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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ

ALINE CORRÊA FERNANDES

A CONCEPÇÃO DE MUSICALIDADE PARA LICENCIANDOS EM MÚSICA DE


UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO SUL DO BRASIL

CURITIBA
2022

1
ALINE CORRÊA FERNANDES

A CONCEPÇÃO DE MUSICALIDADE PARA LICENCIANDOS EM MÚSICA DE


UMA UNIVERSIDADE PÚBLICA DO SUL DO BRASIL

TCC apresentada ao curso de Graduação


em Licenciatura em música, Campus 1-
EMBAP da Universidade Estadual do
Paraná, como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciado em
Música.

Orientador: Prof. Dr. Jean Felipe Pscheidt

CURITIBA
2022

2
RESUMO

Partindo da questão “o que significa musicalidade para o licenciando em música”, foi


definido como objetivo geral desta pesquisa investigar - por meio de um estudo de
levantamento (survey) - a concepção de musicalidade para licenciandos em música.
Os licenciandos participantes do estudo (N=27) responderam um questionário
estruturado em duas partes: a primeira voltada à caracterização do perfil da
comunidade (alunos de licenciatura em música de uma IES localizada em Curitiba),
a segunda sobre musicalidade. Sobre o significa musicalidade constatou-se que
para a maioria desse grupo é Ouvir e compreender música, tanto para os alunos do
último ano quanto para o primeiro ano, mas houve diferença na seleção das
respostas quando separamos as respostas do último ano (LM4), a maioria
selecionou Ser responsivo à música e para a maioria do primeiro ano (LM1)
musicalidade significa Ouvir e compreender música. Sobre a definição de
musicalidade para a maioria dos participantes está ligado com as categorias:
Intrínseco ao ser humano, Emoção e sentimento e habilidade musical. Mas quando
separamos a respostas dos dois grupos também há uma diferença, para a maioria
do último ano (LM 4) a definição de musicalidade está mais ligada com Intrínseco ao
ser humano e Habilidade musical e para a maioria do primeiro ano (LM1) está ligado
a Emoção e sentimento.

Palavras-chave: musicalidade; habilidade musical; dom; talento.

3
LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – 1.1 Idade 19


GRÁFICO 2 – 1.2 Gênero 20
GRÁFICO 3 – 1.3 Qual é o seu principal Instrumento? 20
GRÁFICO 4 – 1.5 Qual ano está cursando de Licenciatura em música? 21
GRÁFICO 5 – 1.4 Atualmente está Lecionando música? (musicalização; 21
instrumento; escola regular, e outros) (sim ou não)
GRÁFICO 6 - 1.4.1 Se "sim", há quanto tempo? 22
GRÁFICO 7 – 1.4.2 Se "não", já teve alguma experiência ensinando música? 23
GRÁFICO 8 – 2.1 Assinale a alternativa (pode ser mais de uma) que representa 25
melhor as características de uma pessoa musical para você
GRÁFICO 9 – Somente respostas do LM1 27
GRÁFICO 10 – Somente respostas do LM4 27
GRÁFICO 11 – 2.2 Assinale dentre as opções abaixo qual representa melhor 32
o que significa musicalidade para você:
GRÁFICO 12 – Somente respostas do LM4 33
GRÁFICO 13 – Somente respostas do LM1 33
GRÁFICO 14 – 3.1 Defina o que você entende por MUSICALIDADE 34
com suas palavras
GRÁFICO 15 – Somente respostas do LM4 37
GRÁFICO 16 – Somente respostas do LM1 37

4
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 6
2 MUSICALIDADE 8
2.1 O QUE É MUSICALIDADE? 9
2.2 MUSICALIDADE X HABILIDADES MUSICAIS 11
2.3 É POSSÍVEL APRENDER SER MUSICAL? 13
3 METODOLOGIA 17
3.1 MÉTODO 16
3.2 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS 16
3.3 PÚBLICO ALVO: DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES 17
3.4 ANÁLISE 18
4 DISCUSSÃO DOS DADOS 19
4.1 PARTE I - PERFIL: CARACTERÍSTICAS DO GRUPO PARTICIPANTE 19
4.2 PARTE II - SOBRE MUSICALIDADE 24
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 39
7 REFERÊNCIAS 41
8 APÊNDICE 43
8.1 QUESTIONÁRIO - MUSICALIDADE PARA LICENCIANDOS
EM MÚSICA DE UMA IES DE CURITIBA

5
1 INTRODUÇÃO

Muitos professores de música, provavelmente, já se depararam com a


seguinte pergunta: “será que tenho dom/talento para aprender música ou
determinado instrumento?” ou “será que meu filho tem talento/jeito para isso?” ou é
muito provável que este professor já tenha se deparado com algum aluno que está
desanimado com a prática musical justificando que não tem talento para isso. No
dia-a-dia do professor de música, também, não é raro se deparar com pessoas que
têm dificuldade com algum elemento musical, exemplo: ritmo, afinação, pulsação e
outros.
Se o professor tem a concepção de que talento/musicalidade é algo inato,
isso provavelmente afetará sua maneira de ensinar, por que “o que compreendemos
como música tem sua relação com o que compreendemos sobre musicalidade,
refletindo-se nas formas de ensinar” (MAFFIOLETTI, 2001, p.53).
De acordo com Wiese (2011), a musicalidade e a questão educacional é
pertinente por que essa concepção de ‘musicalidade inata’ pode impedir alguns
professores de música a buscarem soluções mais eficientes quando ensinam
música “pois ao considerarem que determinado aluno não é musical, não se
esforçam para tentar ajudá-lo a se desenvolver musicalmente, depositando toda a
culpa no aluno.” (WIESE, 2011. p.26).
O(s) conceito(s) de musicalidade tem sido investigado sob diversos
aspectos. Wiese (2011) pesquisou o(s) conceito(s) de musicalidade na perspectiva
de Professores do curso de bacharelado, Bacharéis da área de Flauta Doce e
experts. Já Hallam e McPherson explora o olhar para o potencial musical do
indivíduo; enquanto Schroeder (2005) traz reflexões sobre o conceito de
musicalidade buscando novas perspectivas teóricas para a educação musical.
Nesta pesquisa, o objetivo geral é investigar a concepção de musicalidade
para licenciandos em música de uma universidade pública do sul do Brasil. Os
objetivos específicos são: Investigar a concepção de desenvolvimento e
aprendizagem musical e realizar uma revisão bibliográfica sobre as noções de
dom/talento e “musicalidade” no contexto da educação musical.
A investigação sobre o que significa musicalidade para os licenciandos
permite observar como esse conceito é visto por esses futuros (e atuais)
professores, se a concepção deste termo muda durante os anos de formação e
6
como isto pode afetar o olhar desses professores sobre o ensino de música. O
presente trabalho, portanto, mostra-se relevante diante da iniciativa de se estudar o
termo “musicalidade” e suas possíveis relações com a construção da concepção de
atuação dos licenciandos em música.
Para que os objetivos sejam alcançados, o presente estudo se dará por
meio de uma abordagem qualitativa com o delineamento de pesquisa de
levantamento survey de pequeno porte. Levantamento survey é uma coleta de
dados mais descritiva, segundo Sakamoto e Silveira (2014, p. 53) “A Pesquisa de
Levantamento ou Survey possibilita descrever uma ‘população’ ou universo, como o
conjunto de moradores de um município, ou um grupo representativo de pessoas
que definem como ‘amostra’.”
O instrumento de coleta de dados foi o questionário baseado em instrumentos
elaborados por Wiese (2011), Addessi et al. (2010) e Hallam e Prince (2003) com
questões abertas, fechadas e de múltipla escolha. O público alvo será estudantes
do primeiro e quarto ano de licenciatura em música de uma IES localizada em
Curitiba.

7
2 MUSICALIDADE

A música é uma prática universal, não há registros de nenhum povo, tribo,


cultura e outros, por mais isolado que seja, que não use alguma prática sonora como
forma de se expressar, seja qual nome ou significado que aquele determinado grupo
dê para aquela prática. Como escreve Hallam (2008):
1
Há um consenso geral de que a música é um traço universal da
humanidade, que o Homo Sapiens como espécie tem a propensão para o
desenvolvimento musical e que o potencial musical é tão universal quanto a
habilidade linguística (Blacking, 1995; Wallin, Merker e Brown, 2000; Morley,
2013 apud MCPHERSON, HALLAM, 2008, p. 433, tradução nossa)

somente o que persiste é


2
uma controvérsia, no entanto, sobre a extensão da variabilidade individual
no potencial musical e o grau em que as diferenças observáveis na
aquisição de habilidades musicais resultam de contextos sociais que
facilitam o aprendizado, fatores genéticos ou interações entre os dois.
(MCPHERSON, HALLAM, 2008, p. 433, tradução nossa).

Beatriz Ilari em seu livro "Música na infância e adolescência” também


concorda que a música é inerente ao ser humano.
Não se esqueça que a música é, antes de mais nada, uma competência
humana. Como sugeriu Gardner (1983), todos os seres humanos - sem
exceção - possuem uma inteligência musical que pode (e deve) ser
desenvolvida ao seu potencial máximo. (ILARI, 2013, p. 67).

De acordo com Susan Hallam o termo “musicalidade” é frequentemente


associado com a afirmativa: ser musical é um traço específico dos seres humanos;
outros autores confirmam este ponto de vista:

(...) musicalidade não é propriedade de indivíduos, mas atributo essencial da


espécie humana. a implicação não é que alguns homens são musicais
enquanto outros não o são, mas que o homem é um animal musical, isto é, um
ser predisposto à música e com necessidade de música, um ser que para sua
plena realização precisa expressar-se em notas musicais e deve produzir
música para si mesmo e para o mundo. Neste sentido, musicalidade não é algo
que alguém pode ou não pode ter, mas algo que junto com outros fatores - é
constitutivo do homem. (WIESE, 2011, p.13).

1
Texto original: There is general agreement that music is a universal trait of humankind, that
Homo Sapiens as a species has the propensity for musical development and that musical potential is
as universal as linguistic ability (Blacking, 1995; Wallin, Merker and Brown, 2000; Morley, 2013)
2
Texto original: An going controversy persists, however, concerning the extent of individual
variability in musical potential and the degree to which observable differences in acquiring musical
skills result from social contexts that facilitate learning, genetic factors, or interactions between the
two.
8
Também Sacks (2007) reforça este ponto de vista ao escrever que o “talento
musical é muito variável, mas existem muitos indícios de que praticamente toda
pessoa é dotada de alguma musicalidade inata." (SACKS, 2007, p.103). Para
defender que a “musicalidade” é um traço humano, alguns autores utilizam
argumentos com base na psicologia evolutiva e as relações entre a musicalidade e a
fala.

Para Pederiva (2008) [...] a musicalidade é um traço humano, que pode


também ser encontrado nos animais. A autora cita como exemplos pássaros e
mamíferos que apresentam comportamentos muito próximos das canções
humanas. A função principal desse comportamento é a comunicação. A partir
disso aparece a defesa da “universalidade da musicalidade”, conforme está
descrito a seguir: Essa base biológica da atividade de caráter musical permite
afirmar sobre a universalidade da musicalidade, isto é, se depender das
possibilidades enquanto animais humanos, todos somos capazes de nos
expressar musicalmente, de expressar nossas emoções por meio de sons, do
mesmo modo como, de modo geral, se depender da anatomia e fisiologia
humana, todos somos capazes de nos expressar por meio da fala. Isso é dado
ao ser humano, independente das formas que possam assumir. A musicalidade
possui assim, caráter universal. Não se trata de um dom para alguns. É um
dom para todos. (PEDERIVA, 2008 apud WIESE, 2011, p.21)

Há ainda um aspecto que vai de encontro com a etnomusicologia que é a


musicoterapia, aspectos culturais e históricos que são indicações que a
musicalidade é um traço humano.

Queiroz (2003) aponta outras evidências de que a musicalidade seja um


atributo da raça humana, presente em todas as pessoas ao afirmar que: (...) um
feto não sofreu ainda qualquer tipo de aculturação e a música obtém dele
respostas e interações. A constituição mais fundamental do ser humano está
permeada de musicalidade, é musical, interage com a música - e não apenas
com sons - ainda antes do corpo humano ganhar independência em relação ao
corpo que está gerando. (WIESE, 2011, p.21)

O mesmo autor afirma, “Assim como nas origens de cada ser humano
encontramos evidências do quão inerente e constitutiva da natureza humana é a
musicalidade, nos primórdios da música encontramos semelhantes evidências.”
(QUEIROZ, 2003, p.15).

2.1 O QUE É MUSICALIDADE?

Mas o que é musicalidade afinal? Segundo Wiese (2011) “musicalidade é um


termo polissêmico e muitas vezes permeado com diversas definições do senso

9
comum. [...] explicar o que é ser musical torna-se uma difícil tarefa.” (WIESE, 2011,
p. 11). Muitos autores têm diferentes definições sobre este termo, e às vezes
“musicalidade” é substituído por outros termos como “expressividade do discurso
musical” ou "talento''. Para Hallam (2006) não há consenso no uso deste termo:

O termo “musicalidade” refere-se ao estado de ser “musical” que, por sua vez,
é definido como gostar ou ser habilidoso na música. Na literatura,
“musicalidade” é frequentemente usada de forma intercambiável com uma série
de outros termos, incluindo “habilidade musical”, “aptidão musical”, “potencial
musical” e “talento musical”, embora o termo “musicalidade” seja
frequentemente adotado em relação a se ser musical é uma característica
específica da espécie dos seres humanos. No geral, não há definições
universalmente aceitas desses termos. Os significados são socialmente
construídos e refletem os fatores culturais, políticos, econômicos e sociais
pertinentes ao tempo e lugar em que são adotados. (tradução minha).
(HALLAM, 2006, p.67).3

Também para Wiese “O conceito de musicalidade é abordado na literatura


sem um consenso entre os pesquisadores” (WIESE, 2011, p.18).
Para exemplificar que não há um consenso na definição deste termo, para
alguns autores “musicalidade” e “talento” são quase sinônimos, mas há autores que
fazem distinção entre “musicalidade” e “talento”, como escreve Schroeder (2005):

De acordo com a concepção de Martins, a sensibilidade para padrões musicais


é algo natural - e, portanto, universal - denominado “musicalidade”. Num grau
muito elevado, essa musicalidade natural presente em todos os indivíduos dá
origem ao “talento” musical. [...] Posição semelhante adota Gaínza (1964), que
também estabelece essa distinção entre “talento” e “musicalidade”,
considerando o “talento musical uma musicalidade precocemente madura
(p.60). (SCHROEDER, 2005, p.45).

Temos que considerar a questão cultural, também, quando queremos definir


musicalidade. Assim, é preciso conhecer quais os comportamentos são chamados
de “musicais” em diferentes sociedades (Blacking, 1973), por que o que chamamos
de musical em nossa cultura pode significar outra coisa em outra cultura; é a partir

3
Original: The term “musicality” refers to the state of being “musical” which, in turn, is defined as being
fond of, or skilled in, music. In the literature “musicality” is often used interchangeably with a range of
other terms including “musical ability,” “musical aptitude,” “musical potential,” and “musical talent,”
although the term “musicality” is often adopted in relation to whether being musical is a
species-specific characteristic of human beings. Overall, there are no universally agreed definitions of
these terms. Meanings are socially constructed and reflect the cultural, political, economic, and social
factors pertaining in the time and place that they are adopted

10
desse questionamento que se pode buscar resposta para a questão: De que
maneira o homem é musical?
Há algumas outras dificuldades com o termo “musicalidade” e uma delas é a
tradução para o português, como aponta Wiese (2011):

Outra dificuldade encontrada em relação à musicalidade é a tradução do termo


para o português. Alda de Oliveira, tradutora da obra “Ensinando Música
Musicalmente”, de Swanwick (2003), explica que não existem no português
palavras correspondentes a musicality e musicianship. Segundo Oliveira (apud
SWANWICK, 2003, p.84), “Musicality relaciona-se a talento natural enquanto
musicianship seria habilidade adquirida ou sensibilidade.” Dessa forma, de
acordo com Cuervo (2009a), outros termos têm sido utilizados no lugar da
palavra musicalidade, como “expressividade do discurso musical” ou “talento
musical. (WIESE, 2011, p.11)

Então, como visto, o termo musicalidade pode significar muitas coisas,


primeiro por que não há consenso entre os autores na definição deste termo, e
também por que é preciso levar em conta o aspecto cultural, e também a dificuldade
na tradução. Por esses motivos apontados anteriormente há essa dificuldade em
definir, porém, como visto anteriormente há um consenso geral de que ser musical é
intrínseco ao ser humano, então por isso neste trabalho adotaremos a mesma
definição de musicalidade adotada por Wiese (2011):

A musicalidade, neste trabalho é considerada como um traço humano, algo que


todos possuem e têm condições de desenvolver se tiverem oportunidade para
tal. Porém, assim como cada ser humano é único em sua constituição e possui
oportunidades educacionais singulares, desenvolvendo diferentes habilidades
de acordo com os diversos processos de aprendizagem que vivencia, é
razoável pensar que existem diferentes níveis de musicalidade. (WIESE, 2011.
p.13).

2.2 MUSICALIDADE X HABILIDADES MUSICAIS

Um termo muito associado a “musicalidade” é “habilidade musical” (o qual


vale a pena a reflexão) e “habilidade musical”, por sua vez, é geralmente associado
a percepção auditiva. “Historicamente, a habilidade musical era conceituada em
termos de percepção auditiva, que era tipicamente avaliada por testes de aptidão
musical.” (HALLAM, 2006, p.71).4

4
Original: Historically, musical ability was conceptualized in terms of aural perception, which was
typically assessed by musical aptitude tests.

11
Considerando o aspecto cultural alguns autores criticam esses testes, por
exemplo, Blacking (1973), “segundo esse autor, os próprios testes que tentam medir
a habilidade musical falham por serem etnocêntricos, ou seja, consideram apenas a
música ocidental.” (WIESE, 2011, p.19); também todos esses testes a base é a
percepção auditiva, o que para Hallam não seria suficiente para prever o sucesso
em toda gama de atividades musicais:

A lógica subjacente a todas essas abordagens é que a “musicalidade” tem sua


base na percepção auditiva. No entanto, a confiabilidade preditiva de todas
essas medidas é geralmente baixa (Hodges e Haack, 1996; Winner e Marino,
2000). Usar a habilidade de cantar como meio de avaliar a habilidade musical
também é problemático, pois a relação entre a aptidão tonal de
desenvolvimento e o uso da voz cantada pode ser muito pequena (Rutkowski,
1996). Geralmente, agora é reconhecido que as habilidades auditivas por si só
são insuficientes para prever o sucesso futuro em toda a gama de atividades
musicais, especialmente aquelas que envolvem habilidades motoras (Gilbert,
1981) e criatividade (Vaughan, 1977; Webster, 1988). (HALLAM, 2008, p.438)5

Como já citado o termo “musicalidade” e “habilidade musical” geralmente são


associados, então, assim como precisamos refletir e repensar as concepções de
musicalidade, também, é preciso repensar as concepções de habilidade musical,
que por muito tempo se resumia, basicamente, em percepção auditiva.

Embora as habilidades perceptivas sejam importantes para alcançar altos


níveis de realização em uma ampla gama de atividades musicais, elas não são
suficientes. Como resultado, tem havido uma necessidade crescente de
ressignificar o que constitui habilidade musical. Além disso, as rápidas
mudanças tecnológicas que ocorreram nos últimos 100 anos mudaram a
natureza da profissão musical e as habilidades necessárias para ser membro
dela, impactando também nas concepções do que significa ser musical.
(HALLAM, 2006, p.72)6

Como visto, a percepção auditiva tem a sua importância para alcançar altos níveis
em muitas atividades musicais, mas não é suficiente, pois há outras habilidades

5
Original: The rationale underlying all of these approaches is that “musicality” has its basis in aural
perception. However, the predictive reliability of all of these measures is generally low (Hodges and
Haack, 1996; Winner and Marino, 2000). Using ability to sing as a means of assessing musical ability
is also problematic as the relationship between developmental tonal aptitude and use of the singing
voice can be very small (Rutkowski, 1996). Generally, it is now recognized that aural skills alone are
insufficient to predict future success across the full range of musical activities, especially those
involving motor skills (Gilbert, 1981) and creativity (Vaughan, 1977; Webster, 1988).
6
Original: While perceptual skills are important for reaching high levels of attainment in a wide range
of musical activities, they are not sufficient. As a result, there has been an increasing need to reframe
what constitutes musical ability. In addition, the rapid technological changes which have taken place
over the last 100 years have changed the nature of the music profession and the skills needed to be a
member of it, also impacting on conceptions of what it means to be musical.

12
envolvidas em diferentes atividades musicais, McPherson reconhece essas
diferentes habilidades para diferentes atividades musicais:

Houve também um reconhecimento de que diferentes habilidades musicais são


necessárias para diferentes atividades musicais. Por exemplo, McPherson
(1995/6) distinguiu entre aspectos visuais (ou seja, leitura à primeira vista,
execução de música ensaiada a partir da notação), auditivos (ou seja, tocar de
memória e de ouvido) e criativos (ou seja, improvisação) da performance
musical. Ele descobriu que diferentes habilidades musicais estavam envolvidos
no desenvolvimento de cada uma dessas formas de tocar música, que não
havia transferência automática entre elas e que cada uma precisava ser
desenvolvida separadamente e em combinação para maximizar o potencial.
Também tem havido um crescente reconhecimento da importância das
habilidades metacognitivas executivas, relacionadas ao planejamento,
monitoramento e avaliação da aprendizagem. Essas habilidades são cruciais
para todos os profissionais da música e demonstraram se desenvolver ao longo
do tempo à medida que a experiência musical é adquirida (por exemplo,
Hallam, 2001a,b; Hallam et al., 2012; McPherson & Renwick, 2001). (HALLAM,
2006, p.72)7

Então, além da percepção auditiva, precisamos de outras habilidades para


diferentes atividades musicais. E essas habilidades podem ser desenvolvidas; o que
nos direciona para a próxima sessão, visto que essas habilidades musicais tão
associadas a musicalidade podem ser desenvolvidas é possível aprender a ser
musical?

2.3 É POSSÍVEL APRENDER A SER MUSICAL?

Outros termos associados com “musicalidade” é “dom” ou “talento”, e quando


se pensa nesses dois últimos, geralmente é pensado que algumas pessoas nascem
com o dom/talento para música, e nessas vale a pena investir, e outras não nascem,
então deveriam nem tentar, ou deveriam tentar outra coisa. Mas ao adaptar o
“modelo diferenciado de superdotação e talento” de Gagné, McPherson e Williamon
distinguiram “dons” e “talentos”, e sugerem que pelo menos oitos tipos diferentes de

7
There has also been a recognition that different musical skills are required for different musical
activities. For instance, McPherson (1995/6) distinguished between visual (i.e., sight-reading,
performing rehearsed music from notation), aural (i.e., playing from memory and by ear), and creative
(i.e., improvising) aspects of music performance. He found that different musical skills were involved in
developing each of these ways of performing music, that there was no automatic transfer between
them, and that each needed to be developed separately and in combination to maximize potential.
There has also been increasing recognition of the importance of executive meta-cognitive skills,
concerned with the planning, monitoring, and evaluation of learning. These skills are crucial to all
music professionals and have been shown to develop over time as musical expertise is acquired (e.g.,
Hallam, 2001a,b; Hallam et al., 2012; McPherson & Renwick, 2001),

13
talentos musicais podem ser desenvolvidos por meio de práticas e treinamentos
sistemáticos:

McPherson e Williamon (2006, 2015) adaptaram o “modelo diferenciado de


superdotação e talento” de Gagné (2009, 2013) à música como meio de definir
as habilidades naturais, fatores intrapessoais e catalisadores ambientais que
podem impactar no desenvolvimento de habilidades musicais. Essa concepção
define os dons (por exemplo, intelectual, criativo, socioafetivo, sensório-motor)
como potenciais naturais inatos de realização e talento como habilidades
observáveis e propõe que pelo menos oito tipos distintos de talentos musicais
(executar, improvisar, compor, arranjar, analisar, avaliar, regência, ensino de
música) pode ser desenvolvido por meio de prática e treinamento sistemáticos.
[...] Seis domínios de habilidades naturais (dons) são identificados: quatro
mentais (intelectual, criativo, social, perceptivo) e dois físicos (muscular,
controle motor). A combinação individual dessas habilidades (ou aptidões)
mentais físicas “naturais” influencia cada um dos oito tipos de talentos musicais
que eventualmente irão se desenvolver. (HALLAM, 2008, p. 438)8

Então, mesmo quando se relaciona “musicalidade” e “talento”, o talento não é


algo estático que não pode ser desenvolvido. Mas é possível aprender ser musical?
Segundo Hallam:

Os processos que sustentam a aprendizagem em música são


compartilhados entre as culturas e fazem parte dos processos naturais de
aprendizagem. Os seres humanos são pré-programados para aprender. Isso
pode ocorrer deliberada e intencionalmente, ou incidentalmente (sem nossa
percepção consciente) (Blakemore & Frith, 2000). A perícia musical começa a
se desenvolver sem consciência no útero e continua até a infância, à medida
que o indivíduo é cultuado na linguagem musical de sua cultura particular. O
processo de enculturação significa que os pré-requisitos para o
desenvolvimento da perícia em música em suas muitas formas começam muito
antes do envolvimento com a produção musical ativa. (HALLAM, 2006, p.74)9

8
Original: “McPherson and Williamon (2006, 2015) adapted Gagné’s (2009, 2013) “differentiated
model of giftedness and talent” to music as a means of defining the natural abilities, intrapersonal
factors and environmental catalysts that might impact on the development of musical skills. This
conception defines gifts (e.g., intellectual, creative, socioaffective, sensorimotor) as natural innate
potentials to achieve and talent as observable skills and proposes that a least eight distinct types of
musical talents (performing, improvising, composing, arranging, analyzing, appraising, conducting,
music teaching) can be developed through systematic practice and training [...] Six domains of natural
abilities (gifts) are identified: four mental (intellectual, creative, social, perceptual), and two physical
(muscular, motor control). The individual blending of these mental physical “natural” abilities (or
aptitudes) influence each of the eight types of musical talents that will eventually envolve.
9
Original: The processes that underpin learning in music are shared across cultures and are part of
natural learning processes. Human beings are pre-programmed to learn. This can occur deliberately
and intentionally, or incidentally (without our conscious awareness) (Blakemore & Frith, 2000). Musical
expertise begins to develop without conscious awareness in the womb and continues through infancy
as the individual is encultured into the musical language of his or her particular culture. The
enculturation process means that the prerequisites for the development of expertise in music in its
many forms begin long before engagement with active music-making.

14
Os seres humanos têm esse “talento” em comum, somos pré-programados
para a aprender, sendo assim, todos deveriam ter acesso a experiências na música
que poderiam ampliar o seu potencial: “Todas as crianças são inerentemente
musicais e merecem acesso aos tipos de experiências formais e informais que
maximizarão seu próprio potencial musical individual.” (HALLAM, 2008, p.443). 10
Temos na educação musical (formal ou informal) uma porta de acesso para
que o indivíduo tenha uma experiência musical que poderá ampliar seu potencial
nesta área, mas há indícios que se o professor tem a concepção que só algumas
pessoas têm talento/musicalidade isso provavelmente afetará o ensino de música.
Por que “o que compreendemos como música tem sua relação com o que
compreendemos sobre musicalidade, refletindo-se nas formas de ensinar”
(MAFFIOLETTI, 2001, p.53). Por isso, “muitos professores de instrumento
desenvolvem uma atitude passiva característica, pois ao considerarem que
determinado aluno não é musical, não se esforçam para tentar ajudá-lo a se
desenvolver musicalmente, depositando toda a culpa no aluno.” (WIESE, 2011.
p.26). Portanto, vale a reflexão sobre o que significa musicalidade para
professores/futuros professores de música.

10
Original: All children are inherently musical and deserve access to the types of informal and formal
experiences that will maximize their own, individual musical potential.
15
3 METODOLOGIA

Considerando o objetivo desta pesquisa em investigar a concepção de


musicalidade para licenciandos em música de uma universidade do sul do Brasil
(Curitiba, Paraná), optou-se por utilizar uma pesquisa de levantamento survey de
pequeno porte. Este capítulo está dividido em quatro partes: método, instrumento de
coleta de dados, público alvo: descrição dos grupos participantes, e análise.

3.1 MÉTODO

Como citado anteriormente, esta pesquisa utilizou-se de uma pesquisa de


levantamento - survey de pequeno porte. “A pesquisa de Survey envolve a coleta e
a quantificação de dados.” (BABBIE, 2003, p. 47) e também de acordo com Gil:

As pesquisas deste tipo se caracterizam pela interrogação direta das pessoas


cujo comportamento se deseja conhecer. Basicamente, procede-se à
solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas acerca do
problema estudado para em seguida, mediante análise quantitativa, obter as
conclusões correspondentes dos dados coletados. (GIL, 2007, p.55).

Pode-se fazer um paralelo entre o survey e o censo porque são muito


semelhantes, somente divergindo no recorte da população examinada; o censo
normalmente busca analisar a enumeração total daquela população, o survey, por
sua vez, geralmente, examina uma amostra da população (Babbie, 2003).
Há vários procedimentos para coletar dados e um deles é o questionário
(Marconi e Lakatos, 2002). Estes autores afirmam que questionário é:

É um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de


perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador. Em geral, o pesquisador envia o questionário ao informante, pelo
correio ou por um portador. (MARCONI e LAKATOS, 2002, p. 98).

3.2 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

Esta pesquisa foi desenvolvida por meio de um questionário com perguntas


abertas, fechadas e de múltipla escolha; de acordo com Marconi e Lakatos (2002)
podemos classificar as perguntas destas três formas.

16
As perguntas abertas: “também chamadas livres ou não limitadas, são as que
permitem ao informante responder livremente, usando linguagem própria e emitir
opiniões." (MARCONI e LAKATOS, 2002, p. 101). As perguntas fechadas: “ também
denominadas limitadas ou de alternativas fixas, são aquelas em que o informante
escolhe sua resposta entre duas opções: sim e não.” (MARCONI e LAKATOS, 2002,
p. 101) e as perguntas de múltipla escolha: “são perguntas fechadas mas que
apresentam uma série de possíveis respostas, abrangendo várias facetas do mesmo
assunto.” (MARCONI e LAKATOS, 2002, p. 103)
O questionário utilizado neste trabalho foi baseado em instrumentos
elaborados por Wisie (2011), Addessi et al. (2010) e Hallam e Prince (2003). As
perguntas baseadas em Wiese (2011) estão no questionário de sua dissertação
intitulada “O(s) conceito(s) de musicalidade na perspectiva de experts, professores
e bacharéis da área de flauta doce”, deste trabalho as perguntas usadas como
referência foram as sobre o perfil dos participantes e a última pergunta aberta do
questionário: 3.1 “Defina o que você entende por MUSICALIDADE com suas
palavras”. De Addessi et al. (2010) foram usadas como referência as categorias que
as autoras fizeram a partir das respostas dos participantes de sua pesquisa; as
categorias foram traduzidas, adaptadas e utilizadas como alternativas na pergunta
de múltipla escolha 2.1: “Assinale a alternativa (pode ser mais de uma) que
representa melhor as características de uma pessoa musical para você”. E as
alternativas da pergunta fechada 2.2: “Assinale dentre as opções abaixo qual
representa melhor o que significa musicalidade para você” foram baseadas nas
respostas da pesquisa de Hallam e Prince (2003), que pediram a uma amostra de
músicos, estudantes de música, educadores e público em geral (n = 411) que
completassem a afirmação “habilidade musical é”, as respostas foram traduzidas,
selecionadas e utilizadas como alternativas nesta pergunta.
O questionário foi elaborado no formulários google. Nesta plataforma foi
gerado um link que foi enviado para os participantes da pesquisa preencherem o
formulário.

3.3 PÚBLICO ALVO: DESCRIÇÃO DOS PARTICIPANTES

17
Como este trabalho busca investigar a concepção de licenciandos sobre
musicalidade, então os participantes desta pesquisa são alunos de licenciatura em
música de uma IES localizada em Curitiba (Paraná); podemos dividir esses alunos
em duas duas categorias, primeira: alunos de licenciatura do primeiro ano; e
segunda: alunos de licenciatura do quarto ano.
Esta pesquisa obteve 27 respostas somando as respostas das duas turmas,
sendo 20 respostas do primeiro ano (LM1) e 7 respostas do último ano (LM4).

3.4 ANÁLISE
Optou-se dividir a análise em duas grandes partes: Parte I - Perfil:
características do grupo participante e Parte II - Sobre musicalidade (ver quadro 1).

Quadro 1: Análise dos dados: categorias de análise.

Parte I - Perfil: características do grupo participante


Categoria 1. Idade e gênero;
Categoria 2. Instrumento e ano que está cursando;
Categoria 3. Atuação no ensino da música;

Parte II - Sobre musicalidade


Categoria 4. As características de uma pessoa musical;
Categoria 5. O que significa musicalidade;
Categoria 6. Definição de musicalidade.

18
4. DISCUSSÃO DOS DADOS

Este capítulo tratará da apresentação e discussão dos dados que está


dividido em duas partes: 5.1) Perfil: Características do grupo participante e 5.2)
Sobre musicalidade.

4.1 PARTE I - PERFIL: CARACTERÍSTICAS DO GRUPO PARTICIPANTE

Categoria 1: Idade e gênero

Da população participante da pesquisa (N=27), a média de idade é de 26


anos; esta população é formada por um adolescente11, jovens e adultos entre 18 a
44 anos, com a maior frequência de respostas para pessoas com 21 anos de idade
(5 respostas). Somando os com idade entre 18 e 21 anos (37,04%) e os com 22 a
29 anos (40,74%) é possível observar que a maioria desta população é formada por
jovens entre 18 e 29 anos (77,78%). Os de acima de 30 anos, que seriam os que
têm entre 35 a 44 anos, são 22,22% desta população.

11
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

19
A maior parte dos participantes é composta por um público masculino,
totalizando 59,3% da amostragem. O público feminino totaliza 40,7% (ver gráfico 2).

Na questão do gênero dos participantes não há uma grande disparidade,


porém em relação a idade a grande maioria é jovem.

Categoria 2. Instrumento e ano que está cursando

Em relação aos instrumentos foi perguntado aos participantes “qual é o seu


principal instrumento?” e como esperado houve uma variedade de instrumentos
citados, 12 instrumentos diferentes, com a maior frequência de respostas para o
“piano”, citado 9 vezes (ver gráfico 3).

20
A maioria dos participantes estão cursando o primeiro ano de licenciatura em
música (74,07% - 20 pessoas) e os demais (25,93% - 7 pessoas) estão cursando o
quarto ano (último ano).

No curso de licenciatura em música desta IES específica é comum ter


pessoas que tocam diferentes instrumentos na mesma turma, o que torna o
ambiente de aprendizagem bastante plural.

Categoria 3. Atuação no ensino da música

Segundo os dados coletados, a maioria dos participantes desta pesquisa


(70,37%) estão lecionando música atualmente; os contextos podem ser diversos,
seja musicalização, ou aula de instrumento, ou no ensino regular (escolas) e outros;
mas a maioria já atua na área do ensino da música. (ver gráfico 5).

21
Dos que atualmente lecionam música a resposta mais frequente foi que estão
ensinando há menos de 1 ano (47,37%), há alguns meses e até algumas semanas,
mas também as respostas dos que ensinam há 1 ano até 4 anos também foram
frequentes (36,84%); a minoria ensina há mais de 4 anos (15,79%). (Ver gráfico 6).
Dos que atualmente não estão lecionando, a maioria já teve alguma experiência
lecionando (75%), e a minoria não está lecionando atualmente e ainda não teve
nenhuma experiência lecionando (25%). (ver gráfico 7).

É comum no curso de licenciatura em música encontrar licenciandos que já


lecionam música ou já tiveram uma experiência lecionando, pois para ingressar
neste curso o vestibulando precisa passar por algumas etapas depois das provas de
conhecimento gerais que são as provas de: teste de habilidade específica e a prova
do seu instrumento. Ou seja, para ingressar neste curso é necessário ter um
conhecimento prévio, o que em muitos contextos já se mostra o suficiente para
ensinar música; sendo assim, a maioria das vezes estes ingressos no curso de
licenciatura em música começam o curso com diferentes experiências na área.

22
Como citado anteriormente, a grande maioria dos participantes já lecionam
música, e espera-se que um aluno que está cursando licenciatura em música se
torne um professor de música futuramente. Se estes professores/futuros professores
têm a concepção de que talento/musicalidade é algo inato, isso provavelmente
afetará sua maneira de ensinar. Addessi et al. (2010) também acredita que esse
conhecimento implícito dos professores/futuros professores a respeito de
Musicalidade (mas não só musicalidade) pode afetar a forma de ensinar

Em particular, encontramos uma relação interessante entre as


concepções implícitas de 'música', 'musicalidade', 'criança musical' e o conceito
e a prática da educação musical [...] Acreditamos que ensinar e aprender a
ensinar pode mudar de acordo com o significado implícito dado a esses
conceitos.[..] O conhecimento implícito dos professores influencia sua própria
prática didática (ADDESSI et al., 2010, p. 28)12

De acordo com Wiese (2011, p. 26) e outros autores a musicalidade e a


questão educacional é pertinente por que essa concepção de ‘musicalidade inata’, o
que pode influenciar muitos professores de música a buscarem, ou não, soluções
mais eficientes quando ensinam música. Nesse sentido, “[...] ao considerarem que
determinado aluno não é musical, não se esforçam para tentar ajudá-lo a se
desenvolver musicalmente, depositando toda a culpa no aluno.” (WIESE, 2011.
p.26).

12
Original: In particular, we found an interesting relationship between the implicit conceptions of
'music', 'musicality", "musical child' and the concept and the practice of music education. [...] We
believe that teaching and learning to teach may change according to the implicit meaning given to
these concepts.[...] the teachers' implicit knowledge which influences their own didactic practice.
23
Por outro lado, quando se tem a concepção de que a musicalidade pode ser
desenvolvida, é natural que o professor busque estratégias para resolver o problema
que o aluno está tendo, seja no ritmo, melodia, afinação, técnica do instrumento,
entre outros.
Então qual seria a concepção sobre musicalidade dos alunos de licenciatura
em música que participaram desta pesquisa? Será que há uma diferença de
concepção dos alunos que estão no primeiro ano dos que estão no quarto ano? A
parte II deste capítulo analisará as respostas diretamente ligadas à musicalidade.

4.2 PARTE II - SOBRE MUSICALIDADE

Categoria 4. As características de uma pessoa musical

Nesta categoria os participantes poderiam escolher mais de uma alternativa.


As alternativas foram previamente selecionadas baseadas na categorização das
respostas da pesquisa de Addessi et al. (2010). Estas alternativas foram traduzidas
e adaptadas (ver quadro 2):

Quadro 2 - Alternativas da pergunta: 2.1 Assinale a alternativa (pode ser mais de


uma) que representa melhor as características de uma pessoa musical para você:

● Natural: Todos nós somos musicais; é algo intrínseco ao ser humano;


● Dotada: Tendência particular para a música; tem dom ou talento;
● Educada: Teve mais experiências musicais, em família ou na escola, “uma
pessoa que pode captar os aspectos musicais que o professor pede
enquanto ouve uma música” ou “todas as pessoas podem se tornar, se
estimulado o suficiente e da mesma forma”;
● Capaz: canta afinado, ouve com atenção, reconhece estilos musicais e
sobretudo mostra que possui boa habilidade rítmica;
● Criativa: Esta categoria concentra-se na criatividade; adora experimentar e
descobrir novos sons, ou inventá-los em muitas jeitos diferentes;
● Alegre: A pessoa musical pode ser vista como uma que se diverte e que
gosta de música. Por exemplo: “canta, dança, fica feliz em ouvir música” ou
“que produz sons musicais, que toca e se diverte com a música.”;

24
● Atraída: A pessoa atraída por sons e música, particularmente interessado
em atividades musicais. Algum exemplo de respostas: “acompanha com
interesse as atividades musicais”, “ele/ela tem curiosidade sobre música e
sons”;
● Movimento: a pessoa dança mais musicalmente e usa seu corpo ao ouvir a
música e ao fazer-música: “ele/ela dança enquanto ouve música”, “dança,
pula e se move no tempo";
● O Musicmaker: a pessoa mais musical é caracterizada por palavras que
indicam fazer música: “gosta de cantar e tocar”, “tem uma boa voz para
cantar”;
● Os Ouvintes: a pessoa mais musical é caracterizada pelas palavras que
indicam ouvir sons e música: “ouve música”, “está atento aos sons”.

Totalizando as respostas do primeiro ano de licenciatura em música (LM 1) e


do quarto ano (LM4) as alternativas mais selecionadas foram: natural (59,3%) e
atraída (59,3%) com a mesma quantidade (16), a segunda mais selecionada foi a
alternativa educada (55,6%), a terceira criativa (37%), a quarta alegre (33,3%), a
quinta os ouvintes (25,9%), a sexta movimento (22,2%), a sétima capaz (18,5%), e
as menos selecionadas foram Dotada (14,8%) e O musicmaker (11,1%). (Ver gráfico
8).
Gráfico 8:

25
Das características que representam melhor uma pessoa musical para os
participantes desta pesquisa, as alternativas mais selecionadas vão de encontro
com as ideias dos autores citados neste trabalho que escrevem sobre musicalidade.
Começando pelas alternativas mais selecionadas: natural: Todos nós somos
musicais; é algo intrínseco ao ser humano, segundo Hallam (2006):

Embora haja agora uma aceitação geral de que os seres humanos como
espécie são pré-programados para adquirir habilidades musicais da mesma
forma que são pré-programados para adquirir linguagem, continua a haver
debates acalorados sobre até que ponto existem diferenças individuais na
habilidade musical herdada. (HALLAM, 2006, p.68)13 (Tradução nossa).

Também dentro das alternativas mais selecionadas têm a alternativa Atraída:


A pessoa atraída por sons e música, particularmente interessado em atividades
musicais. Algum exemplo de respostas: “acompanha com interesse as atividades
musicais”, “ele/ela tem curiosidade sobre música e sons” (a opção mais votada junto
com “natural”). De acordo com Hallam (2006):

Quaisquer que sejam os propósitos evolutivos da música, a capacidade de


processá-la se desenvolve muito cedo, três a quatro meses antes do
nascimento. Após 28 a 30 semanas de gestação, os fetos podem reagir de
forma confiável aos sons externos e suas frequências cardíacas variam como
resultado da exposição à música (Parncutt, 2006). O processo de enculturação
musical começa a partir do ponto em que o desenvolvimento cerebral é
influenciado pela estimulação auditiva. (HALLAM, 2016, p. 67). (tradução
minha).14

Ou seja, somos atraídos pelos sons e até interagimos com eles antes mesmo
de nascermos, mas se é algo intrínseco do ser humano ser atraído por sons, por que
alguns têm mais “facilidade” ou são mais “atraídos” musicalmente ou são mais
atraídos por aula de música?
Segundo Sloboda “A habilidade musical é adquirida através da interação com
um meio musical. Consiste na execução de alguma ação cultural específica em
relação aos sons musicais.” (SLOBODA, 2008, p.257), ou seja, podemos supor que
esta pessoa é “atraída” musicalmente, pois esta “atração” natural pelos sons, que é
13
Original: While there is now a general acceptance that human beings as a species are
pre-programmed to acquire musical skills in the same way that they are pre-programmed to acquire
language, there continue to be heated debates about the extent to which there are individual
differences in inherited musical ability.
14
Original: Whatever the evolutionary purposes of music, the capacity for processing it develops very
early, three to four months before birth. After 28 to 30 weeks of gestation, fetuses can reliably react to
external sounds and their heart rates vary as a result of exposure to music (Parncutt, 2006). The
process of musical enculturation begins from the point at which brain development is influenced by
auditory stimulation.
26
intrínseco do ser humano, foi estimulada, ou foi proporcionada considerando
diversos aspectos relacionados a enculturação.
Considerando o recorte das respostas com o primeiro ano (LM1), as
alternativas mais votadas continuaram sendo “Natural” e “Atraída” (65% as duas
igualmente) (ver gráfico 9), mas não são as mais votadas quando observamos
somente as respostas do último ano (LM 4) (ver gráfico 10)

27
No LM 4 a alternativa mais selecionada foi a educada: Teve mais experiências
musicais, em família ou na escola, “uma pessoa que pode captar os aspectos
musicais que o professor pede enquanto ouve uma música” ou “todas as pessoas
podem se tornar, se estimulado o suficiente e da mesma forma. O que está ligado
também com “enculturação”, mas a educação musical aparece com mais ênfase
aqui, mais intencional, uma busca intencional pela educação musical mesmo de
forma informal, em um contexto familiar, por exemplo; podemos supor, então, que
por causa dessas experiências musicais essa pessoa tem facilidade em captar
aspectos musicais que o professor pede; Com essa alternativa dando ênfase na
educação musical ela também concorda que esse potencial musical faz parte do ser
humano e pode ser desenvolvido se estimulado.
A alternativa mais selecionada do LM4 aponta para uma outra concepção
sobre o que é musicalidade e como ela é interpretada. Se no LM 1 sobressai a
questão natural, no LM 4 existe uma tendência muito mais forte em salientar a
possibilidade de que musicalidade é algo que pode ser ensinado, esta alternativa
(Educada) concorda com conclusão de Hallam (2008) de que “Todas as crianças são
inerentemente musicais e merecem acesso aos tipos de experiências formais e
informais que maximizarão seu próprio potencial musical individual” (HALLAM, 2008,
p. 443).15

Categoria 5. O que significa musicalidade

Nesta pergunta os participantes poderiam somente escolher uma opção sobre


o que significa “musicalidade”. As opções foram selecionadas e traduzidas nas
respostas da pesquisa de Hallam e Prince (2003). (ver quadro 3).

Quadro 3 - Alternativas da pergunta: 2.2 Assinale dentre as opções abaixo qual


representa melhor o que significa musicalidade para você:

● Ser capaz de tocar um instrumento musical ou cantar (uma habilidade


prática);
● Ouvir e compreender música;

15
Original: All children are inherently musical and deserve access to the types of informal and formal
experiences that will maximize their own, individual musical potential.
28
● Ter habilidades auditivas;
● Apreciar música;
● Ser responsivo à música;
● Dom, talento natural, facilidade;
● Habilidade rítmica.

Totalizando as respostas do último ano (LM4) e do primeiro ano (LM1), a


alternativa mais selecionada foi “ouvir e compreender música” (33,3%) (ver gráfico
11), é compreensível relacionar a musicalidade com ouvir e compreender música
pois “a música é uma “forma de arte auditiva”” (HALLAM, 2008, p. 440)16, nesse
sentido é possível que os participantes que selecionaram esta opção tenham votado
pensando de uma forma mais ampla sobre ouvir e compreender música. Nota-se
que esta opção tem dois verbos “ouvir” e “compreender”, então para esses
participantes “ouvir” somente não seria suficiente para definir musicalidade, é
preciso compreender, isso se dá por que a música tem estruturas e tem
organização. De acordo com a DCE (Diretrizes Curriculares Estaduais) do Paraná:

Para se entender melhor a música, é necessário desenvolver o hábito de ouvir


os sons com mais atenção, de modo que se possa identificar os seus
elementos formadores, as variações e as maneiras como esses sons são
distribuídos e organizados em uma composição musical. Essa atenção vai
propiciar o reconhecimento de como a música se organiza (PARANÁ, 2008, p.
75)

Mas quando musicalidade é “sinônimo” de habilidade musical há uma certa


ênfase na percepção auditiva; muitos testes de habilidade/aptidão musical focam na
percepção para avaliar, e vários autores criticam esses testes de habilidade/aptidão
musical que tem seu foco somente na percepção auditiva. Sobre algumas dessas
abordagens Hallam (2008) e outros autores apontam que

A lógica subjacente a todas essas abordagens é que a “musicalidade” tem sua


base na percepção auditiva. No entanto, a confiabilidade preditiva de todas
essas medidas é geralmente baixa [...] Geralmente, agora é reconhecido que
as habilidades auditivas por si só são insuficientes para prever o sucesso futuro
em toda a gama de atividades musicais, especialmente aquelas que envolvem

16
Original: “Because music is an “aural art form”
29
habilidades motoras (Gilbert, 1981) e criatividade (Vaughan, 1977; Webster,
1988). (HALLAM, 2008, p.438) (Tradução minha)17

Outra crítica a esses testes é que “os próprios testes que tentam medir a
habilidade musical falham por serem etnocêntricos, ou seja, consideram apenas a
música ocidental.” (BLACKING apud WIESE, 2011, p. 19).
Também quando vemos musicalidade somente como habilidade e focamos
somente na percepção auditiva, a tendência é pensar que essa habilidade por si só
é suficiente; de forma nenhuma a habilidade auditiva é descartada ou
menosprezada, ela é muito importante na música, mas por si só não é suficiente
para garantir o “sucesso” do aluno de música (sucesso não como sinônimo de fama,
mas de ter resultados satisfatórios)

Para se tornar um músico de sucesso, os indivíduos também precisam


desenvolver habilidades sociais (ser capaz de trabalhar com outros músicos,
promotores, o público), habilidades de planejamento e organização
(planejamento de horários de prática, programas, organização de viagens) e
habilidades de gerenciamento de tempo (ser pontual, cumprindo prazos). Estes
são claramente necessários para o desenvolvimento de conhecimentos em
várias profissões e, embora necessários, não são exclusivamente “musicais”.
(HALLAM, 2008, p. 441) (tradução minha)18

Então, quando os pais, responsáveis e professores veem potencial musical


no aluno somente pela perspectiva de percepção auditiva a tendência é projetar um
futuro para este aluno, mas segundo Hallam (2008):

O potencial musical é um fenômeno complexo que envolve muitos fatores.


Embora as habilidades auditivas sejam importantes, elas não fornecem a base
para avaliar com precisão o potencial musical atual ou futuro de uma criança.
(HALLAM, 2008, p. 443). (tradução minha)19

17
Original: The rationale underlying all of these approaches is that “musicality” has its basis in aural
perception. However, the predictive reliability of all of these measures is generally low [...] Generally, it
is now recognized that aural skills alone are insufficient to predict future success across the full range
of musical activities, especially those involving motor skills (Gilbert, 1981) and creativity (Vaughan,
1977; Webster, 1988).
18
Original: In order to become a successful musician, individuals also need to develop social skills
(being able to work with other musicians, promoters, the public), planning and organizational skills
(planning practice schedules, programs, travel arrangements) and time management skills (being
punctual, meeting deadlines). These are clearly required for developing expertise in a range of
professions and while necessary are not exclusively “musical”.
19
Original: While testes of musical aptitude may assess current aural skills, musical potential is a
complex phenomenon that involves many factors. While aural abilities are important, they do not
provide the basis from which to accurately assess a child’s current or future musical potential.
30
Uma outra alternativa bastante selecionada foi “ser responsivo à música”
(25,9%) (Ver gráfico 11). Esta alternativa se aproxima mais da definição de
musicalidade adotada por este trabalho, que é a mesma adotada por Wiese (2011):

A musicalidade, neste trabalho é considerada como um traço humano, algo que


todos possuem e têm condições de desenvolver se tiverem oportunidades para
tal. Porém, assim como cada ser humano é único em sua constituição e possui
oportunidades educacionais singulares, desenvolvendo diferentes habilidades
de acordo com os diversos processos de aprendizagem que vivencia, é
razoável pensar que existem diferentes níveis de musicalidade. (WIESE, 2011,
p. 13)

Por que, de certo modo, nós (seres humanos) somos responsivos a sons
antes mesmos de nascer, e é por este motivo que alguns autores defendem que
nossa enculturação musical também começa antes de nascer.

As sementes do potencial musical são plantadas precocemente porque o


sistema auditivo humano é funcional 3-4 meses antes do nascimento. Após
28-30 semanas de gestação, os fetos podem reagir de forma confiável aos
sons externos [...] O processo de enculturação musical começa a partir do
momento em que o desenvolvimento cerebral passa a ser influenciado pela
estimulação auditiva. (HALLAM, 2008, p. 437)20

As outras alternativas selecionadas foram: Ser capaz de tocar um instrumento


musical ou cantar (uma habilidade prática) (18,5% - 5 pessoas), Apreciar música
(11,1% - 3 pessoas), Dom, talento natural, facilidade (7,4% - 2 pessoas), e por fim
Habilidade rítmica (3,7% - 1 pessoa). (Ver Gráfico 11).

20
Original: The seeds os musical potential are sown early because the human auditory system is
functional 3-4 months before birth. After 28-30 weeks of gestation, fetuses can reliably react to
external sounds (Parncutt, 2006; see also Parncutt, Chapter 23, this volume). The process of musical
enculturation begins from the point at which brain development starts to become influenced by
auditory stimulation.
31
Gráfico 11:

A seguir será exposto se houve diferença nas respostas do LM4 e LM1 desta
mesma pergunta (2.2 Assinale dentre as opções abaixo qual representa melhor o
que significa musicalidade para você).
A alternativa mais selecionada da turma do último ano (LM4) foi Ser
responsivo à música (42,86%) (ver gráfico 12) e a segunda mais selecionada foram
duas alternativas com a mesma porcentagem: Ouvir e compreender música
(28,57%) e Ser capaz de tocar um instrumento musical ou cantar (uma habilidade
prática) (28,57%).
Por outro lado, a alternativa mais selecionada do primeiro ano (LM1) foi Ouvir
e compreender música (35%) (ver gráfico 13) e a segunda mais selecionada foi Ser
responsivo à música (20%). O que nos mostra que as alternativas mais selecionadas
foram basicamente as mesmas nas duas turmas, somente mudando a ordem de
mais votada, enquanto no LM4 Ser responsivo à música foi a mais selecionada, no
LM1 essa foi a segunda mais votada, por exemplo.

32
Categoria 6. Definição de musicalidade

Nesta pergunta os participantes poderiam responder de forma discursiva,


então para que os dados sejam melhor compreendidos, as respostas foram divididas
em categorias, de acordo com o que foi apontado pelo grupo. Assim foram criadas
as seguintes categorias: Intrínseco ao ser humano (18,52% - 5 pessoas), Emoção e
sentimento (18,52% - 5 pessoas) e habilidade musical (18,52% - 5 pessoas) que
obtiveram a maior parte das respostas; em seguida temos gosto e atração pela
música (14,81% - 4 pessoas), Ser responsivo a música (11,11% - 3 pessoas),

33
Expressão no discurso musical (11,11% - 3 pessoas), Dom e talento (3,70% - 1
pessoa) e A música como parte do indivíduo (3,70% - 1 pessoa). (ver gráfico 14).

A seguir, estão descritas as respostas dos participantes de modo que essas


foram organizadas em categorias considerando a análise de conteúdo por meio da
observação da repetição de termos bem como a proximidade de significado
encontrada. Desse modo, as categorias encontradas foram Dom e talento; Intrínseco
ao ser humano; Emoção e sentimento; Habilidade musical; Gosto e atração pela
música; Ser responsivo a música; Expressão no discurso musical; A música fazer
parte do indivíduo.

Dom e talento:
Ç27: Caráter, qualidade, talento, sensibilidade

Intrínseco ao ser humano:

Z26: Musicalidade para mim é a resposta a estímulos musicais que todos nós
apresentamos
S19: Musicalidade seria algo natural da vida, não apenas restrita a humanidade
mas a toda natureza, animais e flora.. não apenas uma maneira de agir ou e se
expressar, mas algo intrínseco
P16: entendo como algo natural do humano porém de difícil acesso para
aprimorar

34
G7: Pra mim todo ser humano tem habilidades musicais, basta que alguem
com conhecimento trabalhe esse talento natural que todos nós temos. Mas de
um ponto de vista mais preciosista e arcaico, só quem toca ou canta é musical.
C3: Musicalidade é apreciar, entender, ouvir, sentir, e reagir à música. Fugindo
da ideia de dom e talento, mas sim, tendo consciência de que a musicalidade é
construção e de que é inato, todos nascemos com capacidades e
características musicais, podendo ser desenvolvidas à níveis diferentes.

Emoção e sentimento

Y25: Ao meu ver é sentir a música, atrelar ela a um sentimento. Buscar e ser
atraído por isso e ao mesmo tempo responder também, como criando novos
ritmos ou melodias, por exemplo.
T20: sentir a música em toda sua essência, rítmica e conceitual
M13: Apreciação musical, independente se pode produzir ou não, SENTIR
música
K11: É algo que vem de dentro com o sentimento . Tudo aquilo que vc passa ou
passou pode ser transferido dentro de uma música
I9: Sensibilidade

Habilidade musical

W23: Saber apreciar, indentificar elementos, e votar no lula


V22: Musicalidade é a capacidade de reconhecer os elementos musicais, as
diversas sensações que ela te passa, absorver a mensagem.
Q17: Conseguir reparar as nuances musicais. Conseguir sentir as variações e,
se possível, conseguir replicá-las.
E5: Habilidades musicais acompanhando uma música (ouvindo), tocando,
compondo, estando consciente sobre o evento sonoro, participando da música
(sentindo-a de forma consciente)
A1: Capacidade de compreender música

Gosto e atração pela música

U21: Para mim a musicalidade implica em apreciar a música, curtir, absorver o


que a arte musical permite. O estudo é posterior a isto.
R18: Inclinação à música. Não sendo necessário ter conhecimento formal ou
prático.
X24: Musicalidade pra mim, é a união de alguns fatores tipo gostar de música,
entender música, apreciar, e ter interesse em criar
H8: O viver musical, o entretenimento e desenvolvimento musical.

Ser responsivo a música

N14: A resposta do indivíduo a estímulos sonoros, seja através da dança,


canto, prática instrumental ou criativa.
B2: É toda a forma de ouvir e apreciar, sentir e executar a música, em todos os
aspectos e contextos, independente do nível de estudo.
O15: Se expressar enquanto toca/canta, ser sensível ao som de forma que
movimentos corporais sejam involuntários

Expressão no discurso musical

35
J10: Musicalidade é a capacidade de se expressar através do seu instrumento,
com base em sua percepção rítmica, melódica, harmônica, e o pleno domínio
do instrumento
F6: Capacidade de expressar emoção através da música, sensibilidade auditiva
e memória emocional. Sensibilidade e habilidade para tocar um ou mais
instrumentos musicais. Afinidade com a música.
D4: A capacidade da pessoa em se apropriar da música como linguagem,
sendo capaz de produzir música pela exploração dos elementos sonoros de
modo criativo e expontâneo, valendo-se da improvisação e apreciação e
também da expressão sonora.

A música fazer parte do indivíduo

L12: As diferentes formas da música fazer parte de um indivíduo.

É interessante notar que o único participante que está na categoria Dom e


talento não selecionou a alternativa dom, talento natural, facilidade na alternativa
anterior (2.2 Assinale dentre as opções abaixo qual representa melhor o que
significa musicalidade para você). As três categorias que apareceram com mais
frequência (mesma quantidade de menções - 5 pessoas) foram: Intrínseco ao ser
humano o que vários autores defendem, exemplo, Hallam(2008), como já citado
anteriormente neste trabalho. Habilidade musical também é comumente relacionado
com musicalidade, como, também, já citado neste trabalho. E a terceira categoria
(tão votada quanto as outras) foi Emoção e sentimento. Por que não só ouvimos
música de forma “mecânica”? Por que sentimos também? segundo Levitin (2010)

A música aparentemente imita certas características da linguagem e transmite


algumas das mesmas emoções que a comunicação oral, mas de uma forma
não referencial e não específica. Também mobiliza algumas das mesmas
regiões neurais que a linguagem, mas, muito mais que essa, a música recorre
a estruturas cerebrais primitivas envolvidas com a motivação, a gratificação e a
emoção. [...] os sistemas de computação do cérebro sincronizam os
osciladores neurais com a pulsação da música, começando a prever quando
ocorrerá o próximo acento forte. À medida que a música avança, o cérebro
constantemente atualiza as estimativas sobre quando deverão ocorrer novos
acentos, extraindo satisfação da convergência entre um acento mental e um
real e deliciando-se quando um músico hábil rompe essa expectativa de uma
forma interessante - numa espécie de pilhéria musical da qual todos
participamos. A música respira, acelera-se e desacelera-se exatamente como
acontece na realidade, e nosso cerebelo sente prazer em se adaptar para
manter a sincroniza. (LEVITIN, 2010, p. 215)

Podemos supor que a musicalidade com emoção e sentimento se relacionam


por que o que muitos buscam na música é exatamente essa experiência emocional
(Levitin, 2010). Sloboda corrobora com essa ideia ao afirmar que:

36
A razão pela qual muitos de nós nos envolvemos em atividades musicais, de
composição, execução ou escuta, é que a música consegue despertar
emoções profundas e significativas. Estas emoções podem variar desde o
‘simples’ deleite estético diante de uma construção sonora e desde emoções
como a alegria ou tristeza que a música às vezes evoca ou alcança, até um
simples alívio da monotonia, tédio ou depressão que pode ser proporcionado
pelas experiências musicais cotidianas. (SLOBODA, 2008, p.3)
.
Comparando as respostas do primeiro ano com o último ano de licenciatura.
No último ano (LM4) temos as categorias Intrínseco ao ser humano (28,57% - 2
pessoas), Habilidade musical (28,57% - 2 pessoas) e Expressão no discurso musical
(28,57% - 2 pessoas) com a mesma frequência de respostas; e por fim Ser
responsivo a música (14,29% - 1 pessoa). (ver gráfico 15).

37
No primeiro ano (LM1) temos a categoria Emoção e sentimentos (25% - 5
pessoas) com mais frequência de respostas, em seguida temos Habilidade musical
(20% - 4 pessoas), Intrínseco ao ser humano (15% - 3 pessoas), Gosto e atração
pela música (15% - 3 pessoas) com a mesma porcentagem, Ser responsivo a
música (10% - 2 pessoas), e por fim Dom e talento (5% - 1 pessoa), Expressão no
discurso musical (5% - 1 pessoa) e Música como parte do indivíduo (5% - 1 pessoa)
com a menor frequência de respostas e com a mesma porcentagem (ver gráfico 16)
Nesta última pergunta há uma diferença significativa entre as turmas,
enquanto a categoria Emoção e sentimento é a mais votada no primeiro ano, no
último ano essa categoria não recebeu nenhuma resposta, mas o que há em comum
é que as categorias intrínseco ao ser humano e habilidade musical aparecem entre
as mais votadas nas duas turmas.

38
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por muito tempo acreditou-se e ainda acredita-se que somente os


“escolhidos”, “talentosos”, os “gênios”/”prodígios” que podem de fato aprender
música e se desenvolver. Há até um certo “caça-talentos” para encontrar esses
prodígios/superdotados com o objetivo de investir neles o mais cedo possível. Mas
esses prodígios carregam uma combinação incomum de precocidade,
espontaneidade e habilidades específicas, o que torna essas pessoas raras, e
mesmo que uma criança que seja musicalmente superdotada, isso não significa que
esta será um adulto eminente (Ilari, 2013).
Por mais que haja prodígios e superdotados, acreditar e entender que a
musicalidade é intrínseca ao ser humano é fundamental para o educador musical,
pois essa concepção pode afetar a maneira como esse educador ensina e como
encara os desafios que os alunos apresentam. Assim, é mais provável que o
professor encontre estratégias para ajudar um aluno com alguma dificuldade musical
quando este professor tem a concepção de que musicalidade é algo do ser humano
e que pode ser desenvolvido.
Por isso, buscou-se neste trabalho investigar a concepção de musicalidade
para licenciandos em música. Totalizando todas as respostas, constatou-se que
para a maioria dos participantes musicalidade significa Ouvir e compreender música,
mas quando separamos os resultados de cada grupo, para a maioria do último ano
(LM4) musicalidade significa Ser responsivo à música e para a maioria do primeiro
ano (LM1) significa Ouvir e compreender música. É interessante notar que Ser
responsivo à música é uma visão mais ampla e mais ligada com a concepção de
que ser musical é intrínseco ao ser humano. Essa foi a resposta mais selecionada
do último ano, o que nos leva a supor que esta visão mais ampla pode ter sido
construída durante os anos de formação pela vivência, experiência, estudo, leitura e
outros.

39
Ainda sobre musicalidade, totalizando a respostas dos dois grupos,
constatou-se que para a maioria dos participantes a definição deste termo está
ligada às categorias: Intrínseco ao ser humano, Emoção e sentimento e habilidade
musical; mas quando separamos os resultados de cada grupo (LM4 e LM1) para a
maioria do último ano (LM4) a definição de musicalidade está mais ligada às
categorias: Intrínseco ao ser humano e Habilidade musical e para a maioria do
primeiro ano (LM1) é Emoção e sentimento. Quando para o último ano (LM4) a
definição de musicalidade está ligado com às categorias: Intrínseco ao ser humano e
Habilidade musical, essas duas categorias nos mostram uma visão de que
musicalidade pode ser desenvolvida e não está restrita a um certo grupo de
pessoas.
Portanto, a partir desta pesquisa notou-se que há uma certa diferença na
concepção de musicalidade dos alunos do último ano para os alunos do primeiro
ano que participaram desta pesquisa. Podemos supor que a formação ao longo do
curso de Licenciatura pode ter interferido de alguma forma na concepção sobre o
que significa musicalidade por parte dos alunos.
Por fim, constatou-se que musicalidade é um conceito muito importante para
educação musical que precisa ser mais pesquisado, ensinado e refletido.










40
​ REFERÊNCIAS

ADESSI, A. R.; ARAÚJO, R. C.; VALLS, A. ; GLUSCHANKOF, C.; A Comparative


research about social representations of “music” and “music child” held by
University Students. In: INTERNACIONAL CONFERENCE ON MUSIC
PERCEPTION AND COGNITION, 11 TH, 2010, Seattle. Anais. Seattle, University of
Washington, 2010. p. 43.

BABBIE, Earl. Métodos de Pesquisas de Survey. Belo Horizonte: Editora UFMG,


2003.

ILARI, Beatriz. Música na infância e na adolescência: um livro para pais,


professores e aficionados. Curitiba: Editora Ibpex, 2009

GIL, A C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 2007.

LEVITIN, D. A música no seu cérebro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares de


Educação Física para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino
Médio. Curitiba: SEED, 2008.

SAKAMOTO, SILVEIRA. Cleusa Kazue, Isabel Orestes. Como fazer projetos de


iniciação científica. São Paulo. 2014.

SACKS, O. Alucinações Musicais. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif. Reflexões sobre o conceito de


musicalidade: em busca de novas perspectivas teóricas para a educação
musical. Tese (Doutorado em música) - Universidade Estadual de Campinas.
Campinas/SP, 2005.

SLOBODA, John A. A mente musical: psicologia cognitiva da música. Tradução


de Beatriz Ilari e Rodolfo Ilari. Londrina: EDUEL, 2008.
41
HALLAM, CROSS, THAUT. Susan, Ian, Michael. Oxford Handbook of Music
Psychology. Nova Iorque: Oxford University Press. 2008.

MAFFIOLETTI, L. de A. Musicalidade humana – aquela que todos podem ter. In:


IV
ENCONTRO REGIONAL DA ABEM SUL, 2001, Santa Maria. Anais. Santa Maria:
UFSM, 2001.

McPHERSON. Gary E. The Child as Musician: A handbook of musical


development. Nova Iorque: Oxford University Press. 2006.

MARCONI, M A, LAKATOS, E M. Técnicas de Pesquisa. 6ª ed. São Paulo: Atlas,


2007.

WIESE, tatiane. O(s) conceito(s) de musicalidade na perspectiva de experts,


professores e bacharéis da área de flauta doce. Dissertação (Mestrado em
música) - Universidade Estadual do Paraná. Curitiba, 2011.

42
​ APÊNDICES

QUESTIONÁRIO - MUSICALIDADE PARA LICENCIANDOS EM MÚSICA DE UMA
IES DE CURITIBA

Seção 1 - Perfil

1.1 Idade
1.2 Gênero
● Masculino
● Feminino
● Prefiro não informar
1.3 Qual é o seu principal Instrumento?
1.4 Atualmente está lecionando música? (musicalização; instrumento; escola regular,
e outros) (sim ou não)
1.4.1 Se "sim", há quanto tempo?
1.4.2 Se "não", já teve alguma experiência ensinando música?
1.5 Qual ano está cursando de Licenciatura em música?
● Opção 1 - LM 1
● Opção 2 - LM 4

Seção 2 - Sobre Musicalidade - Questões fechadas

2.1 Assinale a alternativa (pode ser mais de uma) que representa melhor as
características de uma pessoa musical para você:

Opções:
● Natural: Todos nós somos musicais; é algo intrínseco ao ser humano;
● Dotada: Tendência particular para a música; tem dom ou talento;
● Educada: Teve mais experiências musicais, em família ou na escola,
“uma pessoa que pode captar os aspectos musicais que o professor
pede enquanto ouve uma música” ou “todas as pessoas podem se
tornar, se estimulado o suficiente e da mesma forma”;

43
● Capaz: canta afinado, ouve com atenção, reconhece estilos musicais
e sobretudo mostra que possui boa habilidade rítmica;
● Criativa: Esta categoria concentra-se na criatividade; adora
experimentar e descobrir novos sons, ou inventá-los em muitas jeitos
diferentes;
● Alegre: A pessoa musical pode ser vista como uma que se diverte e
que gosta de música. Por exemplo: “canta, dança, fica feliz em ouvir
música” ou “que produz sons musicais, que toca e se diverte com a
música.”;
● Atraída: A pessoa atraída por sons e música, particularmente
interessado em atividades musicais. Algum exemplo de respostas:
“acompanha com interesse as atividades musicais”, “ele/ela tem
curiosidade sobre música e sons”;
● Movimento: a pessoa dança mais musicalmente e usa seu corpo ao
ouvir a música e ao fazer-música: “ele/ela dança enquanto ouve
música”, “dança, pula e se move no tempo";
● O Musicmaker: a pessoa mais musical é caracterizada por palavras
que indicam fazer música: “gosta de cantar e tocar”, “tem uma boa voz
para cantar”;
● Os Ouvintes: a pessoa mais musical é caracterizada pelas palavras
que indicam ouvir sons e música: “ouve música”, “está atento aos
sons”.

2.2 Assinale dentre as opções abaixo qual representa melhor o que significa
musicalidade para você:

● Ser capaz de tocar um instrumento musical ou cantar (uma habilidade


prática)
● Ouvir e compreender música
● Ter habilidades auditivas
● Apreciar música
● Ser responsivo à música
● Dom, talento natural, facilidade
● Habilidade rítmica
44
Seção 3 - sobre musicalidade (questão aberta)

3.1 Defina o que você entende por MUSICALIDADE com suas palavras

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