo é registrado e identificado, tendo
todos nesse processo o senso de solucionar o problema.
Além disso, quebrar a tão falada lei do silêncio, ou seja,
perturbar o sossego alheio com gritaria, algazarra ou outras for-
mas de barulho, também é uma contravenção penal prevista no
artigo 42 da Lei das Contravenções Penais:

Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheio: I – Com


gritaria ou algazarra; II – Exercendo profissão incômoda
ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III –
Abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV
– Provocando ou não procurando impedir barulho produ-
zido por animal de que tem a guarda. Pena - prisão simples,
de quinze dias a três meses, ou multa.

Um ponto que direciona as ações nos condomínios é


a norma ABNT NBR 10152. A norma técnica determina que
em residências o nível de ruído não deve ser maior do que 35 a
45 decibéis nos dormitórios, e 40 a 50 decibéis na sala de estar.
Outra indicação da norma é que os barulhos não po-
dem ultrapassar os 55 decibéis para o período diurno, das 7h

95
às 20 horas, e 50 decibéis para o período noturno, das 20h às 7
horas.
Ou seja, a norma deixa claro o quanto de barulho é
aceitável ou não. Afinal, pode haver casos em que o barulho é
normal e dentro do estipulado na norma técnica e os morado-
res reclamarem como se o vizinho que faz o barulho estivesse
errado.
Para evitar problemas por causa de barulho no condo-
mínio há algumas recomendações práticas aos moradores:

a. Utilizar carpetes nos ambientes com maior concen-


tração de pessoas, como sala de televisão, e passagem
constante, como nos corredores, evitando os barulhos
de salto alto.

b. Quando fizer obras, conversar com a Administração e


seus vizinhos e estar disposto a colaborar com o impac-
to que será gerado.

c. Instalar cabeceiras nas camas para evitar atritos com as


paredes.

d. Fazer uso das áreas comuns, como churrasqueiras, nos


horários estabelecidos pelo regimento interno.

e. Quando receber grupos de amigos, reservar as áreas co-


muns, deixando os convidados mais à vontade e evitan-
do reclamações dos vizinhos, constrangendo as visitas.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. ABNT.
NBR 10152. Atualizada 2020.

96
CURSO DE DIREITO PENAL. Parte Geral. v. I. 12. ed. Rio de
Janeiro: Editora Impetus, 2010.
RISCO. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus,
2020. Disponível em: https://www.dicio.com.br/risco/. Acesso em:
27 jul. 2022.

SOBRE O AUTOR

PAULO FRANCISCO A. JUNIOR, natural de Anápolis/GO, presta ser-


viços na área operacional na Empresa Alto Nível, especializada em
Contabilidade e Gestão de Condomínios, bacharel em Adminis-
tração de Empresas e Direito, formado em Gestão de Segurança
Pública pela UEG e pós-graduado em Direito Penal e Processo Pe-
nal pelo Instituto Sollus, e em Direito Condominial pela CBEPJUR.
Elaborou este fato com base na realidade da cidade de Anápolis,
onde é síndico orgânico pelo quarto mandato.

97
COMPLIANCE: UM CAMINHO ABERTO PARA RELA-
ÇÕES ÉTICAS NAS PRÁTICAS CONDOMINIAIS

Renata Vaz Lopes Felix

Você ficaria feliz se soubesse que o síndico do seu con-


domínio recebe 10%, 20%, 30% ou até 40% dos contratos que
assina? Ou que o zelador, ou porteiros recebem “gorjetas” para
deixar alguém entrar sem registro? E se o síndico favorecesse
uns condôminos, seus aliados, em detrimento de outros? Tais
atitudes são corretas, são aceitáveis no ambiente condominial?
Síndicos e moradores convivem todos os dias com pro-
blemas relacionados à gestão de condomínios e, para evitar que
situações como essas acima citadas, dentre outras, ocorram, é
salutar a adoção da cultura de compliance e implantação de no-
vas regras, que não só favorecerá o síndico através de uma gestão
eficiente e transparente como também os condôminos, na cer-
teza de que as contas, investimentos, obras e arrecadações estão
sendo utilizados de acordo com as decisões assembleares, dentre
eles, a perpetuação da edificação através de medidas de com-
pliance quanto à preservação e conservação do bem comum.
O termo compliance faz parte do conceito de Gover-
nança Condominial, que surge como tendência, adaptando
conceitos da gestão corporativa para a realidade dos condomí-
nios e que tem como propósito facilitar o acesso ao conjunto
de boas práticas a fim de otimizar o desempenho operacional
das atividades condominiais e, sempre que possível, proteger os
planos das partes interessadas, no caso, os condôminos. Assim,
a escolha por uma administração íntegra e transparente, focada

98
na alta performance, passou a ser uma exigência em todos os
condomínios, sejam eles residenciais, comerciais ou mistos.
É importante salientar que o programa de compliance,
para ter sucesso, requer a participação de toda a massa condo-
minial, gestores (síndicos orgânicos ou síndicos profissionais),
conselho fiscal e/ou consultivo, administradores, funcionários
e moradores (condôminos ou inquilinos), sem exceções. Deve
ainda o síndico, moderno e atualizado, além de um olhar ri-
goroso sobre as leis e das normas que regem o setor, atentar
também para a realidade condominial, cujas características e
especificidades não se apresentam idênticas a outras estruturas
condominiais. Nessa etapa, é muito importante listar todas as
situações possíveis de ocorrer algum delito, comportamento
abusivo, suborno ou qualquer irregularidade. Seguindo essa li-
nha de raciocínio, antes de considerar o uso de softwares ou fer-
ramentas específicas que ajudem nessa tarefa, o primeiro passo
é sensibilizar o público-alvo: os condôminos; mostrando que o
compliance vai além da adequação às normas e pode trazer gran-
des benefícios para todos os envolvidos.
Um efetivo programa de compliance condominial é
baseado em nove pilares, os quais se encontram abaixo descritos:

1º Pilar – Suporte da alta administração: Este pilar é


considerado viga mestra do programa de implantação de
compliance porque é crucial a verdadeira vontade da alta
administração (síndico, conselho) em implementar o pro-
grama. É necessário o engajamento do síndico, integrantes
do conselho e condôminos. Deve-se ter o aval de todos para
que seja implantado o sistema com programas eficazes na
prevenção, detecção e punição nos casos que se fizerem ne-
cessários, através da interação constante dos colaboradores
por meio de comunicação escrita, clara e formal.

99
2º Pilar – Avaliação dos riscos: Neste pilar é elaborado
um mapeamento dos riscos e pontos frágeis do condomínio
(red flags) para visualização das questões mais urgentes. De-
vem ser mitigados os riscos ao máximo. É necessário avaliar
de forma imparcial quais os pontos fracos, qual a demanda
de maior representatividade e quais os riscos de gestão que
possam impactar nas diversas esferas (trabalhistas, cível, cri-
minal, tributária).

3º Pilar – Código de ética e de conduta: A criação de


um Código de Ética voltado para a gestão condominial tem
por objetivo estabelecer os princípios, conceitos e valores
que norteiam o padrão ético de conduta dos gestores na
sua atuação interna e em sua relação com os condôminos,
prestadores de serviço, empregados ou terceirizados, bem
como os demais colaboradores, refletindo a realidade do
condomínio e a postura dele perante a comunidade no seu
entorno, atendendo às demandas sociais, garantindo igual-
dade, isonomia, imparcialidade e respeito aos envolvidos.
É uma das ferramentas essenciais para que o síndico possa
buscar a qualidade, eficiência e a transparência da sua gestão
condominial.

4º Pilar – Controle interno: É necessário a criação e uso


de ferramentas que possam controlar as rotinas, os procedi-
mentos do condomínio. A administração do condomínio
deve ter um controle efetivo de todas as ferramentas que
envolvam a gestão condominial, a fim de mitigar riscos e
danos, ou até mesmo, eliminá-los.

5º Pilar – Treinamento e comunicação: Este pilar trata


da importância da comunicação clara e efetiva, bem como
o treinamento constante de todos os envolvidos. De nada
adianta cumprir todas as etapas anteriores se as pessoas que
trabalham no condomínio não sabem como agir ou traba-
lhar dentro das normas, leis, políticas do ambiente condo-

100
minial. Deve ser implementado um canal de comunicação
a fim de garantir a efetividade do programa, possibilitando
a todos os envolvidos o direito à voz.

6º Pilar – Canal de denúncias e reclamações: A criação


de um canal de denúncias e reclamações deve ser pautada
na imparcialidade e na real vontade de adequação de todos
por meio de boas práticas, direcionando as demandas dessa
natureza para que os eventuais conflitos sejam prontamente
resolvidos e dúvidas sanadas. Por isso, é imprescindível que
em um programa de compliance eficiente e robusto o canal
de denúncias e reclamações seja terceirizado.

7º Pilar – Investigações internas: Este pilar refere-se à in-


vestigação das denúncias recebidas, como forma de exercí-
cio de averiguação de fatos, se houve violação das normas
regimentais convencionadas. Duas características da go-
vernança condominial são de fundamental importância na
análise desses fatos: isonomia e imparcialidade.

8º Pilar – Due Diligence: Este é um dos pilares mais com-


plexos do compliance condominial. Ele parte do pressupos-
to de que se deve conhecer as empresas que irão prestar ser-
viços no condomínio. Neste pilar, antes da contratação de
qualquer empresa prestadora de serviço, é importante que
se faça uma averiguação do seu histórico de mercado, inclu-
sive com a apresentação das certidões negativas de débitos
federal, estadual e municipal.

9º Pilar – Monitoramento: A robustez do programa de


compliance se mede pela sua efetividade e para isso é neces-
sário o monitoramento constante de cada um dos itens que
o integram, para que esteja sempre em constante aprimora-
mento e atualização.

101
Diante do que foi exposto, um programa de complian-
ce implantado em um condomínio traz benefícios para toda a
comunidade condominial, no sentido de afastar as irregularida-
des e má condutas, propiciando clareza e honestidade na pres-
tação de contas, certeza de que todas as exigências legais estão
sendo cumpridas, evitando desvios de valores, contratações ir-
regulares e gastos desnecessários. Dessa forma, o síndico pro-
moverá uma gestão ética, garantindo isonomia, transparência e
publicidade dos seus atos.

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vander Ferreira. Manual do síndico profissional. 2.
ed. São Paulo: Editora Nelpa, 2020.
ASSI, Marcos. Governança, Riscos e compliance: mudando a con-
duta nos negócios. São Paulo: Saint Paul Editora, 2017.
QUILIÃO, Tarsia Smeha. Condomínio Legal. 1. ed. Florianópolis:
Editora Insular, 2021.

SOBRE O AUTOR

Renata Vaz Lopes Felix - Contadora, pós-graduada em Direito


Condominial pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurí-
dicas (2021/2022). MBA em Gestão e Finanças, Ciências Sociais,
Negócios e Direito, pelo IPOG-GO (2020/2021). MBA em Auditoria
e Perícia Econômico-financeira, pelo IPOG-GO (2016/2018).

102
SÍNDICO CONDÔMINO OU SÍNDICO PROFISSIONAL:
EXISTE DIFERENÇA LEGAL OU PRECONCEITO?

Zacarias Batista de Lima

A palavra síndico deriva do grego syndkos, e significa


aquele que assiste com justiça, administrador, defensor, procu-
rador. Em linhas gerais, caberá ao síndico representar o condo-
mínio ativa e passivamente, em juízo e fora dele.
As principais atribuições legais, estão elencadas no art.
1.348 do Código Civil.

DOS REQUISITOS PARA SER SÍNDICO


O síndico exerce um mandato, outorgado pelos con-
dôminos, delegando poderes de representação, pelo prazo de até
dois anos. Qualquer pessoa física ou jurídica poderá ser síndico,
salvo disposição expressa na convenção, que poderá estabelecer
os requisitos aplicáveis àqueles que pleiteiam o cargo; assim, de-
verá ser analisado à luz da convenção e do Código Civil.
Vejamos: a) o locatário poderá ser síndico, caso não
haja impedimento em convenção; b) o síndico poderá ser
pessoa jurídica; c) o síndico poderá ser pessoa física, que
exerce profissionalmente a sindicatura; d) o síndico poderá
ser condômino ou não.
O síndico, ao nomear um administrador, aprovado em
assembleia, não fica isento das responsabilidades legais previstas
no art. 1.348 do Código Civil. A deliberação acerca da forma

103
de administrar, remuneração do administrador e prestação de
contas está prevista no art. 1.323 do referido Código.

CONCEITO DE CONDOMÍNIO
Juridicamente, pode-se conceituar o condomínio
como sendo um estado de coisa indivisa sobre a qual várias pes-
soas exercem, simultaneamente, o direito de propriedade sobre
um quinhão ideal. Temos condomínio quando a mesma coi-
sa pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas
igual direito, idealmente sobre o todo e cada uma de suas partes.
Concede-se a cada consorte uma quota ideal qualitativamente
igual da coisa e não uma parcela material desta; por conseguinte,
todos os condôminos têm direto.
O Código Civil de 2002, nos artigos 1.323 a 1.358, com
a participação relevante do Professor Miguel Reale, a quem é credi-
tado o nome de condomínio edilício, regulamenta não só o condo-
mínio em geral, mas os demais tipos de condomínio no país.
História dos condomínios
TERMO SIGNIFICADO
Cum Conjuntamente
Dominum Domínio
Aedilitium Edificação
Edil Magistrado na antiga Roma, na função de
observar e garantir o bom estado e fun-
cionamento de edifícios.
Condomínio Edilício Copropriedade da qual constam unidades
privadas autônomas, de uso exclusivo, e
partes, que são propriedades comuns dos
condôminos.

104
Segundo alguns autores, o instituto da propriedade
horizontal tem origem em épocas muito remotas, como na ci-
dade da Babilônia (há 2.000 anos a. C.), no Egito Antigo e na
Grécia (RIZZARDO, 2018, p. 8).
Outra origem muito importante foi no período da
Roma Antiga, quando surgiram também o conceito de copro-
priedade (condominium) e as teorias subjetivistas sobre a posse,
como poder de fato, conjugando os elementos animus e corpus.
No Brasil, o condomínio “edilício” foi inicialmente
normatizado pelo Decreto 5.481, de 25/06/1928. Porém, foi a
Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, baseada no anteprojeto
de autoria do Professor Caio Mário da Silva Pereira, denomi-
nada “Lei de Condomínios e Incorporações”, que consignou a
concepção moderna da propriedade horizontal com o objetivo
de fomentar e estimular a construção civil.
Por fim, o Código Civil de 2002, nos artigos 1.323 a
1.358, com a participação relevante do Professor Miguel Reale, a
quem é creditado o nome de condomínio edilício, regulamenta não só
o condomínio em geral, mas os demais tipos de condomínio no país.

CONDOMÍNIO: MICROSSISTEMA SOCIAL


Comparação país x condomínio
a. no condomínio edilício existe um síndico, que repro-
duz a figura do Poder Executivo;
b. uma Assembleia Geral, que representa o Poder Legislativo;
c. um Conselho que fiscaliza contas (como um Tribunal
de Contas ou como o Ministério Público, por exemplo)
e auxilia o síndico em suas decisões (Conselho da Re-
pública, Ministros, etc.).

105
Síndico profissional
Devido à crescente oferta a cada dia de edificações
condominiais, principalmente nas grandes cidades, particular-
mente os edifícios edilícios, tem se verificado também a ne-
cessidade de se eleger um síndico não condômino, para ad-
ministrar o condomínio de maneira mais eficiente e proativa,
cujo cargo requer capacitação, tais como: gestão administra-
tiva, financeira e de pessoas, bom conhecimento da legislação
trabalhista, civil e penal. Infelizmente, os condôminos, na sua
maioria, não têm uma qualificação profissional que atenda a
tais requisitos, e tampouco essa visão e elegem o representante
legal do seu condomínio, um síndico sem o devido preparo
para o cargo, o que muitas vezes acarreta enormes prejuízos
aos seus patrimônios.
Para suprir essa lacuna e fazer uma gestão profissional,
surgiu o dito “síndico profissional” — assim chamado porque,
apesar de atuar de forma profissional, remunerada e suposta-
mente ter uma formação qualificada para a função, ainda não
foi regulamentado como profissão, mesmo havendo muitos es-
forços de vários setores da sociedade nesse sentido.
Existe algum preconceito para com o síndico profis-
sional?
Infelizmente eu digo que sim, por experiência própria,
quando fui síndico condômino, não remunerado em um con-
domínio edilício, e ao vender a minha propriedade e me mudar
para outro endereço, fui eleito síndico novamente, só que dessa
vez como síndico não externo/profissional. Percebi então com
o passar do tempo que o tratamento e a atenção por parte dos
condôminos e até de alguns empregados, mudaram em com-
paração ao período que fui síndico orgânico. Essa mesma per-

106
cepção tenho em outros condomínios nos quais também atuo
como síndico profissional.
Já com relação às empresas prestadoras de serviços, a
minha percepção foi ao contrário, ou seja, talvez por enxerga-
rem oportunidades comerciais, considerando que o síndico pro-
fissional pode gerir mais de um condomínio e com isso aumen-
tar a possibilidade de negócios.
Defendo que deveria haver uma campanha para atuali-
zação e divulgação forte entre todos os condôminos e moradores
dos condomínios, da convenção e do regramento interno, assim
como do art. 1.348 do Código Civil, mostrando as responsa-
bilidades e deveres do síndico. Acredito que as convenções que
contemplam o pagamento de pró-labore ou a isenção das con-
tribuições condominiais para o síndico desestimulam a eleição/
contratação de um síndico externo.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código
Civil. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compi-
lada.htm. Acesso em: 15 set. 2021.
ITAGIBA, Sergio. Disciplina de Fundamentos do Condomínio:
Direito de Propriedade, Direito Reais e Origem do Instituto. Curso
de Pós-Graduação em Direito Condominial, da CBEPJUR. Aula mi-
nistrada em março de 2021.
ZAIM, Miguel. Síntese do Direito Condominial Contemporâneo.
Cuiabá: Serata, 2019.

107
SOBRE O AUTOR

Zacarias B. de Lima - Administrador, pós-graduado em Direito


Condominial pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Jurídi-
cas (CBEPJUR), pós-graduado em Finanças pela Universidade de
Negócios e Administração (UNA/MG), com especialização em Au-
ditoria e Controladoria pela FGV/RJ, gestor empresarial, atuou por
37 anos em construção civil nas áreas administrativa e financeira,
perito judicial cadastrado no TJRJ, síndico profissional e complian-
ce em condomínios, corretor e avaliador imobiliário (CNAI).

108
A TÊNUE LINHA ENTRE O DIREITO DE VIZINHANÇA E
O DIREITO CONDOMINIAL: O PAPEL DO SÍNDICO NA
CONTEMPORIZAÇÃO DESSES CONFLITOS

Luciana Julião e Silva Caribé

A vida em condomínio é desafiadora e em muitos ca-


sos uma fonte inesgotável de problemas e conflitos, seja entre
condôminos, condôminos e condomínio, condomínio e presta-
dores de serviço.
O condomínio edilício é um microssistema e, a grosso
modo, representa em escala menor a sociedade na qual ele está
inserido, advindo daí diversos problemas decorrentes da viola-
ção de regras de convivência que no âmbito condominial são
reguladas pela convenção do condomínio e regimento interno,
bem como pelo Código Civil e entendimentos dos tribunais.
O fato é que um condomínio edilício, justamente por
pressupor a convivência entre pessoas tão plurais, com idades,
valores, hábitos e estilo de vida tão diversos, costuma ser um
fervedouro de problemas relacionais, o que demanda especial
atenção do síndico.
Com uma complexidade cada vez maior dos condomí-
nios, alguns inclusive se assemelhando a minicidades, há uma
demanda sobre a modernização e profissionalização do cargo de
síndico, ou seja, um síndico que não seja apenas gestor condo-
minial, mas que possua competências diversas, como noções,
ainda que básicas, de resolução consensual de conflitos.

109
Isso porque, para muito além de um mero gestor de
patrimônio alheio, o síndico tem um papel fundamental de
manter a harmonia entre os condôminos e buscar a paz social
dentro desse microssistema, de forma a evitar animosidades na-
quele convívio social.
E aí é que está um dos maiores problemas enfrentados
pelo síndico: saber o melhor momento de intervir e se deve ou
não intervir no litígio como síndico.
Justamente por abrigar uma série de proprietários de
coisa comum, são muito corriqueiros os atritos decorrentes da
violação flagrante das normas que regem e impõem limites ao
uso anormal da propriedade.
Existem casos clássicos em que há uma clara identi-
ficação da violação de normas que demanda rápida e precisa
atuação do síndico, como som alto após as 22h, objetos pendu-
rados na fachada, uso indevido de vaga de garagem, utilização
de colaborador do condomínio por condômino em benefício
próprio e outras situações semelhantes. São violações que afetam
toda a coletividade ou uma parte substancial dos condôminos,
enquadrando-se, portanto, no âmbito do Direito Condominial.
No entanto, existem situações pontuais e muito espe-
cíficas nas quais não se pode identificar a princípio a violação de
direitos ou até mesmo ter certeza se essas violações de fato exis-
tem, ou se são fruto de uma tolerância menor dos envolvidos.
Nesses casos em que há apenas dois moradores envol-
vidos (em grande parte das vezes unidades contíguas) e não há
provas de que de fato tem ocorrido alguma violação de normas,
deveria o síndico intervir diante das reclamações de ambas as
partes?

110
Pensamos que sim, porém não através da forma tradicio-
nal com aplicações de sanções. Pelo contrário, o síndico deve ter o
cuidado de não tomar partido ou posição favorável de nenhuma
das partes, evitando-se posicionar no papel de “juiz” que irá dizer
quem possui a razão, mas sim como um facilitador da autocom-
posição entre os condôminos que já estão em situação beligerante.
Vimos que ao síndico cabe o papel de promover a pa-
cificação social dentro da comunidade que administra, sempre
buscando evitar que animosidades entre os condôminos perdu-
rem e tomem maiores proporções. Dessa forma, deve o síndico
agir como um mediador com o objetivo de facilitar a interlocu-
ção entre as partes envolvidas.
Um exemplo concreto do que estamos transmitindo
com o presente texto foi a composição de um conflito criado
entre dois moradores surgido entre a pouca tolerância de um
a ruídos considerados normais. A rispidez de um condômino
gerou antipatia no outro e o conflito foi instalado.
Passemos a explicar melhor: o vizinho de baixo (de
unidades que eram sobrepostas) em determinado condomínio
edilício, passou a se sentir extremamente desconfortável com o
“excesso” de barulho vindo da unidade de cima, tais como som
de salto alto caminhando pela unidade até o som da descarga
sanitária no meio da madrugada.
Toda vez que o vizinho de baixo se sentia incomodado
com o som vindo do apartamento de cima que, em grande parte
das vezes, era ordinário do dia a dia, cutucava o teto com uma
vassoura. O vizinho de cima se sentia ofendido e, rapidamente,
começaram a se agredir mutuamente através de xingamentos.
Por óbvio, as reclamações de um em relação ao outro
começaram a surgir para o síndico, que sempre era compelido
a “tomar uma atitude” em relação aos abusos praticados: o vi-

111
zinho de baixo, queixoso, reclamava do excesso de barulho; o
vizinho de cima reclamava das agressões sofridas.
Verifica-se claramente que não se tratava de um pro-
blema condominial, mas de uma animosidade singular criada
entre vizinhos. Como resolver antes de que fatos mais graves
ocorressem?
Orientado pelo corpo jurídico do condomínio (e aqui
abrimos um parêntese para a necessidade de o condomínio pos-
suir assessorias especializadas), o síndico marcou reuniões sepa-
radas para que pudesse escutar atentamente cada uma das partes
envolvidas na situação, ouvindo seus relatos.
Nessas reuniões, das quais também participou o jurí-
dico, algumas técnicas de mediação foram empregadas, como a
escuta ativa e o rapport, de forma a acolher as dores dos condô-
minos causadoras do litígio.
O morador do apartamento de baixo havia perdido o
emprego há alguns meses e andava preocupado com a situação
de insegurança em que se encontrava. Em razão dessa situação,
seus níveis de tolerância baixaram substancialmente de forma
que os ruídos vindos do apartamento de cima (sobretudo o do
salto, pois o som o remetia a alguém se arrumando para traba-
lhar) irritavam-no profundamente.
Após a escuta das partes em separado, foi marcada
nova reunião, mas dessa vez com a participação de ambas as
partes envolvidas. Ao chegarem já desarmados, não foi difícil
chegar a um consenso e um acordo para encerrar a animosidade
até então existente.
A sensibilidade na condução do conflito, aliada à es-
cuta empática, foi a solução para pôr fim à beligerância entre
aqueles condôminos.

112
Vimos, portanto, que nem sempre a lei e as sanções
usais são bastantes para resolver todo e qualquer problema sur-
gido no seio condominial. As relações interpessoais são muito
complexas e dentro de um ambiente condominial, se não forem
adequadamente tratadas, podem explodir em grandes conflitos,
gerando um mal-estar para toda a coletividade.
É importante que o síndico moderno dê atenção ao
aprendizado dos métodos alternativos de solução de conflitos e
que saiba identificar quando deve atuar como um administrador
da coisa comum e quando deve atuar como um facilitador na re-
solução de litígios. Não é uma tarefa fácil, porém é gratificante.

REFERÊNCIAS
ASSIS, Queiroz Olney et al. Manual de Direito Condominial –
Uma abordagem interdisciplinar. 1. ed. São Paulo: YK Editora, 2016.
GOMES, Fábio Barletta et al. Gestão eficiente: um guia completo
para que o síndico possa administrar o condomínio de forma eficaz.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018.
ZAIM, Miguel. Síntese do direito condominial contemporâneo.
Cuiabá: Serata Editora, 2019.

SOBRE O AUTOR

Luciana Julião e Silva Caribé - Advogada. Pós-graduada em Di-


reito Condominial pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas
Jurídicas (CBEPJUR). Pós-graduada em Direito Registral e Imobi-
liário. Membro da Comissão de Direito Condominial da ABA/RJ.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim).

113
RESPONSABILIDADE DO CONDOMÍNIO POR ATO PRA-
TICADO POR CONDÔMINO

Nathalia Maria Vieira Moura

O condomínio edilício encontra-se regulamentado


pelo Código Civil, em seus artigos 1.338 a 1.358, o qual pode-
rá ser instituído por ato entre vivos ou testamento e deverá ser
composto de partes comuns, indivisíveis, e de partes privativas
de cada condômino.
Como leciona Rizzardo (2015, p. 10), “trata-se de um
condomínio voluntário, formado pela vontade dos titulares,
tendo como uma das causas mais diretas o melhor aproveita-
mento do solo, abrangendo determinadas coisas destacadas e
contratadas e que forma a chamada propriedade horizontal”.
Para manutenção de limpeza das áreas comuns, segu-
rança, bem-estar e o pleno desenvolvimento do condomínio, é
necessária a contratação de empregados, contratados diretamen-
te pelo condomínio ou por meio de empresas terceirizadas, e de
prestadores de serviço para execução de serviços de manuten-
ções preventivas ou corretivas.
Nos termos do art. 3º da CLT, “considera-se emprega-
do toda pessoa física que prestar serviços de natureza não even-
tual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Na mesma linha, Boettcher (2015, p. 166) afirma que “todo
aquele que presta trabalho de forma contínua, com dependên-
cia econômica (ainda que parcial) e mediante subordinação ao
condomínio, representado por seu síndico, é considerado em-
pregado”.

114
Importa ressaltar que o empregado do condomínio
não é considerado empregado doméstico, hipótese afastada cla-
ramente pela Lei nº 2.757, de 23 de abril de 1956, a qual exclui
da categoria de empregados domésticos “os empregados portei-
ros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos
residenciais, desde que a serviço da administração do edifício e
não de cada condômino em particular”.
Para o melhor andamento do bem-estar e convivência
no condomínio, os condôminos, demais moradores, visitantes,
prestadores de serviço e empregados devem se tratar com respei-
to e urbanidade. Contudo, por muitas vezes, ocorrem conflitos
entre moradores e até mesmo entre moradores e empregados do
condomínio. Nesta hipótese, caso o condômino seja o agressor,
poderá causar prejuízo financeiro ao condomínio, decorrente do
dever de indenizar.
Assim, quando o empregado do condomínio é agredi-
do verbalmente por um condômino, equiparado a empregador
(por ser titular de direitos nas áreas comuns), o condomínio
poderá ser acionado em demanda trabalhista e, em caso de pro-
cedência da ação, o condomínio terá que arcar com os valores
de indenização por danos morais em face do trabalhador. Pos-
teriormente, o condomínio poderá entrar com ação de regresso.
Para Zaim (2018):

Cada condômino, ao tratar pessoalmente com os emprega-


dos do condomínio, está na posição de empregador, uma
vez que sua condição de proprietário garante o exercício de
determinados direitos. O condômino que agride física e/ou
verbalmente o empregado abusa verdadeiramente da subor-
dinação jurídica decorrente da relação de emprego, o que
enseja a responsabilidade de indenização por dano moral.

115
O dano moral trabalhista é observado por meio de
uma leitura conjunta de diversos dispositivos constitucionais e
legais, em especial, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,
CF), a proteção à saúde do trabalhador (arts. 5º, V, 6º e 7º,
XXII e XXVII, CF) e a prática de ato ilícito (art. 5º, V, CF c/c
art. 186, CC).
A situação ainda poderá ter repercussão na esfera cri-
minal, quando, além do dano moral, houver a prática de agres-
são física ou discriminação racial. Assim, quando o condômino
agredir fisicamente o empregado, responderá por essa conduta,
de acordo com o previsto no Código Penal. Caso o condômino
se prevaleça da sua situação financeira, menospreze o emprega-
do e agrida com xingamentos em decorrência da cor da pele, o
caso se tornará mais grave por envolver atos discriminatórios.
A jurisprudência é no sentido de que “configura ato
ilícito do morador, que gera o dever de indenizar, a utilização de
expressões injuriosas com o ânimo de ofender, humilhar e cons-
tranger um funcionário do condomínio edilício em seu local
de trabalho, resultando em profundo abalo moral”. No mesmo
sentido:

RECURSO DE REVISTA – DANO MORAL – RES-


PONSABILIDADE CIVIL DO CONDOMÍNIO EQUI-
PARADO A EMPREGADOR – AGRESSÃO PRATICA-
DA POR CONDÔMINO. O condomínio equipara-se a
empregador, conforme artigo 2º da CLT, de maneira que
responde pela higidez física e moral de seus empregados,
enquanto estiverem no ambiente de trabalho. Assim, se
o empregado do condomínio sofrer dano físico e moral
durante a jornada de trabalho, quando estava, pois, sob a
tutela de seu empregador, deve o condomínio responder
pelo dano causado. Cumpre ressaltar que cada condômino,
ao tratar pessoalmente com os empregados do condomí-

116
nio, está na posição de empregador, pois os condôminos
são proprietários e, sendo a coisa de uso comum, cada um
possui sua parte ideal do bem, o que lhe garante exercer
determinados direitos sobre a parte que lhe cabe. Desta
forma, ao agredir física e/ou verbalmente o empregado, o
condômino abusa verdadeiramente da subordinação jurí-
dica decorrente da relação de emprego, o que enseja a res-
ponsabilidade de indenização por dano moral, inclusive
em face do disposto no art. 7º, XXVIII, da CF . Recurso
conhecido e provido. (TST – RR: 14642720105200002
1464-27.2010.5.20.0002, Relator: Sebastião Geraldo de
Oliveira, Data de Julgamento: 07/12/2011, 8ª Turma, Data
de Publicação: DEJT 12/12/2011).

Importa ressaltar o art. 1º da Convenção nº 111 da


Organização Internacional do Trabalho, de 1958, ratificada pelo
Brasil e vigente em território nacional, a qual trata de Discrimi-
nação em Matéria de Emprego e Ocupação:

Art. 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo


“discriminação” compreende: a) toda distinção, exclusão ou
preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião po-
lítica, ascendência nacional ou origem social, que tenha por
efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de
tratamento em matéria de emprego ou profissão;

Em âmbito nacional, além da própria Constituição Fe-


deral, é importante ressaltar a injúria racial, prevista no § 3º do
art. 140 do Código Penal, “se a injúria consiste na utilização de
elementos referentes à raça, à cor, à etnia, à religião, à origem
ou à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. A
injúria racial poderá ter como penalidade a reclusão de um a três
anos, bem como multa. Compreende-se, dessa maneira, que o
bem jurídico tutelado pelo tipo penal injúria racial é a honra

117
subjetiva. Ocorre quando a ofensa se dirige à raça, à cor, à etnia,
à religião, à origem ou à condição da pessoa com deficiência ou
idosa, sendo possível identificar a vítima.
Na seara condominial, quando acontece uma condu-
ta agressiva por parte de um condômino, esta deve ser tratada
como algo isolado e de responsabilidade do condômino agressor.
Caso o empregado opte por comunicar o fato ocorrido à polícia,
o síndico, por meio de assembleia, dará ciência aos demais con-
dôminos como forma de registrar que os demais condôminos
não compactuam com esse tipo de atitude, devendo observar o
previsto na Convenção condominial e Regimento Interno. Em
caso de silêncio das normas, a assembleia deverá deliberar sobre
a adoção das medidas possíveis, de acordo com o caso concreto
em análise e sua intensidade, optando entre a advertência por
escrito e a aplicação de multas.
Em conformidade com o previsto na Convenção con-
dominial, o condomínio deverá apurar a responsabilidade e,
posteriormente, advertir o condômino infrator, pessoalmen-
te ou mediante carta registrada. No caso de unidade locada,
é importante enviar uma cópia da advertência ao condômino
proprietário. Recomenda-se que seja facultado ao interessado o
direito de resposta.
Por último, entendemos que o meio mais assertivo ain-
da é prevenir tais condutas, conscientizando todos os condômi-
nos, moradores e empregados de que a convivência pacífica é a
melhor saída. No caso de ocorrência de agressão de empregado
por parte de algum condômino, o condomínio não poderá ser
omisso e deverá buscar a resolução amigável do conflito e a apu-
ração de responsabilidades. Em última análise, recomenda-se
acionar o Poder Judiciário para resolução do conflito, principal-
mente quando houver a prática de atos discriminatórios.

118
REFERÊNCIAS
BOETTCHER, Romeo. Estou síndico. E agora? Sou condomínio.
O que devo saber?! 3. ed. ampliada e atualizada. Porto Alegre, RS:
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SOBRE O AUTOR

Nathalia Maria Vieira Moura - Advogada. Pós-graduada em Di-


reito Condominial pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas
Jurídicas (CBEPJUR).

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