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FA U N A C AV E R N Í C O L A D O B R A S I L

Leptinaria sp.
Lucas Mendes Rabelo
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Gastropoda

LUIZ RICARDO L. SIMONE


Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo – MZUSP

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Introdução geral mesmo animais vivos são achados relativamente comuns dentro
de cavernas, mas com certa frequência sua presença é apenas re-
O Filo Mollusca é o segundo maior grupo de organismos sultado de processos de lixiviação, que carrega as conchas ou ani-
vivos em diversidade, suplantado apenas pelos artrópodes, mais inteiros caverna adentro. Desta forma, para muitas espécies,
insetos em particular. Estimativas variam de 80 a 200 mil, com estes registros são considerados apenas como acidentais.
previsões de ultrapassar 1 milhão de espécies. Desses organis- Para que uma espécie de caramujo seja considerada adap-
mos, Gastropoda (caracóis e caramujos) é a classe mais diversa, tada ao ambiente cavernícola, algumas alterações morfológicas
perfazendo cerca de 80% do filo, com representantes em to- (somáticas) devem ocorrer, o que a impossibilita de viver fora
dos os habitats, incluindo ambientes de água doce e terrestres. desse tipo de ambiente.
Mollusca tem implicações econômicas de várias formas, indo De forma geral, os caracóis troglóbios do Brasil podem ser
desde alimento até transmissão de doenças, passando por arte- divididos em dois grupos: os de água-doce e os terrestres. Os
sanato, joalheria (pérolas) e colecionismo de conchas. A concha caracóis de água doce habitam corpos d’água subterrâneos, por
é a estrutura protetiva mais comum nos membros do filo. Esta vezes nas zonas mais distais destes ambientes (profundidade
estrutura é a mais conhecida e duradoura, pois perdura muito dentro da caverna e também dentro da água em si). Já os
além do animal que a fabrica. A concha é produzida pela cama- terrestres costumam habitar as paredes, abrigando-se em
da externa de tecido chamada manto, que secreta carbonato de fendas e rachaduras, e no piso, embaixo de blocos e associados
cálcio, responsável pela dureza, em camadas intercaladas com a raízes. Algumas espécies são recorrentes também em zonas
conchiolina, proteína que proporciona elasticidade e resistên- sem luz (afóticas). Os indivíduos de qualquer desses grupos
cia química. Uma pérola, por exemplo, possui cerca de 6% de costumam ser pequenos, o que, associado ao hábito de se
conchiolina. A taxonomia dos Mollusca é muito voltada para ca- esconder ou até cavar (fossorial), faz com que não sejam vistos
racterísticas da concha, mas detalhes internos da anatomia dos pelos espeleólogos de forma geral. As mostras de caracóis
animais e até mesmo seu DNA vêm crescendo em importância e cavernícolas que chegam às coleções que possuem especialistas
influenciando estudos taxonômicos e filogenéticos. são relativamente raras e em geral coletadas como subproduto
No ambiente cavernícola continental pelo mundo, gastró- de alguma prospecção do sedimento ou de microfauna geral.
podes são achados relativamente comuns, mas raramente ob- Sendo assim, as espécies atualmente descritas de gastrópodes
servamos bivalves de água doce. No entanto, recentemente, foi troglóbios ou troglófilos representam apenas uma pequena
descrita a primeira espécie de bivalve troglóbio para as Amé- fração do que realmente existe no país.
ricas: Eupera troglobia Simone & Ferreira (2022). Nas cadeias De forma geral, as cavernas são consideradas ambientes oli-
ecológicas, os gastrópodes costumam estar na base, principal- gotróficos e a matéria orgânica penetra nestes sistemas carrea-
mente na reciclagem de nutrientes, em especial o cálcio. Parti- da, contínua ou temporariamente por agentes físicos e biológi-
cularmente no ambiente continental (água doce e terrestre), a cos (CULVER, 1982; EDINGTON, 1984; FERREIRA; MARTINS, 1999;
maior parte é herbívora ou detritívora. Há, entretanto, gastrópo- GNASPINI, 1989; HOWARTH, 1983). Dentre os agentes físicos, des-
des carnívoros, como os Streptaxidae, Scolodontidae e Spiraxi- tacam-se os rios, enxurradas e diferentes tipos de drenagens que
dae, caracóis terrestres comuns no Brasil. Destes, Scolodontidae percolam o teto ou paredes através de aberturas ou fraturas exis-
são recorrentes em cavernas. tentes (GIBERT et al., 1994; JUBERTHIE; DECU 1994). Assim, a gran-
Na América do Sul, apenas a classe Gastropoda tem represen- de maioria dos caracóis cavernícolas são de animais detritívoros,
tantes cavernícolas. Dentre eles, vários grupos desenvolveram que compõem a base da cadeia alimentar e parecem ser impor-
adaptações ao ambiente subterrâneo de forma independente, tantes no ecossistema cavernícola, no mínimo como fonte e reci-
como será explicado a seguir. Sendo assim, o presente capítulo ex- clagem de proteínas e de micronutrientes. Além disso, algumas
clui animais claramente de ambiente epígeo (e.g., SALVADOR et al., espécies associadas a regiões cársticas podem ser encontradas
2017, 2021; SIMONE; CASATI, 2013). Conchas de gastrópodes e até no interior de cavernas (Figura 1), como as espécies dos gêneros

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Solaropsis (Figura 1A), Megalobulimus (Figura 1B), Happia (Figuras trópodes apresentam as seguintes características (especializa-
1C, D), Lamellaxis (Figuras 1E, F), Entodina (Figura 1G) e Leptina- ções) morfológicas:
ria (Figura 1H) (todas as imagens são de espécies provavelmente
novas e ainda em estudo), além de exemplares de Biomphalaria, 1. Tamanho reduzido se comparado ao seus congêneres;
frequentemente encontrados associados a lagoas cársticas. 2. Ausência ou redução da pigmentação, sendo, em geral,
translúcidos, brancos ou bege claros, tanto conchas quan-
Principais grupos encontrados to partes moles.
em cavernas do Brasil 3. Ausência de olhos ou pelo menos significativa redução,
de modo que não são detectados numa visão externa do
Como explicado anteriormente, a fauna cavernícola de animal ativo;
gastrópodes no Brasil é bem pouco conhecida. Uma grande 4. Conchas, em geral, de paredes delgadas e translúcidas.
quantidade de amostras encontra-se depositada em coleções
científicas, mas as espécies ainda precisam ser estudadas e TROGLÓFILAS
descritas (nomeadas). Com essa ressalva, o panorama atual dos
principais táxons que apresentam representantes cavernícolas Espécies adaptadas ao ambiente subterrâneo (incluindo
é bastante subestimado mas, em geral, incluem espécies dos cavernas) e que são capazes de completar o seu ciclo de vida
seguintes grupos: tanto em ambientes epígeos quanto hipógeos. Sendo assim,
Na água doce, quase invariavelmente, são encontrados as espécies de caracóis troglófilos apresentam algumas das
membros da superfamília Truncatelloidea, como Spiripockia características listadas acima, mas não todas. Por exemplo,
(Pomatiopsidae), Heleobia (Cochliopidae), Potamolithus (Tatei- o animal é despigmentado, mas apresenta olhos; ou tem
dae) ou Littoridina (Hydrobiidae), assim como da superfamília ausência de olhos, mas ainda apresenta pigmentação. A
Cyclophoroidea, como Habeastrum (Diplommatinidae). Todos combinação destas características pode, em geral, ser uma
são caramujos minúsculos, entre 2 e 3mm, detritívoros, que vi- ferramenta importante para determinar espécies exclusivas de
vem no sedimento de fundo, ocultos próximo ou sob rochas. ambientes subterrâneos. No entanto, considera-se importante a
Já no meio terrestre, quase todos os achados pertencem à comparação de sua morfologia com parentes epígeos próximos,
superordem Eupumonata, conhecidos como “pulmonados”, e à bem como inventários externos (na superfície) para confirmação
ordem Stylommatophora, como os gêneros Lavajatus (Subulini- do status ecológico evolutivo das espécies.
dae), Habeas (Urocoptidae) e Gastrocopta (Gastrocoptidae). São É claro que essa distinção é por vezes arbitrária, pois
caracóis detritívoros que, em geral, ocorrem próximo à entrada algumas espécies ou populações podem estar em uma fase
das cavernas, possivelmente dependentes de matéria vegetal ainda intermediária de isolamento, apresentando populações
alóctone (Figura 2 e Tabela 1). claramente troglóbias enquanto outras podem ser consideradas
troglófilas, sem, no entanto, haver modificações morfológicas
Principais troglomorfismos significativas que permitam a separação de espécies. Em
alguns casos, já observamos espécies de caramujos com
No que concerne à classe Gastropoda, no geral, o grupo pode indivíduos de uma mesma população totalmente adaptados
ser dividido principalmente em duas categorias, troglóbios e morfologicamente ao ambiente cavernícola (troglóbios),
troglófilos, conforme a seguir: mas com alguns exemplares esparsos contendo ainda olhos
reduzidos ou apenas um dos olhos (assimetria). Isso demonstra
TROGLÓBIAS que os caracteres morfológicos ainda estão sendo assimilados
pela espécie que, aparentemente, ainda se encontra em proces-
Espécies restritas ao ambiente subterrâneo. Em geral, os gas- so de isolamento no ambiente subterrâneo.

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De forma geral, as adaptações ao ambiente cavernícola su- é seu elevado grau de endemismo, isto é, uma dada espécie é
pracitadas devem-se, basicamente, à ausência permanente de encontrada em apenas uma única caverna ou em um conjunto
luz, que em geral exclui a necessidade das espécies apresen- de cavernas próximas, via de regra, sistemas. Em locais ricos em
tarem pigmentação e sistema de orientação visual (olhos). Em cavidades naturais subterrâneas, como por exemplo, o Parque
contrapartida, a diminuição de tamanho e da espessura da con- Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR), no estado de São Pau-
cha parecem ser caracteres voltados à escassez de alimento nes- lo, que apresenta algumas centenas de cavernas, existem espé-
ses ambientes. cies endêmicas a cada uma delas e muitas ainda se encontram
Outra característica dos gastrópodes cavernícolas do Brasil por serem descritas.

Tabela 1. Lista das espécies descritas de gastrópodes cavernícolas e seus registros atualizados.

Família Diplommatinidae
Gênero Habeastrum Simone, 2019

1. Habeastrum omphalium Simone, 2019 (Figura 2B)


Classificação: troglóbia ou troglófila, água doce.
Localização: Gruta Pitangueiras (21°06’37”S 56°34’52”W), Bonito, MS (endêmica).
Referências: (SIMONE, 2019; SIMONE et al., 2020).

2. Habeastrum parafusum Simone, 2019 (Figura 2A)


Classificação: troglóbia ou troglófila, água doce.
Localização: Gruta Pitangueiras (21°06’37”S 56°34’52”W), Bonito, MS (endêmica).
Referências: (SIMONE, 2019; SIMONE et al., 2020).

3. Habeastrum strangei Simone, Cavallari & Salvador, 2020 (Figura 2C)


Classificação: troglófila, água doce.
Localização: Lapa da Fazenda São Bernardo (18°16’37”S 46°06’46”W), Presidente Olegário, MG (localidade-tipo) e outras
cavernas da região central de MG.
Referências: (SIMONE et al., 2020).

Família Tateidae
Gênero Potamolithus Pilsbry, 1896

1. Potamolithus karsticus Simone & Moracchioli, 1994 (Figura 2E)


Classificação: troglófila, água doce.
Localização: Caverna Calcário Branco (24°30’20”S 48°44’25”W), PETAR, Apiaí, SP (endêmica).
Referências: (SIMONE; MORACCHIOLI, 1994; SIMONE, 2006).

2. Potamolithus troglobius Simone & Moracchioli, 1994 (Figura 2D)


Classificação: troglóbia, água doce.
Localização: Caverna Areias, Rio Areias, PETAR, Iporanga, SP (endêmica).
Referências: (SIMONE; MORACCHIOLI, 1994; SIMONE, 2006).

Família Cochliopidae
Gênero Spiripockia Simone, 2012

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1. Spiripockia punctata Simone, 2012 (Figura 2I)


Classificação: troglóbia, água doce.
Localização: Caverna Lapa dos Peixes (13°49’22”S 43°57’24”W), Rio São Francisco, Serra do Ramalho, BA (endêmica).
Referências: (BIRCKOLZ et al., 2016; SIMONE, 2012; SIMONE; SALVADOR, 2021).

2. Spiripockia umbraticola Simone & Salvador, 2021 (Figura 2G)


Classificação: troglóbia, água doce.
Localização: Gruna do Domingão (13°44’41”S 43°49’59”W), Serra do Ramalho, Carinhanha, BA (endêmica).
Referências: (SIMONE; SALVADOR, 2021).

Família Gastrocoptidae
Genus Gastrocopta Wollaston, 1878

1. Gastrocopta sharae Salvador, Cavallari & Simone, 2017 (Figura 2H)


Classificação: troglóbia ou troglófila, terrestre.
Localização: Gruta Revolucionários, Mambaí, GO (endêmica).
Referências: (SALVADOR et al., 2017).

Família Subulinidae
Gênero Lavajatus Simone, 2018

1. Lavajatus moroi Simone, 2018 (Figura 2F)


Classificação: troglófila, terrestre.
Localização: Caverna local (4°33’60.6”S 39°46’44.2”W), Santa Quitéria, CE (endêmica).
Referências: (SIMONE, 2018).

Família Urocoptidae
Gênero Habeas Simone, 2013

1. Habeas corpus Simone, 2013 (Figura 2J)


Classificação: troglófila, terrestre.
Localização: Gruna Três Cobras (13°37’07.6”S 43°45’11.5”W), Serra do Ramalho, Carinhanha, BA (endêmica).
Referências: : (BIRCKOLZ et al., 2016; SIMONE, 2013).

2. Habeas data Simone, 2013 (Figura 2L)


Classificação: troglófila, terrestre.
Localização: Gruna do Cesário (13°31’06.1”S 43°38’26.2”W), Serra do Ramalho, Carinhanha, BA (endêmica).
Referências: (BIRCKOLZ et al., 2016; SIMONE, 2013).

3. Habeas priscus Simone, 2013 (Figura 2M)


Classificação: troglófila ou epígea, terrestre.
Localização: Boqueirão do Maxixe (13°46’51.6”S 43°02’18.7”W), Central, BA (endêmica).
Referências: (BIRCKOLZ et al., 2016; SIMONE, 2013).

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A B C

D E F

G H I

J K L

Figura 1. Exemplares de Gastropoda encontrados em cavernas brasileiras. A) Solaropsis sp. (Solaropsidae) - Carste de Lagoa Santa, MG; B) Megalobulimus sp.
(Strophocheilidae) - Carste de Lagoa Santa, MG; C) Lamellaxis sp. (Subulinidae) - Curionópolis (PA); D) Happia sp. (Scolodontidae) Quadrilátero Ferrífero, MG; E) Happia
sp. (Scolodontidae) - São Félix do Xingu (PA); F) Lamellaxis sp. (Subulinidae) - Montalvânia (MG); G) Lamellaxis sp. (Subulinidae) - Quadrilátero Ferrífero, MG; H) Lamellaxis
sp. (Subulinidae) - Flona Carajás, PA; I) Leptinaria sp. (Subulinidae) - Curionópolis, PA; J-K) Happia sp. (Scolodontidae) - Carste de Iuiú, BA; L) Entodina sp. (Scolodontidae)
- Serra do Cipó, MG. Comprimento das conchas: A (~50 mm); B (~80 mm); C-L (~10-5 mm). Fotos: A-D, G, I (Robson de A. Zampaulo); F, H, J-L (Lucas M. Rabelo); E (Matheus
H. Simões).

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A B C D E

F G H I

J K L

Figura 2. Conchas das espécies cavernícolas do Brasil descritas até o momento: A) Habeastrum parafusum, holótipo MZSP 134301 (L 1.4 mm);
B) H. omphalium, holótipo MZSP 135583 (L 1.6 mm); C) H. strangei, holótipo (MEV) MZSP 151626 (L 2.1 mm); D) Potamolithus troglobius, holótipo
MZSP 27947 (L 2 mm); E) P. karsticus, holótipo MZSP 27943 (L 2 mm); F) Lavajatus moroi, holótipo MZSP 131060 (L 34.7 mm); G) S. umbraticola,
holótipo MZSP 151099 (L 5.2 mm); H) Gastrocopta sharae, holótipo MZSP 122725 (L 1.9 mm); I) Spiripockia punctata, holótipo MZSP 105000 (L 4.6
mm); J) Habeas corpus, holótipo MZSP 110000 (L 10.3 mm); K) H. data, holótipo MZSP 106810 (L 5.7 mm); L) H. priscus, holótipo MZSP 103044 (L
4.6 mm).

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Diversidade de espécies do, o ideal é transferi-las para álcool 70%. Outra recomendação
troglóbias descritas para o Brasil importante é fotografar os animais ainda vivos e ativos antes
de fixá-los, pois a imagem pode ajudar na determinação de es-
Relativamente poucas espécies cavernícolas foram descritas truturas externas. Para material a ser depositado, por exemplo,
até o momento para o território brasileiro, as quais estão listadas no Museu de Zoologia da USP – MZUSP, não há necessidade de
na Tabela 1. Destas, seis espécies foram consideradas potencial- qualquer protocolo prévio, basta sacrificar os indivíduos dire-
mente como troglóbias (Figura 3). Apesar de Salvador e colabo- tamente no álcool. Alguns centros de pesquisa exigem narco-
radores (2022) listarem 18 espécies exclusivamente cavernícolas tização para relaxamento dos exemplares para posterior estudo.
(troglóbias), muitas destas espécies não apresentam troglomor- Outra ação interessante é preservar uma subamostra em álcool
fismos. Entretanto, é certo que estas espécies correspondem a absoluto e mantê-la em ultrafreezer (quando possivel) ou em
apenas uma fração do que realmente existe. Muito estudo ain- freezer, visando posterior sequenciamento de DNA.
da é necessário para que essa lista atinja um nível satisfatório
e representativo da malacofauna desse ambiente, sendo extre- Chave de identificação
mamente importante a destinação do material obtido nos in-
ventários em diferentes regiões do país a coleções que possuam De forma geral, as chaves dicotômicas não funcionam muito
especialistas. bem para Gastropoda. Para identificação correta dos grupos e
A Tabela 1 mostra que, até o momento, sete espécies de ou espécies, a consulta a diagnoses é necessária, assim como
prosobrânquios de água doce e cinco espécies de pulmonados estudos morfológicos detalhados ou mesmo métodos mole-
terrestres foram descritas para ambientes cavernícolas no país, culares. De toda forma, para aqueles interessados em iniciar a
podendo ser classificados como troglóbios ou pelo menos taxonomia do grupo, vale a pena consultar Simone (2006) e Bir-
troglófilos. Quando houve dúvida nessa classificação, a palavra ckolz et al. (2016).
“ou” foi introduzida na lista, geralmente no caso de espécies
apenas conhecidas pela concha. Principais coleções do Brasil

Principais métodos Como visto na lista acima, todas as referências de estudos


de coleta e conservação voltados para malacofauna cavernícola tiveram Simone como
um dos autores. Naturalmente, todo o material estudado en-
O principal método de coleta de gastrópodes cavernícolas e contra-se depositado no Museu de Zoologia da Universidade
o mais efetivo é pela busca ativa direta. Em geral, eles não cos- de São Paulo - MZUSP, em especial os exemplares-tipo. Outras
tumam cair em armadilhas e, por sua fragilidade, não resistem a grandes coleções, como Museu Nacional da Universidade Fede-
métodos de raspagem ou arrasto. Além disso, para organismos ral do Rio de Janeiro – UFRJ, da Universidade Federal de Juiz de
terrestres é efetiva a coleta de exemplares associados a paredes Fora – UFJF, entre outras, que apresentam boa amostragem de
ou embaixo de blocos, locais que não permitem a instalação de moluscos não marinhos, também devem ter em seus acervos
armadilhas. Geralmente, faz-se necessário o uso de bons siste- malacofauna cavernícola. Entretanto, tal material é considerado
mas de iluminação (lanternas), uma vez que muitas espécies são inédito.
crípticas. Pela fragilidade dos espécimes, o ideal não é coletá-los
com pinça ou com os dedos, mas sim, usar um pincel delicado e Agradecimentos
empurrá-los para o interior de frascos de coleta.
No caso de animais de água doce, que vivem no sedimento, A maior parte do material cavernícola disponível para
a técnica de visualização e coleta direta também é a mais estudo no MZUSP proveio de projetos da Profa. Dra. Maria Elina
comum, mas é possível também usar peneiras condizentes Bichuette da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, que
com o tamanho do sedimento e dos animais. Algumas vezes, proporcionou a maior parte das descobertas em suas pesquisas
é necessário coletar uma porção do sedimento e triá-lo no pelo Laboratório de Estudos Subterrâneos – LES. A Robson
laboratório sob estereomicroscópio (lupa), separando os de Almeida Zampaulo, a Lucas Mendes Rabelo e a Matheus
animais do sedimento com pincel. Henrique Simões pelas imagens dos exemplares vivos e ajuda
A conservação das amostras ideal é em álcool etílico. Por 2 com o texto.
a 3 dias o álcool pode ser concentrado a 96%. Após este perío-

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Figura 3. Mapa com a localidade-tipo das espécies de gastrópodes troglóbios descritos para o Brasil.

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Referências

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Fotos: Robson de Almeida Zampaulo

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