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AS REDES SOCIAIS DIGITAIS COMO

ACONTECIMENTOS ENUNCIATIVOS DE
INTERAÇÕES DISCURSIVAS
Manassés Morais Xavier
Copyright © dos autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida, transmiti-
da ou arquivada, desde que levados em conta os direitos dos autores.

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Prof. Dr. Fábio Marques de Souza (UEPB, Brasil)
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Comitê Científico
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Profa. Dra. María Isabel Pozzo (IRICE-Conicet-UNR, Argentina)
Profa. Dra. Maria Manuela Pinto (Universidade do Porto, Portugal)

Xavier, Manassés Morais


As redes sociais digitais como acontecimentos enunciativos de
interações discursivas / Manassés Morais Xavier. - São Paulo:
Editora Mentes Abertas, 2023.

ISBN 978-65-80266-72-2
DOI 10.47180/978-65-80266-72-2

1. Análise do discurso. 2. Interações discursivas. 3. Estudos do dis-


curso. Redes sociais. I. Título. II. Autor.

CDD 418

Diagramação e capa
Déborah Letícia Ferreira de Sousa

1ª edição
JANEIRO / 2023
Com carinho,

à mamãe, Maria Zenóbia, meu exemplo de amor!; e


à madrinha, Gilma, minha segunda mamãe!
SUMÁRIO
LINGUAGEM, REDES SOCIAIS E SOCIEDADE –
UM PREFÁCIO REVERENTE .............................................................................................................. 5
Ana Elisa Ribeiro

PALAVRAS INICIAIS .............................................................................................................................. 8

A LINGUAGEM ENQUANTO FENÔMENO SOCIAL DE INTERAÇÕES


DISCURSIVAS .......................................................................................................................................... 13
Linguística: entre bases e perspectivas ........................................................................................... 13
A interação discursiva no contexto da Teoria Dialógica da Linguagem .............................. 26

AS REDES SOCIAIS DIGITAIS ENQUANTO ECOSSISTEMAS


COMUNICATIVOS DE INTERAÇÕES DISCURSIVAS ......................................................... 38
As redes sociais digitais ....................................................................................................................... 42
Redes sociais digitais e ecossistemas comunicativos de
interações discursivas .......................................................................................................................... 54
Proposta de abordagem dialógico-discursiva de enunciados concretos em
circulação nas redes sociais digitais ................................................................................................ 59

ACONTECIMENTOS ENUNCIATIVOS: INTERAÇÕES DISCURSIVAS


EM REDES SOCIAIS DIGITAIS .......................................................................................................... 67
Acontecimento enunciativo –
O samba-enredo 2020 da Mangueira “A verdade vos fará livre” ........................................... 70
Acontecimento enunciativo –
Jair Bolsonaro, o “Messias”, o “Jesus” traído ................................................................................. 86
Acontecimento enunciativo –
Weintraub fica calado ou presta depoimento em silêncio? Eis a questão! ......................... 99
Acontecimento enunciativo –
O caso Miguel: primeira-dama é acusada pela morte do garoto .......................................... 107
Acontecimento enunciativo –
A COVID-19 em foco ............................................................................................................................. 112

PALAVRAS FINAIS .............................................................................................................................. 122

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 126

SOBRE O AUTOR ................................................................................................................................. 132


As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

LINGUAGEM, REDES SOCIAIS E SOCIEDADE –


UM PREFÁCIO REVERENTE
Ana Elisa Ribeiro1

OS ESTUDOS DAS RELAÇÕES entre linguagem, língua e tecnolo-


gias não se esgotarão. Já há tempos que eles têm se mostrado sempre
desafiadores, na medida em que não se tratam de lados opostos de uma
moeda ou de polos de um circuito linear. Estamos lidando com as co-
nexões, com as relações, com interinfluências, de maneira que o que
muda e se transforma nas tecnologias movimenta também o cenário
nas linguagens e vice-versa – e destaco o vice-versa. A despeito da exis-
tência de quem ainda pense que as tecnologias sejam determinantes
para as linguagens, em mão única, estudos importantes, como este do
professor Manassés Morais Xavier, nos mostram, com precisão e serie-
dade, as relações e interações flagrantes quando pessoas leem e escre-
vem intermediadas por plataformas a que chamamos redes sociais.
Neste trabalho, resultado de seu estágio pós-doutoral na Univer-
sidade Federal da Paraíba (UFPB), Manassés Morais Xavier, docente
da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), dois centros de
excelência em pesquisa linguística, desenha uma investigação primo-
rosa que parte de seu repertório teórico – especialmente em Bakhtin e
Martín-Barbero; passa pela exposição de uma metodologia que se de-
bruça sobre as interações (postagens e comentários) reais de pessoas
que se manifestam em redes sociais como o Instagram, entre outras,
inclusive apresentando esses ambientes ao leitor e à leitora; constrói
uma análise coerente e relevante sobre o que ali ocorre, em especial
1
Professora titular do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Doutora em Linguística Aplicada. Pesquisadora do
CNPq e da Fapemig. Instagram: @anadigital

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por meio de situações escolhidas, isto é, o pesquisador seleciona cinco


“acontecimentos enunciativos” específicos, que “dão o que falar”, como
dizemos popularmente, a fim de observar e analisar as interações ali,
quais sejam: (1) a publicação do samba-enredo da Mangueira, esco-
la de samba carioca, (2) uma notícia sobre o ex-presidente da repú-
blica, (3) uma notícia sobre um ex-ministro da educação do governo
anterior, (4) um caso de assassinato de criança que mobilizou o país e
(5) uma notícia sobre a Covid-19. O coração do trabalho de Manassés
Xavier é justamente essa análise, que põe em evidência as interações
que ali ocorrem, dando ensejo a conclusões importantes sobre discur-
so e sociedade. Segundo o autor deste livro intitulado As redes sociais
digitais como acontecimentos enunciativos de interações discursivas,
obra que se soma ao rol das mais relevantes no tema, “lemos as redes
sociais como o convite ao exercício dialógico de responder a enuncia-
dos concretos por natureza”. Além disso, elas se revelam como “terre-
no propício para a não indiferença à palavra enquanto signo, e signo
ideológico”, já que as pessoas em interação nesses espaços explicitam,
segundo o investigador, uma “perspectiva de uso da palavra orientada
para a interação discursiva, podendo perceber e construir pontos de
vista, valorações”, tal como é possível flagrar e confirmar nos dados or-
ganizados e sistematicamente aqui apresentados.
Manassés Xavier defende, então, com base em sua investigação
que conecta aspectos do campo da Linguística e da Comunicação, que
as redes sociais digitais são um “lugar essencialmente constituído pelo
social, em que as interações discursivas ganham horizontes axiológi-
cos de produção, de circulação e de recepção de sentidos”. Tal conclu-
são nos afasta com vigor de visões muito instrumentalistas, tecnicis-
tas ou excessivamente deterministas das tecnologias na relação com a
linguagem, e mais, com o humano. Somos gentilmente trazidos a uma
reflexão muito mais sofisticada, sem que ela seja ilegível ou hermética.

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Trata-se de um trabalho generoso, que agora vem à luz na forma de um


livro acessível. Para o autor, nas redes sociais temos sujeitos que “assu-
mem seus pontos de vista, promovendo, nessas condições, o exercício
de ler e de responder a enunciados concretos”, isto é, sendo ativos e
interferindo nos elos dessa corrente dos discursos, participando dela,
dinamicamente. Esta será uma boa e relevante leitura tanto para os
iniciados e já investigadores do campo quanto para quem ainda pre-
tende se aprofundar nestas questões, que são emergentes e urgentes
em nosso tempo e para o futuro.

Belo Horizonte, janeiro de 2023.

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PALAVRAS INICIAIS
O PRESENTE TRABALHO É oriundo das investigações realizadas,
em 2020, no Estágio de Pós-Doutorado, junto ao Programa de Pós-Gra-
duação em Linguística da Universidade Federal da Paraíba (PROLING/
UFPB), vinculado à Área de Concentração Linguística e Práticas So-
ciais e, consequentemente, à Linha de Pesquisa Discurso e Sociedade.
O Estágio Pós-Doutoral teve supervisão da Profa. Dra. Maria de Fátima
Almeida.
A pesquisa, do ponto de vista analítico, se constituiu de leituras
dialógico-discursivas de interações em redes sociais digitais, a respei-
to de discursos preenchidos pelas axiologias de sujeitos sociais inscri-
tos nas redes, seja por meio de postagens, seja por meio de comentários
on line: dialógico, por entendermos, segundo o Círculo de Bakhtin, que
os enunciados se encontram em inter-relação com outros enunciados,
entrelaçam-se como correias de transmissão entre dizeres; e discur-
sivo, por lermos que tais enunciados vinculam-se à filiações histori-
camente erguidas a partir de campos específicos de comunicação que,
numa dimensão ideológica, situam modos de dizer arquitetados em
função de práticas valorativas de linguagem.
Logo, os processos de interações nas redes sociais digitais foram li-
dos, na pesquisa, como atos de compreensões responsáveis e responsi-
vas (XAVIER, 2020) e como réplicas valorativas a enunciados concretos
(VOLÓCHINOV, 2019a [1930]; 2019b [1930]; 2019c [1930]; 2017 [1929]; e
BAKHTIN, 2016 [1952-1953]; 2015 [1930]; 2010 [1920-1924]).
É oportuno destacarmos que compreendemos as redes sociais di-
gitais enquanto ecossistemas comunicativos. Essa compreensão é pro-
veniente de Martín-Barbero (2009; 2000) que, ao tratar da relação en-
tre processos de comunicação, indivíduos e aparato midiático, prega a

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existência de ecossistemas comunicativos como formas de aquisição


do saber a partir de espaço tecnológico em que há a circulação de indi-
víduos, bem como de produção, de circulação e de recepção de sentidos.
Com base nesse posicionamento teórico dos estudos da comunica-
ção, consideramos a concepção de redes sociais digitais enquanto ecos-
sistemas comunicativos de interações discursivas: o que corresponde a
oferecer uma postura metodológica que insere ao espaço de audiência
participativa/ativa proporcionada pelos modos de atuação social em
redes, via linguagem, produtivas oportunidades de, dialogicamente,
compreender a dinâmica responsiva da vida verboideológica em situ-
ações concretas e historicamente situadas de comunicação discursiva.
A questão-problema que gerenciou a investigação foi a seguinte:
quais as relações dialógico-discursivas são convocadas em redes sociais
digitais, enquanto ecossistemas comunicativos de interações discursi-
vas, no que concernente à produção, circulação e recepção de discursos
e, de forma consequente, à percepção e à construção de pontos de vista
sobre questões sociais e culturais difundidas, em 2020, nas redes Face-
book, Instagram e YouTube?
Para responder a questão levantada, elegemos como objetivos:
geral - analisar as interações em redes sociais digitais, enfocando a sua
natureza de ecossistema comunicativo de circulação de práticas so-
ciais, históricas e culturais de linguagem; e específicos - ler as relações
dialógicas e axiológicas estabelecidas nas redes por meio: a) da circu-
lação de postagens de enunciados concretos em redes com temáticas
sociais e culturais; e b) das construções de sentidos de leitores sobre as
postagens a partir da produção de comentários on line; e, ainda, c) des-
crever/analisar a natureza de audiência participativa/ativa das redes
e os seus efeitos valorativos em processos de interações discursivas.
Tendo como referência tais objetivos, elegemos como objeto de

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estudo os processos de interações discursivas desenvolvidos em re-


des sociais digitais: ecossistemas comunicativos de produtivo trânsito
de vozes, argumentações, de pontos de vista. Portanto, constituem-se
como objeto de estudo as interações em postagens e em comentários de
usuários das redes sociais digitais sobre diferentes temas.
Esse traçado de investigação científica partiu do entendimento de
que os signos surgem no processo de interação discursiva entre uma
consciência individual e outra. Entre um homem e outro falando, se ex-
pressando. É nesse plano que a linguagem é compreendida, pelo Círcu-
lo de Bakhtin, como fruto de relações empreendidas entre indivíduos
organizados no social.
Em Volóchinov (2017 [1929], p. 205, grifos do autor), há um trecho
clássico que não podemos deixar de explicitá-lo nesse momento:

A importância da orientação da palavra para o in-


terlocutor é extremamente grande. Em sua essên-
cia, a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada
tanto por aquele de quem ela procede quanto por
aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela é
justamente o produto das inter-relações do falante
com o ouvinte. Toda palavra serve de expressão ao
“um” em relação ao “outro”. Na palavra, eu dou for-
ma a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por
fim, da perspectiva da minha coletividade. A palavra
é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma
das extremidades em mim e a outra no interlocutor.
A palavra é o território comum entre o falante e o
interlocutor.

Desse modo, a língua(gem) é tratada como social e ideologica-


mente marcada. Ela “[...] movimenta-se ininterruptamente, seguindo

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em seu desenvolvimento a vida social.” (VOLÓCHINOV, 2019b [1930], p.


267), bem como “[...] a essência real da língua é o acontecimento social
da interação discursiva, realizada em um ou mais enunciados.” (VOLÓ-
CHINOV, 2019b [1930], p. 268, grifos do autor).
Portanto, para o Círculo de Bakhtin, a linguagem é vista sob o
prisma de práticas sociais, cujos usos especificam interações entre in-
divíduos que se envolvem em processos de significações, promovendo o
exercício dialógico da vida verbal (discursiva) em ambiências de enun-
ciação.
Em se tratando de questões metodológicas, o trabalho de estudos
teóricos e de seleção/análise do corpus foi realizado, ao longo dos me-
ses de fevereiro a setembro de 2020, período em que o Estágio de Pós-
-Doutorado se desenvolveu. Em função, sobretudo, da análise de dados,
selecionamos postagens e comentários em três redes sociais digitais, a
saber: Facebook, Instagram e YouTube.
Para a construção do corpus, selecionamos os seguintes aconteci-
mentos enunciativos que trouxeram, como pauta de discussão, temas
sociais recorrentes naquele ano, a saber:
- O samba-enredo 2020 da Mangueira, “A verdade vos fará livre”,
– na postagem, na data de 24/02/2020, da Deputada Federal, por São
Paulo, Sâmia Bomfim, no Facebook, que replicou, de modo positivo, a
temática levantada pela escola de samba carioca;
- Jair Bolsonaro, o “Messias”, o “Jesus” traído – nas postagens no
Facebook de sujeitos que, em suas redes, socializaram a repercussão da
Reunião Ministerial ocorrida em 22/04/2020 e que se tornou conheci-
da a partir da renúncia, em 24/04/2020, do Ministério da Justiça por
Sérgio Moro;
- Weintraub fica calado ou presta depoimento em silêncio? Eis a
questão! – nas postagens no Instagram do Jornal O Globo e do Portal R7

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sobre o depoimento do ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub;


- O caso Miguel – em postagem no YouTube sobre a morte da crian-
ça, Miguel, de 05 anos, que caiu do nono andar de um edifício de alto
padrão localizado em área nobre do Recife, capital pernambucana, en-
quanto sua mãe, para realizar uma tarefa em seu trabalho, o deixou aos
cuidados de sua patroa; e
- A COVID-19 em foco – nas postagens do Jornal Hoje no Instagram
e do Jornal da Jovem Pan no YouTube sobre o avanço da pandemia no
Brasil.
No que toca à organização deste livro, destacamos: esta intro-
dução (denominada de palavras iniciais), que esboça a contextualiza-
ção da pesquisa; dois capítulos teóricos, um, que aborda a linguagem
enquanto um fenômeno de interação discursiva à luz dos estudos do
Círculo de Bakhtin, e outro, que, por sua vez, destina-se ao tratamento
das redes sociais digitais a partir da visão de ecossistemas comunicati-
vos de interações discursivas, recebendo, para tanto, contribuições de
estudiosos como Martín-Barbero (2009; 2000), Xavier (2020), Cunha
(2017; 2014), dentre outros; e um capítulo analítico, em que são trata-
dos cinco acontecimentos enunciativos extraídos das redes sociais Fa-
cebook, Instagram e YouTube. Para além desses capítulos, a obra ainda
contempla palavras finais e lista de referências bibliográficas utiliza-
das na fundamentação de patrimônio teórico contida nesta pesquisa.
A seguir, apresentamos o primeiro capítulo teórico intitulado de
A linguagem enquanto fenômeno social de interações discursivas.

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A LINGUAGEM ENQUANTO FENÔMENO SOCIAL


DE INTERAÇÕES DISCURSIVAS
Linguística: entre bases e perspectivas

O INÍCIO DO SÉCULO XX, mais precisamente o ano de 1916, mar-


cou, no âmbito da literatura universal, o reconhecimento da Linguís-
tica enquanto ciência. Esse estatuto deveu-se, significativamente, à
publicação do Curso de Linguística Geral, do linguista genebrino Ferdi-
nand de Saussure: obra póstuma organizada por Charles Bally e Albert
Sechehaye, com a colaboração de Albert Ridlinger, a partir da partici-
pação destes em três cursos ministrados por Saussure na Universidade
de Genebra entre os anos de 1907 e 1910.
No sentido de alcançar a cientificidade, a Linguística, adjetiva-
da de Moderna1, instituiu a linguagem2 como objeto de estudo e, para
investigar seu objeto, elegeu o método empírico, isto é, o olhar meto-
dológico para as experiências vividas – estabelecer objeto e método é
condição vital para a constituição de toda e qualquer ciência. Com isso,
não almejamos afirmar que antes dos estudos saussurianos não se re-
alizavam discussões sistemáticas sobre a língua. Não. Na realidade, os
estudos que até então eram produzidos se pautavam, exclusivamente,
em uma abordagem especulativa, estética, para cumprir finalidades
canônicas, as belas letras, desprezando, assim, uma abordagem descri-

1
Tal atributo deriva das contribuições do pensamento de Saussure. Por esse motivo, ele recebeu,
de um ponto de vista didático, podemos assim dizer, a nomenclatura de Pai da Linguística Mo-
derna, como também de Divisor de Águas.
2
Nas primeiras correntes da Linguística Moderna, como a de Saussure, o objeto de estudo es-
tabelecido foi a língua e suas relações internas. A linguagem, como defendemos nesta pesquisa,
veio a ser estudada enquanto objeto complexo, escorregadio por natureza, a partir de outras
correntes que surgiram ao longo do primeiro século de reconhecimento científico, conforme ve-
remos mais adiante.

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tiva desse objeto de investigação – a língua.


Nas palavras de Cunha, Costa e Martelotta (2008, p. 20), a Lin-
guística projetou-se na literatura científica por eleger, primeiramente,
“[...] a capacidade da linguagem, que é observada a partir dos enuncia-
dos falados e escritos [...]” como objeto de estudo e, segundamente, por
compreender que a Linguística “[...] tende a ser empírica, e não especu-
lativa ou intuitiva, ou seja, tende a basear suas descobertas [...] com da-
dos publicamente verificáveis por meio de observações e experiências”.
Ainda segundo os autores citados no parágrafo anterior, é possí-
vel associar que o reconhecimento da Linguística, enquanto ciência,
deu-se pelas descrições aprofundadas das capacidades de linguagem
que organizaram/organizam o olhar teórico-metodológico das corren-
tes linguísticas em função, basicamente, de um conjunto de algumas
características:
1) Uma técnica articulatória complexa – movimentos corporais
necessários à constituição de uma língua natural (1ª articulação mor-
fológica e 2ª articulação fonológica);
2) Uma base neurológica utilizada na comunicação verbal – ca-
racterística que enfatiza a relação entre o funcionamento da lingua-
gem com uma estrutura biológica;
3) Uma base cognitiva responsável pelas relações entre homem e
mundo biossocial – trata da representação do mundo em termos lin-
guísticos, destacando o papel da linguagem não apenas como organi-
zadora do pensamento, mas também como um dispositivo de compre-
ensão e de categorização das vivências de mundo;
4) Uma base sociocultural que acentua as heterogeneidades que
a linguagem apresenta no tempo e no espaço – considera as particula-
ridades dos grupos sociais e as diferentes e recorrentes formas de uso
da linguagem; e

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5) Uma base comunicativa de interação entre falantes – estuda as


interações entre os indivíduos ou os grupos sociais a que se filiam e que
se revelam nas estruturas da língua.
Em se tratando das denominações linguagem, língua e Linguísti-
ca, entendemos como oportuno um esclarecimento oferecido por John
Lyons no livro intitulado Língua(gem) e linguística: uma introdução
(2009). O linguista inglês, por meio de indagações pertinentes, convida
seus leitores a refletirem sobre o papel da linguagem e da língua como
definidor na constituição do caráter de cientificidade da Linguística:
“[...] qual o significado exato de “língua(gem)” e de “científico”? Poderá
a linguística, tal como é praticada atualmente, ser corretamente des-
crita como uma ciência?” (2009, p. 01, grifos do autor).
O estudioso elucida que pensar em linguagem é pensar em vida3:
elemento que, por sua natureza heterogênea, escapa, não consegue ofe-
recer a ciência resultados precisos como os obtidos em áreas exatas
através de experimentos laboratoriais; elemento altamente complexo
que procedimentos metodológicos e científicos não podem dar conta
em absoluto. Dessa afirmação deriva a assertiva de que abordar a lin-
guagem corresponde a observar as diferentes possibilidades e probabi-
lidades de manifestação de vida, de uso social – o que salienta a nossa
observação na nota de rodapé 3.
No sentido de situar um conceito de linguagem, Lyons (2009)
apresenta algumas definições advindas de diferentes linguistas. Den-
tre elas, destacamos três: 1) “[...] a linguagem é um método puramente
humano e não instintivo de se comunicarem ideias, emoções e dese-
jos por meio de símbolos voluntariamente produzidos” (SAPIR, apud
LYONS, 2009, p. 03); 2) “[...] instituição pela qual os humanos se comu-
nicam e interagem uns com os outros por meio de símbolos arbitrários
3
Essa concepção também é encontrada nos estudos da Teoria Dialógica da Linguagem, do Círculo
de Bakhtin, como veremos ainda neste livro.

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orais-auditivos habitualmente utilizados” (HALL, apud LYONS, 2009, p.


04); e 3) “[...] doravante, considerarei a língua(gem) como um conjunto
(finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e
construída a partir de um conjunto finito de elementos.” (CHOMSKY,
apud LYONS, 2009, p. 05).
Em relação à definição de Sapir, Lyons (2009) aponta fragilidades,
pois, conforme Lyons, há muito que se comunicar pela linguagem e que
não é contemplado pela “ideia”, pela “emoção” e pelo “desejo”. Outra
questão destacada pelo linguista inglês é se as línguas são puramente
humanas e não instintivas. Ele diz, sobre esse aspecto, que, ainda hoje,
há muitas dúvidas na literatura científica.
Sobre o posicionamento de Hall, Lyons (2009) evidencia que são
incorporados os fatores de comunicação e de interação – sendo esta
mais abrangente do que aquela. O autor aproxima as definições de
Sapir e Hall como oriundas do pensamento que vincula a linguagem
como uma instituição puramente humana e social.
No que concerne à definição extraída de Chomsky, a discussão
empreendida por Lyons (2009) acentua o movimento conhecido como
gramática transformativa de estudo da geração de sentenças linguísti-
cas. Esse movimento foca seu olhar nas propriedades estruturais das
línguas naturais. O linguista menciona a não atenção destacada por
Chomsky à função comunicativa e à natureza simbólica dos elementos
das línguas naturais.
A intenção dessa breve reflexão sobre diferentes concepções de
linguagem estabelece-se por aclarar, a nosso ver, três conceitos fun-
damentais, a saber: linguagem, língua e Linguística. Corroboramos
Cunha, Costa e Martelotta (2008, p. 15-16) ao apresentarem que o ter-
mo linguagem, em sua essência, possui mais de um sentido: “[...] ele é
mais comumente empregado para referir-se a qualquer processo de

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comunicação, como a linguagem dos animais, a linguagem corporal, a


linguagem das artes, a linguagem da sinalização, a linguagem escrita,
entre outras”.
Logo, ao reportarmos à noção de linguagem, fazemos referência as
mais variadas formas de comunicação e de expressão que provocam a
construção de sentidos em situações interacionais entre indivíduos e/
ou grupos sociais. Dentre essas formas estão as línguas naturais.
Em um texto clássico muito estudado nos cursos de Letras e Lin-
guística no Brasil, Linguagem, língua e linguística, assinado por Marga-
rida Petter (2004), há uma discussão consideravelmente didática que
elucida uma apresentação dos três conceitos supracitados, demons-
trando a necessidade de sua diferenciação.
Para definir língua, Petter (2004) utiliza as palavras de Saussure
que a institui como um sistema de signos ou um conjunto de unidades
que mantém relação organizadamente dentro desse sistema. Assim, a
língua – tomada como dispositivo de comunicação – é uma forma de
linguagem, é um sistema socializado que se articula e que, portanto,
pode e deve ser descrito; é uma estrutura estruturada (forma) e es-
truturante (admite interferências externas à forma) que reivindica ser
investigada, descrita e analisada. É nesse contexto que se revela a Lin-
guística, cuja finalidade consiste em

[...] elucidar o funcionamento da linguagem huma-


na, descrevendo e explicando a estrutura e o uso das
diferentes línguas faladas no mundo. Esse é seu ob-
jeto empírico. No entanto, o objeto empírico é dife-
rente dos objetos observacionais teóricos. O objeto
observacional é a “região” do objeto empírico que
será objeto de estudo. Sendo ele delimitado, estabe-
lecem-se entidades básicas, a partir das quais serão

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

atribuídas propriedades aos fenômenos pertencen-


tes ao campo de análise, e serão determinadas rela-
ções entre eles. O objeto observacional converte-se
então em objeto teórico. (FIORIN, 2013a, p. 42, grifos
do autor).

Nesses termos, reconhecendo o funcionamento da linguagem hu-


mana4, a Linguística desenvolve abordagens teóricas e metodológicas
que investigam tal funcionamento inserido em campos da comunica-
ção discursiva5 determinados, configurando o que Fiorin (2013a) cha-
mou de “região” do objeto empírico de estudo.
Dessa forma, a Linguística admite estudos científicos sobre a lín-
gua e seu funcionamento, considerando: 1) a condição de língua en-
quanto dispositivo de linguagens – logo, a linguagem é seu objeto de
estudo; 2) metodologicamente, a descrição – e não, unicamente, a pres-
crição – dos fenômenos de linguagem; e 3) o seu estabelecimento como
um ramo específico das Ciências Humanas, relacionando-se, inclusive,
com outras áreas do conhecimento científico.
Fiorin (2017; 2013a), Lyons (2009), Cunha, Costa e Martelotta
(2008), Paveau e Sarfati (2006) e Petter (2004) destacam, enfaticamen-
te, o estatuto científico da Linguística como um conhecimento situado
e como um conhecimento que, para desenvolver reflexões sobre seu
objeto, é imprescindível recorrer a outros conhecimentos que possuem,
por sua vez, outros objetos de investigação.

Os estudiosos da linguagem adquirem consciências


da tarefa que lhe cabe: utilizando-se de uma meto-
dologia adequada, estudar, analisar e descrever as
línguas a partir dos elementos formais que lhes são
4
A expressão linguagem humana pode ser compreendida como sinônimo de língua.
5
A noção de campos da comunicação discursiva será desenvolvida ainda neste livro.

18
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

próprios. Entretanto, isso não significa dizer que a


linguística encontra-se isolada das demais ciências
e de outras áreas de pesquisa. Ao contrário, existem
relações bastante estreitas entre elas, o que faz com
que, algumas vezes, seus limites não se apresentem
nitidamente. (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2008,
p. 22).

Na verdade, a Linguística, no âmbito da literatura científica, ocu-


pa um lugar específico. No entanto, dependendo dos interesses parti-
culares das correntes que desenham o comportamento das pesquisas
na área, a Linguística dialoga com outros conhecimentos, imprimindo
relação de proximidade e articulando, para tanto, duas faces que man-
tém contato: 1) com ciências que não têm a linguagem como objeto
de estudo pontual, como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, a
História, dentre outras; e 2) com áreas que possuem a linguagem como
objeto de investigação, como a Gramática Tradicional, a Filologia e, em
grau menor, conforme os autores supracitados, a Semiologia.
Hoje, a Linguística pode ser estudada por meio de dois paradig-
mas: o formalista e o funcionalista. Ambos tratam a linguagem a partir
de correntes que possuem aspectos teórico-metodológicos e objetivos
particulares.
O paradigma formalista caracteriza-se pela autonomia da sintaxe
da língua. “Em outras palavras, de forma geral, o formalismo da gramá-
tica chomskiana é definido pela priorização do “formal” [...] e pela im-
posição de uma metodologia de pesquisa que trata esse “formal” com
absoluta independência de suas relações.” (BORGES NETO, 2004, p. 84,
grifos do autor).
Em se tratando de teorias linguísticas, é preciso destacar que o
objetivo metodológico do formalismo incide sobre a descrição da lín-

19
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

gua, compreendendo-a, inclusive, como uma manifestação de lingua-


gem que, por sua vez, mantém, entre si, relações internas articuladas.
Portanto, possui funções específicas dentro de uma concepção de lin-
guagem que entende a forma como propiciadora do estabelecimento
de comunicação social.
São bem-vindas as palavras de Fiorin (2008, p. 28), para quem,

[...] atualmente, a crítica à Linguística estrutural


muitas vezes parece desconhecer sua importância
e, mais ainda, sua fecundidade. O método da comu-
tação, por exemplo, permitiu uma análise rigorosa
de diferentes planos da linguagem. Da fonologia à
semântica da palavra seus êxitos foram enormes.

Essa visão carrega consigo um posicionamento que defende a re-


levância do paradigma formalista aos estudos linguísticos, o que cor-
roboramos veementemente. Essa concepção também é percebida no
texto de Borges Neto (2004), apesar da nossa discordância com o título
dado pelo autor ao texto referendado neste capítulo – Formalismo X
funcionalismo nos estudos linguísticos. Não compreendemos que os pa-
radigmas estão se digladiando, como a semântica da expressão versus
requer, mas se complementam e convocam escolhas teórico-metodo-
lógicas particulares, específicas, para o trato com a linguagem, confir-
mando o produtivo e clássico pensamento: “[...] bem longe de dizer que
o objeto precede o ponto de vista, diríamos que é o ponto de vista que
cria o objeto.” (SAUSSURE, 2012 [1916], p. 39).
E como se define o paradigma funcionalista? Neste paradigma, a
questão a ser respondida não se limita à estrutura ou ao significado
dicionarizado das expressões da língua. “Tem a ver com os modos pelos
quais os falantes conseguem comunicar-se (ou o que mais) por meio

20
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

das expressões linguísticas.” (BORGES NETO, 2004, p. 86). Os funciona-


listas priorizam a relação entre as formas e as funções que elas desem-
penham no processo da comunicação social6.
A linguagem, nesse contexto, é vista “[...] como um reservatório
de possibilidades semânticas dirigidas para a comunicação; o locutor
opera escolhas nas séries de alternativas significantes”, conforme men-
cionam Paveau e Sarfati (2006, p. 140) tendo como suporte teórico a
noção de escolhas advinda de Halliday.
No paradigma funcionalista, a análise linguística caracteriza-se
por duas propriedades básicas: “a) a língua desempenha funções que
são externas ao sistema linguístico em si; [e] b) as funções externas
influenciam a organização interna do sistema linguístico.” (CUNHA,
2008, p. 158, colchetes nossos)7.
Em se tratando do paradigma formalista, destacamos as contribui-
ções de duas correntes – o Estruturalismo, de Saussure, e o Gerativis-
mo, de Chomsky. O Estruturalismo parte do princípio de que é preciso
reconhecer as estruturas que compõem a língua. Difunde, por meio do
estudo supraindividual – que não depende do indivíduo – e imanente
– abandono a qualquer possibilidade de discussão extralinguística –,
uma concepção de língua autônoma, sistemática, social e homogênea.
Para desenvolver sua teoria, Saussure (2012 [1916]) estabelece,
principalmente, quatro dicotomias, a saber: língua e fala, significado e
significante, sintagma e paradigma e diacronia e sincronia. Em relação
à dicotomia língua e fala, o linguista genebrino define que a língua

6
É por essa razão que abolimos a expressão paradigmas formalista versus funcionalista. Difundi-
mos uma perspectiva que troca o versus por e. Logo, formalista e funcionalista.
7
Vale salientar que a autora estabelece essas propriedades levando em consideração o Funcio-
nalismo, corrente que se situa no paradigma funcionalista dos estudos linguísticos, assim como
a Sociolinguística, a Semântica, a Pragmática, os estudos do discurso, dentre outras correntes.
Utilizamos a citação com o intuito de reivindicarmos essas duas propriedades – a e b – como
norteadoras, também, do paradigma em questão.

21
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

precisa ser vista como social, homogênea e sistemática, enquanto que


a fala é individual, heterogênea e assistemática. Essa visão insere a lín-
gua, em detrimento à fala, em situação de autonomia, em que de um
lado está o sistema de convenção social (a língua) e, do outro, o indiví-
duo (a fala).
A teoria do signo linguístico8 prega que o signo precisa ser estu-
dado a partir de duas faces psíquicas e inseparáveis: o significado e o
significante. A face do significado é coletiva e corresponde ao conceito
social do signo. Já o significante evoca uma imagem acústica particular,
a representação da palavra enquanto um fato de língua.
Sobre sintagma e paradigma, acentuamos que o sintagma refere-
-se à forma, na presença, em que as unidades constitutivas do sistema
linguístico relacionam-se umas com as outras; e o paradigma diz res-
peito ao funcionamento do sistema, em ausência, caracterizando “[...]
a associação entre um termo que está presente em um determinado
contexto sintático com outros que estão ausentes desse contexto, mas
que são importantes para sua caracterização em termos opositivos.”
(COSTA, 2008, p. 121).
O fator temporal da língua foi visto por Saussure na dicotomia sin-
cronia e diacronia. A sincronia estabelece os princípios reguladores de
todo o sistema linguístico, “[...] os fatores constitutivos de todo estado
de língua [...] À sincronia pertence tudo o que chama “Gramática geral”,
pois é somente pelos estados de língua que se estabelecem as diferen-
tes relações que incubem à Gramática.” (SAUSSURE, 2012 [1916], p. 145,
grifos do autor). Nessas condições, o olhar para a língua é estático.
Já a diacronia “[...] estuda não mais as relações entre termos coe-
xistentes de um estado da língua, mas entre termos sucessivos que se
substituem uns aos outros no tempo.” (SAUSSURE, 2012 [1916], p. 193).
8
De modo específico, sobre a teoria dos signos, recomendamos a leitura do texto de Fiorin (2004).
De modo geral, sobre as dicotomias saussurianas, indicamos a leitura de Fiorin (2013b).

22
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Na perspectiva diacrônica, as pesquisas linguísticas priorizam, para


tanto, o caráter histórico da língua: “[...] a distinção feita por Saussure
entre a investigação diacrônica e a sincrônica representa duas rotas
que separam a linguística estática da linguística evolutiva.” (COSTA,
2008, p. 117, grifos do autor).
Assim, na visão de Saussure (2012 [1916], p. 123), é sincrônico o que
se refere ao “[...] aspecto estático da nossa ciência, diacrônico tudo que
diz respeito às evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia desig-
narão respectivamente um estado de língua em uma fase de evolução”9.
Sobre o Gerativismo, destacamos que a concepção de língua pro-
pagada por Chomsky é inatista, mental, portanto, biológica, diferente-
mente da de Saussure, que a lê como social. A Linguística Gerativa estu-
dou/estuda a faculdade de linguagem, elaborando um modelo teórico
formal, com inspiração na matemática e com o objetivo de descrever e
explicar o que é e como funciona a língua. O Gerativismo chomskiano
destinou-se a estudar como o funcionamento da mente admite a gera-
ção de estruturas sintáticas, como elas organizam-se e são responsá-
veis pela produção de sentenças ou sintagmas, a partir de um número
finito de regras linguísticas.
As noções de princípios (aspectos gerais/coletivos) e de parâme-
tros (aspectos particulares) das línguas são convocadas por Chomsky,
consolidando o que o linguista norte-americano chamou de Gramática
Universal (GU), isto é, um “[...] conjunto das propriedades gramaticais
comuns compartilhadas por todas as línguas naturais, bem como as
diferenças entre elas que são previsíveis segundo o leque de opções dis-
poníveis na própria GU.” (KENEDY, 2008, p. 135)10.
9
Em 2016, cem anos após a publicação do Curso de Linguística Geral, podemos encontrar e suge-
rir, no Brasil, duas organizações que revisitaram os escritos de Saussure e nos trouxeram refle-
xões contemporâneas contributivas sobre o Estruturalismo saussuriano: Faraco (2016) e Cruz,
Piovezani e Testenoire (2016).
10
Como leituras atuais de aprofundamento sobre o Gerativismo, indicamos os livros de Kenedy

23
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O que almejamos com esses parágrafos que descrevem, timida-


mente, o Estruturalismo e o Gerativismo é demonstrar a vinculação
dessas correntes ao paradigma formalista, uma vez que ambas visam
observar a linguagem numa perspectiva formal, descrevendo a organi-
zação das relações internas que compõem o sistema linguístico.
Como fazer ciência é estar sempre se questionando, a Linguística
incorporou às suas investigações outros olhares, partindo do princí-
pio de que é preciso, na abordagem sobre a linguagem, extrapolar os
limites do código linguístico – eis a busca por reflexões sobre a língua
em uso, uma preocupação voltada não apenas às estruturas, todavia,
compreendendo-as como modos de atuação sociocultural: o que situa
o paradigma funcionalista.
O posicionamento teórico-metodológico da Linguística, nesse pa-
radigma, contempla os fatores cotextuais e contextuais como relevan-
tes à compreensão dos fatos de linguagem, configurando o reconhe-
cimento da relação entre Linguística e outras ciências na busca por
respostas analíticas, não unicamente, ao que foi dito, mas, sobretudo,
ao como foi dito, sob que/quais condições sociais.
Nesse cenário, o diálogo entre língua e sociedade ganha fôlego e
amplia – amplia e não nega! – o escopo dos estudos centrados nas es-
truturas formais para os estudos centrados nos usos e nas redes de sen-
tidos que tais usos proporcionam às situações de comunicação social.
Dentre as correntes do paradigma funcionalista, citamos a dos estudos
do discurso11, especificamente a de perspectiva dialógica, do Círculo de

(2013) e Chomsky (2014). Esta última indicação consiste na reprodução de quatro entrevistas
que Chomsky concedeu, em 2004, a James McGilvray, professor de Filosofia na McGill University,
Montreal/Canadá, e que revisitam conceitos difundidos por ele – Chomsky – sobre a relação
entre linguagem e mente, bem como entre a natureza humana e seus estudos.
11
Sugerimos a leitura do livro organizado e publicado, em 2013, por Luciano Amaral Oliveira, cujo
título é Estudos do discurso: perspectivas teóricas. Nele, há capítulos de diferentes pesquisado-
res que discutem conceitos basilares das teorias difundidas por autores dos estudos discursivos,
como: Gramsci, Althusser, Lacan, Foucault, Pêcheux, Bourdieu, dentre outros. Indicamos, par-

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Bakhtin: corrente que se constitui como o esteio teórico da presente


investigação científica.
Antes de apresentarmos a Teoria Dialógica da Linguagem no que
toca, de modo particular, a concepção de interação discursiva, enfati-
zamos dois pontos que consideramos importantes e que justificam a
inserção desse tópico neste livro: o primeiro refere-se à necessidade
de historiar a Linguística enquanto ciência que possui um objeto de
estudo altamente complexo, a linguagem, e um método de investigação
pautado nas vivências, cujas alternativas de abordagem desse objeto
dão-se por meio dos pontos de vista das correntes que se vinculam aos
paradigmas apresentados.
O segundo recai na defesa do pensamento de que realizar análises
de discursos contribui, de maneira significativa, com a Linguística, a
partir do princípio de que mais do que uma análise de textos, os estu-
dos discursivos empreendem uma análise contextual das estruturas
da língua e dos sujeitos que põem tais estruturas para funcionarem,
agregando à Linguística pesquisas que tomam a linguagem como uma
construção social e historicamente situada.
Oferecidos esses esclarecimentos, chamamos o tópico A interação
discursiva no contexto da Teoria Dialógica da Linguagem, que inicia
nossas discussões específicas sobre as contribuições advindas do Cír-
culo de Bakhtin para os estudos contemporâneos da linguagem.

ticularmente, o capítulo sobre Bakhtin, assinado por Adriana Pucci Penteado de Faria e Silva,
professora da Universidade Federal da Bahia.

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A interação discursiva no contexto da Teoria Dialógica da Lin-


guagem

A Teoria Dialógica da Linguagem não se resume, apenas, ao pensa-


mento bakhtiniano, mas a um conjunto de ideias produzidas por dife-
rentes estudiosos – o Círculo de Bakhtin. Trata-se, portanto, de um gru-
po de intelectuais de distintas formações e atuações profissionais que,
no período cronológico de 1919 a 1929, reunia-se nas cidades russas de
Niével, Vítebsk e Leningrado. Dentre esses intelectuais, destacamos:
Matvei I. Kagan (filósofo), Ivan I. Kanaev (biólogo), a pianista Maria
V. Yudina, o professor de literatura Lev V. Pumpianski e, principalmen-
te, Mikhail Mikhailovich Bakhtin (filósofo), Valentin Nikolaevich Vo-
lóchinov (professor de história da música, de literatura e de estudos
linguísticos) e Pável Nikoláievitch Medviédev (teórico e historiador da
literatura), conforme Xavier (2020).
Na visão de Marchezan (2019, p. 276), o Círculo de Bakhtin assu-
me que o sentido é sempre personalista, uma vez que “[...] se manifesta
e circula em enunciados concretos, que ocorrem em situações de inte-
ração entre dois sujeitos, entre dois centros valorativos.” Assim, o Cír-
culo busca uma compreensão de linguagem dialogicamente pautada
em processos de interação discursiva que expressam atos de humanos
engajados e constituídos por valores sociais.
Dentro dessa perspectiva, para falar sobre a linguagem como um
fenômeno de interação discursiva à luz do Círculo de Bakhtin, partimos
das palavras de Volóchinov (2017 [1929], p. 204-205, grifos do autor):

Efetivamente, o enunciado se forma entre dois indi-


víduos socialmente organizados, e, na ausência de
um interlocutor real, ele é ocupado, por assim di-
zer, pela imagem do representante médio daquele

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

grupo social ao qual o falante pertence. A palavra é


orientada para o interlocutor, ou seja, é orientada
para quem é esse interlocutor: se ele é integrante ou
não do mesmo grupo social, se ele se encontra em
uma posição superior ou inferior em relação ao in-
terlocutor (em termos hierárquicos), se ele tem ou
não laços sociais mais estreitos com o falante (pai,
irmão, marido etc.).

A discussão empreendida por Volóchinov (2017 [1929]) oferece vi-


sibilidade ao uso social da linguagem. Para o autor, a reflexão sobre a
natureza sociológica da língua reconhece o lugar da interação como
centro de valores. Isso implica dizer que a palavra, entendida como uma
possibilidade de linguagem, é fruto de um sistema linguístico, mas que
só atinge “sopro de vida” quando se considera a sua orientação social,
quando inserida entre falantes, entre sujeitos socialmente organizados
e preenchidos por ideologias, por axiologias.
Volóchinov (2017 [1929]) nos apresenta que, na verdade, o uso da
palavra ocorre em função de efeitos de interação erguidos a partir das
relações interpessoais, dos laços sociais que especificam os movimen-
tos da palavra em sintonia com o horizonte social a que se origina e a
que se destina.
Para chegar a esse nível de raciocínio, o estudioso põe em crise a
noção de enunciado monológico à luz do subjetivismo individualista,
que o entendia como um ato puramente individual, resultado de uma
expressão da consciência do indivíduo. Nesse sentido, uma noção mui-
to cara à crítica de Volóchinov (2017 [1929]) é a própria definição de
expressão para o subjetivismo individualista: “[...] algo que formou e se
definiu de algum modo no psiquismo do indivíduo e é objetivado para
fora, para os outros com a ajuda de alguns signos externos.” (p. 202).

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Dentro dessa perspectiva, a categoria da expressão é uma catego-


ria superior que reduz o ato linguístico a um enunciado individual,
unicamente gerenciado pelo psiquismo, pressupondo um certo dualis-
mo entre o interior e o exterior, oferecendo uma certa primazia ao inte-
rior – “Tudo que é essencial se encontra no interior e o exterior pode se
tornar essencial apenas ao se converter em um recipiente do interior,
isto é, a expressão do espírito.” (p. 203).
Nesses termos, a crítica de Volóchinov (2017 [1929]) recai na ideia
de passividade atribuída pelo subjetivismo individualista ao exterior.
Para os estudos dialógicos da linguagem, no que toca à expressão, a vi-
vência expressa (o interior) e a objetivação exterior são criadas a partir
do mesmo material, a saber: a situação social mais próxima. Isto impli-
ca no entendimento de que o enunciado é formado pela relação entre
interlocutores inseridos em contextos de interação discursiva, em es-
paços de vivenciamento ideológico que organiza grupos em auditórios
sociais.
Ainda conforme Volóchinov (2017 [1929], p. 205, grifos do autor),

[...] a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada


tanto por aquele de quem ela procede quanto por
aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela é
justamente o produto das inter-relações do falante
com o ouvinte. Toda palavra serve de expressão ao
“um” em relação ao “outro”. [...] A palavra é o terri-
tório comum entre o falante e o interlocutor.

O que lemos até o momento é a postura teórico-metodológica da


Teoria Dialógica da Linguagem de conceber a palavra como um fenô-
meno de interação discursiva. Portanto, a interação é algo constitutivo

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da linguagem. De acordo com Volóchinov (2017 [1929]), até o choro de


um bebê de colo é orientado para a mãe. Ainda com esse exemplo, o
estudioso nos apresenta que o choro pode comunicar fome, dor, pedido
de atenção. Enfim, a orientação social do choro situa tons emotivos de
chamamento ao contato, à interação. Cabe à mãe saber o seu significa-
do e, consequentemente, agir, interagir. A percepção do sentido desse
chamamento se dará em função do como aquela interação desemboca-
rá discursos através dos laços sociais estabelecidos entre mãe e bebê.
Tal compreensão chamará atos, movimentos específicos de resposta ao
choro.
A partir desse exemplo de linguagem não verbal, a discussão tam-
bém funciona para atos linguísticos. Sendo assim, considerar a língua
voltada para o contextual extrapola os limites de uma abordagem pre-
sa ao sistema da língua, volta-se para o transgrediente, amplia frontei-
ras. Por essa razão, Bakhtin (2015 [1930], p. 40, grifos do autor) afirma:

Não tomamos a língua como um sistema de catego-


rias gramaticais abstratas; tomamos a língua ideo-
logicamente preenchida, a língua enquanto cosmo-
visão e até como uma opinião concreta que assegura
um maximum de compreensão mútua em todos os
campos da vida ideológica.

Assim, a interação convoca a noção de que, quando colocamos a


língua para funcionar em contextos específicos de comunicação, não
nos limitamos, apenas, ao conhecimento de formas gramaticais. Toda-
via, nesse funcionamento, imprimimos modos de atuação social, evi-
denciamos marcas de inscrição de sujeitos ideologicamente situados,
assinamos valores.
Logo, agimos na e pela linguagem tendo como norte a nossa rela-

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ção com o outro. Não há como divorciar-se desse raciocínio quando a


natureza dialógica da linguagem é posta em cena. A interação, nesse
cenário, ganha força e protagonismo.
Xavier e Almeida (2020), ao tratarem da concepção de linguagem
como dialógica, fundamentam-se a partir da seguinte afirmação de
Bakhtin (2015 [1930], p. 63):

A língua, como o meio concreto vivo habitado pela


consciência do artista da palavra, nunca é única. Só
é única como sistema gramatical abstrato de formas
normativas, desviada das assimilações ideológicas
concretas que a preenchem e da contínua forma-
ção histórica da língua viva. A vida social viva e a
formação histórica criam no âmbito de uma língua
nacional abstratamente única uma pluralidade de
universos concretos, de horizontes verboideológicos
sociais e fechados. Os elementos fechados e abstra-
tos da língua no interior desses diferentes horizon-
tes são completados por conteúdos semânticos e
axiológicos e soam de modo diferente.

De acordo com o filósofo russo, a língua enquanto sistema de re-


gras internas e estudada à luz de um olhar supraindividual e imanente
não passa de uma abstração. Uma abordagem social da língua(gem)
apenas se desenvolve quando mergulhada em um horizonte socioló-
gico e, portanto, verboideológico, embebido de axiologias, de emoções.
Com base nessa perspectiva, Xavier e Almeida (2020) desdobram
a discussão para algumas assertivas:
- Primeiramente, o filósofo russo nos orienta a conceber a língua
a partir do uso localmente situado em um meio concreto vivo. Nesses
termos, é preciso abandonar uma compreensão de língua enquanto,

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unicamente, um sistema autônomo e homogêneo de combinações su-


praindividuais;
- O entendimento que reconhece a unicidade da língua refere-se a
uma abordagem fortemente influenciada pela corrente do objetivismo
abstrato, cujos interesses abastecem, conforme o Círculo de Bakhtin, a
uma organização gramatical abstrata, sem vida e emoção, de formas
normativas;
- A linguagem – e, consequentemente, a língua lida por nós neste
livro como um exemplo de manifestação de linguagem – não pode ser
divorciada, desalinhada, de recorrentes assimilações ideológicas con-
cretas inseridas na vida social e na sua formação histórica; e
- É o universo de processos de interação discursiva que, segundo
nosso entendimento, proporcionará ao uso da linguagem atingir hori-
zontes verboideológicos sociais e fechados: fechados no sentido de in-
seridos em contextos específicos de comunicação e de interação social,
ou seja, de vida efetiva/concreta de linguagem.
Ao tratar da linguagem a partir de uma perspectiva de interação
discursiva, não podemos deixar de reconhecer dois conceitos que am-
pliam o que até então apresentamos neste subtópico, a saber: as noções
de enunciado concreto e de enunciação.
Em seu estudo sobre o método formal nos estudos literários, para
dar fundamentação teórica à poética sociológica, Medviédev (2012
[1928]) aborda o caráter concreto e material do mundo ideológico. Se-
gundo o autor, todos os produtos da criação ideológica são objetos ma-
teriais de uma realidade concreta a que o homem se situa.
Nessa linha de pensamento, Medviédev (2012 [1928]) ensina-nos
que o sentido das palavras, das ações, das vestes, das linguagens como
um todo efetiva-se quando inserido no campo das ideologias. Logo, o
sentido é, por natureza, ideológico.

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Não importa o que a palavra signifique, ela estabe-


lece uma ligação entre os indivíduos de um meio
social mais ou menos amplo, ligação objetivamen-
te expressa em reações unificadas das pessoas por
meio da palavra, do gesto, da ação, da organização
etc. [...] A comunicação é aquele meio no qual um
fenômeno ideológico adquire, pela primeira vez, sua
existência específica, seu significado ideológico, seu
caráter de signo. (MEDVIÉDEV, 2012 [1928], p. 50).

Tais colocações do teórico e historiador da literatura apresentam


um panorama conceptivo a respeito da relação linguagens, ideologia e
sentido que nos fazem perceber a interferência entre usos da palavra
e mundo concreto, entre interações sociais e tarefas imediatas, ou seja,
entre interação e discursos ideologicamente situados no mundo. Isso
porque, conforme o estudioso, o significado - a compreensão - é, absolu-
tamente, inseparável dos detalhes do corpo material que o/a encarna.
Explicitado de outra forma:

É necessário o estabelecimento de diferenças pre-


cisas e concretas entre as diversas ideologias: ciên-
cia, arte etc. Entretanto, essa diferenciação não deve
ser feita em termos do seu significado abstrato, tal
como fez a “filosofia da cultura” idealista, mas sim,
por um lado, a partir do ponto de vista das formas
da sua realidade concreta e material, e, por outro, de
suas significações sociais, que se realizam nas for-
mas de comunicação concreta. (MEDVIÉDEV, 2012
[1928], p. 54, grifos do autor).

Com base nessas reflexões, trataremos, de modo específico, do con-


ceito de enunciado concreto. Indiscutivelmente, o intercâmbio entre

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sociedade (vida social) e interação (vida verboideológica e, portanto,


discursiva) fundamenta os pressupostos da Teoria Dialógica da Lin-
guagem, sobretudo, quando se pensa na noção de enunciado adjetivado
de concreto.
Esse posicionamento ratifica a ideia de que os fenômenos de lin-
guagem não se constituem como elementos petrificados, estanques,
sem vida, sem emoção. Todavia, se realizam em um movimento pro-
gressivo da língua em processos de relação entre homem e homem,
como orienta-nos Volóchinov (2019b [1930]).
Nessas condições, a linguagem manifesta-se a partir de uma orien-
tação social: “[...] uma daquelas forças vivas organizadoras que, junto
com as condições do enunciado (a situação), constituem não somente
a sua força estilística, mas até mesmo a sua estrutura puramente gra-
matical.” (VOLÓCHINOV, 2019b [1930], p. 280).
Dentro desse contexto, vinculamos a noção de enunciado concreto
para o Círculo de Bakhtin. Tendo como respaldo a citação contida no
parágrafo anterior, verificamos que o Círculo entende o fenômeno da
interação discursiva como forças constituídas pela situação comunica-
tiva que orienta os modos de organização da estrutura gramatical.
Como percebemos, contexto e uso da gramática da língua cami-
nham em atividades complementares. Essa discussão reforça o nos-
so entendimento expressado no subtópico Linguística: entre bases e
perspectivas deste livro, quando mencionamos a improdutividade da
compreensão formalismo versus funcionalismo. Na verdade, a aborda-
gem dialógica, inclusive por situar-se no paradigma funcionalista da
Linguística, não deixa de reconhecer as questões relacionadas à base
formal da língua. No entanto, investe em uma postura teórico-meto-
dológica que agrega à base estruturada da língua influências de uso da
palavra na vida: esta, preenchida por emoções, por situações concretas

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de necessidades comunicativas, tornando aquela, a palavra, um fenô-


meno que precisa ser estudado a partir de uma realidade verboideoló-
gica12.
Sendo assim, surge o significado de enunciado concreto: “a real
unidade da comunicação discursiva – o enunciado.” (BAKHTIN, 2016
[1952-1953], p. 28, grifos do autor). Percebamos o destaque em itálico
usado pelo autor não aleatoriamente. O filósofo russo nos inclina a ler
a dimensão do conceito de enunciado como mergulhado no fluxo dis-
cursivo das interações.
Desse conceito, é possível entender que o discurso é sempre fundi-
do em formas de enunciados pertencentes a determinados sujeitos do
discurso e fora dessa realidade o enunciado, visto como concreto, não
pode existir. “O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma
unidade real, delimitada com precisão pela alternância dos sujeitos do
discurso e que termina com a transmissão da palavra ao outro [...]”
(BAKHTIN, 2016 [1952-1953], p. 29).
Portanto, tal pensamento de Bakhtin coloca no centro da discus-
são o entendimento de que o enunciado é concreto por:
- aderir a efetivas possibilidades de comunicação no âmbito das
práticas sociais e discursivas de interação e de, consequente, constru-
ção dialógica de sentidos;
- difundir discursos ideologicamente situados vinculados a dife-
rentes campos da atividade humana, “[...] dependendo das diversas
funções da linguagem e das diferentes condições e situações de comu-
nicação, [...]” (BAKHTIN, 2016 [1952-1953], p. 29); e
- assumir a função discursiva de signo ideológico que, conforme
Xavier (2020): em Bakhtin, a diferenciação entre enunciado e oração

12
Sobre a natureza verboideológica da linguagem, recomendamos a leitura, na íntegra, do capí-
tulo Teoria Dialógica da Linguagem: abordagens sobre a vida verboideológica, de Xavier (2020).

34
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

recai na seguinte assertiva – o enunciado está para a vida verboideoló-


gica da linguagem, para as escolhas não aleatórias de palavras, geran-
do, dialogicamente, discursos; a oração é uma unidade da língua, é um
pensamento, relativamente, acabado, não mantendo elos com o con-
texto extraverbal. Já em Volóchinov (2017 [1929]), a diferenciação entre
signo e sinal se sustenta por compreender a seguinte proposição – o
signo vai ao encontro das vivências dialógicas e discursivas da palavra
preenchida pelas ideologias; o sinal não pertence ao domínio das ideo-
logias, é imutável, é técnico e sistemático. Por conseguinte, o sinal pro-
move a identificação de sentido e o signo a compreensão descodificada
da forma linguística, a apreensão da palavra em contexto específico de
atuação discursiva e orientada por forças de unificação/centralização
(centrípetas) e de descentralização/separação (centrífugas) do mun-
do verboideológico. O signo permite a construção dialógico-discursiva
de sentidos.
Dentro dessa perspectiva, o enunciado concreto “[...] é um todo
formado pela parte material (verbal e visual) e pelos contextos de pro-
dução, de circulação e de recepção. Isso significa que o processo e o
produto da enunciação são constitutivos do enunciado.” (SILVA, 2013,
p. 49).
Tomando como referência a visão de enunciado como um todo
formado pela parte material (linguagens verbal e não verbal) e situ-
ação de orientação social, é oportuno, ainda, salientar que pensar em
enunciados concretos corresponde a lê-los “[...] como unidade de sig-
nificação necessariamente contextualizada.” (BRAIT; MELO, 2012, p.
63). Corresponde, então, a considerar o uso da linguagem vinculado a
acontecimentos de enunciação13.
De acordo com Dantas, Xavier e Rosas de Araújo (2020), o conceito
A noção de acontecimentos enunciativos será desenvolvida no capítulo deste livro intitulado de
13

Acontecimentos enunciativos: interações discursivas em redes sociais digitais.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

de enunciado concreto não se encontra pronto e acabado em uma de-


terminada obra ou em um determinado texto do Círculo de Bakhtin. O
seu sentido e suas particularidades vão sendo construídos ao longo do
conjunto das obras, indissociavelmente implicados em outras noções.

Construídos na corrente do tempo e historicamente


situados, os enunciados são práticas sociais reali-
zadas na interação entre falantes no curso da vida,
portanto concretos. Assim, o enunciado é o resulta-
do de uma prática social; e essa prática é a enun-
ciação, cuja estrutura é determinada pela situação
social mais imediata e o meio social mais amplo a
partir do seu próprio interior. (DANTAS; XAVIER;
ROSAS DE ARAÚJO, 2020, p. 23).

Assim, nos liames da Teoria Dialógica da Linguagem, os enun-


ciados concretos são unidades da comunicação discursiva e elos da ca-
deia complexa de outros enunciados. Nesses termos, admitem, em sua
essência, relações dialógicas com os enunciados que os precederam e
com os que lhe sucedem e são voltados para o outro – eis o que demar-
ca o princípio dialógico da linguagem.
As principais características do enunciado concreto, segundo
Bakhtin (2016 [1952-1953]), são: tem contato direto com a realidade,
assim como relação com outros enunciados; propicia uma atitude res-
ponsiva por parte do outro e é delimitado pela alternância dos sujeitos
sociais no discurso.
Na visão bakhtiniana, o enunciado é pleno de tonalidades dialógi-
cas, isto é, todo enunciado está em constante diálogo com outros enun-
ciados; tanto com os que o antecedem quanto com os que o sucedem,
em uma corrente complexa e organizada por outros enunciados.

36
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Convocamos o pensamento do próprio Bakhtin (2010 [1920-1924]),


para quem cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros
enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de co-
municação discursiva. Cada enunciado deve ser visto, antes de tudo,
como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado
campo.
Tomando por referência o pensamento supracitado, concluímos
este capítulo considerando:
1) a abordagem da língua(gem) precisa se ancorar em uma pro-
posta analítica dialógico-discursiva: conforme Xavier (2020) e nas
palavras iniciais deste livro, dialógico por agrupar vozes, por manter
relações com outros dizeres, por se reportar a outros enunciados, isto
é, por funcionar a partir de conexões, de confrontos, entre enunciados
concretos; e discursivos por abrigar práticas ideologicamente situa-
das, por vincular-se à vida verboideológica da linguagem;
2) pensar em interação discursiva corresponde a ler os processos
de comunicação como o encontro entre enunciados convocados por
sujeitos sociais que se filiam ao fluxo dos mais variados campos da co-
municação discursiva; e
3) a noção de enunciação convoca o sentido de situação comuni-
cativa contextualmente localizada no âmbito da história, isto é, do tem-
po e do espaço social, o que implica dizer que todo enunciado possui
uma orientação social, toda palavra quer ser ouvida/lida e respondida.
É necessário compreendermos, então, que, simplesmente, a vida
social vive; e vive na interação discursiva.
A seguir, chamamos o capítulo que aborda as redes sociais digitais
como ecossistemas comunicativos de interações discursivas.

37
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

AS REDES SOCIAIS DIGITAIS ENQUANTO


ECOSSISTEMAS COMUNICATIVOS DE
INTERAÇÕES DISCURSIVAS
A CULTURA DIGITAL NOS mostrou o quanto os nossos comporta-
mentos, enquanto oriundos de uma sociedade que se organiza, se es-
pecifica, estão vinculados aos recursos operacionais oferecidos pelas
tecnologias. Dificilmente, encontramos nos dias de hoje alguém que
não esteja conectado em redes ou se relaciona com quem está, alguém
que não utilize alguma plataforma digital para se comunicar, para in-
teragir.
À luz de Xavier e Serafim (2020), compreendemos que pensar em
cultura digital consiste em reconhecer os modos como a cultura tecno-
lógica influenciou as formas de comunicação social, organizando, nes-
se sentido, significativas mudanças no comportamento da sociedade,
em função dos textos e dos seus suportes face às necessidades e aos
propósitos comunicativos.
Logo, na cultura digital, vivenciamos interações permeadas por
práticas digitais que minimizam limites, por exemplo, temporais e geo-
gráficos, e maximizam possibilidades que, por seu turno, expandem as
trocas comunicacionais (XAVIER; SERAFIM, 2020).
Ainda conforme os autores supracitados, questões que outrora
eram obstáculos não mais o são decisivamente, como o envio de car-
tas e, principalmente, o recebimento de respostas a essas cartas, que
dependia muito de fatores de tempo (às vezes semanas e meses para
acesso à resposta) e de geografia (distâncias espaciais), o que nos faz
perceber o efeito de minimização de limites; e questões que, com a cul-
tura digital, tais obstáculos não mais se constituem, de fato, como im-

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

pedimentos, uma vez que hoje o envio e o recebimento de mensagens


são síncronos (em tempo real) e assíncronos (não, necessariamente, a
interação ocorre em tempo real, mas não corresponde à distância, an-
teriormente, citada no envio de correspondências), o que nos faz per-
ceber o efeito de maximização de possibilidades de interação.
Nessa linha de pensamento, de modo categórico, Castells (2016)
orienta-nos à compreensão de que vivemos em uma sociedade em rede.
Para o estudioso, a tecnologia é a própria sociedade e a sociedade, por
sua vez, não pode ser lida sem suas ferramentas tecnológicas, sem suas
redes de produção, de circulação e de recepção de informações em al-
cance mundial. É assim que, no âmbito da história da internet, surge o
sentido de redes.

[...] a internet originou-se de um esquema ousado,


imaginado na década de 1960 pelos guerreiros tec-
nológicos da Agência de Projetos de Pesquisa Avan-
çada do Departamento de Defesa dos Estados Uni-
dos (a mítica Darpa) para impedir a tomada ou des-
truição do sistema norte-americano de comunica-
ções pelos soviéticos, em caso de guerra nuclear. [...]
O resultado foi uma arquitetura de rede que, como
queriam seus inventores, não pode ser controlada a
partir de nenhum centro e é composta por milha-
res de redes de computadores autônomas com inú-
meras maneiras de conexão, contornando barreiras
eletrônicas. (CASTELLS, 2016, p. 65).

Essa discussão que, aparentemente, só considera o tecnológico,


nos possibilita pensar que o surgimento do computador conectado à
internet deriva-se, em um primeiro momento, de uma questão bélica,
mas que nos ajuda a entender o conceito de redes, de laços que, como

39
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

uma arquitetura, possibilita conexões.


Dessa forma, as novas tecnologias da comunicação e da infor-
mação integra o mundo em redes globais, gera comunidades virtuais,
converte as pessoas em identidades, isto é, em atributos culturais que
mapeiam modos de organizar ideologicamente os sujeitos sociais do
mundo no mundo.
Na visão de Ribeiro (2018, p. 73), “As tecnologias nos ajudam ou
nos permitem fazer coisas que talvez fossem mais difíceis ou mesmo
impossíveis sem elas.” Nessa mesma direção e na busca por dialogar
sobre a relação tecnologia e sociedade em rede, Castells (2016) questio-
na se as comunidades virtuais1 em rede são, de fato, comunidades reais.
Segundo o autor, sim e não.

São comunidades, porém não são comunidades fí-


sicas, e não seguem os mesmos modelos de comu-
nicação e interação das comunidades físicas. Porém
não são “irreais”, funcionam em outro plano da rea-
lidade. São redes sociais interpessoais, em sua maio-
ria baseadas em laços fracos, diversificadíssimas e
especializadíssimas, também capazes de gerar re-
ciprocidade e apoio por intermédio da dinâmica
da interação sustentada. [...] não são imitações de
outras formas de vida, têm sua própria dinâmica: a
Rede é a Rede. Transcendem a distância, a baixo cus-
to, costumam ter natureza assíncrona, combinam a
rápida disseminação da comunicação de massa com
a penetração da comunicação pessoal, e permitem
afiliações múltiplas em comunidades parciais. Ade-
mais, não existem no isolamento de outras formas

1
As redes sociais digitais proporcionam a difusão de comunidades discursivas de interação. Co-
munidades que surgem a partir de propósitos específicos de circulação de saberes cumprindo
com fenômenos dialógico-discursivos ideologicamente situados.

40
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

de sociabilidade. [...] Os vínculos cibernéticos ofere-


cem a oportunidade de vínculos sociais para pesso-
as que, caso contrário, viveriam vidas sociais mais
limitadas, pois seus vínculos estão cada vez mais
espacialmente dispersos. (CASTELLS, 2016, p. 443,
grifos do autor).

Essas palavras do sociólogo espanhol possibilita-nos depreender


algumas observações:
1) as redes sociais digitais configuram-se como espaços efetivos de
interações discursivas, assim como ocorre em redes sociais não digi-
tais. O que mostra-nos que vivemos organizadamente em redes, em co-
munidades, em conexões que recrutam sujeitos a partir de motivações
e/ou propósitos definidos pelas demandas de comunicação;
2) as redes sociais digitais, no contexto do mundo globalizado,
favorece a expansão de laços interpessoais fortes e fracos – fracos no
sentido de que, por exemplo, em um rol de 1000 laços, 950 são fon-
tes importantes de informação, apoio e companheirismo, entretanto,
sem relações de intimidade. Segundo pesquisa apresentada por Cas-
tells (2016), nesse rol, apenas 50 são íntimos, constituindo-se, portanto,
como significativamente fortes;
3) como desdobramento da observação anterior, apesar de, do pon-
to de vista dos graus de intimidade entre os sujeitos, em sua maioria,
ser fraco, as redes sociais digitais oportunizam processos de comunica-
ção, convocam discursos e promovem espaços comunicativos de cons-
trução de conhecimentos, ampliando redes de contatos, aproximando
vidas distanciadas por fatores geográficos e temporais; e
4) outra observação a ser considerada é o fato de que as redes
comprometem-se, também, com a disseminação da informação, po-
pularizando-a, por funcionarem como um poderoso dispositivo de co-

41
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

municação de massa, de fácil penetração na vida social. Portanto, elas


podem ser estudadas pelas lentes da cultura midiática e, nessas con-
dições, apesar de auxiliarem na difusão de conteúdos informacionais,
também, infelizmente, podem fazer circular notícias falsas, as fakes
news.
Nesse sentido, essas considerações iniciais do capítulo mostram-
-nos, na verdade, como estamos imersos na cultura digital: uma cultu-
ra que provocou, provoca e provocará mudanças comportamentais e
atitudinais na sociedade e, como consequência, nas maneiras de comu-
nicação e de interação nos mais variados espaços de circulação social.

As redes sociais digitais

Vivemos em um mundo marcado pela cultura digital. Desde o fi-


nal do século passado, Pierre Lévy apresenta-nos discussões que tra-
zem como pauta o impacto que a cibercultura ocasionou à sociedade
adjetivada de global. Questões como diminuição dos distanciamentos,
interatividade, virtualização da comunicação e da interação, ciberes-
paço são assuntos presentes no entorno da cibercultura.
Para Lévy (2014), é impraticável separar o humano de seu am-
biente material, nem o contrário também. Assim, é preciso conduzir
uma compreensão que lê a interferência das tecnologias nos compor-
tamentos humanos/sociais e dos humanos nas tecnologias, haja vista
que as invenções tecnológicas são produtos de uma sociedade e de uma
cultura. Nesses termos, a cultura digital, a partir dos multiletramen-
tos por ela convocados, promove possibilidades significativas de ler, de
escrever, de produzir, de fazer circular e de consumir informações na
rede.
“A cada minuto que passa, novas pessoas passam a acessar a Inter-

42
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

net, novos computadores são interconectados, novas informações são


injetadas na rede. Quanto mais o ciberespaço se amplia, mas ele se tor-
na “universal”, e menos o mundo informacional se torna totalizável.”
(LÉVY, 2014, p. 113, grifos do autor).
Um ponto importante a se destacar, sobretudo quando se toma
por referência os estudos de Lévy, é o de que, no contexto da cibercul-
tura, é preciso considerar que as características de uma cultura digital
primam por não entender, unicamente, os fenômenos tecnológicos sob
as lentes do técnico, do digital como inteligência computacional pura.
Não apenas. Todavia, consiste em propor uma sinergia entre o tecnoló-
gico e o social, no sentido de não aderir a uma abordagem reducionista.
Na visão de Lemos (2015), a cibercultura corresponde à cultura
contemporânea associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simu-
lação, tempo real, processos de virtualização etc.), criando, para tanto,
uma relação entre técnica e vida social. É partindo dessa relação que
discutiremos sobre as redes sociais digitais.
Dentro dessa perspectiva, é fundamental reconhecermos o im-
pacto que as tecnologias da informação e da comunicação exerceram,
exercem e continuarão exercendo nos modos de atuação social. Estar
conectado parece ser estado fulcral, isto é, funciona como base, como
sustentáculo que organiza formas de interação discursiva na moderni-
dade (XAVIER; ALMEIDA, 2020).
Nesse panorama, encontram-se as redes sociais como possibilida-
des que oportunizam a sociedade de hoje estabelecer relações com os
de perto e com os de longe, favorecem as trocas de informações, legiti-
mam vozes, marcam e demarcam axiologias. Funcionam, então, como
terrenos férteis para se fazer circular discursos, para entreter e para
convencer. Elas acentuam o chamamento ao outro, mostrando-o que o
seu ponto de vista é possível ser lido, ser ouvido. É, definitivamente, um

43
As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

espaço de interações, de relacionamentos, de respostas.


Conforme Vicente (2014, p. 22), “Por definição, uma rede social
pode ser comparada a uma praça, um clube ou um bar, esse é o espaço
no qual as pessoas trocam informações sobre as novidades cotidianas.”
Trata-se de assumir que as redes sociais imprimem às culturas con-
temporâneas um caráter de interação discursiva. Logo, conectar-se a
uma rede é de fundamental importância, uma vez que ela organiza a
vida social, agenda e gerencia atividades.
Nesse momento, cabe uma discussão a respeito das adjetivações
sociais, quando se refere à expressão redes, e digitais, por sua vez,
quando se refere à redes sociais: redes (sociais) / redes sociais (digi-
tais). Segundo Vicente (2014), as redes sociais, recentemente, passaram
a ter grande força na sociedade de hoje e servem para divertir, educar,
servem como instrumento de conscientização das massas populares,
como divulgação das ideias ou como obtenção de descontos em opera-
ções financeiras realizadas em grupo ou não.
O que a autora apresenta-nos é o cenário de que as redes sociais
sempre existiram: o novo, na verdade, recai nas redes estabelecidas a
partir dos recursos operacionais da Internet. Assim, a adjetivação sociais
figura-se com um sentido que inclina-se ao entendimento de reunião
de pessoas ou de grupos. Volta-se à compreensão de mundo organiza-
do no e pelo social. Já a adjetivação digital motiva-nos à leitura de que

A tendência é pensar em rede social como relações


entre indivíduos estabelecidas na Internet. Na ver-
dade, redes sociais sempre existiram e despertaram
o interesse em áreas diversas, sobretudo na matemá-
tica, mas de forma alguma pode ser usada como sinô-
nimo de Facebook, Twitter, Linkedin entre outros
sites de relacionamentos. Essas são as novas formas

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

das redes sociais acontecerem: são redes sociais na


Internet. (VICENTE, 2014, p. 19, grifos da autora).

Um destaque a ser dado às palavras de Vicente (2014) é o de que as


redes sociais, no sentido real de vivenciamentos humanos, não podem
ser vistas como sinônimo puro e simples de sites de relacionamentos.
Portanto, elas não são a tecnologia propriamente dita. São as intera-
ções nelas ocorridas, são as mediações discursivas por elas circuladas,
são as relações dialógicas nelas efetuadas em exercícios de leituras e de
construções de pontos de vista. As redes sociais não são as máquinas
ou os aparelhos e aplicativos, mas o homem atuando e atuando em
grupo, para o grupo, em redes sociais digitais.
As redes sociais se caracterizam por sua abertura (nelas, não há
níveis hierárquicos) e também por dar espaço para a constante entra-
da de pessoas, embora haja administradores que, de alguma maneira,
podem fazer triagens a respeito da permissão ou não de membros no
grupo.
Entre suas principais funções estão o compartilhamento de in-
formações, conhecimentos, interesses e esforços na busca por objeti-
vos comuns. Na visão de Vicente (2014, p. 22), as redes refletem “[...]
um processo de fortalecimento da sociedade civil, em um contexto de
maior participação democrática e mobilização social.”
Dessa forma, entendemos que as redes sociais oportunizam a difu-
são da informação e o consequente acesso a ela, mobilizando, democra-
ticamente, a sociedade, oferecendo-lhe lugar e espaço de fala, de voz:
“[...] ilhados em casa, nós passamos a ter contato com uma infinidade
de conteúdo produzido por pessoas disponíveis para ajudar a entender
as dificuldades da vida moderna.” (VICENTE, 2014, p. 23).
Sobre a diferença entre os termos mídia social, sites de relacio-

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

namentos e redes sociais digitais, Vicente (2014) ainda esclarece-nos


que é coerente observarmos: as mídias sociais – tecnologias e práti-
cas on line usadas para disseminar conteúdos, discursos, por meio de
aparatos hipertextuais e multimodais – propiciam, através de sites de
relacionamentos, o compartilhamento de pontos de vista, promovendo,
com isso, espaços de interações, as redes sociais digitais.
Assim, mídias sociais são, por exemplo, recursos maleáveis e in-
terativos para a circulação de conteúdos na Internet; os sites de re-
lacionamentos são aplicações tecnológicas que combinam conteúdos
de diferentes mídias para agruparem pessoas, tendo como referência
propósitos convergentes (que também atraem, na dimensão do discur-
so, abertura para o divergente, para o contraditório); e as redes sociais
são as interações/mediações ocorridas nesses sites de mídias sociais.
Ainda destacamos que há, em Recuero (2016), para denominar as redes
sociais digitais, a expressão sites de redes sociais (SRS).
Dentro dessa perspectiva, as redes sociais são a questão humana,
são os vivenciamentos de sujeitos sociais expressivos e falantes (BAKH-
TIN, 2017 [1970-1971]), de sujeitos construindo trocas dialógicas de
enunciados concretos que vão ao encontro do fluxo do discurso da vida
verboideológica, seja concordando, seja discordando, seja ampliando o
que se está sendo posto em circulação, seja silenciando: enfim, demons-
trando, no espaço interativo que a rede mundial de computadores, a
Internet, oferece, por meio dos sites de relacionamentos, valorações,
estabelecendo, com isso, redes de negociações, de trocas discursivas de
ideias, de respostas, de percepção e de construção de axiologias.
Essa perspectiva teórico-metodológica que, inclusive, alinha-se à
Teoria Dialógica da Linguagem, acentua a natureza do sujeito como um
elemento complexo, heterogêneo por excelência, social e individual. Vai
ao encontro, portanto, da noção de redes sociais digitais enquanto um

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

espaço do humano que se registra pelo tecnológico, pela virtualização


em sites de relacionamentos.
A respeito dos sujeitos e de seus usos diários em redes sociais
digitais, convocamos a leitura da Figura 01 que apresenta um estudo
estatístico levantado pelo site Oberlo2.

FIGURA 01 – Usuários de redes sociais digitais no mundo

Fonte: <https://www.oberlo.com.br/blog/redes-sociais-estatisticas>
Acesso em 12/09/2020

2
Disponível em <https://www.oberlo.com.br/blog/redes-sociais-estatisticas>
Acesso em 12/09/2020.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

De acordo com a Figura 01, 3,2 bilhões de pessoas usam redes so-
ciais, o que corresponde, aproximadamente, a 42% da população do
mundo. Conforme o site Oberlo, em matéria publicada em 21/08/2020
e intitulada de “10 estatísticas das redes sociais mais usadas em 2020”,
o número de usuários das redes vem crescendo continuamente.
Sobre as redes sociais mais usadas no mundo, o Facebook lidera,
com 2,32 bilhões de pessoas conectadas. No que concerne aos perfis
dos usuários das redes sociais quanto à gerações, a pesquisa empreen-
dida pelo site Oberlo constatou:
- 90,4% são da geração Millenials – jovens nascidos entre 1981 e os
anos iniciais dos anos 2000, o século XXI;
- 77,5% dos usuários vinculam-se à Geração X – pessoas nascidas
entre 1961 e 1981; e
- 48,2% pertencem a geração Baby Boomers – sujeitos nascidos
entre os anos de 1946 e 1960.
Como vemos, a cultura digital das redes sociais alcança pratica-
mente todas as gerações. É uma “paixão internacional”. E, para além de
uma paixão, é um relevante meio de comunicação, meio de conectar
pessoas a partir de suas necessidades de interação, de contato com o
outro, convocando, para tanto, emoções e soluções de problemas que
estão no intercâmbio da vida verbal em contextos específicos de uso.
No que toca ao tempo gasto nas redes sociais, a pesquisa mostrou
que a média diária é de 2h e 22 minutos, o que alerta, por parte da po-
pulação mundial, o investimento em práticas sociais de linguagem via
redes. O que esses dados estatísticos nos impulsionam a compreender?
A produtividade que as redes assumem no preenchimento das rotinas
de interação da sociedade nas mais variadas práticas em eventos de
letramentos, embora os dados sejam de 2020, em 2023 tornam-se váli-
dos, atuais.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

As redes sociais, de fato, incorporam agendamentos, convocam


endereçamentos pontuais a partir vivências de linguagens que promo-
vem negociações, promovem contatos. Elas estimulam a participação
social, unem pessoas em relações formais e informais, engajam sujei-
tos: enfim, expandem laços sociais verboideologicamente situados no
tempo, no espaço, isto é, na história.
Dentre os principais sites de relacionamentos que possibilitam a
criação de redes sociais digitais3, destacamos a Figura 02.

FIGURA 02 – Descrição das atividades principais das


redes sociais digitais

Fonte: Extraída de Vicente (2014, p. 21)

3
Dados os devidos esclarecimentos sobre as terminologias mídias sociais, sites de relacionamen-
tos e redes sociais digitais, didaticamente, neste livro, chamaremos, a partir desse momento, sites
de relacionamentos de redes sociais digitais. Não como sinônimos. Todavia, como uma forma
de melhor aproximar a noção do nome do site (Facebook, YouTube, Instagram) ao de uma rede
social adjetivada de digital.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

As principais características das redes sociais, conforme a Figura


02, recaem no estabelecimento de contato social. Trata-se da necessi-
dade de interação, de me reportar ao outro e de ser atingido pelo ou-
tro. Da figura, destacamos as seguintes expressões: “encontrar amigos”,
“enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos”, “reúne pes-
soas”, “rede social para relacionamentos”, “compartilhar imagens atra-
vés de dispositivos móveis, tablets e smartphones”, “rede social para co-
municação” e “permite conectar professores e alunos”. São finalidades
que esboçam ações de sujeitos para cumprirem propósitos específicos
de comunicação e de interação.
Dentre as redes listadas na Figura 02, abordaremos, neste livro, o
Facebook, o Instagram e o YouTube: redes sociais digitais que circula-
rão nas análises de dados contidas no capítulo vindouro, a saber: Cenas
enunciativas: interações discursivas em redes sociais digitais.
A seguir, uma breve apresentação dessas três redes sociais digitais.

O Facebook

A rede foi criada em 2004 por um grupo de jovens universitários


de Havard (Mark Zuckerberg, Dustin Moskovitz, Eduardo Saverin e
Chris Hughes). O seu objetivo, inicialmente, “[...] visava criar um es-
paço no qual as pessoas se encontrassem, compartilhassem opiniões
e fotografias visando criar uma rede de comunicação apenas para os
estudantes da própria Universidade.” (AMANTE, 2014, p. 29).
Em 2005, ultrapassou as fronteiras do território americano e, no
ano seguinte, envolveu algumas empresas e estudantes de outras ins-
tâncias de formação que não, unicamente, a superior, de modo que ou-
tros estudantes passaram a estabelecer comunicações via Facebook.
Essa rede agrega uma produtiva quantidade de recursos, funcio-

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nalidades e aplicativos, cujas ações permitem interações em um espa-


ço inovador para diferentes experiências de sociabilidades. Embora há
quem nos dias de hoje, ano de 2023, leia o Face como uma rede pouco
usual, já estagnada. Há controvérsias. Particularmente, é uma rede que
me afino bastante e interajo no meu cotidiano – perdão pela digressão
na pessoa verbal!

O Facebook é uma rede social que reúne pessoas a


seus amigos e àqueles com quem trabalham, estu-
dam e convivem. Atualmente tem sido usada para
diversos fins, além do entretenimento pode ser usa-
da para divulgar ideias, empresas, começar uma
reivindicação e conquistar adeptos, medir o grau
de satisfação/insatisfação de uma marca, facilitar o
contato de professores com seus alunos e conhecê-
-los melhor. (VICENTE, 2014, p. 33).

Trata-se de uma rede social digital que aglutina funções, servindo


como elo em processos de interações discursivas de diferentes ordens:
desde o bate-papo mais informal à publicidade de empresas comer-
ciais e à propaganda de ideias, de filosofias. É um terreno fecundo para
se propagar concepções, para vender produtos, para ensinar e apren-
der. Por meio de ações como postar, curtir, compartilhar e comentar,
os sujeitos inscrevem-se em uma rede de amplo acesso, marcando e
demarcando seu lugar de fala.

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O Instagram

De acordo com Silva, Castro Filho e Freire (2018, p. 908), o Insta-


gram

[...] oferece diferentes ferramentas para interação


com seus usuários. Dentre elas podemos citar pos-
tagens, curtidas, comentários, transmissões ao vivo
e publicações em formato de história (stories). As
histórias ou popularmente chamadas por seu nome
em inglês stories são um meio de transmitir, por
meio de vídeos ou imagens, elementos temporários
que o usuário gostaria de compartilhar com seus
contatos. O compartilhamento é temporário, por
durar 24 horas, podendo ser guardado em um mar-
cador criado pelo dono da conta, usuário que admi-
nistra o perfil, caso este julgue seu story importante
e ache que seus seguidores gostariam de visualizá-
-lo novamente.

Assim, as práticas de linguagem no Instagram situam-se, de modo


significativo, no compartilhamento de fotos e na construção de narra-
tivas que ilustram as principais atividades, principalmente imediatas
ou a curto prazo, do usuário.
O Instagram é um aplicativo gratuito que foi projetado e desen-
volvido pelo brasileiro Mike Krieger e pelo norte-americano Kevin Sys-
trom para ser usado, no início, em smartphones Apple iOS, mas que,
posteriormente, foi disponibilizado para o sistema Android.
Trata-se de uma rede social digital que oportuniza a publicação e
a gestão de textos, podendo envolver atividades de leitura e de escrita,

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

bem como a produção de textos orais. Nesses termos, congrega o exer-


cício de textos multissemióticos, permitindo interação e, de forma con-
sequente, a circulação e a expansão de sentidos a partir de stories que
permitem práticas colaborativas de trocas de conhecimentos.

O YouTube

O YouTube publica o compartilhamento de vídeos, profissionais


ou amadores, possibilitando aos internautas classificarem e comen-
tarem tais produções audiovisuais. Segundo Jesus (2020, p. 137), “[...]
muitos programas de televisão têm acrescentado seus produtos no
YouTube de modo a alcançar um público que não consegue consumi-lo
no horário em que está passando ao vivo e que agora pode acessá-lo a
hora que quiser com conteúdo integral.”
Essa prática realça a natureza difusa que essa rede social digital
assume no contexto de acesso a conteúdos na Internet, inclusive, sen-
do muito utilizado por professores, nos mais diferentes níveis de en-
sino-aprendizagem, como possibilidades pedagógicas à formação de
sujeitos críticos e reflexivos. Logo, o YouTube funciona, quando bem
utilizado, por exemplo, com a checagem da fonte, como uma relevante
fonte de pesquisa.
Nas palavras de Vicente (2014, p. 87),

O YouTube é um site para compartilhamento de vídeos,


que pode atender a diversos propósitos. Tem bilhões
de vídeos e usuários. Seus vídeos podem ser vistos on-
line ou baixados para visualização sem Internet. Foi
criado em 2005 por Steve Chen e Chad Hurley, com a
intenção inicial de permitir a visualização de vídeos
que eram grandes para serem enviados por e-mail.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Nesses termos, o YouTube reúne pessoas para acessarem conteú-


dos e comentarem sobre eles. Convoca a ideia de mídia participativa,
uma vez que recruta pessoas e permite a inscrição dessas pessoas atra-
vés de comentários. Assim, cria na rede mundial de computadores um
espaço de interação discursiva, acionando, nessas condições, a constru-
ção de redes de sociabilidade.

Redes sociais digitais e ecossistemas comunicativos de intera-


ções discursivas

Para prosseguirmos as discussões sobre redes sociais digitais, con-


vocamos, nesse momento, a noção de ecossistemas comunicativos de
interações discursivas: conceito basilar para o modo como lemos os
processos de interação via redes.
Nesses termos, afinal, o que é um ecossistema comunicativo?
Etimologicamente, segundo Ferreira (2010, p. 270), ecossistema
significa “[...] o conjunto formado pela comunidade e o meio ambiente:
as relações que os seres vivos de uma comunidade estabelecem com
os fatores ambientais, [...]”. Como vemos, a definição de ecossistema
remete a dois fenômenos muito caros a esse trabalho: o primeiro diz
respeito à noção de comunidade – pensar em comunidade é pensar em
sujeitos interagindo, é pensar em processos de sociabilidade, é pensar a
linguagem em movimento, cumprindo propósitos específicos de comu-
nicação; o segundo refere-se às relações entre os seres vivos e os fatores
ambientais – o que nos inclina a considerar o contexto, o extraverbal,
influenciando os modos como são estabelecidas as “pontes”, os acessos
entre comunidade (sujeitos) ó linguagem (discursos) ó ambiente (con-
textos).
Portanto, um ecossistema comunicativo corresponde à construção

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

de um espaço socialmente constituído capaz de proporcionar vivên-


cias, capaz de oferecer aos sujeitos envolvidos no processo experiências
de linguagens que, a partir de protocolos e/ou etiquetas de convivên-
cia, permitem trocas de conhecimentos, diálogos e relações dialógicas.
É sob esse prisma que enxergamos as redes sociais digitais: terri-
tório apto a abrigar ecossistemas comunicativos de circulação de vozes,
espaços para transitar posicionamentos, pontos de vista. Elas são ecos-
sistemas que congregam sujeitos para dialogarem, para socializarem
percepções e, consequentemente, efetivarem práticas comunicativas e
interativas de concordâncias, de discordâncias, de expansão de senti-
dos.
Ao abordar a relação entre comunicação, sujeitos e aparatos mi-
diáticos, Martín-Barbero (2009) sinaliza a existência de ecossistemas
comunicativos como possibilidades de aquisição do saber a partir dos
meios tecnológicos em que reside a circulação de sujeitos, conforme
Xavier e Serafim (2020).
Nesse sentido, pensando no processo de mediação, Martín-Barbe-
ro (2009) elabora a seguinte figura:

FIGURA 03 – Dos meios às mediações

Fonte: Extraída de Martín-Barbero (2009, p. 16)

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A figura supracitada funciona como uma possibilidade de com-


preendermos o fluxo que envolve a comunicação, a cultura e a política.
O que nos chama a atenção é todo o entorno que permeia essa conjun-
tura, a saber: as lógicas de produção e as competências de recepção; e
as matrizes culturais e os formatos industriais.
Entre as matrizes de cultura e as lógicas de produção estão as
questões institucionais, isto é, as filiações e os regimes hierárquicos es-
tabelecidos. Entre as matrizes culturais e as competências de recepção
atuam as sociabilidades, as formas de negociação entre sujeitos sociais.
No que toca às mediações entre as lógicas de produção e os formatos
industriais situa-se a tecnicidade, ou seja, os efeitos da tecnologia nos
processos de comunicação; e entre os formatos industriais e as compe-
tências de recepção evidenciam-se as ritualidades, os modos de intera-
ção tipicamente constituídos.
Segundo o autor, a relação entre matrizes culturais e formatos
industriais refere-se à história dos movimentos sociais nos discursos
públicos, às formas hegemônicas de comunicação coletiva. Já a rela-
ção dupla entre matrizes culturais, competências de recepção e lógicas
de produção empreende os movimentos de sociabilidades que são, por
sua vez, envolvidas pelo institucional.
É sobre as sociabilidades que iremos nos centrar, compreendendo-
-as, à luz de Martín-Barbero (2009, p. 17, grifos do autor), como a trama
das relações coletivas e cotidianas, como “[...] lugar de ancoragem da
práxis comunicativa e resulta dos modos e usos coletivos de comuni-
cação, isto é, de interpretação/constituição de atores sociais e de suas
relações [...] com o poder.”
Em suma, o que a Figura 03 apresenta-nos é o quadro dos meios
e das mediações em função da cultura, das tecnologias e dos discursos
que circulam a partir das comunicações estabelecidas nos mais varia-

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

dos processos de interação humana. Na verdade, ela mostra-nos que a


comunicação, a cultura e a política são organizadas tendo como entre-
meio a produção e a recepção da informação atravessada pelas matri-
zes culturais e pelos formatos industriais.
Dentro desse contexto, a inserção da Figura 03 nesse estudo, no-
meada pelo estudioso de mapa, insere-se pelo fato de considerar as me-
diações no campo da comunicação frente à cultura e à tecnologia. Em
outras palavras, o pensamento do autor recai em reconhecer como a
mediação se desenvolve na cultura digital.

O que busco com esse mapa é reconhecer que os


meios de comunicação constituem hoje espaços-
-chave de condensação e intersecção de múltiplas
redes de poder e de produção cultural, mas também
alertar, ao mesmo tempo, contra o pensamento úni-
co que legitima a ideia de que a tecnologia é hoje
o “grande mediador” entre as pessoas e o mundo,
quando o que a tecnologia medeia hoje, de modo
mais intenso e acelerado, é a transformação da so-
ciedade em mercado, e deste em principal agencia-
dor da mundialização (em seus muitos e contra-
postos sentidos). [...] Sentidos e usos que, em seus
tateios e tensões remetem por um lado a dificulda-
de de superar a concepção e as práticas puramente
instrumentais para assumir o desafio político, téc-
nico e expressivo, que supõe o reconhecimento na
prática da complexidade cultural que hoje contêm
os processos e os meios de comunicação. (MARTÍN-
-BARBERO, 2009, p. 20, grifos do autor).

Na verdade, o estudioso ensina-nos que as tecnologias proporcio-


nam a interação. No entanto, a mediação é humana e não puramente

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tecnológica. São os homens interagindo através das novas tecnologias


da comunicação e da informação que configuram processos de viven-
ciamentos, denominando, então, as tecnologias de sóciotécnica. Segun-
do Bakhtin (2017 [1970-1971]), a mediação está nos engajamentos, nos
laços entre sujeitos sociais expressivos e falantes.
É sob esse prisma que entendemos ecossistemas comunicativos de
interações discursivas. Martín-Barbero os conceitua como espaços for-
mados por tecnologias, meios de comunicação e pelas tramas que ati-
vam a vida cotidiana. Nesse cenário, ecossistemas comunicativos signi-
ficam “[...] novas formas de aquisição do saber através dos ambientes
tecnológicos e comunicativos dos quais os indivíduos fazem parte [...]”
(KNAUL; SARTORI, 2014, p. 110).
A partir desse panorama, lemos as redes sociais digitais como
ecossistemas comunicativos de interações discursivas por:
- congregar práticas envolvendo meios de comunicação fortemen-
te influenciados pelas tecnologias, conforme sinaliza Martín-Barbero
(2000);
- desenvolver sensibilidades, com empatia cognitiva e expressiva
e “[...] novos modos de perceber o espaço e o tempo, a velocidade e a
lentidão, o próximo e o distante” (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 02); e
- ser capaz de se constituir um ambiente difuso e descentralizado,
um ambiente que atrai informação e conhecimentos múltiplos.
Sendo assim, defendemos, com veemência, as redes sociais digitais
enquanto ecossistemas comunicativos por entendermos tais redes

[...] como interfaces tecnológicas que propiciam es-


paços de comunicação em sociedade, regradas por
experiências interativas difusoras de discursos dia-
logicamente situados, funcionando, portanto, como
um terreno fecundo para: 1) entreter – uma vez que

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diverte usuários; 2) promover interações discursi-


vas – pois oportuniza a percepção e a construção de
pontos de vista, de valorações; 3) possibilitar inves-
tigações científicas – visto que abastece motivações
de pesquisadores sobre a linguagem, a comunicação
midiática, dentre outras áreas do conhecimento; e
4) colaborar como interfaces pedagógicas – auxi-
liando em contextos de ensino-aprendizagens de
conteúdos disciplinares em diferentes níveis de for-
mação, regular ou não, (da educação básica à pós-
-graduação). (XAVIER; ALMEIDA, 2020, p. 192, gri-
fos dos autores).

Essas quatro funções elencadas por Xavier e Almeida (2020) –


entreter, promover interações discursivas, possibilitar investigações
científicas e colaborar como interfaces pedagógicas – recrutam ca-
racterísticas que funcionam como esteio teórico-metodológico para
compreender as redes como fenômenos de interação humana, como
ambientes que aglutinam vozes, participações sociais, isto é, fluxos de
sociabilidades por meio da postagem de conteúdos e de comentários
sobre tais conteúdos, como discutiremos no próximo tópico.

Proposta de abordagem dialógico-discursiva de enunciados con-


cretos em circulação nas redes sociais digitais

Neste estudo, como já afirmamos ao longo deste capítulo, lemos


as redes sociais digitais enquanto ecossistemas comunicativos de inte-
rações discursivas. Em específico, no presente tópico, situamos o modo
como, sobretudo no capítulo vindouro, abordaremos a seleção e a aná-
lise dos fatos linguístico-discursivos recortados em função da discus-
são empreendida neste livro.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Para tanto, convém destacarmos, do ponto de vista teórico-meto-


dológico, que analisamos as redes sociais a partir de uma perspecti-
va dialógico-discursiva de enunciados concretos. De acordo com
Xavier (2020), dialógico, por confrontar enunciados, por estabelecer
processos de relações, de trocas entre enunciados verbais e não ver-
bais; discursivo, por filiar-se a fios ideológicos, por considerar a fun-
ção social da palavra, lendo-as, inclusive, como verboideológica.
Ainda entendemos como oportunas as palavras de Recuero (2016,
p. 19, grifo da autora):

Nos sites de rede social, as práticas conversacionais


também delineiam discursos. O termo “discurso” é
aqui definido como uma forma de representação e
reprodução ideológica. [...] O discurso não está ape-
nas no enunciado e em sua construção, ele está sis-
tematicamente imbricado como um conjunto ideo-
lógico que se reflete no corpo de presenças e de au-
sências de elementos das falas dos usuários.

Dentro desse contexto, as redes sociais são ecossistemas comuni-


cativos que abrigam a circulação de discursos ideologicamente situa-
dos no tempo e no espaço. Nelas, é possível compreender os comporta-
mentos discursivos de indivíduos e de grupos sociais, isto é, os modos
de percepção e de construção de pontos de vista.
As redes sociais digitais significam, então, um campo fecundo para
se observar como a construção de enunciados concretos, para além da
relação de estruturas sintáticas da língua e/ou do uso de emoticons e
emojis4, convoca atos dialógico-discursivos, funcionam como a propa-
4
Segundo o jornalista Emerson Machado, “um emoticon é um pictograma criado através
dos sinais de pontuação, números e caracteres especiais. Já o emoji é um ícone ilustra-
do, geralmente embutido nos teclados dos smartphones atuais. Ambos são considerados
uma forma de comunicação paralinguística, ou seja, complementam a linguagem ver-

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gação de práticas discursivamente localizadas na história de sujeitos


sociais: sociais e também individuais, singulares, irrepetíveis, inseridos
no mundo da vida (histórico-individual) e mundo da cultura (conteú-
do-sentido), como orienta-nos Bakhtin (2010 [1920-1924]).
Logo, nessas condições, as redes sociais digitais podem ser enten-
didas como um exemplo de mídia participativa, o que significa que elas
admitem audiências ativas, sujeitos, portanto, respondentes, que se po-
sicionam, que leem e que também são lidos.
Tendo como referência o movimento dialógico-discursivo de pro-
dução, de circulação e de recepção de enunciados concretos, é pertinen-
te, quando pensamos na análise desses enunciados em rede, chamar-
mos a proposta metodológica encontrada em Volóchinov (2017 [1929],
p. 224-225, grifos do autor) para a abordagem analítica de enunciados:

1) A língua como um sistema estável de formas nor-


mativas idênticas é somente uma abstração cien-
tífica, produtiva apenas diante de determinados
objetivos práticos e teóricos. Essa abstração não é
adequada à realidade concreta da língua.
2) A língua é um processo ininterrupto de formação,
realizado por meio da interação sociodiscursiva dos
falantes.
As leis da formação da língua não são de modo al-
gum individuais e psicológicas, tampouco podem ser
isoladas da atividade dos indivíduos falantes. As leis
da formação da língua são leis sociológicas em sua
essência.
3) A criação da língua não coincide com a criação

bal revelando ações e emoções de forma simples e facilmente identificável”. Exemplos:


Emoticon :-) :-( :o e Emoji . Disponível em <https://www.diferenca.com/emo-
ticons-e-emoji/> Acesso em 16/09/2020.

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artística ou com qualquer outra criação especifica-


mente ideológica. No entanto, ao mesmo tempo, a
criação linguística não pode ser compreendida sem
considerar os sentidos e os valores ideológicos que a
constituem. A formação da língua, como qualquer
formação histórica, pode ser percebida como uma
necessidade mecânica cega, porém também pode
ser uma “necessidade livre” ao se tornar consciente
e voluntária.
4) A estrutura do enunciado é uma estrutura pura-
mente social. O enunciado, como tal, existe entre os
falantes.

Dessa forma, para a análise de enunciados concretos, é vital com-


preender:
- a relação dos enunciados com o contexto discursivo em que está
inserido, o que corresponde a considerar a influência das ideologias
nos usos linguísticos;
- os enunciados são o resultado de uma forma concreta de comu-
nicação e de interação humanas, o que implica no entendimento de
que toda e qualquer produção linguística é orientada para o outro, para
o social; e
- a língua, enquanto um fenômeno de interação discursiva, elabo-
ra um conjunto de tipos relativamente estáveis de enunciados denomi-
nados por Bakhtin (2016 [1952-1953]) por gêneros do discurso.
É pensando nos gêneros que situamos as redes sociais digitais.
Lemos os gêneros do discurso como modos de atuação social. Na
perspectiva bakhtiniana, eles são o conjunto de tipos relativamente es-
táveis de enunciados que situam os propósitos de interações humanas
nos mais variados campos da comunicação discursiva.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Ainda conforme a perspectiva de Bakhtin (2016 [1952-1953], p. 20),


os gêneros do discurso “[...] são correias de transmissão entre a histó-
ria da sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno novo
[...] pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo
e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos.”
Eles podem ser primários e secundários. Os primários correspon-
dem a gêneros do cotidiano, determinados, por exemplo, pelo diálogo
oral, de cunho social familiar, íntimo. Os secundários, por sua vez, vin-
culam-se a campos da comunicação discursiva mais elaborados, como
o literário, o publicístico, o científico, dentre outros.
No que toca às dimensões dos gêneros, Bakhtin aponta que eles
podem ser abordados a partir de três elementos, a saber: o tema – que
está na base dos aspectos extraverbais da situação comunicativa; a
composição – que se destina à composição dialógica do gênero, às for-
mas relativamente típicas de composição e de acabamento relativo do
gênero; e o estilo – que diz respeito aos modos ou aos projetos de dizer/
de argumentar/de valorar e à entonação avaliativa do autor, às marcas
subjetivas linguísticas e extralinguísticas convocadas no gênero do dis-
curso em análise.
No sentido de elucidarmos possibilidades para a análise de gêne-
ros do discurso, chamamos a Figura 04.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

FIGURA 04 – Possibilidades para a análise de gêneros do


discurso à luz do Círculo de Bakhtin

Fonte: Adaptado de Dantas, Xavier e Rosas de Araújo (2020, p. 21)

Antes de especificarmos nossa discussão sobre as redes sociais di-


gitais como espaços para a circulação de gêneros, sobre a Figura 04, é
pertinente recorrermos às palavras de Dantas, Xavier e Rosas de Araú-
jo (2020, p. 22), para quem

[...] - o olhar específico para as circunstâncias so-


ciais de produção, de circulação e de recepção dos
gêneros funcionam como um olhar para as questões
contextuais que situam os discursos propagados
pelos enunciados que compõem os gêneros a partir
de uma reflexão de linguagem enquanto fenômeno
histórico e ideológico;
- a compreensão dos gêneros associada à noção de
enunciado concreto reforça a assertiva de que a pro-
dução, a circulação e a recepção inserem-se em um

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

projeto de dizer que marca e demarca processos de


interações sociais que, pelo discurso, promovem ce-
nas de enunciação, isto é, cenas de construções dia-
lógicas de sentidos; [...].

Dentro dessa linha de raciocínio, compreendemos as redes sociais


digitais como espaços de circulação de postagens de conteúdos e de
comentários on line. Assim, apoiando-nos nas possibilidades de aná-
lises de gêneros do discurso, lemos tanto as postagens de conteúdos e
os comentários eletrônicos como modos de atuação social de práticas
discursivas de linguagem, o que se aproxima, significativamente, do
conceito de gênero advindo do Círculo de Bakhtin.
Nesse sentido, as postagens funcionam como um recurso ofere-
cido pelas redes para a produção e a circulação de diversos conteúdos
informacionais que situam axiologias, que expandem filiações verboi-
deológicas, imprimindo pontos de vista, valorações.
Por sua vez, os comentários on line são por nós entendidos como
uma produtiva forma de recepção, de engajamento social, de trocas,
isto é, de uma audiência participativa. É o palco fecundo para expor
argumentações, para evidenciar o funcionamento discursivo das redes
sociais enquanto fenômenos de interações humanas.
Particularmente, sobre os comentários on line, convocamos as pa-
lavras de Cunha (2014) e Rosas de Araújo (2017):

O comentário eletrônico é uma prática social que


faz parte da vida cotidiana de milhares pessoas.
[...] Trata-se de um gênero em expansão em razão
do crescente uso de redes sociais e das novas tec-
nologias. [...] é uma prática discursiva que tem seu
propósito e suas regras: a partir de um texto fonte, o

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

leitor constrói novos discursos, reacentuando dife-


rentemente os aspectos temáticos, os sentidos múl-
tiplos, explícitos ou subentendidos, ou introduzindo
deslocamentos e mudanças de tema em função do
seu PDV [ponto de vista] [...]. (CUNHA, 2014, p. 15-
16, grifos/acréscimos nossos).
E toda vez que respondemos, falamos, mostramos
nossa satisfação, ou desagrado com algo ou alguém,
estamos na verdade oferecendo uma contrapalavra,
uma réplica. [...] a réplica é o ponto de partida para
qualquer relação dialógica que estabelecemos com
o outro. Tudo o que dizemos ao outro, na verdade, é
uma resposta a alguma pergunta lançada anterior-
mente. [...] Assim, nos pomos diante do outro para
lhe responder. [...] tudo é resposta(s) ao(s) enuncia-
do(s) do(s) outro(s). [...] é uma atitude axiológica,
uma forma de marcar o lugar no mundo, de mate-
rializar as subjetividades, de expor e de defender um
ponto de vista, uma ideologia. (ROSAS DE ARAÚJO,
2017, p. 154).

Embebidos por essas colocações das estudiosas supracitadas, de-


fendemos que tudo que proferimos é uma resposta, embora quando
não verbalizada ou quando não verbal; tudo são réplicas a enunciados
outros, configurando, nessas condições, a natureza dialógica da lingua-
gem. E é sob essa ótica que lemos as redes sociais digitais.
Vejamos, no capítulo vindouro, possibilidades de leituras de enun-
ciados concretos em acontecimentos enunciativos em redes sociais di-
gitais.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

ACONTECIMENTOS ENUNCIATIVOS: INTERAÇÕES


DISCURSIVAS EM REDES SOCIAIS DIGITAIS
PARA O DESENVOLVIMENTO deste capítulo, selecionamos acon-
tecimentos enunciativos extraídos de três redes sociais digitais, a sa-
ber: Facebook, Instagram e YouTube. Em se tratando das análises em-
preendidas, é conveniente destacarmos:
1) conforme a Figura 04, contida no capítulo anterior, considera-
mos as circunstâncias sociais de produção, circulação e recepção dos
enunciados das postagens e dos comentários a partir dos questiona-
mentos: quem enunciou?, quando, como e sob quais circunstâncias
enunciou?, quais axiologias são possivelmente convocadas?, dentre
outros;
2) elegemos o norte teórico e conceitual de acontecimento da
enunciação para analisarmos os recortes selecionados, crendo que é
pela comunicação social que a linguagem efetiva-se no contexto si-
tuacional da enunciação e orienta-se para o outro: “Tanto aquele que
pronuncia a palavra quanto o ouvinte são participantes conscientes
do acontecimento do enunciado e ocupam nele posições autônomas.”
(VOLÓCHINOV, 2019a [1930], p. 265);
3) em relação à metodologia, filiamos essa pesquisa à netnografia.
Segundo Kozinets (2014), essa tipologia de pesquisa científica se carac-
teriza por analisar o comportamento de indivíduos e de grupos sociais
na Internet, como também as dinâmicas desses grupos no ambiente on
line e off line. Em netnografia, as pesquisas envolvendo apenas dados
de domínio público, como os alcançados na rede mundial de compu-
tadores, que não identifiquem os participantes da pesquisa, ou pesqui-
sas de revisão bibliográfica, sem envolvimento de seres humanos, não

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necessitam aprovação por parte de Comitê de Ética1. Assim, de início, é


oportuno salientar que, metodologicamente, nos comentários on line
selecionados para o corpus da pesquisa serão eliminados todo e qual-
quer índice de identidade dos seguidores das redes;
4) partimos do método dialógico (VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p.
45) para analisarmos os enunciados circulados nas redes sociais. Tal
método pode ser definido pelo olhar metodológico sobre o uso da lin-
guagem tornando como indispensável: “1. Não separar a ideologia da
realidade material do signo [...]; 2. Não dissociar o signo das formas
concretas da comunicação social [...]; 3. Não dissociar a comunicação
e suas formas de sua base material (infraestrutura)”. Nesse sentido,
tendo os enunciados circulados nas redes sociais e as leituras que os
membros das redes realizam como objetos de estudo, as discussões
analíticas trouxeram como fito principal compreender as axiologias
difundidas pelas situações de interações discursivas nos recortes estu-
dados;
5) nos dados apresentados fizemos um recorte de fatos linguís-
ticos, o que implica dizer que no acontecimento enunciativo há, por
exemplo, outros comentários on line. Fizemos uma seleção a partir das
diferenças de informações para, metodologicamente, não tornarmos a
análise repetitiva;
6) como proposta analítica, selecionamos dois acontecimentos
enunciativos do Facebook, dois acontecimentos do Instagram e dois do
1
Conforme a Resolução 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, que trata da Ética na Pesqui-
sa, “[...] o Art. 1º dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais
cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os
participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os
existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução. Parágrafo único. Não serão
registradas nem avaliadas pelo sistema CEP/CONEP: I – pesquisa de opinião pública
com participantes não identificados; II – pesquisa que utilize informações de acesso
público, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; III – pesquisa que uti-
lize informações de domínio público; [...]”. Disponível em <http://www.anped.org.br/news/
nova-resolucao-5102016-de-etica-na-pesquisa> Acesso em 25/06/2020.

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YouTube distribuídos nos cinco eventos sociais ocorridos em 2020; e


7) nossa intenção analítica incidiu em observamos o fluxo da per-
cepção e da construção de pontos de vista nas postagens e nos comen-
tários trazidos para a análise. Nesses termos, objetivamos promover
uma reflexão sobre como as valorações ganham um espaço de circula-
ção no âmbito do ecossistema comunicativo de interações discursivas
que as redes sociais digitais propiciam.
Do ponto de vista temporal, restringimos os meses de janeiro a se-
tembro de 2020, recorte cronológico do estágio de pós-doutorado, como
o período para a seleção dos acontecimentos enunciativos, oriundos de
eventos sociais ocorridos em 2020, de circulação das postagens e dos
comentários sobre essas postagens nas redes sociais digitais.
Para tanto, selecionamos os seguintes acontecimentos enunciati-
vos:
- O samba-enredo 2020 da Mangueira, “A verdade vos fará livre”,
– na postagem da Deputada Federal, por São Paulo, Sâmia Bomfim, no
Facebook, de 24/02/2020, que replicou, de modo positivo, a temática
levantada pela escola de samba carioca;
- Jair Bolsonaro, o “Messias”, o “Jesus” traído – nas postagens
no Facebook de Gustavo Lucas2, em 26/05/2020, e Alex Júnior, em
28/05/2020, que socializaram a repercussão da Reunião Ministerial
ocorrida em 22/04/2020 e que se tornou conhecida a partir da renún-
cia, em 24/04/2020, do Ministério da Justiça por Sérgio Moro;
- Weintraub fica calado ou presta depoimento em silêncio? Eis a
questão! – nas postagens no Instagram do Jornal O Globo e do Portal R7
sobre o depoimento do ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub;

2
Como forma de preservarmos as identidades dos membros das redes sociais digitais nos acon-
tecimentos enunciativos analisados neste estudo, inserimos nomes fictícios e apagamos as ima-
gens dos sujeitos envolvidos, exceto quando se tratou de pessoa pública, como foi o caso da Depu-
tada Federal, por São Paulo, Sâmia Bomfim.

69
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- O caso Miguel – em postagem no YouTube sobre a morte da crian-


ça, Miguel, de 05 anos, que caiu do nono andar de um edifício de alto
padrão localizado em área nobre do Recife enquanto sua mãe, para
realizar uma função em seu trabalho, o deixou aos cuidados de sua
patroa; e
- A COVID-19 em foco – nas postagens do Jornal Hoje no Instagram
e do Jornal da Jovem Pan no YouTube sobre o avanço da pandemia no
Brasil.
A seguir, apresentamos a sequência de acontecimentos enuncia-
tivos que se constituem como corpus desse trabalho de investigação
científica.

Acontecimento enunciativo –
O samba-enredo 2020 da Mangueira “A verdade vos fará livre”

O samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira, no Carnaval


2020, teve como título “A verdade vos fará livre”, de autoria dos compo-
sitores Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo. Eis a letra na íntegra da
canção:

A verdade vos fará livre3


(Samba-enredo composto por Manu da Cuíca e Luiz
Carlos Máximo)

Eu sou da estação primeira de Nazaré


Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra no buraco quente

3
Disponível em <https://www.letras.mus.br/sambas/mangueira-samba-enredo-2020/>
Acesso em 03/05/2020.

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Meu nome é Jesus da Gente


Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão
Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E ressurgi no cordão da liberdade
Mangueira
Samba, teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Mas eu estou do seu lado


E do lado do samba também.

A letra traz um (re)leitura sobre a identidade de Jesus Cristo. Do


ponto de vista discursivo, o texto se estabelece por difundir uma con-
cepção de Jesus como um ser não preconceituoso, que habita entre os
moradores das periferias urbanas. É um sujeito aberto às diversidades
e que abraça o diferente sem o pensamento de pecado, sem o olhar da
condenação.
Segundo o texto, Jesus Cristo se identifica com os grupos sociais
minoritários ou pessoas que, historicamente, sofrem preconceitos,
como negros, índios e mulheres. Sob esse pensamento, Jesus recebe
a adjetivação de “da Gente”. Esse sintagma preposicionado assume os
sentidos de aproximação do Messias ao povo, aos humilhados e aos
necessitados.
Como vemos, a letra da canção admite uma nomeação a Jesus
como aquele sujeito que se encontra no seio dos menos favorecidos da
sociedade, inclusive pela própria filiação, tanto no que se refere aos es-
critos bíblicos, como nas relações dialógicas convocadas pelos autores
do samba-enredo: “Meu pai carpinteiro desempregado / Minha mãe é
Maria das Dores Brasil”.
Um destaque a ser dado é o fato de a apreciação oferecida pelos
compositores da letra caminhar na direção que interroga o modo como
as religiões cristãs, comumente, pregam a figura de Jesus: um Ser que,
conforme os Seus escritos, deve ser adorado por pessoas que se enqua-
dram aos princípios estabelecidos pela Bíblia. Afora a essa realidade,
o que há são pecadores que, por sua vez, estão destituídos do Reino de
Deus.
Nos versos “Mas será que todo povo entendeu o meu recado? /

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Porque de novo cravejaram o meu corpo / Os profetas da intolerância


/ Sem saber que a esperança / Brilha mais na escuridão”, compreen-
demos um discurso que põe em questão a verdade encontrada na Bí-
blia. A construção do próprio título da canção “A verdade vos fará livre”
mantém relações dialógicas com o texto de João capítulo 8 e versículos
31 e 32: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós per-
manecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos;
e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. (ALMEIDA, 2009, p.
1077).
O discurso do samba-enredo critica o modo como o evangelho é
lido por determinadas vinculações religiosas que disseminam a visão
de que todo aquele que não se “encaixa” nas interpretações específi-
cas da Bíblia é marginalizado, é pecador. Específicas no sentido de que,
mesmo dentro de um segmento religioso, por exemplo, o protestantis-
mo, há formas singulares de compreender os ensinamentos cristãos, há
pontos de vista distintos a partir da filiação, como: os não pentecostais,
os pentecostais e os neopentecostais. Daí, já é possível identificarmos,
em um só segmento, vários modos de apreciar, de valorar, de interpre-
tar a Bíblia.
Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo leem, a nosso ver, sobre-
tudo os líderes religiosos, como “profetas de intolerância”, pessoas que
estimulam sermões de desprestígio às diversidades social e cultural, de
maneira particular em relação aos homossexuais. O sentido de perse-
guição aos homossexuais é requerido nos versos “Sem saber que a espe-
rança / Brilha mais na escuridão”, o que faz referência ao mundo cheio
de cores da comunidade Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/questionando,
intersexo, assexuais/arromânticas/agênero, pan/poli, não-binárias e
mais (LGBTQIAPN+). A antítese brilho X escuridão realça a intenção
dos compositores em construir a concepção de que Jesus Cristo ama e
apoia tal comunidade.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Não podemos deixar de comentar duas observações que a letra


do samba-enredo admite: a crítica ao, à época, Presidente da República,
Jair Messias Bolsonaro, e a expressão vocativa contida no verso “Fave-
la, pega a visão”. Na primeira observação, o argumento vai de encontro
ao discurso de campanha e de governo de Bolsonaro que estimulou
a liberação de armas à sociedade, o que incentivou a violência. Além
disso, um discurso que reforçou práticas discriminatórias a homosse-
xuais e que recebeu alianças da ala política evangélica em Brasília e em
todo o Brasil. Na segunda observação, destacamos o grande recado dos
compositores: Jesus não se limita a regras religiosas. A voz de denúncia
artisticamente difundida pelas linhas e entrelinhas do samba da Es-
tação Primeira de Mangueira, no Carnaval 2020, convoca a sociedade
para parar e refletir a respeito de quem é Jesus Cristo verdadeiramente.
Aquele que está entre a multidão, entre o povo, a massa, ou o que está
no discurso bíblico que prega uma natureza homogênea de ser huma-
no ou, talvez, nas interpretações que se fazem sobre o texto bíblico.
Com base nessa contextualização, chamamos a Figura 05 que
trata de uma postagem de Sâmia Bomfim em função do samba-enredo
da Mangueira no Carnaval 2020.

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FIGURA 05 – Postagem de Sâmia Bomfim no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol>
Acesso em 29/02/2020

A postagem de Sâmia Bomfim enaltece o samba-enredo da Man-


gueira em 2020. Ela inicia sua participação na rede social digital Fa-
cebook se reportando diretamente ao seguinte fragmento da letra da
canção: “Favela, pega a visão / Não tem futuro sem partilha / Nem
messias de arma na mão”.
Quando se leva em consideração a resposta para a pergunta quem
enunciou?, é preciso destacar que Sâmia Bomfim é Deputada Federal,
por São Paulo. Ela é filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
e foi eleita, em 2018, com cerca de 250 mil votos, de acordo com dados
colhidos de sua conta no Facebook. Em 2022 também foi eleita para o
mesmo cargo. Percebamos que a construção do ponto de vista da depu-
tada acentua, justamente, a relação dialógica que permite compreen-
der a crítica do enredo da Mangueira a Jair Messias Bolsonaro.

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Para além da aprovação ao samba-enredo, a leitura de Sâmia re-


gistrada em sua postagem se direciona ao posicionamento de que a arte
de Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo traduz a realidade do Brasil:
um país diverso por natureza, uma nação que possui desigualdades so-
ciais. Com isso, a deputada entende que o “Jesus da Gente” é o Jesus do
povo, é o Santo que passeia pela “Avenida Brasil” e que, portanto, está
entre a sociedade, sobretudo, a sociedade perseguida, a sociedade que
vive e sobrevive na violência.
Não podemos deixar de considerar a acentuação dada pela de-
putada ao samba-enredo no que toca às questões de ordem política:
o vocativo “Favela, pega a visão”, na postagem da Figura 05, situa, do
ponto de vista do discurso, o posicionamento de adversidade político-
-partidária entre a autora da postagem e Jair Messias Bolsonaro. É per-
ceptível o olhar crítico de Sâmia para a leitura da canção em função do
lugar social que a deputada ocupa politicamente em relação a Bolsona-
ro. O que reforça essa relação está no seguinte fragmento da postagem:
“Mangueira trouxe para Avenida o Jesus da gente, do nosso Brasil”.
O “Jesus da gente, do nosso Brasil” encaminha-se para o confron-
to discursivo entre o Jesus pregado pelos “profetas da intolerância” e
o “Jesus da gente, do nosso Brasil”. O “Jesus da Gente” é o do povo, da
diversidade. Um Jesus que abraça a todos, que não é preconceituoso
e, consequentemente, não insulta o Nordeste e não incita à violência,
como é possível constatar em episódios que envolvem a figura no ex-
-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Em suma, a postagem
de Sâmia revela o seu lugar de fala, o de uma política.
É oportuno observarmos que o modo como Sâmia Bomfim se re-
portou à canção revela o seu tom emotivo-volitivo de aprovação ao
samba-enredo da Mangueira e de reprovação ao governo bolsonarista
(2019-2022), o que demonstra que, pela linguagem, nos revelamos en-

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quanto sujeitos ideologicamente situados.


Esse dado nos autoriza convocar as palavras de Volóchinov (2019b
[1930], p. 280), para quem, “A orientação social é justamente uma da-
quelas forças vivas organizadoras que, junto com as condições do enun-
ciado (a situação), constituem não somente a sua força estilística, mas
até mesmo a sua estrutura puramente gramatical.”
Como respostas à postagem da Deputada Federal, Sâmia Bomfim,
chamamos os comentários contidos na Figura 06.

FIGURA 06 – Comentários sobre a postagem de


Sâmia Bomfim no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol>
Acesso em 29/02/2020

Percebemos nos comentários de Zenaide uma valoração de empa-


tia ao discurso do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira.
Zenaide constrói o seu ponto de vista adjetivando Jesus a partir do sin-
tagma preposicionado “do amor”.
Essa adjetivação dialoga com o discurso de que Jesus Cristo abençoa
toda e qualquer forma de amor. Tal pensamento surge, sobretudo, pela

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referência à interpretação do texto bíblico que condena o relaciona-


mento homossexual, conforme, por exemplo, é possível encontrar nos
textos da escritura sagrada de Romanos capítulo 01 e versículos 26 e
27; e I Coríntios capítulo 06 e versículo 09 (ver ALMEIDA, 2009).
A noção de Jesus “do amor” comunga com a nomeação dada pelos
compositores Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo ao defenderem o
Jesus “da Gente”. Trata-se de uma percepção que entende como justa
toda forma de amor, estabelecendo a relação dialógica com a letra da
canção de autoria e de interpretação de Lulu Santos muito executada
no cenário brasileiro, a saber: “Toda a forma de amor”.
Em seguida, vemos o comentário de Fernanda que, por sua vez,
acompanha a leitura de Zenaide sobre o samba-enredo da Mangueira,
em 2020. Porém, Fernanda acrescenta: “[...] se Jesus voltasse “fora do
padrão das pessoas de bem” todos esses iam preferir adorar ao diabo do
que a um Jesus da gente, [...]”.
O que Fernanda estabelece como discussão em sua réplica à post-
agem de Sâmia Bomfim é a possibilidade de Jesus se comportar como
o diferente do ideal, como se extrapolasse os limites do padrão para
mostrar as pessoas que nem sempre o bom, perfeito e agradável está
no aparente, no visto a olho nu. Na verdade, o que a internauta põe em
reflexão é o fato de que Jesus não pode se limitar a um padrão.
Nessa linha de pensamento, Fernanda enuncia, como resposta
ao proferido pelo samba-enredo, uma reflexão que permite aos seus
leitores compreenderem que essa foi a mensagem da Estação Primeira
de Mangueira: mostrar que é preciso (re)ler a identidade de Jesus – um
ser que acolhe a todos, ao diverso. Não, necessariamente, pela vias da
discussão comumente encontrada em mensagens cristãs que dizem,
categoricamente: “Deus ama o pecador, mas odeia o pecado”.
O que critica o samba-enredo da Mangueira e o comentário de

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Fernanda é o que está, por exemplo, no seguinte fragmento: “Mas será


que todo povo entendeu o meu recado? / Porque de novo cravejaram o
meu corpo / Os profetas da intolerância / Sem saber que a esperança /
Brilha mais na escuridão”. Os versos da canção e comentário em apreço
sinalizam a valoração de que o Jesus “da Gente” em sintonia com o “do
amor” é o que expande ou reler o sentido de pecado.
Com base nesses acontecimentos enuciativos, lemos que as redes
sociais digitais funcionam como ecossistemas comunicativos de in-
terações discursivas. E, dentro dessa perspectiva, abrigam diferentes
pontos de vista, diferentes formas de compreensões. Os comentários
significam, portanto, respostas a enunciados concretos.

Toda verdadeira compreensão é ativa e possui um


embrião de resposta. [...] Toda compreensão é di-
alógica. [...] A compreensão busca uma antipalavra
à palavra do falante. Apenas a compreensão de uma
palavra estrangeira busca “exatamente a mesma”
palavra em sua língua. (VOLÓCHINOV, 2017 [1929],
p. 232, grifos do autor).

Sob o prisma de compreensão como uma antipalavra, convocamos


a Figura 07.

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FIGURA 07 – Comentários sobre o comentário de Zenaide no Face

book

Fonte: <https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol>
Acesso em 29/02/2020

Na figura, de modo pontual, chamamos a atenção para os comen-


tários de Marieta, Gabriel, Carmen e Aloísio: respostas ao comentário
de Zenaide anteriormente analisado. Exceto Carmen, os demais cons-
troem suas leituras através de um horizonte de percepção contrário ao
comunicado por Zenaide.
Marieta, Gabriel e Aloísio constroem os seus pontos de vista tendo
respaldo o discurso de que Jesus é amor, mas abomina o pecado. Dessa
forma, a mensagem do samba-enredo para os três supracitados propa-
ga uma vida pecaminosa.
A mensagem do “Jesus da Gente”, nesse panorama, significa uma

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

blasfêmia. O Jesus defendido pelos internautas é vingativo, linguistica-


mente valorado por eles como “Justiça”, “fogo consumidor” e “[...] ele é
Deus, todos prestaram contas ao seu tribunal”.
O tom emotivo-volitivo apresentado por Marieta, Gabriel e Aloísio
convoca um posicionamento de um Jesus que desaprova o diferente,
que não concorda com a possibilidade de leituras, no plural, do texto
bíblico. Nessa visão, o que está posto, simplesmente está. Não há mar-
gem para (re)significações, para a construção de outras interpretações
da Bíblia, compreensões voltadas para os fatores contextuais historica-
mente situados.
Na Figura 07, observamos o ponto de vista de Carmen por meio da
expressão “Zenaide, verdade”. A concordância de Carmen configura a
natureza verboideológica e de aderência a diferentes respostas a enun-
ciados a que as redes sociais digitais admitem. Percebamos que nesse
acontecimento enunciativo há a presença de vozes que localizam apre-
ciações. É um espaço para os posicionamentos vários, para réplicas.
Nesse momento, apresentamos a Figura 08.

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FIGURA 08 – Comentários sobre a postagem de Sâmia Bomfim


no Facebook e outros comentários

Fonte: <https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol>
Acesso em 29/02/2020

Ao se reportar sobre a postagem de Sâmia Bomfim a respeito do


samba-enredo da Mangueira, Edna se engaja no acontecimento enun-
ciativo tendo como referência uma analogia à figura de Jesus Cristo
como aquele que “[...] se manifesta de várias formas, naquele pobre que
bateu a tua porta pediu água ou comida e vc fingiu que não estava em
casa [...]”.
Essa leitura de Edna vai ao encontro da proposta temática do sam-
ba-enredo da Mangueira em 2020: Jesus sendo “[...] Mulher / Moleque
pelintra no buraco quente / Meu nome é Jesus da Gente / [...] Me encon-
tro no amor que não encontra fronteira / Procura por mim nas fileiras

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contra a opressão / E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão [...]”,


conforme expresso na letra de Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo.
Como lemos, um Jesus que transgride o convencional, atravessa fron-
teiras e surpreende com o inesperado. É o que os autores denominaram
de “Jesus da Gente”.
Márcia amplia a leitura de Edna a partir das expressões linguís-
ticas interrogativas “Quantos ignorados e invisíveis? Quem acredita?
Quantos são sem teto e como trabalhador não consegue nem pagar
aluguel e ficam sem carteira assinada porque não tem endereço de mo-
radia”. A participação de Márcia no fluxo desse acontecimento enun-
ciativo funciona como produções de enunciados concretos que convo-
cam o extralinguístico, chamam a situação social e, nesse entremeio,
se situam como respostas ao proferido por Edna, mostrando que é no
processo do terreno interindividual que a interação discursiva se es-
tabelece (VOLÓCHINOV, 2017 [1929]). E se estabelece sob o “sabor” do
valor. O que observamos nos dados é, justamente, esse “sabor” do valor.
Ressaltamos, nesse acontecimento, a construção de pontos de vista que
podem concordar, discordar, podem ampliar sentidos.
A Figura 08 ainda nos apresenta o estabelecimento de relações
dialógicas, como podemos perceber na compreensão de Edna como
desdobramento da mensagem que a Mangueira comunicou no Car-
naval 2020: a relação com o texto bíblico que trata da crucificação de
Jesus Cristo, como é possível encontrar em Mateus capítulo 27 e João
capítulo 19 (ver ALMEIDA, 2009).
Para Edna, “[...] E se Jesus hoje estivesse no meio de nós, será que
não seria crucificado novamente? Vendo essa cena (não assisti ao des-
file) esse sermão me veio a cabeça”. Olívia avança na discussão e inscre-
ve: “com certesa seria morto novamente”.
Como ecossistema comunicativo de interações discursivas, esse

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acontecimento enunciativo ilustra como as redes sociais digitais abar-


cam os modos de percepção e de construção de pontos de vista. A Figu-
ra 08 demonstra o acervo de conhecimento dos sujeitos Edna, Márcia e
Olívia sobre o cristianismo, aparentando, inclusive, que, possivelmente,
elas se constituem como cristãs. No entanto, cristãs que interrogam,
que abrem espaços para questionamentos, para (re)pensarem quem é,
verdadeiramente, Jesus.
Dentro desse contexto, são novas formas de se ler e de se conviver
com Jesus Cristo. Essa discussão é estendida na Figura 09.

FIGURA 09 – Comentários sobre a postagem de


Sâmia Bomfim no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol>
Acesso em 29/02/2020

Fábio nomeia críticas ao samba-enredo como resultado de “pre-


conceito fanático”. Esse olhar reitera o fato de que muitos não concor-
daram com a proposta da Mangueira, sobretudo, aqueles que vinculam
a uma abordagem linear/literal do texto bíblico, como assim podemos

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relacionar a internauta Angélica, para quem “Esse Jesus não é o mesmo


da Bíblia! As pessoas só querem ver e ouvir aquilo que lhe agrada!”.
Conforme exposto, parece que há uma incompatibilidade no sam-
ba-enredo sobre o Jesus da Bíblia Sagrada. O posicionamento de Olívia
“As pessoas só querem ver e ouvir aquilo que lhe agrada!” abre espaço
discursivo para se compreender que há uma denúncia da internau-
ta, a saber: a discussão da Mangueira é resultado daqueles que não
se “enquadram” no mundo ideal de sujeitos pregados pelas escrituras
sagradas.
Um dado a se realçar é a abertura para essa interpretação contida
no próprio texto do samba-enredo: “Mangueira / Samba, teu samba é
uma reza / Pela força que ele tem / Mangueira / Vão te inventar mil
pecados / Mas eu estou do seu lado / E do lado do samba também”.
Nesses versos, Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo acionam possí-
veis respostas de valorações de antipatia à temática da canção, o que
recupera o princípio encontrado em Bakhtin (2016 [1952-1953]) de que
a palavra quer sempre ser ouvida, ela endereça-se ao outro, ela é, por
excelência, banhada por práticas discursivas que delineiam processos
de interações sociais.
Na verdade, o que estamos nessa análise acentuando é a natureza
interativa das redes sociais digitais. Não nos cabe aqui afirmar quem
está certo ou errado. Não intentamos isso. Nosso objetivo, enquanto
analista de discursos, é observar as presenças de modos verboideológi-
cos que arquitetam os projetos de dizer. Isso sim interessa-nos.
Ainda na Figura 09 destacamos os comentários de Cecília e de Re-
gina. Em ambos, lemos um discurso que admite valorações de empatia
ao tema apresentado pela Mangueira em 2020 e, consequentemente,
pela postagem de Sâmia Bomfim.
Em Cecília, observamos um ponto de vista construído pela expres-

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são interrogativa: “Será que entenderam?”. Essa pergunta destina-se à


sociedade e, dialogicamente, relaciona-se aos fragmentos do samba-en-
redo: “[...] Mas será que todo povo entendeu o meu recado? / Porque de
novo cravejaram o meu corpo / Os profetas da intolerância / Sem saber
que a esperança / Brilha mais na escuridão / Favela, pega a visão / [...]”.
Em Regina, há a atribuição a Jesus de uma prática eminentemente
humana: a de aplaudir em pé. Na visão de Regina, há uma alegria por
parte de Jesus ao ler esse recado da escola de samba do Rio de Janeiro.
Um dado relevante a se destacar do comentário dessa internauta é,
infelizmente, a prática corriqueira evidenciada nas instituições reli-
giosas: a corrupção através da fé alheia. O enunciado “Há tantas atro-
cidades, ROUBO, discriminação cometidos em nome dele, [...]” se insere
nesse tom emotivo-volitivo de inconformidade de Regina ao que se é,
de forma diária, noticiado pelas mídias.
A seguir, convocamos o próximo acontecimento enunciativo em
análise neste livro.

Acontecimento enunciativo –
Jair Bolsonaro, o “Messias”, o “Jesus” traído

Nesse acontecimento enunciativo, temos duas postagens. A pri-


meira, de Gustavo Lucas, que, na Figura 10, apresenta Jair Bolsonaro
em uma cruz assumindo, dialogicamente, o papel de Jesus Cristo na
crucificação. A segunda, de Alex Júnior, que, na Figura 13, também, a
partir de uma relação dialógica, evoca Bolsonaro presidindo uma Reu-
nião Ministerial e, consequentemente, exercendo o papel ou ocupando
a posição de Jesus na Santa Ceia.
Em ambas as postagens, observamos um discurso que, sob as len-
tes de uma enunciação que critica Bolsonaro, difunde valorações. Pro-

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paga pontos de vista, por exemplo, sobre a comparação do político à


crucificação de Cristo e sobre a repercussão, em maio de 2020, com
os desdobramentos da renúncia de Sérgio Moro, de uma Reunião Mi-
nisterial ocorrida em 22/04/2020. Essa Reunião ficou conhecida como
sendo o encontro no qual, de acordo com o ex-Ministro da Justiça, Sér-
gio Moro, Jair Bolsonaro teria pedido mudança no comando da Polícia
Federal.
Com base nesses dados que contextualizam um evento social no
tempo e no espaço, acentuamos que a criatividade comunicativa do gê-
nero discursivo charge, contido na postagem da Figura 10, comunica,
de maneira irônica, a relação do ex-Presidente da República a Jesus, a
partir das seguintes possibilidades:
- o Messias Presidente admite correspondência direta com o Mes-
sias Jesus Cristo;
- assim como Jesus assumiu a função de Salvador do Mundo, Bol-
sonaro a de Salvador do Brasil;
- a perseguição também foi um fator convocado pelo autor da
charge, no sentido de destacar que, conforme Jesus Cristo, Jair Bolso-
naro sofre atitudes de perseguição; e
- como consequência da divulgação dos tópicos postos em discus-
são na Reunião Ministerial supracitada, Bolsonaro, “inocentemente”,
está sendo crucificado, o que resgata a narrativa bíblica.
Vejamos, então, a Figura 10.

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FIGURA 10 – Postagem de Gustavo Lucas no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/> Acesso em 30/05/2020

Como vemos, a construção do ponto de vista nessa postagem de


Gustavo Lucas no Facebook põe em questão o modo como significati-
va parcela do Brasil elege Bolsonaro ao posto de “[...] Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo!” (João capítulo 01 e versículo 29, ver
ALMEIDA, 2009, p. 1065).
Trata-se de uma charge que critica a idolatria ao Messias Bolso-
naro e o menosprezo ao Messias Jesus Cristo. Percebamos que Jesus, o
Salvador do Mundo, está jogado no chão, ensanguentado. Sua aparên-
cia parece estar se questionando: o que está acontecendo? Enquanto
isso, Bolsonaro é carregado, em cima da cruz, por dois militantes, um,
inclusive, armado.

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Nesse momento, chamamos a Figura 11.

FIGURA 11 – Comentários sobre a postagem de


Gustavo Lucas no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/> Acesso em 30/05/2020

Essa figura é composta pela presença de um acontecimento enun-


ciativo atravessado pelo processo de interações discursivas em que ha-
bita o espaço para réplicas e tréplicas, para a palavra e a contrapalavra,
para o exercício dialógico de responder a enunciados concretos.
De início, lemos Henrique se posicionando sobre a postagem de
Gustavo Lucas: “Ñ seja irônico meu amigo.”. Essa negativa é uma ar-
gumentação que desaprova Gustavo Lucas em sua publicação na rede
social digital. Tal argumentação é reforçada pelos demais sujeitos en-

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volvidos no acontecimento enunciativo, a saber:


Henrique – “Sem lógica sua comparação.”;
Denise – “Não faço isso Jesus morreu na cruz por nós ele é nosso
pai não merece isso” e
Augusta – “Meu amiguinho com Deus nós não deve brincar nós
devemos fazer oração e não brincadeira mas ele é bom e ele te perdoa”.
As réplicas de Henrique, Denise e Augusta situam pontos de vista
de antipatia à postagem de Gustavo Lucas e, em decorrência, à char-
ge nela divulgada. São leituras, são exemplos de engajamento, de com-
preensões responsáveis e responsivas, aderindo as palavras de Xavier
(2020, p. 65-66, grifos do autor), para quem

- Leitura como um gesto de compreensão res-


ponsiva – a leitura é, sem sombra de dúvida, um
gesto de compreensão, um modo de visão de mundo,
um ponto de vista. Ao ler/estudar as personagens
em Dostoiévski, Bakhtin (2010a, p. 352) conclui que
todas elas são participantes do diálogo: “escutam
tudo o que as outras dizem a seu respeito e a todas
respondem”. Essa conclusão só foi possível, segundo
o autor, pelo reconhecimento dos tipos de visão de
mundo convocados por esses personagens ao lon-
go do texto romanesco de Dostoiévski. Portanto, ler,
como compreensão responsiva, é um gesto emotivo-
-volitivo de expansão de sentidos: “[...] compreen-
der o texto tal qual o próprio autor de dado texto o
compreendeu. Mas a compreensão pode e deve ser
melhor” (BAKHTIN, 2010a, p. 377). A compreensão é
um excedente de visão, é exotópica, é transgredien-
te, é uma avaliação; e
- Leitura como um ato dialógico-discursivo de
compreensões responsáveis e responsivas – a

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leitura é tudo o que foi dito no parágrafo anterior.


Só que neste, gostaríamos de acrescentar: é um ato
porque se vincula à singularidade do Ser-evento, é
uma tomada de posição, um passo, postupok: “[...]
cada homem é um eu para si, mas no acontecimento
concreto e singular da vida o eu para si é apenas um
eu único, porque todos os demais são outros para
mim” (BAKHTIN, 2010a, p. 351, grifos do autor); é
dialógico por confrontar enunciados no exercício
da vida verbal; é discursivo por filiar-se, no tempo
e no espaço, a fios ideológicos que vão ao encontro
de campos da comunicação culturalmente situados;
é uma compreensão responsável por engajar o ho-
mem, o Ser-evento, comprometendo-o a valorar e
essa valoração gera a compreensão responsiva, mo-
tivada, no encontro entre mundo da cultura e mun-
do da vida, pela necessidade de resposta, de uma re-
ação axiológica, ativa.

Ditas essas palavras, os comentários on line são leituras, são atos


responsáveis e responsivas, são compreensões, são respostas. Nesse
sentido, o que temos como corpus são leituras, são, de fato, engajamen-
tos de sujeitos sociais em acontecimentos enunciativos; no caso, a pos-
tagem de Gustavo Lucas que, por sua vez, respondeu aos comentários
de Henrique e de Denise: “Ironia é aceitar calado um presidente que
interfere na PF para proteger filho bandido...”, “A compreensão não po-
dia ser melhor...” e “Diz isso pros eleitores fanáticos do bozo...”.
Essas respostas às respostas, ou seja, essas tréplicas situam um
sujeito, Gustavo Lucas, que desaprova o governo Bolsonaro e que, por-
tanto, enxerga nas redes sociais digitais um ecossistema comunicativo
de possibilidades de interações discursivas; enxerga nas redes um ter-
ritório para se inscrever enquanto um sujeito social.

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Refere-se, dessa forma, a modos de apreensão e de pertencimento


a determinados grupos sociais. É o que nos ensina Volóchinov (2017
[1929], p. 204-205, grifos do autor):

A palavra é orientada para o interlocutor, ou seja,


é orientada para quem é esse interlocutor: se ele é
integrante ou não do mesmo grupo social, se ele se
encontra em uma posição superior ou inferior em
relação ao interlocutor [...] O mundo interior e o
pensamento de todo indivíduo possuem seu audi-
tório social estável, e nesse ambiente se formam os
seus argumentos interiores, motivos interiores, ava-
liações etc.

É no berço nas interações e no estabelecimento de auditórios so-


ciais e de situações comunicativas específicas que se estabelece a for-
mação dos argumentos, tendo como referência a noção de pertenci-
mento a determinados grupos. Portanto, o enunciado é orientado pelo
horizonte ideologicamente constituído.
Isso mostra que, para além de postar, Gustavo Lucas faz questão de
avançar no acontecimento, dando respostas, ou, melhor dizendo, ofere-
cendo palavras e contrapalavras, tornando a interação efetiva e a com-
preensão das redes como um terreno fecundo para envolver sujeitos e
pontos de vistas. Com isso, mostrando o seu lugar: um lugar que ocupa
uma função enunciativa que avalia negativamente o governo de Jair
Bolsonaro, um lugar, então, de desaprovação ao governo.
Nesse contexto, as redes convocam a sequência de pontos de vista
e as respostas aos pontos de vista postos em circulação, proporcionan-
do vivenciamentos, diálogos e relações dialógicas.
A seguir, chamamos a Figura 12.

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FIGURA 12 – Comentários sobre a postagem de Gustavo Lucas


no Facebook e outros comentários

Fonte: <https://www.facebook.com/> Acesso em 30/05/2020

Diferentemente de Henrique, Denise e Augusta, os comentários


de Maria, Felipe Wanderson e João Pedro ampliam o foco de visão so-
bre a charge em questão. Eles criticam a relação Messias Bolsonaro e
Messias Jesus Cristo, expandindo sentidos: “Que pecado! Uma criatura
desses na cruz??? [...]” (Maria, Figura 12); “[...] Hoje minha preocupação
não é quem votou no Bozo [...] pois os eleitores do Bozo o vêem como
um Deus, um Cristo, um Santo sem pecado, mais que é o Satanás em
pessoa.” (Felipe Wanderson, Figura 12); e “O legal é que quase ninguém
entendeu a crítica da caricatura...” (João Pedro, Figura 12).
As expressões linguísticas, “criatura dessas”, “Bozo” e “Satanás”

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revelam o posicionamento de desaprovação desses sujeitos ao gover-


no Bolsonaro. Esse dado mostra-nos como os sujeitos se revelam pe-
las escolhas lexicais não aleatórias. E, nesse contexto, as redes sociais
digitais oportunizam a propagação de ideias, de concepções, isto é, de
modos de ler e de responder a enunciados a partir do “sabor” do valor,
das axiologias.
João Pedro destaca uma questão importante: a falta de leitura
crítica. Na inscrição “O legal é que quase ninguém entendeu a crítica
da caricatura...”, lemos, na verdade, uma crítica que lamenta o fato de
muitas pessoas, aparentemente eleitores de Bolsonaro, não atingirem o
nível de compreensão de que, na atualidade, o perigo está na idolatria
ao Messias Bolsonaro, comparando-o ao Salvador do Mundo, ao Mes-
sias Jesus Cristo. O legal funciona como o triste, como a infeliz realida-
de que estampa a falta de leituras dialógicas, leituras que interrogam,
que desconfiam das obviedades.
Dando prosseguimento à análise, apresentamos a Figura 13.

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FIGURA 13 – Postagem de Alex Júnior no Facebook

Fonte: <https://www.facebook.com/> Acesso em 30/05/2020

A construção enunciativa encontrada na postagem de Alex Júnior


consiste na analogia contida no meme em destaque na comunicação
que, por sua vez, articula um evento político a um evento presente na
narrativa bíblica. No meme, encontramos:
- a disposição da bancada da Reunião Ministerial de 22/04/2020
se aproximando da mesa da Santa Ceia (conforme Lucas capítulo 22 e
versículos do 19 ao 23, ver ALMEIDA, 2009, p. 1058), possibilitando um
processo de reenunciação, uma vez que a argumentação do gênero se
estabelece pelo indício valorativo de comparação, de associação entre
os dois eventos sociais supracitados nessa análise;

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- a posição não aleatória de Bolsonaro no centro, representando


semelhança com a posição ocupada por Jesus Cristo no evento da Santa
Ceia Bíblica; e
- o movimento de Sérgio Moro como sendo uma simulação do bei-
jo da traição de Judas em Jesus Cristo (conforme Mateus capítulo 26 e
versículos do 47 ao 55, ver ALMEIDA, 2009, p. 991).
Essa relação estabelecida torna-se discurso quando consideramos
as condições de produção que, historicamente, propiciaram a constru-
ção do meme. Essa associação concreta, enunciativa, portadora de sen-
tidos, é o que torna o meme um gênero do discurso.

O estudo da natureza dos enunciados e dos gêneros


discursivos é, segundo nos parece, de importância
fundamental para superar as concepções simplifi-
cadas da vida do discurso, do chamado “fluxo dis-
cursivo”, da comunicação, etc., daquelas concepções
que ainda dominam a nossa linguística. (BAKHTIN,
2016 [1952-1953], p. 22, grifos do autor).

Sob essa perspectiva, é possível compreender os fenômenos inten-


cionais da produção, da circulação e da recepção do meme expresso
na postagem de Alex Júnior. Nele, vemos Bolsonaro, valorativamente,
assumindo a função de Jesus e Sérgio Moro a de Judas.
As condições sócio-históricas que favoreceram a existência do
meme na rede social referiram-se à denúncia de Moro sobre as arbi-
trariedades supostas praticadas por Bolsonaro, a saber: as possíveis in-
terferências nas investigações da Polícia Federal.
No intuito de apresentarmos os comentários sobre essa postagem
de Alex Júnior, chamamos a Figura 14.

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FIGURA 14 – Comentários sobre a postagem de Alex Júnior


no Facebook e outros comentários

Fonte: <https://www.facebook.com/> Acesso em 30/05/2020

Inicialmente, encontramos uma troca de mensagens entre Aline


e Alex Júnior: ambos discordando não do meme, mas dos fatos sociais
que favoreceram a sua produção. Em Aline, vemos, inclusive, a ironia,
quando ela destaca a falta do beijo na face, o que estabelece, ainda mais,
a relação dialógica com a narrativa bíblica da traição de Judas a Jesus.
Nessa relação, Bolsonaro é Cristo e Moro o Iscariotes.
Alex Júnior, no estabelecimento do diálogo com Aline, enfatiza que
jamais compararia Bolsonaro a Jesus. Como resposta, de forma interro-
gativa, Rafael o interpela: “E o que você fez com essa postagem?”.
A partir dessa interpelação, no fluxo do acontecimento enunciati-

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vo, surge o diálogo de confronto entre Alex Júnior e Rafael travestido de


uma finalização de conversa, com direito, inclusive, a votos de amizade,
de relações de intimidade, de cordialidade, pelas expressões “abraço”,
“Se cuide, meu querido” e “Amo sua família”.
Por que travestido? Na verdade, entendemos que Alex Júnior fi-
cou desconfortado com a interrogação provocativa de Rafael. Nessas
condições, aparentemente, Alex Júnior preferiu, do ponto de vista do
discurso, o silêncio como forma de não, talvez, manchar uma possível
amizade entre ambos. No entanto, sua valoração na postagem não dei-
xou de ser considerada, de ser circulada.
Na Figura 14, ainda temos o engajamento de Heleno que tentou
explicar a Rafael que a intenção de Alex Júnior não se tratava de com-
parar Bolsonaro a Jesus, mas a traição de Sérgio Moro. O intento de
amenizar a postagem de Alex Júnior esboça o apego de Heleno a Bol-
sonaro, ao ponto de compreender como certa a vinculação de Moro a
Judas e errada a de Bolsonaro a Jesus.
Esse movimento avaliativo aclara a percepção de como pelas re-
des sociais digitais os sujeitos podem se expressar por meio de uma
orientação social a que palavra em uso admite. Sob essa ótica, a situa-
ção social marca e demarca os posicionamentos dos sujeitos, revelando
modos de compreender, formas de percepção e de construção de modos
de conceber interpretações.
Dessa maneira, pelas redes é possível participar, é possível se inse-
rir no discurso, protagonizar vozes que inscrevem interações, que mo-
bilizam respostas a enunciados e reforçam a dinâmica enunciativa em
acontecimentos socialmente estabelecidos, isto é, em práticas sociais
efetivas de comunicações discursivas.
Em outras palavras, as redes convocam possibilidades de marcas
de subjetivações ideologicamente situadas, o que implica dizer que as

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postagens e os comentários on line ilustrados nessa análise elucidam


vivências dialógicas no sentido de arrebanharem posicionamentos ou
modos de perceber e de construir conhecimentos à luz de argumenta-
ções, do exercício de fazer circular axiologias, o que demonstra a natu-
reza verboideológica da linguagem, conforme Bakhtin (2015 [1930]).
Passemos à análise do próximo acontecimento enunciativo.

Acontecimento enunciativo –
Weintraub fica calado ou presta depoimento em silêncio? Eis a
questão!

Esse acontecimento enunciativo deriva-se do desdobramento da


fala do ex-Ministro da Educação, Abraham Weintraub, na Reunião Mi-
nisterial de 22/04/2020. Segue a transcrição de sua fala em declaração
polêmica sobre o Supremo Tribunal Federal (STF):
- “O povo está gritando por liberdade. Eu por mim botava todos es-
ses vagabundos na cadeia, a começar pelo STF”4, enunciou Weintraub.
O enunciado proferido por ele nomeia os ministros do STF como
vagabundos. Com a divulgação dos áudios e dos vídeos da Reunião Mi-
nisterial, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes, determinou que a
Polícia Federal interrogasse o então Ministro da Educação, no senti-
do de colher explicações sobre as declarações feitas publicamente em
22/04/2020 no evento ministerial em destaque.
Em conformidade com Alexandre de Moraes, “[...] as declarações
são gravíssimas e não só atingem a honorabilidade dos integrantes da
Corte como também representam ameaça ilegal à sua segurança numa
tentativa clara de lesar a independência do Poder Judiciário e a manu-
4
Disponível em <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/05/22/
interna_politica,857497/ministro-celso-de-mello-divulga-integra-video-de-reuniao-ministerial.
shtml> Acesso em 15/07/2020.

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tenção do Estado de Direito.”5.


Nosso objetivo na análise desse acontecimento enunciativo é o
resgate da repercussão da cobertura midiática sobre o depoimento de
Weintraub à Polícia Federal. Para tanto, selecionamos na rede social di-
gital Instagram as manchetes divulgadas sobre o fato, em 29/05/2020,
pelo Jornal O Globo e pelo Portal R7.
Nesse sentido, apresentamos as manchetes expressas nos veículos
de comunicação:
- O Globo – “Em depoimento à Polícia Federal, Weintraub fica ca-
lado” e
- Portal R7 – “Ministro Weintraub presta depoimento à PF e fica
em silêncio”.
Chamamos a atenção para as construções verbais “fica calado” (O
Globo) e “fica em silêncio” (Portal R7). Para analisarmos essas duas
ocorrências linguísticas, partimos das palavras de Bakhtin (2016 [1952-
1953], p. 22), para quem

Pode-se dizer que a gramática e a estilística conver-


gem e divergem em qualquer fenômeno concreto de
linguagem: se o examinamos apenas no sistema da
língua estamos diante de um fenômeno gramatical,
mas se o examinamos no conjunto de um enuncia-
do individual ou do gênero discursivo já estamos
diante de um fenômeno estilístico.

O que queremos destacar é a possibilidade de pensarmos em ofere-


cer respostas a duas questões fundamentais: quem e como enunciou?
A resposta para a primeira pergunta está na indicação dos veículos de
comunicação de massa que noticiaram o fato, a saber: O Globo e o Por-
5
Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticia> Acesso em 28/07/2020.

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tal R7.
A resposta para a segunda questão pode ser compreendida como a
que mais abastece aos interesses de uma análise dialógica do discurso.
Ela atrai a possiblidade de outras questões: quais sentidos são convo-
cados entre as expressões verbais “fica calado” e “fica em silêncio”? E o
que faz o uso da língua admitir significações estilísticas?
As respostas estão na construção do ponto de vista ideologica-
mente situado. Esse reconhecimento leva em consideração as relações
sociais estabelecidas que permitem o uso daquela expressão linguísti-
ca ou não. É um olhar para o sujeito que põe a língua para funcionar;
e funcionar a partir do “sabor” do valor. A estilística, para Bakhtin, vai
se preocupar em estar atenta às escolhas que marcam sujeitos, no dis-
curso, pelo uso do verbo ideologicamente localizado em enunciados ou
em gêneros discursivos.
No caso de O Globo, “fica calado” valora uma atitude de Weintraub
que indica um sentido de ação vinculada à culpa, à omissão de dados
que podem comprometer o sujeito envolvido no inquérito. Ficar calado
implica indício de culpabilidade.
No caso do Portal R7, “fica em silêncio” valora uma atitude de
Weintraub que ameniza, que modaliza o tom emotivo-volitivo de co-
municar o comportamento de Abraham na Polícia Federal. Ficar em
silêncio, apesar de não negar um indício de culpabilidade, “amortece o
impacto” da informação. O fato é noticiado, porém, sob um tom ameno,
suave, eufêmico.
E essas compreensões não são por acaso. Vão ao encontro das fi-
liações político-partidárias a que os veículos de comunicação social
implicados admitem: O Globo encontra-se em um enquadramento dis-
cursivo que se opõe ao governo de Bolsonaro (governo que Weintraub
representa); e Portal R7, ao longo da história, admite um enquadra-

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mento discursivo que se alinha ao governo Bolsonaro.


Só a partir dessa contextualização é possível entender que as es-
colhas linguísticas são advindas das relações ideológicas. É, por essa
razão, que Bakhtin (2015 [1930], p. 63) trata da vida verboideológica da
linguagem e, nessas condições, esclarece-nos:

A língua, como o meio concreto vivo habitado pela


consciência do artista da palavra, nunca é única. Só
é única como sistema gramatical abstrato de formas
normativas, desviada das assimilações ideológicas
concretas que a preenchem e da contínua forma-
ção histórica da língua viva. A vida social viva e a
formação histórica criam no âmbito de uma língua
nacional abstratamente única uma pluralidade de
universos concretos, de horizontes verboideológicos
sociais e fechados. Os elementos fechados e abstra-
tos da língua no interior desses diferentes horizon-
tes são completados por conteúdos semânticos e
axiológicos e soam de modo diferente.

Só pensando nessa condição que extrapola uma abordagem mera-


mente gramatical que é possível atingir uma percepção sobre o como o
uso da língua revela posicionamentos, aclara o “sabor” do valor. É uma
abordagem que põe em reflexão como as práticas sociais organizam
formas sintáticas que vão ao encontro de projetos de dizer a partir de
horizontes verboideológicos.
Nesse momento, chamamos a Figura 15 com a postagem de O Glo-
bo.

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FIGURA 15 – Postagem do Jornal O Globo no


Instagram e comentários

Fonte: <https://www.instagram.com/jornaloglobo/?hl=pt-br>
Acesso em 30/05/2020

Especificamente sobre os comentários, destacamos Sara, Zilda e


Paula. Nas três ocorrências de posicionamentos, observamos um dis-
curso que aprecia de forma antipática o ex-Ministro da Educação,
Abraham Weintraub: “Mas cadê o machão destemido da reunião?”
(Sara, Figura 15), “Rato!” (Zilda, Figura 15) e “Quem deve teme.” (Paula,
Figura 15).
Tais comentários vão ao encontro do ponto de vista difundido por
O Globo que, discursivamente, insere Weintraub em um contexto de
instabilidade, abrigando o sentido de acusação, de lugar contrário, de
adversidade.
Logo, o signo linguístico se torna ideológico quando assume uma

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orientação social, quando está embebido de valores. Os comentários su-


pracitados circulam vozes que, por sua vez, transitam posicionamentos
que se vinculam ao histórico através de um uso linguístico atravessado
pelo efeito dialógico de construção de sentidos. E é sob essa perspectiva
que se localizam os comentários de Sara, Zilda e Paula.
A seguir, vejamos a Figura 16.

FIGURA 16 – Postagem do Portal R7 no Instagram e comentários

Fonte: <https://www.instagram.com/portalr7/?hl=pt-br>
Acesso em 30/05/2020

Nos comentários, lemos, diferentemente da Figura 15, axiologias


que defendem Weintraub, relacionando-se a um discurso de apoio ao
ex-Ministro. Igor, Paulo e Catarina esboçam posicionamentos que o
favorecem e que, portanto, estabilizam e ratificam as nomeações de
Weintraub a respeito do STF, adequando-se, a nosso ver, ao enquadra-

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mento discursivo do Portal R7 de possível apoio a Abraham.


Em “Ele fez certo, pois a verdade ele já falou na reunião ministerial
!” (Igor, Figura 16), “Fez bem [...] estamos com vc irmão” (Paulo, Figura
16) e “Weintraub é o cara” (Catarina, Figura 16) situamos pontos de vis-
ta que entendem o comportamento de Abraham como coerente, como
bem sucedido.
Sendo as redes sociais digitais ecossistemas comunicativos de in-
terações discursivas, é pertinente reconhecê-las como um convite ao
engajamento e, de modo consequente, um abrigo à pluralidade de vo-
zes, isto é, um espaço em que é natural trafegar as diferentes axiologias
sobre os mais diversos assuntos, para tanto, suscitando trocas de posi-
cionamentos e suas possíveis respostas.
Nesses termos, apresentamos a Figura 17.

FIGURA 17 – Comentários sobre o comentário de Igor no Instagram

Fonte: <https://www.instagram.com/portalr7/?hl=pt-br>
Acesso em 30/05/2020

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O que vemos no diálogo estabelecido entre Malu e Igor é a com-


preensão de que a interação discursiva se dá através da inscrição de
pontos de vista. Malu replica Igor interrogando-o sobre o porquê de,
no depoimento à Polícia Federal, Weintraub não “rasgar o verbo”, como
assim o fez na Reunião Ministerial.
Trata-se de uma valoração que situa a insatisfação de Malu ao teor
do discutido na Reunião Ministerial de 22/04/2020, especificamente
sobre as palavras de Abraham. É um gesto de compreensão que encon-
trou no Instagram um ecossistema comunicativo para a socialização.
Como tréplica, Igor responde: “Malu, Porque o que tinha de ser
dito foi dito minha dileta é uma opinião pessoal dele e da maioria dos
brasileiros.”. Nessa resposta, lemos um reforço ao ponto de vista de
apoio a Weintraub já demonstrado anteriormente em seu comentário.
Notemos que a estratégia discursiva de defender sua leitura sobre a
participação do ex-Ministro da Educação, em 22/04/2020, está na am-
pliação de sua perspectiva para a própria opinião de Weintraub e de
parte da sociedade brasileira: é a “[...] opinião pessoal dele e da maioria
dos brasileiros.”
E, nessa maioria, Igor, indiretamente, se inclui, fazendo questão de
comunicar, em rede, sua apreciação sobre o STF e, portanto, o seu apoio
a Abraham Weintraub.
A Figura 17 apresenta-nos o fluxo de trocas de pontos de vista a
que as redes sociais podem fazer circular. Mostra-nos, então, como elas
funcionam sob a etiqueta de uma mídia participativa, em que as posta-
gens e, principalmente, os comentários, pelo seu poder de expansão de
sentidos, se constituem como respostas a enunciados concretos.
As redes sociais ilustram que a inscrição de posicionamentos sus-
cita outros, configurando uma cadeia de possibilidades de compreen-
sões responsáveis e responsivas, configurando, também, como correias

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

de transmissão de modos de perceber e de construir valorações.

Acontecimento enunciativo –
O caso Miguel: primeira-dama é acusada pela morte do garoto

Esse acontecimento enunciativo traz para o centro da discussão o


caso Miguel: uma criança de 05 anos de idade, filho da empregada do-
méstica Mirtes Renata Santana de Souza que, em 02/06/2020, faleceu
ao cair do nono andar do edifício de luxo Pier Maurício de Nassau, lo-
calizado no bairro São José, na cidade do Recife, capital de Pernambuco.
A criança estava aos cuidados da patroa de Mirtes, Sari Mariana Costa
Gaspar Côrte Real, enquanto sua empregada, mãe do garoto, saiu para
levar o cachorro dos patrões para passear. Sari Mariana Costa Gaspar
Côrte Real é esposa de Sérgio Hacker, prefeito de Tamandaré, cidade do
interior pernambucano.
O fato sobre a morte do menino pode ser resumido a partir da
seguinte narrativa: no dia 02/06/2020, quando Mirtes saiu para levar
o cachorro dos patrões para passear, teve que deixar Miguel no aparta-
mento. O menino chorava porque sentia falta da mãe e entrou no ele-
vador do prédio. Sari acionou o comando de ação do elevador para um
andar mais elevado. Quando ele chegou ao nono andar, Miguel saiu,
acessou uma área destinada ao sistema de ar condicionado e caiu de
uma altura de 35 metros.
Com base nas evidências do fato, como gravações do circuito de
câmeras do edifício, o Ministério Público apresentou denúncia contra
Sari por abandono de incapaz, que foi aceita pela Justiça de Pernambu-
co em 14/07/2020, em decisão tomada pela 1ª Vara de Crimes contra a
Criança e o Adolescente do Recife. Com isso, Sari Mariana Costa Gaspar
Côrte Real tornou-se ré em processo criminal.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

Vejamos a repercussão do caso pela Record News no YouTube na


Figura 18.

FIGURA 18 – Postagem da Record News no YouTube

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=0GfBGKj0iDg>
Acesso em 21/09/2020

Ampliando ainda mais a narrativa do fato, de acordo com o site


Carta Capital6, o garoto decide sair em procura da mãe e tenta usar
sozinho o elevador, mas foi contido pela dona da casa em um primei-
ro momento. Mais tarde, a criança insiste em entrar no elevador. As
imagens de uma câmera de segurança mostraram Sari apertando um
botão do elevador, indo embora e deixando a porta se fechar com a
criança ali. Miguel, que apertara os botões de vários andares, para no
sétimo andar, mas permanece no elevador. No nono andar, Miguel de-
cide sair e, à procura da mãe, escala uma grade atrás da qual estavam
os aparelhos de ar condicionado dos apartamentos daquele andar. Daí,
sobe em um parapeito de alumínio que não resiste ao seu peso e cai.
6
Disponível em <https://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-caso-da-morte-do-miguel-era-
-para-ser-solucionado-no-primeiro-dia-diz-mae-do-menino/> Acesso em 18/09/2020.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

No que toca em específico aos comentários sobre a postagem da


Record News no YouTube, chamamos a Figura 19.

FIGURA 19 – Comentários sobre a postagem da


Record News no YouTube

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=0GfBGKj0iDg>
Acesso em 21/09/2020

Marcos da Silva põe em questão a Justiça no Brasil. O seu posicio-


namento é elaborado por meio de uma quebra de expectativa intencio-
nalmente construída, a saber: “À justiça no Brasil não é cega , [...]”. Até
esse momento do comentário, esperávamos um discurso que convo-
caria o sentido de que a morte do garoto Miguel seria coerentemente
investigada. Todavia, a quebra de expectativa se mostra na continuação
do comentário: “[...] Pois enxergar muito bem à Cor do dinheiro.”.
Nesse instante, se estabelece a crítica de Marcos da Silva que esbo-
ça a sua falta de confiança na Justiça no Brasil. Segundo desdobramen-
tos de seu comentário, uma Justiça comprada, cheia de regalias para os
mais abastados da sociedade.
Em seguida, Amanda Soares confirma o pensamento de Marcos da
Silva: “Nossa vc falou tudo agora”. Nesse diálogo, vemos o uso social da
palavra declarando valorações de empatia em um fluxo de interações
discursivas.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

A seguir, apresentamos a Figura 20.

FIGURA 20 – Comentários sobre a postagem da


Record News no YouTube

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=0GfBGKj0iDg>
Acesso em 21/09/2020

De modo específico tratando de questões raciais, Danilo Pereira


e Almir Gonçalves divulgam seus pontos de vista a respeito do caso
Miguel apreciando a Justiça em nosso país: “Tambem enxerga a cor da
pessoa” e “A cor da pele também, infelizmente.”, respectivamente.
As discussões giram em torno de uma possível não investigação
séria, comprometida, do caso Miguel por ele ser uma criança negra e
pobre. Os posicionamentos de Danilo Pereira e Almir Gonçalves refor-
çam um discurso de descrença à Justiça. É como se ela não funcionasse

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

para a população mais carente. Como a criança morta envolve pessoas


ricas como culpadas em potencial, certamente, o olhar judicial não te-
ria um comprometimento fidedigno às condições que suscitaram na
morte do garoto.
Na sequência, segue o comentário on line de Leandro Barros. Nele,
o enquadramento se insere no fato de a sociedade brasileira não saber
votar. Para tanto, ele recorda ou traz à memória a eleição do humorista
Tiririca para o cargo de Deputado Federal, por São Paulo. Leandro des-
taca que é preciso mudar a lei, uma vez que “[...] em homicídio culposo
há fiança, independentemente de ser pobre ou rico, [...]”.
A sua argumentação funciona, em perspectiva discursiva, como
uma denúncia ao fato de que é vital haver uma mudança na lei. Se-
gundo o internauta, sem tal mudança e sem consciência pelo voto fica
impossível se reivindicar Justiça no Brasil.
Cézar Augusto, por sua vez, acentua em seu comentário sua des-
crença em ver Sari presa, justamente por ela ser rica e esposa de pre-
feito. Ele convoca seu ponto de vista comparando um rico ser preso
no Brasil a um conto de fadas. Essa concepção foi realçada por Carlos
Alberto em seu comentário: “Falou tudo”.
Lemos nos comentários desse acontecimento enunciativo modos
de percepção que se baseiam em vivenciamentos: vivenciamentos que,
pelo tom emotivo-volitivo, orientam compreensões de não confiança
na Justiça do Brasil. Isso implica dizer que os enunciados orientam os
processos de compreensões e de respostas.

Toda verdadeira compreensão é ativa e possui um


embrião de resposta. Apenas a compreensão ati-
va é capaz de dominar o tema, pois um processo
de formação só pode ser apreendido com a ajuda
de outro processo também da formação. Compre-

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

ender um enunciado alheio significa orientar-se


em relação a ele, encontrar para ele um lugar de-
vido no contexto correspondente. Em cada pala-
vra de um enunciado compreendido, acrescenta-
mos como que uma camada de nossas palavras
responsivas. (VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 232).

As participações dos sujeitos nesse acontecimento enunciativo


oportunizaram respostas a enunciados concretos que significaram a
orientação de modos de apropriação do dizer e a produção de palavras
responsivas na forma de comentários que engajaram posicionamentos,
que, inclusive, afloram emoções, o que ratifica o pensamento bakhti-
niano de que a abordagem da língua necessita considerá-la sob o efeito
da emoção, da vida em apreciação constante.
Como vemos, há nas redes um lugar oportuno para se oferecer res-
postas a temas que estão nas pautas das discussões sociais. Nesse sen-
tido, pelas redes, os sujeitos podem opinar, podem fazer transparecer
como estão lendo os temas em evidência ou nas pautas das discussões
sociais do cotidiano, como estão sendo impactados por tais temas e,
principalmente, como podem participar das discussões, como podem,
nessas condições, se inscrever enquanto sujeitos de linguagem.

Acontecimento enunciativo –
A COVID-19 em foco

O ano de 2020 trouxe consigo o conhecimento, em escala mundial,


de um fenômeno viral denominado de COVID-19: “[...] uma doença cau-
sada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que apresenta um quadro clínico
que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a maioria dos

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

pacientes com COVID-19 (cerca de 80%) podem ser assintomáticos e


cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar por
apresentarem dificuldade respiratória e desses casos, aproximadamen-
te, 5% podem necessitar de suporte para o tratamento de insuficiência
respiratória (suporte ventilatório)”7.
De acordo com o site Coronavírus Brasil8, do Ministério da Saúde,
em 02/05/2021, às 21h30min, dia em que completei 40 anos de idade9,
o país ultrapassou o número de 407.000 vidas perdidas. Em valores
precisos, nesta data, o Brasil teve o número de 14.754.910 casos, sendo
407.639 óbitos confirmados, 13.278.718 casos recuperados e 1.068.553
casos em acompanhamento.
Conforme o Consórcio de Veículos de Imprensa assinado por jor-
nalistas do G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL, o Brasil atingiu
no último dia do ano de 2021 o número de 619.109 vidas perdidas, al-
cançando, em linhas gerais, o valor de 22.285.373 pessoas contamina-
das com a doença: valor distribuído em óbitos confirmados e em casos
recuperados, bem como em acompanhamento10. No dia 23/01/2023,
data em que fechamos a revisão deste texto, ainda segundo o Consórcio
de Veículos de Imprensa, o Brasil, infelizmente, atingiu o número de
698.145 vítimas fatais, isto é, quase 700.000 vidas brasileiras ceifadas.
Como lemos pelos dados numéricos apresentados nos dois pará-
grafos anteriores que, na verdade, não simbolizam, apenas, informações
quantitativas, estatísticas, todavia, vidas humanas, a COVID-19 trata-se,
de fato, de uma doença que ocasionou uma pandemia mundial. Pessoas
7
Disponível em <https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca#o-que-e-covid> Acesso em
30/09/2020.
8
Disponível em <https://covid.saude.gov.br/> Acesso em 02/05/2021.
9
Pedimos licença pela mudança de primeira pessoa do plural para primeira do singular. Esse
dado deriva-se da nossa tentativa de, historicamente, marcar e demarcar a passagem de década
da minha vida que ocorreu no processo da pandemia da COVID-19.
10
Disponível em <https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/estados-brasil--mor-
tes-casos-media-movel/> Acesso em 31/12/2021. Vale destacar que o referido Consórcio de Im-
prensa foi criado no dia 08/06/2020 em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restrin-
gir o acesso a dados sobre a pandemia da COVID-19.
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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

ficaram – e ainda estão – reclusas. O distanciamento social tornou-se


uma prática nas rotinas das pessoas, sobretudo, aquelas que perten-
ciam/em aos grupos de riscos, como idosos, diabéticos, obesos, dentre
outras restrições e/ou comorbidades.
Diante do apresentado, nesse acontecimento enunciativo, desta-
camos a postagem, em 25/09/2020, do Jornal Hoje, no Instagram, so-
bre a vacina chinesa contra a COVID-19 e a postagem, em 22/09/2020,
do Jornal da Jovem Pan, no YouTube, sobre a estimativa, para o mês de
outubro de 2020, do avanço da pandemia no Brasil.
Apresentamos, nesse momento, a Figura 21.

FIGURA 21 – Postagem do Jornal Hoje no Instagram

Fonte: <https://www.instagram.com/p/CFfd_eFA0jA/>
Acesso em 29/09/2020

Na sequência, chamamos a Figura 22.

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FIGURA 22 – Comentários sobre a postagem do


Jornal Hoje no Instagram

Fonte: <https://www.instagram.com/p/CFfd_eFA0jA/>
Acesso em 29/09/2020

Na Figura 21, encontramos o comentário de Maria da Silva, para


quem: “Quero nada da china..basta o virús”. Vemos nesse ponto de vista
um olhar, um dizer preconceituoso sobre a China, oferecendo a esse país
o peso da responsabilidade de “apresentar” a COVID-19 para o mundo.
É um posicionamento e encontra espaço para ser circulado na
rede. Trata-se, a nosso ver, como uma espécie de desabafo de Maria da
Silva. É a sua leitura sobre a China em função da pandemia. É o resul-
tado da sua compreensão ativa sobre aquele país oriental e sua relação
com o surgimento e com a propagação do vírus em escala mundial.
Já na Figura 22, vemos que a contrapalavra ganha fôlego. A contra-
palavra significa o desdobramento do dizer sob o horizonte perceptivo
do outro. Como o outro lê, percebendo e construindo axiologias. Esta-
belece-se, nesse intercâmbio enunciativo, a palavra como uma ponte
lançada entre o eu e o outro, conforme sinalizam os estudos do Círculo

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de Bakhtin.
Dentro dessa perspectiva de pensamento, na inscrição de Ary, le-
mos uma discordância ao ponto de vista socializado por Maria da Sil-
va: “Maria da Silva, e um pouco de mato pra comer? A senhora deseja?
Talvez um comprimido de cloroquina.”.
Desse comentário, ressaltamos duas observações. A primeira diz
respeito à provocação à Maria da Silva, pejorativamente chamando-a,
nas entrelinhas, de animal que come mato. A segunda à crítica de Ary a
Bolsonaro e seus seguidores, que defendem, sem comprovação médica
ou orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS), o uso do me-
dicamento cloroquina no combate à COVID-19.
Ary, nesse contexto, aprecia, negativamente, o comentário de Ma-
ria da Silva, colocando-a como um sujeito que não consegue refletir a
gravidade da situação pandêmica e inserindo-a numa relação de “Ma-
ria vai com as outras”.
Dóris caminha nessa mesma direção: a de criticar o ponto de vista
de Maria da Silva. A defesa de Dóris recai em valorizar a China e fazer
com que Maria da Silva compreenda a sua relação com esse país orien-
tal. Em “[...] vc sabe de onde vem todas as coisas que vc compra, inclu-
sive seu celular?”, Dóris tenta conscientizar Maria da Silva de que não
é pelo discurso de ódio que se enfrenta essa questão de saúde pública
mundial.
Em resposta à mensagem de Dóris, Maria da Silva reitera seu po-
sicionamento e se dirige à leitora de seu comentário, sua, portanto, in-
terlocutora, a partir da seguinte inscrição: “[...] Mas eu não me referi a
sua pessoa, espero que faça o mesmo e respeite a opinião dos outros.”
Estamos diante, nesse dado, da contrapalavra à contrapalavra, evi-
denciando que o uso social e ideológico da palavra ocorre tendo como
função os efeitos das interações discursivas. A palavra, na verdade, se

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orienta pelo intercâmbio do horizonte sociológico, isto é, do contato


entre sujeitos expressivos e falantes.

Em cada ato discursivo, a vivência subjetiva é elimi-


nada no fato objetivo da palavra-enunciado dita; já
a palavra dita, por sua vez, é subjetivada no ato de
compreensão responsiva, para gerar mais cedo ou
mais tarde uma réplica responsiva. Como já sabe-
mos, toda palavra é um pequeno palco em que as
ênfases sociais multidirecionadas se confrontam e
entram em embate. Uma palavra nos lábios de um
único indivíduo é um produto da interação viva das
forças sociais. (VOLÓCHINOV, 2017 [1929], p. 140).

É sob essa ótica que compreendemos, responsivamente, as intera-


ções discursivas estabelecidas no âmbito dos ecossistemas comunicati-
vos gerados pelas redes sociais. Trata-se do homem falando com outro
homem. E nessa ponte lançada entre o eu e outro a arena está posta, o
palco se ergue para dar passagem para o trânsito de vozes responsivas.
Na Figura 22, Maria da Silva parece desconsiderar que as possibli-
dades de respostas fogem ao seu controle, o que faz das redes sociais
digitais o lugar para a contrapalavra, para o contraditório. As trocas
de comentários, resultados de compreensões/de respostas, acentuam
o ecossistema comunicativo de interações discursivas ocorridas sob o
“sabor” do valor, do jogo de interesses, da circulação de horizontes ver-
boideológicos.
Esse é o fenômeno que torna, verdadeiramente, as redes sociais di-
gitais como espaço para o envolvimento entre sujeitos que imprimem
o seu olhar sobre os fatos sociais. Sujeitos que estão, a todo momento,
se expondo ao exercício dialógico de ler e de responder a enunciados
concretos.

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Ainda na Figura 22 encontramos o comentário de Danilo. Nele,


observamos um discurso que o vincula, explicitamente, como simpati-
zante ao Partido dos Trabalhadores (PT): partido que, com veemência,
se coloca como oposição ao governo de Bolsonaro. A continuação de
seu ponto de vista sobre a postagem do Jornal Hoje no Instagram é
construída se reportando aos eleitores de Bolsonaro de forma irônica:
“Para os bolsominions desejo uma dose de cloroquina e muito pasto
verde. Ah e #forabolsonaro”.
O comentário de Danilo admite relações dialógicas com dois fa-
tos que envolveram o ex-Presidente da República, a saber: a indicação
da cloroquina para tratar da COVID-19, indicação sem comprovação de
eficácia significativa, e o o fato de, em 2018, Bolsonaro, em vídeo ampla-
mente divulgado nas redes, oferecer mato como comida para, de modo
específico, nordestinos.
Esse dado mostra como pelos comentários é possível compreen-
der as relações dialógicas convocadas no processo de inscrever argu-
mentações na rede, o que evidencia que as valorações são elaboradas
pelos vivenciamentos no extraverbal, isto é, nas situações sociais de
interações discursivas.
A seguir, apresentamos as Figuras 23 e 24 que abordam, respecti-
vamente, a postagem do Jornal da Jovem Pan no YouTube sobre o avan-
ço da pandemia da COVID-19 no Brasil e os comentários selecionados
para essa análise.

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FIGURA 23 – Postagem do Jornal da Jovem Pan no YouTube

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=5MyWQcT5SVs>
Acesso em 29/09/2020

FIGURA 24 – Comentários sobre a postagem do


Jornal da Jovem Pan no YouTube

Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=5MyWQcT5SVs>
Acesso em 29/09/2020

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A reportagem da Jovem Pan destaca que a estimativa do avanço da


pandemia, no contexto brasileiro, tenderia a diminuir em outubro de
2020. Com base nesse conteúdo informativo, seguem os comentários.
Neles, Fred constrói seu ponto de vista a partir do pensamento de
que houve, no Brasil, uma abertura ou flexibilização de atividades não
essenciais de forma apressada, antecipada, em função, sobretudo, de
datas que poderiam favorecer a economia. A crítica recaia sobre prefei-
tos e governadores que, muitas das vezes, sem critérios, flexibilizaram.
Raul acompanha o mesmo raciocínio de Fred, inserindo, também, a
mídia como “inimiga” da população, por difundir conteúdo que, devido
à filiação político-partidária, incentivava a liberação de atividades eco-
nômicas sem levar em reconhecimento os efeitos negativos e nocivos
ocasionados pela pandemia da COVID-19.
Sérgio arquiteta sua argumentação se reportando ao fato de que
a flexibilização estava proporcionando cenas de aglomeração. O alerta
desse sujeito social de linguagem incidia em considerar que tais aglo-
merações eram responsáveis pelo avanço da pandemia; e isso era re-
sultado do afrouxamento das regras de distanciamento social.
Leandro, por sua vez, relaciona que a flexibilização estava ocor-
rendo devido à proximidade do evento Eleições 2020: “Eu não esperava
menos! As eleições está chegando! é a cura para Corona vírus! Hipócri-
tas!.”. O tom emotivo-volitivo de Leandro ganha força quando nomeia
de “Hipócritas”, sobretudo, os políticos, quando não estavam usando de
comprometimento com políticas públicas de não fiscalização rígida a
situações/eventos de aglomerações.
No posicionamento de Leandro, vemos um discurso que estava
ocorrendo o abafamento dessas aglomerações para não comprometer
as Eleições 2020 para prefeitos e vereadores em todo o Brasil.
Ainda se tratando da nomeação “Hipócritas”, destacamos, à luz de

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Cunha (2017, p. 97), que o ato de nomear, para a perspectiva dialógica,


corresponde aos “[...] julgamentos de valores que determinam o que
falar, a entoação, a seleção das palavras e sua distribuição na organiza-
ção do enunciado, bem como o que silenciar. [...] os nomes [...] revelam
a percepção e o ponto de vista do enunciador em relação ao objeto de
discurso e aos que o nomeiam de forma diferente.”
Nessas condições, Leandro, enquanto enunciador, nomeia políti-
cos e mídia de “Hipócritas” sob o “sabor” do valor, entendendo que,
pelas redes sociais digitais, o seu ponto de vista encontra espaço para
circulação, podendo agregar outras vozes a ele, sejam vozes de concor-
dâncias, sejam vozes de discordâncias, sejam, simplesmente, vozes que,
assim como ele, também nomeiam/valoram.
Diante desses fatos enunciativos, percebemos que os sujeitos en-
contram nas redes sociais possibilidades para denunciar insatisfações,
para reivindicar soluções, para ter voz de resistência. O caráter de de-
núncia é, nitidamente, encontrado nos enunciados concretos que de-
senham as axiologias presentes na Figura 24, assim como nas Figuras
19 e 20 que ilustram, para com a Justiça do/no Brasil, o descrédito dos
implicados nas autorias dos comentários on line.

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As redes sociAis digitAis como Acontecimentos enunciAtivos de interAções dicursivAs |mAnAssés morAis XAvier

PALAVRAS FINAIS
AS DISCUSSÕES EMPREENDIDAS neste estudo se ergueram sob a
perspectiva de compreender como pelas redes sociais digitais é possí-
vel se fazer difundir interações discursivas preenchidas pela natureza
verboideológica da linguagem, implicando, nesse sentido, que a abor-
dagem sobre o uso linguístico precisa considerar, para além de arran-
jos sintáticos, modos de engajamento, de atuação de sujeitos inseridos
em horizontes axiológicos.
Essa natureza de vida verboideológica, conforme Bakhtin (2015
[1930]), apregoa a concepção de que as práticas sociais de linguagem
ocorrem pela dimensão interativa a que os usos admitem em contextos
específicos de comunicação – na verdade, a linguagem em movimento,
em discurso, é o resultado da relação entre o eu e o outro, ou os outros,
em constante embate de vozes, em constante trânsito de argumenta-
ções.
Ela, a linguagem, volta-se para o social e é, portanto, orientada para
o fluxo contínuo de vivências experimentadas na vida cotidiana histo-
ricamente situada, isto é, em acontecimentos enunciativos que atraem
o homem a interagir com outro homem, imprimindo, nessa conjuntu-
ra, marcas de subjetivações.
Com base no apresentado, a pesquisa respondeu a seguinte ques-
tão-problema: quais as relações dialógico-discursivas são convocadas
em redes sociais digitais, enquanto ecossistemas comunicativos de in-
terações discursivas, no que concernente à produção, circulação e re-
cepção de discursos e, de forma consequente, à construção e percepção
de pontos de vista sobre questões sociais e culturais difundidas, em
2020, nas redes Facebook, Instagram e YouTube?
Os dados trazidos à discussão analítica deste estudo mostraram

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como as redes sociais se situam como ecossistemas comunicativos de


interações discursivas propiciadores de produção e circulação de dis-
cursos oriundos de diferentes campos da comunicação, bem como de
recepção, lida, aqui, como característica de uma audiência que é par-
ticipativa, engajada, preenchida por estratégias de fazer socializar e,
consequentemente, defender pontos de vistas que ora reforçavam
discursos presentes nas postagens e/ou nos comentários dos demais
interactantes do acontecimento enunciativo, ora discordavam de tais
postagens e comentários, confirmando, nesse sentido, a função demo-
crática a que as redes assumem no cenário das interações sociais nelas
estabelecidas.
No que consiste aos objetivos da pesquisa, acreditamos que eles
foram alcançados, pois analisamos modos de perceber e de construir
pontos de vista, tanto em postagens quanto em comentários, o que
atrai os objetivos específicos a) e b) assumidos, a saber: ler as relações
dialógicas e axiológicas estabelecidas nas redes por meio - a) da circu-
lação de postagens de enunciados concretos em redes com temáticas
sociais e culturais; e b) das construções de sentidos de leitores sobre as
postagens a partir da produção de comentários on line. Esse movimen-
to analítico proporcionou analisar, também, a natureza de audiência
participativa/ativa das redes e os seus efeitos valorativos em processos
de interações discursivas (objetivo específico c).
A respeito dos temas levantados no corpus, consideramos que nos
cinco acontecimentos enunciativos selecionados questões sociais fo-
ram postas em evidência. Do ponto de vista cronológico e metodoló-
gico, selecionamos: um fato em fevereiro de 2020, a letra da canção
do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira (Facebook); dois
fatos em maio de 2020, sendo um que abordou as repercussões da Reu-
nião Ministerial ocorrida em abril de 2020 (Facebook) e o depoimento
de Abraham Weintraub à Polícia Federal (Instagram); um fato em ju-

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nho de 2020, o caso da morte do garoto Miguel que caiu do nono andar
de um edifício de luxo do Recife (YouTube); e o fato, em setembro de
2020, da cobertura midiática sobre a pandemia da COVID-19 no Brasil
(Instagram e YouTube).
Tais acontecimentos enunciativos nos oportunizaram ler as redes
sociais como ecossistemas comunicativos de interações discursivas em
que o uso da palavra atrai uma função social, ratificando o escrito por
Volóchinov (2019c [1930], p. 312, grifos do autor), para quem, “Pela sua
própria essência, a palavra revela-se, desde o início, o mais puro fenô-
meno ideológico. Toda a realidade da palavra dissolve-se por inteiro em
sua finalidade de ser signo. Na palavra, não há quem seja indiferente a
essa finalidade e que não tenha sido gerado por ela.”
Por essa razão, lemos as redes sociais como o convite ao exercício
dialógico de responder a enunciados concretos por natureza. Revela-
-se, então, como o terreno propício para a não indiferença à palavra
enquanto signo, e signo ideológico. Os participantes dos acontecimen-
tos enunciativos trazidos à baila neste estudo demonstraram, em suas
inscrições nas redes, essa perspectiva de uso da palavra orientada para
a interação discursiva, podendo perceber e construir pontos de vista,
valorações.
Dentro desse cenário, defendemos, com veemência, as redes so-
ciais digitais como o lugar essencialmente constituído pelo social, em
que as interações discursivas ganham horizontes axiológicos de produ-
ção, de circulação e de recepção de sentidos.
A síntese dessa discussão pode ser visualizada na seguinte figura:

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FIGURA 25 – Redes sociais digitais como fenômenos


de interações discursivas

Fonte: Produzida pelo pesquisador

Em suma, acreditamos que esta investigação científica cumpriu


com a função de acentuar que, pelas interações discursivas, especifi-
camente nas redes, os sujeitos assumem seus pontos de vista, promo-
vendo, nessas condições, o exercido de ler e de responder a enunciados
concretos.

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, João Ferreira de. Bíblia Sagrada. 2. ed. Revista e atualizada.


Traduzida por João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do
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BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Notas sobre literatura, cultura e
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lo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: 34,
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SOBRE O AUTOR
Manassés Morais Xavier

DOUTOR EM LINGUÍSTICA pela Univer-


sidade Federal da Paraíba. Mestre em
Linguagem e Ensino pela Universidade
Federal de Campina Grande. Especialis-
ta em Tecnologias Digitais na Educação,
Bacharel em Comunicação Social - Jor-
nalismo e Licenciado em Letras - Língua
Portuguesa pela Universidade Estadual
da Paraíba. Realizou Estágio de Pós-Dou-
torado em Linguística na Universidade
Federal da Paraíba. Professor Adjunto II
de Língua Portuguesa e Linguística na
Unidade Acadêmica de Letras, Centro de Humanidades, da Universi-
dade Federal de Campina Grande (UAL/CH/UFCG) e Professor Per-
manente no Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da
Universidade Federal de Campina Grande (PPGLE/UFCG). Membro
dos Grupos de Pesquisa: Linguagem, Interação e Cultura (GELInC/
UFCG); Teorias da Linguagem e Ensino (CNPq/UFCG); Linguagem,
Enunciação e Interação (GPLEI/CNPq/UFPB); e O Círculo de Bakh-
tin em Diálogo (CNPq/UEPB). Desenvolve pesquisas tendo como
referências teórico-metodológicas estudos da Teoria Dialógica da
Linguagem, da Linguística Aplicada, da Educomunicação e das Teo-
rias da Comunicação e do Jornalismo. Tem interesse por temas como
formação de professores e de comunicadores sociais, leitura, análise
linguística, gêneros jornalísticos e midiáticos, práticas educomunica-
tivas e redes sociais digitais.
E-mails: manassesmxavier@yahoo.com.br;
manasses.morais@professor.ufcg.edu.br

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