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Recomendação IRAR n.

º 01/2005
PREVENÇÃO DE POSSÍVEIS EFEITOS NEGATIVOS DA SECA NA QUALIDADE DA
ÁGUA DISTRIBUÍDA

Considerando que:
A situação de seca que se verifica em grande parte do território continental no corrente
ano de 2005 e desde há longos meses obrigou já um número considerável de entidades
gestoras a tomarem medidas excepcionais para garantirem que alguns aglomerados
populacionais pudessem continuar a ser abastecidos regularmente e em condições
satisfatórias.
As medidas tomadas passaram nomeadamente por recurso a auto-tanque, a reactivação
de furos de reserva e a abertura de novos furos, tendo naturalmente em conta as
disposições legais em vigor.
Enquanto Autoridade Competente para a qualidade da água para consumo humano e
entidade integrante da “Comissão da Seca 2005”, o IRAR está particularmente
preocupado com os possíveis efeitos para a saúde humana decorrentes do recurso às
citadas medidas, dado que podem constituir um factor acrescido de risco.
Numa perspectiva preventiva, um conjunto de recomendações poderão contribuir para
assegurar que, nas condições presentes, a água possa continuar a chegar aos
consumidores com a qualidade adequada.

Considerando ainda que:


Ao abrigo do número 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro, foi o
IRAR investido como a Autoridade Competente para a qualidade da água destinada ao
consumo humano.
Ao abrigo do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 362/98, de 18 de Novembro, com as alterações
introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 151/2002, de 23 de Maio, se cometem a este Instituto
as atribuições de regulamentação, orientação e fiscalização da concepção, execução,
gestão e exploração dos sistemas multimunicipais e municipais de águas, bem como da
actividade das respectivas entidades gestoras, assim como de assegurar a qualidade da
água para consumo humano nos termos dispostos no Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de
Setembro, de modo a salvaguardar a protecção da saúde humana e os interesses e
direitos dos cidadãos no fornecimento de bens e serviços essenciais.
O artigo 11.º daquele diploma atribui ao Conselho Directivo do IRAR, entre outros, os
poderes para emitir recomendações de carácter genérico relativas a aspectos essenciais
da qualidade na concepção dos sistemas multimunicipais e municipais, em conformidade
com códigos de prática previamente estabelecidos, e para sensibilizar as entidades
gestoras e os autarcas em geral para as questões da qualidade na concepção dos
mesmos sistemas.

O Instituto Regulador de Águas e Resíduos entende formular a seguinte


Recomendação relativa à prevenção de possíveis efeitos negativos da seca na
qualidade da água distribuída, dirigida às entidades gestoras dos sistemas
multimunicipais e municipais de abastecimento público de água, independentemente
do modelo de organização adoptado:

1. Sobre o abastecimento directamente a partir de auto-tanque com recurso a uma


origem de água de qualidade controlada
Nesta situação, mesmo admitindo que a água transportada é de boa qualidade e
controlada de acordo com o Decreto-Lei n.º 243/01, de 5 de Setembro, recomenda-se o
seguinte:
Se o tempo de permanência da água no depósito for inferior a 48 horas, não se
justifica proceder a análises complementares;
Se o tempo de permanência for superior a 48 horas, recomenda-se que se proceda
à análise dos parâmetros Escherichia coli, pH, condutividade e desinfectante
residual;
Se o tempo de permanência for superior a 96 horas, recomenda-se, para além dos
quatro parâmetros já citados, a análise dos seguintes: bactérias coliformes,
enterococos, número de colónias a 22 ºC e 37 ºC, cor, turvação, cheiro, sabor,
ferro, manganês, amónio e oxidabilidade.

2. Sobre o abastecimento indirectamente a partir de auto-tanque com recurso a


uma origem de água de qualidade controlada, em que este alimenta o
reservatório local, a partir do qual a população é abastecida através da rede de
distribuição
Independentemente da qualidade da água transportada, deve ser desinfectada no
reservatório antes de ser distribuída, sendo vantajoso o reforço do controlo operacional
na rede, nomeadamente no que concerne à análise do cloro existente, que é garantia
de uma desinfecção adequada.

3. Sobre o abastecimento directamente a partir de auto-tanque com recurso a uma


origem de água de qualidade não controlada
3.1. É uma situação de risco, devendo ser feita com a maior urgência uma análise completa
da água na origem, de acordo com o Decreto-Lei n.º 236/98, de 1 de Agosto.
3.2. No entanto, dado o tempo que decorre até à obtenção de todos os resultados, a
entidade gestora deve solicitar ao laboratório, com carácter de urgência, os valores dos
seguintes parâmetros: microbiológicos, pH, condutividade, ferro, manganês,
oxidabilidade, nitratos e nitritos.
3.3. Nestas condições aconselha-se o seguinte:
Até à obtenção dos primeiros resultados, a água deve ser desinfectada, mas a
população não a deve consumir para os usos mais exigentes – ingestão de água e
confecção de alimentos;
Obtidos os resultados do conjunto de parâmetros descritos, e desde que a
qualidade o permita, a água desinfectada pode servir para qualquer uso;
Deve ser realizada uma análise completa para reforçar a confiança na qualidade da
água consumida, sem prejuízo da necessidade de se efectuar a desinfecção;

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Em qualquer uma das condições descritas, deve proceder-se a um reforço do
controlo operacional, em especial do controlo do cloro residual na rede de
distribuição;
O controlo na torneira do consumidor deve manter a frequência de amostragem
prevista no programa de controlo da qualidade da água.

4. Sobre a abertura de novas captações ou recurso a captações de reserva


4.1. Resultante do período de escassez de água que assola o território de Portugal
continental e com o objectivo de agilizar procedimentos, foi publicado o Decreto-Lei n.º
131/2005, de 16 de Agosto, que estipula as regras a aplicar excepcionalmente até 31
de Dezembro de 2005 na pesquisa e na captação de águas subterrâneas e na
instalação de novas captações de águas superficiais.
4.2. Uma vez que as entidades gestoras podem recorrer a captações de reserva, algumas
das quais com períodos de inactividade muito prolongados, o IRAR recomenda que os
procedimentos de avaliação da qualidade da água aplicados sejam idênticos aos
previstos para as captações novas.
4.3. Considerando o atrás referido, quando se recorra a novas captações ou a captações
de reserva e tendo em conta que em quaisquer circunstâncias a nova origem de água,
só por si, ou misturada com outras origens, não deve colocar em risco a saúde
humana, recomenda-se que:
Se proceda ao pedido de licenciamento para a pesquisa e captação de água para
consumo humano junto da autoridade licenciadora territorialmente competente, de
acordo com o artigo 4.º do Capítulo II do Decreto-Lei n.º 131/2005, de 16 de
Agosto;
Para o pedido de licença a qualidade da água deve ser caracterizada de acordo
com o disposto no Anexo I do referido diploma;
Para a utilização da água proveniente das captações após licenciamento, a
entidade gestora deve cumprir o disposto no Anexo II do referido diploma;
A água só pode ser utilizada, sem quaisquer restrições, se cumprir com todos os
valores paramétricos dos parâmetros constantes dos grupos I e II do Anexo II do
referido diploma.

5. Sobre a actuação das entidades gestoras no controlo da qualidade da água na


torneira do consumidor
5.1. Este controlo é feito de acordo com o Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro, o
qual estabelece a sua periodicidade. Dado que a quase totalidade dos aglomerados
atingidos pelas medidas apresentadas são de pequena dimensão, o controlo faz-se
muito espaçadamente (duas vezes por ano para o controlo de rotina e uma vez para o
controlo de inspecção);
5.2. Uma vez que pode decorrer demasiado tempo até se conhecerem os efeitos daquelas
medidas, deve ser comunicada ao IRAR a alteração das datas de recolha por forma a
que se possa antecipar a realização dos controlos previstos no PCQA, de modo a se
poderem avaliar atempadamente os efeitos na qualidade da água distribuída.
5.3. Caso as análises de controlo revelem resultados que ultrapassam um ou mais valores
paramétricos, as entidades gestoras podem, face à situação excepcional verificada,

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tendo em conta a necessidade de abastecer as populações afectadas e de acordo com
o Decreto-Lei, proceder da seguinte forma:
Se se tratarem de parâmetros da Parte B do Anexo I do Decreto-Lei (parâmetros
obrigatórios), podem solicitar ao IRAR, a derrogação de um ou mais parâmetros,
devendo tal pedido ser justificado nos termos do artigo 15º do Decreto-Lei,
propondo valores máximos que consideram poder cumprir durante o período de
validade da derrogação. Trata-se de uma figura consagrada na lei, devendo o IRAR
obrigatoriamente pedir o parecer da autoridade de saúde, a qual se pronuncia sobre
se os valores propostos pela entidade gestora constituem ou não um perigo
potencial para a saúde humana.
Se os incumprimentos forem relativos a parâmetros da Parte C do Anexo I do
Decreto-Lei, não é possível a sua derrogação, podendo a entidade gestora, face à
excepcionalidade da situação presente, solicitar directamente à autoridade de
saúde que se pronuncie sobre se pode durante um determinado intervalo de tempo
(correspondente ao período de abastecimento a partir de uma origem que, apesar
de ter alguns problemas, constitui a única origem viável) distribuir a água que,
apresentando embora uma menor qualidade, pode não comportar um risco para a
saúde humana.
Quando a análise das novas origens de água revelar para alguns parâmetros
resultados que violem os valores paramétricos, se o tratamento existente não
permitir a sua correcção e se não houver uma alternativa viável, deve ser de
imediato colocada a questão directamente ao IRAR (se se tratar de parâmetros da
Parte B do Anexo I) ou à autoridade de saúde (se se tratar de parâmetros da Parte
C do Anexo I) sobre se essa água pode ser utilizada para consumo humano.

6. Sobre o acompanhamento contínuo da situação


6.1. O IRAR, enquanto autoridade competente e também enquanto membro da “Comissão
da Seca 2005”, recomenda a todas as entidades gestoras que, enquanto durar este
período de escassez pluviométrica, informem regularmente este Instituto da situação
relativa à qualidade da água para consumo humano no que diz respeito ao recurso a
novas origens ou a origens de reserva e ao transporte de água, através do
correspondente formulário de comunicação1.
6.2. A informação solicitada deve ser comunicada quinzenalmente ao IRAR, por todas as
entidades gestoras em alta e baixa, nos dias 9 e 23 de cada mês, através do e-mail
aguas.consumo@irar.pt ou do fax 210 052 259, até que a “Comissão da Seca 2005” dê
por terminado este período de escassez hídrica. Caso o dia estabelecido coincida com
feriados ou fim-de-semana, a informação deve ser remetida no dia útil anterior.
6.3. Esta informação permite ao IRAR, no quadro geral da “Comissão da Seca 2005”:
Proceder a um levantamento à escala nacional das medidas de excepção
adoptadas pelas entidades gestoras para fazer face à situação de escassez de
água vivida actualmente;
Transmitir a situação às diversas entidades que participam na Comissão da Seca
2005”;
Elaborar a contribuição do IRAR para o relatório quinzenal da “Comissão da Seca
2005”;

1
Disponível em http://www.irar.pt/PresentationLayer/ResourcesUser/docum/inq_seca.doc

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Disponibilizar o seu apoio técnico, se necessário, a todas as entidades gestoras,
em particular àquelas onde se verificam os maiores problemas.
6.4. Naturalmente que o rigor e a continuidade da informação prestada pelas entidades
gestoras são aspectos primordiais para o IRAR, enquanto membro da “Comissão da
Seca 2005”, cumprir os objectivos acima citados.

30 de Setembro de 2005
O Conselho Directivo do IRAR
Jaime Melo Baptista
Dulce Álvaro Pássaro
Rui Ferreira dos Santos

Esta recomendação foi aprovada pelo Conselho Directivo do Instituto Regulador de Águas e Resíduos ao abrigo
do disposto nas alíneas i) e l) do artigo 11.º do Estatuto do IRAR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 362/98, de 18 de
Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 151/2002, de 23 de Maio.
Ela sistematiza e actualiza todo um conjunto de orientações que o IRAR tem vindo a transmitir regularmente às
entidades gestoras dos sistemas multimunicipais e municipais de abastecimento público de água desde Janeiro
de 2005.
O texto desta recomendação foi elaborado pelo Departamento de Qualidade da Água do IRAR, com a
participação de Alexandre Milheiras Costa, Ana Martins, Cecília Alexandre e Luís Simas.

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