Você está na página 1de 5
Christine Downing (Org.) ESPELHOS DO SELF As Imagens Arquetipicas que Moldam a sua Vida Iherarquia de poder. Ease poder & derivado aio sé do conbecimento ¢ da sabedo- ra adquiridos durante seu aprendizado e sua iniciagdo, mas também da confianga a sociedade nele depositada e da legitimidade do sou papel? ebi que, quanclo me aproximei do significado tomaram-se muito mais aparentes, Cada dia trazia uma nova pet- cep e uma surpresa. Cee contou o que havia sonhado, Credo Mutwa associou esse sonho a vidas de seus préprios ancestrais. Quando Cecil e Credo Mutwa trocaram presents, Cecil recebeu a escultura de um lefio ~ que era a imagem central de um sonho «ue cle io havin relatado mas que o havia levado a ir vsitar Credo Mut. Christine Downing O Curador A idéia de que tet sido ferido, ter adoecido e softido sio pré-requisitos ‘para assumirse o papel de curador aparece nos mitos e nas tradigdes rituais de culturas do mondo inteiro, Para mim, refletir sobre esse tema traz-me a lem= hhabitavam. Essa passagem era diflll. Bles sabiam que era importante prosseguit sem rogar no cotal, mottalmente venenoso, ¢ sem incomodar as criaturas vivas fem cujo mundo haviam penetrado. As mios de minha amiga agarraram of | tomozelos do seu analista enquanto ele os conduzia por aquele territério deseo- ela minha expe> vulnerabilidacle, de ca precisar mostrar-se ignorante, intensificando {a talvez, muitas vezes precise por a nu uma dor oculta Freud ¢ Jung, os dois curadotes de sabiam ambos claramente o que eta esse complexo inter-relacionamnento ferir e curar. Freud fora iniciado em seu profuudo entendimento da psique pela morte do pai e pela descoberta subseqiiente de que nutria desde a infancia ‘um ressentimento assassino e uma rivalidade inesgotavel por um pai a x quem também sabia ter amado. Ao atentar para a deptessio que 0 isolava e para os nivel e Intermindvel”, ele admitiu que, depois de uma anise ininter- « prolongada, a pessoa esta mudada e, nic obstante, continua a mesma Pile sugere que a tarefa mais importante da arilise ¢ a aceitagao da nossa finitude e a preparagéo para a morte. (© chamado de Tung aconteceu através de uma morte simbélica, a do pai simbélico, Freud, quando ambos romperam a colaboragio e a amizade. ‘oso Jevou-o a anos de ima imersio psicdide no inconseiente que esté vividamente felatada no "*Confronto com 0 Inconsciente", um capitulo do seu Meméris, ‘Sonhos ¢ Reflexes Mais tarde, em A Psicologia da Transferéncia,** reait- ontinna propenso a novos sofrimentes. Jung acredita que nos relaciona- terapéuticos também os terapeutas se envolvetn mum processo de trans- ‘aconteceu na relagio com seus préprios pais, eles confuso e dolotoso. Uma terapia eficaz depende da lidade do terapeuta para se arriscar a padecimentos e transformagées gerados pelo processo, e para transmitir esa disponibilidade. Jung fala ainda da importéneia de os curadores se lembrarem que eles também foram fetidos para se proteger do perigo da inflacio, do visto de serem seduzidos uma identificagao com 0 arquétipo do curador. que pode curar sponsivel, antes de tudo, pelo infligir de padecimentos. ‘Nessa medida, os softedores devem tentar descobrit que divindade foi ofendida divindade grega associada a cura é Af mio da nossa identificagao superficial com esse deus, go da forma e uma a\ sce um ebro golpe na sta dignidade como deus quando maton Ciclope cq havia forjado os relimpagos com os quais Zeus assassinars sou filho Esou: Tipio, Como castigo, Zeus sentenciou Apolo a un ano de servigos come criado dene cer mortal, Alceste. Esse ano pessado comm Aleesterepresenou umn atio de puuificaglo. A ligasio com o nosso tema pode fear ainda mais cevidente 96 nos Tembrannos'que os gregos considetavam sindnimos pecado e feriment Bansal, tinha sido enguido pelos cidadios da longinqua cidade de Figaléia como nal de gratidio por Apolo ter finalmente debelado uma praga ave enlio 08 assolava. A escultura conhecida pia de uma estitua inicialmente ralizada por uma comunidade que ‘buscaya terminar com um mal igualmente devastador: ie aaa que Apolo vai sendo cada vez mais identificado com seu temple mm Delfos, seu trabalho de curador passa a set 205 poucos efetuado pela sis Pitonisa que 5 coraculo agia por incub sonhos enviados pot Gaia. Pitiss, respondiam is pergunias feitas pelos que buscavam saber come tiarn purificar-se ou puificar sua cidade, Consular o ordculo representaya its earn de lidar racionalmente com a resolu;ao do sofrimento: a pessoa vita ‘ otiget de seus pecados eo remédio pa geral a primeira ou mesmo a segunda interpre= fomada mostravam-se ettadas, Seguir o orfculo mntes de conserticlas." ‘A lembranga de que somos mortala » nko di Ponsivel par receber a cura de Apolo, Fim seu conhecimento g¢ »: **Conhe- ce-te a ti mesmo” ni iow + “Conhega a verdade ‘uma condligio indis~ cura depende do me Até mesmo em Epidauro, 0 local eu templo estd erguido sobre as ruinas do santuitio de Esculipio no suave ¢ tranqiillo vale era, nos templos igiado pelo templo de Apolo, construido no topo da colina, muito fo tempo antes, enquanto fora Apole Maleatus, o préptio Apolo curado os doentes visitando-os em seus sothos. Mas, ao se tomar cada vez mais © Apolo de Delfos, essas visitas comegaram a ser considetadas incongruentes.” Agora é um outto deus, seu filho, que faz as aparigdes notumas. A histéria do naseimento de Esculipio ( denota grande parte de quem ele é. Ble foi o resultado de um romance entre Apolo e uma bela mulher ‘mortal chamada Cordnis (segundo as tradigdes mais popularmente aceitas), que era neta de Ares, o deus da guetta, e irma de Ixion, 0 primeiro homicida Parental humano. Essa genealogia, portanto,traz mais uma vez para processo 0 motivo da cura e © motivo da morte. Sog citada, quando Corénis descobriu que estava grivida, decidiu encontrar um hhomem mortal que se casasse com ela e tomasse legitima a crianga, Apolo, ofendido pelo fato de que uma mulher pudesse preferir um marido humano a amante divino, enviou Artemis para matar Coténis e suas damas de honr. igo templo dedicado dlotosee tednechaogela clotted, Alds, ein Uo taocomntn- geen to que Quiron chegou a lamentar ser imortal, pois assim nio conseguia escapar 4 dor. Pode-se sentir que o dom de curar desse centauro incuravelmente doente fora forjado pelo seu préprio destino inelutavel. Durante muito tempo, enquanto pensava no cutador ferido, tinha de fato em mente a imagem do curador curado, © curadot que jé tinha sido ferido ¢ ccujos ferimentos estavam sanados. Quiron representa uma coisa diferente: 0 curador ainda ferido. Isso sugere uma perspectiva segundo a qual nossos feri- ‘mentos nao séo algo para supetatmos, para deixar para trés no caminho, para esconder, mas sim uma parte integral de nés, 0 que hao significa que ser ferido seja sindnimo de uma verdadeira satide, mas que a aceitagao de nossos padeci- ‘mentos faz parte da verdadeira saide, assim como a aceitagio de que algumas feridas saram enquanto outras nao. ‘Nenhum dos outtos discfpulos famosos de Quiron foram tio profunda: ‘mente influenciados por ele como Esculépio, Os outros deram ou receberatn a cura enguanto se consolidavam como guetteiros ou cagadores; este porém dedicou sua vida a curar. Em sinal de reconhecimento do seu dom como médico, Atenas zepartiu com ele os frascos com o sangue coletado da ferida que Perseu infligira & cabega da Medusa, quando decepou essa gérgona, O sangue que verteu da veia esquerda era um veneno mégico e poderoso; o da veia direita tinha a reputagio de poder devolver os mortos a vida. Em virias ‘ocasiées, talvez mama comovida lembranga da morte injusta de sua mie, Escu: ldpio usou a pogo magica para ttazer a vida herdis injustamente punidos pelos deuses e prematuramente enviados para o Hades. Zeus, irado com a presungdo de Esculdpio de transgredir o limite entre a hhumanidade e os deuses, atingiu-o com seus trovées e © enviou a0 Hades para que ele, embora sendo deus, pudesse expetimentar em si mesmo o destino dos mottais. Assim, Esculdpio se toma o tinico deus da mitologia gtega a experi mentar a morte. Para os gregos, entiio, o deus da cura é aquele que sabe o que é morrer, ‘Embota sua petmanéncia no Hades tenha sido apenas temporiria e ele tenha podido experimentar a mottalidade sem abdicar de sua imortalidade, é a prdprin vivéncia de Esculépio da sua vulnetabilidade diante da morte que o faz patecot ‘0 mais benevolente e dedicado de todos os deuses, aos olhos dos gregos. Tendo sido o deus que passou um cetto tempo no mundo inferior, nlio & de espantar que Esculipio seja considerado um patticipante dos mistérios de se ao dela, Embora no sendo ele mesmo uma divindade insiste junto aos que © procuram pam que oferegam 27 saat d rages a Deméter e a Petséfone) Ele pode salvar a pessoa da morte agors, mas ‘Mo part sempre- O adiamento que seus procedimentos de cura proporcionam representa pata os que ainda nao estio pronios para morrer um interval durante 0 qual preparam-se para o inevitivel. A cura do corpo nos da. tempo \ para cuidarmos da cura da alma, Os que buscavam a ajuda de Esculépio acreditavam que se esse deus se recusasse a curar, entio havia chegado o momento da morte dessa pessoa. Claro que as vezes a morte é uma libertagio da enfermidade, Assim, existe um santuirio dedicado a Esculépio em Eléusis. Mas o centro do seu culto situou-se em Epidauro e os rtuais ali eram diferentes dos Ambito de cura, assim como o nascimento, pois a gestagio nao nevessita de cura. (As mulhetes estéreis, porém, iam ao sattustio na esperanga de serem fertilizadas pelo deus.) Também eram excluides os ritualmente impuros, os ctiminosos. ‘A pessoa executava o ritual sozinha; nfo se tratava de um evento comu- a Tique (a Fortuna). Depois, vestida fa pot um therapeute a uma pequena cimata de pedra, em que nao havia mais do que uma plataforma de pedta onde dotmir, o Kline (origem de nossa palavra clinica), espago em que a pessoa poderia ser visitada de dia, durante o periodo da preparagio. O therapeute entio se retirava, deixando 0 paciente a sds com seus sonhos ¢ com o deus. Depois de oferecer uma ptece a Témis (a otdem divina), a pessoa deitava-se para dormir, na esperanga de que o proprio deus the aparecesse em sonhos. Os gtegos acreditavam que, ‘Toda cura era um ato divino, um mistétio, que s6 podia acontecer no escuro, Em Epidauro, diversamente de Delfos, era o paciente que tinha a visio da sua cura e nio o sacerdote ou a sacetdotisa. A visio em si efetuava a cura; nio giosas, a serpente era um emblema do misterioso relacionamento entre a morte © 0 renascimento Os ees também estavam associados a vivéncia do mundo inferior: o Cétbero de trés cabegas di as boas-vindas aos mottos, no Hades; mas come aqueles que tentam fugit. Hecate, a notfvaga, faz-se acompanhar pot ces de caga a ladrar, representando os espiritos inquietos daqueles que no tiveram um funeral ritual, Quando o deus aparecia nos sonhos em sua forma humana coo médico, gia segundo o padiio da medicina racional e suas curas eram de ordem médica. Aplicava bilsamo, utilizava drogas, opetava, embora seus procedimen- tos fossem muitas vezes contritios 4s teotias humanas de tratamento, ¢ suas cirurgias fossem mais radicais do que as que qualquer curador mortal pudesse empreender.> ‘Ao sonihat, o paciente estava sozinho com o deus. © therapeute retornava de manha para registrar o sonho havido naquela cimata, embora o relato do paciente pudesse, sem diivida, exercer por si sé um efeito salutar. Ao ser relatado, 0 sonho estaria sendo sutilmente editado para caber dentro dos pa- dides culturalmente aceitos pata sonhos. Depois, o paciente oferecia uma cangdo de agradecimento pelo que Ihe havia sido oferecido e sacrificava um galo para o devs, como sinal de que a luz, do dia havia vencido as trevas, e de que a saide debelara a doenca. Apesar de ser reconhecido como © poder maximo do mundo inferior, Escula sendo filho de Apolo, dedicado a vida na superficie da terra iluminada pelo sol @ batalha contra a motte, luta essa que nunca conhece a vitéria final.

Você também pode gostar