Você está na página 1de 7
ARTIGOS Os institutos da execu¢ao proviséria, da remessa necessaria, e da revelia em agdes de improbidade administrativa Gina Copola Advogada militante em Direito Administrativo. Pés-Graduada em Direito Administrativo pela FMU. Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU, Autora dos livros *Elementos de Direito Ambiental”. Rio de Janeiro: Temas e Ideias, 2003; “Desestatizacao e terceirizagao”, Sdo Paulo: NDJ = Nova Dimensao Juridica, 2006; “A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo”. Belo Horizonte: Forum, 2008, e 2° edicdo em 2012; “A improbidade administrativa no Direito Brasileiro’. Belo Horizonte: Férum, 2011; coautora em "“Comentérios ao Sistema Legal Brasileiro de Licitages @ Contratos Administrativos". S80 Paulo: NDJ - Nova Dimensao Juridica, 2016; “Defesas em Juizo € nos Tribunais de Contas - Improbidade Administrativa”. Belo Horizonte: Férum, 2021. Autora de diversos artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em petiddicos especializados. I~ Reza o art. 12, §9°, da Lei Federal n° 8.429, de 1992, com as relevantes alteragées introduzidas pela Lei Federal n° 14.230, de 2021: Art. 12 Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sangdes penais comuns e de responsabilidade, civis e admi- nistrativas previstas na legislagao especifica, estd o responsavel pelo ato de improbidade sujeito as seguintes cominagdes, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: | - na hipotese do art. 9° desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patriménio, perda da fungao pliblica, suspensao dos direitos politicos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibicao de contratar com o poder pubblico ou de receber beneficios ou incentivos fiscais ou crediticios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa juridica da qual seja sécio majoritario, pelo prazo ndo superior a 14 (catorze) anos; Il - na hipétese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patriménio, se concorrer esta circunstancia, perda da fungao pUblica, suspensao dos direitos politicos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibicao de contratar com o poder pUiblico ou de receber beneficios ou incentivos fiscais ou crediticios, direta ou 65 Fe Ades FAB te, 8 2825 ST 223 indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa juridica da qual seja sécio majoritario, pelo prazo nao superior a 12 (doze) anos; Ill -1na hipétese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneragao percebida pelo agente e proibicéo de contratar com o poder piblico ou de receber beneficios ou incentivos fiscais ou crediticios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa juridica da qual seja sécio majoritario, pelo prazo ndo superior a 4 (quatro) anos; () §9° As sangées previstas neste artigo somente poderdo ser executadas apés © transite em julgado da sentenga condenatoria. (grifamos) Ou seja, nao cabe execugdo proviséria de sentenga em agées de improbi- dade administrativa, para qualquer que seja a sangdo imposta. ll- Ha entendimento no sentido de que o ressarcimento ao erario ndo tem a natureza de sangao, e, por esse motivo, tal cominagao - 0 §9°, do art. 12, reza apenas sobre sancao ~ pode ser objeto de execugao proviséria. Sobre a natureza do ressarcimento ao erario, 6 a decisdo do e. Superior Tribunal de Justiga, no Agravo de Instrumento n° 1.313-876-MG, rel. Min. Herman Benjamin, de 10 de novembro de 2010: O ressarcimento nao constitui sangao propriamente dita, mas sim consectario. do dano causado, independentemente da qualificagéo da conduta como improba. Eno mesmo sentido, é 0 v. acordao do e. STJ, no REsp 1019555/SP, Rel. Minis- tro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009: 7. Caracterizado 0 ato de improbidade administrativa, 0 ressarcimento ao erdrio constitui o mais elementar consectério juridico, ndo se equiparando a uma sangao em sentido estrito e, portanto, nao sendo suficiente por si sé a atender ao espirito da Lei n° 8.429/97, devendo ser cumulada com a0 menos alguma outra das medidas previstas em seu art. 12. E no mesmo diapasao, cite-se a r. decisdo proferida no Recurso Especial n° 1.508.049-PR, rel. Min. Sérgio Kukina, datada de 23/06/2016. Ill - Ocorre que a execugao proviséria muitas vezes representa grande violéncia patrimonial na vida dos acusados de pratica de ato de improbidade administrativa, e, por isso, as penas nao podem ser executadas se as decisées nao transitaram em julgado. 66 Forum snc =F, B60 ot 2 255 7 ma 23 ‘Os msTTUTOS OA EXECUGAO PROVISORIA OA REMESSA NECESSARIA £ DA EVELIAEM AGOES DE MEROBIDADE ADMINISTRATVA Tem-se, por exemplo, que a pena de proibicao de contratar com o Poder PUblico acarreta nada menos que a impossibilidade do exercicio da prépria profisséo do acusado, e, portanto, ndo pode, de forma alguma, ser deferida em sede de execuicao proviséria, e sem o necessério transito em julgado da decisao, e, por esse motivo, a nova LIA proibiu a execucgdo proviséria de sangao imposta em agées de improbidade, o que fez de forma muito acertada. A intencao do legislador obviamente nao foi a de impedir o exercicio da profisséo ou da atividade profissional de quem quer que seja, em sede de exe- cugao proviséria de sentenca ainda sujeita a recurso perante os Tribunais. IV ~ A execugao provisoria da pena acarreta dano irreparavel, irreversivel, € que nao pode ser restabelecido, simplesmente porque o tempo nao volta, e todo © trabalho que deixou de ser prestado, ou o servio profissional que deixou de ser realizado pelo acusado, n4o poder mais ser realizado, com grande prejuizo financeiro e patrimonial, e com violagéo até mesmo do direito alimentar do acusado. E foi isto que se viu muitas vezes acontecer antes da bem-vinda alteracdo da LIA A tinica ilacéo que se retira, portanto, 6 a de que a execucao proviséria da pena em acées de improbidade, antes de mais nada, violaria 0 secular principio constitucional do contraditério e da ampla defesa do acusado, porque sem o devido transito em julgado da decisdo condenatéria, o acusado simplesmente seria impossibilitado de trabalhar, ou, entao, seria obrigado a pagar multas muitas vezes em valores vultosos, gerando irreparaveis prejuizos patrimoniais ¢ alimentares, e também de sua familia. E tal violéncia foi devidamente corrigida pela redagdo da nova Lei de Improbidade Administrativa V ~ Sobre a impossibilidade de execugao proviséria das penas da Lei de Improbidade Administrativa, j4 decidiu o e. Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo, hd mais de uma década, no Agravo de Instrumento n° 839,954-5/4-00-Olimpia, relator Desembargador Venicio Salles, em 12° Camara de Direito Publico, julgado em 04/02/2009, e com o seguinte excerto: Na espécie, esta patente que a aplicacéo imediata dos efeitos da sentenca condenatéria aos co-réus representa um gravame irreparavel ou, a0 menos, de muito dificil reparacao, condi¢do, alias, reconhecida pelo proprio érgao do Ministério PUblico de primeira e segunda instancia. Com efeito, impossibilitar um empresario de contratar com o Poder Publico, quando sua atividade e7 Fe Ades FAB te, 8 2825 ST 223 esta voltada a prestacdo de servicos ligados a realizagao de obras puiblicas, além de obrigé-lo a ressarcir supostos danos causados ao erdrio, bem como a pagar multa pecunidria, além de cancelar eventuais incentivos e benef fiscais, representara dano de dificil reparacao, mais ainda, se longo for o lapso decorrido até o efetivo julgamento. Portanto, apropriado se obstar a execucao proviséria destes efeitos. ios De outro lado, cumpre anotar que, a despeito de o sentenciante ter imposto condenagao “solidariamente” aos corréus, as sangées de perda do cargo politico e a suspensao dos direitos politicos evidentemente foram dirigidas ao Prefeito Municipal, além do que somente se efetivariam apés 0 transito em julgado da sentenga, por forca do artigo 20 da Lei n° 8.429/92, nao sendo passiveis, em principio, de execuc3o provisdria como as demais. Pelos motivos expendidos, dé-se provimento ao recurso. VI-E, ainda, sobre a execugao provisoria das penas contidas na Lei federal n° 8.429, de 1.992, em comentario ao art. 20, da citada lei federal, j4 tivéramos ensejo de dizer na obra intitulada “A improbidade administrativa no Direito Brasileiro”, Belo Horizonte: Forum, 201], p. 139-140, que: Entendemos, ainda, que todas as penas contidas na LIA - inclusive a de bloqueio ou seqiiestro de bens - deveriam ser aplicadas somente apés o trnsito em julgado da sentenga, e apés exaustivamente exercido 0 direito a ampla defesa e ao contraditério, em razao da relevancia de tais penas, que conforme ensina 0 Ministro do e. Supremo Tribunal Federal, Enrique Ricardo Lewandowski, podem representar verdadeira morte civil do acusado. Com efeito, nao é mais admitida a execucao proviséria das penas previstas na nova Lei de Improbidade Administrativa, conforme expressa disposi¢ao legal contida no §9°, do art. 12, da LIA. VII - Nao havera, ainda, remessa necessaria das sentencas proferidas com base na Lei federal n° 8.429/92, com a redacao dada pela novel Lei n° 14.230/21, conforme art. 17-C, §3°, da nova LIA: Art. 17-C (...) §3° Nao havera remessa necesséria nas sentencas de que trata esta Lei Aremessa necessaria, conforme é cedico em direito, é 0 instituto que garante © duplo grau de jurisdicao as sentencas que produzirao efeito somente depois de confirmadas pelo Tribunal, nos termos do art. 496, do Cédigo de Processo Civil. 68 Forum snc =F, B60 ot 2 255 7 ma 23 ‘Os msTTUTOS OA EXECUGAO PROVISORIA OA REMESSA NECESSARIA £ DA EVELIAEM AGOES DE MEROBIDADE ADMINISTRATVA (Ou seja, as sentengas sujeitas ao reexame necessério so reexaminadas pelo Tribunal, mesmo que nao seja interposto recurso pelas partes do processo. Eassentencas proferidas em acées de improbidade administrativa, portanto, nao esto sujeitas a remessa necesséria, conforme bem reza a nova Lei. Vill Nao se aplica a presungdo de veracidade dos fatos alegados pelo autor em caso de revelia na aco de improbidade administrativa, conforme se lé do art. 17, §19, inc. |, da nova LIA. Ou seja, a auséncia de defesa do réu significaré revelia como em qualquer ago, e nos termos do art. 344, do CPC, porém, ndo haverd a presuncdo de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Reza, a seu turno, 0 art. 345, do CPC: Art. 345. A revelia nao produz o efeito mencionado no art. 344 se: |—havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ago; 11-0 litigio versar sobre direitos indisponiveis; Ill ~ a peticao inicial no estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensavel a prova do ato; IV ~ as alegagées de fato formuladas pelo autor forem inverossimeis ou estiverem em contradigao com prova constante dos autos. (grifamos) Tem-se, portanto, que mesmo que a nova LIA nada dispusesse sobre os efeitos da revelia, a matéria jd estava disciplinada pelo art. 345, II, do CPC, porque a aco de improbidade versa sobre direitos indisponiveis. Sobre 0 tera, é a r. deciséo monocratica do e. STJ, no Recurso Especial n° 1.959.488-MG, relatora Min. Assusete Magalhaes, datada de 13/10/2021, que anulou v.acérdao do Tribunal de origem para que outro seja proferide observando a alegacao da inaplicabilidade dos efeitos da revelia em aco de improbidade, e tal decisao foi proferida poucos dias antes da publicacao da nova redacao dada a Lei de Improbidade Administrativa Cite-se, ainda, o v. acérddo proferido pelo e. STJ, no Recurso Especial n° 1.330.058-PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgamento de 20/06/2013, com o seguinte trecho da ementa: (.)6.Incontroversos, assim, os prejuizos causados ao exercicio da ampla defesa da parte ora recorrente em face da ilegitima decretacao da revelia nos autos sub examine. Isso porque, embora tenha sido consignado que em se tratando de direito indisponivel néo ha presungao de veracidade dos fatos alegados na inicial (efeitos da revelia), 6 de se ressaltar que a falta de intimacao da parte Fe Ades FAB te, 8 2825 ST 223 69 dos atos processuais, quando prolatado o despacho para a produgao de prova pela autoridade julgadora, ¢ efeito que inegavelmente lesa a esfera juridica da parte ora recorrente. No caso em concrete, o julgamento antecipado da lide se deu com base exclusivamente nas provas produzidas pelo Ministério PUblico do Estado do Parana, uma vez que 4 parte ora recorrente nao foi dada a oportunidade de produ¢ao de provas 7. Assim, constatada que a sentenga foi de procedéncia no ponto que declarou a existéncia de ato de improbidade administrativa na conduta do ora Requerente, sem que ao mesmo tenha sido oportunizada a possibilidade de produgao dos elementos de prova que entendesse necessatio, sobreleva entao a nulidade do processo ante a caracterizagao do cerceamento de defesa. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e nesta extensao provide, Ov. acérdao nao sé reconheceu que nao cabem os efeitos da revelia em aco de improbidade por se tratar de direito indisponivel, como também ressaltou que a falta de intimagao das partes dos atos processuais é efeito que inegavelmente lesou a esfera juridica do recorrente, A matéria — inaplicabilidade dos efeitos da revelia em acao de improbidade =, também jé foi apreciada ha mais de uma década pelo e. Tribunal de Justiga do Estado de Sao Paulo, nos autos da Apelacao Civel n° 994.09,239887-8-Itdpolis, da TI? Camara de Direito Publico, rel. Des. Ricardo Dip, julgada em 29/03/2010. Tem-se, portanto, que pela redacao da nova LIA nao sao cabiveis a execucao proviséria da sentenca, a remessa necessaria e a aplicacao dos efeitos da revelia nas agdes de improbidade administrativa, 70 Informacao bibliografica deste texto, conforme @ NBR 60232018 da Associagao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): COPOLA, Gina. Os institutos da execugso proviséria, da remessa necessaria,e da revelia em ages de improbidade administrativa, Forum Administrative - FA, Belo Horizonte, ano 23, n. 265, p. 65-70, mar. 2023 Forum snc =F, B60 ot 2 255 7 ma 23

Você também pode gostar