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Graca Gratna CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL ——pigitatizauu Con Calnicanner contrapontos da literatura indlgena contemporineano Brasil Copyright ©2013 by Graca Gradina Todos os direitos reservados Revisio Lourdes Nascimento capa ‘illo Olivera sobre ilutracéo Veruschka Guerra Projeto grificoe diagramagso ‘Anderson Luizes -Casadecaba Design ellustragdo [MAZZA EDICOES LTDA, Rua Braganca, 101~Pompela '20280-410 Belo Horizonte - MG Telefax: +5531 2481-0591 edmazza@uaicombr wor mazzaedicoes.com.br_ ee Re Ro errs Graina, raga. Contrapontos da lteratura in ee igena contempordnea no Brasil/ Belo Horizonte: Mazza Edigdes, 2013, 200 p.;16x23¢m 'sa 8-85-7160-591-6 1. Literatura indigena~ Bra i ‘ rate 7 indlgena- Brasil 2 Literatura ndigena —Histéra cra, VigitauZauy Curl! Canacariner ungnaucauy Cun Laniocanne! INICIAGOES LITERATURA INDIGENA: CONCEITOS E OUTRAS QUESTOES EM ABERTO A literatura ind{gena continua se perguntando: em quanto tempo pas- sam mais de 500 anos? Identidades, utopia, cumplicidade, esperanca, resisténcia, desloca- mento, transculturagéo, mito, histéria, diaspora e outras palavras andantes! configuram alguns termos (possiveis) para designar, @ priori, a existéncia da literatura indigena contemporanea no Brasil, até onde pudermos apurar os (des)entendimentos dos) termo(s), como ditia Acizelo de Souza ao questio- nar que disciplina estuda as manifestagées literdrias, Gerando a sua prépria teoria, a literatura escrita dos povos indfgenas - no Brasil pede que se leiam as varias faces de sua transversalidade, a comegar — pela estreita relagio que mantém com a literatura de tradicao oral, com a _ historia de outras nagées exclutdas (as nagdes afticanas, por exemplo), com - a mescla cultural e outros aspectos fronteirigos que se manifestam na litera- _ tura estrangeira ¢, acentuadamente, no cenério da literatura nacional, Como " distinguir as especificidades da literatura indigena em meio a0 processo de transculturagéo? Como reconhecer a existéncia dessa literatura, em meio a tantos “apagamentos”? Quais os pontos de confluéncia entre os diferentes sa- betes sagrados dos povos indigenas no Brasil ou em Québec, no Paraguai ou no México, na Guatemala ou no Chile, no Peru ou na Bolivia, levando em conta o proceso de hifenizagao? Esse questionamento é um convite para repensar “a utopia em seu sen- tido antropolégico como toda possibilidade de sonhar um mundo melhor, todo projeto coletivo, toda idéia que dé sentido a vida e 3s suas expressdes cotidianas”, como diz Luciana Tamagno (1999, p. 12). Esse convite deve es- tender-se também a teoria da literatura, levando em conta que a literatura _indigena ainda é pouco estudada €Mm seu aspecto contemporaneo e, particu. © a literatura indigena é tratada no Brasil. ‘A quem interessar possa entrar nessa luta, os manifestos literérios de Potiguara se transformam em convite, para que nos tornemos “multiplicado- res de idéias que marcam a sua passagem no planeta TERRA ¢ que buscam 2 contribuir para o avanco da cultura da paz, da ética, do amor, numa grande = corrente transformadora de idéias”.§ Tecendo seu proprio relato, respeitando as diferengas, salvaguardando a Mae-Terra, os escritores indigenas avancam a cada pagina — pelo prazer do texto que implica também uma literatura de Unnos Combate, como sugere a poesia de Eliane Potiguara, no blog Literatura indige- ‘ na: um pensamento brasileiro. Nesse sentido ela expée sua indignacio: Dhonatiraad ae corral © paternalismo vé nas historias ¢ cultura indigenas, um objeto de estudo antropoldgico e nunca literdrio, politico ou até mesmo, piritual, caso o pensamento parta de um lider espiritual. E todos nés sabemos que paternalismo é uma forma sutil de racismo ¢ eT der. Observem quando vocés usam sua paternidade ou maternidadé sae ee Le a : vel “CE. depoimento pessoal de Eliane Potigura, Literatura indigena: um pensamento brasileiro: Dis em: . Acesso em: 12 jun. 2002, 22 VigitauZauy CUI Caliidcarnier INICIAGOES Pata aplicar o pater/maternalismo, Seus filhos tornam-se mimados © crrantes... Seu poder oprime o educando e em breve ele vai se revelar, B assim que a ciéncia tem tratado a esséncia e a filosofia indigenas (POTIGUARA, 2002) A questéo da especificidade da literatura indligena no Brasil implica - um conjunto de vozes entre as quais o(a) autor(a) procura testemunhar a sua - yivéncia € transmitir “de meméria” as histdrias contadas pelos mais velhos, - embora muitos vezes se veja diferente aos olhos do outro, Nesse sentido, a escritora indigena Darlene Taukane (1999, p. 17) fala da experiéncia que foi co seu deslocamento da aldeia para completar os estudos na cidade, levando-a mais tarde a transformar em livro a histéria do seu proprio povo, os Kura -Bakairi (MT): “quando senti que tinha firmeza em reproduzir e transformar de meméria aquilo que ouvia [dos mais velhos], pude entio sair € conversar com outras pessoas”. Essa percep¢aio da meméria, da auto-histéria e da alteri- dade configura um dos aspectos intensificadores do pensamento indigena na atualidade. Observamos, na auto-histéria de Taukane, que a nogio de deslo- camento nao constitui um ato voluntirio, Nesse sentido, ela comenta: Foram varios os momentos em que me vi diante dos outros e senti necessidade de auto-afirmaco. Senti necessidade de ser ouvida, de que acreditassem e conhecessem a riqueza tio vasta de uma cultura indigena, Talvez tena sido a minha meta, de que os povos indige- nas falem por eles mesmos (TAUKANE, 1999, p. 18). Essas observacées permitem identificar algumas caracteristicas da lite- ratura indigena que, a priori, sugerem problematizagées associadas aos seis temas transyersais que foram escolhidos ¢ elaborados pelos professores indi- genas ¢ seus consultores para o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indigenas (RCNED) e reiterados no Caderno de apresentagdo (2002), um docu- mento complementar do RCNEL, de 1998. Sio cles: 1) Tetra ¢ conservagio da biodiversidade; 2) Autossustentacao; 3) Direitos, lutas e movimentos; 4) Erica; 5) Pluralidade cultural; 6) Satide ¢ eucagao. As implicagdes em torno eee AD Idem, 23 VigitauZauy LUI! Calidcainiel CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL dessa tematica permitem compreender o aspecto da auto-historia e a sua rela. gio com a oralidade e a escrita, entre outras quest6es identitarias que emanam da literatura contempordnea de autoria indigena, Parece evidente que a discussio em torno da literatura indigena no Brasil esté apenas comecando, embora duvidem também de sua existéncia, alegando que essa expressio literdria s6 existe se a cultura de seus autores for “baseada unicamente [e obrigatoriamente] na existéncia do livro [‘branco] ta como o conhecemos na atualidade” (CAPRILES, 1987, p. 5). 24 VigitauZauy LUI Caiiacaninler ungnaueauy Cun Canova 3. Diaspora indigena Somos fecundas. Somos mulheres que véo parir a vida, quando a morte vos alcancar. Nés somos a multiplicagéo das lutas como a terra multiplica o cereal planrado. Somos a raiz da esperanga. (Ana da Luz Fortes do Nascimento, india Kaingang) 3.1 A POETICA DO EXiLIO EM ELIANE POTIGUARA 3.1.1 Etnia e sintese biobibliografica Os Potiguara © nome Potiguara, de origem Tupi, significa “comedores ou catado- res de camario”. No século XVI, esse povo habitava o litoral do Nordeste brasileiro, mas em contato com 0 mundo dos “brancos” veio a didspora ¢ os Potiguara se dispersaram entre o Cearé, Paraiba e Rio Grande do Norte ¢ ou- tios estados brasileiros, Hoje, grande parte dos remanescentes (cerca de 7 mil pessoas) sobrevive nas 22 aldeias nos municipios Bafa da Traigio, Marcacio ¢ Rio Tinto, na Paraiba. Na histéria desse povo, a luta das mulheres € enfatizada Nos livros de Eliane Potiguara, A autora vive, atualmente, no Rio de Janeiro, ~~ Consta dos relatérios jesuitas que “os portugueses ¢ os mamelucos de Sio Paulo tinham assassinado, em 130 anos, 2 milhées de indios guarani nas bacias do rios Parand, Paraguai ¢ Uruguai. Muitos desses indigenas vieram capturados para Séo Paulo, 0 Rio de Janeiro e até o Nordeste brasileiro” 95 uh, oa VigitauZauy LUI Caiacarnier urge CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL. (POTIGUARA, 2002 p. 219). Com o processo da colonizacio, 0 contats com 0 idioma Tupi foi desaparecendo; mas, no “resgate étnico”, dezenas de professores indigenas vém recebendo orientacao de Eduardo Navarro, professor de Tupi, na Universidade de Sao Paulo (USP). De acordo com o sey projeto, “serdo feitas cartilhas para as criangas que vio aprender 0 tupi antigg um centro cultural de documentacig da Itngua tupi [...] enxertaremos o tupi em [. resgatando os textos do século 16”. junto com o portugués. Faremos manifestagbes sociais, (, Rio de Janeiro e Pernambuco figuram também entre outros lugares nos quais a memoria Potiguar permanece viva. No Rio Grande do Norte e na. “Paraiba, os descendentes mostram-se atentos aos costumes ¢ as tradicées iden- titdrias como demonstracdo de luta e resisténcia contra o massacre cultural, © preconceito e a discrimina¢4o que desalojaram os Potiguara de suas terras, Na Parafba, os Potiguara sobrevivem da agricultura (feijao, mandioca, inha- me, milho), em meio a dificuldade de transportar e vender seus produtos nas cidades. Na visao dos pesquisadores Frans Moonen e Luciano Maia (1992, p. 13), os Potiguara “em nada diferem dos outros brasileiros da regio”; pois falam a lingua portuguesa, jogam futebol e alguns possuem diplomas univer- sitarios. Mas isso no quer dizer que deixaram de ser indios. Sintese biobibliogrdfica No campo da literatura indigena escrita por mulheres no Brasil, o nome de Eliane Potiguara (Eliane Lima dos Santos) se destaca em muitos aspectos: escritora, professora formada em Educacdo e Letras, conselheira da Funda- so Palmares, membro da organizacao internacional ASHOKA. Em 1988, _¢la foi escolhida pelo Conselho das Mulheres do Brasil como uma das “De Mulheres do Ano”, pela ctiaco do GRUMIN: atual Rede de Comunicagio ~_Tndigena sobre Género e Direitos, isto é a primeira organizagao de mulheres ind{genas no pais, voltada para a educagio ea integragdo da mulher indigen* — °.CE NAVARRO, Um “homem branco”ensi ‘ Be Nwan sate eA branco” ensina Tupi aos fndios do Brasil. Entrevista no formal Tarde 80? 12 nov. 2000, testadao.com,br/suplementos/domi/2000/11/12/domi013.hienl> Ae 96 VigitauZauy CUI Caidcarnier DIASPORA INDIGENA gos processes social, politico ¢ econdmico, Na mesma época, Eliane Potiguara ariipon a claboracio da Constituigao Brasileira. Com 0 livto A terra é a mée do indio, esctito em 1989, a autora foi pre- sriada pelo PEN CLUB da Inglaterra, no final de 1992. Nesse perfodo, Eliane Potiguara € 0 jornalista Caco Barcelos, autor de Rota 66, foram “citados na lis- tados ‘marcados para morrer’, anunciados no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisao, para todo o Brasil, por terem denunciado esquemas duvidosos eviolacdo dos direitos humanos”.* A primeira edigéo dese livro foi apoiada pelo Programa de Combate ao Racismo (Conselho Mundial de Igrejas) com sede em Genebra. A segunda edicao foi apoiada pela Pontificia Universidade Catdlica de Minas Gerais. Traduzida para o inglés, a obra foi assunto de dis- sertagbes de mestrado na india e nos EUA, com o tema voltado a “ecocritica”, especificamente 0 “ecofeminismo”. Em 1994, ela escreveu Akajutibiré: terra do indio potiguara: um livro de suporte para alfabetizagio de adultos e criangas indigenas. A publicagio contou com o apoio da UNESCO, érgio das Nagées Unidas para a Educa- cdo. Eliane criou o Jornal do GRUMIN ea sktie de Cadernos Conscientizadores, textos técnicos, especificos a discussées ¢ debates sobre direitos indigenas. O livto Metade cara, metade mascara ou “Historias nao contadas de mulheres indi- ‘genas”, de sua autoria, foi parcialmente disponibilizado na Internet, na pagina “Literatura indigena: um pensamento brasileiro”, junto ao GRUMIN. No campo virtual, a autora também modera esse grupo de didlogo em torno da literatura indigena. Fundado em 1986, em meio a uma assembleia indigena potiguara, na Paraiba, o GRUMIN conta aproximadamente com 41 mem- bros (escritores(as) indigenas e afrodescendentes). Entre 31 de agosto ¢ 7 de setembro de 2001, em Durban (Africa do Sul), Potiguara atuou na ITI Conferéncia Mundial contra o Racismo, Dis- ctiminagio Racial, Xenofobia ¢ Intolerancias Correlatas. Seu manifesto em torno dessa Conferéncia consta da Revista de Estudos Feministas, publicada Pela Universidade de Santa Catarina, em 2002, ee ae GRUMIN. Dispontvel em: , Acesso em: 20 out. 2. 97 VigitauZauy LUI Caricarmier ‘CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL 3.1.2 Andlise Pensar a poesia em Eliane Potiguara é reconhecer a construgao da dig renga, pois trata-se de uma poesia em que a identidade literdtia se - luz das tradig6es; como quer a voz da enunclagio indigena (seja em “ha “contagio de histdiias”). Nesse percurso, a ligagdo com 0 tral) faz a diferenca; reafirmando por meio da poesia a busca ‘Pfocesso em que a polifonia de vozes remete & questéo do identidade/alteridade ¢ “auto-hist6ria”. A propésito da nogéo de lugar e an. “ cestralidade, a contribuigéo de Laura Cavalcanti Padilha (1995) é um convite ao aprofundamento das nossas ideias acerca da literatura indigena conte rinea no Brasil. onst g Vetso oy Passado (ances. identitéria nse Tagatenilage mpo- A questio da identidade na poesia amerindia também jé foi discutids Por Anita Moens (1999), em seu estudo da literatura dos povos indigenas localizados no Chile, especificamente a poesia mapuche. Nesse trabalho, 2 contribuigéo de Moens acerca da tematica, das problematizacées, das cats. teristicas € outros aspectos da poesia mapuche e a contribuigio de Padilha ¢ outros estudiosos configuram fontes de inspiracéo para tecermos uma andlise € uma interpretacao da poesia de Eliane Potigura. Metade cara, metade mdscara é um espa ‘Teva, de imediato, a uma reflexao acerca de s “historia, entreo agi “coletivo € outros elementos caracterizadores da obra literaria. Nesse campo dé “multssignificacio, estabelece-se o cardter emblemdtico que vem do proprio titulo do livro, como alusao A identidade. Um sinal, uma marca identitaria cor de jenipapo, uma razio de ser: signo/sinal, razio postica e social. Esse presst posto pode ser associado ao sinal que a indigena escritora Eliane Potiguara traz no Jado direito do rosto, de nascenca, de plurissignificagao que nos Aprépria Eliane Potiguara comenta® o que ouvira de Jodo Batista Faus- tino, um anciéo potiguar, em 1979. Em alusao ao sinal, ele (na época, um cacique) dissera que a pessoa portadora dessa marca tem uma missio especil € que 0 Povo Potiguara estava esperando (naquela época) uma pessoa com ¢ss* ae ain caer ® Depoimento pessoal, por e-mail: , ‘em 13 nov. 2002. 98 VigitauZauy CUI Caliidcarnmier DIASPORA INDIGENA parca de ancestralidade. A explicacao de Joao Faustino implica uma cosmo- visto logica da ancestralidade, pelo vinculo que ele — filho da Terra — mantém com as leis que regem a natureza, sem desprender-se da realidade que 0 cerca. a vivencia/vidéncia de Eliane Potiguara traduz sua luta em defesa da “Pro- riedade Intelectual: 0 Pensamento Indigena, seja oral ou escrito”, enfatiza a 1 Conferéncia Internacional de Escritoras Indigenas e Afro-descendentes e divulga ssatvidades do GRUMIN. Conforme observamos em sua pagina na internet, cabe notificar alguns objetivos dessa ONG e do forum de literatura indigena: disseminar e discutir instrumentos juridicos elaborados pelo GRU- MIN ao longo de uma década, como por exemplo as Declaragées dos Encontros, Conferéncias, onde se mencionou pela primeira vez, temas como: “mulheres indigenas, direitos e meio-ambiente” (1989); “satide e direitos reprodutivos” (1994); “direitos humanos das mulheres indigenas, familia c identidade” (1995); “racismo, vio- léncia e migracio” (1996), etc. [uJ] difundir e debater a tradicionalidade do discurso oral ¢ escrito das histérias, contos, filosofias, direitos em toda a sua plenitude, enfim, literatura indigena como um importante pensamento bra- sileiro.* Em verso e em prosa, Metade cara, metade mdscara trata dos direitos humanos, da busca do amor, da familia da identidade. Desse livro (parcial- mente disponivel na Internet no final da década de 90), selecionamos pars andlise os seguintes poemas: “Identidade Indigena", “Brasil”, “Parana”, “Ago- nia das Pataxés HaHa-Ha”, “Terra Cunha’, “Oracao pela libertacio dos povos indigenas” “Ato de amor entre os povos”. Vejamos o tratamento poctico que Eliane Potiguara dé a essas quest6es, a comecar por “Identidade Indigena”, um poema escrito em 1975: Nosso ancestral dizia: Temos vida longa! Mas caio da vida e da morte E range o armamento contra nés. *CE nota 3, 99 VigitauZauy CUI! Caiidcarnier urge CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL ‘Mas enquanto cu tiver 0 coragéo acesso Nio morre a indigena em mim A identidade literdria mostra-se no primeiro plano, cumprindo um x. tual em que se subtende um tecido de vozes (Noss0) em torno do passadg (iitico) que se reconta (‘“Temos vida longa!”), e do presente (ameagador) que define quase com precisio a imagem da violéncia contra os povos indfgenas (“E range o armamento contra nés.”). A voz do poema se reconhece deslo. cada, mas néo completamente sé, ou seja, considerando o plural do texto na utilizacao do termo “nosso”, podemos perceber que a identidade literdria nig est4 sozinha na luta. A énfase na ancestralidade sugere uma forca enunciativa com respeito ao ato de narrar como instrumento de preservacao da memeéria, ‘Ao anunciar a historia das origens, a identidade coletiva (camuflada na identidade, aparentemente, individual) apresenta uma voz magistral que pa- rece dizer: temos uma grande tarefa que € atravessar o rio, Nessa perspectiva, a enunciagio indfgena de autoria feminina revela: E nem tao pouco 0 compromisso que assumi Perante os mortos De caminhar com minha gente passo a passo E firme, em diregio 20 sol. Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro Carrego 0 peso da familia espoliada Desacteditada, humilhada Sem forma, sem brilho, sem fama. ‘Mas nfo sou eu s6 . O campo de multissignificagao mostra 0 ritmo do outro (0 dominant.) imprimindo o desconcerto no mundo, Nesse enfrentamento, a vor indigen’ “Thetamorfoseia-se no fio da histéria qual “agulha que ferve no palheito”, até multiplica-se em dez, cem mil, milhées de cardumes indigenas de diferentes etnias expostos ao desrespeito, as migracées que compéem a sintaxe de um didspora ind{gena, Nio somos dez, cem ou mil Que brilharemos no palco da Histéria. 100 VigitauZauy LUI Calidcarinier ungnaueauy Cun Canova DIASPORA INDIGENA, Seremos milhées unidos como cardume E nfo precisaremos mais sair pelo mundo Embebedados pelo sufoco do massacre A chorar e derramar preciosas igrimas Por quem nao nos tem respeito, A migracao nos bate & porta As contradi¢6es nos envolvem As caréncias nos encaram Como se batessem na nossa cara a toda hora. _Mas a consciéncia se levanta a cada E nos tornamos secos como 0 agreste Mas nao perdemos o amor Porque temos 0 coracéo pulsando Jorrando sangue pelos quatro cantos do universo. Nesse contexto situam-se os ressurgidos, os deslocados (sem aldeia). No ‘spago do poema, 0 palco da “porque “a consciéncia se levant =n aoa s > i ae 7, nas! Queremos brilhar no cendrio da Histéria”. Desse modo, a indianidade transmigra, ou seja, a0 contrario do que se pensa, convém reiterar que existe ‘uma didspora indigena. Esse processo vem do sangue dos parentes extermina- “dos h4 mais de 500 anos; dai o passado tornar-se presente pela memoria para ‘Biabelecet tim (fe)encontro com os que se foram (os suicidados e os assassina~ dos) e/oui os quie foram bruscamente arrancados a ferro e fogo de suas aldeias. “Fpesar disso, a identidade do poema busca incessantemente a tealizagio do Amor entre os povos. Com esse espirito, a identidade coloca-se na esperanca “Gainda que tarde “700 anos”) de reunir as tribos e transformé-las “em aldeias do amor”: Eu viverei 200, 500 ou 700 anos E contarei minhas dores pra ti Ohi! Identidade E entre wina contada e outra Morderei tua cabega Como quem procura a fonte da tua forga Da tua juventude O poder da tua gente 101 VigitauZauy LUI Calidcarnier ungnaueauy Cun Canova CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL © poder do tempo que jd passou ‘Mas que vamos recuperar. E tomaremos de assalto moral As casas, 0s templos, os palicios E 0 transformaremos em aldeias do amor A representagio da mulher indigena na sociedade nao india foi artcyy da, desde. colonizagao, com requintes de malicia, discriminacio, brutalidads preconceito. Basta uma olhadela na carta da escravidao escrita por Cami; nhs, ou no antididlogo dos jesuftas no qual a mulher indigena representa (em caine 40 do mal. Apenas ao outro (nie {indio) era concedida a representagao da beleza, da sacralidade ¢ 0 direito de parir “lindos bebés” e “guerreiros” futuros, como sugere 0 poema: ~e espitito) 0 pecado, a perversio, a enc Em olhares de ternura Como sao os teus, brilhantes, acalentante identidade E transformaremos os sexos indigenas Em érgios produtores de lindos bebés guerreiros do futuro E nao passaremos mais fome Fome de alma, fome de terra, fome de mata Fome de Historia E nao nos suicidaremos A cada século, a cada era, a cada minuto E nés, indigenas de todo o planeta $6 sentiremos a fome natural Eo sumo de nossa ancestralidade Nos alimentaré para sempre Essa percepgio da ancestralidade traduz-se no tom reivindicatério a vem expresso na prosa e em outros poemas; especialmente neste poems esc? por Eliane Potiguara em meméria do indio Chico Sélon,* “desaparecido 8 terras indigenas paraibanas por volta de 1920, quando se instalava ali, 2 0°” colonizagio da agricultura algodoeira causando a fuga de familias indigen"* ee San Ea ls 5 Chi Fae ‘Chico Sélon é pai de Maria de Lourdes de Souza, avé de Eliane Potiguara. 102 VigitauZauy CUI Caliidcarinler DIASPORA INDIGENA vimidas pela escravidao modern, in sefesido poernas em Metade cara, metade médscara, Presentacio que faz do E nio existiréo mais tilcer Desnutrigéo Que irao nos arrebatar Porque ser i i rq eras mais fortes que todas as células cancerigenas juntas e toda a existéncia humana, TAS, anemias, tuberculoses E 0s nossos coragées? Nés nao precisaremos caté-los aos pedagos mais ao chao! E pisaremos a cada ceriménia nossa Mais firmes Eos nossos neurénios serio tio poderosos Quanto nossas lendas indgenas Que nunca mais tremeremos diante das armas E das palavras ¢ olhares dos que “chegaram e nfo foram’. Cayton, Aida As jungGes ¢ os contrapontos em torno da nogio de “mascara” e “cara” © (roto, face) registram a desigualdade em vitios aspectos (d6ceis/perulantes, bélicofamoroso, meigos/cruéis, nés/os outros), evocam um recorte emble- Gr - mitico. Com relagéo & mascara, supoe-se um cardter Iidico ¢ transgressor 20°. perpassado por uma acentuada carga de subjetividade que se revela ora na ‘serenidade, ofa na tensao do texto. Se, ent . Se, entretanto, a nogio de “cara” pare- © ocultar 0 revelado pela médscara, observamos em Chevalier e Gheerbrant (1989) que o desvendamento do rosto se faz para Deus, para o outro, nao para simesmo. Dai, a relagao de incluso do rosto com o sagrado, e a exclusio de Sua outra metade, a mascara, no contexto judaico-cristio. Dando continuida- dea poema “Identidade Indigena’: Seremos nés, doces, puros, amantes, gente e normal! E te direi identidade: Eu te amo! E nos recusaremos a morrer A sofrer a cada gesto, a cada dor fisica, moral e espiritual, Nés somos o primeiro mundo! Ad queremos viver pra lutar E encontro forga em ti, amada identidadet Encontro sangue novo pra suportar esse fardo 103 VigitauZauy Curl Canidcaniner ungnaueauy Cun Canova CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL Nojento, arrogante, cruel... E enquanto somos déceis, meigos Somos petulantes e prepotentes Diante do poder mundial Diante do aparato bélico Diante das bombas nucleares Nés, povos indigenas Queremos brilhar no cendrio da Histéria Resgatar nossa meméria E ver os frutos de nosso pals, sendo dividido Radicalmente Entre milhares de aldeados e “desplazados” Como nés. O emblematico vem reforcar o lugar da ancestralidade no poema “Iden. tidade Indigena” ¢, ao mesmo tempo, intensificar 0 questionamento exposto os poemas “Parana”, “Agonia das Pataxés HaHa-Hac” e “Terra Cunha’. No poema “Brasil”, ouve-se um grito de guerra em confluéncia a novos gritos de revolta: “Brasil, mostra a tua cara!”, como quer Cazuza, um poeta brasileiro, Para que se possa ouvir, no mais longe, esse grito de guerra e/ou transfiguriclo em uma seta, melhor dizendo, em uma flecha contra 0 preconceito e a discri- minagio, vamos ao poema “Brasil” — sentir esse grito e sua trajetori: Que faco com a minha cara de india? E 0s meus cabelos E minhas rugas E minha histéria E meus segredos? Que fago com a minha cara de india? E 0s meus espititos E minha forca Emeu Tupa E meus cfrculos? Em algumas sociedades indgen as © afticanas, as maiscaras tém a fungéo de expulsar as doengas das aldeias, mas a sociedade envolvente excomung? 104 VigitauZauy CUT! Caiacanimner ungnaueauy Cun Canova DIASPORA INDIGENA, sa relagao. Segundo any (1995, p. 134), a nogdo de mdscara corresponde “o duplo, Pos sugere um “espago que se descerra em um individuo para 0 en- contro entre unidade ¢ alteridade”, Se a parte vistvel que € 0 rosto denota um jngulo da objetividade, ou conota uma parte do corpo patcialmente fragiliza- do, essa(s) parte(s) ou metade(s) implica(m) um “eu” intimo desnudado; dai a nogao de rosto (uma parte do corpo que fala) associar-se a uma linguagem glenciosa ou oculta que é a mascara ou o rosto falso que “ocupa ainda hoje um papel importante nos rituais da morte, nos quais pode apresentar-se sob a forma de pinturas da face ou do corpo” (BEAINI, 1995, p. 134). No entanto, mascara implica 0 desejo de voltar & vida. Nesse sentido a poesia revela-se também um espago onde as raizes vivificam: Que fago com a minha cara de india? E meu sangue E minha consciéncia E minha lura E nossos filhos? © contraponto dessa linguagem “metade cara” ¢ um tecido da rea- lidade em volta no qual se revela uma escultura em movimento, isto é a “metade mdscara”, Na dindmica do discurso poético indigena, a jungao dessas identidades parece intensificar uma leitura das diferengas entre a linguagem coloquial (cara) e a linguagem formal (mdscara) para reafirmar que a palavra da mulher indigena é t4o sagrada quanto a Mie Terra, Nessa representagio, a Poesia identitéria continua se perguntando: Brasil, que fago com a minha cara de india? Nio sou violéncia Ou estupro Eu sou histéria Eu sou cunha Barriga brasileira Ventre sagrado Povo Brasileiro Ventre que gerou 105 VigitauZauy LUI Calidcarmier CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL A agio do colonizador reaparece com mais forca nesses versos, 4 cepgio de Gambini (2000, p. 170) nos situa diante de um “ventre alg gerou © povo brasileiro” que é a mae india, “Grande Mie do Brasil ne mas sua imagem nio consta em nossas representag6es coletivas”. A ma desfigurada ¢ desordenada que sugere 0 poema sabe que a barriga néo mor. reu e que a exploragio sexual anda a passos largos em terras Yanomami ¢ em outras terras indigenas. Nesse enfrentamento, a sua voz (que é a yo, do poema) vai ao encontro de outras vozes que representam as centenas de mulheres indigenas que, em abril de 2001, se reuniram para denunciar 9 comércio de bebida alcodlica nas comunidades, os abusos sexuais contra as indias Yanomami e a violéncia contra outras mulheres indigenas em varias regides do pais. O povo brasileiro Hoje esté sé... A barriga da mae fecunda E 0s cAnticos que outrora cantava Hoje séo gritos de guerra Contra o massacre imundo A yodownss dies Essa perspectiva do sagrado remete ao testemunho do pajé Aniceo rr DbuXavante, ao expressar para Eliane Potiguara e para uma plateia de 200 mu 2/ “Theres indigenas que “a palavra da mulher é téo sagrada quanto a term’ Iso 424 ~gconteceu em 1991, durante a Conferéncia® GRUMIN que reuniu mulheres 72-0p--—indigenas de varias regi6es. A partir desse encontro, Eliane Potiguara ver re oe. | i fy teran lo em tudo que escreve (seja em poemas, crénicas, cartas, conferéncias, pater 1 e-mails, convocatérias, manifestos, depoimentos, testemunhos) as palavrss d¢ Feng, Teconhecimento de Aniceto Xavante, Pelo fato de a palavra da mulher indig™ NG a ser tao sagrada quanto a Mie-Terra, vamos ao poema “Terra Cunha’: san rea 55 Conforme Eliane Potiguara, essa Conferéncia foi realizada em Nova Iguacu, no Rio de } come convidados especials: varias liderangas Indigenas nacionals e internacionais €a canto" cendente Baby Consuelo jo, 16089 nie 106 j DigitaulZauu LUTE Camacaiiner ungnaueauy Cun Canova DIASPORAINDIGENA Mulher indigenal!! Que muito sabes deste mundo Com a dor ela aprendeu pelos séculos Asser sébia, paciente, profunda. Imével, tu escutas Os que te fingem aos ouvidos Fé guerreira, contestas: “Nao agiiento mais a mentira”!! Mas longe deles, choras a estupidez, O MEDO. (Gim, longe deles!"!) Softes incompreensio e maldade ‘Aos poucos morres & mingua... Se as narrativas miticas so para os povos indigenas uma forma de resis- téncia, 0s poemas também o sio, pois a poesia (na cosmoviséo indigena) vem * confirmar a luta identitria, reafirmando os lacos de amor & terra. Escrito em w rd nae : 10 de junho de 2002, o poema “Terra Cunha” traz um flagrante do que € ser s Desrespeito, roubo, assassinato. No dia em que te rastejaste Implorou tua terra — ¢ JA TINHAS!! ‘A teu lado companheiras: miséria e morte ‘A violéncia a angistia dos trépicos... ‘Nas caras ela viui o abuso A inveja de ser o que és: candida, licida, mae, companheira... E tu zombastes desses pobres (de) espiritos. Sabes do rio de légrimas Que te aperta o peito afliro Na bolsa d’gua o filho esperas Futuro, luz, nova era. 107 VigitauZauy LUI Caidcaimier ungnaucauy Cun Laniocanne! CONTRAPONTOS DALITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL Mas huta, raiz forte da terrallll Mesmo que te matem por ora § He wre Porque estés presa ainda rnuite’ » Nas garras do PODER ¢ da hist6ria, MONA bine : “0 pane Potiguara adota o verso livre como forma de expandic 5 berdade de expressio em defesa dos direitos humanos, do diteite tage ~atitude diante do texto literario incorpora-se 4 dramaticidade dos fatos gaz sl jornais nfo contam, mas que @ po in eo ‘menos avisado) pode quedar-se até = teram contra as mulheres indigenas, Nesse quadrante, revela-se 0 descass 4. autoridades diante do caso da esterilizagao de mulheres Pataxé Ha-Ha-tze Bahia, em 1994. Em solidariedade as parentes Patax 8, Ele ocorrido Acs. Tiguara escreveu 0 poema “Agonia das Pataxé Ha-Ha-Hie”, que foi publica ca, no site da Rede de Escritoras Brasileiras (REBRA), em 8 de marco de 2092 je. ~ Dia Internacional da Mulher: reacthuas Neste século ja no teremos mais os sexos. Podzne’ Ba UZ- Porque ser mae neste século de morte hae E estar em febre pra sub-existir E ser fémea na dor Espoliada na condi¢ao de mulher Eu repito Que neste século nao teremos mais os sexos Tio pouco me importa que entendam Possam sé compreender em outro século besta O projeto estético de Eliane Potigu: é uma forma de enfrentamen igenas, via de regra, so os mais pro cados, A situacao da mulher indigena é uma das piores, pois no pric e colonizador a mulher esteve sempre associada ao comer, ou sejas Nesse a mos, 0 corpo da mulher indigena implica um “objeto-valor, na medida e aque [+-] a apropriacio do sexo da fndia possibilicaré utiliné-la part zet as caréncias sexuais, aetivas ¢ sentimentais do colonizador (até eventualmente, para reparara falta que ele sence de uma familia)” 4i# das situagées em que os povos i 108 VIgitaulZauy LUI! Call acai er DIASPORA INDIGENA, (2000, p: 20-21), A identidade do poema denuncia a banalizaco do quadro pintado pelo colonizador: Nio temos mals vagina, no mais proctiamos Nossos matidos morreram E pra parir indigenas doentes Pra que matem nossos filhos Eos joguem nas valas Nas estradas obscuras da vida Neste mundo sem gente Basta um sé mandante Testemunha de um tempo factual presente, este poema repudia o in- sulto a mulher indigena: uma identidade quase-invisivel em meio a tantas mulheres que se “perderam” nos tempos em que sua dor era sé siléncio (e é ainda), mas a dor que atravessa os tempos se transforma, aqui ¢ agora, em recado ao leitor e/ou & leitora; um recado nas entrelinhas, para entender que “a relagéo colonizador-colonizado néo se extinguiu, apenas mudou de cara, e sobrevive, hoje, na forma da relagéo entre a pequena elite dos possuidores ¢.a multidao dos despossuidos que chamamos de povo brasileiro” (LOPES, 2000, p. 25). Neste século néo teremos mais peitos Despeitos, olhos, bocas ou orelhas ‘Tanto faz sexos ou orelhas Princfpios, morais, preconceitos ou defeitos Eu nao quero mais a agonia dos séculos... Neste século nao teremos mais jeito Trejeitos, beleza, amor ou dinheiro Neste século, oh NHENDIRU}!! Nao teremos mais jeito. A forca da palavra em Eliane Potiguara reside na imporeincia de “Re- ceber a heranga ancestral [da] familia [porque esta] ¢ uma misséo a cumpris, isso é praticamente obrigatério dentro da alma, Mas levar adiante essa heranga 109 VigitauZauy LUI Calidcarmier NO BRASIL CONTRAPONTOS DALITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA & SABEDORIA”, diz Eliane Poriguara no artigo “A forca do conhecimen, ancestral”, na pagina do GRUMIN. Esse eohesioa implica uma ig tte se vale do verso e da prosa para denunciar a violencia, porque esté em, a tétio revelador das diferencas. Para ilustrar 0 registro de identidade, Exinen, m em vestir o indio, “Diferens, te a questéo identitéria: um crit questéo, pensemos na pintura corporal com correntes missiondtias nas aldeias que teimay dos brancos, o indio se sente nu quando nao tem pinturas, aderecos, nem phy maria no corpo. Por isso, mesmo usando roupas, ele pode se sentir despig,» (IOKOI, 1999, p. 57)- _ O poema seguinte, “Parana”, reitera 0 grito de guerra indigena e mos. tra claramente o tempo da violéncia contra negros, indios € mesticos. Nese poema, cada nome move-se no clamor do verso. Nesse ritmo, vamos & signi. ficagao do grito no poema: Foi no berco de Angelo Kreta Que aflorou como semente na terra A unio dos negros, mestigos e brancos... Indios ! como num grito de guerra Que se erguem por um novo amanha Sim Foi no Brasil de Margal Tupa E de muitos Angelos Kretas Que se uniram Manoéis da Conceigao Elisabetes Teixciras, Krenakes e Tukanos... A ressonancia dos nomes indigenas imprime um grito de revolta neo sdrio para continuar a luta dos herdis Kreta, Margal Tupa, Krenak, Tukan® Sélon, Galdino ¢ de tantos outros cujo pensamento vivifica no intetiot poema. A forga verbal em Potiguara remete-nos i pulsagao das palavras: Fe elas, segundo Fernando Paixio (1982, p. 54), “devem pulsar em direta es" nancia com 0 cora¢do que lhe bombeia o sangue da significacio”: E Parané de boa gente Que em seu seio acolheu Que em seu rio de decéncia 110 VigitauZauy CUI Calidcarmier DIASPORA INDIGENA Gente forte resolveu; — Nunca mais a violéncia ! Paranaue ! Paranaué ! Parana! Terra dos pinheirais Os “sem terra” — nunca mais | Das cataratas — livres — do Iguagti Igarapés levam dguia a quem tem sede A garapa a quem tem fome RAONT - Guafras a quem tem luca Era! Parand... Rio grande em guarani Num lugar a reunir Sindicalistas, politicos ¢ a UNI. Foram representantes do povo, Da igreja, é uma vitéria |. Ea! Paran: Que entrou pra histéria! A perspectiva desse poema constréi um grito em vértice com 0 poe- ma identitdrio “Agonia das Pataxé Ha-Ha-Hie”; uma agonia que atravessa a fronteira do literdrio e, de-tal forma, que possivel dizer que o pensamento de Eliane Potiguara se transforma em recado/adverténcia a todas as mulheres € homens do mundo; em particular, aos parentes homens e mulheres indigenas: entranhas da terra como quet o espitito de liberdade e coragem que suplan- tam “a dor [que] ela aprendeu pelos séculos”, como sugerem os poemas “Terra Cunha’, “Brasil”, “Identidade Indigenas” ¢ muitos outros de um livro que é a “cara” de diferentes etnias, Mas isso n4o é tudo, Pensemos em Kreta, em Galdino ¢ no velho Crespo ¢ em todos que se teconhecem nesse pensamento: Mas pra que isso acontecesse Santinas, Linas e Marias Tiveram assassinados seus maridos Como o operirio Santo Dias. lll VigitauZauy CUI Calidcainier ungnaueauy Cun Canova 2 SIL CONTRAPONTOS DA LITERATURAINDIGENA CONTEMP SORANEA NO BRA Foram muitas Aurélias Durantls Inmis guerreiras Margatidas ¢ Josimos Que também vimos partir ‘Trabalhadoras as mulé agora Enfientam jagungo fazendeito ‘Ao pai, ao marido, ao irmao ladetam Pelos sem terra, até a morte, guerrelam!.. otiguara sugere um cruza- ‘A relagio entre a poesia mapuche ¢ a poesia Ps as nogées de indianidade, mento poético no eixo da transversalidade, ou seja identidade, alteridade, direitos humanos, memiéria, auto-histéria € outros as- pectos-chaves que imprimem um tom de verossimilhanga, se quisermos falar de arte engajada, ou mais precisamente do cardter social da poesia indige- na contemporanea no Brasil. Nessa perspectiva, observamos os fragmentos poéticos de Rayen Kvyeh. Segundo Moens (1999), a poesia de Kvych é histé- rico-social, pois trata-se de um fazer poético centrado na luta pela liberdade do povo Mapuche; uma luta que é de todos os povos indigenas. Nessa dire- do, a poesia de Eliane Potiguara traz preocupagoes semelhantes as de Kvyeh, como podemos observar nos seguintes versos (em itdlico) conforme citados em Moens (1999, p. 59): rompe el silencio de la memoria milenaria del pueblo mapuche en este relato de la historia, grabada en los espiritus de nuestro pueblo A nogéo de ancestralidade, a representagio de filha da terra, a visio 4° colonizador como representante do mal e a reiteragio do saber sagrados ° conselhos dos antepassados so alguns dos pontos coincidentes entre @ poesia de Potiguara ea poesia de Kvych, Nessa instdncia, (s)ocorrem-nos as palav™ 112 — IgitauZauyu CUI CaliiScarnier ungnaucauy Cun Laniocanne! DIASPORAINDIGENA, ;suat0 ‘Trigo no hee de Paditha (1995, P. 95): “a palavra, i gbedoria ancestral, [4] ‘Vida’ que corre Pelas geracées”, ; fatiza 0 lugar da palavra entre os bantos, no uma acéo participativa Pela qual se unem os homens, geralmente em ono de uma fogueira! (PADILHA, 1995, p. 95). Dentro leas perspectiva, Jembramos 4 significagéo da palavra entre os Guarani: a palavra-alma. Essa gimensio da palavra tem lugar nos versos de Potiguara e de Kvyeh, & medida ue procuram resgatar pela escrita poética os ensinamentos transmitidos, Em kaye (epud MOENS, 1999 p. 62), podemos observar 0 papel da ancestrali- dadena leitura dos sonhos: depositaria Esse pensamento com fespeito ao “ato de contar en mis suenios mis abuelos me han hablado. De la cordillera al mar desde el norte al sur, desde lo mds profundo de nuestra madre tierra sus voces aconsejam, que expulsemos a los usurpadores de nuestra tierra, A los usurpadores de nuestra libartad. Esse eixo da transversalidade constréi-se de sonhos ¢ realidades que tragam um perfil romantico da identidade literdria (eu enunciador) em sua re- lagéo com a natureza. Esse enfoque nos aproxima de outro ser poeta deslocado No romantismo do século XIX no Brasil; Gongalves Dias — 0 poeta indianista que 0 canone evita reconhecer como poeta descendente-indigena, Cercando- * da tealidade dos povos indigenas de sua época, Gongalves Dias sonhava a Construgéo de um mundo posstvel ea sua maneira, por meio de sua poesia, nilitava para que isso acontecesse. Cercando-se da realidade em volta e do dircito de se sonhar outro undo possivel, Eliane Potiguara tece “os canticos que outrora [0 seu povo] Cantava”, canticos libertérios, como sugete a tiltima estrofe do poema “Brasil”, “specialmente no poema “Ato de amor entre os povos”, Encontramos uma 113 VigitaulZauy Curt! Caridcarnier urge CCONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL atmosfera semelhante na “celebragao da liberdade”, na diresao de Gnccen como quer a poesia em Kvyeh, citada em Moens (1999, p. 63): , De infinitas melodias un arco iris de olores y colores acaricia a tierra. Gunecen sonrie _y los pajaros werkenes cantan una nueva melodia libertdria. Raios solares, aromas silvestres, cangées da mata, rosa aberta, ma. nhas de delirio, mios poéticas, cabelos romanticos, chocalhos bonites, Toré do Sertao e loucos amantes entre outros elementos configuram uma parte do arsenal simbélico no poema “Ato de amor entre os povos” de Eliane Potiguara. Nesse poema, a visio do paraiso evoca o tempo das imagens, a consagrag4o do instante, o desejo permanente de justica ea liberdade sonhada também por outros(as) escritores(as) indigenas. Nesta diregao, basta ler mais um trecho da poesia mapuche. Em Kvyeh, citada por Moens (1999, p. 61), 0 desejo de justica e liberdade conduz a poetiza 0 poema indfgena: La montana Cobija en su vientre Guerrilleras naturales Estratejas de la guerra De la tierra mansillada LJ Abre su vientre la montana Rio de rojos copibues En negros cabellos abrazados Avalancha incontenible En um parto milenario de justiciay libertad 57 “Gynecen”, em mapuche, significa: um “Ser Supremo", 114 | DigitauZauy CUI Caliscaniier DIASPORAINDIGENA Se na estética indigena @ poesia urbanizou-se ou modernizou-se, ora sjosmares da incernet, Ora nos velhios caminhos de Papel ¢ tinta, isso nao quer “giver que 08 poetas indigenas contemporineos no Brasil tenham quebrado 5 gompromisso que firmaram com a cultura eo pensamento do scu povo. Fyn - ¥ a‘ Nee sentido, € exemplo 0 poema “Ato de amor entre os povos”, de Eliane Potiguars: BOCA VERMELHA, guerreiros das cordilheiras cansado... Repousava adormecido sob o orvalho. Abriram-lhe os olhos rubros raios solares, aromas silvestres, cangées da mata Era Cunhatai— trémula errante das éguas, Envolta em folhagens, flores mas sem abrigo... Cantou-lhe em voz alta e compassada, uma cangio de amor... Mas sem destino: (porém ele nada dizia e tudo entendia) jotrres — Desperta JURUPIRANGA ! nas ‘Ver me ver que hoje acardel suada. ianeno Publicado em poster, no ano de 1982, esse poema enfatiza o tempo em que se nasce, em que se vive e em que se morte, pois o tempo € ciclico; po- rém, €0 tempo do amor na 40 indigena que vem se filiar & poesia e & prosa contemporaneas. Em sua esséncia, o cu enunciador do poema enfatiza 0 amor universal, o amor que vive “por mais tempo que o império da morte” e reitera (do ponto de vista da intertextualidade, do interculturalismo, da transcultu- Taco) a Declaracao Solene dos Povos Indigenas do Mundo, proclamada junto 20 Conselho dos Povos Indigenas, em Port Albern, Canad, no ano de 1975. Benzo com o sumo de minha rosa aberta, enamorada, as manhis de delirio, completamente cansada Vem, que te sonhei a noire toda: Puro, te revelando nas aguas do Orinoco, Sorrateiro, espreitando o massacre de Porosi Vem, que te sonhei na noite pela PAZ E teus dedos velozes, a guarinia, rocavam 11s VigitauZauy LUI Caidcarnier ungnaueauy Cun Canova CCONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL as vit6rias felizes do Império Inca ‘Tew rosto estranhava a luz que me envolvia, porque ~ recuperado ~ todo 0 estanho eu trazia Vem, que vou-me pintar com urucum vou-me encher de mil colares pra te esperar pro ritual Tenso esté meu corpo ofegante ¢ penso no teu cheiro de homem, no teu corpo de homem que me assanha e me esquenta Me senta a teu lado, me toca c’oas mos potticas, tio grandes e musicais Arman, & : Umas das caracteristicas mais acentuadas na poesia de Eliane Poti 4 Ps guar. PSY Gua consance reertncia a0 amor para que todos ov filhos da tera enasam, para mostrar que a ancestralidade percorre muitos caminhos ¢ o seu lugar na literatura nao €um detalhe: € parte da naturéza que os homens e as mulheres ind{genas construfram na direcio dos sonhos (para suportar a dor da Na- sao “acabada’). No discurso poético, a superacao do softimento traz i cena’ busca do amor em suas varias representag6es: universal, platonico, ancestral materno, paterno, fraterno, erético; do jeito mais natural: Me espera na hetmosa Ponta Por E faz. tua amante se sentir cunha Me rosa Me faz.a palhoca pra cu morar Me afoga em teus beijos, teus quentes desejos pra que eu veja um pitud pra nos cantar 116 VigitauZauy LUI Caidcanmier ungnaueauy Cun Canova DIASPORA INDIGENA direito ‘atureza € evo oO de sonhar, de conte mplar a nati evocar 0 objeto amado emana do texto literdri i ambérn uc literario de Eliane Potiguara. A sua contemplaca assividade,** mas rt ; nas io é rs al uma confitmago da identidade poética lida gutros c€nti ( fe (raz os teus canticos”), nao necessari: i c Gonsalves Dias, mas evoca-os: jamente os canticos Me traz os teus cAnticos Me grita aos ouvidos compée a cantiga que me faz tua AMIGA... No fluxo dos versos, a visio do amor em Potiguara parece estreitar seus lagos na “Cangao amiga” do poeta Drummond, para nao esquecer que os poetas sonhams “contudo, deve ser um sonho rigoroso, militante, teimoso” (PAIXAO, 1982, p. 80). A poesia de Eliane Poriguara sugere 0 exilio da can- cio, Isto quer dizer que a sua indianidade implica também um tecido de vozes exiladas: E te deitas em meu colo que eu toda me enrolo em teus cabelos rominticos ‘Me aponta teus ventos brabos de um pais roubado, de tanto sangue derramado, chamando um xaxado pto gozo de amar Que vou bebendo com muita cadéncia 60 fogo que expele do te E nesse momento teus b explodem contentes queimando meus labios, meus tio fartos labios que te fazem delirar u olhar yeijos ardentes Devo essa observacio & Profa, Luallé Gonsalves Perrelra. lly VigitauZauy LUI Calidcarmier ‘CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL Ahi... Me traz.teus quenachos Pra que cu te dé meus penachos Assim... Vou-te levando aos Tabajaras 4, dormiremos ao som das araras testemunhando 0 amor, a oiticica sagrada. E ungiremos com éleo todas as nossas feridas ‘A busca dessa realizacio no discurso poético da mulher indigena é um assunto até entio invis{vel nos estudos relacionados a essa literatura no Brasil, Situar essa relacdo no contexto literdrio enfatizando os direitos indigenas ¢ uma perspectiva que merece ser aprofundada em trabalhos futuros. Por en. quanto, sugerimos uma leitura da imagem nao deturpada acerca de diferentes ernias oi, Bo poems purcetttnesguloda nia Teaidide na qu iw loucos amantes, inquietos, afro- bras _ indio-descendentes, aftodescen- dentes de uma pitri do Sertéo se reconhecem filhos ¢ filhas da Terra. Nesses temos, pensemos no “Ato de amor entre os povos Entio, tomaremos o mel da manha pra que todos os antepassados renasgam ~Eoolharemos pro céu do amanha pra que nossos filhos se clevern ¢ beberemos a agua do carima pra suportar a dor da Nagio acabada E os POTIGUARAS, comedores de camario que HOJE ~ carentes nos recomendario a Tupa. E te dardo o anel do guerreiro — parceiro Eamim? Me dario a honra do Nome A ESPERANGA - meu homem ! De uma patria sem fim Esse sentimento de Amor entre os povos parece traduzivel em qui! outra lingua. Isso faz ver uma dependéncia cultural sadia na medidaemquee™ enunciador se coloca na condi¢ao ou no papel (starus) feonteitigo, na cen de (re)conduzir a0 lugar (o poema) um aspecto intensificador: a junsi & 118 VigitauZauy LUI Caliidcarnier ungnaueauy Cun Canova DIASPORA INDIGENA ingsee™ culta ¢ a linguagem popular, Esse i 7 : ya indagagaor luz dessa esctitura, mundo possivel? Os versos dizem wl Ptessuposto permite-nos, ainda, € impossivel acreditar na construgao de que nio: agora, chamégo ! me cheira, me faz um churrasco, me dé chimarrio, uma saia de chita, mais um chocalho bonito pra Zamacueca dos Andes pro Toré do Sertéo Reparte essa carne-de-sol, esse baido temperado que eu t6 danada assim... de amor por esse diabo. ‘Me dé agaf geladinho uma rede quentinha pra nos sonhar agarrados nas libertas Ihas Gal4pagos De acordo com o poema, a edificagio desses sonhos reside no respeito as diferencas, No plano discursivo hé uma conexio entre uma série de elemen- tos de diferentes culturas (guardnia, colar, palhoga, chimarrio, chocalho, saia de chita, toré, rede, agaf...). Essa mistura é um aspecto-chave, se pensarmos ue a hibridacéo corresponde a um espago (lugar) € a um tempo de diversi- dades como um processo capaz de proclamar uma unidade possivel. Todavia, 4 unigo na diversidade entre um eu enunciador ¢ outros eus enunciadores Scorreria, se 0 pensamento indigena fosse também respeitado pela sociedade ‘sicludente, A py favra como instrumento de libertagao di o ritmo: Mas Zanzo, zonza, a0 som do zabumba ao som das zamposias, sob 0 azul do Amazonas 119 VigitauZauy CUI Caiidcarnier JO BRASIL CCONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEAN Benzendo teu coragéo ha Mas chora teu charango latino tua Ihama andina, pelos cantos da cidade, pelas cidades sem flor Chota meu ximango softido Porque CHE CARUAC ACY E juntos, num sé instante, depois de tanto amor incessante perceberemos INQUIETOS aqui, o JURUPARIPINDA a separar a todos os loucos Amantes. Relatando experiéncias, problematizando a sua propria condicéo de mulher ¢ escritora indigena, Eliane Potiguara traz em sua escrita a forca do conhecimento ancestral. Isto se verifica em muitos aspectos: no carter sim- bélico e social da pajelanga presente em seus textos ¢ nos quais esté implicito que 0 ato de narrar continua vivo e permaneceré, enquanto houver justica e liberdade; enquanto o Pajé “EXPANDIR a sua energia vital e espiritual —asua consciéncia e inconsciéncia ~ direcionadas para sua comunidade, exercendo a cura em todos os sentidos”, afirma Potiguara.” A poesiaem Metade cara, metade mdscara tem muitas razées de set, Uma delas remete a capacidade visionaria ou ao ser poeta que Ezra Pound (1976, p- 77) chama de anvena da raga. Na linguagem poética, esta capacidade esté rl cionada & questo do tempo que se reparte em quatro, no instante da poesia. Nesse sentido, Fernando Paixao descreve o seguinte: 1°) 0 tempo histérico-social que se faz presente no contexto ideolé- Bist Em que 0 poema foi concebido, ou seja, o tempo histérico Produziu os valores dominantes da sociedad: Je com os quais 0 poet © poema se relacionam, por aproximagio OU por recusa; ee CE. Depoimento pessoal de Eliane da propriedade intelectual ind 13 jun, 2002, re Bt “Paelancr mor expresso naa de dfs dos igenas”, Disponivel ems . Ace © 120 VigitauZauy LUI Caidcarnnier ungnaueauy Cun Canova DIASPORA INDIGENA. 2°) o tempo pesso: indi me °P a do individuo poeta, acumulando experiéncias satentca ‘véncia da expressio na linguagem; é 0 tempo pes- eta que a rae que promove a selecio dos valores ¢ sentimentos a serem trabalhados na mensagem poética; 3) 0 tempo das imagens que aparecem no poema, revelando aos poucos 0 universo simbélico do poeta, e estimulando um movimen- to imagindrio no pensamento do leitor; 4°) o tempo ritmico da frase, com seus paralelismos, reforsando 0 contexto da imagem poética e da experiéncia que o poema transmi- te (PAIXAO, 1982, p. 69-70). Acerca do préprio exercicio de escrita, Eliane Potiguara comenta que 0 seu trabalho é entremeado de cAnticos; que o choro € a exaltagéo contidos em seus poemas ilustram os textos analiticos, ou seja, as “Historias nao contadas de mulheres indigenas”, um possivel subtitulo do livro Metade cara, metade mds- Ga, Ciente da auto-histéria, pois lhe preocupa muito mais 0 conteiido que a textes sr ectrutural de sua obra, Eliane Potiguaraexpée o seu dirito& pala em 27=£e, alusio 4 critica que lhe fizeram acerca do livro no qual ela retin poesia e prosa: = Eu analiso ¢ choro, eu analiso e grito, eu analiso ¢ canto. Eu berro! yosentou C] Eu tenho esse direito dé analisar € fazer 0 que quiser depois... {pois} nio sio poesias como a literatura formal baseadas nos con- ar quero quebrar essa forma. [J Para ela, a Eu misturo verdade € ceitos europeus [...] Titeratura burguesa, eu misturo prosa e poesia. Teagio; Historia e desabafo. Vida e voz indigena, a Tuta pela sobrevi- “venta Tndigna(FOTIGUARA, 2002). a respeito do fazer literdrio implica, a dos pajés (homens, ou mulheres) tica) pelo conhecimento que tém mas nessa instancia é Essa consciéncia do ser e do tempo 2 mesmo tempo, a capacidade visiondri 405 quais se atribui a autoridade (camanist da alma ¢ do poder da palavra, Pode parecer curios, Posstvel dizer que existe uma relagao entre 0 ser poeta ¢ 0 ser pajé. Com efeito, @ busca da palavra e a Iuta com a palavra em Eliane Potiguara imprimem o “pitito guerreiro do cu enunciador em Metade cara, metade mascara. ptt ae diterpenes 7 Juruku, em 1° lez. Ct ng anenos, depotmente pessoal de Palgura a escor Dane Mund ku, em 1° de dea. 2002, 121 VigitauZauy LUI Calndcainier ungnaueauy Cun Canova CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASI : peti x NOONE ta Nessa perspectiva, transcrevemos um techo de ua : coctiticg? ressaltar mais um aspecto da indianidade que os textos candnicos nag Conta, Da estreita relacdo entre poeta ¢ pajé subentendemos que: © Pajé, mesmo sem conhecimento cientifico do que sejam dirt hhumanos, é um dos maiores defensoresnatos na teora ena pais desses direitos, aém de ser um curador. Ele é 0 verdadeiro cones, dor dos conhecimentos tradicionais: PATRIMONIO CULTURAL DE SEU POVO, PROPRIEDADE INTELECTUAL Dp spy POVO (POTIGUARA, 2002). Situando-nos na relacdo autor-texto-leitor, podemos adiantar quea agio/reflexio, a capacidade visiondria do ser pajé e do ser poeta que emanam do projeto estético de Eliane Potiguara confluem para 0 projeto de cultura¢ paz da I Conferéncia Internacional de Escritores Indigenas e Affo-descendente, Nesse contexto, ousamos denominar a referida Conferéncia de pajelanga li. niria, porque esté centrada na “forca do conhecimento ancestral” e no dep de “PAZ [que] é lutada, enfim, a PAZ. [que] € conquistada. E quando se tinge esse nivel, o respeito e sabedoria sio eternos!”, sugere Eliane Potiguara.® Nessa perspectiva, convidamos o(a) leitor(a) a percorrer as fronteirs virtuais dessa pajelanca literdria e manter um intercambio entre aldcias ¢ constatar como Eliane Potiguara expe a sua auto-histéria, o seu comprome- timento com os parentes indigenas (estejam perto ou distantes) por meio ds manifestos ¢ da poesia que afirmam a sua vivencia, a sua indianidade; pe ficamente no seu discurso poético ¢ histérico-social voltado para as mulheres indigenas, Assim, a luz do saber ancestral, a autora traca algumas resposts para um outro mundo posstvel, Partindo dessa configuracéo imagistica com respeito aos velhos e vets Pajés, utilizamos a passagem seguinte para reiterar que a ancestralidade ocup* um lugar — dos mais significativos — nos textos de Eliane Potiguara. Isto aed la “ Literatura indigena: instrumento de conscienticasso, Dispon} ar nscientizacio, Dis; sm: . Acesso em: den. 2002 10. Disponivel em: cherp//srwwlianepo © Cf. Eliane Potiguara, “Estado de Paz”, texto er al , Acesso em: 29 dez. 2002. 123 VigitauZauy CUI! Calidcarmier CONTRAPONTOS DA LITERATURA INDIGENA CONTEMPORANEA NO BRASIL j Os ensinamentos dos/das ancestrais nfo podem ser ignorados,¢ poder politico nao pode superar 0 poder espiritual, Pelt €0 Grande Espirito que faz Muir a forga da terra ¢ que se transforma em agig humana. Ser contrdrio a isso é desequilibrar a natureza, O Grande Expitito transborda de Sabedoria. Ba verdadeira sabedoria & pode, catur conectado com essa forga para o beneficio da humanidade, Néo adiantam lideres sem alma, sem esséncia, Esses perpetuatio 9 paternalismo em outras esferas. Néo adiantam artefatos colotidos tm mentes vas. Mas um bom lider é coberto de penas home. hagens quando ele & verdadeiramente um ser conectado com seus guias espirituais ¢ ancestrais ¢ nao aceitam o dominador. O bom Iider recusa-se a viver, recusa-se a aceitar quando sua prole esté em petigo. O contririo disso, torna-o um lider ESQUECIVEL. Neste 2003 ¢ cada vez mais, todos os/as Iideres devem unir-se & grande energia césmica com 0 propésito de fazé-la crescer para © bem da natureza humana, reconsiderando os conceitos de luz, paz, amor, solidatiedade, Infinitos sejamos no verdadeiro amor 20 préximo. Grandiosos sejamos quando estamos abertos 20 novo, Re- voluciondrios sejamos quando impedimos o circulo vicioso. “Cf Depolmento pessoal. Dispontve em: , Ac 29 dex. 2002 TA . Acesso em: 29 det 124 VigitauZauy LUI Caliidcarnnier ungnaueauy Cun Canova

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