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Ana Maria Monteiro NEUROTICOS ANONIMOS: REAVALIANDO A VIDA SOB NOVAS PERSPECTIVAS Dissertagao de Mestrado apresentada ao Departamento de Politica do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientagéo da Prof. Dra. Amnéris Maroni. Este exemplar corresponde A redacdo final da —_dissertacao defendida e aprovada pela comissio julgadora em 28/8/2002. Banca f f A _ahy Profa. Dra. éris Angela ) 7 ck : GEESE CamestéAraijo atony/(orientadora) Prof. Dra. Enif traffesa de Godoy Agosto de 2002 Seig cathe 44 TR FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP Monteiro, Ana Maria IM764n ‘Neuréticos Annimos : reavaliando a vida sob novas perspectivas / Ana Maria Monteiro - Campinas, SP: [s.n.}, 2002. Orientador: Amnéris Angela Maroni. Dissertagdio (mestrado) — Universidade Estadual de ‘Campinas, Instituto de Filosofia e Cigncias Humanas. 1. Grupos de ajuda mitua. I. Mironi, Amnéris Angela. > I. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas. IL.Titulo. Resumo Esta dissertagio teve por objetivo analisar a crescente proliferaguo dos grupos de auto-ajuda, bem como os fatores que desencadearam a expansio desses grupos nas iiltimas décadas do século XX. Assim, o presente estudo parte da compreensio da origem desse fenémeno e dos aspectos que contribuiram para acelerar as transformagdes e as rupturas que atingem o mundo moderno. Perante as conseqiiéncias e as mudangas bruscas inerentes & modemidade, este trabalho discute as seguintes questdes: Como caracterizar 0 homem das grandes cidades, que hoje atua nos grupos de auto-ajuda, mas ndo s6 neles? Como é possivel fazer uma Ieitura das pessoas que participam dos grupos de auto-ajuda? Para fundamentar o estudo, foi abordada a irmandade dos Neuréticos Anénimos, presente no Brasil k4 32 anos, mediante a realizagdo de uma pesquisa participante, que se concentra na andlise da filosofia e das priticas de recuperago dos grupos de auto-ajuda. Abstract This dissertation had for objective to analyze to growing proliferation of the groups of self-help, as well as the factors that unchained the expansion of those groups in the last decades of the 20" century. Therefore, the present study comes from the understanding of the origin of that phenomenon and of the aspects that contributed to accelerate the transformations and the ruptures that reach the modern world. Facing the consequences and the inherent abrupt changes to the modernity, this work discusses the following subjects: how to characterize the man of the great cities, that today acts in the groups of self-help, but not only in them? How is it possible to do a reading of the people that participate in the groups of self-help? “The study was support by the Anonymous Neurotic fraternity, founded in Brazil 32 years ago, through accomplishment of a participant research that concentrates on the analysis of the philosophy and of the practices of the of self-help groups recovery. Dedicatéria A Memoria de meu irmdo Ricardo, que partiu recentemente. Agradecimentos A orientadora deste trabalho, Professora Doutora Anméris Maroni, que possibilitou a concretizagao desse trabalho. Ao CNPQ Centro Nacional de Pesquisas Tecnologicas pela bolsa de pesquisa. A IRMANDADE NEUROTICOS ANONIMOS DO BRASIL, em especial o grupo verdade. As minhas filhas, Carla, Mariane e Sérgio pela solidariedade, imprescindiveis a conclusdio dessa empreitada. do George Rocha e Emilia Pietra Fesa, pelo incentivo de ingressar no universo académico. A Neide Kimie Fujita, pelos servigos prestados com tanta competéncia. Sumario 1 -INTRODUCAO L.1. Objetivos 1.2. Método da pesqui 1.3. Pesquisa de campo ... 2 - IDENTIDADE E OS GRUPOS DE AUTO-AJUDA 2.1. Os fatores sociais e a proliferagdio dos grupos de auto-ajuda 2.2. O resgate da solidariedade .. 2.3. As relagoes entre identidade cultural e globalizacao . 2.4, Diferentes concepgées do sujeito moderno ..... 2.5. Duas discussées acerca da identidade .. 3-GRUPOS DE AUTO-AJUDA 3.1. O que sao grupos de auto- ajuda... 3.2. A origem dos grupos de auto- ajuda 3.3. A politica dos grupos de auto- ajud: 4— OS NEUROTICOS ANONIMOS (NA) DO BRASIL 4.1, Neuréticos Anénimos no Brasil 4.2. O idedrio dos programas do NA 4.2.1 Os Doze Passos .. 4.2.2 As Doze Tradiges 4.3. A literatura dos grupos de auto-ajuda 5-TERAPIA DOS NEUROTICOS ANONIMOS (NA) 5.1. Dinamica das reunides do NA 5.2. A dinamica da terapia ... 5.3. A doenga emocional e a democracia das emogoes «. 6 — CONSIDERACOES FINAIS ... ANEXO - ENTREVISTA E DEPOIMENTOS .. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS.. 10 1. INTRODUGAO 1.1. Objetivos objetivo deste trabalho é analisar a crescente proliferagdo dos grupos de auto- ajuda, bem como os fatores que desencadearam a expansiio desses grupos nas tltimas décadas do século XX, a partir do trabalho do sociélogo inglés Anthony Giddens, que fundamenta sua andlise na globalizagao, no comportamento do homem em relago & natureza € na transformagao da intimidade. Dentre a variedade de grupos de auto-ajuda existentes no Brasil, foi escolhido a irmandade dos Neurdticos Anénimos (NA) para o aprofundamento desse estudo, presente no Brasil ha 33 anos. Para tanto, foram selecionados de sua vasta obra sete livros: Para Além da Direita e da Esquerda(1996), Transformagdo da Intimidade (1993), Modernizagéio Reflexiva(1994), Modernity and Self-ldemity(1991), Politica e Teoria Social(1998), Terceira Via(1999), As Consegiiéncias da Modernidade(1991). Em seguida confrontam- se as proposigdes de Giddens com as de Stuart Hall, autor de A Questéo da Identidade ceultural(1995). A escolha dos grupos de auto-ajuda se justifica pela crescente importincia politica € social que esses grupos vém assumindo, Nas reflexes de Anthony Giddens: “nas sociedades contemporaneas, um mimero muito maior de pessoas pertence a grupos de auto-ajuda do que partidos politicos” (Giddens, 1996). A: im, para 0 autor, os grupos correspondem & forma de organizago social mais altemativa que surgiu nos tltimos tempos, em relagiio aos movimentos social @ as ONGS, e pela sua contribuiggo no tratamento terapéutico de diversas compulsdes, como alcoolismo, drogas, tabagismo neuroses em geral. Sobretudo essa linha terapéutica esté interessada no desenvolvimento da autonomia Para justificar © papel dos grupos de auto-ajuda, Giddens os analisa a partir das estruturas da modernidade, Logo, a proliferagio dos grupos de auto-ajuda esta diretamente vinculada & modemnidade, contribuindo para maior “reflexividade” dos cidadaos. Na andlise sociologica de Giddens(1996), os grupos de auto-ajuda contribuem para tornar 0s individuos mais respon. siveis para as tarefas mais amplas da cidadania. 1 Assim, o presente estudo destina-se a analisar as razdes da proliferagio de grupos de auto-ajuda, partindo da compreensdo da origem desse fendmeno e dos aspectos que contribuiram para acelerar as transformag6es e rupturas que atingem o mundo moderno contemporaneo. Para conduzir nossa andlise nos valeremos das andlises de Anthony Giddens (1996) e de Stuart Hall (1995), que representam uma tentativa de diagnosticar as transformagdes das sociedades contempordneas, O diagnéstico de Giddens (1996) € que, neste final de século, a sociedade esté altamente desorganizada, imprevisivel, diante de um mundo descontrolado, irregular ¢ desigual. Para chegar a essas conelusées, o autor analisou o impacto do desenvolvimento econémico, cientifico e teenoldgico sobre a vida humana ¢ também inventariou as incertezas que cercam a virada do século XX. A partir dessa anélise, 0 autor propés politicas realistas, compativeis com as transigdes pelas quais o mundo esta passando. Politicas essas que néio deixassem de ser radicais, ou seja, que ndo abrissem mio da solidariedade e da inclusio. Esses ideais, segundo Giddens, esto ameagados pela vi de mercado que estimula um comportamento mais individualista do homem diante do mundo que o cerca, Giddens afirma que a comunicagdo ¢ a forga motriz da globalizagao, que, aproximando os individuos de um conceito de cidadania global, propicia a fusdo entre diversas culturas e, sobretudo, dissolve as barreiras que separam os homens. Nesse sentido, a globalizagiio foi fundamental para a pluralidade da alta modernidade ou modemidade tatdia ou alta modernidade', pois abrange amplos principios de democratizagio. ‘A comunicagdo propiciada pelas novas tecnologias produz fluxos de informagaio por meio de redes interconectadas em toro do globo terrestre. Essas informagdes so recebidas do outro lado do mundo no mesmo instante do fato ocorrido. A globalizag io popularizou, portanto, a informagao e o intercdmbio de culturas. Essa_integragao ‘ Trata-se da presente fase de desenvolvimento das instituigdes modernas, marcada pela radicalizagao e globalizagao. 12 contribuiu para a desagregagaio das tradigGes que norteavam a ordem vigente, de acordo com Giddens. Giddens, no livro A transformagédo da intimidade, discute as relagdes pessoais da sociedade ocidental, Para o autor, a globalizagio impulsionow a transformagao da vida, das emog6es, valorizando a igualdade de direitos, 0 que aponta para uma transformagaio da intimidade. Por exemplo, a familia era baseada em duas leis: na repressio aos direitos das mulheres (a mulher era propriedade do marido e nao poderia processd-lo em caso de violéncia) e na represso aos homossexuais. Até pouco tempo atras, a violéncia contra as mulheres era um assunto da esfera privada, 0 marido poderia fazer uso da forga ¢ ninguém contestava; hoje esse comportamento n&io é mais tolerado pela sociedade e se transformou em assunto da esfera ptiblica. Isso nos mostra que a sociedade ocidental moderna incorporou a igualdade de direitos, entre os géneros, ragas e em relagao aos homossexuai: No Brasil, podemos citar um exemplo dessa questéio que € a abertura de delegacias da mulher que atuam contra a violéncia das mulheres ¢ as associagdes que defendem os homossexuais contra o preconceito e a violéncia. Hoje, a mulher luta por mais autonomia e nao aceita com naturalidade a dominagao masculina. Contudo, a igualdade de direitos foi uma conquista da luta e dos movimentos feministas ao longo dos anos. A globalizagao contribuiu na disseminagao dessa discussao na esfera global, mas nio foi a responsavel pelas conquistas. As mulheres ainda tém muitas lutas pela frente em prol dos seus direitos, Para Giddens todos os tipos de relacionamentos estio mais abertos ¢ demoeriticos. Qualquer relacionamento para se desenvolver deve estar baseado em um consenso, ou seja, na compreensao da outra pessoa e na formagio do proprio relacionamento, ¢ ndo em regras institucionais. As pessoas esto construindo uma nova ética para guiar as suas relagdes. E importante destacar que o conceito de “reflexividade” foi criado por Giddens para situar a relagao entre os individuos dentro da sociedade moderna de mas: sas, em que a idéia de nacionalidade torna-se relativa e deixa de ser um diferencial tio forte na criagio de novos habitos ou valores. O individuo submetido a um volume fantastico de informagdes advindas diariamente do mundo inteiro, é obrigado a filtrar esses 13 conhecimentos relevantes para as condigdes de suas vidas de forma a atuar nas ati do cotidiano fundamentado ness processo de filtragem. Desse modo, nao sé o conhecimento produzido por especialistas (incluindo 0 conhecimento cientitico), mas também 0 conhecimento em si nao esta mais confinado a um grupo de pessoas, e passa a set interpretado no cotidiano e a ser influenciado por individuos leigos no decorrer de suas atividades do dia-a-dia. Ou seja, a reflexividade ¢ uma fonte organizadora da agdo da experiéncia. Para Giddens, a expansao da reflexividade social foi a principal influéncia sobre a diversidade de mudangas ocorridas no mundo atual. O autor destaca que as instituigdes tradicionais — que deveriam auxiliar se individuo no proceso de reconstrugao de sua identidade, como a igreja, a familia, a escola, o Estado ¢ a propria ciéncia — nao estdio dando conta dessa tarefa. E nesse sentido que organizagdes alternativas, como os grupos de auto-ajuda ¢ movimentos sociais, ganham importancia, pois preenchem uma la do cidadao. cuna ao cuidar de problemas mais imediatos Segundo Giddens, esses novos atores ~ grupos de auto-ajuda e movimentos como Greenpeace, Sem-Teto, Sem-Terra, por exemplo constituidos & margem das instituigGes tradicionais, ajudam a manter as influéncias democratizadoras através da sua forma de exercitar-se no social. Em especial, os grupos de auto - ajuda, detém modelos terapéuticos que esto fora do ambito do poder dos profissionais da area de satide, isto é, retiram, de certa maneira, 0 poder dos peritos, encontrando formas eficazes na recuperagio pelo conhecimento laico e por intermédio de priticas alternativa Para o autor, os grupos de auto-ajuda abrem espago para as questdes de cunho intimo, deslocando-as para o espago pitblico. Questdes existenciais como “O que fazer?”, ‘Como agir?” © “Quem sou eu?” refletem-se no comportamento e no discurso adotado pelas pessoas em seu cotidiano, ‘Trata-se de inusitado aprofundamento do conceito de privado, na medida em que assuntos outrora discutidos entre quatro paredes, como a sexualidade, problemas familiares, perversdes e dependéncias, passam a ter visibilidade ou discutidos em lugares piblicos De acordo com Giddens, na drea da politica formal, as pessoas hoje detém um alto grau de “reflexividade”, que Ihes permite nao aceitar as formas tradicionais de 14 idadaos estdio cada vez mais descrentes do sistema legitimidade na politica. Por isso, os politico — verifica-se essa rejeigao principalmente entre os jovens. Giddens afirma que hi mais gente engajada nos grupos de auto-ajuda do que nos partidos politicos. Essas mudangas, segundo o autor, teriam reflexo em escala global ¢ essas transformagdes institucionais deveriam ainda abranger todas as areas do tecido social. Giddens cré que 0 conjunto de revolugées citadas acelerou as transformagées que 0 mundo vem sofrendo nessas tltimas décadas. Essas mudangas que so inerentes & modernidade tiveram suas origens no inicio do seu desenvolvimento, mas tornaram-se singularmente intensas na virada deste século.(1996) Com isso, os pilares que davam suporte as nossas identidades e que nos davam 0 sentido de nés mesmos enquanto sujeitos integrados, fixos e estaveis, ruiram, afetando a esfera politica e social, abrindo espago as novas identidades. Para Giddens, a reflexividade social foi o fio condutor dessas transformagdes, em razao da produgao de fluxos de informagdes advindas da comunicagao instanténea. Para o autor uma das caracteristicas mais marcante da modernidade, é a reflexividade, Para 0 autor, vivemos mergulhados num momento misto: de um lado a emancipagdo, de outro a ansiedade. Essas revolugdes interferem em todas as areas do nosso cotidiano, levando-nos para longe de nés mesmos. E essa perda do self’ que produz comportamentos compulsivos, que acabam interferindo nas relagdes pessoais, bem como nas relagdes mais amplas do tecido social. Sobretudo, essa perda do self abre possibilidades a novas identidades. Para 0 autor, ¢ exatamente nesse impasse que a sociedade contemporinea deve buscar a saida para uma vida mais condizente com as demandas que se apresentam, isto é, de um mundo descontinuista. “Os modos de vida produzidos pela modernidade nos arrastam para longe de todos os tipos tradicionais de ordem social, de uma maneira sem precedentes. Tanto em sua extensionalidade [“aspectos extemos”] quanto em sua intencionalidade [“aspectos intemos"], as transformagdes envolvidas na modernidade séo mais profundas que a maioria dos tipos de mudanga caracteristicos de periodos anteriores. Sobre 0 plano extensional, elas servitam para estabelecer as formas de conexao social que recobrem 0 15 globo; em termos intencion , elas vieram alterar algumas das caracteristicas: mais intimas e pessoais de nossa existéncia cotidiana."(Giddens, 1991b,) Além disso para 0 autor, a modemidade produz uma forma de vida altamente reflexiva, na qual as priticas sociais sto analisadas ¢ questionadas, a luz de informagies sucessivas sobre essas mesmas praticas que vao alterando, assim constitutivamente, o seu carter € no somente a forma de convivéncia com mudangas répidas, continuas ¢ extensas. Experienciando esse mundo “descontrolado”, influenciamos processos de mudanga, mas 0 controle foge de nossas mios. Essa. imprevisibilidade gera novas discussdes e ansiedades, que se refletem através do comportamento dos grupos de auto- ajuda na busca da auto-identidade’, Stuart Hall (1995), sobre a questiio da identidade que gravita em tomo do seu eixo, denominada de identidade coerente € estével, expde outra perspectiva acerca do sujeito modemo e faz a seguinte leitura: “A sensagdo de possuirmos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte € possivel apenas porque construimos uma confortante est6ria sobre nés mesmos. Dentro de nés coexistem identidades contraditérias, pressionando em diregies diversas, de modo que nossas identificagdes esto sendo continuamente mudadas” (Hall, 1995). Essa identidade unificada ¢ segura é uma fantasia. Ao contrério, “& medida que os sistemas de significado e de representagao cultural multiplicam-se, confrontando-nos com uma multiplicidade difusa de identidades possivei podendo nos identificar com cada ‘uma delas, a0 menos temporariamente”(Hall, 1995). Nesse ponto, Stuart Hall, baseado na teoria freudiana, discorda de Giddens argumentando que a invengao do inconsciente elaborada por Freud derruba a concepgio do sujeito conhecedor e racional, com uma identidade fixa e unificada em torno do self, caracterizado como sujeito cartesiano: “Penso, logo existo”, pois a nossa sexualidade ¢ a * Self é 0 conceito wtlizado pelo psicanalista Carl Gustav Jung para designar 0 eu integrado, 16 estrutura dos nossos desejos siio constituidas na base dos processos psiquicos & simb6licos do inconsciente. O seu funcionamento faz parte de uma “légica” totalmente diferente da razo, Segundo Hall (1995), embora o sujeito seja fragmentado ou dividido, ele experiencia sua identidade de forma unificada ¢ “resolvida”, como resultado de sua fantasia de si, que ocorre na primeira inffincia da crianga, denominada por Lacan como fase especular”. Hall (1995) menciona que o que esté ocorrendo com as sociedades modemas é conseqiiéneia de um tipo de mudanga estrutural, que esté fragmentando as identidades — individual e cultural — denominada de “crise de identidade”. Para avaliagao mais apurada dessa crise pela qual passamos, é preciso discutir a questo do sujeito, Hall parte dos fundamentos da emergéncia da concepgo de sujeito moderno, no qual se encontra todo sustentéculo da modernidade. Nesse sentido, Giddens e Hall possuem formas diferentes de conceituar 0 sujeito modemo no mundo contemporineo, mas a questio do reconhecimento da descontinuidade, dentro do proceso de ruptura e deslocamento, ¢ comum aos dois autores. Na visto de Hall (1995), so as construgées e desconstrugdes desses sujeitos, a0 longo de sua historia, que dao origem ao sujeito pés-modemo, diferentemente da proposi¢ao de Giddens, que acredita na capacidade do sujeito moderno de atuar como agente de transformagio a partir de uma identidade estavel ¢ equilibrada, apesar da turbuléncia em que encontra as sociedades modernas. Para Hall (1995), o sujeito pés-modemo & constituido, na verdade, a partir de uma multiplicidade de identidades, algumas vezes contraditérias ou mal resolvidas. Hall prefere falar de identificagtio, ao invés de falar de identidade que, segundo cle, é um proceso inacabado. A identidade surge da insuficiéncia de totalidade, jamais “preenchida” a partir do que nos é exterior, pelas formas como imaginamos sermos vistos pelos outros. Assim, nessa pesquisa, pretende-se responder: Como caracterizar 0 homem das. grandes cidades. que hoje procura os grupos de auto-ajuda? Trata-se de um sujeito A auto- identidade € denominada por Giddens como o eu entendido reflexivamente pelo individuo em termos de sua biogratia. 17 ancorado na reflexividade ¢ perturbado pela alta modernidade como quer Giddens? Ou de que forma, no seu fazer, situa-se 0 sujeito pés-modemo, dotado de identidades fragmentadas inacabadas, como quer Stuart Hall (1995)? Deve-se pensar que se trata de tum sujeito que esté perturbado, mas & capaz de se reorganizar na reflexividade através desses grupos ou deve-se pensar que se trata de identidades miiltiplas e inacabadas? Para finalizar, cabe destacar que 0 modelo terapéutico adotado pelos grupos de auto-ajuda segue a linha do grupo Alcodlicos Anénimos (AA), baseada em alguns principios conhecidos como “Os Doze Passos” “As Doze Tradigées”. O que os demais grupos fizeram foi adaptar esses principios a seus objetivos especificos. Cada grupo apresenta uma especificidade mas todos tém uma caracteristica comum: no propdem a cura da doenga, mas sim o controle dela e a recuperagéo do individuo. Segundo os Neuréticos Andnimos, no que se refere ao controle emocional, 0 individuo aceita a neurose como doenga, assumindo com consciéncia que ¢ impotente perante o seu comportamento compulsivo. Essa constatagdo implica a consciéncia da necessidade de ajuda para poder recuperar-se. A partir desse primeiro paso, 0 esforgo do individuo consiste tentar dominar o seu comportamento compulsivo. O controle da doenga ocorre por meio da reeserita do “eu”, trazendo A tona toda a sua experiéncia. As transformagdes que ocorrem na vida do individuo & medida que ele consegue colocar-se ¢ desvincular-se das atitudes doentias ¢ de hébitos compulsivos so os pilares da recuperagtio. Dessa maneira, a participagdo ¢ a vivéncia no grupo é de suma importancia, pois sé assim o individuo passa a enxergar 0 mundo com uma dimensio mais ampla. As bases de toda a recuperacgdo so a redescoberta e a percepeao da possibilidade de vivenciar uma experigneia dentro de uma comunidade em que valores como ajuda miitua e responsabilidade com o outro sdo a norma. Embora para os grupos de auto-ajuda a cura nao exista, ¢ necess rio. que o individuo pratique o programa de recuperagéio constantemente, pois sempre existe 0 risco das recaidas. 1.2 Método da pesquisa A opeio pelo grupo Neuréticos Andnimos (NA) como ponto de partida para aprofundar as questdes propostas nesta pesquisa foi feita apds a visita a virios outros 18 grupos de auto-ajuda e de participar de, pelo menos, quatro reu jes de cada um, a saber: ‘Coda (Codependente), Mada (Mulheres Que Amam Demais), FA (Fumantes Andnimos), AA (Alco6latras Anénimos), Dasa (Dependentes de Amor e Sexo), JA (Jogadores Anénimos), CCA (Comedores Compulsivos Anénimos) e N/A (Naredticos Anénimos). A excegiio foi o grupo VIA (Vitimas de Incesto Andnimos), pois 0 acesso a esse grupo foi realizado somente por meio de especialistas da area, que indicam as pessoas que se encontram dentro desse perfil. Ressalta-se que a pesquisa participante € 0 itnico método possivel de abordagem para quem se propde a realizar um trabalho sobre esses segmentos. De acordo com as regras que norteiam os grupos de auto-ajuda, a participagdo continua na irmandade exige que 0s individuos identifiquem-se com 0 propésito do grupo. Além disso, esses grupos Jo pautados por uma ética especifica dada, sobretudo, pelo anonimato exigido. Essa especificidade iplica uma relagao entre pesquisador e pesquisado, envolvendo uma confianga que deve ser conquistada. Os membros que atuam na irmandade por muito tempo conseguem perceber aquilo que cada participante desse processo de inclusio esta realmente buscando nos grupos sendo, portanto, capazes de detectar a natureza da doenga e os propésitos de cada participante. Por esse motivo, naturalmente, houve necessidade da autora desta dissertagao identificar-se como pesquisadora. $6 assim foi possivel fazer o levantamento de dados aqui apresentados. Nesse sentido, é importante assinalar que se tornar um membro do grupo, qualquer que seja a sua condigao, requer saber ouvir a fala do outro, sem fazer juizo de valor, respeitando-se opgdes sexuais, nivel sécio-econdmico, raga, religido, atividades que esto & margem da sociedade e outros. Isto é, busca-se grupos superar qualquer tipo de preconceito em relagao ao outro. Durante o processo de visitas aos grupos citados, observou-se que as reunides sio freqiientadas por diversos perfis: pessoas publicas, executivos, delegados de policia, milionarios, prostitutas, artistas, profissionais liberais, Embora haja essa pluralidade, ali todos sto iguais, independentemente do nivel cultural, econdmico, religioso. politico, de nacionalidade ou ra |. Todos estao unidos por um tinico fator determinante: a anomalia, 19 Esse processo de uniao em torno de uma anomalia ficou mais bem caracterizado quando da visita ao grupo Neuréticos Anénimos (NA), pois os temas abordados ~ depressio, medos, ansiedade, sindrome do panico, perda de entes queridos, divérci perda do emprego, dificuldades financeiras, timidez, dentre outras situagées mais corriqueiras, mas que sempre deixam marcas psicolégicas profundas ~ estio em geral relacionados 4 vida moderna e a problemas humanos imediatos, Decorre dai a razio de optar pelo NA como objeto central de estudo. Para facilitar o trabalho, foram obedecidos alguns critérios. Um deles é que a autora deste trabalho se identifi se como tal, nao s6 porque o método escolhido foi a pesquisa participante, mas também para facilitar o acesso a diversos extratos des grupos de auto-ajuda, sobretudo ao Neuréticos Andnimos, participando de congressos, comemoragées de aniversirio, de reunides fechadas e da observagiio de trocas de experiéncias apés 0 término das reunides. No que diz respeito a escolha do objeto da dissertago, os grupos de auto-ajuda ¢ sua importancia social, é importante destacar na area de Ciéncia Politica esse tema é visto como marginal. Os assuntos tradicionalmente abordados nessa esfera especifica do conhecimento so os partidos politicos, sindicatos, Estado, politica intemacional, dentre outros. Entretanto, apesar de a Ciéneia Politica no considerar 0 tema relevante, os assuntos tratados nesta pesquisa contém implicagdes politicas e esti voltados a reconstrugio de interesse politico. 1.3 Pesquisa de campo Nessa parte, detenho-me em relatar parte da minha experiéncia com 0 objeto desta dissertagdo durante a pesquisa de campo. Quando cheguei ao grupo NA, fui recebida pelo coordenador e pelos membros com muita atengao ¢ carinho ¢ com a saudagao de que era bem-vinda ~ tratamento dado a qualquer pessoa que chega ao grupo. Quando fui solicitada a falar, eu disse que nao dlesejava fazer uso da palavra e que precisava apenas ouvir. Apés trés meses participando do grupo, mantive 0 mesmo comportamento, Em determinada reunidio, percebi que as pessoas estavam se sentindo ineomodadas com 0 20 meu siléncio. Por essa razio, na reunido seguinte, participei fazendo um comenteirio referente ao tema proposto pelo grupo naquele dia, Mas nao me retratei como pesquisadora, pois temia que a reunigio tomasse outro rumo. Eu j4 havia passado por semelhante experiéneia quando da visita a outros grupos. No AA, por exemplo, quando me identifiquei como pesquisador a reunido foi mudada rapidamente para reunido aberta: © coordenador colocou em cima da mesa uma placa “reunitio aberta”. [Ressalto que, nos grupos de auto-ajuda, ha reunides abertas e fechadas, as abertas sao para todas as pessoas (niio-alcodlatras, aleodlatras . curiosos, pesquisadores) que queiram conhecer 0 funcionamento dos grupos. As reunides fechadas so destinadas apenas a aleodlatras.] A partir desse dia, sentia-me muito desconfortivel, pois ninguém sabia 0 que cu estava fazendo no grupo. Até porque existe um tempo esperado para as pessoas se manifestarem. Esse tempo € importante para aqueles que t€m dificuldades de falar de seus problemas intimos para pessoas desconhecidas. O meu tempo ja havia vencido, 0 coordenador sempre me perguntava se no queria falar, cada vez mais o desconforto tomava conta de mim, Por essa razio, passei a freqitentar outros grupos (situados na zona leste, norte ¢ centro de Sao Paulo). Mantinha © mesmo comportamento de ouvir ¢ observar. Em uma das reunides do NA, uma das pessoas me incluiu no chamado “grupo da “verdade. Diante desse fato, findaram todas as possibilidades de permanecer sem me identificar. Sentei na “cadeira da verdade” (cadeira que fica ao lado da mesa do coordenador, utilizada para os membros do grupo fazerem seus depoimentos) ¢ assumi que era uma neurética em recuperago, que minhas doengas alérgicas cram um tipo de neurose. Passados dois meses daquele dia, fui novamente para cadeira da verdade e disse que estava escrevendo um trabalho sobre os neurdticos andnimos. Todos ouviram, mas foi inusitado o comportamento do grupo, porque foi como se eu nao tivesse falado sobre o trabalho. O comportamento em relago a mim ndo mudou em nada, continuei participando das reunides fechadas, fui convidada a participar das reunides de trabalho. estudo e congressos. Esse proceso durou uns oito meses e trouxe uma aproximagao maior das pessoas em relagio a minha pessoa. O meu objetivo como pesquisadora era exatamente mergulhar em todas as esferas da irmandade, dai o cuidado de saber a hora certa de me 21 ise deste retratar. Foi esse envolvimento com as pessoas que garantiu a observago e ani trabalho e a realizagao das entrevistas, Na relac&o com 0 grupo, houve varios episédios engragados e constrangedores, mas vou descrever apenas uma histéria para ilustrar a trajet6ria desta pesquisa. No congresso do NA, no Rio Grande do Sul, fiquei em um quarto com Maria Creusa. Como a maioria das mulheres néo queria ficar com ela no mesmo quarto, eu fui a escolhida. Quando fomos dormir, ela comegou a contar a sua vida. E, como a divisio de um quarto para outro era de um material muito frégil, dando para escutar os ruidos de vozes, no quarto ao lado, algumas mulheres comegaram a bater na parede para que Maria Creusa se calasse. Na manha seguinte a esse episédio, todo mundo queria saber quem estava dividindo 0 quarto com Maria Creusa. Permaneci quicta ¢ desconversava. Mas, Maria Creusa, além de acordar cedo, falava © tempo todo ¢ tomava banho sempre que tinha um © tempo disponivel. Até que no dltimo dia descobriram que era eu a companheira de quarto de Maria Creusa. Algumas mulheres chegaram para mim e disseram: “Nao € possivel que vocé seja uma pessoa neurética, porque se fosse néo suportaria dormir no mesmo quarto que a Maria Creusa”, Nesse momento, eu fiquei de “saia justa” e pensei: os mais experientes pesquisadores ja devem ter passado por uma experiéneia como essa, Imediatamente, eu disse para esse grupo de mulheres: “Vocés nao me conhecem e, portanto, no sabem das minhas neuroses. A minha pode ser toleriincia demais, o que também pode configurar uma doenga”. Todas se calaram e sairam sem se convencer, porque o mais comum é a intoleraneia 22 2. IDENTIDADE E OS GRUPOS DE AUTO-AJUDA 2.1 Fatores sociais e proliferacao dos grupos de auto-ajuda itimas A proliferagao dos grupos de auto-ajuda comegou a ocorrer a partir das décadas, com 0 colapso do bloco de nagdes comunistas do Centro e do Leste Europeu, a crise mundial econémica do capitalismo ¢ o fim da Guerra Fria, Abriu-se, entio, espago para o aprofundamento da nogdo de individualismo e, simultaneamente, ocorreu um desmantelamento das propostas sociais para toda a sociedade contemporanea. Ou seja, o Estado Neoliberal cada vez mais se afasta das politicas de protegio social. A medida que a sociedade explode em individualismo, em competigdo acirrada, em quebra de solidariedade, em afastamento do Estado das propostas sociais, os grupos de auto- ajuda ¢ os movimentos sociais podem estar produzindo algo novo. Esse fendmeno dos grupos de auto-ajuda constitui-se num fato novo por ser uma organizagio diferente de outros tipos de subpoliticas, como as surgidas nos anos 60: 0 movimento feminista e dos homossexuais, as aspiragdes antiguerra, as revolugdes estudantis, os grupos pacifistas os que lutam pelos direitos civis e dos negros ete, Esses movimentos faziam oposig%io tanto a politica liberal corporativa do Ocidente como também a politica do Leste Europeu (estalinista). Consolidavam extensdes tanto “subjetivas” quanto as “objetivas” da politica. E eram denominados de politicas identitarias, de acordo com Stuart Hall (1995). Os grupos de auto-ajuda detém uma especificidade que contraria esas subpoliticas da década de 60. Seu objetivo ¢ estruturar os individuos das mazelas da vida, reconstruindo uma biografia individual através dos programas de recuperagdo. Estes tém como meta controlar todos os tipos de compulsio e vicios considerados transgressores da ordem piiblica e das relagdes pessoais, Vale dizer que esses grupos no ultrapassam o self, uma vez que discutem exaustivamente questdes de cunho inti 10, ndo atuam diretamente nas politicas que contestam nem reivindicam direitos, De acordo com Anthony Giddens, instituigdes como o Estado, os partidos politicos ¢ os sindicatos estao sofrendo um esgotamento das suas fungdes. Ulrich Beck, 23 socidlogo alemdo que se identifica em alguns pontos de vista com Giddens, da importante contribuigio no sentido de fortalecer a afirmagdo de Giddens. Para Beck, essas instituigdes foram se transformando e se constituiram em meros instrumentos de poder para os jogos do poder e, nesse sentido, vivenciaram duas épocas diferentes. Em um primeiro momento, vivificaram 0 da modernidade.(Beck, 1997) A primeira etapa é marcada pela sociedade industrial classica, que é determinada io ambiguo”; no segundo momento, a ambivaléncia pelos modelos tradicionais, avaliados com base nos conceitos de classe, papéis dos géneros ete. A ambivaléncia da modemidade produz uma realidade no mundo de hoje que apresenta aspectos multifacetados: de um lado, o desenvolvimento vazio da esfera politica e de outro um renascimento nao institucional do politico. “O sjeito individual retorna as instituigdes da sociedade™. (Beck,1997) Esses individuos nao so os atores da sociedade classica industrial, como afirmava © funcionalismo. Os individuos sao constituidos a partir de uma interagdo discursiva complexa mais aberta e no de um modelo funcionalista de papéis sociais. O surgimento das subpoliticas, como um movimento de baixo para cima, subverte 0 papel das instituigdes tradicionais, Apesar da énfase na individualizagio, esses movimentos extrapolam da esfera privada para a esfera do politico. Dentro dessa nova configurago, os grupos de auto-ajuda podem estar desempenhando um papel importante na medida em que apontam para uma nova forma de organi icas tradicionais. Pela ‘io, encontrando-se 4 margem das instituigées pol propria natureza de associagao, hd uma relagao direta entre as influéncias democriticas & 08 objetivos propostos. Na visto de Beck (1997), as sociedades, ao longo dos tempos, véem se tornando. cada vez mais problematicas. Mas também apresentam indicios positives. De um lado, temos que nos confrontar com um universo de dividas ¢ incertezas. Por outro lado, as sociedades esto desenvolvendo novas formas de organizagbes que esto sendo mobilizadas através dos movimentos sociais ¢ dos grupos de auto-ajuda. Essas mudangas dizem respeito a dois aspectos que se complementam, que se configuram em novos registros da Ciéncia Social. A caracteristica mais marcante da 24 nossa politica atual é a capacidade de auto-organizagao. O Estado perde seu status de lider supremo ¢ se transforma em Estado de negociagao. Ele & confrontado por todos os tipos de grupos © minorias, antigas organizagdes, sindicatos, igrejas e meios de comunicagdes. Essa capacidade de organizagio € notéria e visivel quando nos deparamos com grupos, por exemplo, de divorciados, auto-ajuda, traficantes, terroristas, deficientes, homossexuais; enfim inimeros grupos que se diferenciam pela capacidade de organizagao. Isso aponta que as decisdes e inovagdes nao tiveram sua origem na classe politica, Na propagagdo das instituigdes modernas, universalizadas por meio dos processos de globalizagao, despontam processos de mudanga intencional que podem estar ligados & radicalizagao da modernidade. Giddens (1997) afirma também que esses sdo processos de abandono, desincorporagio ¢ problematizagao da tradigao. Giddens (1997) aponta para trés conjuntos que se opdem e sto considerados fundamentais para a compreensdo do mundo atual: a globalizagao, a tradigio e a incerteza artificial. A globalizagao, para o autor, no se refere apenas A internacionalizagao da economia, mas a algo mais amplo como a redefinig’o do espago e do tempo. A globalizago se perpetua na agao a distincia, na comunicagao instanténea, como a Internet, 0 aparelho de fax, a TV a cabo. Nessa ago A distincia, a auséncia prevalece sobre a presenga, que atua diretamente na reestruturagao do espaco. O mundo esta conectado com todos os eventos que ocorrem em qualquer parte do planeta, os cidadios recebem informagdes no mesmo instante do fato ocorrido. Assim, cada vez mais, as nossas atividades cotidianas sao influenciadas e, ao mesmo tempo, podemos interferir em fatos que ocorrem do outro lado do mundo. A globalizagao foi capaz de dissolver as fronteiras que separam os individuos contribuindo, de certo modo, para a emergéncia da idéia da universalizagio da humanidade. Nesse sentido, a universalizagao atua em esferas como a da defesa dos direitos humanos e a da protegao ambiental. Além disso, hd um contingente significative de pessoas circulando pelo mundo, como reflexo das inovagdes teenolégicas, Dessa maneira as decisdes individuais do dia-a-dia apresentam conseqiléncias globais, na medida em que a decisdo de comprar determinado produto pode afetar a sobrevivéncia de alguém que estd do outro lado do 25 . Es mundo ¢ também pode contribuir para a deteriorago do plant ises individuais € as conseqtiéncias da globalizagao produzem impacto sobre a vida de cada cidadao. Giddens (1997) transfere seu foco das questées do amor, intimidade e auto-identidade, para 0 politico. Ou seja, o autor diante das transformagdes da modernidade desarticula as mudangas institucionais para o politico. Para tanto é pertinente abrir 0 debate de visbes opostas para abordar a complexidade de tal fendmeno. Esse debate foi elaborado por Angela Cameiro Aratijo, através de uma resenha da literatura intitulada de Globalizagao e ‘Trabalho. O debate em tomo da globalizagao ¢ apontado por autores que dialogam acerca de diferentes visdes, sobre as conseqiiéncias da globalizagao para os Estados, nagdes, classes ¢ grupos, Enfim, os autores dividem-se entre os radicais Hay ¢ Marsh, Helt ef al. (2000) ¢ Ohmae (1990); os transformacionistas Giddens (1999), Castells ¢ Schole (2000); os céticos Hust e Thompson (2000); € os criticos da globalizagao. As mudangas que 0 mundo tem experienciado a partir da década de 70 e os processos desencadeadores da intensificag4o da globalizago so consenso entre a maioria dos autores, tanto os céticos como os defensores da globalizagio, quais sejam: intensificagao do comércio intemacional, a destegulamentagio ¢ internacionalizagao dos mercados financeiros (década de 80), a revolugo tecnolégica nos transportes, nas comunicagdes € no processamento ¢ transmissao de informagdes, 0 crescimento de investimento externo realizado pelas grandes empresas multinacionais, este iltimo segundo os analistas da globalizagao é 0 carro-chefe que impulsionam a globalizagio da atividade econémica. Os radicais da globalizagao ou hiperglobalistas, argumentam que a globalizagio é um fendmeno fundamentalmente econdmico que promove a desnacionalizagao das economias, no decurso de redes transnacionais de produgdo, comércio ¢ finangas. Os hiperglobalistas defendem a globalizagdo como um processo imutivel e inexoravel, inerente & nova era que se impde na histéria da humanidade. Ohame (1990) vé que a propagagao de inovagdes através de fronteiras é mais adaptada pelas forgas do mercado global ¢ da mudanga tecnolégica do que pelas especificidades de cada pais. Nessa conjuntura, as economias “sem fronteiras”, que sfio as empresas transacionais, definem as 26 regras do jogo em beneficio de seus proprios interesses. Conseqiientemente, os governos ionais, ndo s6 softem prejuizos da autoridade legitima dos Estados — a naga com sua soberania ¢ maximizada na medida em que instituigdes de governanga local, regional e global ocupam papéis cada vez mais importantes. Sobretudo, perdem a capacidade de controle sobre a politica econémica de corresponder com os seus proprios recursos as demandas de seus cidadios. Além disso, as propostas sociais dos Estados de bem-estar sofrem conseqiiéncias avassaladoras na medida em que a pressio imposta pelos fluxos financeiros e pela competitividade no mercado global impossibilita politicas de protegao social, forgando todos os governos a adogio de politicas de corte neoliberal. Fsta visio da globalizagio vé a vitéria de maneira opressiva do capitalismo global. 0 capitalismo global cria dreas de exclusio aumentando as desigualdades tanto na escala global como no interior dos paises. Colocando de lado as politicas de protegdo social. Nessa linha de pensamento, estdo explicitas duas posigdes: uma weberiana e outra marxista, que esta engajada em denunciar quem realmente se beneficia com a intensificagio da globalizagio. A informagdo nao é democratica, pois existem grandes corporagdes que dominam grandes redes de comunicagao. A tecnologia da comunicagio no se estende para a maioria da populagao, pois essa populagio néo possui poder de compra, para adquirir um computador, ter acesso a Internet ou mesmo de conectar a sua TV com redes de cabo, Por outro lado, a vertente neoliberal vé de uma maneira otimista 0 fendmeno, na medida em que aponta o processo como imutivel e inexorivel da nova era. Os céticos da globalizagio ndo compartilham com as idéias dos globalistas ¢ afirmam que as multinacionais através das corporagdes esto enraizadas com suas economias nacionais ou regionais de origem. Ou seja, nao acreditam na distribuigao do capital internacional como possibilidade de beneficios das economias da periferia Para contribuir com esse debate é fundamental salientar Castells (1996) que sustenta uma posigdo globalista neomarxista, Assim como os globalistas, Manuel Castells observa que 0 processo de globalizagao nesse final de século reflete mudangas profundas na dindmica do capitalismo e cré que a economia global ¢ vista como uma “economia capaz de operar como uma unidade em tempo real numa escala planetéria” (Castells, in Held and McGrew, 2000: Resenha — Globalizagao e Trabalho). 27 Os criticos da global no concebem a idéia dos globalizadores de iransformar a globalizagio em um mito, E em suas eriticas tentam desmistificar o conceito de globalizagao através dos efeitos da intensificagaio do proprio processo da globalizagao. Os transformacionistas, como Giddens, definem a globalizagao nao apenas como lum processo econdmico, mas como a redefinigao do tempo e do espago ea expanstio das relagdes entre o local e fatos sociais distantes, Pode-se observar no cenério politico global o movimento antiglobalizagao voltado para denunciar as contradigées da globalizagiio econémica de mercados os efeitos avassaladores no plano cultural, no nivel local. A luta dos antiglobalistas ¢ a forma de contestar a globalizagfio, na medida em que, aumenta as distincias entre ricos ¢ pobres, excluidos ¢ incluidos. Segundo Maria Gloria Cohn, esse movimento representa uma das principais novidades na esfera politica no paleo da sociedade civil, pela sua forma de articulagdo/atuagio com redes de extenstio global.(Fotha de S, Paulo, Caderno Mais, 27/01 2002). Retomnando as consideragdes quanto ao tocante a esfera global, Giddens (1991) concebe que as agdes devem ser consideradas no contexto do deslocamento e da istemas abstratos. Esses reapropriagao de especialidades, sob o impacto da invasao dos sistemas so revestidos de especialistas de competéncia profissional que ordenam grandes, areas do universo social ¢ material em que vivemos hoje. Essas questes ligadas s experiéncias do cotidiano dizem respeito a temas muito importantes, como por exemplo, as relagdes entre 0 eu e a identidade, que passam a incorporar um amplo especiro de transformagdes © adaptagées da vida cotidiana, Elas expressam as manifestagdes da tradigdo em constante alteragao. O conceit de identidade é compreendido por Manuel Castells (1999) como fonte de significado e experiéncia de um povo, Castells, em relagdo a atores sociais, entende por identidade 0 processo de construgdo de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significados. Pode haver miltiplas identidades tanto no individuo como no ator social. Essa pluralidade pode exercer uma fonte de tensio e 28 contradigdo tanto na auto — representagdo como na agio. Estabelecer uma distingdo entre identidade e um conjunto de papéis ¢ fundamental para que esses papéis sejam detinidos por normas estruturadas pelas instituigGes e organizagdes da sociedade. Na medida em que esses conjuntos de atributos culturais ¢ instituigdes sofrem uuma quebra de seus significados em conseqiiéneias das mudangas ¢ transformagées bruscas ¢ perversas como a perda do direito ao trabalho, previdéncia social, a satide e a educagdo, esses individuos so também excluidos socialmente ¢ culturalmente. Dessa maneira descortina um mundo de incertezas e diividas em relagio & sobrevivéncia ¢ a existéncia humana. Richard Sennett (2001), em seu livro 4 corrosdo do canter, utiliza a expressio “capitalismo flexivel” para demonstrar o quanto a nova forma atribuida ao capitalismo & opressora, causando ansiedades nas pessoas, que nao sabem para onde os riscos vaio levi- las. Des maneira, a reflexividade causa impacto sobre o caréter pessoal. “O carater & 0 valor que atribuimos aos nossos préprios desejos ¢ as nossas relagdes com os outros”, ou seja, est’ impregnado ao longo de nossa experiéneia emocional. “E expresso pela lealdade ¢ compromisso miituo, pela incessante busca de metas a longo prazo, ou pela pritica de adiar satisfagao em troca de um fim futuro” (Sennett, 2001). Perante essas constatagées Sennett, langa algumas questdes sobre 0 cariter impostas pelo novo capitalismo flexivel. Como decidimos o que tem valor duradouro em nds numa sociedade impaciente que se concentra no momento imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdade © compromissos mutuos em instituigées que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas? O capitalismo flexivel confisca direitos adquiridos dos trabalhadores de longos anos de luta, modificando a concepeao de trabalho que anteriormente dava estabilidade através da carreira, que culminava em prémio como a aposentadoria que permitia no final da sua vida viver com certa dignidade: enfim retira do trabalhador a esperanga de projegdo de um futuro mais prospero. O trabalho foi transformado em “meros blocos”, ou partes de trabalho, ou seja, em trabalhos tempordrios. Nos paises como 0 Brasil isto ¢ 29 mais trégico, além dos contratos temporarios que expropriam os direitos do trabalhador, 0 emprego temporirio inexiste legabmente. O dinamismo imposto pelo capital “impaciente”, assim chamado por Sennett, instiga a fome de mudanga, nao permite a existéncia de fazer as coisas do mesmo jeito que se fazia anos apés anos, denotando o carter a curto prazo das sociedades contempordneas. Contudo, os pilares que davam continuidade ¢ estabilidade ruiram impondo formas imperceptiveis ao longo de um periodo, abrindo espago para um mundo de incertezas gerando ansiedades ¢ medos diante da falta de perspectiva de um destino promissor. Essas questdes acabam determinando emogées do homem contemporaneo Segundo Giddens, 0 dinamismo ¢ inerente a modemidade, dessa maneira as tradigdes esto constantemente sendo convidadas a serem repensadas e redefinidas em todas as esferas do tecido social. Por outro lado, 0 desenvolvimento tecnolégico apresenta solugdes para antigos problemas, mas também cria discussdes em torno de padroes estratificados de comportamento social. As tecnologias reprodutivas, como a fertilizagio in vitro @ os transplantes de embrides, sio um exemplo. O crescimento dessas especialidades deu-se mais em fungdo da dissolugdo dos sistemas familiares tradicionais do que como conseqiiéncia direta de avangos nas tecnologias de contraconcepgao. Vale dizer que os resultados da destradicionalizagdo ¢ do desenvolvimento das tecnologias esto intimamente relacionados. A destradicionalizagao é um segundo tema utilizado por Giddens para a compreensio da sociedade moderna. Isso nao significa o fim da tradigo, mas a reconstrugio de padres condizentes com as demandas que o mundo moderno apresenta. A mutagao esté ocorrendo também em outras esferas, prineipalmente naquelas que afetam diretamente a familia, as comunidades locais e outras areas da vida social cotidiana. A familia é uma das instituigdes que mais sofreu com as rupturas do mundo modemo, Essas esferas encontram-se expostas e submetidas a discussio publica. Isso implica em conseqiiéncias profundas, na medida em que as decisdes do dia-a-dia e a ago social individual tém repercussiio global Como ja foi dito, Giddens destoca fendmenos caracteristicos da modemnidade para as questées do amor, intimidade ¢ natureza para o politico, A andlise passa pela 30 interpretagdo da ago dos individuos, através dos grupos de andnimos e dos movimentos sociais, em fungao da comunicagdo que estimula os individuos 20 exercicio da reflexividade. A globalizagtio segundo 0 autor é a interconexdo entre os dois extremos: 0 da“ xtensionalidade” e da “intencionalidade”, ou seja influéncias globalizantes e, de outro lado, 0 estado de espirito pessoal. Quanto mais as tradigdes perdem espago, ¢ quanto mais reconstitui a vida cotidiana em relagiio a interagio dialética entre o local e global, mais os individuos véem obrigados a negociar opgdes de estilos de vida. Dessa forma, a programaco da vida organizada reflexivamente, constitui numa caracteristica fundamental da auto-identidade. Visto que os grupos de auto-ajuda, denominados de alternatives pela pritica de seu programa e organizagdo, sfo instrumentalizados pela reflexto Essa reflexividade constréi a autobiografia do sujeito em relagio a uma identidade, Na realidade, esses grupos nao apresentam uma agao revolucionéria, nao ultrapassam a questdo do eu. Eles esto buscando a centralidade dos individuos para lidar nei com as consegi inéspitas da modemidade. O que o autor chama a atengio é que cles criam um espago discursivo, no qual se exercitam a reflexividade e, em tltima instancia, a cidadania. 31 2.2 O resgate da solidariedade Giddens, através da andlise sobre as transformagdes da sociedade moderna, aponta a “politica radical” ou “democratizagtio da democracia” para o restabelecimento da solidariedade danificada para reordenar a vida coletiva ¢ individual evitando,assim, a desintegragfio social. Essa politica deve ser capaz de adaptar-se aos limites da modernidade, sob a forma de uma incerteza artificial, que promova uma democracia que possa atender as demandas de uma cidadania reflexiva num mundo globalizado fornecendo meios para gerar solidariedade social. Observa (Giddens, 1996) que a questéio da reconstrugio de solidariedades sociais nao deve ser vista como protegio da coesio social margens de um mercado egoista, mas deve ser entendida como reconciliagdo de autonomia e interdependéncia nas diversas esferas da vida social, inclusive no dominio econdmico. Isto significa que, a reconstrugo das solidariedades s6 pode ocorrer se considerar 0 novo contexto de sociedade reflexiva, isto € levando em considerago que os individuos so nutridos de informagdes que devem set confrontados e constantemente reavaliados num processo assinalado pelo didlogo, porém sem ferir a autonomia individual A solidariedade ampliada em uma sociedade destradicionalizadora depende do que poderia ser chamado confianga ativa, acompanhada de uma renovagio de responsabilidade soc 1 © pessoal em relagio aos outros. A confianga ativa é a confianga que tem que ser conquistada, em vez de vir da efetivagio de posigdes sociais ou de papeis de género. Continuando, (Giddens,1996), é preciso considerar a “politica gerativa” como uma politica de defesa diante dos riscos gerados pelas conseqiiéncias da modernidade. uma politica que liga 0 Estado & mobilizagao social, ou seja, contribui para que os individuos ¢ os grupos atuem na ordem social e politica na solugtio de problemas fazendo com que as coisas acontegam, em vez de esperar atitudes paternalistas do Estado. Para Giddens, a politica gerativa é um dos meios de abordar os problemas da nos lembrar do nosso. pobreza e de exclusio social nos dias de hoje. Essa proposta f querido Betinho que mobilizou todo Brasil com a Campanha Contra Fome, em 1993, tendo como mote a solidariedade. Para a geragdo de novas solidariedades, é fundamental 32 a criago da confianga ativa, no ambito das relagdes pessoais que para estabelecer uma relagdo com alguém € necessario ter confianga nessa pessoa, 0 mesmo ocorre, segundo o autor no aspecto social e politico. Dessa forma institui-se a democracia dialdgica que atua tanto na esfera pessoal quanto nas relagdes sociais. No contexto da vida privada, a democratizagiio implica respeito miituo, autonomia, tomada de decisdo através do didlogo e proteg&o da violéncia. Vale dizer que a “democracia das emog6es” depende da integrag3o entre autonomia ¢ solidariedade. iddens afirma que a confianga ativa é um forte ingrediente de solidariedade, porque os seus pilares sio sustentados pela responsabilidade social e pessoal em relagiio aos outros. Os grupos de auto-ajuda, por intermédio da reflexdo e do didlogo, exercitam a “democracia das emogdes”. Os individuos estabelecem relagdes simétricas, que sto notoriamente observadas na terapia de espelho, em que os membros relatam softimentos, recaidas, sem interferéncia de qualquer pessoa, sem juizo de valores, respeitando a pessoa como cidadao. Nesse momento, ocorre 0 processo de identificagio, que contribui para a reflexiio daquele que sofie pela mesma dor. Ele reconquista a responsabilidade pelos seus atos ¢ recupera a relago com os outros. adquirindo a responsabilidade pelos seus atos ¢ também para com os outros. Olhar para 0 mundo adquire uma dimens&o maior, no passa mais por uma fiesta da porta, mas atinge as miltiplas opgdes que a vida oferece, sem se deixar molestar pelo softimento de determinadas situagées do mundo moderno. Os grupos de auto-ajuda so um exemplo vivo disso, porque trabalham na reconstrugao da identidade cujo programa é voltado para a reciprocidade, oferecendo possibilidades de escolhas para lidar com seu destino a luz da consciéncia. Além disso, esses grupos tém a preoeupagio com as novas geragdes, na medida em que estio sempre enfati, indo que um dos propésitos da irmandade € a transmissao dla mensagem. Giddens cré que essas relagdes podem estar sendo norteadas por meio de didlogo e nao por um poder estigmatizado Essa nova perspectiva envolve uma reflexdo critica com a finalidade de encontrar um consenso de novos contratos para a sociedade como um todo, Essa oposigtio entre os novos sujeitos pode abrit espago para uma nova e prospera etapa da modernidade. “Dentro de uma organizago mais ampla ou em relacionamentos, o individuo precisa ter 33 autonomia material ¢ psicolégica necessdria para entrar em efetiva comunicagiio com os outros. O didlogo, livre do uso da coergiio e ocupando um “espago piiblico”, em ambos os casos, € 0 meio nao sé de resolver as disputas, mas também de criar uma atmosfera de tolerdncia miitua”(Giddens,1996). Na visio de Giddens, essa reflexividade ¢ uma fonte organizadora da ago e da experiéncia da vida social moderna, referente as priticas sociais que so constantemente examinadas & luz de informago transformada sobre essas mesmas praticas, alterando, dessa forma, o seu carater. A politica de estilo de vida implica uma politica de emancipagiio de como deveriamos viver ¢ posicionar-nos diante de uma realidade, na qual aquilo que era determinado pela natureza ou pela tradigdo esta atualmente sujeito a decisdes humanas. Vale dizer uma politica de identidade, de escolha e de reciprocidade. De acordo com Giddens (1996), o agente de transformagao € 0 sujeito dotado de capacidade reflexiva ¢ organizador de suas agdes, reestruturador do sentido do “self” e do “nds” diante das condigdes inéspitas da modernidade, Esse sujeito deve ser capaz de conduzir os resultados de suas agdes de forma reflexiva, Enfim, para Giddens a reflexividade, contribuiu de forma intensiva e extensiva, no processo do resgate da solidariedade na vida cotidiana. 2.3 As relagdes entre identidade cultural e globalizago Com o intuito de incrementar a discussio sobre as identidades fragmentadas, reporto-me ao pensamento de Stuart Hall (1995), que discute a questio da identidade cultural, em suas conexdes com a globalizagaio e a sucesstio de mudangas modeladas pela alta modemidade. Para Hall, os te6ricos que acreditam que as identidades modernas estio ruindo analisam a problematica da seguinte forma: “Um tipo de mudanga estrutural esté transformando as sociedades no final desse séoulo (XX), fragmentando as paisagens culturais de classe, género, sexualidade, etnicidade, raga e nacionalidade, que nos deram localizagdes sélidas como individuos sociais” (Hall, 1995). Essas transformagdes esto também modificando nossas _identidades _pessoais, enfraquecendo 0 proprio sentido de nds enquanto sujeitos integrados. Essa perda do “sentido de sei’ € algumas vezes chamada de deslocamento ou descentramento do sujeito, Esse conjunto de deslocamentos duplos ~ descentrando individuos tanto do seu lugar no mundo cultural e social, quanto de si mesmos ~ consiste em “crise de identidade” para o individuo. Essa crit c & provocada pelo deslocamento das estruturas e dos processos centrais das sociedades moderas, que esto enfraquecendo os suportes que do aos individuos um lugar estvel no mundo. Esse tipo de mudanga estrutural distinta abre espago a novas identidades, fragmentando 0 individuo moderno como um sujeito unificado. Essa crise desencadeia “a perda de um sentido do se/f’, deslocando 0 sujeito tanto do mundo cultural e social como de si mesmo. Hall (1995) assinala que a natureza das mudangas estruturais da alta modernidade se deve ao impacto da globalizagdo, “a globalizago refere-se aqueles processos que, operando em uma escala global, atravessam fronteiras nacionais, integram ¢ conectam comunidades ¢ organizagdes em novas combinagdes de espago-tempo, tomando o mundo, em realidade e em experiéneia, mais interconectado”. (Hall, 1995, p. 51) As caractel ticas mais mareantes, dentre outras da globalizagdo, que atingem duramente as identidades culturais so as caracteristicas temporais ¢ espaciais. 35 “As pessoas em cidades pequenas e aparentemente remotas, de paises pobres do “terceiro mundo” podem receber na privacidade de suas casas as mensagens ¢ imagens das ricas culturas de consumo do Ocidente, abastecidas através de seus aparelhos de TV ou radios, que ligam a “aldeia global” das novas redes de comunicagao. Jeans ¢ moletons ~ 0 “uniforme” dos jovens na cultura jovem Ocidental — so tao onipresentes no Sudeste Asiatico quanto na Europa ou nos Estados Unidos, nao somente em fungao do crescimento do marketing mundial da imagem do consumidor jovem, mas porque eles so na verdade, produzidos em Taiwan, Hong Kong, ou Coréia do Sul para lojas de Nova York, Los Angeles, Londres ou Roma”. (Hall, 1995) Na visio de Hall, a midia eletronica exeree um papel essencial e central, permeado pelo marketing global que atua diretamente no universo da atividade social. Quanto mais esse fato se intensifica mais as identidades tornam-se separiveis. Dessa forma, reproduz uma desconexdo de tempos, lugares, historias e tradigdes especificas fragmentando as identidades.O contato com diferentes identidades, cada uma nos atraindo, ou antes, atraindo diferentes partes de nés, a partir das quais parece possivel fazer escolhas. Visto que a disseminagdo do consumismo e os fluxos entre nagdes geraram 0 efeito de “supermercado cultural” criando “identidades compartilhadas”, na medida em que sio consumidoras das mesmas mercadorias, “clientes” dos mesmos servigos, fanciadas uma das audiéne’ das mesmas mensagens ¢ ou imagens, pessoas que estio di: outras em tempo € espago, Isso nao quer dizer que a globalizagao aniquila as identidades e “locais” nacionais. £ possivel que ela produza, paralelamente, identificagdes “ globais novas. Hall atribui a esse fendmeno de homogeneizago cultural. Isso gera ainda. maior desigualdade entre as nagdes Para o autor as identidades permanecem intactas, no que diz respeito a direitos legais e de cidadania, todavia as identidades locais, regionais ¢ comunitarias tém se tomado mais significativa 36 Nesse contexto, 0 consumo mercantilizado demonstra que os pobres estio completamente excluidos da possibilidade de escother estilos de vida, O problema de classe e desigualdade dentro de estados ou em nivel global afasta qualquer possibilidade de emancipagdo, as instituigdes modernas a0 mesmo tempo criam mecanismos de supressio e nao de realizagao do eu. Ou seja, a globalizagio produz diferenga, exclusdo marginalizacao. Em sintese, a globalizagao herda uma estrutura de divisio. No debate entre os autores que se debrugaram sobre 0 tema (fatores sociais e proliferagdo dos grupos de auto-ajuda), & undnime que a as relagdes entre os paises sio desiguais, trazendo conseqiiéncias como a exclusio ¢ o aumento da distincia entre paises ricos ¢ pobres. Stuart Hall (1995) vé © fendmeno da globalizagio como paradoxal contraditério. De um lado, dissolve as fronteiras que separavam os homens, aproximando de mereadorias e encurtando as distincias entre os paises ¢ sociedades; de outro, provoca a fragmentagio das paisagens culturais e sociais, de género, sexualidade, etnicidade, raga e nacionalidade que nos deram localizagées sélidas como individuos soci A modemidade mexe com a nogo usual de espago e de tempo, ao formar relagdes entre ausentes, distantes de qualquer condigdo de integragiio face a face. O mundo esta envolvido por uma gama de transformag6es que afetam nossa compreensio de identidade e de subjetividade, enfraquecendo o sentido de nés mesmos enquanto individuos integrados. Essa identidade que perde o “sentido do self” & algumas vezes chamada de deslocamento ou “ descentramento” do sujeito.(Hall,1995) Hall dé énfase & questdo do sujeito para esclarecer a consisténcia da crise de identidade pela qual passam as sociedades modernas. O autor discute o conceito do sujeito modemo por meio de trés mutagdes: sujeito cartesiano, sujeito sociologico ¢, por ltimo, sujeito pos-modemo. Ab ia do sujeito moderno resulta de uma acumulago de experiéncias historicas sucessivas. Isso denota que o individuo percorre um processo evolucionista, segundo Louis Dumont (1985). Nesse sentido, o autor se aproxima do pensamento de 37 Hall, que afirma que as identidades so construidas através de processos cumutativos a0 longo de experigncias histricas sucessivas, Por outro lado, segundo Milton Santos (2002 ‘ preciso encontrar um caminho que nos liberte da maldigao da globalizagiio perversa que estamos vivendo ¢ que nos aproxime da possibilidade de construir uma outra globalizagtio capaz de restaurar 0 homem na sua dignidade”. 38 2.4 Diferentes concepgdes do sujeito moderno Segundo Hall (1995), “a emergéncia de nogdes de individualidade” pode estar relacionada a ruptura das ordens social, econdmica e religiosa medievais. Somente apos essas rupturas & que novas formas de andlise postularam o individuo como entidade substantiva, na qual surgiram outras categorias, em particular categorias coletivas. Hall retine dois significados distintos para o sujeito cartesiano ou iluminista. De um lado, 0 sujeito é “indivisivel” — uma entidade unificada no interior de si mesma, que jo pode ser posteriormente dividida, De outro lado, ele é também uma entidade “singular, distintiva, tinica”. Esse sujeito data o seu nascimento dos primérdios da modemidade ¢ foi caracterizado como sujeito com capacidades humanas fixas e um sentido de identidade. Essa concep¢ao integrou a humanizagao do individuo, dos direitos ea participagdo na politica, Surgia entdo o que é essencial na figura do individuo. O sujeito visto do ponto de vista sociolégico revela a complexidade do mundo modemo ¢ a evolugdo da consciéncia. O centro interior do sujeito nao era to auténomo e auto-suficiente, mas constituido a partir de “outros significados”, que 0 norteavam: valores, sentidos, simbolos; enfim, 0 meio em que habitava. Hall menciona os interacionistas simbélicos (a exemplo de G.H Mead e C. H Cooley), adeptos dessa concepeao interativa de identidade e de selfna sociologia. O sujeito dentro des concepgao faz a ligagao entre 0 “interior” eo exterior — 0 privado e o ptblico. A medida que nos projetamos nas identidades culturais, simultaneamente incorporamos significados ¢ valores, compondo parte de nés mesmos e isso nos ajuda a formar nossos sentimentos subjetivos com lugares objetivos no mundo social e cultural. Essas so as duas formas de pensar o sujeito modero, como nucleo articulador do sentido de agio social, detentor de uma identidade fixa e possuidor de uma identidade tendo referéncia segura. Com base nesse processo, Hall (1995) infere a concepgao de sujeito pos-moderno, concebido como sendo isento de identidade fixa, permanente ou essencial. A identidade tomou-se uma “festa mével”, formada e fragmentada, um processo de transformagio 39 continuo em relagdo as maneiras pelas quais somos representados ¢ tratados nos sistemas culturais que nos circundam.As identidades tornaram-se fragmentadas. O sujeito pés-modemo é detentor de uma multiplicidade de identidades, algumas yeres contraditérias mal resolvidas. As nossas paisagens extemas, que sustentavam a nossa resignagdio subjetiva com as “necessidades” objetivas da cultura esto ruindo, como resultado de uma mudanga estrutural e institucional: “O sujeito assume identidades diferentes, em momentos diversos, identificagdes que nfo estdo unificadas em tomo de um self eoerente. Dentro de nés, coexistem identidades contraditérias, pressionando em diregdes diversas, de modo que nossas identificagdes esto sendo continuamente mudadas.” (Hall, 1995) 40 2.5 Duas discussées acerca da identidade A aproximagio entre os autores Giddens (1991) e Hall (1995) nos permite enfrentar melhor duas discuss6es. Ao refletir sobre 0 comportamento do homem na alta modemidade, Giddens apoia-se nos complexos processos de mudangas ripidas continuas que caracterizam a modemidade. Esses processos, que se intensificaram ao longo do tempo, produzem efeitos diretos nas identidades culturais interferindo na forma de pensar, sentir, nos habitos, sendo denominados como fendmenos da globalizagao. Removem, enfim, todo 0 sentido de estar no mundo, todo estilo de vida e de conhecimento se alteram em fungéio dessas mudangas estruturais que a propria modemidade produz. Como ja foi mencionado, segundo Giddens, a comunicagao instanténea atinge todos os cantos do mundo, tornando os individuos cada vez mais informados sobre esse mundo que os cerca, Essa reflexividade, toma-se uma fonte organizadora das experiéncias sociais do cotidiano. Nesse turbilhdo de referéncias novas, o pensamento de Giddens(1996) aponta para um sujeito dotado de capacidade de apreender a realidade de modo consciente, sensivel, organizado e direcionado para lidar com as conseqtiéncias da moderidade. Enfim, um sujeito que possui condiges de gerar altemativas baseadas em agdes conscientes, objetivando a transformagdo da sociedade em sociedades mais democraticas, que atendam as demandas desse mundo conturbado. Essas agdes nfio podem perder de vista a solidariedade. Stuart Hall (1995), assim como Giddens (1996), também cré nos efeitos da globalizagao sobre as identidades. Hall (1995) parte do pressuposto de que a identidade & formada muito em fungio de como o sujeito é tratado ao longo de sua existéncia. A identificagao nao € algo que ocorre automaticamente. Ela pode ser perdida ou ganha; ou seja, na medida em que os sistemas de significado e representag3o cultural multiplicam- se, deparamos com uma multiplicidade de identidades prolixas, hibridas e fluidas, podemos nos identificar com cada uma delas. Dentro dessa trajetéria, Hall afirma que podemos falar de identificagao e nfo de identidade, Segundo esse autor, 0 sujeito pos modemo est em continua desconstrugio. 41 Como caracterizar o homem das grandes cidades, que hoje atua nos grupos de auto-ajuda, mas nao sé neles? Tra se de um sujeito ancorado na reflexividade perturbado pela alta modernidade como quer Giddens? Ou de que forma, no seu fazer situa-se 0 sujeito pés- modemo, dotado de identidades fragmentadas inacabadas como quer Stuart Hall? Como € possivel fazer uma caracterizagtio das pessoas que participam dos grupos de auto-ajuda? Deve-se pensar que se trata de um sujeito que esta perturbado, mas é capaz de se reorganizar na reflexividade através desses grupos, ou deve-se pensar que se trata de identidades miltiplas e inacabadas? Ambas sao possibilidades plausiveis, j4 que hos grupos encontrei um operario, negro, aleodlatra, gay, drogado, compulsivo sexual ¢ neurético e uma mulher negra, lésbica, compulsiva sexual ¢ aleodlatra, que ainda atua em associagées que promovem a participagao politica. Ao mesmo tempo que possuem miiltiplas identidades, participam de varios grupos de auto-ajuda, os sujeitos também estao exercendo uma reflexividade como Giddens propoe. Apesar de Giddens e Hall discordarem entre si, possivel trabalhar com as duas hipoteses, tanto a do sujeito pos-modemo detentor de miiltiplas identidades inacabadas como propée Hall, como a idéia do sujeito ancorado na reflexividade, como propoe Giddens 42 3. GRUPOS DE AUTO-AJUDA NO BRASIL 3.1 O que so grupos de auto-ajuda “Se vocé quer se curar, o problema é nosso. Se vocé niio quer se curar, o problema é seu”, Os grupos de auto-ajuda sao formados por pessoas que se retinem na tentativa de buscar apoio para superar vicios ¢ comportamentos compulsivos, que de alguma forma as conduziram ao “fundo do pogo” ~ essa expressao é costumeiramente usada por membros de grupos ~, causando nio somente a destruigdio de suas vidas como as de seus familiares ¢ das pessoas de seu convivio diario. As condigdes para participar como membros desses grupos sio prineipalmente: 0 desejo de se recuperar da doenga e o dever de manter 0 anonimato no grupo. Esses ¢ outros requisitos constam, geralmente, em material impresso, produzido pelos préprios grupos. Os grupos de auto-ajuda mantém-se exclusivamente por meio de contribuigdes espontineas de seus membros, em geral arrecadadas em uma sacola durante as reunides. Hé reunides abertas, fechadas, de estudo e de servigos. Nas reunides abertas, sfo accitas as participagdes dos que se consideram doentes © desejam ajuda e dos que, mesmo nao se reconhecendo como tal, mostrem-se interessados em conhecer o tratamento. Jéas reunides fechadas sio destinadas & pessoas que ja se consideram portadoras de doenga ¢ assumem sua impoténcia diante dela. Sdo realizadas, ainda, reunides de estudo, em que os membros dedicam-se a compreender melhor o programa do grupo em que estio inseridos. Nesse tipo de encontro, sdo trocadas idéias e experiéncias em torn de um tema escolhido. Das reunides de servigo participam os que ajudam 0 grupo no desempenho de varias tarefas, como a de tesoureiro, por exemplo. Se, porventura, as despesas estiverem quitadas naquele més e se sobrou di hheiro, este é enviado para ajudar outras irmandades mais carentes. Consideram-se reunides piiblieas aquelas em que sto realizadas comemoragdes de aniversdrio do grupo ou de alguma outra data de relevaneia particular. Esses eventos t8m por finalidade, sobretudo, transmitir a 43 mensagem dos grupos de auto-ajuda, Freqiientemente, ocorrem depoimentos de pessoas que se consideram recuperadas ou estio em processo de recuperagao. E mediante seus relatos que se observa a eficdcia do programa. Nesse tipo de encontro, sio convidadas pessoas que de alguma maneira mostram-se interessadas nesse tipo de trabalho, tais como médicos, psicélogos, assistentes sociai s, religiosos, autoridades piblicas. Periodicamente, também séo realizadas reunides intermunicipais, nas quais cada irmandade se propée a ajudar outras com apoio financeiro, para garantir 0 desenvolvimento dessa ou outra entidade de mesma natureza. Além de reunides, so promovidos congressos de ambito estadual, nacional e até intemacional, estabelecendo-se assim um intercdmbio de experiéncias, principalmente com os paises latino-americanos ¢ Estados Unidos Dessa forma, o objetivo principal desses grupos ¢ transmitir uma mensagem de conforto aos participantes. Os companheiros que se consideram recuperados ou em recuperagdo ajudam aqueles que ainda se encontram em sofrimento. Um dos lemas dos grupos de auto-ajuda sintetiza esse processo de ajuda miitua: “Se vocé no quer se curar, o problema é seu. Se voce quer se curar, o problema é nosso”. No que se refere ao conteiido dos programas de auto-ajuda, os grupos sio orientados pelas sugesties das publicagées Doze Passos ¢ Doze Tradigse: que visam manter 0 grupo unido e fiel ao seu propésito primordial e agindo sempre em harmonia com os prineipios e a filosofia propostos. Em Doze Passos estio contidos os prin '$ pontos a serem observados para a aplicagao do programa de recuperagao, explicitando a consciéncia da doenga, bem como as formas existentes de controle, Esses doze passos oferecem a forga espiritual, a crenga na existéncia de um poder superior que ajuca no controle da compulsdo, atuando diretamente na tecuperagao da doenga. As Doze Tradigées trazem 0 ideario, os principios fundamentais das irmandades. 44 3.2 A origem dos grupos de auto-ajuda Na origem dos grupos de auto-ajuda esté a irmandade Alcodlatras Anénimos (AA), fundada em 1935, em Akron, nos Estados Unidos. Seus fundadores foram dois alcodlatras, Bill, corretor da bolsa de valores de Nova lorque, e Dr. Bob. Segundo a publicagtio Aleodlicos Anénimos atinge a maioridade — uma breve historia do AA, 1957, Bill bavia encontrado um amigo também alcodlatra que the mostrou o caminho da recuperacao do alcoolismo através da religidio. Nesse encontro, Bill aceitou o “caminho religioso” ¢ entregou-se a um tratamento jd na perspectiva de que existia um Deus na sua vida, Passando por uma experiéncia espiritual ¢ reconhecendo também os erros cometidos, passou a experimentar fortes sentimentos de triunfo, paz ¢ serenidade. Comegou a trabalhar para que outros alcodlatras se beneficiassem da descoberta; percebeu que ao falar para outros alcodlicos “sentia-se vitalizado”, conseguindo manter-se s6brio. Certa ocasido, estando em Akron, Bill estava ansioso por ajudar um aleoslatta, havia sido tratado pelo Dr. Bob. Encontrando-se, Bill e Bob resolveram fundar uma organizagdo baseada na teoria de que somente um aleoélatra poderia ajudar outro alcodlatra. Desde 0 seu nascimento, 0 AA é reconhecido como um dos mais eficientes programas de recuperagéo. Estima-se que 2,8 milhdes de alcodlicos beneficiaram-se dessa entidade. Sao aproximadamente 93 mil grupos, espalhados por 136 paises. No Brasil, 0 movimento, surgiu em 1947 ¢ hoje existem aproximadamente 5.700 grupos de AA, com 120.000 freqiientadores*, Com 0 desenvolvimento do AA ¢ a constatagaio de que o alcoolismo é um mal que atinge nao s6 0 alcodlatra, mas também sua familia, criou-se 0 Alanon, que envolve os familiares de Alcodlatras Anénimos; e 0 Alateen, destinado a filhos de aleodlatras. Ambas so definidas como irmandades paralelas. Para se ter uma idéia da importincia desse grupo, destaca-se um levantamento feito no inicio dos anos de 1990, em Sao Paulo (SP), Porto Alegre (RS) ¢ Brasilia (DF), * Dados coletados pelo AA em 2000. 45 que estimou que 15% de habitantes sao alcodlatras no Brasil, 0 que equivale a cerca de 30 milhdes de pessoas. Segundo dados dessa pesquisa, 42% a 50% das interna hospitalares sio decorrentes do alcoolismo. Além disso, os trabalhadores envolvidos com © Aleool faltam em média quatro vezes mais do que aqueles que no costumam beber. Constatou-se, também, que ocorrem oito vezes mais atrasos e quatro vezes mais acidentes de trabalho e que produtividade do dependente de dicool cai em média 20%, Em Curitiba (PR), 40% das separagdes de casais tem como causa 0 alcoolismo — na Delegacia da Mulher de Curitiba, 87% das queixas por espancamentos sio por maridos bébados. As mulheres também aparecem de forma relevante nas estatisticas. Dentre as pessoas que procuram ajuda no pafs, 30% siio mulheres. Segundo 0 Ministério Mundial de Satide, problemas ligados ao alcoolismo so a terceira causa das mortes no mundo, atrés de doengas no coragio ¢ do cancer (Folha de 8. Paulo, Cademo Mais, 1998). Diante dessa realidade, o presidente nacional do AA, o psiquiatra Luiz Renato Carazzani, afirma que o aleoolismo & uma doenga progressiva, crénica ¢ fatal, mas que pode ser interrompida, se a pessoa parar de beber. Com © sucesso do programa no controle do alcoolismo, a irmandade-mie desencadeou, nos tiltimos 60 anos, outros grupos de diversas naturezas, que atuam em conformidade com os principios do AA. Podem ser citadas as seguintes irmandades: NA (Neuréticos Anénimos), NA (Nareéticos Andnimos), Nar-Anon (para familiares ¢ amigos de dependentes de drogas), Devedores Anénimos, Adictos de Agticar Anénimos, JA (logadores Compulsivos Anénimos), CA (Comedores Compulsivos Andnimos), Mada (Mulheres que Amam Demais) Dasa (Dependentes de Amor ¢ Sexo), FA (Fumantes Anénimos), Coda (Codependentes Anénimos), LA (Introvertidos Andnimos), Aidéticos Anénimos, VI (Vitimas de Incesto), PA (Psicéticos Anénimos) e DCA (Devedores mpulsivos Andnimos). Psicéticos Anénimos (PAs) recebe coordenagao do Projeto Fénix (Associagaio Nacional Pr6-Satide Mental) para coneretizagao do funcionamento ¢ expansio dos grupos. E fundamental a participagdo do envolvimento de profissionais da satide mental, de familiares e portadores de doengas mentais. Além disso, 0 Projeto Fénix funciona 46

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