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Seccao 11
Seccao 11
Combinatória enumerativa
O principal problema da combinatória enumerativa é saber quantos elementos tem
um dado conjunto finito. Na primeira secção discute-se o que é contar, o papel das
bijecções nas contagens, e fazem-se algumas contagens simples. A discussão dos
emparelhamentos (matchings, em inglês) no final desta secção sai um pouco fora
do âmbito do assunto da secção, mas vem na sequência da discussão do princı́pio
dos cacifos. O anexo a esta primeira secção discute alguns pontos lógico-dedutivos
que emergem à volta da noção de cardinalidade de um conjunto finito. Este anexo é
perfeitamente dispensável, a menos que se esteja interessado num desenvolvimento
lógico-dedutivo rigoroso.
Objectivos:
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1.1. O que é contar?
A lotação do cinema esgotou. Se admitirmos que toda a gente que comprou bilhete
compareceu ao espectáculo, podemos concluir que o número de espectadores é igual
à lotação do cinema. Contar é, essencialmente, isto. De facto é um pouquinho
mais do que isto. Em geral, se nos perguntarem quantas pessoas há no cinema,
não ficamos satisfeitos com a resposta de que a lotação esgotou. A menos que
saibamos qual é a lotação do cinema! Em suma, se a lotação esgotou, apenas
sabemos que há tantos espectadores quantos os lugares do cinema. Dito de um
modo mais técnico: o conjunto dos espectadores tem a mesma cardinalidade que
o conjunto dos lugares do cinema.
Na primeira parte desta secção vamos esmiuçar o que significa dois conjuntos
terem a mesma cardinalidade. Deixamos para a segunda parte a noção absoluta
de cardinalidade.
1. Para todo x ∈ A existe um, e um só, y ∈ B tal que xΦy. “xΦy” significa que x está
na relação Φ com y.
2. Para todo y ∈ B existe um, e um só, x ∈ A tal que xΦy.
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No exemplo do cinema com a lotação esgotada subentendemos várias coisas: a
de que todos os compradores de bilhete compareceram ao espectáculo; a de que
Um muito gordo, por nenhum espectador ocupa mais do que um lugar; a de que nenhum lugar está
exemplo! ocupado por mais do que um espectador; e a de que nenhum espectador comprou
para si mais do que um bilhete. O não cumprimento destes requisitos iria contra
as condições 1a, 1b, 2b e 2a, respectivamente.
N = {0, 1, 2, 3, 4, . . . },
i.e. abrevia “id est”, que e seja D o conjunto de todos os números naturais que são pares (i.e., os dobros
é o latim de “isto é”. de números naturais). Já Galileu Galilei, um dos pioneiros da fı́sica moderna,
tinha observado no século XVI que existe uma correspondência biunı́voca entre os
conjuntos N e D. Por exemplo, a seguinte:
Galileu sentiu-se nΦm se, e somente se, m = 2n.
incomodado com esta
correspondência. E o //
leitor?
Exemplo 2. Uma partição numérica de um número natural n diferente de
zero é uma maneira de escrever n como soma de números naturais não nulos, sem
atender à ordem das parcelas. Assim, as partições do número 4 são dadas por:
Visto não se atender à 4
ordem das parcelas, 3+1
escrevem-se primeiro as
2+2
parcelas maiores. Topa
2+1+1
esta subtileza?
1+1+1+1
18
• • • • • • •
• • • ←→ • •
• • •
•
Observe que dois diagramas conjugados têm o mesmo número de pontos e, por-
tanto, representam partições do mesmo número natural. Seja n um número natural
diferente de zero e denotemos por Πn o conjunto de todas as partições numéricas
de n. A seguinte correspondência Φ é uma correspondência biunı́voca entre Πn e
si próprio:
Se duas partições estão relacionadas como acima, dizemos que são conjugadas.
De acordo com o exemplo anterior, as partições “4+3+1” e “3+2+2+1” são con-
jugadas. // Não dissémos antes, mas
// marca o fim do
Exemplo 3. Vamos descrever uma correspondência biunı́voca entre sequências de exemplo.
comprimento n constituı́das por elementos de {1, 2, . . . , 9} que não terminam em 9
e que não têm números iguais consecutivos e sequências arbitrárias de comprimento
n constituı́das por elementos de {1, 2, . . . , 8}.
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então, dado um qualquer elemento a ∈ A, existe um único elemento b ∈ B de tal
modo que aΦb. Este elemento b é o valor da função Φ no ponto a, e escreve-se
Fi de a é igual a bê. Φ(a) = b. No nosso primeiro exemplo acima, tem-se a função
Φ(n) = 2n.
descreve uma função do conjunto {1, 2, 3} para o conjunto {2, 3, 5}. Esta função
Uma injecção. Sério! é injectiva, i.e., a elementos diferentes de {1, 2, 3} faz corresponder elementos
diferentes de {2, 3, 5}. Simbolicamente,
x $= y ⇒ Φ(x) $= Φ(y)
não é injectiva, pois Ψ(1) = Ψ(2). Outra maneira de apresentar esta função é a
seguinte:
20
Ψ
1 2
2
3 5
Ψ
1 2
2 3
3 5
que Ψ não o é. Uma reflexão rápida permite concluir que a condição de sobre-
jectividade não é mais do que a nossa condição 2a. Assim, uma correspondência
biunı́voca não é mais do que uma função que é, simultaneamente, injectiva e so-
brejectiva. Uma bijecção, como soe dizer-se. soer, v. int. (ant.) ter
por costume.
Se numa correspondência biunı́voca Φ entre dois conjuntos A e B trocarmos os
papéis de A e B, obtemos a denominada correspondência inversa que vamos de-
signar por Ψ. Mais precisamente, Ψ é a correspondência entre B e A definida do
seguinte modo:
bΨa se, e somente se, aΦb.
Diz-se, neste caso, que Ψ é a função inversa de Φ (e vice-versa). Vimos, pois, Escreve-se Ψ = Φ−1 .
que a uma correspondência biunı́voca podemos associar naturalmente um par de
funções que verifica a relação de inversão. E o recı́proco também é verdade: a um
par de funções Φ e Ψ que verifica a relação de inversão, podemos naturalmente
associar uma correspondência biunı́voca.
Estas observações têm implicações práticas. Com efeito, para mostrar que a corres-
pondência do primeiro exemplo é biunı́voca ou, equivalentemente, para mostrar-
mos que a função Φ(n) = 2n entre N e D é bijectiva, basta construirmos a sua
m
função inversa. Isso é fácil: é a função definida por Ψ(m) = 2.
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Resta-nos fazer uma observação. O vocabulário que utilizámos para nomear o
conceito “ter a mesma cardinalidade que” insinua certas propriedades, como por
exemplo a de que, se A tem a mesma cardinalidade que B, então B tem a mesma
cardinalidade que A. E assim é, pois escolhemos vocabulário (a palavra “mesma”)
bem adaptado ao conceito. Com efeito, o conceito “ter a mesma cardinalidade
que” é o que se chama uma relação de equivalência, i.e., uma relação que
verifica as três seguintes propriedades:
(Ψ ◦ Φ)(a) = Ψ(Φ(a)),
é uma bijecção, pois é fácil verificar que Φ−1 ◦ Ψ−1 é a sua função inversa. Em con-
clusão, o conceito “ter a mesma cardinalidade que” também satisfaz a propriedade
transitiva.
Finalmente, armados com todos estes conceitos e observações, vamos dar uma
aplicação teórica importante.
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oito subconjuntos formam o conjunto das partes de X:
P(X) = {∅, {1}, {2}, {3}, {1, 2}, {1, 3}, {2, 3}, {1, 2, 3}} .
Proposição. Os conjuntos Seqn e P({1, 2, . . . , n}) têm a mesma cardinalidade. Uma proposição
matemática diz algo
Demonstração. Considere-se a função Φ : Seqn → P({1, 2, . . . , n}) definida por acerca do mundo
matemático. Se se
Φ(s) = {i : 1 ≤ i ≤ n e (s)i = 1} .
intenciona verdadeira,
carece de demonstração.
Por exemplo, no caso n = 3 ficamos com a função:
000 ∅
100 {1}
010 {2}
001 {3}
110 {1, 2}
101 {1, 3}
011 {2, 3}
111 {1, 2, 3}
Dado um número natural n, denotamos por [n] o conjunto dos números naturais
não nulos que são inferiores ou iguais a n. Assim,
[n] = {1, 2, 3, . . . , n}
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Considere os seguintes sı́mbolos:
c
*
&
@
§
ß
% ‡
Olhe o artigo definido na A noção de cardinalidade que introduzimos acima só funciona se nenhum conjunto
definição de cardinalidade. puder ter mais do que uma cardinalidade. Por exemplo, temos de garantir que,
se contarmos os sı́mbolos por outra ordem, então também obtemos o número 7.
Mais geralmente, temos de garantir que o seguinte nunca acontece: que hajam
números naturais distintos n e m, que haja um conjunto X e que hajam bijecções
Φ1 : X → [m] e Φ2 : X → [n] (o que significaria que X teria, simultaneamente, n
Seria bizarro, hã? e m elementos). Quase certamente que esta possibilidade não passou pela cabeça
do leitor. E, agora que passa, quase certamente que o leitor não acredita que ela
se dê. E faz bem em não acreditar, pois ela não se dá! E não se dá por que se
demonstra que não se dá:
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aparecem todos os elementos de X e, cada um, uma só vez. Por isso, é costume
apresentar um conjunto finito X com n elementos da seguinte forma:
X = {x1 , x2 , . . . , xn },
para todo 1 ≤ i ≤ n + m.
Não há nada de especial em termos apenas considerado dois conjuntos disjuntos X
e Y . Quem faz com dois, faz com qualquer número finito. Assim, mais geralmente,
se X1 , X2 , . . . , Xn forem conjuntos finitos disjuntos dois a dois, então:
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Assim, X × Y é união disjunta das m colunas do rectângulo, cada qual com n
elementos. Ora, a j-ésima coluna não é mais do que X × {yj }. Logo,
Ab = {a ∈ A : Φ(a) = b}.
“Claro” — detesto quando Claro que se b $= b" , então Ab e Ab! são conjuntos disjuntos. Como exemplo,
dizem isso! consideremos os conjuntos A = [7] e B = {a, b, c, d, e} e a função Φ : A → B
definida por meio do diagrama
1 a
2 b
3 c
4 d
5 e
6
7
O caso particular r = 1 diz que, se #A > #B, então, para algum b ∈ B, Ab tem
mais do que um elemento, o que significa que existem pelos menos dois elementos
distintos a, a" ∈ A com Φ(a) = Φ(a" ) = b — no exemplo anterior, temos Φ(2) =
Φ(4) = b e, também, Φ(3) = Φ(5) = Φ(7) = e. Em suma, Φ não é uma função
cacifo, s.m. cofre; caixa, injectiva. Este caso é conhecido por Princı́pio dos Cacifos ou Princı́pio das
cesto ou gaveta para Gavetas de Dirichlet:
coisas de pouco valor.
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Princı́pio dos Cacifos. Sejam A e B conjuntos finitos, o primeiro dos quais de
cardinalidade superior ao do segundo. Então, não existem injecções de A para B.
pelo menos dois pombos têm que partilhar a mesma casota; se uma cómoda tiver
oito gavetas e se quisermos arrumar nove camisas, então vamos ter que pôr pelo
menos duas camisas na mesma gaveta. Não obstante, o princı́pio dos cacifos é
uma ferramenta útil. Eis um exemplo.
Exemplo. Um albergue tem noventa quartos e cem convidados. Foram dis- Um exemplo subtil precisa
tribuı́das chaves aos convidados de modo a que, sempre que noventa convidados de uma mente subtil.
estão no albergue, então há uma forma de cada um deles ocupar sozinho um quarto.
A distribuição foi feita do seguinte modo: escolheram-se noventa convidados e, a
cada um deles, foi dada uma única chave, uma por cada quarto; a cada um dos
restantes dez convidados foram dadas noventa chaves — as chaves de todos os quar-
tos. Ao todo foram distribuı́das 990 chaves! Haverá alguma maneira de distribuir
menos chaves? A resposta é não! Com efeito, se se distribuı́ssem 989 ou menos
chaves, haveria pelo menos um quarto com dez ou menos chaves distribuı́das (note
que 90 · 11 > 989). Portanto, o número de convidados que não teriam uma chave
para esse quarto seria pelo menos noventa. Se eles aparecessem simultaneamente
no albergue, não haveria maneira de alojá-los em quartos individuais pois teriam
de ser distribuı́dos por, no máximo, 89 quartos. Isso é impossı́vel, pelo princı́pio
dos cacifos. //
1.1.3. Emparelhamentos
27
1 a
2 b
3 c
4 d
5 e
onde os traços unem quem conhece quem, será possı́vel casar todos os rapazes (e,
consequentemente, todas as raparigas)?
Vamos formular o caso geral do problema numa notação mais adequada. Dada
uma colecção de conjuntos finitos A1 , A2 , . . . , An , diz-se que a1 , a2 , . . . , an
é um conjunto de representantes distintos para a colecção A1 , A2 , . . . ,
An se ak ∈ Ak , para todo 1 ≤ k ≤ n, e se estes elementos forem distintos dois
a dois. No nosso exemplo, podemos pensar que cada conjunto Ak é constituı́do
pelas raparigas que são conhecidas do rapaz k. Assim,
König, em 1931, e Em 1935, Philip Hall demonstrou o seguinte resultado, conhecido por teorema
Menger, em 1927, dos casamentos de Hall:
também descobriram este
resultado. Foi, porém, o Teorema dos Casamentos. É condição necessária e suficiente para que uma
nome de Hall que ficou. colecção de conjuntos finitos A1 , A2 , . . . , An tenha um conjunto de representantes
distintos que & (
'
# Ak ≥ #S (h)
k∈S
28
Suponhamos, então, que é possı́vel casar m rapazes (m < n), cujo conjunto deno-
tamos por X " . Seja x0 um rapaz solteiro, i.e., x0 $∈ X " . Claro que x0 conhece pelo
menos uma rapariga. Seja ela y1 . Se y1 for solteira, i.e., se y1 não for casada com
um dos rapazes de X " , então acaba tudo em beleza. Casa-se x0 com y1 e ficamos
com m + 1 rapazes casados (que é o que se pretende). Caso contrário, a situação
é mais complicada e envolve algum choro e ranger de dentes, pois vamos ter que
descasar e voltar a casar de novo alguns rapazes e raparigas. Sendo y1 casada,
entabulamos o seguinte processo. Seja x1 o seu marido. Pela condição de Hall,
há outra rapariga y2 conhecida, ou de x0 , ou de x1 . Se esta rapariga for solteira,
paramos o processo. Caso contrário, seja x2 o seu marido. Pela condição de Hall,
há outra rapariga y3 conhecida, ou de x0 , ou de x1 , ou de x2 . Se y3 for solteira,
paramos o processo. Caso contrário, seja x3 o seu marido. Et cœtera. Quando Et cœtera é uma
o processo parar (e pára, pois há apenas um número finito de raparigas) ficamos expressão latina que
significa “e outras coisas
com uma sequência de rapazes
mais”. Abrevia-se por
x0 , x1 , x2 , . . . , xr Etc. e lê-se ed-cétera.
y1 , y2 , . . . , yr+1
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podemos prosseguir em beleza casando 1 com a. (O rapaz 1 também conhece c,
e podı́amos tê-lo casado com ela. Há aqui um elemento de escolha.) A seguir
consideramos o rapaz 2 e casamo-lo com c. Prosseguimos com o rapaz 3, casan-
do-o com e e, depois, casamos 4 com d. A parte mais complicada do algoritmo
surge agora, quando pretendemos casar o rapaz 5. Ele apenas conhece c e d,
mas estas já estão casadas. Pegue-se em d (por exemplo). Esta está casada
com 4. Os dois rapazes 5 e 4 conhecem, entre si, também a rapariga b que é
solteira (também poderı́amos ter escolhido a rapariga e, mas então o algoritmo
não terminaria tão rapidamente, pois e é casada). Este primeiro processo gera,
pois, duas sequências: 5, 4 e d, b. O segundo processo vai gerar a sequência b, 4, d, 5.
Nesta altura, divorciamos o casal {4, d} e casamos 4 com b e 5 com d. Quanto
aos restantes rapazes e raparigas, mantemos tudo na mesma. Em suma, é possı́vel
casar todos os rapazes e uma solução é casar 1 com a, 2 com c, 3 com e, 4 com b
e 5 com d.
Exercı́cios
30
Argumente que o número de partições numéricas de n com k parcelas é igual
ao número de partições numéricas de n cuja maior parcela é k.
6. Dê um exemplo de uma função injectiva que não seja sobrejectiva e de uma
função sobrejectiva que não seja injectiva.
#S7 = 2#S6 − 1.
(Isto significa que há quase duas vezes mais maneiras de obter uma soma de 7,
quando se vão rolando dados, do que obter uma soma de 6.)
10. Duas funções são iguais se, e somente se, tiverem o mesmo conjunto de par-
tida, o mesmo conjunto de chegada e se tiverem os mesmos valores nos mesmos
elementos (critério de identidade de funções). Dadas três funções Φ : A → B,
Ψ : B → C e Υ : C → D, mostre que (Υ ◦ Ψ) ◦ Φ = Υ ◦ (Ψ ◦ Φ).
12. Mostre que num conjunto (finito) com duas ou mais pessoas, há sempre duas
que têm exactamente o mesmo número de amigos. [Sugestão. Utilize o teorema
dos cacifos.]
13. Mostre que numa sequência de n2 + 1 números naturais distintos, ou há uma Este não é fácil.
subsequência estritamente crescente de comprimento n+1, ou há uma subsequência
estritamente decrescente de comprimento n + 1. [Sugestão. Dada uma sequência
/ 0
a1 , a2 , . . . , an2 +1 , faça corresponder a cada k ∈ 1, 2, . . . , n2 + 1 o par (ck , lk ),
onde ck é o comprimento da maior subsequência estritamente crescente que começa
em ak e lk é o comprimento da maior subsequência estritamente decrescente que
começa em ak .]
*14. Em cada uma das duas situações seguintes case todos os rapazes ou explique
por que razão não é possı́vel fazê-lo:
31
(a) 1 a (b) 1 a
2 b 2 b
3 c 3 c
4 d 4 d
5 e 5 e
32
Anexo fundacional
O teorema fundamental das cardinalidades finitas é pedra de toque para dar uma
definição logicamente bem fundada da noção de “cardinalidade de um conjunto
finito”. Este teorema é, de facto, uma consequência imediata de uma versão do
teorema dos cacifos. Neste anexo, vamos demonstrar este e outros resultados
básicos. Como dissémos na introdução ao capı́tulo, a discussão que aqui fazemos
apenas tem preocupações fundacionais de natureza lógico-dedutiva. O material
que apresentamos não constitui pré-requisito para nada do que se segue e deve,
por isso, ser deixado para uma segunda leitura.
Lema. Seja f : [n] → [m] uma função injectiva que não é sobrejectiva. Então, “Lema” vem do grego e
existe uma função injectiva de [n] para [m − 1]. quer dizer “proposição
posta antes”.
Demonstração. Se m não está na imagem de f , então basta considerar a função
f " : [n] → [m − 1], que é definida exactamente como f (mas que tem conjunto de
chegada [m − 1]). No caso contrário, trocamos os papéis de m e de um elemento
m0 que não esteja na imagem de f . Mais precisamente, se m = f (k0 ), definimos
a nova função f " : [n] → [m − 1] da seguinte forma:
m0 , se k = k0 ,
f " (k) =
f (k), se k $= k .
0
"
Note-se que, por f ser injectiva, f também o é e a sua imagem está contida em
[m − 1].
Teorema. Se m e n são números naturais tais que m < n, então não existem
injecções de [n] para [m].
33
Note-se que o Teorema Fundamental das Cardinalidades Finitas (vide a
primeira secção) é consequência imediata deste teorema.
Lema. Sejam X e Y conjuntos finitos não vazios. Há uma sobrejecção de X para
sse?! É apenas uma Y sse há uma injecção de Y para X.
abreviatura de “se, e
somente se”. Demonstração. Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn }, onde os xi ’s são distintos dois a dois.
Antes de entrar na demonstração per se, vamos utilizar a seguinte terminologia:
dado um subconjunto não vazio de elementos de X, dizemos que x é “o elemento
de menor ı́ndice” de X se x = xi ∈ X e se, para todo j < i, o elemento xj não está
em X. Com esta terminologia podemos iniciar a demonstração. Suponhamos que
f é uma sobrejecção de X para Y . Defina-se, a partir dela, a função g : Y → X
por
g(y) = (o elemento de menor ı́ndice x tal que f (x) = y).
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Demonstração. A implicação da esquerda para a direita da primeira parte da
proposição infere-se do teorema dos cacifos por contra-recı́proco. A implicação
contrária é muito simples de argumentar. Ponhamos X = {x1 , x2 , . . . , xn } e Y =
{y1 , y2 , . . . , ym }, onde os xi ’s e os yj ’s são distintos dois a dois. Se n ≤ m, então
a função Φ : X → Y definida por Φ(xi ) = yi é uma injecção.
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