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" Plantando Grejas Teologia biblica, principios e Ss estratégias de plantio de igrejas Ronaldo Lidério A clara diferenga entre a evangelizacdo e o plantio de igrejas 6 o propdsito. No-primeiro tencionamos apresentar Cristo a um individuo que podera guardar para si o evangelho ou anuncid-lo a eutros, No segundo, apresentaremos Cristo 4 individuos em uma érea definida de relacionamentos que se fortalecerao em uma comunidade a qual deve ser capaz de prover ensino da Palavra, ambiente para a oracéo e comunhao, 2 leva-los a apresentar Jesus a outros. Igrejas plantam igrejas. Lidorio sustenta ainda que herdamos da Reforma “a clara preocupacdée com a Palayra e a conviccaoe de quc, somente por meio dela a Igroje de Cristo se enraizeré entre um povo ou uma cidade”. E cita Calvino: “... onde quer gue vejamos @ Palavra de Deus pregada © ouvida em toda a sua pureza... ndo hd diivida de que existe all uma Igreja de Deus”. | Ronaldo Lidério ¢ pasior presbitcrizno ¢ membro da APMT ¢ } AMEM. Atuoa como plantador de igrejas om Gana, na Altic duisnle nove anos € ne presenic liders una equips missiondria entre diversas etnias indigenas na Aniazonia brasileira, £ doutor em Aafropologia Cultural ¢ autar de varios livros. Consultor da d World Evangelical Alliance eoutras ofganizagdes om projetos de j evangelizagao ¢ plantio de igrejas em areas resistentes. Casado com Rossana ¢ pai de dois filkos, Viviemne = Ronalelo Junion mL ote epirOrs CUUURA CAISTA won.cep orgy PLANTANDO IGREJAS Teologia biblica, principios e estratégias de plantio de igrejas Ronaldo Lidério “Santa Lectura" Plantando Igrejas © 2007 Editora Cultura Crista, Publicado em portugues © Ronaldo Lidoric. Todos os direitos s40 reservados. 1° edigdo - 2007 — 3.000 exemplares Revisa0 Solano Portela Wendell Lessa Madelena Torres Editoragao Carlos R. Oliveira Capa Lela Design Consetho Editorial Claudio Mara (Presidente), Agen Cirilo de Magalies Jr, Alex Barbosa Vieira, André Luiz Ramos, Fernando Hamilton Costa, Francisco Solare Portela Neto, Mauro Femando Meister, Valdeci da Silva Santos ¢ Francisco Baptista de Mello. Dados Intemnacionais de Catalogagio na Publicayto (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 266 Lidério, Ronaldo LISp Plantando igrejas ~ teologie biblies, prineipios ¢ 25- tratégias de plantio de igrejas / Ronaldo Lidério. Sio Paulo Casa Editora Presbiteriana, 2007, 112 ps 16x23em ISBN: 978-85-7622-209-5 1, Missiles 2, Plantapio de igrejas 4. Crescimento & DITORA CULTURA CAISTA ‘Rua Miguel Teles Jr, 394 ~ CEP 01540040 — Sto Paulo— SP Caine Posual 15.136 ~ CEP 1599-970 — Sao Paulo ~ $P Fore: (11)8207-7099 — Eax:(11}3209-1285 Ligue grils: 0800.0141963 — wor weep.org be — cep@eep ang be Superincendense: Haveralde Fervelra Vargas Editor: Claudio Ant6nio Batista Marra AGRADECIMENTOS Ao querido Solano Portela, por sua bondose e “itil revisdio do texto bem como encorajamento para sua publicagao. A Richard Hibberts ¢ Dick Sgoggins, pela contribuigaio dada nas reflexdes missiol6gicas sobre 0 assunto Ao querido Haveraldo Vargas, pelo constante encorajamento ao longo dos anos. DEDICATORIA Dedico este livro aos plantadores de igrejas que seguem a Jesus ¢ 0 fazem conhecido nos lugares mais improvaveis da terra, confiados na promessa de que nfo estarvio sés. Minha oraco ¢ que estas paginas Thes encorajem na caminhada IxtRopucAo Cariruto 1 = Captruto 2 ~ Capiruco 3 — Carituto 4— Cariruco $— SUMARIO ‘TROLOGIA BIBLICA Dé PLANTIO DE IGREJAS Reconciliando Missiologia ¢ Teologia Orientagao teolégica para o plantio de igrejas Uima breve retrospectiva hist6rica e meiodolégica TEOLOGIA BIBLICA DA CONTEXTUALIZACAO Arelevancia da contextualizagao no plantio de igrejas Os perigos impositivo, pragmitico e sociolégico nos pressupostos de contextualizagio Teologia ¢ contextualizagio Pressupostos biblicos para a contextualizagio Modelos biblicos de contextuslizagao de metisagem Critérios biblicos para a contextualizagio AIGREIA E SUA MISSAO NO PLANTIO DE IGREIAS. Igreja— 0 conceito neotestamentario Igreja ~ 0 processo de envio A Missio Dei @ a misao da igreja TESTRATEGIAS PARA 0 PLANTIO DE IGREIAS~ PARTE | © modelo paulino de desenvolvimento de estratégias Realidades que limitam o desenvolvimento de estratégias saudaveis para o plantio e crescimento de igrejas ESTRATEGIAS PARA 0 PLANTIO Die 1GREIAS — Parts 2 Estratégia 1: Pesquisa ¢ compreensdo da socicdade local Estratégia 2: Abundante evangelizagdo i 7 19 22 5 9 CariruLo 6— Coxciusio — Estratégia 3: Comunicagao de um evangetho cristocéntrico Estratégia 4: Oragdo Estratégia 5: Organizagao de igrejas locais Estratégia 6: Discipulado ¢ treinamento de lideres locais Estratégia 7: Envolvimento social que promova a¢des sociais Estratégia 8: Desenvolvimento do perfil do plantador de igrejas O Esoigito SANr0 E © PROCESSO DE PLANTIO DE IGREIAS A relaco entre a expansio do reino ¢ o Espirito Santo Pentecostes ¢ a proclamagio CRONICA DO SEMPADOR ‘Trapanos CiTanos Notas 80 83 85 87 &8 90 100 102 105 107 109 INTRODUCAO Neste livro desejo abordar o assunto do plantio de igrejas sob trés prismas: a teologia do plantio de igrejas, os principios ¢ estratégias do plantio de igrejas em uma cosmovisao biblica, e por fim as possibilidades de um movimento de plantio de igrejas. Bosch! entende que a igreja no final do século 19 passou a ter uma clara compreensdo da necessidade da ekklesia — igreja local — para o enraizamento do evangelho nas cidades, provincias ¢ regides mais distantes entre os gentios. Michael Green? destaca que houve uma mudanga de percepg’o quanto 4 missao evangelistica da igreja logo no fim do século 12 a0 perceberem gue Jerusalém deveria ser o bergo do evangelho ¢ nao o centro do evangelho. Nascia 0 sen- timento de que a igreja de Cristo deveria se espalhar pelo mundo por meio de igrejas locais. O apéstolo Paulo, mais do que qualquer outro, observou a necessidade de n&o apenas evangelizar as areas distantes, mas plantar ali igrejas locais que vi- vam Cristo ¢ falem do seu nome, Paulo usa as expresses plantar (1Co 3.6-9: 9.7,10,11), lancar alicerces (Rm 15,20, 1Co 3.10) e dar a luz (1Co 4.15) ao se re- ferir ao plantio de igrejas. Bowers defende que Paulo, ao afirmar que proclamou o evangelho de Cristo de forma completa (Rm 15.19), se referia que igrejas ha- viam sido plantadas em toda aquela regio. O’Brien, concordando com Bowers, expressa que “proclamar o evangelho para Paulo ndo se resumia simplesmente 4 pregagéo inicial ou & cotheita de alguns frutos. Incluia toda uma série de atividades ligadas ao amadurecimemo e fortalecimento dos convertidos com 0 intuito de estabelecé-los em novas igrejas locais”’. Apesar de a missdo da igreja, sua vox clamantis, nao ter sido a énfase da Reforma Protestante, certamente herdamos deste periado a clara preocupagdo com a Palavra e a convicedo de que, somente por meio dela, a igreja de Cristo se enraizara entre um poyo ou uma cidade. Jo&o Calvino enfatizava que “... onde 12 Plantando igrojas quer que vejamos a Palavra de Dens pregada e owvida em toda a sua pureza.. nao ha chivida de aue existe ali wma iercia de Neus” O proprio termo para igreja no Novo Testamento — ekklesia — é composto pela preposigaio ef (pata fora de) c a raiz kaleo (chamaz) que literalmente poderia ser traduzido por “chamada para fora de”, dando-nos a idéia de uma comunida- de dinamica, crescente, local, nao enraizada em si mesma ou com uma missio puramente interna. Obviamente o termo também esta ligado a “agrupamento de individuos” ¢, de certa forma, a “instituicdo”; porém, em todo Novo Testamento adquire 0 conceito de “comunidade dos santos’ e com excegao de Mateus 16.18 ¢ 18.17 esta ansente dos evangelhos aparecendo, porém, 23 vezes em Atos ¢ mais de 100 vezes em todo o Novo Testamento. Creio que ndo ha forma mais duradoura de se estabelecer 0 evangelho em um bairro, cidade, cla ou tribo a nao ser por meio da plantagao de uma igreja local, biblica, viva, contextualizada e missionaria De acordo com Van Rhcenen, plantar igrejas é 0 ato de reproduzir comunida- des de adoracao que refietem o Reino de Deus no mundo mediante a proclama- go do evangelho vivo. Donald MacGavran desenvolveu o estudo sobre cresci- mento de igrejas e logo depois Garrison o apresentou em forma de movimentos descritos como “um rapido e exponencial movimento de crescimento de igrejas nativas, plantando igrejas deniro de um povo especifico, drea ou segmento”. Devido a diversidade de termos ¢ definigdes ha algumas limitagdes no estudo do assunto. Uma destas limitagdes é 0 estigma normalmente ligado ao conceito de plan- tio de igrejas. a abordagem pragmdérica. Como é um assunto freqiientemente associado 4 metodologia ¢ processo de campo — sob um ponto de vista pragma- tico — somos levados a entender ¢ avaliar plantio de igrejas baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teolégicos. Consegtientemente 0 que ¢ biblico e teclogicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo.‘ Estou conyencido de que todas as deci- sdes missiolégicas devem estar enraizadas em uma boa fundamentagao biblico- teolégica se desejamos ser coerentes com a expresso do mandamento de Deus (At 242-47). Uma segunda limitagao ¢ aceitar o plantio de igrejas como sendo nada mais do que uma cadeia de solugdes para as necessidades humanas. Chamarei esta perspectiva de abordagem sociolégica. Isto ocorre quando plantadores de igre- jas tomam decisdes baseadas puramente na avaliaedo e interpretacdo socio- légica das necessidades humanas e n&o nas instrugdes das Escrituras, Neste caso, os assuntos culturais e caréncias humanas, em vez das Escrituras, deter- minam e flexibilizam a teologia a ser aplicada a certo grupo ou segmento. Vi- Introducao 13 cedon afirma que somente um profundo conhecimento biblico da natureza da igroja (Ef 1.23) ird capacitar plantadores de igrejas a terem atitudes enraizadas na Missio Dei e nao na demanda da sociedade.’ A defesa de um evangelho inte- gral nao deve ser condundida com 0 esquecimento dos lundamentos da teologia biblica. E esta deve ser nossa crescente preocupacdo por vivermos em um con- texto pés-cristio, pos-moderno e hedénico. Una terceira limitac3o ¢ a abordagem eclesiolégica, a qual esta ligada A nos- sa compreensio da propria natureza da igreja. Apesar de concordar com Bosch que “ndo é a igreja de Deus que tem uma missdo no mundo, mas 0 Deus da missdo que tem uma igreia no mundo” precisamos clarear o valor da igreja em termos de identidade. Quando Dietrich Bonhoeffer escreveu que “a igreja & igreja apenas quando existe para outros”, creio que ele esta parcialmente certo. Apesar de a igreja exercer um papel prioritario em termos de atuacao missiona- ria, scu valor intrinseco, de extramissao proclamadora, precisa ser reconhecido, porque € 0 resultado do sacrificio de Jesus — ¢ Jesus ¢ a cruz sao 0 centro do plano de Deus. Assim, apesar de a missdo ser uma constante prioridade biblica na vida da igreja néo devemos definir esta igroja apenas a partir da proclamagao do evangelho sob pena de nos tormarmos extremamente funcionalistas e utilita- trios. Adoragao, doutrina, fidelidade, santidade, unidade e comunhdo sao tam- bém importantes aspectos que compdem a identidade da igreja. Assim sendo, a igreja nao é um mecanismo primariamente desenhado para evangelizar pessoas, mas um instrumento para glorificar a Deus (Ef 3.10), ¢ a evangelizagao é uma de suas fungdes e resultado de sua existéncia, A auséncia desta compreensao mais ampla tem gerado igrejas que, com competéncia, espalham o evangelho, mesmo no vivenciando esie evangelho em sua vida didria, Igrejas evidente- mente missiondrias, mas sem o cardter de Jesus. Biblicas apenas em uma fatia da vida crista. Esta compreensdo eclesiolégica, porém, nao diminui a responsabilidade da igreja perante 0 mandamento missiondrio de Cristo. Nao podemos subestimar nossa vocag4o missiondria de proclamar o evangelho a tempo e fora de tempo, enquanto ¢ dia. A proclamagao, apesar de nao ser a tnica caracteristica procurada por Deus em sua igreja, € possivelmente a mais urgente ¢ vital para o mundo em trevas. A auséncia deste sentimento na vida didria da igreja ¢ sintoma de enfer- midade crénica espiritual ¢ biblica. Tendo dito isto devemos compreender que Deus pode ser glorificado tanto em uma cruzada evangelistica com um milhao de pessoas em Acra como em um culto doméstico em uma pequena igreja em Hayacucho (Rm 16.25-27). ‘Aclara diferenga entre a evangelizagio ¢ o plantio de igrejas & 0 propésito. No primeiro, tencionamos apresentar Cristo a um individuo que podera guardar 4 Plantando igrejas para si o evangelho ou anuncid-lo a outros, No segundo, apresentaremos Cristo a individuos em uma area definida de relacionamentos que se fortalecerao em uma comunidade, a qual deve ser capaz de prover ensino da Palavra, ambiente para a oragdo e comunhao, ¢ levd-los a apresentar Jesus a outros. Igrejas plan- tam ierejas. © apéstolo Paulo, além de todas as suas iniciativas evangelisticas pessoais, jamais deixou diivida de que a estratégia para a evangelizacdo de um povo, ci- dade ou bairro, seria plenamente atingida apenas por meio do plantio de igrejas locais biblicas, vivas, auto-sustentiveis, autogoverndveis e missionarias, A igreja plantada mais rapidamente em todo o Novo Testamento foi plantada por Paulo em Tessal6nica. Ali o apdstolo pregava a Palavra aos sdbados nas si- nagogas e durante a semana na praca, e o fez durante 3 semanas, nascendo entdio uma igreja local. Em i Tessalonicenses 1.5 Paulo nos diz que 0 nosso evangetho ndio chegou até vés to somente em palavra (logia, palavra humana) mas sobre- tudo em poder (dinamis, poder de Deus), no Espirito Santo e em piena convicedo (pleroforia, convicedo de que lidamos com a verdade). Assim, percebemos que a igreja nascera em Tessaldnica pelo poder de Deus, pelo Espirito Santo e pela plena convic¢ao, O poder de Deus manifesta o proprio Deus e sua vontade, Sem o poder de Deus nfo haveria transformagio de vida eda sociedade. Sem o poder de Deus a Palavra nfo seria compreendida, Sem o poder de Deus todo o esforgo para plantar igrejas seria reduzido a formulagdes estraté- gicas de ajuntamento e convencimento. O Espirito Santo ¢ 0 segundo elemento relatado por Paulo na plantac&o da igreja em Tessaldnica, Sua fungao é clara na conversio dos perdidos, em conduzir 0 homem & convieg%o de que pecador € esta perdido, e em despertar neste homem a sede pelo evangelho ¢ atraf-lo a Jesus, Sem o Espirito podemos compreender que somos pecadores, mas somente 0 Espirito nos dé convieco de que estamos perdidos, e necessitamos de Deus. Sem a ago do Espirito Santo a evangelizacio nao passaria de proposia humana, explicagdes espirituais, palavras langadas ao vento, sem piiblico, sem conversdes, sem airagdo a Cristo, A clara convieg%e € 0 terceiro elemento citado por Paulo 20 plantar da igreja em Tessalonica, Trata da certeza de que lidamos com a verdade. E a verdade de Deus. O plantio de igrejas ¢ um processo profundamente asso- ciado verdade de Deus, a sua Palavra, Nao necessitamos, ou podemos, utilizar expediente puramente humano para que igrejas sejam plantadas, O marketing, as estratégias, os métodos de comunicago e ajuntamento, a sociologia ¢ antro- pologia so coadjuvantes no ato de plantar igrejas. Devemos nos ater & Palavra — sua exposig&o; a Cristo — proclamé-lo; ao testemunho — evidenciar nossa experiéncia com Deus. Paulo certamente utilizou da Jogia, das palavras, no plantio da igreja nesta Inirodugio 15 cidade. Ele nos ensina, porém, que no foi to somente com palavras, mas com palavras cheias do poder de Deus, usadas pelo Espirito Santo, na certeza de que se lida com a verdade do Senhor, que nasceu ali uma igreja local TEOLOGIA BIBLICA DE PLANTIO DE IGREJAS Meu desejo neste primeiro capitulo é descrever alguns critérios teologicos para o plantio de igrejas ¢ refletir sobre o processo biblico de proclamagio e contextualizago na transmisso da mensagem. Inicialmente pensemos sobre a necessidade de conciliarmos Teologia e Missiologia para este estudo, RECONCILIANDO MissiOLoGiA E TEOLOGIA Missiologia e Teologia ndo devem ser tratadas como areas separadas de estu- do, mas como disciplinas complementares. A Teologia nfo apenas coopera com a igreja ao fazé-la entender o sentido da missio e a base para o plantio de igrejas como também prové o entendimento biblico motivacional para o evangelismo. A Missiologia, por outro lado, dirige tedlogos para o plano redentivo de Deus ¢ os ajuda a ler as Escrituras sob o pressuposto de que hd um propésito para a exis- téncia da igreja. Isto os capacita a desenvolver um ensino biblico que va além das paredes do templo e salas de aula, uma vez que a igreja “deve ser enraizada tanto na pessoa quanto na missdo de Deus”. Hesselgrave, confirmando a infeliz auséncia de fundamento teolégico em es- tudos sobre plantio de igrejas, declara que “o compromisso evangélico com a au- toridade das Escrituras é vazio de significado se nao permitimos que 08 ensinos biblicos moldem a nossa missiologia’? Van Engen enfatiza que teologia de misses necessita ser um campo multidis- ciplinar que 1é as Eserituras com olhos missiolégicos ¢ “se firndamenta nesta lei- tura, continuamente reexaminada, reavaliando e redirecionando 0 envolvimenio da igreja na Missio Dei, no mundo de Deus” > Paul Hiebert nos explica que mmito comumente nds escolhemos alguns pou- cos temas biblicos, ¢ destes nds construimos uma teologia simplista em vez de 18 Piantando igrejas olharmos para os profundos motivos que jorram de toda a Escritura, exponde assim que um trabalho missiondrio sem um sdlido fundamento teolégico se di- yorcia da mente de Deus. Nao podemos ceder aos atalhos teoldgicos na procla~ macio do evangelho Por outro lado, nao raramente a Missiologia é varrida para fora dos centros académicos e de preparo teolégico em diversas partes do mundo, ou tratada como de menor valor, Este terrivel engano freqilentemente produz pastores sem sonhos, missionarios despreparados e tedlogos cujo conhecimento poderia ser SES ens Stare etn ate ee eS ae ORTeee sage Agee SNe MINTER eee mos no arado, mas por vezes ndo sabe para onde seguir. O divércio entre Teo- logia e Missiologia é uma das principais fonies geradoras de sincretismo e libe- ralismo no processo de plantio de igrejas. Tedlogos reformadores da igreja como Lutero. Calvino e Zwinglio teologiza- yam em sintonia com as gritantes necessidades didrias de uma igreja que crescia e precisava de direcdo biblica. Zwinglio chegou a afirmar que a Genebra de Calvino era “a mais perfeita escola de Cristo que jamais houve na terra desde a época dos apéstolos” + Lutero, ao traduzir a Biblia para a lingua do povo, per- seguia a misao de levar o culto a todos os homens. O conhecimento teoldgico estava a servigo de Deus c a disposigao da igreja, nao paralela a ela. Creio que enfrentamos trés perigos quando a Teologia ¢ Missiologia nao sio percebidas como parceiras: 1. Usar Deus como um instrumento para realizar nossos propdsitos no plantio ¢ crescimento de igrejas em lugar de servi-lo no cumprimento de seus planos na terra (1Co 3.11). 2. Oferecer solugdes simplistas para problemas complexes em relagdo a co- municagdo do evangelho, contextualizacio ¢ plantio de igrejas. 3. Utilizar a Teologia com finalidade puramente académica ¢ nao aplicavel & igreja, sua vida e dindmica. Quando Martin Kahler afirmou que a Missiologia ¢ a mae da Teologia ele defendia que a Teologia foi desenvolvida enquanto a mensagem de Cristo era anunciada, ou seja, foi formada enquanto plantadores de igrejas refletiam e tra- balhayam na implementagao do desejo de Deus em diferentes lugares e culturas (1Co 3.6). Por outro lado, plantar igrejas nao é uma ago autojustificada, mas um instrumento usado por Deus para realizar seu alvo final (Hb 1.1-4). De acordo com David Bosch, teologia nos primérdios do Novo Testamento era praticada no contexto da missio ¢ em resposta a questoes missioldgicas, enquanto plantadores de igrejas espalhavam o evangelho c alimentavam a igre- ja existente, O apdstolo Paulo é um exemplo classico deste modclo. Augustus Nicodemus 0 expde como “o mais impressionante tedlogo do Cristianismo bem Tealogia biblica de plai de igrejas 19 como seu maior missiondrio” destacando, de forma biblica e extremamente re- levante, 0 perfil do apéstolo em seu ministério, Quando analisamos os ensinos de Paulo entendemos que seu ministério estava fundamentado em suas conyicdes teolégicas inspirando-nos a refletir sobre Deus e sua ago no mundo (Rm 15). Missiologia e Teologia, indisputavelmente, devem caminbar de miios dadas para a gloria de Deus, a fidelidade as Escrituras e a evangelizagdo dos perdidos. ORIENTACAO TEOLOGICA PARA O PLANTIO DE IGREJAS Lesslie Newbigin influenciou temendamente a missiologia mundial ao en- sinar que a igreja apenas encontraria genuino renovo em sua vida e testemunho mediante um novo encontro do evangelho com a cultura, Assim, para prover res- postas para as perguntas missiolégicas de hoje precisamos desenvolver a) uma andlise sécio-cultural; b) uma reflexdo teolégica; c) uma visdo para a igreja e sua missio.‘ Era o levantar da bandeira que conclamava a igreja a apresentar um evangelho relevante, na lingua do povo, que responda as perguntas mais inquic- tantes da sociedade de hoje. Torna-se necessario, portanto, reafirmarmos nossos critérios biblicos para 0 plantio de igrejas. Dentre muitos, creio que trés deles sao extremamente rele- vantes. J. O plantio de igrejas néo deve ser definido em termos de treinamento e habilidade, mas pelo poder e desejo de Deus de salvar vidas. Apesar de haver grande necessidade de treinamento de obreiros e utiliza- eo de suas habilidades, nés no devemos esperar 0 cumprimento da missao por meio de estratégias cuidadosamente desenhadas ¢ recursos humanos bem preparados, apenas. Nada, a nfo scr Deus, por meio de scu poder ¢ agao, poder habilitar espiri- tualmente a igreja a fim de concluir os planos do Senhor no mundo (Ef 2.1-10). Plantio de igrejas nao é meramente um assunto de marketing, metodologia ou estratégia. E um assunto espiritual, definido pelo poder de Deus, liberado por intermédio do unico e inimitavel szerificio de Cristo e implementado pela aco do Espirito Santo (Jo 14.15-18) que guia sua igreja a orar, crer e trabalhar. Anderson expde o plantio de igrejas como um alvo baseado em quatro areas: a) a conversdo dos perdidos; b) sua organizagdo em igrejas locais; c) promogaio e treinamento de lideres em cada comunidade; d) fomentagao de independéncia espiritual ¢ organizacional em cada comunidade. 20 Plantando igrejas Sendo, ao mesmo tempo, uma entidade humana e espiritual, a igroja necessita compreender sua identidade biblica para que possa servir ao Senhor. Portanto, dentre intimeros pontos teolégicos, crcio scr importante cnsinar que: * A igreja é a comunidade dos redimidos, foi originada por Deus ¢ pertence a Deus (1Co 1.1,2). * A igreja nao é uma sociedade alienante. Aqueles que foram redimidos por Cristo continuam sendo homens ¢ mulheres, pais ¢ filhos, fazendeiros ¢ co- merciantes que respiram e levam o evangelho para onde estao (1Co 6.12-20) * A igreja € uma comunidade sem fronteiras; portanto, missionaria (Rm 15.18,19). * A-side de iortie ;companhada das Escrituras, é um grande testemunho para o mundo perdido. E necessério, portanto, que preguemos um evangelho que faga sentido tanto dentro como fora do templo (Jo 14.26; 16.13-15). * A missdo maior da Tgreja é glorificar a Deus (1Co 6.20; Rm 16.25-27), 2. O plantio de igrejas nao deve ser definido em termos de resultados huma- nos, mas pela fidelidade as Sagradas Eserituras J4 enfatizamos que a fundamentago da comunicagao do evangelho jamais deve ser definida por meio daquile que funciona, mas pelo que é biblico (1Ts 1.5). Em plantio de igrejas 0 que é biblico nao significa, necessariamente, gran- des resultados em termos de rapidez ¢ nimeros. Se observarmos os grandes movimentos de plantio de igrejas no mundo hoje, iremos descobrir alguns movimentos antibfblicos que aparzcerdo dentre os dez primeiros, se utilizarmos o critério de crescimento numérico e influéncia geo- grafica, A Igreja do Espirito Santo em Gana, por exemplo, é um movimento de plantio de igrejas que se desenvolve rapidamente no sul daquele pais e agora envia obreiros para além fronteiras, também com grandes resultados. Ha alguns anos, cu me lembro que seu fundador escreveu uma carta para todas as institui- g6es cristés no pais convidando-as para o dia de inauguracao daquele ministério e, ao fim, declarando ser, ele mesmo, a encarnagao do Espirito Santo na terra Hoje este é um grande ¢ rapido movimento missionario cspalhando infiuéncia em diversos paises. Nem tudo o que funciona é biblico. Precisamos definir nosso compromisso. Somos comprometidos com Deus e sua Palavra e nao com homens ou estratégias de crescimento incompativeis com © Senbor. Nao temos a permissio de Deus para manipularmos os homens ou criarmos atalhos na proclamagao do evangelho. Devemos, porém, cuidar para também nfo sermos tomados por um orgulho a-pragmatico como se o mimero reduzido de convertidos no processo evange- Teologia biblica de plantio de igrojas 21 listico com qual estamos envolvidos fosse evidéncia de que. ao contrario de outros, somos biblicos! Esta compreensao, também, é fruto de soberba e nao ra- ramente incoeréncia com os fundamentos priticos ¢ biblicos da evangelizacao e nao raramente a observo em alguns contextos. Ocorrem quando falta amor pelos perdidos, disposicao para a evangelizacdo, consciéncia missiondria e, paradoxal- mente, ma compreensao das Escrituras. 3. Oplantio de igrejas ndo deve ser uma acao definida pelo conhecimento do evangelho, mas por sua proclamagéo. O ponto mais relevante ao lidar com a praxis do plantio de igrejas nao ¢ quio canacitado voce esta fara nrecar 0 evancelho. mas quanto voce o faz (Ff 1.13). Igrejas nascem onde a Palavra de Deus operou poderosamente, 0 que enfatiza a importéneia essencial da proclamaco do evangelho no proceso de plantar igrejas, Este nflo é um ponto negocidvel. Ven Egen e Van Gelder avaliam isto ao ponderar que em um movimento missionario o alvo € fazer 0 evangelho conheci- do em vez de gerar um contexio fisieo ou eclesidstico que possa abrigé-lo.” Conversando com um recém-convertido no Peru, onde havia uma boa equipe missiondria com o alvo de plantar igrejas, perguntei por que as pessoas nio esta- vam yindo para Cristo, especialmente tendo em mente um ndimero expressive de missiondrios trabalhando durante um longo periodo. Ele rapidamente responde “Creio que é porque as pessoas ndo ouvem o evangelho". Entio pereebi que, apesar da excelente lideranga presente, bom sistema de eomunicacdo por satélite, obrigatoriedade de relatérios wimesirais e uma étima estrutura de cuidado pasto- ral, a equipe missiondria, simplesmente, nao falava de Jesus. Nao interessa o que mais um plantador de igrejas faga, ele precisa procla- mar o evangelho. Trabalho social, ministério holistico « compreenso cultural jamais irdo substituir a clara comunicagao do evangelho' ou justificar « presenga da igreja. O conteddo do evangelho exposto em todo ¢ qualquer ministério de plantio de igrejas deve incluir a) Deus como Ser Criador e Soberano (Ef 1.3-6); b) 0 pecado como fonte de separago entre o homem e Deus (Ef 2.5); ¢) Jesus, sua cruz ressurrei¢do como o plano histérico ¢ central de Deus para redengao do homem (Hb 1.1-4); d) 0 Espirito Santo, Parakletos, como o cumprimento da promessa e encarregado de conduzir a igreja até o dia final, Lembro-me bem de quando, recém-chegados a Africa em 1993, nosso lider de campo, 0 indiano P. M. John, nos informou de que havia procurado um plan- tador de igrejas para dar-nos um semindrio a respeito do assunto, porén nenhum estava disponivel. “Zodos estado ocupados plantando igrejas”, disse ele valor mais profundo em um ministério de plantio de igrejas deve ser a pro- 22 Plantando igrejas clamagao do evangelho. Isto significa que apenas uma igreja viva e apaixonada por Jesus iré testemunhar da dindmica ¢ poderosa Palavra de Deus (Jo 16.13-15). A visio de tedlogos, missidlogos, pastores, igrejas ¢ missionarios trabalhando juntos na proclamag2o do evangelho nos dé alento e esperanga para caminhar- mos mais. A unidade é nossa aliada, UMA BREVE RETROSPECTIVA HISTORICA E METODOLOGICA Quando consideramos as abordagens histéricas mais comuns nos tiltimos sé culos no processo de plantio de igrejas, iremos notar que, apds a Reforma Protes- tante no século 16, Gisbertus Voetius em sua Politica Ecclesiastica descreveu os icieiaitiie’ da isere anen Gnewivel Bn Gige Ho eenualienin wemeaal wm trainaesente de lideres. Logo depois, 0 pietismo passou a enfatizar a salvagio individual em vez de movimentos de plantio de igrejas, apesar de vermos também neste pe- riodo varias iniciativas transformadoras por meio de missiondrios protestantes como William Carey e William Ward, além de varios outros. Ward, protestante que influenciou um yasto circulo de lideres em sua época, escreveu em seu jornal, em 1805, que “ao plantarmos igrejas distintas pastores nativos devem ser escolhidos... e missiondrios devem preservar sua caracteristi- ca original, dedicando-se ao plantio de novas igrejas e supervisionando aquelas ja plantadas”.’ Com isto esta clara a preocupagao vocacional, funcional e estru- tural quanto ao plantio de igrejas ja no inicio do século 19. Em meados do século 19, Henry Venn e Rufus Anderson direcionaram a igre- ja por intermédio de sua intencionalidade no plantio de igrejas, justificando que as mesmas deveriam, ao ser plantadas, ter trés caracteristicas basicas: serem au- topropagaveis, autogovernaveis e auto-sustentadas. Era 0 desenvolvimento do conceito de plantio de igrejas autécton Na segunda metade do século 19, o esforgo missiondrio denominacional com- binou o plantio de igrejas com o desenvolvimento social quando foram cons- truidos um niimero expressivo de hospitais, escolas e orfanatos em todo o mun- do, gerando também crescimento e enraizamento denominacional nos paises nos quais o evangelho avancou. Hibbert observa que, no inicio dos anos 80, havia trés principais tendéncias quanto 4 énfase no plantio de igrejas. MeGravan e Winter enfatizavam evange- lismo e crescimento de igrejas; John Stott c outros enfatizavam uma abordagem holistica conhecida hoje como missao integral; Samuel Escobar, René Padilha e outros adotaram um foco mais direcionado na justica social. Encontramos hoje uma vasta proliferag&o de modelos de plantio e crescimen- Teologia biblica de plantio de igrejas 23 to de igrejas tais de como de Garrison, Vineyard, Willow Creek, Ralph Neighbor, Charles Brok, Brian Woodford e muitos outros. Observando os pontos que julgo Ppositivos, quase todos possuem trés énfases semelhantes: a) plantio de igrejas de forma intencional e planejada; b) a répida incorporaeao dos novos convertidos & vida didria da igreja: c) énfase no treinamento de lideranga local e comunidades autogovernaveis. ‘Um niimero expressivo de movimentos missiondrios, na histéria da expanséo da igreja, perdeu-se em meio a esquisitices metodoldgicas. A razao primiria, em boa parte dos casos, nao foi infidelidade a Deus ou desejo intencional de liberar-se dos principios basicos da fé crista, tao demarcados nos primérdios, mas a auséncia de salvaguardas biblicas na fundamentagdo de suas atitudes ¢ metodologias a0 longo do processo de proclamagao. Em outras palavras, a pro- pria paixto pela proclamagao da Palavra, se nao revestida de fundamentasdo biblica e teologica, funciona como um elemento fomentador de liberalismo ou insensatez, Observando os diversos segmentos de plantagdo de igrejas no mundo atual, podemos perccber que 0 enraizamento dos problemas mais comuns em tais pro- cessos esta ligado a alguns fatores, sobre os quais escrevo a seguir. a) A dificuldade de se distinguir igreja e remplo, perdendo o valor do discipu- lado e gerando mais investimento na estrutura do que em pessoas. b) A demora na introdugdo dos convertidos na vida didria da igreja, diluindo © valor da comunhao e integragao além de gerar crentes imaturos, sem fungdes, desafios ou envolvimento. c) A despreocupagao com os fundamentos teolégicos e atragdo pelos meca- nismos puramente pragmiticos. d) A auséncia de sensibilidade social e cultural, pregando um evangelho sem sentido para 0 contexto receptor. Uma mensagem alienada da realidade da vida. e) Aexcessiva pressa no plantio de igrejas, gerando comunidades superficiais na Palavra e abrindo oportunidades reais para o sincretismo ou nominalismo. £) O excessivo envolvimento com a estrutura da missio ou da igreja desgas- tando pessoas, recursos e tempo, ¢ minimizando o que deveria ser o maior e mais amplo investimento: a proclamagao do evangelho. Simonton, em seu sermao “Os meios necessarios ¢ préprios para plantar 0 Reino de Jesus Cristo no Brasil’, em 1867, expde cinco pontos necessirios para a evangelizagao em uma perspectiva biblica. Primeiramente ele nos diz que é necessdrio ter vida santa, pois “na falta desta pregagao os demais meios ndo hao de ser bem-sucedidos”. Em segundo lugar, ele defende a distribuigao de literatura biblica como livros, folhetos ¢ a Biblia, pois “a imprensa é a arma po- derosa para o bem”. Em terceiro lugar, a pregagdo individual, pois “cada crente 24 Plantando igrejas deve comunicar ao vizinho ou préximo aquilo que recebe”. Em quarto lugar, ele menciona o chamado ministerial, a pregacdo por pessoas designadas e ordenadas para este encargo. Por fim, em quinto lugar, expde a necessidade de se estabe- lecer escolas para os filhos dos membros das igrejas, uma iniciativa social ¢ de investimento no rebanho. A unido entre Teologia ¢ Missiologia, 0 estudo de Deus e a aplicagao deste conhecimento para a sua gléria na expansdo do Reino so necessarios para o cstabelecimento de prinefpios ¢ praticas no plantio de igrejas. TEOLOGIA BiBLICA DA CONTEXTUALIZACAO Neste capitulo abordo a contextualizacdo sob uma perspectiva teoldgica, seus objetivos ¢ limitagées, sua relevancia ¢ perigos. Estudaremos sob o funda- mento da conciliagao entre 2 Teologia ¢ a Missiologia, veremos a relevancia da auneleein Minsiondtis @: nox hie, alban enittens bth bese pace a oomextes alizago. Hesselgrave afirma que contextualizar ¢ tentar comunicar a mensagem, traba- lho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel a sua revelacao ¢ de maneira relevan- te e aplicavel nos distintos contextos, sejam culturais ou existenciais. Ao dizer isso ele expde um desafio a igreja de Cristo: comunicar o evangelho de forma teologicamente fiel e ao mesmo tempo humanamente inteligivel € relevante. E este talvez seja o maior desafio de estudo © compreens%o quando tratamos da teologia da contextualizac3o. Historicamente, a auséncia de uma teologia biblica de contextualizacfio tem gerado duas conseqiléncias desastrosas no movimento mission4rio mundial: o sincretismo religioso e o nominalismo evangélico. A m4 ou iraca compreensao biblica, assim, deixard perguatas humanas em aberto, incentivando a procura por respostas nas religides tradicionais, gerando sincretismo. Deste modo, o indige- na recém-convertido adora a Deus, prega a Palavra e a aplica em casa. Mas se nao compreende os principios biblicos da busca ¢ adoragao a Deus podera, em um momento de enfermidade na familia, procurar um curandeiro que lhe propo- nha respostas. Este sincretismo compromete a comunicagSo da verdade de Deus 6 por um lado, conseqiiéncia de uma precdria comunicagdo da Palavra ou uma mé contextualizagao que a faga compreensivel. Esta m4 ou fraca compreensao biblica poder também gerar pessoas interessadas pelo evangelho, mas sem ver- dadeira conversio, que é 0 nominalismo cristo. Creio que nenhum principio universal podera ser bem comunicado a um gru- po ou segmento social distinto sem que seja contextualizado. Jesus, sem divida, 26 Plantando igrejas foi o modelo maior de contextualizagao da mensagem. Aos judeus falava dentro de um universo judeu mencionando cobradores de impostos, hipocrisia na ado- racao cuiltica ¢ publica ¢ casamentos festivais. Fala de pescadores, plantadores € candeias que iluminam a casa, Narra sobre plantagdes, pao e trigo. Cita Jeru- salém diversas vezes e invoca com freqiiéneia os patriarcas. Uma mensagem compreensivel e relevante para o universo de quem a ouve. Impactante em seu significado e que apela por transformago humana e social. Ao mesmo tempo fiel As Escrituras, revelago de Deus, teologicamente fundamentada. Antes de desenvolvermos o assunto da contextualizagao de forma mais ob- jetiva gostaria de expor introdutoriamente a relevancia da contextualizag&o na apresentacéio do evangelho com base em Mateus 24.14 JA RELEVANCIA DA CONTEXTUALIZACAO NO PLANTIO DE IGREJAS Neste cendrio de Mateus 24, Jesus estava com seus discfpulos, pouco antes de ser elevado aos céus. e respondia a estes sobre os sinais que antecederio 2 sua vinda. Apds dissertar sobre evidéncias cosmoldgicas (guerras e rumores de guerras) e eclesiolégicas (perseguigao ¢ falsos profetas), Jesus langa uma evi- déncia puramente missiolégica dizendo que “serd pregado 0 evangetho do reino por todo 0 mundo, para testemunho a todas as nagies. Enido vird o fim (Mt 24,14). A expressiio grega para “e serd pregado” tem como raiz kerygma, uma pro- clamagao audivel e inteligivel do evangelho paralelamente a martyria’ que evoca um sentido mais pessoal, de testemunho de vida. Esta agao kervgmdtica aponta para o fato de que o evangelho sera pregado de forma compreensivel. O “mundo” aqui exposto no texto é a traducdo de oikoumene, que significa “mundo habi- tado”. A idéia textual, portanto, n&o é geogrifica, territorial, mas demografica, onde ha pessoas, mostrando que este evangelho do reino sera pregado kerygina- ticamente, inteligivelmente, em todo o mundo habitado. A forma de isso acontecer, segundo o texto, é por meio do testemunho a todas as nagdes. A raiz para “testemunho” aqui € martyria que nos ensina que esta ago proclamadora, kerygmdtica, do evangelho acontecera por intermédio de uma igreja martirica, que tenha o carater de Cristo. Ou seja, apenas os salvos prega- rao este evangelho do reino. Finaliza a frase dizendo que 0 testemunho chegara a todas a nagdes, onde traduzimos 0 termo ethnesin, de ethnia, para nagdes, ou seja, grupos linglistica e culturalmente definidos. Poderiamos parafrasear o verso 14 dizendo que “o evangelho do reino sera proclamado de forma inteligivel e compreensivel por todo 0 mundo habitado, Teologia biblica da contextualizacéo 27 por meio do testemumho martirico, de vida, da igreja, a todas as etnias defini- das”. A frase final nos diz que “enido vird o fim” c “fim” (telos) aponta para a volta do Senhor Jesus, ligada comumente 4 sua parousia, ao seu retorno. Gostaria de chamar sua atenedo para o principio biblico da comunicagao. Jesus nos ensina diversas vezes que a transmissio do conhecimento do evange- Tho no sera uma aco realizada sem a participag’o comunicativa da igreja. Esta participagaio envolve duas agdes principais: a vida eo testemunho da igreja, bem. como a atitude de proclamar c expor o evangelha de Cristo. Esta comunicagao do evangelho, portanto, em uma perspectiva transcultural, necessita de um trabalho de “iradu¢do” cm duas areas especificas: a lingua e a cultura, As linguas dispdem de cédigos diferentes para viabilizar a comunicacao ¢.0 mesmo ocorre com a cultura. Quando se expde a um Inuit, ou esquimé, que o sangue de Jesus nos torna brancos como a neve, ele rapidamente nos perguntaria qual categoria de branco, jé que em sua yis%o culturalizada de quem convive coma neve ¢ 0 gelo por milénios, ha treze diferentes tipos de “branco”. Ignorar tal extrato cultural culminard em uma pregago rasa, confusa ou distorcida da Palavra de Deus. Aloims princinios textaaie fbodem fos andar nesia introducko. uensandn em Mateus 24.14. Percebemos que a transmissio de uma mensagem inteligivel em sua propria lingua e contexto, portanto contextualizada, é pressuposto para o cum- primento da grande comissao, j4 que a nés cabe nao somente viver Jesus, mas também proclamé-lo de forma compreensivel. Apenas a igreja, redimida, cumprira costa tarefa. Ou seja, nao ¢ 0 Cristianismo que evangelizara o mundo, mas a igreja redimida, que passou pelo novo nascimento. Tendo cm mente estes conccitos permitam-me mencionar alguns pressupos- tos que utilizo ao escrever este capitulo. 1. A Palavra ¢ supracultural ¢ a-temporal, portanto vidvel ¢ comunicavel para todos os homens, em tadas as culturas, em todas as getacdes. Cremos, assim, que a Palavra define o homem e nao o contrario. 2. Contextualizar o evangelho nao € reescrevé-lo ou moldé-lo a luz da Antropo- logia, mas traduzi-lo lingitistica e culturalmente para um cendrio distinto do usual ao transmissor a fim de que todo homem compreenda o Cristo histérico ¢ biblico, 3. Apresentar Cristo ¢ a finalidade maior da contextualizagao. A igreja deve evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para as per- guntas que os missionarios fazem — uma solucdo apenas para um segmento, ou uma mensagem alien{gena para 0 povo alvo. O conceito da contextualizagao evoca toda sorte de sentimentos ¢ argumen- tacdes. Por um lado, encontramos a defesa de sua relevancia, com base na cul- turalidade ¢ principios gerais da comunicagao. Cré-se, de forma geral, que sem 28 Plantando igrejas contextualizagao ndo hd verdadeira comunicacio ¢ aqueles que assim entendem procuram estudar as diversas possiveis abordagens nesta comunicacdo contex- tualizada. Por outro lado, encontramos a exposig&o de seus perigos quando esta contextualizagdo se divorcia de uma teologia biblica essencial que a norteie e aavalie. Isto é especialmente verdade tendo em mente que o préprio termo “con- textualizacdo” foi abundantemente utilizado no passado por Kraft, a partir do relativismo de Kierkegaard, com fundamentagao em uma tcologia liberal que nao cria na Palavra de Deus de forma dogméatica, mas adaptada. Estes créem que a Palavra de Deus se aplica apenas a contextos similares de sua revela- ¢4o, nfo sendo assim supracultural e nem a-temporal. Nossa proposta é enten- dermos que a contextualizagao nao é apenas possivel com uma fundamentagao biblica que a conduza, mas necesséria para a fidelidade na transmiss&o dos con- ceitos biblicos. E preciso, portanto, avaliarmos nossos pressupostos teolégicos a fim de guiarmos nossa ac3o missionaria. Martinho Lutero, crendo na integralidade da verdade Biblica, expds um evangelho que fosse comunicavel, na lingua do povo, com seus simbolos culturais definidos. Porém um evangelho escrituristico ¢ sem eee Caen: tin epmanl ec Arg ia sehtl cma arm medina hei anelcleun Aiea: Camas: de forma que odeiem 0 pecado ou odeiem a vocé”.* Se por um lado defendeu uma contextualizagao eclesiolégica traduzindo a Biblia para a lingua do povo, realizado cultos com a participagao dos leigos, pregando a Palavra dentro do contexto da €poca, por outro deixou claro que o contetido da Palavra ndo deve ser limitado pelo receio do confronto cultural, Se sua sensibilidade cultural fosse definidora de sua teologia, e nao o contrario, teriamos tido uma Reforma mera- mente humanista e nao da igreja. Teria sido o inicio de um movimento de liber- tagdo apenas do pensamento e da expresso, um grito por justiga social que nao. inclui Deus ¢ nem a salvacio, ou um apelo pelo resgate da identidade cultural, mas nfio a conducao do povo ao reino de Deus. Os PERIGOS IMPOSITIVO, PRAGMATICO E SOCIOLOGICO NOS PRESSUPOSTOS DA CONTEXTUALIZAGAO Antes de seguirmos adiante gostaria de expor trés perigos fundamentais quan- do tratamos da contextualizagao dentro do universo missionatio. O primeiro perigo, que denominarei de impositivo, tem sua origem na natural tendéncia humana de infligir 2 outros povos sua forma adguirida de pensar ¢ interpretar, pritica esta realizada em grande escala pelos movimentos politicos Teologia biblica da contextualizagao 29 do passado e do presente, bem como por forgas missionarias que entenderam 0 significado do evangelho apenas dentro de sua propria cosmoviséo, cultura e lingua. Desta forma, as torres altas dos templos, a cor da toalha da ceia, a altura certa do pilpito e as expressdes faciais de reveréncia tormam-se muito mais do que peculiaridades de um povo e de uma época. Misturam-se com o essencial do evangelho na transmissdo de uma mensagem que nao se propde a resgatar o coragio do homem, mas molda-lo a uma teia de elementos impostos ¢ cultural- mente definidos apenas para o comunicador da mensagem, apesar de totalmente divorciados de significado para aqueles que a recebem. As conseqléncias de uma exposisa0 impositiva do evangelho tém sido va- rias, porém mais comumente encontraremos 0 nominalismo, por um lado, e 0 sineretismo quase irreversivel por outro. David Bosch afirma que o valor do evangelho, em razdo de proclama-io, esta totalmente associado 4 compreensio cultural do povo receptor. O contririo seria apenas um emaranhado de palavras que néo produziriam qualquer sentido s6cio-cultural. George Hunsburger ob- serva também que nao ha como pregarmos um evangelho a-cultural, divorciado da compreensao ¢ cosmovisdo da cultura receptora, pois 0 alvo de Cristo ao se revelar na Palavra foi atingir pessoas vestidas com sua identidade humana. ‘A perigosa apresentagio impositiva do evangelho a que nos referimos, portanto, confunde o evangelho com a roupagem cultural daquele que o expoe, deixando NRE RPE AE ER AAAI, RSET JPN PERMET: IAB ene SPARE EDR AIRS SVARIR NESE ONE N ANSINON: SH! OSL SER FERRO do para 0 povo que a recebe. Um segundo perigo, que € pragmatico, pode ser visto quando assumimos uma abordagem puramente pratica na contextualizagéo, Como a contextualiza- cao é um assunto freqitentemente associado 4 metodologia ¢ processo de campo, somos levados a entendé-la ¢ avalid-la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teoldgicos. Conseqiientemente, o que é biblico c teologica- mente evidente se toma menos importante do que aquilo que ¢ funcional ¢ prag- maticamente efetivo. Estou convencido de que todas as decisdes missiolégicas devem estar enraizadas em uma boa fundamentacio biblico-teolégica se deseja- ‘MoS ser cocrentes com a expressdo do mandamento de Deus (At 2.42-47). Entre as iniciativas misstonarias mais contextualizadas com o povo receptor, encontramos um nimero expressivo de movimentos heréticos como a Igreja do Espirito Santo em Gana, Africa, na qual seu fundador se autoproclama a en- carnagiio do Espirito Santo de Deus. Do ponto de vista puramente pragmatico, porém, é uma igreja que contextualiza sua mensagem, sendo sensivel as nuances de uma cultura matriarcal, tradicional, encamacionista e mistica. Devemos ser relembrados que nem tudo o que é funcional é biblico. O pragmatismo leva-nos a valorizar mais a metodologia da contextualizagao do que 0 contetido a ser 30 Plantando igrojas contextualizado. A apresentagao pragmdtica do evangelho, portanto, privilegia apenas a comunicagdo com seus devidos resultados e esquece de se prender ao contetido da mensagem comunicada. ‘Um terceiro perigo, que ¢ socioldgico, ¢ aceitar a contextualizagao como sen- do nada mais do que uma cadeia de solugdes para as necessidades humanas, por meio de uma abordagem puramente humanista, Isto ocorre quando missionarios tomam decisdes bascadas puramente na avaliagio e interpretacao sociolégica das necessidades humanas ¢ nao nas instrugdes das Escrituras. Neste caso, 0s as- suntos culturais, ern vez das Escrituras, determinam a mensagem e flexibilizam a teologia a ser aplicada a certo grupo ou segmento. O desejo por justi¢a social nao deve nos levar a esquecermos da apresentacdo do evangelho. Esta deve ser nossa crescente preocupagao por vivermos em um contexto pés-cristao, pos-moderno e hedonico. Vicedon afirma que somente um profundo conhecimento biblico da nature- za da igroja (Ef 1.23) ira capacitar missionarios a terem atitudes enraizadas na Missio Dei e nao apenas na demanda da sociedade. A defesa de um evangelho integral ¢ o descjo de transmitir uma mensagem contextualizada nao devem ser pontes para 0 esquecimento dos fundamentos doutrinarios ¢ da teologia biblica. Na verdade, os fundamentos biblicos so a forca motivadora para uma compre- cnsao integral do evangelho, sensibilidade humana ¢ clamor por agdes praticas transformadoras na sociedade. TEOLOGIA E CONTEXTUALIZAGAO O presente embate mundial entre teologia e contextualizacao ¢ possivelmente um reflexo do divércio no ensino entre Missiologia e Teologia. Para alguns, a Missiologia é vista como simplista teologicamente e, conseqilentemente, varrida para fora dos centros acad@micos e de preparo teolégico em diversas partes do mundo, ou tratada como de menor valor, Vimos no capitulo anterior que este terrivel engano freqientemente produz pastores sem sonhos, missionarios despreparados ¢ tedlogos cujo conhecimento poderia ser grandemente usado pera as necessidades didrias de uma igreja que esta com as méos no arado, mas por vezes nao sabe para onde seguir. ‘Na auséncia de um estudo teologicamente sadio sobre a contextualizagao bi- blica, varios segmentos da igreja ao longo da histéria foram influenciados pelo liberalismo teoldgico, que encontrou na contextualizagao uma facil avenida para a apresentagiio de seus valores, Soren Kierkegaard.° com seu rolativismo pragmatico, propés o entendimento Teologia biblica da contextualizagao 34 da verdade a partir da interpretaco individual, sem conceitos absolutos e dogmé- ticos, William James, em 1907, langou a base para 0 “movimento de contextuali- za¢do filosdfica e teoldgica™ defendendo a atualizagao teoldgica a partir da neces- sidade sdcio-cultural ou lingiistica, Na mesma linha, Rudolf Bultmann defendeu a contextualizaciio filoséfica do evangelho mitificando tudo aquilo que nfo fosse relevante 20 homem moderno em seu préprio coniexto. Estes e outros pensadores influenciaram a base conceitual da contextualizagdo desenvolvendo uma nova proposta: nfo h4 verdade dogmitica, supracultural e cosmicamente aplicével. A verdade € individual 2 como tal deve ser compreendida e aplicada de acordo com 0 molde receptor. Esta influéncia dividiu o mundo evangélico por décadas e ainda hoje tem seus efeitos enraizados na base conceitual da contextualizagao, levando alguns segmentos a definir a apresentag&o do evangelho apenas a partir do que ¢ aceita- vel culturalmente. Em uma breve discussfo com uma equipe inglesa que atuava entre os Bassaris do Togo, fai apresentado 4 sua estratégia missiondria: ensinar Jesus como aquele que comprou nossa salvag3o, porém sem sacrificio pessoal, ja que o sacrificio pessoal é visto pelos Bassaris como sinal de fraqueza. Esta simples escolha € resultado de uma tcologia sociologizada e representagao desta tendéncia pragmatizada que molda a Palavra em prol de uma comunicag3o mais aceitavel comunitariamente. De forma mais institucional, esta vertente foi bem demonstrada na Assem- blgia Geral do Concilio Mundial das Igrejas, em Upsala, em 1968, Ali, a énfase na humanizac3o da igreja pecmitiu o desenvolvimento do estudo da contextua- lizagio mais a partir da Antropologia do que da Teologia. A conferncia sobre 0 “Didlogo com Povos de Religides ¢ Ideologias Vivas”, em 1977, em Chiang Mai, Tailandia, reforgou também 0 universalismo e @ contextualizagfo como formas de relativizagao de valores. O contrapeso teoldgico deste assunto floresceu de forma mais ampla apenas em 1974 com Lausanne® onde, apesar de reconhecer as difereneas culturais, lin- gilisticas e interpretativas nas diversas racas da terra, afirmou-se que a Palavra era o Unico mecanismo gerador da verdade a ser anunciada. Sobre evangelizacio e cultura, 0 Pacto de Lausanne declara: “afirmamos que a cultura de um povo em parte é boa e em outra parte é md, devido a queda. Por isto deve sempre ser julgada e provada pelas Escrituras, para que possa ser redimida e transformada para a gidria de Deus. Diante disto a evangelizagéo mundial requer 0 desen- volvimento de esiratégias e metodologias novas e criativas (Adc 7.8,9,13; Rm 29-11; 2Co 4.5)”. Permitam-me chamar sua atengo para uma inquietante ¢ acertada interpreta- 40 de Bruce Nicholls sobre 0 perigo do sineretismo e nominalismo como couse- 32 Plantando igrejas qUéncias de uma contextualizacdo existencial sem fundamentaco teoldgica, Ele diz que o sincretismo religioso é uma sintese enire a fé crista e outras religides, a mensagem biblica é progressivamente substituida por pressuposigdes ¢ dogmas niio-crist2os, e as expressdes crists da vida religiosa de adorago, do testemu- nho e da ética, conformam-se cada vez mais aquelas da parte nao-crist4 no did- logo. No fim, a missao crist& ¢ reduzida a uma presenga crist& e, na melhor das hipéteses, a uma preocupacio social e humana. O sincretismo resulta na morte lenta da igreja e no fim da evangelizagao. Vicedon nos apresenta um manto de cuidados teolégicos para o processo da contextualizacio, Lembra-nos de que, se cremos que Deus ¢ 0 autor da Palavra ¢ © Criador que conhece e ama sua criacio, portanto devemos crer que 0 evangelho é dirigido a todo homem. A minimizagaio da mensagem perante assuntos descon- fortaveis como poligamia, por exemplo, nao coopera para a insergao do homem, em sua cultura, no reino de Deus. Ao contrario, propde um evangelho partido ao meio, enfraquecido, que ir cooperar com a formagao de um grupo sincrético e disposto a tratar o restante da Escritura com os mesmos principios de parciali- dade. Hibbert nos alerta que, no afi de parecermos simpéticos ao mundo (como a igroja em At 2), esquecemos que a mensagem biblica confronterd as culturas, mostrard 0 pecado e clamard por transformagao mediante 0 Cordeiro. Hoesselgrave também previne sobre o perigo de dicotomizarmos a mensagem crendo ne Palayra de forma integral para nés, mas apresentando-a parcialmente a outros. Ele nos ensina que o evangelho é Libertador mesmos nas nuances cul- turais mais desfavoraveis. O liberalismo teolégico de Kierkegaard, Bultmann ¢ James, portanto, ame-

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