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Fernanda Sales Diogo
Fernanda Sales Diogo
GUARULHOS
2016
FERNANDA SALES DIOGO
GUARULHOS
2016
Diogo, Fernanda Sales.
Aprovação: ____/____/________
Palavras-chave: Sala São Paulo – Gosto Musical – Classe social – Circulação de Bens
Simbólicos – Distinção
ABSTRACT
This work subscribes within the scope of the sociology of culture, and has the aim to
comprehend the construction of cultural preference of the attendants of Sala São Paulo. It has
been made a comparative research between night concert and day concert attendants and their
cultural practices, with the goal to discover if the concert practice is similar to other dominant
practices.
Sala São Paulo has been chosen as a research place, having in view that there are
fewer highlighted artistic expressions, as symbol of genuine art, than concert music.
Notwithstanding, it has been aimed the identification of the dispositions and practices through
attendants’ preferences related to television and radio; the kind of sports, arts exhibition,
reading; how often they attend cinemas, theatres and museums; music listening, clothing and
beverages. It has been identified three distinct groups according to their cultural practices the
cultivated, the eclectics and the dominated.
The conclusion taken is that beyond the influence of the family, the dominant
preference might be formed by factors such as religion, academic education and political
position. Therefore, sociology of preference
comes to translate the behavior forms, the
manner as people highlight themselves and are seen by someone else's eye. In this context, the
preference for concert music and the attendance to Sala São Paulo have been the walked path
for this work, with the objective to answer how and if the social agents change their cultural
preferences alongside their life journey.
Keywords: Sala São Paulo - Musical Taste – social class – circulation of cultural practices -
Distinction
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
ETNOGRAFIAS 135
REFERÊNCIAS 156
INTRODUÇÃO
mediação para frequentar um equipamento cultural como uma sala de concertos, dado às
barreiras simbólicas que são construídas através de objetivações como classe social,
escolaridade, origem familiar dentre outros já postulados pela Sociologia do Gosto. Diante
disso, busquei avaliar se o gosto cultural dos agentes sociais, especialmente aqueles oriundos
das classes populares pode sofrer alterações a partir de alguns estímulos. Além de tentar
captar o papel de instituições como a escola, a igreja, as ONGs e a mídia no desenvolvimento
deste processo. Sendo assim, para compreender como se dá o desenvolvimento das práticas
culturais dos indivíduos é imprescindível que se avalie o processo de socialização dos
indivíduos, uma vez que “as ações e representações sociais e individuais são produto de um
feixe de condições específicas de socialização” (Setton, 2010, p. 21), ou seja, as práticas de
cultura podem ser analisadas como resultado do processo de inculcação de habitus, com isso,
a Sociologia da Cultura não pode ser dissociada da Sociologia da Educação.
Para tanto, utilizei duas instrumentos metodológicos: a etnografia e a aplicação de
questionários. O trabalho etnográfico foi desenvolvido nos concertos matinais de domingo e
também nos concertos de sábado à tarde e nas noites de quinta e sexta-feira. Tal como aponta
Goffman (2011), considerei “o termo ‘fachada pessoal’ como referente às partes cênicas de
equipamento expressivo” (Goffman, 2011, p. 31). De modo que visualizei meus informantes
atuando neste ‘cenário’ propício de demonstração de status, ou seja, os frequentadores da Sala
São Paulo, independentemente do tipo de concerto, demonstram ou querem demonstrar seu
posicionamento no espaço social, seu refinamento, seu conhecimento em matéria de arte
legítima. Assim, o trabalho etnográfico foi fundamental para registrar as diferenças entre os
frequentadores, uma vez que o público dos concertos matinais se diferencia dos públicos dos
concertos de horário nobre, sobretudo com relação à postura, à heterogeneidade de origem
social e das características étnicas. Pude verificar que o público dos concertos noturnos age
com mais discrição, com sobriedade, uma vez que são mais familiarizados com este tipo de
evento, pois possui maior volume capital econômico e cultural. Em contrapartida, os
frequentadores dos concertos matinais, embora também tenham alto capital escolar, ainda não
é um público que, de fato, conhece a dinâmica de um concerto. Ao longo das etnografias
avaliei o quanto a Sala São Paulo ainda impõe ao público dos concertos matinais certa
etiqueta, no sentido de que os informantes não agirem de forma espontânea, eles sempre
procuram a maneira mais “correta” de se portarem. Além disso, o trabalho etnográfico
também deixa claro que há diferenças entre os repertórios dos concertos, uma vez que ao
público tradicional, as apresentações ficam por conta da Osesp e, portanto, a as apresentações
são mais “clássicas” e têm maior duração. Ao passo que nos concertos matinais, a Osesp
12
apresenta-se em média 07 vezes por ano e as outras apresentações ficam por conta de
orquestras menos prestigiadas, sobretudo ficam a cargo de bandas, especialmente a Banda
Sinfônica do Estado de São Paulo, a Orquestra Experimental de Repertório e a Jazz Sinfônica.
A participação destas bandas e orquestras fazem com a o repertório dos concertos matinais
transite entre o erudito e o popular, com o intuito de agradar aqueles que têm pouca
experiência com o mundo da música de concerto.
Para mensurar a homologia entre a prática de concerto e as outras disposições dos
frequentadores, utilizei o método de aplicação de questionários. Assim, 98 informantes dos
concertos de horário nobre e 112 frequentadores dos concertos matinais participaram da
pesquisa. A partir deste método encontrei três tipos de frequentadores nos dois tipos de
concerto que classifiquei como: cultivados – ecléticos – dominados a partir das preferências
em relação ao gosto por televisão e rádio; ao tipo de esporte, à exposição de arte; leitura de
jornal, revistas e livros; à frequência ao cinema, teatro e museu; à audição de música,
indumentária e à bebida. O questionário continha 32 questões e procurei aplicá-lo de maneira
que o informante concedesse pequenas entrevistas, ou seja, procurei buscar informações para
além dos questionários, à medida que entrevistava, analisava a postura, a vestimenta, a
necessidade que alguns tinham de demonstrar cultivo, como também o fato de se
preocuparem com a imagem que estavam passando. Muitos perguntavam se “estavam indo
bem”.
Com isso, vejo que este trabalho também discute a questão das lutas simbólicas,
batalhas nas quais os agentes galgam uma distinção evidenciada pela realidade social,
marcadamente hierarquizada. Não se trata de dizer que a arte erudita é superior, mas sim de
não ignorar a realidade tal como ela se dinamiza. Falar em hierarquia, legitimidade, distinção,
não significa que concordemos com as desigualdades, logo, o que está implícito na discussão
desta pesquisa, é uma crítica da realidade social que perpassa a esfera da cultura. Além disso,
a elaboração deste trabalho se justifica em razão da falta de trabalhos etnográficos que trazem
o público dos matinais da Sala São Paulo como mote de discussão.
Assim sendo, parto do pressuposto de que o gosto não é uma predestinação; ele é
fruto/produto da formação familiar e escolar, embora seus amantes digam o contrário, pois as
formas simbólicas instituem uma plena distinção entre os “cultos” e os “bárbaros” à medida
que as classes superiores criaram mecanismos para manter tal distinção. Uma das grandes
barreiras simbólicas neste imbróglio é a forma pela qual os indivíduos lidam com a arte, no
sentido de que essa fruição é permeada por regras, tomemos como exemplo a própria Sala São
Paulo onde o público recebe um folheto que informa como os frequentadores devem se
13
comportar. No entanto, mesmo quando as regras de etiqueta não são “distribuídas” o próprio
frequentador já prevê que um ambiente como um museu, por exemplo, restringe a sua
espontaneidade. Imaginemos um grupo de alunos excursionando num dado equipamento
cultural: as regras já são ditadas antes mesmo do grupo chegar ao local, de modo que já
chegam preparados para se comportar devidamente, fazendo silêncio, andando devagar, não
portando alimentos etc. Além disso, o próprio local também já transmite certa seriedade
através da postura de seus funcionários, da frieza do local, da beleza arquitetônica. As regras,
portanto, já são previamente compreendidas e aceitas.
Outro aspecto muito importante diz respeito às condições que proporcionam ou
inibem a frequentação dos equipamentos culturais pelos atores sociais e de que modo projetos
tais como os promovidos pela Sala São Paulo podem influenciar a formação, os valores e os
habitus dos frequentadores menos legítimos. De um lado, há os que afirmam que apesar de
um equipamento cultural ter a entrada gratuita e desenvolver parcerias com escolas, empresas,
ONGs, ter projetos educacionais e midiáticos para atrair um público novo, somente aqueles
que desde a infância recebem os códigos necessários para a decifração das obras é que se
sentem à vontade e/ou obrigados a participar deste tipo de evento. De outro lado estão os que
acreditam que esse tipo de ação e de intervenção, se direcionados com critério, poderiam
gerar novos habitus e novos valores estéticos a despeito da classe de origem. Sendo assim,
trago a seguinte hipótese: é possível que a visita à Sala São Paulo reverbere na transformação
do gosto dos agentes que não são acostumados com este tipo de prática, considerando a
possibilidade desta frequentação aguçar a curiosidade de conhecer outras artes dominantes?
O presente trabalho, portanto, inscreve-se no âmbito da Sociologia do Gosto e traz
como aporte principal o pensamento de Pierre Bourdieu, principalmente no que se refere à
temática da distinção social. O estudo se restringe à Sala São Paulo3, sede da Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP, tendo em vista que ela é palco de uma das
práticas mais elitizadas relacionadas ao consumo cultural, uma vez que a ida ao concerto é a
mais “legítima” das disposições artísticas (Bourdieu, 2011a).
Tomando como base a teoria abordada em “A Distinção”, a afirmação de que “gosto
não se discute”, amplamente conhecida pelo imaginário social, é contestada, uma vez que
tanto o gosto dos indivíduos como os bens que consumimos (os bens simbólicos, neste caso),
3
A Sala São Paulo, com 984 m² e 1509 lugares, situa-se na região central da cidade, próxima da estação da Luz.
O edifício, tombado como patrimônio histórico pelo Condephaat, comportava antes a Estrada de Ferro
Sorocabana e atualmente abriga a sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e tornou-se uma das mais
importantes casas de concertos do mundo. Fonte: www.osesp.art.br. Saliento que no capítulo 1 deste trabalho, a
Sala São Paulo será analisada com um maior enfoque.
14
fazem parte de uma construção social. O gosto, segundo Bourdieu, além de ser construído
pela educação, também está atrelado à origem social do indivíduo, de maneira que cada classe
social possui um estilo de vida diferente, no que tange, sobretudo, às preferências
relacionadas à estética. De acordo com o autor, “nada determina mais a classe e é mais
distintivo, mais distinto, que a capacidade de constituir, esteticamente, objetos quaisquer”
(Bourdieu, 2011a, p.13). De tal modo, as preferências estéticas dos indivíduos não são
dádivas, não fazem parte da natureza, pois dependem de um conhecimento prévio adquirido
pelos atores nas diferentes esferas nas quais eles se inserem ao longo da vida, ou seja,
depende do repertório cultural que lhes é inculcado durante a sua trajetória4.
Bourdieu explica que os agentes sociais vivenciam lutas simbólicas, visando
reconhecimento e status. As relações sociais demonstram um esquema de desigualdade que se
solidifica nos planos material e simbólico5. Os indivíduos competem por diversos tipos de
poder, assim, um agente que vai a um concerto, frequenta um museu de arte contemporânea,
aprende a falar várias línguas, pratica um esporte de elite (o tênis, por exemplo) é considerado
um “dominante” mesmo que ele não tenha capital econômico significativo.
O consumo cultural de qualquer produção erudita demanda que seu consumidor tenha
algum conhecimento prévio para entender seu conteúdo. Neste sentido, os programas
educacionais6 da Osesp podem ser vistos como estratégias de inserção cultural dos
“desprovidos de legitimidade”, pois são ações educativas que visam a “educar” previamente
os espectadores de concertos. Se aceitarmos que a apropriação dos bens culturais demanda
uma aprendizagem, negamos que o gosto seja um dom natural – e aceitamos, conforme indica
Bourdieu, que o gosto é uma criação perpassada por fatores objetivos, tais como como o lugar
de nascimento (berço) e o tipo de escola frequentada, o que, por sua vez depende de estruturas
relacionadas com dinheiro e poder. Mas para os nascidos em famílias abastadas e dotados de
grande capital cultural, é interessante manter o mito de que o “bom gosto” é um dom, pois as
classes dominantes não podem e não querem admitir que o gosto pode ser aprendido, ou seja,
às classes dominantes não interessa, consciente ou inconscientemente que indivíduos de
outras classes se apropriem dos bens culturais que fazem parte de uma estratégia social de
distinção. (Bourdieu, 2007).
4
Bourdieu define o conceito de trajetória como “a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos”. (Bourdieu, 2010, p. 292)
5
Aqui utilizo o artigo “Poder simbólico e fabricação de grupos”. Wacquant, Loïc, que explica a dinâmica das
lutas simbólicas vivenciadas pelos agentes sociais.
6
A Osesp desenvolve os seguintes programas educacionais: Descubra a Orquestra; Falando de Música; Música
na Cabeça; Osesp Itinerante; Coro Infantil. Coro Juvenil, Academia de Música da Osesp; Masterclass Osesp;
Curso Livre para Metais; Visita Monitorada à Sala São Paulo; Sobre a Música de Concerto; Mediateca. Fonte:
www.osesp.art.br. Tais programas serão abordados mais abrangentemente no primeiro capítulo deste trabalho.
15
7 Para Bourdieu, a sociedade é formada por diversos campos nos quais os agentes sociais se distinguem conforme o capital e
o poder que possuem. Há quatro tipos de capital: o capital econômico, que está relacionado aos bens,/propriedades e aos
recursos financeiros; o capital social que se dá em função da rede de relações entre os sujeitos e o poder que resulta de tais
trocas; o capital cultural, que é adquirido por meio familiar e escolar (diplomas), e o capital simbólico que tem a ver com o
prestígio e o reconhecimento que os indivíduos alcançam ao longo da vida em razão de um dos outros três tipos capital.
(Bourdieu, 2011b).
8 Segundo Bourdieu, “a posição de um indivíduo ou de um grupo na estrutura social não pode jamais ser definida apenas de
um ponto de vista estritamente estático, isto é, como posição relativa (“superior”, “média” ou “inferior”) numa dada estrutura
e num dado momento. O ponto da trajetória, que um corte sincrônico apreende, contém sempre o sentido do trajeto social.”
(Bourdieu, 2011b, p. 7).
16
que é um equipamento cultural de distinção, é um lugar que exerce sobre seus frequentadores
expressiva violência simbólica. A luta ocorre entre os próprios agentes das classes cultas, pois
o prestígio, o reconhecimento da origem social do frequentador da Sala é observável através
de seu jeito de andar, do modelo e do tecido das roupas, do refinamento do modo e agir, de
falar. Essas características podem ser notadas durante os intervalos dos concertos, (os salões,
o café, o restaurante), pois são locais onde os agentes mostram pela hexis corporal quem são e
de onde vieram. Além disso, na Sala São Paulo, é notável a postura que os indivíduos
desenvolvem independentemente de serem ou não habitués, devido tanto à boa vontade
cultural9 em relação à música de concerto, bem como pelo fato de estarem num ambiente
suntuoso; neste espaço simbólico, os agentes sentem-se tacitamente incumbidos de se
portarem com elegância e polidez, é como se o evento em si desenvolvesse um tipo de
comportamento homogêneo.
A dicotomia entre dominantes/dominados, sagrado/profano, erudito/popular é
explicada fazendo uma alusão com a teoria da religião elaborada por Bourdieu, que por sua
vez baseia em Durkheim e Weber. O autor recorre a Weber (especialmente ao conceito de
legitimação) para construir as posições dos indivíduos no espaço social. A legitimação é
pautada no consentimento e na crença de que tais posições são estruturadas e devem ser
reconhecidas. A legitimação das desigualdades tem suas bases na estrutura religiosa, pois
historicamente a religião justificou a existência das diferentes posições sociais, conforme
determina o estilo de vida dos indivíduos e reforçou sua resignação. Além disso, o conceito de
legitimação perpassa a noção de poder, uma vez que, em cada esfera, há competições perenes
que “naturalizam” a desigualdade. Partindo da noção de que não há bens suficientes para
serem distribuídos igualitariamente, os indivíduos são divididos em dominantes, ou seja,
aqueles que possuem maior quantidade de bens e os dominados, os que lutam alcançar tais
bens. As esferas sociais, portanto, são dinamizadas por essa luta, devido ao desequilíbrio na
distribuição de poder, dinheiro, prestígio, educação, entre outros (Bourdieu, 2011b).
Esta concepção provém desta análise que Weber faz do monopólio da igreja em
relação à posse dos bens de salvação, através da qual é formada a noção de hierarquia entre
sacerdotes, profetas e feiticeiros que lutam pelo domínio de tais bens, de modo que o
sacerdote detém o poder e os menos prestigiados (profeta e feiticeiro) almejam que suas
9
A boa vontade cultural é a vontade dos indivíduos de mostrar conhecimento acerca de bens culturais: livros,
músicas, pinturas. Eles reconhecem a autoridade da cultura dominante; aqui está fixada a ideia de
reconhecimento sem conhecimento, pois “um dos mais seguros testemunhos de reconhecimento da legitimidade
reside na propensão dos mais desprovidos em dissimular sua ignorância ou indiferença e em prestar homenagem
à legitimidade cultural” (Bourdieu, 2011a, p. 298).
17
práticas sejam reconhecidas. Aqui podemos fazer um paralelo entre o campo religioso e o
campo artístico, uma vez que a divisão entre quem pratica/consome a arte erudita e arte
popular é resultado da crença na sacralidade da primeira, fazendo com que os produtores e
consumidores de arte popular fiquem à margem, pois suas obras e práticas são consideradas
profanas. Os compositores de música erudita, bem como seus produtores e difusores, veem a
Sala São Paulo e outras salas de concerto como verdadeiros templos da arte sagrada. Portanto,
tais equipamentos culturais detém o monopólio dos bens de salvação e garantem a seus
produtores e difusores grande prestígio social. Partindo da proposição de que cada campo de
produção simbólica é relativamente autônomo e tem o poder de criar suas próprias regras, o
autor também chama atenção que para as obras “puras” se manterem consagradas, o papel das
instituições que as abrigam é fundamental, pois há uma rede de interesses que determina o
que pode ou não ser considerado erudito. Tal rede é formada por instituições, pelo sistema de
ensino, academias, que se opõem à “estética” popular que geralmente é consumida pelo
grande público. Neste contexto, os produtores de arte precisam ser consagrados pelo campo
da arte erudita, e, portanto, precisam seguir as regras desse campo de produção simbólica à
risca. Há aqui, portanto, a prevalência da violência simbólica devido às competições que são
constantes em cada campo. (Bourdieu, 2011b).
No caso desta pesquisa, parto do pressuposto de que as práticas de elite são distintivas
e, com isso, reitero que cada classe social possui o seu estilo de vida, de modo que a análise
do campo religioso se torna pertinente e necessária para compreendermos a construção das
hierarquias e, do lado do consumo, do conceito de habitus10, pois a religião dominante é a
responsável pela legitimação do estilo de vida dominante ao considerar o ethos das classes
altas como legítimo, em detrimento do estilo de vida e as práticas dos menos favorecidos.
Weber explica que o funcionamento de cada esfera é diferente uma da outra porque cada
esfera está voltada para um fim: por exemplo, na esfera econômica, a lógica de mercado
predomina, de maneira que as pessoas almejam o acúmulo de riqueza, ao passo que na esfera
social as pessoas podem desejar apenas pertencer a um grupo, serem reconhecidas. O estilo de
vida da alta burguesia que conhecemos hoje em dia tem sua origem nessa nova educação
direcionada pela ética protestante, uma vez que podemos analisar que o estilo de vida burguês
contemporâneo, muito se assemelha ao ethos criado pelo protestantismo. Já que tal estilo é
10
Conceito fundamental na obra de Bourdieu, o habitus pode ser definido como uma segunda natureza. É um
esquema gerador de comportamentos que são inculcados nos indivíduos de acordo com o espaço social no qual
eles nascem, crescem e se desenvolvem, ou seja, é um sistema de disposições duráveis e transponíveis
(Bourdieu, 2011b).
18
voltado para a austeridade, e que também condena a ostentação, além dos gestos não poderem
ser muito espontâneos, ou seja, excessivos ou alegres, todas as práticas, enfim, devem
apresentar um fim em si mesmas, de maneira que o divertimento é sempre rechaçado, é visto
com algo condizente às classes inferiores. (Bourdieu, 2011b).
A religião justifica as posições sociais através das práticas e das representações dos
agentes. A legitimidade se ampara na premissa da aceitação, ou seja, os indivíduos creem na
má distribuição. A crença é intransponível porque a legitimidade não é questionada. É o que
ocorre com a arte dominante, que é consagrada como algo que deve ser consumido porque
tem maior valor do que uma arte popular. Em outros termos, a música clássica tem mais valor
no cenário social do que gêneros musicais populares tais como o funk e o pagode; o filme
europeu tem mais prestígio do que o hollywoodiano e o teatro que encena Shakespeare é mais
reconhecido do que um musical. Foram essas diferenças nas disposições dos informantes que
utilizei numa perspectiva relacional, através da teoria de Bourdieu e Elias, com o intuito de
analisar a possível transformação do habitus e vi que isso não se dá de forma linear, isto é, o
habitus não é homogêneo. Através das entrevistas, sobretudo no grupo que denominei como
“ecléticos” há casos em que os frequentadores demonstram conhecimento acerca de música
de concerto, mas nas outras disposições, praticam atividades “dominadas”.
A teoria bourdiesiana, ao englobar a temática da educação prévia que os atores
precisam adquirir para consumir a cultura dominante, produz a ideia da diferenciação entre
“conhecimento” e “reconhecimento”, para explicar que um indivíduo com pouca instrução
pode até, por exemplo, saber que Pablo Picasso é um pintor, mas em contrapartida, não saberá
citar um quadro dele, nem tampouco falar sobre o movimento artístico no qual Picasso está
inserido11. Em outras palavras, o consumo cultural das classes populares se dá de modo
“superficial”, pois são os sentidos e os sentimentos que fazem a “leitura” do objeto; os
sujeitos desprovidos da educação formal tendem a buscar o realismo das obras, de modo que
não são capazes de perceber a obra além do que é evidente12, pois eles acreditam que toda
manifestação artística deve ter uma utilidade. Além disso, o indivíduo pouco familiarizado
11
O reconhecimento resulta de um processo de submissão à cultura legítima por parte dos agentes mais
desprovidos de capital. Eles, por sua vez, expressam a boa vontade cultural ao prestarem reverência à estética
dominante, em outras palavras, reconhecerem sua legitimidade. Assim afirma Bourdieu, “qualquer relação com a
cultura da pequena burguesia pode se deduzir, de algum modo, da diferença, bastante marcante, entre
conhecimento e reconhecimento, princípio da boa vontade cultural, ou seja, segundo a origem social e o modo
de aquisição da cultura que é seu correlato: a pequena burguesia ascendente investe sua boa vontade desarmada
nas formas menores das práticas e dos bens culturais legítimos” (Bourdieu, 2011a, p. 300).
12
De acordo com Bourdieu, para atingir o “deleite erudito”, é preciso que o indivíduo tenha inúmeros
conhecimentos prévios que o façam desenvolver a capacidade do indivíduo de ir além das sensações, ou seja,
“segundo uma intenção propriamente estética” (Bourdieu, 2007, p. 82).
19
com a cultura dominante desenvolverá, segundo Bourdieu, a boa vontade cultural 13 que
denota a aspiração de consumir a “alta cultura” ao assumir que ela é signo de distinção social.
(Bourdieu, 2011a).
Neste contexto da necessidade de se obter conhecimento, a escola perpetua as
desigualdades relacionadas ao consumo cultural porque oferece apenas a uma pequena parcela
da população (os eleitos) a devida formação em matéria de cultura. O conhecimento
relacionado à cultura dominante é diretamente proporcional à posição dos indivíduos na
hierarquia social. Ao ingressar na universidade, o agente se depara com o “mundo culto”,
assim, ele se sente no dever de se apropriar da cultura. O autor atenta para o fato de que as
práticas culturais estão em intersecção, porque quem vai ao teatro, vai ao concerto, ao cinema
e ao museu. A escola inspira a familiaridade com o universo da arte, ou seja, é ela que ensina
como algo deve ser consumido e com que grau de reverência, pois ela classifica as obras
segundo seu grau de legitimidade. Ela é determinante na distinção entre aqueles que
consomem a arte de modo correto (legítimo) e a maneira de apropriação da arte realizada, por
exemplo, pelos novos-ricos (Bourdieu, 2007). É preciso dizer que aqui no Brasil, tal realidade
é ainda mais problemática em razão da desigualdade promovida por um sistema escolar
falido, haja vista a diferença do volume de capital escolar que há entre um aluno de escola
particular e outro de escola pública. É notório que quem estuda num colégio particular caro e
tradicional tem excelentes chances de manter-se numa posição privilegiada no espaço social,
ou seja, estudará nas melhores universidades, bem como terá as melhores vagas de emprego,
em detrimento da grande maioria da população que frequenta escolas públicas nas quais a
precariedade do ensino já deixou de ser novidade e que, por sua vez, mantém a posição de
classe dos estratos sociais. Em outras palavras, o sistema educacional brasileiro é excludente
porque distancia ainda mais as elites das classes baixas, tendo em vista as mínimas
possibilidades de mobilidade social daqueles que dependem do ensino público. Um exemplo
de dimensão simbólica que pode ser analisado neste contexto educacional é a convivência
dentro da universidade entre alunos oriundos de colégios particulares e alunos de escola
pública. O conhecimento cultural “legítimo” (literatura, música, filmes etc), o domínio de
algum idioma, a facilidade de oratória pelos alunos provenientes das classes mais altas são
fatores que exemplificam muito bem a defasagem educacional acima descrita.
13
Bourdieu, Pierre. A Distinção. Porto Alegre, Zouk, 2011a.
20
Essas diferenças, também ocorrem entre as frações das classes altas. Partindo para o
âmbito das diferenças de apropriação da arte entre os ricos de nascença e os novos-ricos
abordado por Pulici14, vemos os gostos estéticos das classes altas, mais especificamente as
diferenças dos gostos entre os agentes dominantes/dominantes (possuidores de capital cultural
e capital econômico) e os dominantes dominados (aqueles que possuem apenas capital
econômico). A pesquisa revela a disparidade que há com relação às preferências estéticas,
haja vista que do ponto de vista estético, o bom gosto aparece apenas nas preferências dos
dominantes/dominantes, lembrando que os agentes que possuem apenas capital econômico
lutam arduamente para adotar, de modo pleno, o estilo de vida dominante, obtendo o prestígio
e o reconhecimento que apenas o capital econômico não traz.
Aqui ponderamos que a estilização da vida é permeada de tensões simbólicas e a
Sociologia do Gosto desmistifica a dominação tácita que permeia as inter-relações no espaço
social. Há inúmeros equipamentos culturais em diversas cidades no mundo; há sinais de que
no caso da cidade de São Paulo, o acesso a eles é incentivado e facilitado por estratégias como
excursões escolares, barateamento dos ingressos, anúncio de exposições pela grande mídia,
alguns museus determinam a gratuidade em um dia da semana, dentre outros. Olhando o caso
dos equipamentos culturais da cidade de São Paulo, contudo, percebemos que malgrado tantas
facilidade de acesso, os equipamentos culturais não são frequentados pela maioria das
pessoas. Assim, levantar o perfil do público dos concertos foi primordial para este trabalho15.
Dentro deste contexto, há pesquisas que revelam que a população da cidade de São
Paulo busca entretenimento mais relacionado com a indústria cultural, em detrimento das
práticas de elite como teatros e museus. De acordo com esta pesquisa de Botelho (2005)16, a
grande maioria dos entrevistados tem preferência por TV e rádio. Com isso, Botelho refuta a
ideia de que apenas a cultura erudita deve ser apreciada e difundida, haja vista a
heterogeneidade de público. Os equipamentos culturais foram historicamente construídos para
dar conta de dois aspectos: pelo próprio desenvolvimento da cidade e também “em função de
14
Pulici, Carolina. Tese de doutorado “O charme (in)discreto do gosto burguês paulista: Estudo sociológico da
distinção social em São Paulo”.
15
Bourdieu, Pierre; Darbel, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. É uma das
principais referências para o desenvolvimento desta pesquisa, assim como o trabalho de mestrado de Santos,
Bruno. Visitando o museu pela porta dos fundos: vigilantes e transportadores de obras de arte e a ressignificação
do habitus. Unifesp, 2015. Pois, partimos do pressuposto de que há barreiras simbólicas que impedem o
consumo da arte dominante pelas classes populares, de modo que os que as impede não é apenas o preço do
ingresso ou a posição geográfica do equipamento cultural, mas sim, fatores que estão ligados à apropriação de
códigos necessários a tal consumo e que são inculcados por algumas instituições como a família e a escola.
16
Botelho, Isaura. Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um desafio para a gestão pública. Espaço e
Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. São Paulo: Annablume, n. 43-44, 2004. O estudo analisa a
distribuição espacial dos equipamentos culturais na cidade de São Paulo, bem como as práticas culturais da
população.
21
demandas dos setores já mais habituados ao consumo de cultura” (Botelho, 2005, p. 04), bem
como foram construídos em regiões onde o transporte público é adequado, ou seja,
principalmente nas regiões central e oeste. No entanto, o consumo de bens culturais não
depende dos equipamentos estarem ou não acessíveis, pois o principal entrave é o caráter
simbólico, por causa dos hábitos culturais adquiridos ao longo das trajetórias individuais,
sobretudo trajetória educacional.
À luz da literatura na qual a problematização da presente pesquisa se apoia, malgrado
as portas dos equipamentos estejam abertas, a reverência, o amor pela arte e pela cultura
depende de condicionamentos sociais, não é, portanto, uma escolha livre. Assim, Bourdieu
(2007) afirma que o acesso à “alta cultura” só é consolidado quando os agentes possuem
aportes para isso, ou seja, adquirem conhecimentos, estudam música, teatro, literatura,
cinema, conhecem artistas, movimentos, escolas e estilos. Ao ver um quadro no estilo
moderno, conseguem compreender sua “forma” sem pensar na sua “função”, conseguem
apreciar a arte pela arte sem apresentar uma necessidade de explicação e, sobretudo, sem
incitar seus sentimentos. O amor pela arte surge, portanto, através de anos de contato com o
belo, contato esse que é, no entanto, negado à maior parte da população porque faz parte de
um estilo de vida das classes superiores, devido a fatores econômicos, culturais, sociais e
geográficos. Em outras palavras, a ida a um museu de arte contemporânea, a apreciação de
uma composição de Debussy, o gosto por um quadro de Salvador Dalí, a preferência por um
filme iraniano, em vez de um filme comercial, enfim, todas essas práticas dependem de um
ensinamento prévio, de uma disposição objetivamente inculcada. Essa inculcação, em virtude
das diferenças hierárquicas constantes no espaço social, é algo oferecido para poucos, assim,
as classes privilegiadas mantêm o seu domínio simbólico em relação aos menos favorecidos,
pois a necessidade de acesso à “alta cultura”, segundo Bourdieu, é resultado de sua inserção
na posição dominante do sistema educacional.
Dentro desta perspectiva, o trabalho de Jean Costa17 é de grande valia, pois o autor
aborda a importância da escola no desenvolvimento do habitus dos indivíduos, ou seja, de
suas disposições estéticas. Para ele, caso o indivíduo não esteja inserido numa família que
desenvolva o gosto pela arte dominante, ele estará propenso a gostar de produtos associados à
indústria cultural. Assim, o autor confirma a teoria de Bourdieu no que tange à aquisição de
capital cultural por meio da família e da escola, ao utilizar como exemplo o gosto por música
17
“Reflexões sobre a indústria cultural a partir de Pierre Boudieu: a importância dos conceitos de Habitus e
Capital Cultural”. Costa, Jean H. Revista Espaço Acadêmico – nº14, 2013. O artigo relaciona os conceitos de
habitus e capital cultural na tentativa de compreender o desenvolvimento da indústria cultural.
22
erudita, que segundo ele só é engendrado quando o contato é forjado desde cedo, de modo que
“seja por meio da prática musical, seja por meio da frequência a concertos, cria-se esse
habitus musical erudito” (Costa, 2013, p.13). Além da família e da escola, o autor também faz
menção ao papel da igreja na transformação do gosto, pois a igreja, sobretudo a evangélica, é
formadora de músicos, devido ao uso de instrumentos de orquestra tais como o violino, a
flauta, por exemplo. Esse contato do fiel com a aprendizagem musical também gera
disposições distintas daquelas presentes em seu mundo de origem (Costa, 2013). Além das
instituições citadas, a pesquisa de campo que realizo na Sala São Paulo, faz-me pensar
também a respeito da influência de outro tipo de instituição na transformação do gosto
cultural de alguns agentes. Trata-se da atuação das ONGs18 que viabilizam o acesso de seus
membros/filiados aos concertos, pois há indícios que sem a mediação destas instituições tais
agentes não iriam a um concerto.
Bourdieu utiliza a expressão “nível cultural de aspiração” (Bourdieu, 2007, p. 39)
para explicar a maneira como as práticas da elite são vistas pelos agentes com pouco capital
cultural, dado que eles aceitam a legitimidade instaurada, pois também querem realizá-la,
mesmo sem possuir os códigos de decifração; assim, os agentes que não têm diplomas
aspiram um dia a tê-lo, pois prezam o conhecimento19 escolar e reconhecem que a cultura é
um signo de distinção. Além disso, o autor afirma que os agentes sociais menos instruídos
sentem a obrigação de fazerem parte do mundo culto. A obrigação está ligada à vontade de
ascender socialmente, de ser bem visto, de ser admirado como um agente da alta sociedade. A
necessidade de ascensão social alcançada através da aquisição de conhecimento prévio que
garante o pleno consumo dos bens culturais legítimos cria uma situação conflituosa e violenta,
à medida que um indivíduo das classes baixas, ao ter inclinação para o consumo desses bens,
pode até mesmo ser ridicularizado pelos seus pares, no sentido de “ser colocado em seu
lugar”; em contrapartida, os indivíduos das classes cultas, também passam por um conflito,
pois precisam obedecer às regras, comportar-se de modo condizente ao estilo de vida
dominante (Bourdieu, 2007).
A estilização da vida, além de ser demasiado importante para os agentes cultivados e
estabelecidos na alta sociedade passou a ser importante nas classes baixas, pois um indivíduo
despojado de capital cultural geralmente reconhece a superioridade de uma obra de arte, bem
como das práticas legítimas ao exercer a boa vontade cultural. Com isso, os atores
18
Essa investigação ficará mais clara nos Capítulo 3.
19
No que diz respeito à frequência a museus, na pesquisa descrita em “O amor pela arte”, “de todos os fatores, o
nível de instrução é, de fato, o mais determinante (Bourdieu, 2007, p. 45).
23
desprovidos de capital cultural tendem a reconhecer a legitimidade dos bens culturais, apesar
de não conhecerem, não terem aportes educacionais que o façam compreender a obra20.
(Bourdieu, 2011a).
Os estratos sociais, ao assumirem um gosto, comportam-se de determinada maneira,
frequentar certos lugares, (re)afirma sua posição no espaço social. Sob tal perspectiva, a teoria
de Elias21 é primordial, já que ele discute o nascimento dos novos costumes que surgiram a
partir do desenvolvimento do processo civilizador; e esses costumes, por sua vez, estão
relacionados à temática da distinção. O que persiste em termos de refinamento nos dias atuais
foi algo construído arduamente ao longo da história moderna. Sendo assim, a teoria eliasiana
colaborará especialmente para o entendimento da cultura dominante nas sociedades
contemporâneas, pois ele explicita as razões pelas quais um estrato social (no caso, a nobreza)
adquire um comportamento discreto, sóbrio e inibidor dos impulsos naturais, já que a
distinção está ligada ao luxo, riqueza, moderação, elegância, além das regras de etiqueta. É
importante observar que é justamente esta postura discreta que se faz presente na Sala São
Paulo. (Elias, 1990)22.
Seguindo ainda esta linha, Caroline Müller (2014)23 buscou compreender como os
indivíduos das classes populares passam a se interessar pelas práticas da cultura legítima. A
autora utilizou a Lei do Vale Cultura, que é válida para os trabalhadores que recebem até
cinco salários mínimos, com o objetivo de investigar se as classes populares precisam de
incentivos para frequentarem os equipamentos que abrigam a arte legítima. O trabalho de
Müller também lida com a questão da apropriação dos bens culturais dominantes pelas
camadas populares; a autora cita os tipos de manifestações com as quais as classes populares
não têm muito contato (cinema, museu, espetáculos de dança) e sua conclusão vai na
20
Na Sala São Paulo, a teoria foi reforçada, na primeira fase desta pesquisa (quando da iniciação científica); ao
serem questionados acerca da autoria de algumas composições famosas, os informantes reconheciam, por
exemplo, Mozart ou Beethoven, no entanto não conheciam uma de suas canções. Diogo, Fernanda. “A
importância da formação escolar na formação do gosto musical”, 2012.
21
As bases teóricas de Norbert Elias também serão utilizadas nas referências deste trabalho porque traz à tona a
temática das lutas simbólicas que são travadas pelos indivíduos ao longo dos séculos. A ascensão dos Estados
Modernos deixou a nobreza submetida ao poder real, de modo que muitos mecanismos de sobrevivência social
foram criados pelos nobres no sentido de não serem confundidos com a burguesia ascendente. Esses mecanismos
podem ser traduzidos como as novas maneiras de comportamento que distinguiriam os nobres mantendo seu
prestígio social. Logo que a burguesia ganhou seu espaço e manteve-se detentora do poder econômico também
teve necessidade de adquirir novos hábitos voltados, sobretudo para o que hoje chamamos de boas maneiras
(Elias, 1990).
22
Elias, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes, tradução brasileira de Ruy Jungmann,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, vol. 1, 1990.
23
Müller, Caroline Regina. “Os iguais, desiguais: entendendo o consumo cultural pelas classes populares”.
Unisino, São Leopoldo, 2014. O artigo analisa a relação das classes populares com a cultura legítima. Tem como
base a teoria de Bourdieu e a Lei do Vale Cultura.
24
contramão da teoria de Bourdieu, já que afirma que o acesso ou não à cultura por parte de tais
camadas está relacionado a uma questão financeira, pois ao adquirir o vale-cultura o
trabalhador muda seu habitus.
O trabalho de Oliveira (2009)24 discute a questão colocada por Dabul (2008)25, sobre a
relação entre as classes populares e a alta cultura, pois também analisa a relevância dos
equipamentos culturais na difusão cultural. O estudo de caso se deu nas unidades do sistema
Sesc (Itaquera, Pinheiros e Pompeia) e teve como objetivo ponderar sobre a aproximação dos
equipamentos culturais com seus públicos potenciais. A autora afirma que a condição
educacional dos frequentadores é fundamental, embora a mobilização que a rede Sesc incita
reverbere no aumento da frequência. A intenção da autora, além de estudar a relação entre
práticas e públicos, é dar subsídios e aportes metodológicos para que políticas públicas sejam
elaboradas a fim de aumentar o acesso do público a equipamentos culturais. Segundo a autora,
a mediação pode suprir a carência educacional do potencial frequentador, pois tais políticas
inculcam os códigos e linguagens necessárias para quebrar a barreira entre a obra e o agente
social; a autora assume, portanto, que a cultura é um processo de aprendizado e que seu
consumo é possível mesmo por aqueles desprovidos de formação familiar ou de educação
formal. Essa pesquisa dialoga com meu trabalho também porque analisa o modo como o
equipamento cultural deve tratar seus frequentadores; analisa a maneira de apropriação das
obras artísticas e afirma que o consumo também depende do diálogo histórico que o
equipamento mantém com o público. Além disso, Oliveira (2009) também trata da
democratização cultural e conclui que os centros culturais são instituições que podem exercer
a função de orientar o gosto do público, coisa vista através da família e da escola. Segundo
ela, os gostos e os hábitos dos indivíduos podem ser transformados a partir da frequentação
dos equipamentos.
Avalio, por fim, que para falar de “cultura”, é preciso primeiramente decidir sobre o
tipo de cultura que será abordado. Esta pesquisa lança luz ao consumo da “cultura
dominante”, avaliada do ponto de vista da Sociologia da Cultura, ou seja, aqui o conceito se
dá no plano sociológico, conforme aponta Botelho, aquela cultura que “ocorre no circuito
organizado” (Botelho, 2001, p. 74). Diante disso, reitero que não analisarei a cultura a partir
do pressuposto antropológico que a percebe como algo acessível a todos os agentes sociais,
24
Oliveira, Maria Caroline V. “Instituições e públicos culturais. Um estudo de mediação a partir do caso Sesc-
São Paulo. O trabalho analisa a importância dos equipamentos culturais na difusão da cultura.
25
Dabul, Lígia. “Museus de grandes novidades: centros culturais e seu público”. A autora fala sobre o
questionamento da legitimidade do público no sentido de saber se o público deve ter prévia educação para lidar
com as obras de arte.
25
projetos de educação musical da Sala São Paulo – envolvem um equipamento que está
localizado nesta região.
Sob esta perspectiva, o presente capítulo versará sobre a região da Luz com o intuito
de compreender a importância dos equipamentos culturais no bairro. As intervenções às quais
o bairro foi submetido desde meados da década de 1970 também serão aqui apresentadas em
razão da restauração do Complexo Julio Prestes – local onde a Sala São Paulo foi implantada
– ter sido obra desse tipo de projeto. Tais operações visam à reabilitação da região central face
à degradação26 no âmbito sociogeográfico que a caracteriza. Assim, compreender as
características histórico-arquitetônicas da região da Luz, faz-se necessário em virtude da Sala
São Paulo fazer parte deste cenário cultural, arquitetônico histórico e turístico da cidade. É
oportuno ressaltar ainda que a cultura é uma das principais instâncias ativadoras das propostas
intervencionistas, desse modo, a relação entre a Sala São Paulo e tais propostas é intrínseca.
O capítulo tratará também da implantação da Sala São Paulo, bem como do
ressurgimento da Osesp, para discutir acerca das políticas educacionais de inclusão dos
agentes sociais que são formuladas pela instituição com a intenção de problematizar a
inserção do grande público neste equipamento, uma vez que partimos do pressuposto de que a
despeito da oferta de equipamentos culturais, a frequentação requer outras condicionantes que
perpassam a esfera educacional.
26
A degradação urbanística da área, visível no descaso para com os espaços públicos – incluindo, de maneira
absurda, um dos mais bonitos parques da cidade, o Jardim da Luz – no estado geral dos edifícios, muitos de
reconhecido valor arquitetônico; na forma de ocupação das ruas e dos passeios; no comércio informal e,
sobretudo, na concentração de questões sociais relativas aos moradores de rua, aos grupos de menores carentes, à
proliferação de cortiços e a um relativo trânsito livre para prostituição e tráfico de drogas. (p. 130-131).
29
A história da cidade de São Paulo revela que desde sua origem, “os centros” da cidade
estiveram ligados à presença das elites, de modo que “a Luz, o Arouche e o Campo Redondo
constituíam regiões habitadas por importantes personagens, que sabiam muito bem recorrer ao
peso de seu prestígio, sempre que necessário” (Campos, 2005, p. 5). A ocupação da área por
aqueles que detinham posses fica clara em virtude da análise das casas que ali foram
levantadas quando a cidade de São Paulo ainda era semi-rural. Os casarões, que apresentavam
um estilo arquitetônico neoclássico e/ou eclético, deixavam transparecer a classe social dos
habitantes. E foi na Luz (mais precisamente nos Campos Elíseos) que a elite cafeeira se
instalou, trazendo paulatinamente o progresso citadino. Em contrapartida, em outra região da
cidade ocorria uma situação inversa, pois foram construídas na zona sul edificações
depreciadas como a forca, o cemitério e o matadouro (Campos, 2005). Com isso, vemos que a
região da Luz, desde a sua fundação, foi um local prestigiado do ponto de vista do estilo de
vida dominante, dado que fora o primeiro local de residência escolhido pelas elites paulistas.
Não é de se estranhar, portanto, a escolha da região para abrigar edifícios ligados à
esfera cultural. Assim, a preocupação com a cultura é até hoje um fator constitutivo do bairro,
diferentemente do que ocorreu em outras adjacências como a Móoca, o Brás e o Belenzinho,
por exemplo, que se organizaram como bairros fabris (Guimarães, 1977).
A partir do estudo da história do bairro, fica evidente que o lado cultural da Luz está
intimamente ligado à presença das elites que ergueram seus casarões a partir da segunda
metade do século XIX. Suas instalações convergiam para traduzir a imagem e o estilo de vida
de uma elite dominante, seus casarões, a escolha do lugar para abrigar equipamentos ligados à
educação e à cultura. Mesmo antes de se tornar uma das principais e prósperas cercanias de
São Paulo, o bairro já indicava uma tendência de grandiosidade arquitetônica, haja vista, além
dos palacetes, a edificação de equipamentos importantes, tais como:
“o Recolhimento da Luz, originado de velha ermida quinhentista (a parte
mais antiga do edifício atual foi inaugurada em 1788); mas havia também o Jardim
Público, antigo Jardim Botânico, criado em 1825; a Casa de Correção, nome da
penitenciária provincial em forma de panóptico, com projeto do Marechal Müller
datado de 1832, e cujo primeiro raio foi inaugurado 1851; e o Seminário Episcopal”
(Campos, 2005, p. 15)
Não podemos deixar de relatar que os áureos tempos vividos nas adjacências da Luz,
foram proporcionados a partir da construção da ferrovia Santos-Jundiaí (1860 a 1867), uma
vez que tal acontecimento foi o grande responsável pelo progresso e o desenvolvimento da
cidade de São Paulo. De acordo com Guimarães (1977), a ferrovia transformou a cidade em
todos os âmbitos, sobretudo no que diz respeito à expansão do povoamento, bem como ao
desenvolvimento nas áreas comercial, acadêmica, técnica e cultural. Assim,
“Quando a cultura e a técnica se instalaram na senhorial residência do
Marquês de Três Rios, a tecnologia se implantaria no bairro polo de irradiação geral.
E São Paulo não mais pararia, pois dali partiriam engenheiros e arquitetos que
ergueriam São Paula para o alto!” (Guimarães, 1977, p. 41)
Diante deste contexto, percebemos que a história da cidade de São Paulo se funde à
história da Luz, dado que a vitalidade associada à metrópole surgiu a partir desta localidade
ter sido escolhida para a construção da estação de trem. A primeira delas, “a São Paulo
Railway”27, fez com que uma pequena vila, isolada e com poucos habitantes, se transformasse
numa das principais metrópoles mundiais. Sabe-se que a construção da ferrovia paulista se
deu em virtude da necessidade de escoamento da produção cafeeira proveniente do Vale do
Ribeira; a ferrovia foi instalada devido à posição geográfica estratégica que iria facilitar o
transporte do produto até o porto de Santos. Sob tal perspectiva, é importante destacar a
atuação dos imigrantes no processo de urbanização de São Paulo, haja vista as novas técnicas
que foram trazidas no que diz respeito ao crescimento da indústria, da diversificação de
profissões, do desenvolvimento do comércio, pois foi no bairro da Luz (nos arredores da
estação ferroviária) que o comércio da cidade se expandiu (Morais, 1998).
Nesse contexto, é importante ressaltar que a cidade de São Paulo, quando da
inauguração da São Paulo Railway, em 1867, possuía apenas 20 mil habitantes. A partir de
então, a cidade passou a ganhar ares de metrópole dado seu acelerado crescimento. A estação
da Luz tornou-se além de ponto de chegada e partida, um ponto turístico em função da beleza
de seu estilo arquitetônico. A estação tornou-se rapidamente o símbolo da cidade, pois apesar
de sua construção ter sido criticada (por se tratar de um lugar ermo), foi ela a responsável pela
reconfiguração da vida social. (Guimarães, 1977). Em contrapartida à visão
desenvolvimentista, Campos (2005) afirma que foi a própria construção da ferrovia que
propiciou a degradação da região, uma vez que impossibilitaria a ligação da cidade no eixo
norte-sul, o que ele segundo acarretaria numa “desvalorização ambiental e fundiária”. A partir
de 1930, iniciou-se na Luz um período de abandono e degradação, concomitante à mudança
27
“O Barão de Mauá, graças ao seu prestígio e poder econômico conseguiu interessar capitais ingleses no
empreendimento. Subscrevendo a maioria das ações fundou a “The São Paulo Railway”, com sede em Londres”
(Guimarães, 1977, p. 65). Esta ferrovia foi a primeira deste gênero na América Latina (Guimarães, 1977).
31
do centro para outra região da cidade, nos arredores da Avenida Paulista, em virtude da
transferência das elites para esse novo lugar. Tal processo, no caso de São Paulo, demonstra
que o desenvolvimento de cada lugar está sempre conectado à presença e interesses dos mais
favorecidos, pois à medida que a classe dominante se estabeleceu em outra região, os serviços
públicos deixaram de priorizar a Luz.
A educação promovida nas dependências da Sala São Paulo, também se debruça sobre
a história da Estação de Ferro Sorocabana por meio do programa “Visita Monitorada”. Nele, o
visitante faz uma inscrição prévia e participa de um passeio pelas dependências do
equipamento. A explicação histórica referente à influência dos barões do café na construção
da estação Júlio Prestes é parte obrigatória, haja vista os detalhes na arquitetura que fazem
alusão ao poderio econômico do qual o café era o vetor. A visita também proporciona ao
visitante explicações sobre a acústica da casa, bem como aos recursos tecnológicos que foram
empregados na construção da Sala São Paulo.
A problematização do presente trabalho centra-se, portanto, em uma avaliação do grau
de inclusão e exclusão das classes populares à Sala São Paulo. A literatura que utilizo para
formular o problema de pesquisa (o pensamento bourdiesiano) afirma que a alta cultura é
consumida em geral apenas pelas classes dominantes porque o gosto cultural dos agentes e
grupos sociais depende de condicionantes como classe social e trajetória individual. Neste
sentido a Sala São Paulo torna-se um objeto privilegiado, pois permite testar os limites da
validade do discurso democratizante dos vários projetos educacionais abrigados na instituição
que visam a disseminação da música sinfônica ao grande público, além da formação musical
de um público leigo. A dificuldade de tais projetos está exatamente na barreira das normas de
conduta exigidas por uma frequentação contínua, bem como o tempo exigido por uma
educação gradativa dos frequentadores.
Dito isto, apresentaremos uma breve análise sobre o surgimento da preocupação em
melhorar a área da Luz, face à degradação que se instalou. Como veremos, a partir dos anos
de 1970, algumas políticas de intervenção foram projetadas e/ou realizadas e correspondiam
ao conceito de cidade global, que colocaria São Paulo num patamar competitivo junto com as
grandes metrópoles mundiais.
28
A revitalização é um termo atribuído à “qualificação e valorização ambiental com manutenção e recuperação
do patrimônio edificado”. (José, 2007, p. 29-30).
29
De acordo com Villaça (1999), as cidades podem se configurar a partir da, ou seja, as áreas das cidades são
compostas por grupos sociais distintos, de maneira que a localização é um fator de distinção. Cogita-se que os
moradores da zona sul do Rio de Janeiro possuam renda alta, do mesmo modo, em São Paulo, as classes mais
privilegiadas moram no quadrante sudoeste, ou seja, os grupos de alta renda se segregam, formando um novo
centro, acarretando transformações na dinâmica socioespacial.
30
Documento que dá diretrizes para o restauro de monumentos. A partir dele, criou-se a tendência internacional
de recuperação, restauração, valorização de monumentos em processo de degradação.
31
Declaração de Amsterdã deriva de uma reunião ocorrida em 1975 que dá diretrizes para a conservação do
Patrimônio Arquitetônico Europeu e assume que “o patrimônio arquitetônico da Europa é parte integrante do
patrimônio cultural do mundo inteiro e nota com satisfação o engajamento mútuo para favorecer a cooperação e
as trocas no domínio da cultura”. Disponível em http://portal.iphan.gov.br. Acesso em: 18/04/2015.
32
Normas compiladas após reunião de conservação e utilização de monumentos e lugares de interesse histórico e
artístico – O.E.A. – Organização dos Estados Americanos. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/.
33
uma potência econômica, dada a possibilidade de criação de uma área turística. É neste
contexto que a região da Luz se encontra até os dias atuais, pois há a mobilização da justiça e
da opinião pública no que tange à reabilitação. Portanto, o que vemos até agora é o embate
relacionado aos fins que se destinam as reabilitações urbanas, de um lado, há preocupação
com o desenvolvimento urbano, histórico e social do lugar33, ideia que se contrapõe aos
interesses econômicos que são potencializados pelo turismo cultural e pela especulação
imobiliária, pois “a concessão urbanística prevista pela Nova Luz consiste em deixar a
revitalização a cargo da iniciativa privada, que poderá fazer as desapropriações necessárias e
vender os terrenos com lucro34”.
De acordo com Zancheti35 (2012), o pioneirismo referente à ideia de recuperação de
determinados espaços urbanos nasceu sob influência da Declaração de Amsterdã. Trata-se
aqui do conceito de conservação urbana integrada que, em sua gênese, esteve ligada à
transformação de um espaço antigo e degradado, levando em consideração a população local,
bem como a justiça social. Os primeiros bairros nos quais a conservação integrada foi
efetivada eram bairros periféricos de centros históricos na Itália e Espanha. Portanto, as
primeiras recuperações de zonas urbanas eram envolvidas por um caráter social, que deixou
de ser seguido a partir do momento em que os projetos interventores passaram a priorizar
apenas a revitalização ou a reabilitação e desconsiderar os habitantes envolvidos. Segundo o
autor, a revitalização está associada tão somente a problemas econômicos, no sentido de que
as políticas neoliberais objetivam recuperar o valor dos imóveis tombados. O autor afirma que
a principal função da conservação integrada é melhorar a imagem da cidade escolhida “num
mundo globalizado, onde localidades competem diretamente por investimentos produtivos, o
que decide o jogo da competição são as especificidades das localidades e suas imagens”
(Zancheti, 2012, p. 24). Aqui no Brasil, apenas as cidades de Salvador e de Recife tiveram de
fato a requalificação consolidada como desenvolvimento local.
No caso de São Paulo, quando a elite cafeeira ascendeu, ela se segregou nos Campos
Elíseos; contudo, após 1930, segregou-se novamente em outros bairros – na região da
Avenida Paulista e ao longo da Marginal dos Pinheiros (quadrante sudoeste) – formando
outro centro em detrimento do Centro Velho. Ainda dentro deste contexto, há outra
33
“População aguarda revitalização da Luz, em SP”. Disponível em:
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/vc-reporter-populacao-aguarda-revitalizacao-da-luz-em-sp. Acesso em:
28/04/2015.
34
“Justiça suspende projeto de revitalização da Luz, em SP”. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/2012/01/justica-suspende-projeto-de-revitalizacao-da-luz-em-sp.html. Acesso: 28/04/2015.
35
Plano de Gestão da Conservação Urbana: Conceitos e Métodos / Norma Lacerda e Sílvio Mendes Zancheti /
Olinda: Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, 2012.
34
explicação acerca da degradação da cidade. De acordo com Meyer (1999) a cidade, erguida
sobre o tripé: fábrica, ferrovias e vilas operárias, precisa ser reordenada, no sentido de
promover a integração urbanística que não foi pensada no início da metrópole. A degradação
da região da Luz é explicada pela autora como o resultado da decadência do setor ferroviário
e da ênfase ao setor rodoviário, com a formação de um plano de avenidas. A degradação – que
conhecemos hoje – iniciou-se, dentre outros fatores, com a construção da rodoviária na praça
Julio Prestes, em 1970, de maneira que “o elevado número de linhas terminais que acessavam
a rodoviária, acabou por degradar de forma irreversível as ruas adjacentes” (Meyer, 1999, p.
27). Corroborando com isso, Izzo Jr (1999) afirma que a região central passou a se
descaracterizar à medida que a cidade foi redesenhada para atender as demandas do transporte
público; grandes avenidas (como a Avenida Tiradentes), bem como a própria ferrovia,
modificaram a paisagem urbana, produzindo problemas como a segregação de bairros e
vazios urbanos.
A partir da década de 1970, o poder público começou a se preocupar com a
degradação a que a região estava sendo submetida ao longo das décadas. É interessante notar
os dois lados deste progresso; de um lado, o crescimento da cidade tendo sido promovido pela
ferrovia e pela expansão do setor rodoviário; de outro lado, diante deste mesmo processo de
crescimento, o centro da cidade não conseguiu, por sua vez, desenvolver concomitantemente
um crescimento social no sentido de ser uma localidade qualificada.
Neste ponto, é preciso analisar as políticas público-privadas que tiveram a intenção de
desacelerar a deterioração do centro da cidade. Tratar de tais políticas é imprescindível, dado
que a implantação da Sala São Paulo foi gestada no âmbito da Associação Viva o Centro36,
instrumento utilizado pelo poder público e pelo setor privado para promover a transformação
do centro face aos problemas sociais que o assola e caracteriza. Diante disso, analisaremos as
intervenções realizadas ao longo da recente história da cidade, mais precisamente a partir de
1970, período em que a ideia de “revitalização” do centro ganhou notoriedade37.
36
“O processo de revitalização da Luz, região central da cidade conhecida como Cracolândia, pode voltar a
caminhar no início do próximo ano. A região recebeu uma injeção de recursos da ordem de R$ 3,6 milhões,
captados da iniciativa privada pela Operação Urbana Centro, que reúne 14 entidades da sociedade civil, entre
elas autarquias e secretarias públicas e organizações não-governamentais (ONGs)”. Disponível em:
http://www.vivaocentro.org.br/noticias/clipping/2006/291106_dcomercio.pdf. Acesso: 08/05/2015.
37
Isso pode ser visto através de notícias como: Cconheça o Projeto de Revitalização da Nova Luz”. disponível em:
http://noticias.r7.com/; “plano de revitalização da nova luz começa a ser executado em 17 de junho”. disponível em:
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias; “nova luz: veja aqui o passo-a-passo da revitalização cultural”. disponível em:
http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=218133. para citar apenas três delas. acesso em: 06/04/2015.
35
É interessante notar nas propostas de intervenção, o papel dado à cultura, uma vez que
o patrimônio histórico que compõe o bairro foi muito bem aproveitado para esta finalidade.
De acordo com José (2007), as intervenções urbanas promoveram
“(...) a construção da Sala São Paulo no interior da Estação Julio Prestes
restaurada; a reforma da Pinacoteca do Estado; a restauração da Estação da Luz,
acompanhada pela instalação de um museu da Língua Portuguesa em seu interior; e
a implantação do Programa Monumenta – BID” (José, 2007, p.20).
38
De acordo com Borja (1994 apud Véras, 1999), cidades globais são cidades competitivas; elas controlam o
mercado mundial, de maneira que as decisões no âmbito globalizado e capitalista perpassam seus territórios, ou
seja, as cidades globais lançam tendências, são seguidas. No termos de Véras, “para ser competitivo, para as
bases territoriais serem eficientes, é preciso produzir algo que interesse ao mundo e que aumente o produto
global” (Véras, 1998, p. 198).
36
A abordagem analítica que aqui será feita a partir da exposição das políticas de
intervenção enfatizará o uso da cultura como cerne de tais programas, ou seja, o objetivo será
avaliar o como e por que a cultura foi utilizada para alavancar tais políticas; logo, as ações
sociais que podem ou não estar embutidas não são foco de nossa análise.
39
As políticas culturais avançaram durante a gestão do Secretário Estadual de Cultura, Marcos Mendonça.
Foram elas: “reforma da Pinacoteca do Estado (1995-1998); instalação do Complexo Cultural Estação Júlio
Prestes e Sala Sala São Paulo (1996-1999); restauração do Mosteiro da Luz e Ampliação do Museu de Arte
Sacra (1997-1999); recuperação do Jardim da Luz (1999); restauro da Igreja de São Cristóvão (1995-2002);
restauro e reforma do antigo Hotel Flórida, para sediar a Universidade Livre de Música; implantação do Museu
da Energia e restauração da Estação da Luz, com a instalação do Museu da Língua Portuguesa” (José, 2007, p .
183).
40
“Neste cenário, o poder público atua como regulamentador (ou flexibilizador da regulamentação existente), e
investe na reabilitação dos espaços públicos e na infraestrutura a fim de atrair o setor privado” (José, 2007, p.
154).
37
41
“Realizado pela equipe do escritório Rino Levi Arquitetos Associados, desenvolveu um amplo diagnóstico
técnico e o mapeamento detalhado da área, classificada na legislação de zoneamento urbano como Z8-007. Esse
estudo, encomendado pela Cogep – Coordenadoria Geral de Planejamento, órgão que antecedeu a atual Sempla
(Secretaria Municipal de Planejamento)” (Izzo Jr, 1999, p. 171)
42
O trabalho realizado em 1974 pela equipe do escritório Rino Levi Arquitetos Associados. Esse estudo,
encomendado pela Cogep – Coordenadoria Geral de Planejamento, órgão que antecedeu a atual Sempla
(Secretaria Municipal de Planejamento), p. 132.
38
43
“O projeto era composto pelos seguintes itens: a) implantação de programas e roteiros turísticos envolvendo
todos os equipamentos culturais do estado, localizados na região; b) organização do zoneamento do bairro, em
conjunto com a prefeitura; c) elaboração de um projeto gráfico de divulgação; d) algumas intervenções pontuais
de recuperação de edifícios de interesse histórico”. (José, 2007, p. 61).
44
O Projeto Luz Cultural foi elaborado pelo então Secretário da Cultura Cunha Lima e coordenado pela arquiteta
Regina Prosperi Meyer. (José, 2007).
45
“Iniciando uma ampla discussão sobre a área central da cidade de São Paulo - que compreende os centros
velho e novo, o Vale do Anhangabaú, o Parque D. Pedro II, a Zona Cerealista, e o pátio de manobras do Pari
(antiga estação ferroviária) -, a prefeitura paulistana abriu o "Concurso Nacional de Ideias Para um Novo
39
melhorias para o centro. O projeto ganhador do prêmio não foi realizado em razão de sua
complexidade que demandaria muito tempo e altos custos, pois almejava a transformação
radical da paisagem urbana (modificação de avenidas, construção de novas estações, terminais
de ônibus). Neste projeto, a estação Julio Prestes serviria de terminal para os trens que
passariam a viajar para o interior do Estado.
Contudo em 1998 o “Projeto Luz46”. Baseado em outras iniciativas outrora realizadas,
o projeto trouxe novamente o intento de recuperar a área central. Tal iniciativa possuía as
características do Projeto Luz Cultural de 1984, em virtude de “elevar a cultura como
emblema do bairro, além de pensar a reabilitação” da região por meio do restauro de prédios
históricos, da melhoria da iluminação, da construção e renovação de praças, construção de
estacionamentos; neste sentido, reabilitar o centro significa, aos olhos dos urbanistas, deixá-lo
mais organizado e menos sujo, melhorando assim as condições de circulação, além de garantir
a segurança. O Projeto Luz traz em sua gênese o conceito de requalificação que guia os
projetos do IPHAN ligados à reforma e restauro de centros históricos em cidades do Brasil.
(Izzo Jr, 1999).
A partir de 1990, a iniciativa privada passou a ser parceira do poder público no que se
refere às políticas de intervenção no centro da cidade. A recuperação está atrelada ao
planejamento urbano voltado para melhoria dos transportes, o aumento do número de
residências, melhoria da infraestrutura, possibilitando o aumento do número de transeuntes até
mesmo no período noturno (garantia de segurança). A reestruturação do centro, portanto, seria
“a dinamização da vida coletiva como forma de recuperar a urbanidade, ou seja, as relações
de convivência equilibrada entre a população e o meio (Izzo Jr, 1999, p. 143).
Diante do quadro de intensa degradação urbana, sobretudo no que se refere à
prioridade dada às grandes avenidas, que prejudicou a vida dos pedestres, o projeto Pólo
Luz47 nasce para impactar de maneira positiva a acessibilidade do bairro, a circulação dos
Centro". O edital solicitava o incentivo à diversidade funcional, a confirmação da vocação de São Paulo para
Cidade Mundial, e a garantia de um equilíbrio de acessibilidade que priorizasse o transporte coletivo sem excluir
o particular”. Projeto vencedor: dos arquitetos Martinez Correa, José Paulo de Bem e outros, 1996. Fonte:
http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo. Acesso: 20/04/2015.
46
Dentro do Programa de Reabilitação do Patrimônio Cultural, desenvolvido pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura) e destinado à requalificação de centros
históricos em cidades brasileiras com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Trata-se de
um projeto coordenado pelo DPH (Departamento de Patrimônio Histórico, órgão da Secretaria Municipal de
Cultura), em associação com o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), montado com base nos trabalhos já realizados sobre a área da Luz.
47
Dentro do Programa de Reabilitação do Patrimônio Cultural, desenvolvido pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura) e destinado à requalificação de centros
históricos em cidades brasileiras com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). (Pólo Luz,
p.138)
40
pedestres, a utilização do espaço público e dos equipamentos culturais. A Sala São Paulo e
expansão da Pinacoteca do Estado fazem parte deste projeto de renovação e requalificação do
espaço urbano.
De maneira geral, o discurso do poder público representado pelo então Secretário da
Cultura, Marcos Mendonça, a política de requalificação urbana que traz a cultura como pano
de fundo, melhora as condições de convivência dos moradores da cidade; pois há a
preocupação em afirmar que o patrimônio histórico do bairro pertence a todo o povo. E não há
outra região da cidade que possua tantos edifícios históricos. Diante disso, o reaproveitamento
desses prédios para funções culturais, foi a maneira encontrada pelo poder público de
recuperar o centro. Esse discurso sobre a importância da requalificação como caminho
fundamental para a cidade, é endossado pelos responsáveis pelas associações, ao afirmarem
que a requalificação traz benefício para toda coletividade, em razão dos planos urbanísticos
que precisam ser feitos.
O mais recente projeto intervencionista que abarca a região da Luz foi lançado em
2011, denominado Projeto Urbanístico Específico (PEU48) - “Nova Luz49” e foi desenvolvido
pela Prefeitura Municipal de São Paulo para traçar planos e metas que tangem ao espaço
público a fim de propor um desenvolvimento urbano que será consolidado até 2025. O projeto
dá ênfase às âncoras que são edifícios situação na região, como a Sala São Paulo, por
exemplo, e objetiva trazer soluções urbanísticas para o bairro tanto no âmbito público como
no privado, no sentido de fazer com que as áreas degradadas (de baixa utilização) sejam
reabitadas. O documento evidencia que é pretensão da prefeitura transformar a área num local
heterogêneo do ponto de vista da habitação, ou seja, que a Luz seja habitada por indivíduos de
todas as classes sociais.
O PUE traz uma visão clara de cidade compacta que é uma tendência mundial no que
se refere às melhorias urbanísticas. Trata-se da requalificação de uma área totalmente
construída, visando concentrar o maior número de pessoas em seu perímetro, evitando que as
pessoas se desloquem, diminuindo a expansão da RMSP. É objetivo valorizar a área através
48
Um dos objetivos do PEU é fazer que “tal incremento ocorra mantendo os atuais moradores e permitindo a
entrada de novos, criando um bairro com perfil habitacional variado a partir da possibilidade de produção de
residências para diferentes segmentos de renda. Além disso, pretende-se também diversificar os tipos de
emprego, criando espaço para alocar setores econômicos diversos, permitindo, inclusive, a instalação de
empresas a serem beneficiadas pela Lei de Incentivos Seletivos”.
49
A Nova Luz agrega um conjunto de 45 quadras que perfazem 356.417m2 de área de terreno, com
1.216.056m2 de área construída existente. O projeto prevê a demolição de 284.096m2 e a construção de
1.079.062 m2 de área construída, localizados em 191.508 m2 de área de terreno que serão renovados. Neste
momento, é importante destacar que o volume de demolição corresponde a cerca de 24% da área construída
atual.
41
50
Bourdieu define o conceito de trajetória como “a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos”. (Bourdieu, 2010, p. 292)
42
Caso contrário, a visitação aos equipamentos pode ser dar apenas de uma maneira pontual,
possibilitada por alguma circunstância desconectada da educação prévia que o agente precisa
ter para entrar em contato com uma obra de arte (Bourdieu, 2007).
A cultura como parte principal do processo destas intervenções, pode ser analisada
também por ser algo oposto daquela degradação característica do bairro, uma vez que a ela, a
menos nos termos eliasianos, é algo que promove distinção, promove a diferenciação plena do
que vimos nas ruas, ou seja, é preciso esconder o degradante, o feio, o fétido, e abrir as portas
para a civilização na qual a cultura é o principal instrumentalizada.
É preciso destacar aqui a diferenciação que há entre a requalificação da cidade
traduzida como a intenção de propiciar aos habitantes um local não deteriorado do ponto de
vista da estética, da higiene, da facilidade de trânsito, da segurança; da outra dimensão que
fora dada aos projetos desde o início das tentativas de requalificação nos anos 1970 que foi
dar enfoque à cultura, que figuraria como a grande responsável pela transformação dos
arrabaldes da Luz. Embora haja a oferta de equipamentos culturais, isso não necessariamente
significa que os agentes sociais irão revisitá-los e passarão a apreciar as expressões artísticas
de modo automático. Como já afirmou Bourdieu, não é a falta de equipamentos culturais que
afasta algumas frações de classe da arte legítima, mas sim, a disposição que não foi introjeta
ao longo de sua trajetória.
Desse modo, por mais que um equipamento, como a Sala São Paulo, por exemplo,
esteja de portas abertas para receber o público, isso não significa que a visitação será de fato
efetivada. Diante disso, o funcionamento da Sala São Paulo será analisado com o intuito de
avaliarmos o quanto seus programas educacionais podem ser uma das pedras fundamentais da
esperada “transformação pela cultura” pensada pelas propostas. Obviamente todos os outros
equipamentos culturais desenvolvem seus programas de inclusão, sobretudo a inclusão de
crianças e adolescentes por meio de parcerias com as escolas, contudo, nosso estudo se
restringirá ao que ocorre na sala de concertos instalada na Estação Júlio Prestes desde 1999.
43
Essa frase introduz o presente capítulo por sintetizar a impressão bastante difundida
sobre música erudita e a frequentação de um concerto, pois, grosso modo, os agentes sociais
detentores de pouco capital econômico, escolar e social veem esta disposição como algo
inacessível por tratar-se justamente de um dispositivo de diferenciação de classe social.
Ademais, há a disseminação no imaginário social de que é preciso conhecer minimamente
este gênero musical para apreciá-lo. Dessa forma, a Sala São Paulo para quem não a conhece,
é um lugar simbolicamente distante, sobretudo na vida daqueles agentes que não tiveram o
gosto “puro” engendrado desde a infância.
Nesta perspectiva, este capítulo tenta abranger os elementos que compõem este campo
artístico, além de fazer um panorama histórico da Sala São Paulo, bem como da
reestruturação da Osesp, haja vista que ambas “reconstruções” estão imbricadas, pois sem
condições apropriadas de infraestrutura, a Osesp talvez não seria reconhecida hoje como uma
das melhores orquestras sinfônicas do mundo. Também serão feitas considerações acerca do
desenvolvimento da música de concerto no mundo, da formação das orquestras sinfônicas,
bem como sobre o repertório que a Osesp e outras orquestras executam durante o ano. Num
primeiro momento, o foco será dado à Sala São e ao prédio que a abriga – a antiga estação de
trem Sorocabana, contudo, a ênfase maior será dada às características que compõem o mundo
da música de concerto, já que se trata de um campo não muito difundido.
É pertinente lembrar que a restauração da Sala São Paulo foi um dos resultados dos
projetos iniciados nos anos 1998. Projetos que transformaram a região da Luz num polo
cultural, especialmente a partir da gestão de Mario Covas. De acordo com Talhari, Silveira e
Puccinelli (2012)52, “a ideia de consolidação de um polo cultural nesta região surgiu com o
Projeto Luz Cultural e se efetivou nos anos 1990 através de investimentos estaduais”; este
projeto foi o pioneiro dentre aqueles que utilizam a “cultura” como forma de requalificar a
região (Meyer; Izzo Jr, 1999). Dentro deste contexto de políticas públicas de diminuição da
51
Parte de uma entrevista realizada com uma funcionária da Sala SP. A entrevistada forneceu informações
acerca dos projetos educacionais da Osesp, e falou sobre a necessidade de “educar” os frequentadores. Data da
Entrevista: 04/11/2014.
52
Segundo esses autores, os locais culturais da região da Luz mostram a “vocação cultural” proposta pelas
políticas de revitalização que enfatizam o uso da cultura. A ideia geral da “revitalização” da Luz é retomar a aura
cultural que foi perdida através da degradação que a região sofreu.
44
degradação do espaço urbano utilizando a cultura como carro-chefe, a Sala São Paulo junto
com outros equipamentos – Pinacoteca do Estado, Museu da Língua Portuguesa, Estação
Pinacoteca, Museu da Resistência – são chamados de “âncoras culturais”, isto é, espaços que
estão geograficamente próximos e que, apesar de distintos do ponto de vista de sua função
específica, convergem na disseminação de uma cultura que podemos denominar como
“legítima”. Nesta perspectiva, Ohtake (2000) também afirma que alguns equipamentos
culturais, especialmente os museus passaram, a partir do século XVIII, a ter grande
importância para as grandes cidades em razão de propiciarem o desenvolvimento do setor de
serviços, tendo em vista “a globalização da atual fase capitalista” (Ohtake, 2000, p. 111). Na
mesma linha de raciocínio, Arantes (2011) também afirma:
“A cultura, ao mesmo tempo que “ancora” os negócios privados, aparece
como um investimento democrático e universal (não classista) e, assim altamente
consensual [...] quem seria contra uma sala de concertos? [...]” (Arantes, 2011, p.
21).
Uma das primeiras impressões que qualquer visitante do bairro da Luz tem é o contato
com a beleza da arquitetura dos prédios históricos. Beleza que pode ser vista de longe,
sobretudo à noite, quando a Sala São Paulo e a Estação da Luz estão iluminadas. As duas
construções, por certo, formam um cartão postal da capital paulista.
A transformação da região da Luz, conforme alguns estudos, teria sido impulsionada
pelo “consumo cultural das camadas mais altas” (Talhari, Silveira e Puccinelli, 2012, p.12),
Embora seja evidente, que pelo menos na Sala São Paulo, a frequentação seja realizada,
grosso modo, pelas classes mais altas, há também um público detentor de menor capital
(econômico e cultural) que passou a frequentar este espaço em função de um espectro de
fatores que no decorrer da pesquisa iremos tratar. Desde já, posso elencar alguns: os
programas educativos; as parcerias com as ONGs; a frequentação a cultos e o aumento do
grau de escolaridade, por exemplo, vão de encontro à visão de que apenas as elites frequentam
os equipamentos culturais, especialmente uma sala de concertos.
Um breve histórico da Sala São Paulo e da Osesp se faz necessário não apenas para
contextualizar meu objeto de estudo, mas também para mostrar a relevância que as ferrovias
tiveram para o desenvolvimento da cidade de São Paulo no sentido não só econômico como
também simbólico, haja vista que tanto a Estação da Luz como a Estação Sorocabana
representam o desenvolvimento econômico da elite paulista cafeeira e denotam um estilo de
vida nascente a partir do “progresso” advindo dessa riqueza. Há um elo expressivo entre a
45
sociabilidade das camadas mais privilegiadas e a construção da Sala São Paulo em virtude da
significação que uma sala de concertos tem para tal público e devido à representatividade de
um estilo de vida, isto é, a prática de concertos ainda é algo característico de frações de classe
mais cultivadas. Os grandes salões também são lugares propícios para os agentes sociais
serem vistos por seus pares, de modo que a frequentação pode lhes reservar prestígio social.
Em outras palavras, a revalorização deste patrimônio histórico pretende retomar os tempos
áureos que viu a cidade e sua elite ascenderem.
Sabe-se que em todo mundo ocidental, em meados do século XIX, as ferrovias formaram
um modelo viário que impulsionou o desenvolvimento capitalista, o que passaria a representar
o progresso das nações. O Brasil, apesar de não ter nacionalizado este tipo de transporte,
como a Argentina, por exemplo, foi um dos pioneiros53 neste ramo, com o intuito de escoar
com mais dinamismo seus produtos de exportação. Neste contexto, a Estrada de Ferro
Sorocabana54 surgiu após a expansão da primeira ferrovia – a Companhia São Paulo Railway,
inaugurada em 1868. (Borges, 2011). Segundo o autor, “a história nos revela que as vias
férreas sempre estiveram sob a tutela do poder de Estados ou de grupos econômicos, e
serviram de elemento modernizador e civilizador, segundo os interesses dominantes” (Borges,
2011, p. 28). É interessante notar que a preocupação com um processo civilizatório é algo que
se faz presente quando falamos no desenvolvimento das cidades, bem como de uma casa de
concertos ou um polo cultural. A ideia de civilização envolve a região, seja com os trens de
outrora, seja com os equipamentos culturais de hoje, pois como aponta Arantes, “a
recuperação do último grande edifício da República Velha, não só mediante o restauro, mas
pelo uso nobre que atualmente abriga, representa simbolicamente o resgate da história de
hegemonia e da autoestima da burguesia paulista” (Arantes et al, 2001, p. 7).
O estilo de vida dominante esteve presente no edifício Júlio Prestes desde a concepção
do projeto, uma vez que a estação de trem foi projetada para diferenciar os passageiros em
classes distintas. No projeto original, havia um declive contrapondo o embarque e
53
“A Era Ferroviária brasileira havia iniciado antes. Em 1852, o governo imperial instituiu uma legislação de
transporte que arcaria o início das construções ferroviárias no país. A lei n. 641 foi uma resposta às novas
condições econômicas internas e externas que exigiam a melhoria das comunicações terrestres. A legislação
estabelecia concessões e favores sólidos para as companhias ferroviárias com objetivo de atrair capitais
nacionais e estrangeiros para o setor, tais como privilégios de exploração da zona cortada pelas linhas e garantia
de juros acima de 5% ao ano para os investimentos ferroviários”. Matos (1974, p. 49 apud Borges, 2011).
54
“A ferrovia inglesa serviu de base para a expansão dos trilhos no Sudeste do país. Outras companhias paulistas
de transportes organizadas, na época, fariam conexão com a São Paulo Railway. O poder público e a iniciativa
privada investiram pesados no setor, visando estender as linhas de ferro aos mais distantes centros produtores de
café do interior da Província. Entre as ferrovias implantadas no século XIX que acompanharam a onda verde do
café no Sudeste, destacaram a Companhia Paulista, a Estrada de Ferro Sorocabana e a Companhia E. F.
Mogiana”. (Borges, 2011, p. 31).
46
desembarque dos passageiros de primeira e segunda classes. No caso da Sala São Paulo,
chama a atenção a divisão que há entre um dos salões e as plataformas da estação de trem.
Através de uma parede de vidro blindado, pessoas de diferentes níveis sociais ficam próximas
umas das outras, contudo o vidro é mais que uma barreira física, pois é, sobretudo, uma
barreira simbólica que separa os diferentes estilos de vida. A diferenciação social é ainda mais
agravada pelo fato de se tratar de um prédio público que tacitamente restringe o acesso
àqueles que não são portadores de capital simbólico e que, portanto, não têm o passe livre
para estar ali.
Assim como a Estação da Luz, a Estação Júlio Prestes55 conheceu uma São Paulo em
ascensão econômica. A estação também fez parte de uma das políticas de valorização do
centro da cidade, que culminou na “consolidação de um polo cultural expressivo, conectado
aos grandes centros do circuito internacional de música, museus e artes plásticas” (Izzo Jr,
1999, p. 37). O complexo Júlio Prestes onde funciona a Sala São Paulo, a Secretaria de Estado
da Cultura e a estação de trem da CPTM – Júlio Prestes foi construído em meados do século
XX, mais precisamente de 1926 a 1938 pela Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Seu
estilo arquitetônico é o denominado “Luis XVI56”. As flores de café desenhadas nos pisos e
nos vitrais fazem alusão à época de crescimento econômico dado pela monocultura. O jardim
de inverno (construído especialmente para a primeira classe) é outro elemento físico que dá
vida a uma das grandes salas de concertos do mundo em razão de seu formato de “caixa de
sapato”, ao permitir que o som seja reverberado perfeitamente segundo as leis da engenharia
acústica.
O projeto de reforma e restauração, que custou R$ 44 milhões57, ganhou notoriedade
mundial devido à complexidade técnica empregada. A Sala São Paulo, que recentemente foi
considerada uma das 10 melhores salas de concerto do mundo58, também comporta a sede da
Orquestra Sinfônica de São Paulo – Osesp, já que um dos objetivos da Secretaria da Cultura,
55
Em 15 de outubro de 1938, doze anos após o início de suas obras, foi finalmente inaugurada a Estação Júlio
Prestes, um monumento exemplar da École de Beaux-Arts, temporão artístico na cidade que então crescia
vertiginosamente moderna. Com o nome de Estação Inicial da Estrada de Ferro Sorocabana, balizava como hoje,
em conjunto com a torre da Estação da Luz, o eixo ferroviário que corta a cidade ao norte de seu centro histórico
(Izzo Jr, 1999, p. 37)
56
“A arquitetura baseia-se em simetria, unidade, equilíbrio e ritmo, regidos por estilos históricos e a escolha do
“estilo Luiz XVI simplificado”. Disponível em: http://www.galeriadaarquitetura.com.br/. Acesso em: 28/8/2015.
57
“O projeto arquitetônico, desde a sua elaboração até a conclusão da obra, consumiu R$ 44 milhões”. Revista
Vitruvius. Disponível em: www.vitruvius.com.br. Acesso em: 04/04/2015.
58
“Sala São Paulo é uma das dez melhores do mundo” – 07/03/2015. Disponível em: http://www.dci.com.br/
Acesso em 31/03/2015; “Jornal 'The Guardian' inclui Sala São Paulo entre as 10 melhores do mundo”.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada. Acesso em 31/03/2015.
47
bem como de Jonh Neschling59, era dar à Orquestra condições para alcançar padrões
internacionais, Assim, pode-se dizer que o sucesso da Osesp está intrinsecamente relacionado
à construção da Sala São Paulo.
O prédio também comporta outras salas, pois há a sala dos músicos, o restaurante, o
café, a loja, os banheiros, enfim, o complexo Júlio Prestes foi construído de forma a atender
padrões internacionais não só no que diz respeito à excelência musical, como também no que
se refere à eficiente infraestrutura arquitetônica. Dessa maneira, “o projeto da Sala São Paulo
é um exemplo vivo no qual acústica e arquitetura fundem-se num único corpo que é a própria
sala. Tudo é acústica e tudo é arquitetura60”. É importante ressaltar que a obra foi desafiadora
também por se tratar de um edifício tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat.
Foi notório o peso das decisões políticas no processo de escolha do local, uma vez que
em consonância com as obras de renovação do centro da cidade bem como a influência da
Associação Viva o Centro na tomada de decisões dos projetos de requalificação urbana, a
escolha do prédio da Júlio Prestes não se deu ao acaso, pois a área da Luz já era um local
contemplado por um complexo cultural. A obra de estreia “Sinfonia nº2 – Ressurreição61, de
Gustav Mahler foi uma alusão não só ao renascimento da Osesp, mas também da região.
Segundo reportagem da época “(...) a Sala São Paulo inaugura também o momento de
ressurreição de toda a região da Luz62”, ideia propagada pelos idealizadores dos projetos de
intervenção e pelo poder público, como já foi citado anteriormente (Izzo Jr,1999).
O discurso justificador da fundação da própria Sala São Paulo foi alicerçado na
premissa de democratização do acesso à música erudita, conforme fala de Fernando Henrique
Cardoso, presidente de honra do Conselho da Fundação Osesp63. Esse discurso também fora
assumido por Izzo Jr (1999, p. 80), pois para ele, a Sala São Paulo “para a cidade, significa
refinar e ampliar o público voltado para a música erudita”. Adotando estas afirmações como
59
Como mostra o trabalho de Souza, Gabriela G. “A reestruturação da Orquestra Sinfônica de São Paulo: da
entrada de Jonh Neschling à Fundação Osesp – 1997 a 2008. Unifesp, 2014. O trabalho avalia a importância do
maestro na reestruturação da orquestra. “No caso Osesp, os maestros – Eleazar de Carvalho, John Neschling e
Roberto Minczuk (regente associado) - foram agentes fundamentais para a continuidade da orquestra” (Souza,
Gabriela, 2014, p. 13).
60
Palavras de José Augusto Nepomucemo, Consultor de acústica do projeto de restauro e readequação da Sala
São Paulo. Disponível em: http://www.salasaopaulo.art.br/. Acesso em: 04/04/2015.
61
“Localizada no antigo saguão da estação de trem Júlio Prestes, a Sala São Paulo foi inaugurada no dia 9 de
julho 1999 com a apresentação da sinfonia 'A Ressurreição', de Gustav Mahler, executada pela Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo. Os R$ 44 milhões empregados pelo governo estadual na sua reconstrução
trouxeram para a cidade uma das melhores salas de concertos do mundo”. Disponível em:
http://acervo.estadao.com.br/noticias. Acesso em: 04/04/2015.
62
Noticiado em http://www.cidadedesaopaulo.com/. Acesso: 04/04/2015.
63
www.salasaopaulo.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
48
um ponto crucial a ser analisado, a frequentação da Sala São Paulo, particularmente, seus
programas educacionais também serão aqui avaliados a fim de compreendermos o grau de
inclusão e/ou exclusão das classes populares neste projeto. Como indica nossa hipótese,
baseada em Bourdieu, aparentemente tal equipamento é algo de uso quase exclusivo das
classes dominantes, dada a relação construída entre as elites e a arte legítima ao longo da
história moderna.
Esta pesquisa se baseia na ideia de que, apesar dos esforços da Sala São Paulo de
vender a imagem de um espaço cultural democrático, sobretudo no que diz respeito à
formação de espectadores, apreciadores da arte legítima64, a Sala não conseguiu até o presente
se democratizar, uma vez que há fatores simbólicos que impedem ou limitam o consumo ou a
frequentação de um ambiente como esse e que não são levados em consideração. As
intervenções de requalificação urbana (no que se refere a oferecer a cultura para todos os
agentes sociais) adaptam-se a uma estratégia de política pública – no sentido de colocar a
cultura acessível do ponto de vista econômico aos “cidadãos”, sem, no entanto, considerar os
fatores que engendram o gosto cultural dos agentes culturais, uma vez que tal gosto está
intimamente ligado à classe social que gradativamente inculca as disposições, especialmente
as disposições estéticas de acordo com a trajetória individual (Bourdieu, 2001a).
A leitura que faço a respeito do projeto de renovação da Sala São Paulo diz respeito à
noção de “cultura”, que está diretamente ligada à necessidade de reprodução da “cultura
europeia”, uma cultura que remonta ao século XVIII, já que “atualmente as cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro, pela posição do país no sistema internacional, ainda continuam
importando fórmulas e modelos originados ou nos Estados Unidos ou na Europa” (Ohtake,
2000, p. 111). Se considerarmos tal cultura como parte de um “processo civilizatório”, tal
como a concebe Norbert Elias, a ida a um concerto está associada a indivíduos ou grupos
sociais que exprimem sua posição social de maneira mais discreta, sem espontaneidade, pois
está em questão a contenção dos instintos e ao mesmo tempo a expressão do requinte de
forma natural. Diante desta perspectiva e considerando a afirmação bourdieusiana de que a
ida a um concerto é uma das mais distintivas práticas das elites (Bourdieu, 2011a), analisarei a
frequentação da Sala São Paulo para verificar se essa prática se conecta e/ou engendra outras
disposições estéticas dominantes. A partir deste tipo de visão, entende-se o prestígio conferido
não apenas pela frequentação à Sala São Paulo, mas a tudo o que ela representa, no sentido de
64
“A cultura erudita organiza-se basicamente em relação a um sistema de obras culturais que lhe servem de
apoio e expressão e a cultura popular, por sua vez, é privada das objetivações que definem a cultura erudita”.
(Bourdieu, 2011b, p. 221 e 222).
49
Fonte: http://www.ufrgs.br
65
Reportagem contida em: www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac11079901.htm. Acesso em 25/08/2015.
66
“Cada naipe é composto por diferentes grupos de instrumentos (frequentemente chamados também de naipes).
O tamanho de uma orquestra sinfônica pode variar, de acordo com a época e o estilo da obra, mas os
instrumentos que tocam quase invariavelmente em obras orquestrais, desde o final do período clássico,
são: Madeiras – flautas (2), oboés (2), clarinetes (2) e fagotes (2); Metais – trompas (2 a 4), trompetes (2 a 4),
trombones (3) e tuba (1); Percussão– tímpano; Cordas – violino I, violino II, viola, violoncelo e contrabaixo”.
(Adami, 2012). Fonte: http://www.ufrgs.br. Acesso em: 20/12/20105.
50
67
Essa questão também é importante em outro sentido: alguns dos informantes se sentem seguros – em razão de
sua posição legítima no campo artístico – para corrigir a pesquisadora. Questão essa que foi desenvolvida na
introdução à pesquisa.
68
“Com essa bagagem cultural transplantada da Europa para cá, os portugueses se surpreenderam ao descobrir
no Rio de Janeiro um compositor mulato que não tinha nenhuma relação com a Europa, a não ser seu próprio
interesse de formação: Padre José Maurício. Considero sua Sinfonia Fúnebre, composta em 1790, a obra
inaugural da música sinfônica brasileira”. (Rodrigues, 2003, p. 9)
69
Neste tempo, as músicas eram tocadas pela Orquestra Capela Imperial – “extinta em 1831 e reativada em
1843”. (Rodrigues, 2003, p. 10).
51
dependência do capital financeiro, pois em geral quanto maior o capital privado investido
numa orquestra, menor a dependência em relação ao financiamento estatal, o que permite que
a orquestra tenha maior autonomia em relação à vida política. Todavia, apesar da dependência
financeira da Osesp em relação ao poder público, ela alcançou e mantém um padrão
internacional de qualidade (Gall, 2000). As orquestras, portanto, dependem muito dos
mantenedores públicos e privados, conforme a afirmação abaixo:
“Para que as orquestras no Brasil passem a fazer música brasileira
regularmente será necessário um esforço político. Será necessário que os principais
interessados pela questão, os compositores, pressionem de alguma forma as
instituições que estão por trás das orquestras”. Harry-Crowl – presidente da
Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, em entrevista à revista Textos do
Brasil, nº12.
70“Beethoven foi um compositor erudito alemão do período de transição entre o Classicismo (século XVIII) e o período
Romântico (século XIX)”. Disponível em http://www.portaledumusicalcp2.mus.br. Acesso em 19/03/2016.
52
71
GAMA, Nelson. Introdução às Orquestras e seus instrumentos. São Paulo, Britten, 2005.
72
Entrevista concedida pelo presidente da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea à revista nº12 “Textos
do Brasil” patrocinada pelo Ministério das Relações Relações Exteriores.
73
Além da criação orquestra, o Monumento às Bandeiras, o obelisco Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de
1932, a nova Catedral da Sé e a restauração do Pátio do Colégio também fizeram parte da comemoração do
quarto centenário da cidade. www.osesp.art.br. Acesso em 23/10/2015.
53
qualidade do trabalho como um todo. Em seus primórdios, em 1953/54, a orquestra não foi
muito requisitada. Apresentou-se apenas quatro vezes, além da estreia no Theatro Municipal
em 18/07/1953. Somente em 1964, conduzida pelo então regente Bruno Roccella, a Osesp foi
“recriada”74 e viveu quatro anos de atividade intensa. No entanto, a orquestra voltou à inercia
entre 1967 e 1973, quando o maestro Eleazar de Carvalho assumiu sua regência, mas foi
apenas em 1978 que a orquestra recebeu o nome de Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo e passou a realizar temporadas no Teatro Cultura Artística. Apesar dos esforços de
Eleazar de Carvalho, somente a partir da efetiva reestruturação da orquestra, que ocorreu em
1997, a Osesp ganhou notoriedade mundial, em virtude da viabilização dos trabalhos pelo
poder público.
Segundo alguns estudos, a renovação da orquestra ocorreu a partir de 1996 com a
contratação do músico, regente e diretor artístico de renome internacional, John Neschling
(Gall 2000; Gasparotto, 2014). Para aceitar o convite do então secretário da Cultura de São
Paulo, Marcos Mendonça, o futuro diretor artístico da Osesp fez as seguintes exigências: “(1)
construção de uma sala de concertos permanente; (2) triplicar o salário dos músicos e; (3)
através de concurso público, elevar o nível pessoal da Orquestra” (Gall, 2000, p.5) A
despeito das difíceis condições econômicas pela quais os cofres públicos do governo do
Estado passavam, o projeto de renovação da Orquestra foi aceito pelo então governador,
Mario Covas.
A Osesp e a Sala São Paulo são administradas pela Fundação Osesp75, que é uma
Organização Social76, presidida desde a sua fundação pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. A Fundação Osesp – criada em 2005 – é uma instituição de direito privado, sem fins
lucrativos, e que possui autonomia na área administrativa, operacional e financeira77. Um dos
objetivos da fundação é exatamente “realizar eventos e/ou ações educacionais para adultos,
jovens e crianças” (Arruda, 2010), como também garantir a “formação de plateias”.
74
Com um contingente de 81 músicos, entre os quais Benito Juarez e José Eduardo Gramani, a orquestra
apresentou-se pelo menos 22 vezes na capital e 38 vezes no interior do estado. www.osesp.art.br. Acesso em
23/10/2015.
75
“Organização Social da Cultura, mantém contrato de gestão com a Secretaria da Cultura do Estado de São
Paulo para a manutenção da Osesp, a Sala São Paulo, o Coro da Osesp, os coros Infantil e Juvenil da Osesp, a
Academia da Osesp, a Editora “Criadores do Brasil” e o Centro de Documentação Musical ‘Maestro Eleazar de
Carvalho’”. Disponível em: http://www.fundacao-osesp.art.br/. Acesso em: 05/04/2015.
76
A lei das Organizações sociais do Estado de São Paulo estabelece que entidades privadas portadoras de
determinadas características, sem finalidade de lucro, poderão ser qualificadas, pelo governador do Estado como
organizações sociais da Cultura ou da Saúde.
77
Apesar de sua autonomia, a fundação Osesp presta contas para: Secretaria de Estado da Cultura; Comissão de
Avaliação das Organizações sociais; Secretaria de Estado da Fazenda; Tribunal de Contas do Estado; Ministério
Público do Estado de São Paulo e Curadoria de Fundações. (Arruda, 2010, p. 18).
54
78
Informação contida na explicação sobre o Programa “Osesp Itinerante”. Disponível em
http://www.osesp.art.br/paginadinamica.aspx?pagina=osespitinerante. Acesso em 19/03/2016.
79
“Nas oficinas, os alunos aprendem a tocar instrumentos de cordas (contrabaixo, violino, viola e violoncelo),
sopros (flauta transversal, oboé, clarinete, trompa e fagote) e metais (trompete, trompa, trombone e tuba).
Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
80
A Osesp conta com o patrocínio da Lei de Incentivo à Cultura, Banco do Brasil e Mafre Seguros; E com a
correalização do Sesc e do Ministério da Cultura. Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
81
Programa dividido em três etapas: Formação de Professores; Formação de Público e Atividades na Osesp
(contato com os músicos e instrumentos e gincanas). Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
55
82
Programa muito procurado e disputado, o “Passe Livre” é um programa recente que dá oportunidade a
estudantes universitários a chance de assistir aos concertos de todas as programações gratuitamente. É preciso
fazer um cadastro no site da Osesp e aguardar os informes da disponibilidade por e-mail.
83
Qualquer criança pode ingressar no Coro Infantil. O grupo reúne meninos e meninas, em sua maioria sem
formação musical anterior, para aulas de solfejo, percepção musical, técnica vocal, contato com outros idiomas,
além da oportunidade de se apresentar ao lado da Osesp na Sala São Paulo, em grandes obras do repertório coral-
sinfônico. A idade estabelecida para inscrição no Coro Infantil da Osesp é de 8 a 13 anos, para meninas, e de 8 a
12 anos, para meninos. Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
84
Diogo, Fernanda S. “A importância do capital escolar na formação do gosto musical”. Unifesp, 2012, op. cit.
85
Neste contexto, Bourdieu, afirma que “a relação entre gostos varia necessariamente segundo as condições
econômicas e sociais de sua produção, por um lado, e, por outro, os produtos que, por intermédio desses gostos,
recebem suas diferentes identidades sociais”. (Bourdieu, 2011a, p. 96).
56
(1999), que evidenciou que os estudantes de música em sua maioria pertencem às camadas
mais privilegiadas da população. Apesar de tais tendências, os projetos educacionais da
Osesp, sobretudo aqueles voltados às crianças de todas as classes, visam transpor, mesmo que
de maneira embrionária, essas condições, ao permitir que o maior número de crianças seja
atendido em tais programas, formando assim, um público e ou profissionais (no caso do Coro
e da formação musical) independentemente de sua origem social. Esses programas podem ser
considerados uma tentativa de minimizar a tendência de que o público de concertos está
envelhecido, conforme apontam não só minhas observações empíricas feitas durante a
pesquisa na Sala São Paulo, como também uma pesquisa recente86 feita na França, que
concluiu que as salas de concerto precisam inventar maneiras de atrair um público mais
jovem. Num contexto mais específico de formação profissional, foi criada a “Academia de
Música da Osesp87” devido à escassez de músicos aqui no Brasil, o que denota que a
formação musical e o gosto por música erudita no Brasil ainda é incipiente.
Os Concertos Matinais são aqui classificados como concertos didáticos, uma vez que
verifiquei seu caráter pedagógico em quase todos os concertos, o maestro assume o papel de
“educador” ao explicar a obra que será executada. Verificamos também que os tipos de obra
executados nos Matinais são mais populares. As apresentações são muito variadas, tanto do
ponto de vista da composição estética (popular ou erudito88), quanto pelo tipo de banda ou
orquestra89. Em comparação aos Matinais, os concertos realizados em outros dias e horários,
que denomino concertos de horário nobre, o único momento de aprendizagem se dá no
Programa Falando de Música. Esses concertos são pagos e a Osesp ainda criou uma série
personalizada90, na qual o frequentador mais assíduo pode comprar ingressos para toda a
temporada. Os concertos noturnos e vespertinos são muito diferentes dos Matinais com
relação ao comportamento do público e ao repertório, conforme vamos analisar no capítulo 4.
Isso se deve a alguns motivos principais. Em primeiro lugar porque a ideia de democratização
86
Le Renouvellement des publics de la Musique Classique. Disponível Em:
http://www.francemusique.fr/emission/le-dossier-du-jour/2014-2015/le-renouvellement-des-publics-de-la-
musique-classique. Acesso em: 22/01/2015.
87
Com treinamento de prática coral, orientações técnicas e realização de ensaios e apresentações junto ao Coro
da Osesp, os alunos vivenciam e participam do dia a dia de um coro profissional.
88
O distanciamento da arte “legítima” em relação à arte “popular” segue os ditames das diferenciações sociais
eternizadas pelos conflitos de classe. A grande diferença entre a arte legítima e arte popular é que a primeira é
mais formal e exige uma postura mais contemplativa, ao passo que a outra é capaz de fazer o público se envolver
com ela de maneira mais informal e desatenta, pois sua função é a de coesão do grupo e não a de contemplação
do indivíduo. (Bourdieu, 2001a)
89
Orquestra Jovem do Estado, Filarmônica Bachiana Sesi – SP, Banda Sinfônica do Estado de São Paulo,
Orquestra Sinfônica de Santo André, Orquestra Sinfônica de Santos, entre outros.
90
O assinante pode adquirir um série personalizada de concertos escolhendo o mesmo número de ingressos pelo
menos três concertos da Temporada Osesp. Disponível em: 08/052015. Acesso em: 05/04/2015.
57
da cultura erudita dos Concertos Matinais e do Programa Descubra a Orquestra implica contar
com um público formado por instituições convidadas91, pois tais instituições fazem a
intermediação entre as classes populares e a Sala São Paulo. E o Programa Descubra a
Orquestra também é de extrema importância porque insere os alunos, em especial os alunos
da rede pública, no mundo música erudita e dá condições de reprodução deste ensinamento ao
formar os professores que acompanham a turma.
Em virtude da variedade de programas educacionais, a tabela abaixo visa a melhor
compreensão de seus objetivos.
Quadro 2 - Programas Educacionais da Osesp
91
As instituições convidadas são: AACD, Casa Hope, EMESP Tom Jobim, Santa Marcelina, Projeto Guri,
Fundação Gol de Letra, Lara Mara, Pastoral da Criança, Instituto Bacarelli, Fundação Abrinq, Save Children,
GURI.
58
92
Os ingressos são disponibilizados a partir da segunda-feira anterior ao concerto e são limitados a quatro por
pessoa. A partir de cinco ingressos, é cobrado o valor de R$ 2,00 por ingresso também limitados a quatro por
pessoa. No dia do concerto, havendo disponibilidade, a distribuição de ingressos ocorre a partir das 10 horas,
limitando a um ingresso por pessoa. Já os ingressos dos concertos no horário vespertino e noturno que ocorrem
de quinta a domingo, variam de R$ 45,00 a 178,00, de acordo com o lugar escolhido. Disponível em:
www.osesp.art.br. Acesso em 05/04/2015.
93
Para Bourdieu, “Os estilos de vida são um conjunto de práticas de um agente – ou do conjunto dos agentes
que são o produto de condições semelhantes (...) e, ao mesmo tempo, sistematicamente distintas das práticas
constitutivas de um outro estilo de vida”. (Bourdieu, 2011a, p. 163).
94
Botelho, Isaura. Pesquisa do CEM – CEBRAP: “Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um
desafio a gestão pública”.
59
Ao longo deste trabalho, sobretudo a partir da pesquisa etnográfica feita aos domingos
nos concertos matinais, como também nos concertos realizados em outros horários (de quinta
a sábado) verifiquei que há uma diferenciação entre os repertórios apresentados. A partir de
uma entrevista informal com um funcionário da Osesp e também através da interpretação que
fiz dos objetivos da Sala São Paulo como um todo, percebi que há uma preocupação
institucional de formar (no sentido de educar) o público que não conhece todos os meandros
que envolvem a apreciação da música de concerto, bem como a frequentação de um ambiente
cultural altamente elitizado.
Assim, o repertório dos concertos matinais é variado e mais próximo do público
“leigo”. De acordo com o funcionário entrevistado da Osesp, diferentemente do que ocorre na
Hungria, país onde a música “clássica” faz parte da vida dos indivíduos desde seu nascimento,
aqui no Brasil, como se trata de um tipo de música não muito difundido, é preciso preparar o
público através da educação musical, uma vez que um espectador não habitué, não digere tão
facilmente um concerto, sobretudo se o concerto tiver longa duração, como acontece nos
concertos de horário nobre. Diante disso, os concertos matinais são mais curtos, têm em
média duração de uma hora isso, segundo o entrevistado, promove a “educação” gradual do
público que não é muito familiarizado com este tipo de evento. Diante disso, podemos dizer
que a música erudita, que é considerada uma arte “pura”, perpetua um distanciamento entre
seus apreciadores e a sociedade “comum”, pois para gostar desta expressão artística o agente
por si só já se diferencia dos demais, tendo em vista que ele pertence ao mundo dos poucos
(de sua classe) que cultivaram esta prática desde cedo. (Bourdieu, 2011a).
Dentro deste contexto, destacarei o repertório dos concertos matinais realizados em
2015 para analisar a forma como a qual os matinais são pensados, ou seja, de que maneira o
60
Podemos avaliar que o repertório dos matinais é pensado para atrair um novo público,
pois o gênero musical predominante é algo entre o popular e o erudito, haja vista as
apresentações da Banda Sinfônica do Estado e da Jazz Sinfônica. Destaque para gêneros
como o maxixe, o samba, o frevo, a MPB, o chorinho. Ora, tais gêneros ocupam posição
hierárquica intermediária entre o puro “popular” e o puro “clássico” – principalmente quando
tocados na Sala São Paulo, que tem por função enobrecer a música que difunde. Músicas
criadas por autores, como no “clássico”, mas com harmonias, melodias e ritmos provenientes
da música popular, tem aqui por função fazer uma ponte entre as referências musicais do
público neófito e o tratamento formal de uma orquestra. Além disso, durante as apresentações
dos matinais é notório ver as pessoas se divertindo, praticamente dançando, ou seja,
conectando o corpo à música através do ritmo, um tipo de comportamento “corporal” que não
caberia num concerto convencional. Ao falar sobre música de concerto, não pude deixar de
analisar as diferenças que Bourdieu (2011a) faz entre e a arte legítima95 e arte popular96. O
distanciamento da arte “legítima” em relação à arte “popular” segue os ditames das
diferenciações sociais eternizadas pelos conflitos de classe. Assim, a arte pura, em certos
momentos chamada a “a arte pela arte”, tem uma preocupação apenas com a forma e não com
a repercussão que ela pode ou não oferecer para grupos ou instituições com interesses
95
É preciso ressaltar que desde o Renascimento que a arte pura é aquela que foge de tudo o que é humano, pois
ela não pode despertar emoções, sentimentos, já que se separa daquilo que é palpável às pessoas comuns há,
portanto, uma veemente oposição e porque não dizer um repúdio à estética popular por parte da visão erudita.
Porque a arte legítima pode “rejeitar o ‘humano’ e, evidentemente, rejeitar o que é genérico, ou seja, comum...”
(Bourdieu, 2011a, p. 35), assim, a arte pura se torna algo inacessível e de difícil compreensão.
96
A arte popular, por sua vez, é aquela com a qual seu público se identifica, diverte-se, vê-se representado, ou
seja, ela se baseia na “continuidade da arte e da vida, que implica a subordinação da forma à função, ou, se
preferirmos, na recusa da recusa que se encontra na própria origem da estética erudita, ou seja, o corte radical
entre as disposições comuns e a disposição propriamente estética”. (Bourdieu, 2011a, p. 35).
65
“mundanos” ou “comerciais”. Este tipo de arte se distanciou das emoções ao longo da história
e não faz menções nem analogias ao que é mundano, de maneira que, como afirma Bourdieu,
“o olhar puro implica uma ruptura com a atitude habitual em relação ao mundo que, levando
em consideração as condições de sua plena realização, é uma ruptura social.” (Bourdieu,
2011a, p. 12). A intenção dos Matinais é, portanto, encontrar alguns pontos de comunicação
entre os dois universos para que seja possível preparar o público não cultivado para um
concerto mais “sério”. De acordo com Bourdieu (2011a) as pessoas menos abastadas, além de
não gostarem de algo menos ‘realista’ ou abstrato – que a música de concerto encarna –,
percebem que tal gênero estético faz parte de um mecanismo social de exclusão simbólica
também exercida pelos equipamentos culturais que abrigam este tipo de arte.
Por outro lado, os Matinais também recebem a Osesp e outros grupos especializados
em música erudita. Nesses dias, a única diferença com os concertos de horário nobre é a
duração do concerto, pois à noite há intervalo e a duração é praticamente o dobro do tempo do
Matinal. Em 2015, foram realizados 34 concertos matinais97. A tabela abaixo mostra as
orquestras que se apresentaram ao longo do ano. Trago estes dados com o intuito de visualizar
o predomínio das bandas no repertório dos matinais, pois isso demonstra o trabalho da Sala
São Paulo na difusão de um repertório variado98, ou seja, aquele une a música erudita com a
música popular.
97
Um desses concertos foi reservado ao Programa Prelúdio da TV Cultura no dia 06/12/2015.
98
“Outros exemplos que carregam consigo a renovação da música erudita são os das Orquestras Jazz Sinfônica e
Jovem Tom Jobim, pioneiras em introduzir nos repertórios populares arranjos sinfônicos - trabalho este que tem
chegado às diversas camadas sociais [...]” (Tobias, 2012, p. 18).
66
99
De acordo com Lehmann (2005), as cordas são os instrumentos mais legítimos, em detrimento dos sopros que
ainda buscam a legitimação. Sendo assim, uma banda que tem como características os instrumentos de sopro são,
por, sua própria formação, dominadas se comparadas a uma orquestra sinfônica clássica.
100
Informações disponíveis em http://www.bandasinfonica.org.br/historia/. Acesso em 17/03/2016.
101
Informações retiradas da entrevista concedida pelo maestro Carlos Moreno da Orquestra Experimental de
Repertório ao programa “Repórter São Paulo” da TV Brasil. Disponível em
http://tvbrasil.ebc.com.br/reportersaopaulo/episodio/regente-da-orquestra-experimental-de-repertorio
102
Informações disponíveis em http://www.jazzsinfonica.org.br/historia-jazz/ . Acesso em 17/03/2016.
67
Como os matinais trazem uma proposta didática, todas as vezes que uma banda se
apresenta, o maestro explica ao público a diferença entre bandas e orquestras. Na banda, há o
predomínio de instrumentos de sopro e percussão, além do piano e contrabaixos103. Ora,
instrumentos de sopro e percussão são subordinados na hierarquia dos instrumentos musicais
– que tem nas cordas, principalmente no violino, sua carga de maior nobreza. Já foi
demonstrado por outros estudos (Lehmann, 2005) que tal posição corresponde ao
recrutamento social, uma vez que os músicos do sopro em geral têm origem social mais baixa
(tocadores de banda militares, por exemplo) do que os profissionais de cordas. Assim a banda,
em comparação a uma orquestra, especializa-se em geral em gêneros em que o ritmo é o foco
e a harmonia é coadjuvante. Assim, aos poucos o público mais frequente vai se familiarizando
com a música erudita através do ritmo e da melodia que ele pode memorizar mais facilmente
e se expressar fisicamente com maior facilidade. Sendo assim, vê-se que há nos concertos
matinais o predomínio dessas bandas que têm como principal característica aproximar o
popular e o erudito através da transformação das melodias por meio de arranjos novos e isto
promove uma conectividade positiva com o público.
Já o repertório dos concertos que são realizados nas noites de quintas e sextas-feiras,
bem como aos sábados e domingos à tarde são mais concernentes ao que podemos considerar
como a “verdadeira” música de concerto, no sentido de que as apresentações são executadas
por uma orquestra sinfônica (a maior parte dos concertos é realizada pela própria Osesp) e não
103
Informação confirmada em: www.bandasinfonica.org.br. Acesso em 01/11/2015.
68
público entre aqueles que reconhecem a música erudita dos que a conhecem: quando o
informante cita algo mais “raro”, ele possui mais capital acerca deste tipo de prática do que
aquele que cita um “Mozart”. Houve informantes durante a pesquisa de campo que citaram
como “clássicos” um autor como Tom Jobim e uma frequentadora de um dos matinais, ao ser
questionada sobre a obra “As Quatro Estações”, de Mozart, citou as quatro estações do ano.
Um público que não detém muito conhecimento sobre este tipo de música, geralmente
reconhece (pelo menos o nome) os compositores mais famosos, tal como Beethoven. Por isso,
a importância de se escolher um repertório em torno de músicos nacionais, tais como
Gonzaguinha e Ary Barroso. Porém, é importante frisar que o repertório do matinal não é
ouvido efetivamente pela maioria da população ou pelo “grande público”. O termo “popular”
refere-se, no caso da Sala São Paulo, a estilos musicais e a compositores considerados
“clássicos” dentro do popular, tais como Tom Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes.
Ou seja, aquele tipo de música que foi incorporada ou sempre fez parte do gosto das classes
médias e que Philippe Coulangeon104 chama de “estetização da escuta dos gêneros populares”
pelas classes mais altas. Na história da música popular do século XX, o samba e o jazz, por
exemplo, deixaram de fazer parte do cotidiano das classes mais populares ao serem
apropriados por frações das classes médias cultivadas. Assim, afirma o autor – “a música não
tem mais usos funcionais a partir da estetização da escuta (...) e passa a ter uma função
estética e é favorecida pela diversificação” – tradução minha (Coulangeon, 2010, p.70).
Segundo Tinhorão (1997) há um processo de circulação da música que vai das camadas e
gostos populares aos grupos e gostos cultivados.
“O problema da evolução da música popular está diretamente ligado a um processo
geral de ascensão social, que faz com que a música das camadas mais baixas seja
elitizada pela semicultura das camadas médias, nas músicas de dança orquestradas,
para acabar sendo “elevada” à categoria de música erudita pelas minorias
intelectualizadas” (TINHORÃO, 1997, p. 62)
A música de concerto apresentada nos repertórios vespertinos e noturnos, por sua vez,
é algo que faz parte do cotidiano das frações de classes mais altas, como foi demonstrado
também em pesquisa sobre a realidade brasileira, como, por exemplo, o trabalho de Pulici
(2010) ao retratar o estilo de vida das elites paulistas. Apenas uma ida a um concerto noturno,
ao menos aparentemente, fica evidente a presença de agentes mais abastados e detentores de
capital econômico e escolar, ou seja, agentes possivelmente cultivados105. Neste sentido,
pode-se dizer que a Sala São Paulo é um espaço de encontro entre produtores de valores
104
COULANGEON, Philippe. “Musique: la montée de l’éclectisme des goûts. In: Sociologie des pratiques
culturalles. Éditions La Découverte, Paris, 2005, 2010.
105
Essas impressões serão analisadas nos capítulos a frente que tratam especialmente da metodologia.
70
106
Preço referente à temporada de 2015, conforme conta no site: www.osesp.art.br.
71
funcionário relatou-me que há frequentadores mais cultivados que compram o lugar mais
escondido, onde ele apenas possa ouvir e não ver a orquestra.
O meio de difusão também conta. O último matinal de 2015, por exemplo, foi
divulgado na televisão aberta e foi a primeira vez que vi muitos frequentadores não
conseguirem assistir ao concerto devido à grande procura. Isso sugere uma hipótese,
mencionada por Tobias (2012, p. 24), segundo a qual “é necessário que haja mais difusão para
que mais pessoas possam se achegar e assim poder compartilhar as experiências e ajudar a
construir novos caminhos na produção musical”. Não creio que uma simples divulgação seja
uma porta de entrada para formar o gosto de pessoas que desconhecem a música de concerto;
segundo os estudos sociológicos conhecidos, esses casos seriam exceção e não regra, pois os
meios de difusão midiática ignoram, por exemplo, a trajetória dos agentes.
A Sala São Paulo também realiza concertos a preços populares que custam R$ 15,00,
um exemplo deste tipo de concerto foi o realizado no Dia das Crianças, com a cantora
Adriana Calcanhoto, interpretando uma obra de Prokofiev “Pedro e o Lobo”. A Osesp investe
muito na tentativa de aproximação do público mais leigo com a música erudita, por meio de
seus trabalhos educativos e promoção de concertos itinerantes e populares. Os concertos
matinais estão se popularizando aos poucos. O formato (duração) e seu repertório são
fundamentais para a gradativa educação musical dos frequentadores novatos.
72
107
“A influência da escola na formação do gosto musical” – pesquisa de iniciação científica sob a orientação da
prof. Drª Marcia Cristina Consolim – Unifesp – 2012. Op.cit.
73
É preciso dizer também que os projetos relacionados a políticas culturais têm como
meta criar formas de familiarizar o público leigo com a música erudita para inseri-lo no
mundo cultivado. Percebe-se que os concertos matinais se assemelham aos concertos públicos
realizados nos anos 1930, em virtude da preocupação didático-pedagógica. A título de
exemplificação, nos concertos públicos eram distribuídos panfletos explicativos que
continham informações sobre os compositores das obras, bem como as características do
movimento ao qual a obra se encaixava (Barbato, 2004)108. Tal procedimento também é
realizado atualmente nos matinais da Osesp, ainda que não de modo tão veemente, pois na
Sala São Paulo, as explicações geralmente são conduzidas pelo regente.
As atividades pedagógicas realizadas nos equipamentos culturais fazem parte das políticas
culturais – tal como é feito nos conceitos matinais. A mediação cultural é desenvolvida por
muitos atores e se concretiza através de (1) políticas culturais e educacionais; (2) atividades
de mediação cultural; (3) instituições com programações culturais (Martinho, 2011)109. A
preocupação da Osesp com a formação de novos públicos pode ser observada também no caso
com as visitas monitoradas que é um serviço gratuito no qual após os concertos os
frequentadores têm a chance de conhecer os bastidores da Sala São Paulo. No caso dos
intermediários, além da mediação feita dentro da própria Sala São Paulo, há também a
mediação de “ordem externa”, tal como as ONGs que frequentam o matinal.
Por um lado, constato a importância de políticas culturais para potencializar a formação
do público apreciador de bens simbólicos, pois o primeiro contato, no caso do público adulto,
geralmente é mediado. Essas ações, contudo, dependem da concepção de cultura que as
subjazem e que, grosso modo, podemos subdividir em uma “visão política” e outra
“sociológica”. Essas políticas fornecem subsídios para o andamento da cadeia de criação,
aquela constituída pela formação, difusão e consumo dos bens simbólicos. Apresento em
seguida, tais concepções e um histórico de suas várias fases, crises e sucessos.
108
Barbato (2004) traz descrições dos concertos públicos realizados no Theatro Municipal nos anos 1930.
109
A tese de doutorado de Martinho (2011) aborda os agentes que realizam a mediação cultural em Portugal.
74
Segundo Coulangeon (2010)110, há duas lógicas que se defrontam no que diz respeito às
políticas culturais – a da “democratização da cultura” e a “democracia cultural”. A primeira
tem uma concepção universalista e objetiva reduzir as desigualdades de acesso à “alta
cultura”, e a segunda, prioriza o desenvolvimento da cultura local, no sentido de que os
agentes deveriam escolher suas atividades, suas práticas.
A democratização da cultura (visão política) é ocasionada por ações governamentais que
visam à mediação entre o grande público e a cultura, constitui a visão normativa, ou seja, um
direito de todos. É o pensamento que prevalece nas abordagens de autores como Simis (2007)
e Fleury (2009), quando afirmam que há uma asserção defendida desde a Revolução Francesa
de que “todos deveriam ter acesso à cultura”111, tendo em vista que a falta de acesso à cultura
“dominante” está relacionada com uma realidade de exclusão social em todas as esferas.
Assim, para superar a desigualdade de acesso, a democratização poderia ser enfrentada como
“um instrumento revolucionário, capaz de propiciar à população o acesso à cultura nas
mesmas condições que a burguesia privilegiada” (Barbato Jr, 2004, p. 150), dessa maneira, a
ação dessas políticas também pode expandir o conhecimento artístico dos agentes sociais,
possibilitando a abertura para outras práticas culturais. A democratização exercida pelo
Estado por meio das ações realizadas por equipamentos culturais tais como a Sala São Paulo
traz em si um processo “civilizatório” à medida que revela a intenção de conectar o público
preconcebido como “leigo” e a arte considerada legítima112.
De outro lado, Rubim (2007) analisa que há uma ligação entre classe social e cultura, ou
seja, o acesso à “cultura” depende das possibilidades reais que os indivíduos têm no campo
social. Remeto-me aqui ao que Bourdieu chama de “campo dos possíveis”, onde cada agente
social tem contato com determinadas práticas, desenvolve seus gostos, atinge determinados
patamares em função da sua posição no espaço social. Logo, o gosto pela cultura dominante é
mais facilmente assimilado por agentes sociais pertencentes às camadas mais abastadas da
população, tendo em vista que o estilo de vida é um fator condicionado pela classe (Bourdieu,
2011a).
Podemos dizer que o pensamento pautado no direito de acesso à cultura (visão política)
parte do pressuposto de que o público “leigo” não frequenta os equipamentos culturais devido
110
Coulangeon, Philippe. Sociologie des pratiques culturelles. La Découverte, Paris, 2005, 2010.
111
Assim, é preciso “formular políticas públicas de cultura que a tornem acessível, divulgando-a, fomentando-a
como também políticas de cultura que possam prover meios de produzi-la” (Simis, 2007, p. 135).
112
Segundo Barbato Jr (2004), o Departamento de Cultura desde a sua criação assumiu um caráter civilizador da
cultura, pois havia a intenção de aumentar o nível cultural das pessoas, uma vez que as políticas do departamento
aspiravam não apenas as atividades culturais, como tinham como foco influenciar no modo de vida da
população, tornando-a mais moralizada.
75
a fatores tais como: falta de equipamentos nos bairros periféricos, altos preços, difícil
localização. Diante disso, seus defensores acreditam que a arte dominante precisa estar ao
alcance de todos, independentemente da origem social.
Em contrapartida, Canclini (1987) vê incongruência neste tipo de medida, pois há a
preocupação em priorizar apenas o contato do público com as manifestações artísticas
dominantes. Segundo ele, “(...)como não há uma só cultura legítima, a política cultural não
deve dedicar-se a difundir só a hegemônica, mas a promover o desenvolvimento de todas as
que sejam representativas dos grupos que compõem uma sociedade” (Canclini, 1987, p. 50).
Nesta perspectiva, a outra visão que se contrapõe à democratização da cultural tem um cunho
mais antropológico113 e é denominada de “democracia cultural”. Essa interpretação tem uma
dimensão emancipatória, pois “tem por princípio favorecer a expressão de subculturas
particulares e fornecer aos excluídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para
eles mesmos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências” (Botelho, 2001,
p. 36). Ou seja, a democracia cultural é um meio de favorecer todas as formas de cultura e não
apenas a cultura “legítima”. A ideia é fazer com que as políticas culturais se inseriram dentro
das comunidades, de modo a compreender a realidade de seus consumidores. Isso pode
possibilitar a aproximação de um agente de origem mais humilde com qualquer tipo de arte,
pois se houver uma política voltada para a formação, o evento que a princípio serve de
entretenimento, pode abrir ampliar o gosto cultural. A “questão crucial da democracia cultural
é a formação de públicos através de mediações realizadas por instituições e agentes culturais”
(Lacerda, 2009). O trabalho das entidades parceiras da Osesp encaixa-se perfeitamente aqui.
O que as duas perspectivas – democratização da cultura x democracia cultural – não
levam em conta, no entanto, são os postulados da Sociologia da Cultura, no sentido de avaliar
a trajetória dos agentes sociais, pois a inculcação do habitus determina a predisposição que os
agentes têm para apreciar determinado tipo de bem simbólico. Ou seja, as políticas de
democratização são importantes, mas é preciso ter ciência de que o gosto não é transformado
de modo automático: ele precisa ser estimulado, ser ensinado por um longo período de tempo
e, por isso, vejo que as ações educativas são um caminho positivo e democratizante, ainda que
não subversivo das hierarquias culturais e da relação das classes com a cultura dominante.
Neste contexto, vejo as ações realizadas pela Osesp como um fator positivo das tentativas
de democratização, porque perpassam a noção do ensino/aprendizagem em seus programas
educativos. Isso porque uma fração das classes populares, ainda que seja pequena, sempre
113
A autora Isaura Botelho trata desse tema em seu artigo Dimensões da Cultura e Políticas Públicas
76
será atraída e poderá até mesmo transformar seu gosto, ou seja, passar a gostar de bens
simbólicos que não fazem parte do seu cotidiano, uma vez que o contato seja possibilitado.
Entendo, assim, que as políticas culturais podem auxiliar na ampliação da visão de mundo de
uma fração das camadas menos abastadas e que tal inclusão não pode ser desprezada, ainda
que não deva ser hipostasiada. A transformação dessa fração – ou a ampliação do público
frequentador – é algo que visualizei através das entrevistas com os informantes, pois aqueles
que não tinham possibilidade de aumentar o seu cultivo, em razão de seu baixo volume de
capital, puderam através dos mediadores (seja a ONG, a escola, a igreja, o trabalho etc),
ampliar seu repertório cultural. O trabalho de campo também mostrou que o cultivo pleno (se
assim pode ser chamado) depende de vários fatores, pois até mesmo alguns agentes
portadores de capital econômico e que exercem profissões mais prestigiadas, não
necessariamente têm um gosto mais ligado ao estilo de vida das classes dominantes. Ou seja,
as políticas públicas de cultura não necessariamente atingem somente os grupos menos
privilegiados, mas priorizam simplesmente a formação estética do maior número de pessoas
possível.
Neste sentido, as políticas de cultura ampliam minimamente o repertório de certas frações
das classes menos cultivadas e mesmo daquelas mais cultivadas. Veja-se o que ocorre com os
frequentadores dos concertos noturnos que ganham, por exemplo, uma palestra antes do
concerto. A Osesp não assume que se trata de uma espécie de “aula”, pois é destinada ao
público mais cultivado, mas o programa “Falando de Música”, apesar de não contemplar a
todos, mas sim aos grupos relativamente iniciados, também tem um propósito didático. Desse
modo, a arte dominante sempre exige processos de mediação – de iniciação ou interpretação –
no caso destes exigindo em geral algum conhecimento cultural por parte de seus apreciadores,
independentemente de sua posição no espaço social. Talvez o mais importante esteja nesse
ponto: enquanto os programas de educação aos não iniciados sejam de perfil mais pedagógico
e “leve”, os programas de introdução ao concerto noturno supõem um público que, mesmo
não iniciado em música, têm um repertório cultural amplo. É preciso, portanto, ter cuidado ao
se falar em “especialização” na música, pois no caso das hierarquias culturais ela parece estar
abaixo do conhecimento genérico no campo cultural. Um exemplo pode ilustrar a questão: um
professor de arte e cultura terá mais valor simbólico do que um exímio instrumentista de
igreja gospel. Este último capital específico – os meandros da escala, dos sons e da harmonia
musical – é menos prestigiado se não vier acompanhado de uma formação cultural ampla.
Assim, as políticas que almejam a democratização da cultura desconsideram os
mecanismos que produzem a vontade de consumir os bens culturais, pois a democratização
77
não leva em conta que os atores sociais têm perfis diversos, ou seja, há os leigos e os
iniciados. Por isso, muitos autores especialistas em políticas públicas na área cultural falam
em “fidelização, diversificação, ampliação de públicos” (Donnat, 2008). Ora, também para
Bourdieu é preciso considerar as características socioeducacionais dos atores. Nesta pesquisa,
pude verificar através das entrevistas que que há elementos sociais que podem ajudar a
entender as razões para que parcelas (pequenas) das camadas populares consigam se
apropriar da linguagem da “alta cultura”. Esse é o caso, como veremos, dos agentes que vão
ao concerto porque tiveram o gosto musical engendrado pela igreja. Ou seja, o estilo de vida
não muda inteiramente, mas de maneira isolada (na esfera musical), uma vez que ele adquire
conhecimento específico sem ter acesso aos fundamentos culturais mais amplos de um juízo
estético esclarecido. É um especialista no sentido técnico do termo – conhece notas e
harmonia. Pude perceber também que o contato com novos ambientes reflete na própria
socialização dos indivíduos, fazendo-o transitar por vários gostos, ampliar seu repertório.
Sendo assim, o trabalho de democratização consegue ampliar o público e também transformar
de algum modo as disposições de parcela (pequena) das classes populares.
114
Na década de 1930 foram fundadas a Universidade de São Paulo e a Escola de Sociologia e Política. Além
disso, não podemos deixar de enfatizar o legado deixado pela Semana de Arte Moderna.
78
(Barbato, 2004). Todavia, São Paulo passava a vivenciar nesse período uma ebulição
resultante da industrialização e da urbanização.
“Nas décadas de 1920 e 1930, em São Paulo, o senador Freitas Valle, Yolanda
Guedes Penteado e a família Prado abriram seus salões para incentivar as artes e os
artistas. Nos anos 1940, deu-se uma alteração significativa no mecenato paulista.
Integrantes da elite cafeeira e imigrantes enriquecidos [...] uniram-se para criar
instituições de apoio à arte [...].” (Franco, 2006, p.61).
115
Ainda que tais políticas tenham sido iniciadas entre as décadas de 1930-40, “a institucionalização da política
cultural é uma característica dos tempos atuais” (Calabre, 2007, p. 88).
116
No governo Vargas foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – 1937;
Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e do Instituto Nacional do Livro (INL). Em 1937 – foi criado o
primeiro Conselho Nacional de Cultura (Calabre, 2007, p. 88-89).
117
É interessante notar a gama de ações/órgãos/ instituições na área cultural criados durante a ditadura. O que o
inconsciente coletivo notadamente pensa, no entanto, é que se trata de um período de obscurantismo em todos os
âmbitos, haja vista as ações instituídas pelo AI-R com relação à censura, por exemplo.
118
“O PAC abrangia o setor de patrimônio, as atividades artísticas e culturais, prevendo ainda a capacitação de
pessoal. Ocorria, então, um processo de fortalecimento do papel da área da cultura. Lançado em agosto de 1973,
o Plano teve como meta a implementação de um ativo calendário de eventos culturais patrocinados pelo Estado,
com espetáculos nas áreas de música, teatro, circo, folclore e cinema com circulação pelas diversas regiões do
país, ou seja, uma atuação no campo da promoção e difusão de atividades artístico-culturais” (Calabre, 2007, p.
91).
119
Os principais objetivos do projeto eram o de propiciar o desenvolvimento econômico, a preservação cultural e
a criação de uma identidade para os produtos brasileiros. Em 1976 o projeto foi definitivamente oficializado
através de um convênio entre a Secretaria de Planejamento, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério
79
A publicização foi uma forma encontrada pelo Estado para aumentar a sua
eficiência125. O Estado não conseguindo executar todas as suas obrigações, assistiu ao
nascimento de um número considerável de ONGs que complementavam os serviços não mais
realizados por ele. À medida que as ONGs126 se multiplicaram, o Estado passou a financiar os
serviços prestados por elas através de renúncia fiscal, conforme aponta Mendes (1999 apud
Ponte, 2012).
O caso da Osesp será aqui exposto a título de visualização da eficiência a partir da qual o
poder público se pautou para modificar a consecução de seus serviços. A Orquestra, criada em
1954, passou por momentos críticos referentes à estrutura organizacional. Embora tenha
vivido um período de renovação com a chegada do Maestro Eleazar de Carvalho em 1974,
tendo como consequência a positiva notoriedade mundial por meio das novas possibilidades
de avanço na qualidade artística. Os resultados desta nova gestão são extremamente positivos;
a OS não dá conta apenas do aspecto artístico da orquestra, mas sim, de toda estrutura da Sala
São Paulo que compreende a parte administrativa e documental. Além da Osesp, a OS
também gerencia o coro (sinfônico, de câmara, juvenil e infantil). Com isso, vê-se que a
publicização, especialmente no caso citado, obtém ótimos resultados, sobretudo no que se
124
Uma OS é administrada por membros da sociedade civil, que por sua vez, são responsáveis por determinado
bem estatal. No caso da Fundação Osesp, este bem é a Sala SP. A publicização se diferencia da privatização,
porque o Estado, apesar de delegar a gerência de um bem a terceiros, mantém-se no controle, uma vez que ele é
o “responsável por planejamento financiamento e controle da atividade”. (Ponte, 2012, p. 25).
125
Assim, a partir dos anos 1990, o governo brasileiro adotou este novo modo de administração, com a criação
do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare). Determinou-se que algumas áreas poderiam ser
administradas indiretamente pelo Estado, o que propiciou a formação das organizações sociais acima citadas.
Diante disso, é pertinente observar que a Osesp é uma fundação criada nesta conjuntura, pois “todos os espaços e
programas da Secretaria de Cultura estão sob a gestão de OSs” (Ponte, 2012, p. 78), assim, já que a cultura é
uma das áreas que o Estado definiu como prescindível de seu controle, pois o governo passou a incentivar a
efetivação de parcerias com entidades da sociedade civil para o desenvolvimento de serviços como “o ensino, a
pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico, a proteção e a preservação do meio ambiente, a saúde, a
ação social, a agropecuária, o desporto, e, finalmente, a cultura” (Ponte, 2012, p. 26).
126
“No exercício de 2008, o Governo Federal contabilizou um montante de 3 (três) bilhões de reais transferidos
para as organizações não governamentais, mediante convênio, termos de parceria e outros instrumentos
congêneres (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2010, p, 107, 108). (Ponte, 2012, p. 29)
81
127
Para escrever essas considerações, retirei informação do próprio site da Osesp e da Fundação Osesp.
Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em 01/09/2015.
128
A Fundação Osesp conta com um grupo de empresas patrocinadoras: Itaú Personnalité, BMF&Bovespa,
Banco do Brasil, Mapfre Seguros, Deloitte, Banco Votorantim, Mattos Filho Advogados. Tem também um grupo
de apoiadores, dentre eles estão a Scotabank, Philips e Localiza. Além dos veículos apoiadores: Folha, CBN,
Carta Capital, Piauí. Disponível em www.osesp.art.br. Acesso em: 28/10/2015.
129
Ensaio de Lauro Machado Coelho sobre o cenário da música erudita, sob o título “A música erudita no
Brasil”. Disponível em http://www.digestivocultural.com/ensaios. Acesso em 01/03/2013.
130
“Historiadora dedicou sua carreira à administração cultural pública, passando por organismos como o Teatro
Municipal de São Paulo, MAC e Osesp”. Informação disponível em: http://www5.usp.br/. Acesso em:
01/03/2016.
82
aplaudir que a orquestra é sua”, na época de sua gestão, quando o grande desafio era formar o
público da Osesp que antes da reestruturação era absolutamente escasso131.
Além dessa “modalidade” de doador também podemos considerar como muito importante
para o aspecto simbólico, o grupo de assinantes. Conforme aponta Teperman (2015), ser um
assinante cativo, tem uma carga simbólica para a classe dominante, pois existe uma ideia de
“perfil-ideal” dos assinantes, além do imaginário compartilhado por esse grupo, ou seja, ser
um assinante é como um investimento que reverbera na imagem positiva do agente perante o
grupo social ao qual pertence. Neschling (2009 apud Teperman, 2015) afirma que é preciso
fazer com que o público crie uma relação de pertencimento para com a orquestra. Não se nota,
no entanto, esse tipo de objetivo (ou consequência) nos concertos matinais, uma vez que o
público tem outras características sociais e de maneira geral é mais dominado no que diz
respeito ao volume de capital.
131
Informações contidas em http://www5.usp.br/101631/claudia-toni-uma-estrela-nos-bastidores-da-cultura/.
Acesso em 01/03/2016.
132
O Terceiro Setor é o “conjunto de organizações privadas, sem fins lucrativos, que atendem a finalidades
públicas ou coletivas” (Falconer, 2001, p.28).
133
Montenegro apud Grossi (1989), diz que ONGs são “um tipo particular de organizações que não dependem
nem econômica nem institucionalmente do Estado, que se dedicam a tarefas de promoção social, educação,
comunicação e investigação/experimentação, sem fins de lucro, e cujo objetivo final é a melhoria da qualidade
de vida dos setores mais oprimidos” (p.11). Só a título de conceituação, para Ioschpe (1997) [et.al.] o primeiro
setor é o governo propriamente dito, o poder público. Já as atividades lucrativas (mercado) constituem o segundo
setor.
83
direito administrativo sobre este tipo de organização. Contudo, pode-se dizer que as ONGs
são “pessoas jurídicas sem fins lucrativos, não constituídas pelo Estado, que exercem
atividades de relevância social” (Xavier, 2012, p.15).
Os primeiros indícios do surgimento de ONGs no Brasil “no âmbito do sistema
internacional de cooperação para o desenvolvimento” (Fernandes, 1997, p. 26) ocorreram nos
anos 1970, as primeiras instituições estavam ligadas às demandas conduzidas pela esquerda.
Foi no período de redemocratização, que a potencialidade da sociedade civil veio à tona,
permitindo que diversos grupos se organizassem em prol de alguma causa, pois assim,
“indivíduos e instituições particulares exerceriam a sua cidadania de forma direta e
autônoma” (Fernandes, 1997, p.27).
“As ONGs irão se defrontar, no Brasil, com o regime de força iniciado com o golpe
de Estado em 1964, ocupando espaços de atuação a nível local, em meio à sociedade
civil, com projetos de curto alcance, ou de pouca visibilidade, e com a presença
marcante da Igreja Cristã” (Mendes, 1999, p. 3-4).
Todavia, foi a partir da crise vivida nos anos 1990 que o Terceiro Setor foi se
consolidando no Brasil, pois o governo elaborou estratégias que possibilitaram mudanças
consideráveis na área administrativa, a partir das quais alguns serviços passaram a ser
responsabilidade das ONGs, sem, no entanto, deixar de ser encargo do governo. Além disso, a
realização da ECO 92 evidenciou o trabalho dessas organizações no Brasil, pois elas se
aproveitaram da notoriedade do evento para realizar “um fórum paralelo às atividades oficiais
com cerca de 9000 ONGs de 167 países” (Falconer, 2001, p. 14). O Terceiro Setor também
ganhou evidência por meio do relevante trabalho do sociólogo Betinho134, que possibilitou, de
certo modo, a transformação do pensamento da sociedade brasileira para a urgência de
desenvolvimento de projetos sociais.
O trabalho das ONGs também é importante do ponto de vista da empregabilidade,
segundo pesquisa feita pela Universidade Johns Hopkins em 1998, 17% dos empregos
gerados por este tipo de instituição são correspondentes à área da cultura e recreação, ao lado
de setores preponderantes como a saúde (17,8%) e serviços sociais (16%), a educação, é a
área que possui o maior índice de empregabilidade (36, 9%)135.
Tradicionalmente, o Terceiro Setor atua nas áreas de educação, saúde e cultura, porém as
áreas de direitos humanos, meio ambiente e cidadania também estão em crescimento 136. Na
134
Através da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (Falconer, 2001).
135
Falconer apud Lester Salamon, Helmut Anheier ET AL, global civil society: Dimensões of the nonprofit
sector, Baltimore: Johns Hopkings University, 1999.
136
Uma visão crítica sobre esse grande crescimento, não pode deixar de questionar tais ações, haja vista os
incentivos fiscais que as empresas envolvidas neste tipo de atividade recebem, bem como a imaculada imagem
que as entidades constroem diante do enfrentamento de problemas relacionados às injustiças sociais. Embora não
84
década de 1990, apenas na cidade de São Paulo, mais de mil entidades por ano eram
registradas. Atualmente, a última pesquisa publicada pelo IBGE137, em 2012, aponta que no
Brasil, no ano de 2010, o total de ONGs era de 290, 7 mil. A despeito dos problemas mais
visíveis, há outras demandas de ordem imaterial que também são importantes e que precisam
ser supridas. Isto pode ser visto a partir da análise das práticas das instituições que frequentam
os matinais. Estas instituições têm preocupacão em fomentar o consumo de cultura entre seus
filiados, independentemente da missão da entidade.
Nem todas as ONGs parceiras têm contato direto com a música de concerto, por isso
divido as entidades em três grupos, conforme quadro abaixo:
seja tarefa deste trabalho, não me furto de questionar a idoneidade deste tipo de proposta, diante do grande
crescimento das unidades - Questionamento baseado no filme “Quanto vale ou é por quilo?” do diretor Sergio
Bianchi, no qual as ONGs são analisadas do ponto de vista da corrupção.
137
O IBGE e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em parceria com a Associação Brasileira de
Organizações Não Governamentais - ABONG e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - GIFE trazem a
público o mais recente estudo realizado sobre as organizações da sociedade civil organizada no Brasil, com base
nos dados do Cadastro Central de Empresas - CEMPRE, do IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/
Acesso em: 27/05/2015.
138
Informações disponíveis em: http://institutobaccarelli.org.br
85
139
Informações disponíveis em: http://santamarcelinacultura.org.br
86
Guri Santa Marcelina é a preocupação de levar a programas culturais também os pais dos
adolescentes filiados, como uma forma de inseri-los em outras realidades sociais. Segundo o
Instituto Baccarelli, “a arte é um instrumento capaz de despertar e desenvolver potenciais”. A
cristandade presente na Pastoral da Criança, também é uma característica do Santa Marcelina
Cultura que tem sua origem na Congregação das Irmãs Marcelinas. Assim, a preocupação da
formação de pessoas para a vida e para a sociedade, como é afirmado por essas instituições
também dialoga com a preocupação de todas as outras entidades.
A prioridade dessas ONGs, independentemente de sua missão, é viabilizar a
integração dos agentes sociais, ou seja, propiciar o pleno desenvolvimento individual (termo
usados pelas entidades) através da garantia de direitos, da profissionalização, da integração
das famílias, do entretenimento, da socialização. Dentro desta perspectiva, a ida à Sala São
Paulo é uma maneira de incluir socialmente esses agentes, sobretudo aqueles que sem o apoio
destas ONGs não teriam condições para sair de seu “mundo” dadas a suas limitações, sejam
elas geradas por deficiências, doenças ou pela vulnerabilidade social.
Assim, a parceria entre a Osesp e as entidades convidadas pode ser vista como algo
preponderante para a minimização da barreira simbólica que permeia a relação entre as
frações das classes populares e a Sala São Paulo. No desenvolvimento desta pesquisa observei
pessoas de origem social muito simples, tais como alguns grupos de idosos ou de adolescentes
que se deslumbravam logo que adentravam no edifício, ao se deparem com aquele tipo de
arquitetura e com a dinâmica do evento. Diante disso, as ONGs nos matinais são um fator-
chave que demonstram na prática a democratização do acesso das classes populares a bens
simbólicos legítimos. Embora o público não seja formado majoritariamente por pessoas das
classes populares, conforme veremos no próximo capítulo, a presença dessas entidades se
conecta ao objetivo da Osesp e da Sala São Paulo que é o de expandir o público, haja vista
todos os outros projetos educacionais que visam a educação não só dos frequentadores, mas
do público potencial (como é feito, por exemplo, com os Concertos Didáticos e com a Osesp
Itinerante).
público também é garantida pelas excursões escolares140 e pelo apelo turístico (por exemplo,
fazer alguns locais serem prioritários no roteiro em razão do valor histórico dos edifícios).
Com relação à formação de novos públicos, sempre há o questionamento da
legitimidade do público, no sentido de enfatizar a capacidade que ele deve ter para lidar com
as obras de arte, como afirma Dabul,( 2008)141. Neste contexto, os centros culturais têm um
diferencial que é o de preparar as exposições especialmente para o público oriundo das classes
populares, um público minoritário, mas que se esforça para receber as mensagens das obras e
delas se apropriar. Ou seja, a leitura que o grande público faz das obras, ainda que não
legítima porque não instruída pelos critérios legítimos de consagração, pelo berço ou pela
escola, contribui – para essa pequena fração das classes populares – para a aquisição de novas
disposições. Em contrapartida, uma visão mais crítica acerca da construção de equipamento
culturais é desenvolvida por Donnat142 (2008), que considera que somente a instalação de
espaços culturais não garante o aumento de público; a oferta e a demanda, portanto, são
variáveis autônomas.
Neste sentido, o papel da escola enquanto formadora de critérios legítimos, mas não
transformadora das disposições estéticas populares, também é objeto de discussão. Mesmo na
França, em que o padrão médio da qualidade da educação é superior, Bourdieu demonstrara a
pouca frequência aos equipamentos culturais (Bourdieu, 2003). Ora, no Brasil presume-se que
tal papel é ainda menos importante dada a falta de autonomia financeira e pedagógica do
ensino médio. As instituições escolares são excelentes locais de mediação, segundo Martinho
(2011), pois se a educação formal abarcasse essa preocupação, o público de cultura cresceria
muito e já teria conhecimento mais consolidado. Sabemos, porém que ao menos aqui no
Brasil essa é uma realidade ainda muito distante, e, portanto, as ações educativas realizadas
nos próprios equipamentos são muito bem-vindas e ao menos na Sala São Paulo conseguem
cumprir o seu papel, pois a demanda, pelo menos dos concertos matinais, está crescendo a
cada ano.
140
As escolas deveriam ser instituições privilegiadas neste sentido, em razão do grande número de crianças e
adolescentes que podem ser beneficiados com programas culturais. No entanto, pelo menos atualmente, a falta
de verbas, sobretudo nas estaduais, prejudica este tipo de intervenção. Ano passado tentei levar os alunos a dois
eventos culturais, mas a escola não tinha subsídio para alugar os ônibus. Além disso, há uma tradição dentro da
escola que prioriza passeios nas áreas do entretenimento como parques (Hopi Hari), clubes com piscina, em
detrimento de passeios a museus ou teatros. Na verdade, os professores quase não têm autonomia para decidir os
destinos dos raros passeios que os alunos de escola pública estadual têm a oportunidade de ir.
141
Dabul (2008) elaborou um trabalho acerca do contato do grande público com as artes plásticas.
142
Donnat (2008) trata da realidade da sociedade francesa no que se refere às desigualdades de acesso à cultura.
O autor afirma que os estudos sobre os públicos de cultura estão em evidência.
88
As políticas culturais são uma forma recente de gestão política, nos países
economicamente desenvolvidos143, elas estão num estágio mais avançado, ou seja, em países
onde problemas sociais já estão relativamente resolvidos, a cultura passa a ser prioridade
(Durand, 2013). Um funcionário da OSESP que cuida da gestão cultural comparou o Brasil
com a Hungria, no que diz respeito ao envolvimento que os dois países têm com a cultura,
especialmente com relação à música. Segundo meu informante, na Hungria, a música faz
parte do cotidiano das pessoas desde a infância, pois a música compõe a vida dos agentes, de
modo que são estimulados a ouvir e a cantar. Ao passo que aqui no Brasil, isso não acontece,
já que não é todo mundo que tem a possibilidade de ter uma formação musical, embora isso
seja resguardado legalmente144. No entanto, há muitos entraves nas esferas municipal e
estadual para que o ensino de música se efetive nas escolas145. Minha própria experiência
como docente me diz que há uma hierarquia disciplinar nas escolas públicas do estado de São
Paulo e que o ensino de arte em geral ocupa posição dominada. Trabalho em escola pública há
mais de 10 anos e acompanho como é feita a escolha das disciplinas escolares. Algumas
disciplinas são vistas como “de menor importância” e o ensino de artes é colocado também
como algo secundário e até os alunos têm essa percepção. Além disso, ainda há a questão da
burocracia que envolve as almejadas melhorias na infraestrutura escolar (bibliotecas, salas de
vídeo, laboratórios, auditórios, quadras poliesportivas) a morosidade das licitações, os baixos
custos recebidos são empecilhos que dificultam o desenvolvimento de muitas atividades que
poderiam ser feitas nas escolas. Assim também seria com o ensino de música, pois isso
demandaria a compra dos instrumentos, a contratação de professores especializados, a
construção de um local adequado, além do convencimento de que este tipo de medida seria de
grande valia para a comunidade escolar. Sendo assim, malgrado a promulgação da lei nº
11.769, ainda há muitos entraves a serem transpostos para a rede de ensino público no Brasil
levar a sério o ensino de arte.
143
“EUA, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Espanha, Áustria, Alemanha, Holanda, Finlândia, Suécia,
Dinamarca, Noruega, Japão, Austrália e Nova Zelândia” (Durand, 2013, p. 86).
144
Lei nº 11.769, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a
obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em:
15/12/2015.
145
“De acordo com o trabalho, baseado no Censo Escolar da Educação Básica 2007, o Brasil possui 124 mil
professores de Artes. A grande maioria (92%) tem licenciatura. Mas o dado preocupante é que Artes é a
disciplina com menor proporção de docentes com formação na área específica de atuação: 25,7%, nos anos finais
do ensino fundamental. Destes, só 2,4% lecionam a disciplina correspondente ao curso em que se formaram na
graduação. O trabalho do MEC informa ainda que 50,2% dos professores que lecionam Artes são formados em
outras áreas e 24,1% estudaram Pedagogia”. Disponível em http://artenaescola.org.br/uploads/boletins/boletim-
57.pdf. Acesso em: 15/12/2015.
89
contatos e interações entre campos/contextos culturais distintos” (Peres et al. (2005, p. 762)146
Outro fator que corrobora na formação de novos públicos é a atuação dos
meios de comunicação. Observa-se, no caso brasileiro, que há também uma tentativa de
distinção pela via de atividades culturais “eruditas”, mas massivamente divulgadas pela
grande mídia. Essa possibilidade se deve ao crescimento da espetacularização mediada
especialmente pela televisão. Dessa forma, os consumidores sentem-se na obrigação de ir a
uma exposição ou ver determinada peça teatral, por exemplo, simplesmente porque “está na
moda”. Isso faz com que boa parcela da população queira consumir os produtos culturais
padronizados e universalizados, de modo que “as atividades culturais geram efeitos
econômicos positivos” Bennett (1995, p. 90 apud Durand, 2013). Vale lembrar que no
“mercado” da “espetacularização da cultura” não há preocupação com a qualidade artística,
pois o que está em voga são os ganhos de capital que a atividade proporciona. Como pode ser
visto no Capítulo 4, a televisão e a internet também estimulam os agentes a frequentar
determinados ambientes culturais, sobretudo as exposições de grande porte, bem como
espetáculos de música, pois o “marketing cultural” tem o poder de aumentar vertiginosamente
o público de algum show devido às ações midiáticas. Contudo essa não é uma estratégia
muito eficaz quando há intenção de formar um público regular, pois mesmo com a
proliferação de eventos “espetacularizados”, parece não haver vínculo maior com a cultura do
que a oportunidade do entretenimento. São Paulo é um grande laboratório. Há muitos eventos
recentes que nos mostram o quanto a ação da publicidade é eficaz. Como exemplos recentes,
cito o trabalho de Ron Muek, na Pinacoteca, de Salvador Dalí, no Instituto Tomie Ohtake,
Picasso e a Modernidade Espanhola e ComCiência no Centro Cultural do Banco do Brasil.
Tais eventos parecem ser uma oportunidade de distinção para as classes médias com boa
vontade cultural, mas uma hipótese (que não posso dar conta nos limites deste trabalho) seria
que uma parte desse público não transforma de fato seu gosto estético, mas encontra em tais
eventos oportunidade de distinção via entretenimento. O caso da Sala São Paulo, contudo,
diverge desses grandes empreendimentos culturais amplamente divulgados pela mídia –
talvez porque a música exige uma contenção do corpo e uma introspecção maior do que
eventos de arte em museus ou pavilhões (que não exigem postura corporal, indumentária
específica, silêncio absoluto, introspecção etc), parece-me pois, que os indivíduos, mesmo os
mais descomprometidos com a atividade musical que vão à Sala São Paulo estão mais
146
Peres, Fabio de Faria; BODSTEIN, Regina; RAMOS, Célia Leitão e MARCONDES, Willer Baumgarten.
Buscaram através do artigo “Lazer, esporte e cultura na agenda local: a experiência de promoção da saúde em
Manguinhos” compreender a representação do trabalho dos mediadores culturais para moradores de um conjunto
de favelas no Rio de Janeiro.
91
dispostos a sair de sua zona de conforto dado o peso das regras de um evento como esse. Em
que medida ir a uma atividade cultural via anúncio midiático é diferente de ir por convite de
parentes, amigos ou ONGS? É preciso investigar esses vínculos, mas parece-me que são de
natureza distinta pela própria relação entre o público frequentador e a família, a mídia e uma
ONG. Creio que um espetáculo como um concerto de música erudita poderia gerar o efeito de
uma grande exposição midiática – e atrair milhares nos meios das camadas médias – se fosse
um evento de “massa” amplamente divulgado pela mídia, tal como os concertos de André
Rieu no Ibirapuera ou grandes centros de convenção. Ora, a diferença entre a informalidade e
a grandiosidade de tais espaços de “eventos” e a sobriedade da Sala São Paulo é gritante. Daí
que é difícil, por mais eventual o contato, a equiparação entre a frequência à Sala São Paulo e
aos eventos midiáticos.
Como a pesquisa de campo evidenciou, há o grupo de agentes mais dominados
culturalmente que frequentam os ambientes e os eventos culturais de maneira pontual, ou seja,
por acaso, a convite de amigos ou porque ganharam ingresso da empresa onde trabalham.
Neste sentido, os postulados da Sociologia da Cultura são aqui enfatizados, dado que a
transformação do gosto depende de aprendizado, de cultivo. Nas palavras de Durand (2013),
“Não é que não se faça nada para ampliar públicos para a cultura no Brasil.
Acontece que o pouco que se faz é desarticulado de uma visão mais abrangente,
incapaz de dimensionar necessidades no tempo e no espaço e de articulá-las a
diretrizes de política de educação (Durand, 2013, p. 27).
147
Frase dita por uma informante quando questionada sobre sua relação com as manifestações artísticas.
148
Cujos gráficos encontram-se nos anexos.
94
A maior parte do público nasceu e vive em São Paulo ou na região metropolitana. Há,
claro, alguns que vêm de fora (de outras cidades, estados e países), já que a Sala São Paulo e
outros equipamentos da região certamente fazem parte do roteiro turístico dos visitantes e
deve movimentar muito o setor do turismo149. Mas também há estrangeiros radicados no
Brasil que vêm a trabalho ou por causa dos estudos.
Tabela 3. Local de Moradia do Público Noturno
Local de Moradia do Público Noturno
São Paulo 72%
Grande São Paulo 11%
Interior de São Paulo 7%
Outros Estados 8%
Outros Países 2%
Fonte: o autor (2016)
Apesar das impressões dadas pelas etnografias de que o público “legítimo” da Sala
São Paulo é formado majoritariamente por pessoas brancas era pertinente inserir no
questionário uma questão sobre a cor de pele para constatar essa impressão.
Cor de pele
2%
4%
7% branco
7% pardo
negro
n. decl.
80%
outros
149
Veja no portal da prefeitura da cidade de São Paulo – “O que visitar”. Disponível em:
http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/o-que-visitar/pontos-turisticos/222-sala-sao-paulo. Acesso em 12/01/2016.
95
Schwarcz150 (2012), há pessoas que sentem dificuldade para dizerem a sua cor, pois 2% não
souberam ou não se declararam, ao passo que alguns citaram cores como “canela”, “morena”,
“mestiço”. Essa questão gerou algumas situações embaraçosas, sobretudo quando o
entrevistado mostrava o braço como quem diz “é evidente que sou branco”, por exemplo.
Os informantes declararam exercer as mais diversas profissões. Aquelas de maior
prestígio social, como profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros, arquitetos), e,
em menor medida, as profissões ligadas à área da administração, tais como gerentes e
contadores. Em seguida, um público muito ligado à arte: cantores líricos, músicos, designers,
diretores de arte, produtor cultural. Alguns profissionais mais modestos também estão
presentes na Sala São Paulo, tais como uma costureira, um eletricista, um funcionário de
gráfica e um vendedor. Esses casos chamaram minha atenção porque não esperava encontrá-
los nos concertos noturnos por serem mais comuns nos concertos matinais, haja vista que se
trata de um programa de “inclusão cultural”.
Pequenos agricultores
Operários agrícolas
Agricultores médios
Agricultores de grande exploração
Artesãos, comerciantes Artesãos, comerciantes e empresários 1%
Profissionais liberais
Professores universitários
Executivos do Serviço Público
Quadros superiores e
profissões intelectuais Profissionais da informação, artes e
entretenimento
Profissionais de vendas e estruturas 43%
administrativas de empresas
Engenheiros e gerentes técnicos
Professores de escola, professores e
assimilados
Profissões intermediárias - profissões de
Profissoes intermediárias Saúde e Assistência Social
Clero, religiosos
16%
Profissionais associados administrativas
Serviço Público
Profissionais de nível intermediário-
administrativa, negócios
150
Schwarcz, Lilia (2012). “Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário – cor e raça na sociabilidade
brasileira”, pesquisa que trata da dificuldade dos brasileiros em assumir a cor da pele.
96
mostra que profissões151 mais intelectualizadas ou ligadas às artes influenciam nas práticas
legítimas.
Com relação à religião, embora os católicos tenham boa representatividade (31%),
posso considerar que esse número seja um tanto quanto induzido, pois as pessoas pensam um
pouco antes de responder, pois dizem “posso dizer que sou católico” ou “não pratico”. Em
contrapartida, os evangélicos (pentecostais e não pentecostais) somam 23%, o que pode ser
considerado um reflexo do aumento do número de evangélicos no Brasil, conforme
pesquisas152 já deixaram claro. Um número grande de entrevistados disse não ter religião
(23%) e surgiram casos pontuais declarando-se: “católica e espírita”, adventista, umbandista,
eclético, espiritualista, cristãos, messiânica, budista.
Religião
católico
3% evangélico
4%
7% 9%
31% sem
religião
espírita
23%
23% judeu
agnóstico
outros
151
Para exemplificar, neste grupo temos profissionais como: professor universitário de filosofia, supervisora de
ensino, alto executivo de negócios internacionais, psicanalista, produtor de música, produtor cultural, estilista
entre outros.
152
Dados do censo ibge 2010 confirmam que o “número de evangélicos aumenta 61% em 10 anos,”. Notícia disponível em:
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html. Acesso em 12/01/2016.
Ou como aponta uma pesquisa publicada na revista exame “católicos serão ultrapassados por evangélicos até 2040”.
disponível em http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/catolicos-serao-ultrapassados-por-evangelicos-ate-2040.
Acesso: 12/01/2016.
98
proximidade com a música de concerto. A partir da entrevista, soube que o mesmo compra CDs
de música “clássica”, frequentou um conservatório musical, toca saxofone alto e é tenor. Era
o primeiro dia dele na Sala São Paulo e estava lá a convite da irmã. Afirmou que teve
influência desse gênero musical desd e a infância através da igreja. Acertou todas as questões
nas quais eu testava o conhecimento e reconhecimento dos compositores, em compensação, em
outros campos posso classificá -lo como “dominado”, pois não vai a cinema, teatro, museu
(nunca foi), assiste a televisão aberta, o livro preferido é a Bíblia, isso para citar alguns
itens.
Esse caso é muito significativo do ponto de vista da presença de um profissional de
nível médio (ele cursou apenas o Ensino Médio) num local tão elitizado socialmente, o que
talvez se explique pelo pertencimento a uma comunidade religiosa: prática típica de estratos
sociais de baixo capital cultural, mas que expõe os frequentadores a gêneros musicais eruditos
durante os cultos e mesmo oferece cursos e a oportunidade de tocar um instrumento. Além
disso, vê-se a influência de instituições como a igreja evangélica na formação de um gosto
cultural dominante, mesmo que seja apenas no campo musical. Há inúmeros casos públicos de
músicos que começaram a carreira cantando ou tocando um instrumento musical na igreja,
católica ou evangélica, tais como Bob Dylan, Elvis Presley, Nina Simone.
A posição política dos entrevistados também foi um dado interessante a ser analisado
para desmistificar várias impressões que eu mesma tinha a respeito não só do lugar, mas do
público. Partia do pressuposto de que por se tratar de agentes provenientes das frações mais
altas da população, o posicionamento político estaria mais “à direita”. Contudo, somente 34%
se declaram de direita, ainda assim percentual maior que de esquerda (25%) o que por sua vez
pode estar relacionado à presença significativa de estudantes e de professores universitários.
Posição Política
direita
5%4%
6% esquerda
34%
apolítico
26%
centro
25%
centro-
esquerda
que a conjuntura política diz muito em relação ao posicionamento daqueles que não têm muita
proximidade com as discussões políticas. Para sondar esta suposição, quando o informante
não sabia informar sua posição política, perguntávamos qual era o partido com o qual mais se
identificava ou em quem votou para presidente nas últimas eleições. De maneira geral
ouvimos frases como “sou anti-PT, anti-corrupção, anti-Dilma” – o que em parte corresponde
a declarações “de direita”. Em contrapartida, ouvi de um senhor advogado: “sou PT! Não
tenho vergonha de dizer”. Essas frases foram importantes para a classificação final que
realizei de seu posicionamento político, já que muitos não sabiam dizê-lo com clareza, outro
indício de baixo grau de politização.
Já com relação à renda dos informantes, conforme gráfico abaixo, perguntamos a
renda bruta familiar e quantos membros constituem a família e dependem da renda informada,
com isso calculamos a renda individual a partir da renda bruta familiar.
mais R$ 11820,00 3%
de R$ 7880,00 a R$ 11820,00 5%
de R$ 3940,00 a R$ 7880,00 27%
de R$ 3152,00 a R$ 3940,00 15%
de R$ 2364,00 a R$ 3152,00 11%
de R$ 1576,00 a R$ 2364,00 12%
até R$ 1576,00 17%
até R$ 788,00 8%
sem renda 2%
menor rendimento (R$ 830,00) gastaram 6%.”153. Em razão do horário do concerto que é
frequentado por um público que aparentemente é possuidor de alto capital econômico, o
maior percentual (27%) ficou entre R$ 3940,00 e 7880,00, mas se analisarmos os gráficos de
uma maneira geral, a renda é bastante diversificada. Atribuo isso ao fato da dificuldade que
tivemos para entrevistar aqueles que pressuponho que eram mais abastados (casais idosos
muito distintos), pois eles chegavam antes para jantar e não tinham muito tempo para
responder ao questionário.
O tipo de transporte também é um fator que denota a posição social dos indivíduos em
São Paulo, também é um elemento que distingue os dois tipos de público, pois à noite a maior
parte vem de carro (47%) ou também utilizam taxi (13%), já que o entorno da Sala São Paulo
é considerado muito “perigoso” devido à degradação social. O transporte público é utilizado
por boa parcela dos entrevistados (33%) – esse dado pode ser explicado pela presença dos
jovens, especialmente aqueles que são contemplados pelo programa Passe Livre
Universitário. Entrevistamos muitos jovens no hall e que de fato não chegavam pela entrada
do estacionamento, mas sim pela entrada da rua, esses informantes eram mais acessíveis.
A escolaridade dos frequentadores dos concertos noturnos é alta, pois 70% têm ensino
superior, entre os quais 23% com pós-graduação. Apenas 4% cursaram até o Ensino Médio.
Por outro lado, a maior parte dos informantes estudou em escola pública (45%), no primário
ou secundário, e 61% estudaram em universidade privada, ou seja, apesar da alta escolaridade,
a maioria do público não frequentou as melhores universidades do país, o que pode ser um
indicador de posição dominada entre os culturalmente dominantes. Os cursos de formação
superior são os mais variados conforme pode ser visto na tabela abaixo.
153
Pesquisa publicada pela Agência Brasil “Famílias destinam 42% dos gastos com cultura para telefonia,
mostra IBGE. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-10-18/familias-destinam-
42-dos-gastos-com-cultura-para-telefonia-mostra-ibge. Acesso em 12/01/2016.
101
Essa amostra revelou que o público noturno tem ligação relevante com a área das
humanidades, haja vista que entrevistei muitos professores de nível médio e universitário. Há
indícios de que a área de humanas é mais propensa a desenvolver um habitus voltado para as
artes legítimas, em razão dos lugares mais alternativos que essas pessoas costumam frequentar
(e isso também está ligado com a posição política dos indivíduos). Mas as engenharias e as
carreiras relacionadas à administração também são bastante acentuada dentre os
frequentadores. Vejo que profissionais dessas áreas têm muito prestígio social, pois
geralmente eles são provenientes das camadas superiores. Neste sentido, aparentemente eles
mantêm o estilo de vida concernente com sua origem social, ou seja, a disposição por bens
simbólicos dominantes. Como o acesso ao ensino superior no Brasil foi apenas recentemente
democratizado, é difícil encontrar pessoas de mais idade com Ensino Superior Completo. Essa
amostra, no entanto, que diz respeito a uma fração da sociedade que tem maior capital
econômico, já é formada por gerações que já têm contato com a educação formal há mais
tempo, já que a maioria, 34% dos pais dos informantes possui ensino superior completo,
seguida de 25% que possui ensino médio completo. Com a escolaridade das mães também
ocorre uma porcentagem parecida, ainda que um pouco abaixo da dos pais, pois a maior parte
(28%) completou o Ensino Superior. Do ponto de vista da sociologia, esses dados são muito
significativos, pois para a formação do gosto estético dos indivíduos, a despeito de outras
condicionantes, a instrução familiar, a introdução da criança no mundo das artes garante a
formação de um gosto mais “puro” ou “desinteressado” Assim, esses informantes, muito
provavelmente tiveram ainda no seio familiar uma tradição de apreciação estética dominante,
em razão da alta escolaridade dos pais que pressupõe uma formação mais ampla que influi na
vida cultural.
Para ilustrar isso, exponho o caso de uma produtora cultural, formada em História
pela PUC, cujos pais têm formação superior. Mostrou -se muito cultivada durante a entrevista,
pois citou disposições não muito comuns. Fala fluentemente inglês e francês. Apre cia arte
contemporânea, diz que gosta de “exposição como linguagem” (Galeria Millan, Paulo Pasta),
lê livros de filosofia, romances clássicos (Cem anos de solidão), assiste a filmes de arte,
compra roupas em brechó. Os pais a ensinaram a ouvir música de co ncerto, participa de
grupos de estudos em casa (de filosofia), disse gostar muito de Debussy e afirmou que “a arte
a desloca do lugar comum”. Do mesmo modo, outro entrevistado que declarou que a ligação
102
com a arte ocorreu porque a sua mãe “queria um filho que tocasse piano”, ou seja, a
influência da família nestes casos é inegável.
Não é por acaso que classifiquei tais perfis como “cultivados”, cujas práticas constam
no quadro 7. Ao contrário do perfil “eclético”, mencionado anteriormente, aqui não se trata do
conhecimento com foco na música e desprovido de outras práticas culturais e educacionais,
mas há uma coerência maior entre as práticas. O que significa que a família, mais do que a
igreja, é o centro de uma educação cultural e legitimação simbólica mais efetiva. Talvez seja
possível dizer que um terço da amostra esteja nesta categoria. Veja-se por exemplo a questão
do domínio de uma língua estrangeira.
Quando questionados sobre o domínio de alguma língua estrangeira, 74% dos
informantes disse que possui alguma familiaridade. Para melhor averiguar esta informação,
foi perguntado também o nível de fluência e 39% disse que (lê, fala e escreve). Essa nuance
foi importante porque o informante poderia apenas dizer que tem proximidade com uma
língua estrangeira, mas só isso não confirma tal domínio. A sondagem acerca do nível de
fluência mostrou que de fato, há aqueles que somente utilizam para ler ou viajar, ou seja, de
modo instrumental.
Sobre a frequência específica à Sala São Paulo, temos algumas informações que
indicam como os agentes passam a gostar de um concerto, ou seja, o que os leva a frequentar
outros ambientes culturais e que tipo de influência sofreram. A maioria dos entrevistados
(76%) é frequentador assíduo e costuma vir com a família ao concerto (51%). Ao contrário do
que imaginei, apenas 28% eram assinantes dos concertos. Parcela significativa afirmou ouvir
música de concerto em casa (75%) e frequenta outros ambientes relacionados a este tipo de
música (57%). Os lugares mais citados foram o Masp, o Theatro Municipal e o Teatro São
Pedro e os SESCs.
Além da influência da família e da comunidade religiosa, a formação do gosto por
música de concerto pode ter outras origens, tal como o ensino voltado para a arte, por meio de
escolas especializadas em formação artística ou prática instrumental. É importante observar
que, entre a maior parte dos entrevistados, boa parte (65%) disse ter recebido ou buscado
algum tipo de ensino artístico fora da escola fundamental. Os tipos de gênero estético foram
os mais variados, tais como curso de música (instrumento, canto), pintura, fotografia ou
desenho. No entanto, apenas 33% dos entrevistados disseram tocar algum tipo de instrumento.
Essa questão é fundamental, pois toca nas relações entre o dominante cultural e o dominante
social. Poderíamos supor que os mais bem providos de capital artístico específico (em
particular os músicos ou cantores) são dominantes no campo das hierarquias culturais? Qual o
103
grau de transposição de recursos específicos em uma área para a formação cultural mais
ampla?
O critério que criei para analisar a ligação dos informantes com o universo da música
de concerto foram questões acerca do conhecimento e do reconhecimento que o público teria
sobre os compositores e suas obras. Perguntei quais eram os compositores que eles mais
gostavam. Muitos informantes (75%) mencionaram os nomes mais conhecidos tais como
Chopin, Mozart e Beethoven. Digo mais conhecidos porque, geralmente, mesmo os agentes
que não têm a menor ligação ou nunca foram a um concerto, sabem que Beethoven é um
compositor importante. Nas palavras de um entrevistado “dos mestres, não têm o que falar,
né?”. Então, parti da ideia de que se o informante citasse nomes menos conhecidos, tais como
Debussy, Berlioz, por exemplo, ele de fato teria um conhecimento mínimo mais aprofundado
acerca desse campo. Contudo, apenas 25% mostraram essa competência. Não quero dizer que
aqueles que citaram Beethoven não conhecem música de concerto, mas ao longo das
entrevistas era possível perceber quem conhecia mais profundamente e quem apenas
reconhecia os compositores eruditos, uma vez que alguns tinham medo de errar. Um dos
informantes ao fim da entrevista perguntou-me: “Eu fui bem? Está de acordo com o que está
procurando?”. Esses casos demonstram o quanto essa pergunta perturbava-os, de modo que
ninguém gostava de demonstrar que não sabia.
A segunda questão para avaliar o conhecimento dos entrevistados era um pouco mais
elaborada e pedia para que eles dissessem o nome dos compositores de cinco músicas. Nesta
pergunta, escolhi cinco compositores e músicas mais famosas neste meio artístico154. Neste
caso, a maioria dos entrevistados (38%) não soube relacionar as músicas a seu compositor,
embora, 33% tenham acertado todas. Essa questão também deixava os agentes muito
encabulados, pois de modo geral, os frequentadores gostam de demonstrar erudição.
Um caso marcante nesse ímpeto de demonstrar refinamento é o de uma médica que
estava acompanhada por um gru po de amigos, todos turistas do Rio de Janeiro. Ela não tinha
muito conhecimento a respeito dos compositores e com relação às práticas , não soube citar
nomes de peças, filme s ou exposições, mas se referiu algumas vezes às suas viagens ao
exterior, enfatizando que só vai a exposições fora do país e citou o museu do Louvre três
vezes.
Esse comportamento ocorreu com outros informantes e creio que recorrer às viagens
ao exterior pode ser uma forma de escapar de perguntas mais específicas para demonstrar
conhecimento cultural geral. Como afirmei anteriormente, o papel do conhecimento artístico
específico no conjunto do capital cultual não é algo necessariamente equivalente. Atente-se
154
Jesus, alegria dos homens (Bach); Danúbio azul (Strauss); A flauta mágica (Mozart); As quatro estações
(Vivaldi); Sonata ao luar (Beethoven).
104
para o fato de que conhecer a França, no caso desse grupo carioca, parece ser mais importante
(ou menos equivalente) do que conhecer a história da música erudita.
Já no grupo dos “ecléticos”, a influência familiar (34%) foi menor, pois a maior parte
dos entrevistados (66%) não tem um gosto muito apurado, nem tampouco este tipo de música
faz parte de seu cotidiano. Ou seja, muitas pessoas passaram a gostar há pouco tempo, foram
influenciadas por amigos, até mesmo pelo “chefe”, um informante disse que “não ouve com
frequência, mas quando ouve, sabe de quem se trata”. Este grupo de “ecléticos” não teve uma
formação no berço e, portanto, o gosto por música de concerto é fluido, esporádico.
Por meio das respostas dos agentes que classifiquei como “dominados” ficou
evidenciado que a família teve pouca importância no engendramento do gosto por música
clássica, pois alguns estavam no concerto por motivos aleatórios – “o aniversário da filha”,
porque eram turistas, porque tem algum amigo ou familiar que ia se apresentar ou porque o
ambiente é “agradável”.
Informei no início que encontrei três grupos distintos de frequentadores no que diz
respeito às práticas culturais – cultivados, ecléticos e dominados. A partir disso, tentei avaliar
as influências que tais agentes sofreram para ter maior ou menor conhecimento não apenas em
relação à música de concerto, mas no que se refere às práticas culturais como um todo. Assim,
no geral, 47% disseram que foram iniciados ainda no âmbito familiar, seguidos de 28% que
atribuem o ingresso no mundo da cultura através dos amigos, e 13% dos entrevistados disse
que foi por meio da escola. Outras interferências citadas foram: mídia, o trabalho, a igreja e a
faculdade.
Gráfico 5 – fatores de influência de frequentação – público noturno
família escola amigos outros
12%
47%
28%
13%
presença do público habitué também é notável. Mas por si só, essa prática não é um sinal de
uma vida cultural ativa, pois tais atividades podem ser praticadas num puro espírito de
entretenimento. Os equipamentos culturais de grande porte, tais como o Centro Cultural do
Banco do Brasil, Instituto Tomie Otake e a Pinacoteca geralmente usam esta eficaz forma de
divulgação e obtêm uma média de público considerável, que pode ser tanto fugaz como fiel.
Daí a importância de se estimar não apenas a ida a tais eventos específicos, amplamente
divulgados pela mídia, mas a frequência e a variedade dessas práticas. Como a visitação é
impulsionada pelas grandes mídias, muitas vezes a ida a uma exposição dessas de grande
porte, torna-se uma “obrigação” por um efeito de moda – de modo que mesmo aquelas
pessoas não muito cultivadas prestigiam o evento para mostrar que estão bem informadas.
Para detalhar um pouco mais, separei as diversas influências de acordo com o “grupo”
em que meus informantes estão classificados. No grupo dos “cultivados”, 43% disseram que
aprenderam a gostar de música de concerto com a família, “a tia era pianista”, “a mãe deixava
o rádio ligado”, “o avô italiano gostava de ópera”, “a mãe era bailarina”. No entanto, muitos
passaram a gostar a partir da idade adulta e as influências foram as mais diversas, como uma
musicista que passou a ter familiaridade “tocando em projeto social”, ou outro informante que
atribui ao conservatório que passou a frequentar na adolescência a formação do seu gosto
musical. As outras influências são mais dispersas e pontuais, tais como o convívio com
amigos (muitos vêm a convite de amigos), “depois que se casou”, alguns afirmam ser
“autoditadas”.
Abaixo, seguem as informações que obtive a partir das entrevistas e que nortearam a
classificação que fiz de meus informantes.
Vemos diferenças importantes nas práticas dos três grupos. À medida que analisamos
cada prática na linha horizontal, vemos que as práticas vão se popularizando, ou seja, as
disposições dos “cultivados” são mais “puras” e ganham um caráter mais comercial quando
tratamos do gosto dos “dominados”. Só para exemplificar, há disparidades no gosto pela
leitura, de maneira que grandes clássicos da literatura constituem o gosto dos mais cultivados,
ao passo que os ecléticos conseguem misturar o gosto por best sellers e livros de filosofia. O
item das exposições é um dos que mais chamam a minha atenção, pois 59% dos dominados
simplesmente não realizam essa prática, ao passo que 99% dos cultivados frequentam de
maneira assídua vários tipos de exposição. Essas disparidades ocorrem em quase todos os
itens. De maneira inversa, por exemplo, a prática de assistir à televisão é maior dentre os
dominados (99% assistem), em contrapartida, dentre os dominantes, esse percentual cai para
18%. Ou seja, uma prática mais ilegítima faz mais parte do estilo de vida dos mais
dominados. Da mesma forma, os cultivados praticam com mais frequência as práticas
dominantes.
108
É preciso, pois, para se compreender a função da arte na vida desse público, conhecer
o conjunto de suas práticas e sua posição social. A maior ou menos coerência, contudo não
invalida a análise em seu conjunto, vista como tendência de resultado de uma força de atração
por homologia de posição.
Grupos Profissionais
Categorias Profissionais Percentuais
Pequenos agricultores
Operários agrícolas
Agricultores médios
Agricultores de grande exploração
Artesãos, comerciantes Artesãos, comerciantes e empresários 4%
110
Profissionais liberais
Professores universitários
Executivos do Serviço Público
Quadros superiores e
Profissionais da informação, artes e 26%
profissões intelectuais
entretenimento
Profissionais de vendas e estruturas
administrativas de empresas
Engenheiros e gerentes técnicos
Professores de escola, professores e
assimilados
Profissões intermediárias - profissões de
Saúde e Assistência Social
Clero, religiosos
Profissoes intermediárias 28%
Profissionais associados administrativas
Serviço Público
Profissionais de nível intermediário-
administrativa, negócios
Técnicos de nível médio
Supervisores
Funcionários civis e oficiais de serviço
público
Funcionários Policiais e militares
13%
Funcionários administrativos corporativos
Empregados do comércio
Dos trabalhadores dos serviços pessoais
Trabalhadores não qualificados
Trabalhadores qualificados do tipo artesanal
Trabalhadores Motoristas
11%
Empregados de manutenção, vendas e
transportes
Empregados não qualificados do tipo
industrial
Antigos operários agrícolas
Antigos artesãos, comerciantes e
Aposentados
empresários
Antigos executivos
2%
Antigos profissionais de nível médio
Antigos funcionários
Antigos trabalhadores
Desempregados que nunca trabalharam
Outras pessoas sem 15%
Alunos, universitários, donas de casa
ocupação
As categorias profissionais encontradas nos matinais apontam que dentre o grupo dos
dominados, 20% são de profissionais de grupos superiores, como os profissionais liberais,
mas a maior parte dos dominados (25%) exerce profissões de nível intermediário. Vejo que é
111
professores. A presença de pessoas que atuam na área artística também é relevante, o que
denota que o público dos matinais tem uma propensão a desenvolver um gosto cultural mais
cultivado.
Esta pesquisa indica que o público dos matinais também tem alta escolaridade, pois
53% completaram o ensino superior (dentro desse índice, 20% concluíram a pós-graduação).
Escolaridade
Ens. Médio Ens. Sup. Incomp.
outros
10%
20%
20%
17%
33%
Pós-graduação 3% Pós-graduação 2%
Ens. Sup. Completo 20% Ens. Sup. Completo 20%
Ens. Sup. Incomp. 4%
Ens. Sup. Incomp. 7%
Ens. Médio 25%
Ens. Médio 21%
Ens. Médio Incomp. 5%
Ens. Fund. Compl. 25% Ens. Fund. Compl. 18%
Ens. Fund.Incomp. 17% Ens. Fund.Incomp. 22%
Nunca estudou 7% Nunca estudou 4%
país (em São Paulo) em relação a evangélicos. Ainda neste contexto, outros informantes
disseram seguir crenças diversas: “várias”, “Deus”, “cristã”, ateu, budista, adventista.
No que se refere à posição política, quase a metade (48%), afirma não entender ou não
ter interesse por política ou responderam: “contrários ao poder”; “isentos”; “não tenho
noção”; “apolítica”; “depende da ocasião”. Já aqueles que se posicionam, mantiveram
praticamente empatados (direita “25%” e a esquerda “24%”). Ao conversar com o público
avaliei que as pessoas mais engajadas politicamente, sobretudo as que dizem ser de
“esquerda”, têm maior propensão a frequentar lugares mais alternativos – ou culturalmente
legítimos (teatros, cinemas, exposições) ou o que chamam de arte marginal. Por exemplo,
uma informante citou a peça que iria estrear sobre a vida das guerrilheiras no Araguaia. Ora, a
escolha por uma peça engajada está intrinsecamente ligada ou à prática ou ao menos à
simpatia pela esquerda, haja vista o conteúdo político que permeia o roteiro. Outros agentes
de esquerda citaram o filme “Que horas ela volta”, dirigido por Anna Muylaert, como um dos
preferidos, o filme que trata do acesso dos menos abastados às universidades públicas, bem
como das problemáticas enfrentadas pelas empregadas domésticas. É uma temática e um
posicionamento crítico que muito diverge do pensamento daqueles que se denominam de
“direita”, o que leva a afirmar que a posição política é algo que reverbera na escolha das
práticas simbólicas.
A renda bruta familiar dos frequentadores dos matinais segue abaixo junto com o
gráfico dos concertos noturnos para visualizarmos com mais clareza a diferença entre os
públicos neste quesito.
Gráfico 11. Renda familiar per capita - matinais Gráfico 12. Renda familiar per capita - noturno
Renda familiar per capita - matinais Renda familiar per capita - noturnos
relativamente baixa. No entanto, os matinais também são frequentados por um grupo mais
intelectualizado (26%) – formado por profissionais liberais, professores, profissionais ligados
às artes – o que explica o percentual relevante como uma renda per capita acima de R$
3940,00. Mesmo havendo um contingente de pessoas que têm uma renda relativamente alta, a
maior parte dos frequentadores dos matinais (52%) revelou ter disposições consideradas
“dominadas”, sendo assim, o gosto por bens simbólicos “legítimos”155, não está intimamente
ligado a uma questão de renda apenas. Isso também serve para os frequentadores dos
concertos noturnos, pois a classe economicamente dominante não necessariamente consome
cultura dominante.
Nos matinais, a ocorrência de quem não domina um idioma estrangeiro é maior do que
nos concertos noturnos (49%). No entanto, boa parte daqueles que estudaram outras línguas,
afirma ter um bom nível de fluência (74%). O público dos matinais, de fato é formado por
agentes não habitués, isto é, aqueles que não tiveram no seio familiar uma formação escolar e
cultural mais completa. A falta de domínio de línguas estrangeiras denota a defasagem escolar
de muitos agentes, coisa que pude verificar durante as entrevistas quando alguns agentes
sentiram-se mais à vontade para falar de sua trajetória.
Um jovem produtor de elenco que afirmou sua visão de mundo, bem como as práticas
culturais, não condiziam com o seu cotidiano na periferia, pois quando morava na zona leste
de São Paulo, ele não podia, por exemplo, vestir-se como queria, coisa que segundo ele não
ocorreria no centro da cidade ou na Avenida Paulista, onde não mais se preocupa com os
olhares de reprovação de terceiros. É estudante de História, morou em Londres e passou a ter
um gosto mais legítimo a partir do contato que teve com atores. Gosta de fotografia, de teatro
“underground”, lê livros de ciência política (Caio Prado), assiste a filmes europeus e
nacionais (práticas que me fizeram classificá -lo como um dos poucos dominantes que encontre i
nos matinais). Este chamou a minha atenção devido ao fato de ser um caso nítido de
mobilidade social, em razão do volume de capital cultural adquirido no decurso de sua
trajetória.
155
Como ficou evidenciado na tese de doutorado de Pulici (2010), na qual a autora fez uma análise das práticas
culturais da elite paulistana, concluindo que há diferenças entre os ricos de nascença que são cultivados desde o
berço e aqueles que se tornam ricos no decorrer dos anos, que por sua vez, não desenvolvem um gosto legítimo a
despeito do capital econômico adquirido. PULICI, Carolina Martins. O charme (in)discreto do gosto burguês
paulista: estudo sociológico da distinção social em São Paulo. 2010. Tese (Doutorado em Sociologia) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível
em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-10122010-102833/>. Acesso em: 2015-01-21.
116
outros 7%
empresa 3%
filhos 13%
sozinho 8%
escola/ faculdade 12%
igreja 12%
amigos 18%
família (desde criança) 27%
pessoas”, “conhecimento cultural”, “crescer na música”, conforme alguns relatos. Além disso,
há também o contentamento de estar “num lugar tranquilo”, num “ambiente lindo” que
proporciona “leveza na alma”156. Ou seja, para esses informantes a frequentação de um lugar
como a Sala São Paulo, pode ser até mais importante do que a apreciação da música em si,
pois tais expressões podem lembrar o ambiente de uma igreja. Talvez para alguns exista uma
associação inconsciente entre a “tranquilidade” e o “pertencimento” da Sala com um ambiente
religioso tal como uma igreja. Sentimento esse que dever se reforçar com o aumento da
frequência. Assim, observei que apenas uma minoria (34%) estava no equipamento pela
primeira vez. Metade dos frequentadores costuma vir acompanhada por seus familiares, dado
que confirma a impressão das etnografias, pois nos matinais são poucas as pessoas que vêm
sozinhas, apenas (18%), já que é um programa que se constitui como um grande de
entretenimento de domingo para as famílias e grupos de amigos.
Outro fator que influencia a ida à Sala é a mídia, em particular a internet, já que 23%
das pessoas chegam ao concerto matinal por meio do site da Osesp, da Catraca Livre, do Guia
Folha, o que mostra a frequência de um público que busca antes o entretenimento do que a
cultura. Todavia, enquanto 35% do público vêm a convite da família, o convite dos amigos
são os responsáveis por 30% do público. Outros tipos de divulgação ficam por parte da
Faculdade (4%); Guia Turístico (2%); Folder, TV, Trabalho, Revista Concerto (6%). O caso
da Revista Concerto é interessante, pois sua assinatura ou aquisição revela um público mais
fidelizado à música erudita, pois ela não apenas difunde a programação musical em várias
capitais do país, mas também publica resenhas críticas dos concertos, dos músicos e maestros.
No gráfico abaixo, pode-se observar que o modo de conhecer o evento diz muito sobre o
sentido dessa prática.
outros
12% família
internet 35%
23%
amigos
30%
156
Essas são algumas das expressões capturadas no decorrer das entrevistas
118
A maior parte afirma que assiste a concertos com regularidade e que não estavam no
matinal porque é um evento gratuito; além disso, 78% deles afirmaram que iriam e vão a
outros concertos que são pagos. Além disso, 60% escuta música de concerto em casa. É
importante dizer que tentei explorar as formas pelas quais o público dos matinais ouve música
a fim de obter maior fidedignidade nas respostas em vez de perguntar de maneira mais direta
e “mecânica”, que tende a ser menos fidedigno. Dentro desta perspectiva, 47% disseram que
ouvem música pela internet e o restante ouve no cd e/ ou rádio. Ora, tanto a internet quanto o
rádio são meios em que a qualidade do som é muito inferior ao do CD – principalmente
quando estes são gravações de selos de prestígio. Ouvir música “apenas” pelo rádio e pela
internet é um indício da baixa exigência musical do público em questões.
Nesse sentido, não sei se posso tomar ao pé da letra a informação de que 41% dos
entrevistados aprecia música desde a infância; mais razoável é aceitar que os 36% que
passaram a gostar de música na idade adulta está subdimensionado. Interessante que 8% dos
entrevistados disseram que não gostam de música ou deste tipo de evento, pois só estavam
presentes porque foram convidados.
Foi o caso de um informante que é carteiro, cujos gostos culturais o classificam no
grupo dos “dominados”, pois não frequenta exposição de arte, não lê livros, assiste a
telejornais de televisão aberta, gosta de música sertaneja e gospel (é evangélico pentecostal),
ouve este tipo de música no celular e no carro, ou seja, de modo frequente. O contato com a
música de concerto deu -se em virtude da religião e, afirma que está na Sala São Paulo porque
quer “crescer na música”. Os filhos são músicos e ele os acompanha. Apesar de tocar
violoncelo e trompete, não apresentou muito conhecimento sobre os compositores clássicos
(citou os mais famosos) e acertou duas músicas – uma de Vivaldi e outra de Beethoven.
O que concluo com esse caso específico – caso este que é parecido com de outros
frequentadores – é que a despeito do contato com a música clássica, a igreja não
necessariamente forma um gosto dominante em outros campos artísticos. Forma dominada de
ingressar no mundo da arte, ela parece predestinar seus recrutados a permanecer no nível mais
técnico – tocar um instrumento – sem com isso desenvolver grandes associações com o
restante dos mundos da arte. Para investigar essa hipótese, o público também foi questionado
a respeito de outros equipamentos que por ventura frequentem. E embora a maior parte não vá
a outros lugares relacionados a concertos (53%), aqueles que vão citaram os seguintes
ambientes culturais e/ou eventos: Centro Cultural São Paulo; Conservatório Villa Lobos;
Emesp; Espetáculos de Dança; Festival de Campos do Jordão; Ibirapuera; Igrejas; Masp;
Pinacoteca; Sescs; Shows abertos; Teatro Santo André; Teatro São Pedro; Teatros Municipais
Um dos fatores que mais influenciam a presença do público na Sala São Paulo,
principalmente o adulto, é a procura por algum tipo de curso voltado para a arte (música,
teatro, pintura, dança, desenho etc). Em todos os três grupos, a incidência dessa busca ao
119
longo da trajetória é grande, no grupo dos “cultivados” todos eles fizeram cursos de arte e até
mesmo entre os “dominados” mais da metade (58%) têm alguma formação. Estão separados
nos quadros 08, 09 e 10, os locais onde as pessoas buscam a formação artística, bem como os
tipos de manifestação. Assim, 62% buscaram ensino artístico fora da escola normal, e a
maioria toca algum tipo de instrumento (66%).
Como o grupo dos dominados é maior do que o grupo dos dominantes, nesta tabela a
incidência de gêneros mais comerciais é maior. O gosto por televisão no grupo dos
dominados tem maior percentual, pois 79% assistem a programas televisivos. Muito
significativo o fato de 85% dos dominados têm o hábito da leitura, porém os gêneros literários
são muito populares, detalhe que a presença de livros evangélicos, espíritas (voltados para
espiritualidade como um todo – “25 Leis Bíblicas do Sucesso”) é muito frequente. A ida a
museu também é prejudicada, pois 72% dos dominados não costuma frequentar este tipo de
equipamento. Enfim, aqui dei maior enfoque ao dominados por eles constituírem o maior
grupo (52%). Mas as considerações mais pormenorizadas vêm a seguir.
157
Frase da informante Maria Julia (nome fictício) no final da entrevista.
124
gosto geralmente requer uma mínima “bagagem cultural”. É certo, porém, que os agentes são
muitas vezes impulsionados pela grande mídia, pelo grupo de amigos ou pelo trabalho, como
percebi através das entrevistas. Quando perguntados sobre a frequência a exposições, 51%
disseram que não têm este hábito. Pouquíssimos informantes souberam especificar a
exposição artística que mais gostaram. Um deles, a título de exemplo, para “provar” que tinha
ido à Pinacoteca ver as obras de Ron Mueck, pegou o celular para mostrar as fotos e enfatizou
que passou seis horas na fila de espera. Isso indica o quanto a ida a uma exposição é bem
cotada no mercado dos bens simbólicos, valorizada como signo de conhecimento e de boa
frequentação. Ainda neste quesito, não podemos nos esquecer da grande força que as mídias
têm ao divulgar as grandes mostras, pois o evento passa a ser quase uma obrigação e uma
forma que os indivíduos encontram de mostrar que são bem informados ou “cultos”. Nos dias
de hoje as redes sociais servem muito bem para este fim e para a divulgação de boa imagem
pessoal: as exposições, bem como teatros e shows são sempre objetos que propiciam certa
admiração.
Em relação às práticas de leitura, os entrevistados menos cultivados têm o hábito de
lerem jornais e revistas de grande circulação, revistas femininas, evangélicas, de celebridades,
como disse um dos informantes, “tem sempre o assunto do momento”. Contudo, muitos
(57%) disseram que com o advento da internet não leem mais revistas e jornais impressos.
A leitura de livros, por sua vez é também um bom indicador dos gostos culturais do
público. Se por um lado, 85% declararam ler frequentemente, todavia os tipos citados não têm
muita projeção no mercado dos bens simbólicos, pois são livros de autoajuda e espiritualistas,
best sellers (tai como “A culpa é das Estrelas). Uma entrevistada, para explicar a falta de
cultivo em todas as práticas, disse que “gosta de praia, de viajar”; outros disseram que leem
“muito a Bíblia” e que “amam livros”, referindo-se à coleção de Harry Potter.
Seguindo a ordem das práticas dominadas, o cinema também foi citado como uma
prática consideravelmente rotineira, pois 58% declararam frequentar salas de cinema. Apenas
um único informante – técnico em telefonia, afirmou que nunca foi ao cinema. Esse grupo vai
em geral a cinemas de shopping e assistir a filmes tipo “blockbusters”. Nenhum cinema de rua
foi mencionado. Em relação ao teatro, 51% dos entrevistados foram a musicais ou comédias,
peças em geral direcionadas ao “grande público” e que por isso são palatáveis. Os teatros
citados foram teatros patrocinados por grandes bancos ou financeiras, tais como o Teatro
Bradesco e o Porto Seguro, ou seja, mais comerciais e onde não há espaço para apresentação
de espetáculos “alternativos”. Em relação à visitação de museus, os números são ainda mais
significativos, pois 72% não vão a esse tipo de equipamento, embora alguns tenham sido
125
que está acontecendo...”. Tal variável estimulou um interesse particular, pois à medida que
agrupei os agentes denominados de “esquerda”, observei que eles têm um gosto mais
cultivado, conforme veremos mais adiante.
Outro quesito muito importante e que merece destaque nesta análise é a presença de
evangélicos. Em minha amostra, 35% são protestantes pentecostais ou não pentecostais e
atrelam seu gosto por música de concerto à prática religiosa. Os comentários que anotei
durante as entrevistas expressam essa ligação – “na igreja tem orquestra”; “desde criança,
devido à igreja” – e isso pode explicar o cultivo apenas na área da música em detrimento do
conjunto de outras práticas culturais legítimas e que demandariam disposições estéticas mais
“nobres”. Até mesmo no campo da música, há aqueles que apesar de tocarem na igreja não
souberam relacionar nenhuma obra ao autor. Esse foi o caso de uma informante autônoma na
área de eventos e que toca órgão desde os 11 anos, o que indica que o mundo dos evangélicos
pode até introduzir a pessoa numa prática artística, mas só essa frequência não é suficiente
para engendrar disposições mais “puras” ou dar impulso a preferência mais legítimas nos
outros gêneros artísticos. Assim, entende-se que muitos deles, especialmente os mais velhos,
estavam lá para ver o sobrinho, o filho, o neto.
Percebi também que a escolaridade dos pais é uma categoria fundamental no grupo
dos dominados. Tanto os pais como as mães dos informantes não têm grau de escolaridade
superior e, quando muito, concluíram o ensino médio. No entanto, como a maior parte é mais
idosa a possibilidade dos pais e das mães terem alto grau de estudo é mais difícil.
Com isso vejo que há fatores que homogeneízam as preferências estéticas, desse grupo
específico: a idade mais avançada, a preferência política pela “direita”, a prática da religião
evangélica e a baixa escolaridade dos pais. Com a análise dos outros grupos, tentaremos
chegar a conclusões com base em comparações mais claras e ou semelhantes.
Nos grupos dos “ecléticos”, conforme o próprio nome já diz, agentes sociais mais
versáteis e que diversificam suas preferências culturais de modo pouco coerente, ou seja,
podem assistir novela, gênero muito popular, e ao mesmo tempo gostar de filme europeu; ou
ouvir pop/rock e conhecer artistas de arte contemporânea. Enfim nestes casos o leque de
possibilidades é extenso. Se levarmos em consideração os estudos de Coulangeon (2010),
veremos que a legitimidade do gosto cultural passa por uma redefinição a partir da variedade
de gostos (pluralidade de repertório). Ao tratar do ecletismo relativo ao gosto musical, por
127
exemplo, o autor afirma que “a legitimidade é menos fundada na proximidade com a música
“pura” do que com certo pluralismo de gostos”. Coulangeon (2010, p. 23, tradução nossa).
Assim, vemos em nossos agentes que têm gosto estético diversificado, vestígios de
conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória, em geral não iniciada na infância. Ou seja,
nesse conjunto percebi a influência da escolaridade, bem como da mudança de vida no sentido
mais amplo, tais como mudança de bairro ou de trabalho.
Metade dos “ecléticos” assiste à TV. O tipo de programa preferido pode ser
considerado mais “cult”: desenhos com o Simpsons, por exemplo, constituem o gosto de
pessoas mais politizadas, com a cabeça mais aberta. Assistem em geral a canais da televisão
fechada, documentários da Discovery, ou seja, programas educativos, séries, mas também
assistem a novelas e programas esportivos. A mesma variedade ocorre com as estações de
rádio, Neste grupo 77% ouvem esse tipo de mídia. As estações mais citadas são rádio que
tocam músicas menos comerciais, ou seja, músicas menos conhecidas se compararmos com
pagode e sertanejo universitário. As rádios Nova Brasil, Usp, Brasil Atual, Cultura e Antena 1
apresentam um repertório diferenciado, com MPB de qualidade e música de concerto. Enfim,
são músicas dirigidas a grupos específicos e não do “grande público”, como é o caso das
rádios Metropolitana, Nativa e Gazeta cujo repertório é extremamente popular, sobretudo as
músicas que estão na moda e que dão muito rendimento à indústria cultural por atingir as
massas.
Os ecléticos também chamam a atenção porque 84% dizem gostar de exposições de
arte. Esse índice se comparado com o grupo dos “dominados”, é bem alto. Esses agentes
souberam citar os tipos de manifestação, tais como fotografia, pintura, escultura, arte abstrata,
moderna, contemporânea e artes visuais, e frequentam lugares importantes nesses eventos –
MIS, MAM, MASP, Instituto Tomie Ohtake e Pinacoteca. Deixaram claro, portanto, que os
frequentam e conhecem algum tipo de arte.
Já no que se refere à leitura de jornais e revistas, há aqueles que leem e/ou assinam
revistas de grande circulação, tais como a Veja e a Época, mas também conversei com
pessoas que leem revistas como a Carta Capital e a Piauí. Há também aqueles que gostam de
revistas de celebridades, tais como a Caras e a People, o que faz este grupo ser muito
interessante, em virtude do espectro de informações passadas através das conversas e
entrevistas. Importante observar que 70% afirmam ler esse tipo de fonte de informação. Os
livros, por sua vez, também compõem o gosto dos informantes, já que 88% têm o hábito da
leitura. Isso sem falar na ampla variação que vai de best sellers a livros de economia,
passando por livros de arte e religiosos.
128
A frequência a cinema também é alta (71%), aqui aparecem tanto os filmes de grande
repercussão até como aqueles mais alternativos – filmes europeus, asiáticos. Já o teatro tem
menor aceitação (53%), como esperado, uma vez que o gosto pelo teatro não é algo é muito
comum, mesmo entre os mais cultivados (40% dos cultivados não vão ao teatro).
O maior cultivo dos informantes desse grupo é revelado através do gosto por estilos
menos popularizados. Em geral, apreciam música “clássica”, MPB (todos os grupos ouvem),
jazz, blues e tango – gêneros não muito difundidos que, por exemplo, dificilmente tocam nas
rádios. É claro que neste grupo também há aqueles que gostam de música mais populares,
mais dançantes, como o pagode. O gospel é um tipo de música que faz muito sucesso nos dias
atuais, em razão do crescimento do número de evangélicos no país e, por isso, é muito
mencionado. Apesar disso, ficou mais evidente pelas falas de meus informantes que este
grupo procura ouvir estilos mais cultivados. Digo isso a partir de comentários tais como:
“ouço de tudo, menos axé, sertanejo e funk”. Isso denota a preocupação com a própria
imagem, uma vez que gostar de funk, por exemplo, pode muitas vezes fazer com que a pessoa
seja rotulada de maneira pejorativa por ser um gênero musical comumente associado à
sexualidade158. Meus informantes também disseram que fazem downloads frequentes de
músicas e também ouvem no rádio, pelo celular, iphone, no carro, enfim, de muitas maneiras,
com disse uma entrevistada vive com música “24 horas, a casa é musicada”. Essa é uma
questão interessante, pois um praticante “legítimo” de audição musical nunca se contenta com
uma audição desse tipo dada a baixa qualidade da música. Além disso, costumam comprar
CDs, pois entendem que se trata de uma obra autoral e que um CD é um todo indivisível, um
momento no curso da obra de um músico.
158
Não quero aqui fazer julgamentos deste estilo musical baseados no senso comum, haja vista que percebo o
funk como uma das muitas vozes das periferias paulistas. Embora esse não seja o foco da discussão, não quero
deixar espaço para interpretações equivocadas.
129
há no grupo dos ecléticos, profissionais com ocupações que não exijam diploma. A maior
parte é formada por profissionais liberais ou profissões ligadas à arte (cantora, gestor cultural,
produtora) e, o único profissional mais modesto que encontrei foi um funcionário público
(CPTM), morador da periferia – zona leste de São Paulo – que está aos poucos mudando seus
gostos culturais.
A escolaridade dos pais é relativamente baixa, pois apenas 26% têm ensino superior,
taxa que é ainda mais baixa com relação às mães (23%). Com isso, percebo que tais agentes
adquiriram o gosto ao longo da trajetória, no sentido de que o convívio com pessoas e
ambientes diferentes do seu berço familiar podem proporcionar a formação de um gosto
estético mais apurado. Embora tenham alta escolaridade, 44% não falam nenhum idioma, o
que explica também um cultivo tardio, fora da esfera familiar.
Conforme aponta Coulangeon (2010), os jovens gostam de variedade e o gosto
estético deles é determinado por seus pares. Embora o autor trate da realidade francesa, aqui
no Brasil, a escola também foi democratizada: logo, essa análise pode ser válida também para
explicar o ecletismo desses jovens brasileiros que frequentam os matinais.
Para exemplificar um caso de mudança tardia de gosto, enfatizo a trajetória de um
agente de 29 anos, estudante de arquitetura (bolsita do Prouni) que descobriu o gos to por
eventos culturais através da faculdade. De maneira geral, suas preferências são cultivadas,
pois assiste a documentários, gosta de exposição de fotografia, de arte moderna, ouve Chico
Buarque, apesar de ler também best sellers (“A menina que roubava livros”). Afirmou que
frequenta ambientes culturais para “ampliar o repertório” e que está “descobrindo o gosto”.
Neste grupo, 40% não vê televisão e aqueles que assistem, preferem os filmes e
documentários. As estações de rádio seguem o padrão dos ecléticos, ou seja, rádios que tocam
MPB (Chico Buarque, Caetano etc). É interessante verificar como a música popular tornou-se
mais elitizada, tal como o samba de raiz que hoje em São Paulo é tocado nos bares de classe
130
média alta como Pinheiros e Vila Madalena. Essa mudança que ocorreu com o samba aqui em
São Paulo, ocorreu com o Jazz nos EUA, como aponta Coulangeon (2010), ao tratar da
estetização dos gêneros populares. O forró pé-de-serra também é um gênero musical que
agrada uma fração de classe das camadas mais cultivadas. O reduto do forró pé-de-serra do
bairro de Pinheiros geralmente é frequentado por jovens brancos, de classe média e
universitários da USP. Esse fenômeno de estetização da cultura popular também tem o poder
de transformar o gosto das pessoas por ser um elemento de um novo estilo de vida.
Diante dos outros grupos, não há muita diferenciação em relação ao gosto pela leitura,
pois as mídias dominantes também aparecem (Folha, Estadão, Isto é etc.); porém há aqueles
que leem a revista Concerto, a revista História e a Carta Capital, que podem ser consideradas
mídias fora do padrão das comerciais. Por sua vez, traz conteúdos políticos ou mais
especializados (Revista Concerto) ou no plano político, mais à esquerda.
O tipo de literatura preferida dos informantes deste grupo demonstra mais cultivo, pois
foram citados livros clássicos, tais como os russos Dostoievski e Tolstoi, livros de ciência
política (Caio Prado), de filosofia (Como Conversar com um Fascista), bem como poemas e
poesias. Alguns disseram que leem mais de um livro por vez, porque apreciam muito essa
prática. Nas entrevistas com os agentes menos cultivados, pude observar que não conseguiam
lembrar o nome dos autores favoritos: durante a conversa não demonstravam muita
propriedade e falavam de um modo superficial, coisa que não acontecia quando estava
entrevistando um informante portador de disposições legítimas, que não titubeavam e
gostavam de falar sobre suas preferências.
Seguindo esta mesma linha, esses agentes preferem filmes e peças de teatro fora do
“mainstream”. Todos os agentes “cultivados” vão ao cinema frequentemente e são
expectadores de filmes de arte – europeus, latino-americanos, asiáticos. Importante salientar
que mesmo neste grupo a ida ao teatro não é uma atividade muito praticada, (40% não
frequentam): no entanto, aqueles que vão citaram lugares mais alternativos como os teatros da
praça Roosevelt e, o Circuito Sesc que são teatros mais “undergrounds”. Neste contexto, os
gêneros mais apreciados por este grupo é o drama, a comédia e a tragédia. Os “cultivados”
vão muito a museus (90%). Essa variável juntamente com o gosto pela leitura também é um
elemento que demonstra cultivo, pois nos outros grupos a frequência a museu é quase
prejudicada.
O gosto musical é voltado para a música instrumental, jazz e música de concerto,
músicas que não são reproduzidas pela indústria cultural e que circulam em alguns nichos e
que não mantêm relação com a dança, o que é típico em gêneros musicais mais populares.
131
Como ocorreu nos outros grupos, as variáveis de indumentária não obtiveram retorno
para análise, pois foram respondidos com pouca fidedignidade, De todo modo, o brechó foi
citado por este grupo, mas a maior parte disse que prefere as roupas mais baratas.
ETNOGRAFIAS
09.03.2014 – matinal
As vestimentas utilizadas pelos frequentadores dos matinais são as mais informais
possíveis (bermudas, camisetas, tênis), por isso, percebi que o público de hoje era composto
por pessoas aparentemente pertencentes às frações das classes mais altas devido ao tipo de
roupa (mais formal) além de serem brancos, de olhos claros. Havia, pois, muitos estrangeiros,
sobretudo alemães (pelo menos foi o idioma que mais ouvi). Isso se deu em razão do concerto
fazer parte das comemorações do “Ano da Alemanha no Brasil” e também porque o coro que
estava se apresentando era de Hamburgo.
Mas os grupos de costume também estavam presentes – as ONGs, as excursões, o
público que não é frequentador assíduo.
133
Uma diferença que vejo no público do matinal com relação ao público dos outros
concertos é que nos matinais poucas pessoas acompanham a programação no folheto, o que
denota falta de conhecimento das obras e composições. Geralmente quando a programação
traz um coral, percebo um público mais distinto, mais formal, embora hoje tenha sido um
evento especial, com a presença dos estrangeiros. O público de hoje é formado por pessoas
mais idosas.
As pessoas em geral tiram muitas fotos do espaço, ouvi um comentário “vou postar no
instagram”. Mostrar para os amigos e conhecidos que foi a um evento cultural é algo muito
comum hoje em dia, as redes sociais são alimentadas com este tipo de informação, o que de
certa forma contribui para ser reconhecido socialmente como uma pessoa que tem cultivo,
frequentação. A tentativa de ser reconhecido também é fácil de ser percebida através dos
comentários que os agentes fazem nos corredores, banheiros, como uma senhora que disse em
voz alta para um grupo “Villa-Lobos é Villa-Lobos, né?”, ou seja, demonstrando que sabia o
que iria ser tocado e que compreendia tal código.
As fotos e filmagens que são proibidas durante as apresentações são muito recorrentes
nos matinais.
Como se trata de um evento que demanda concentração, geralmente as mães de crianças
pequenas saem do ambiente, pois as crianças ficam muito agitadas.
Por duas vezes aplaudiram na hora errada, entre os movimentos, e as pessoas que
estavam perto de mim, entreolharam-se e riram da situação.
A apresentação era mais voltada para o popular, pois o coro trouxe instrumentos de
percussão, pandeiro, afoxé, e outros que não consegui identificar. Esse tipo de instrumento
tem apelo mais popular devido ao movimento de dança que provoca. E isso atrai a plateia que
gosta de interagir com os músicos e cantores.
Mais uma vez houve explicação do concerto, e essa é uma característica marcante dos
matinais.
Alguns professores do ensino médio que aparentemente estavam na Sala São Paulo pela
primeira vez, dado ao encantamento que demonstravam, estavam acompanhados por um
amigo que os “ensinava” como deveriam agir. Ele também falava sobre as gesticulações dos
músicos. Um deles disse para uma senhora “a gente tá descobrindo a orquestra”, depois que a
senhora ofereceu um folheto para um deles quando ouviu os comentários a respeito da
orquestra.
Nos concertos mais nobres dificilmente alguém tira foto, somente aqueles que, de fato,
não são frequentadores habituados. Vi uma senhora repreendendo duas pessoas que estavam
conversando durante a apresentação solo de um violinista.
Por certo, os frequentadores de hoje são bem diferentes do público dos matinais; a
diferença é notada pela postura, vestimenta (principalmente das mulheres). Tanto que quando
há um agente menos familiarizado, ele é facilmente identificado.
A atmosfera do evento é muito mais requintada. Durante o intervalo o salão fica cheio e
as pessoas bebem vinho e champanha. Percebe-se que as pessoas estão lá para serem vistas e
para encontrar seus pares.
Nos balcões os agentes com mais status se agrupam, é notória a diferenciação social, as
roupas, a elegância, as conversas sobre negócios e/ou arte.
Vi algumas pessoas tirando fotos da sala no intervalo, no espaço do Coro, fui até lá e vi
que eram turistas estrangeiros, ou seja, uma exceção, pois os habitués não tiram fotos, já que
estão acostumados com o lugar.
À tarde não há explicações didáticas, mas o maestro ou o diretor artístico sempre faz
uma acolhida, hoje, por exemplo, a regente Marin Alsop leu o folheto para dizer o que iria ser
tocado.
30.03.2014 – matinal
Hoje, muitos grupos estão presentes. As excursões sempre marcam presença nos
matinais. Com isso, muitas pessoas de origem mais simples passam a frequentar a Sala São
Paulo. Em contrapartida, senhoras mais distintas que penso pertencer às frações das classes
médias e altas (em razão de suas vestimentas e também porque algumas delas eu encontro nos
concertos de outros horários). Essas senhoras são brancas, têm os cabelos e olhos claros,
vestem-se com roupa de alfaiataria, roupas por sinal, diferentes daquelas usadas por pessoas
mais simples que geralmente veem em grupo, nas excursões.
135
Hoje na apresentação da Banda Sinfônica, mais uma vez o maestro explicou que neste
tipo de conjunto musical, os instrumentos de sopro são predominantes, diferentemente da
orquestra que traz os instrumentos de cordas como naipe principal.
As pessoas que não estão acostumadas com a apresentação e com o lugar demonstram
em palavras e gestos. O casal ao meu lado diz que tudo é “impressionante”. Outro rapaz que
estava sentado ao meu lado tentava entender a disposição dos músicos. Hoje, um
representante da orquestra leu um texto explicativo sobre a sinfonia.
Houve alguns deslizes por parte do público, palmas no momento errado, celulares
tocando, crianças falando e chorando. Além de muitas pessoas que são repreendidas por
fotografarem no momento indevido. Os funcionários estão sempre atentos.
Nos matinais, poucas pessoas acompanham o folheto. Penso que esse é um dos
diferenciais entre os agentes que conhecem ou não o mundo da música “clássica”, pois nos
concertos tradicionais, muitos acompanham e apontam para os amigos que se trata de
determinada música.
O repertório de hoje é alegre, dançante, muitos balançavam a cabeça ao acompanhar a
música.
As crianças sempre ficam entusiasmadas com o desenrolar do concerto. Gostam de
dançar, de gesticular, de apontar os músicos. Mas também percebo muitos adultos encantados
com os músicos, com a forma deles se comportarem, os gestos, os movimentos. A maestrina
era muito alegre e bem disposta; fez todos baterem palmas para acompanhar o compasso da
música, e com isso ganhou a simpatia do público. As pessoas hoje saíram muito
entusiasmadas, não queriam que o concerto acabasse.
É comum esse tipo de reação do público nos matinais, ou seja, aproximar a orquestra do
público. Há inegavelmente uma preocupação com o divertimento da plateia, embora a
maestrina ter sido bastante espontânea.
06.04.2014 – matinal
Como sempre retiro o ingresso na hora, pensei que hoje não conseguiria, pois os
ingressos haviam se esgotado, mas apesar da grande fila de espera, todos conseguiram entrar,
uma vez que aos domingos a bilheteria imprime ingressos quase na hora do início do
concerto. Sempre que a Jazz Sinfônica se apresenta, a procura é grande.
Ainda no hall de entrada, capitei o encantamento de algumas senhoras pela Sala São
Paulo – “Nossa! Que lindo!”.
136
Um rapaz que estava sentado perto de mim disse “mas o maestro não fala nada?”, isso
demonstra que o público não é homogêneo, pois há aqueles informantes que ainda estão
aprendendo não só a se comportar como também a compreender melhor o desenvolvimento
dos concertos.
15.06.2014 – matinal
Uma das principais características dos matinais é a presença de famílias; hoje a presença
das crianças é notável, contudo hoje o público também está formado por um número maior de
idosos, lembrando o público da tarde (idosos aparentemente cultivados).
As pessoas de modo geral ficam encantadas com os movimentos dos músicos, elas
comentam, apontam, debruçam-se sobre os balcões.
O concerto foi explicado didaticamente pelo diretor artístico e regente titular. Sempre
que uma banda sinfônica se apresenta, a diferença entre as bandas e orquestras é esclarecida.
Hoje o compositor da obra a ser executada Edson Zampronha, explicou como se deu o
processo de composição da sinfonia “Geia”. A oportunidade do compositor falar do próprio
trabalho é interessante por dois motivos: o público mais leigo fica ainda mais envolvido e a
meu ver, sai do espetáculo com a sensação de que aprendeu algo importante, e para o próprio
produtor de um bem simbólico é uma chance única de ganhar mais notoriedade num campo
restrito como o da música de concerto. Não tive a oportunidade de ver uma situação parecida
nos concertos noturnos.
Às vezes, o comportamento dos frequentadores, especialmente daqueles que estão
sentados perto de mim, traz elementos de análise que me permitem compreender parte do
público. Como um casal que não tinha paciência com o “entra e sai” do maestro e reclamava
todas as vezes que tinha de bater palmas. No mesmo instante, uma senhora tentava fotografar
o evento, outra, falava alto e a ainda algumas pessoas aplaudiram entre os movimentos. Todas
essas “profanações” num local “sagrado” foram vistos com muita indignação por um senhor
que olhava com desdém e impaciência para esses frequentadores não habitués.
Nos matinais é comum a presença de dois tipos de público, os mais leigos que não estão
acostumados com os “ritos” do concerto e demonstram seu estranhamento, como também
aqueles que minimamente se incomodam com a presença dos menos cultivados, em razão do
comportamento “impróprio” para a ocasião.
138
nas óperas, neste dia, por exemplo, o telão foi utilizado para explicar que a música de Villa-
Lobos abordava as lendas indígenas do Amazonas.
Hoje há muitos casais e muitos idosos. Contudo, uma característica marcante nesses
concertos é a presença de pessoas que vão sozinhas.
Hoje vi pessoas tirando foto, mas obviamente o concerto não é frequentado apenas pelos
habitués. O maestro explicou a obra que ia ser tocada. Ele explicou que na época de Mozart
era comum aplaudir após os movimentos da música. Isso chamou a minha atenção, já que só
vejo isso acontecer nos matinais, pois à noite geralmente o público é conhecedor dos rituais.
E, de fato, as explicações não tiveram, a meu ver, um caráter pedagógico, foi uma espécie de
bate-papo entre o maestro e a plateia.
24.08.2014 – matinal
Cada vez mais a Sala São Paulo está mais lotada. A fila de espera nos concertos
matinais é gigantesca.
A presença das famílias é notória. Fui a dois concertos noturnos esse mês e vi que as
“cores” do público são mais heterogêneas, uma vez que as pessoas pardas vêm com
frequência, no entanto, os negros são minoria.
As crianças sempre se divertem com as apresentações, elas ficam encantadas e prestam
muita atenção. Em todos os concertos há sempre uma ou mais crianças imitando o maestro.
Os adultos também acham interessante e comentam entre si.
Os agentes vêm trajados de maneira muito informal, sobretudo quando o dia está
ensolarado; algumas pessoas vêm com roupas esportivas; algumas chegam de bicicleta, enfim,
o clima é de descontração, de lazer.
Hoje a apresentação ficou por conta da Banda Sinfônica. Quando eu estava entrando,
escutei uma mulher dizendo que preferia a Osesp. Durante o concerto, mais uma vez, o
público foi perguntado sobre a diferença entre uma banda e uma orquestra. O maestro
explicou com muita clareza.
A peça unia o erudito e o popular. Efetivamente, as apresentações são mais animadas.
Os músicos se esforçam para tornar a apresentação mais agradável. Hoje eles fizeram uma
encenação. A música incorporava o ritmo de canções folclóricas da Argentina e o maestro
disse que “é difícil de acompanhar”. Hoje, a obra era longa, até senti falta de um intervalo
como ocorre nos noturnos.
Peguei o trem com um grupo de amigos que estava no concerto. Eles estavam
conversando sobre como as pessoas devem se comportar num lugar como a Sala São Paulo e
também em outros lugares onde a arte legítima está presente (exposições, museus). Na minha
avaliação, tratava-se de agentes muito dominados. Eles estavam satirizando as regras de
141
comportamento, mas ao mesmo tempo, concordando com elas; um deles disse “se for, tem
que entrar na dança”, ou seja, apesar de achar as regras engraçadas, quando lá estiverem, é
preciso se comportar adequadamente. Pela conversa que ouvi, eles frequentam o circuito
cultural de São Paulo e dão muita importância a isso. Sendo assim, começo a perceber que
existe uma frequentação sem a exata apropriação do habitus dominante.
21.09.2014 – matinal
A apresentação de hoje ficou a cargo de uma banda. O público não estava muito
volumoso. Quando cheguei, os ingressos já estavam esgotados, no entanto, a sala de concertos
estava praticamente vazia.
No início do concerto, a maestrina explicou a diferença entre a música erudita e a
popular. Disse que a música popular é aquela que faz as pessoas se extroverterem, ao passo
que a erudita, projeta a introspecção nos agentes. Ela também falou sobre a música
contemporânea, que é aquela que faz o indivíduo “sair de si”, é a música que “choca”, pois
não é melodiosa.
Houve a preocupação com a legitimidade da banda sinfônica, face à importância das
orquestras. A maestrina ao enfatizar que Stravinsky escreveu muitas obras para os “sopros”,
quis dizer que as bandas tocam músicas “sérias” e não apenas músicas para o entretenimento.
Além disso, ela explicou todas as peças que foram tocadas, como também falou sobre a
questão dos movimentos, em razão das palmas em momentos inoportunos.
Hoje, a maioria do público demonstrou não conhecer as regras, por exemplo, a
maestrina entrou pela quarta vez e quase não foi aplaudida. As pessoas ficam esperando o
momento correto.
O público hoje estava muito agitado. Alguns celulares tocaram, muitas pessoas tiraram
fotografias e/ ou gravaram a apresentação e obviamente os funcionários tiveram que
repreendê-las.
O tipo de apresentação de hoje, fez-me pensar que o matinal é um programa
experimental tanto pela parte de formação de público, como também por abrir espaço a
bandas e orquestras ainda em ascensão. A banda de hoje, por exemplo, era composta por
alunos. A apresentação foi muito longa e cansativa, pois nos matinais não há intervalos.
A última música tocada tinha origem latino-americana. A plateia gostou muito,
sobretudo as crianças, pois quando a música é mais animada, elas se divertem e dançam
muito.
142
12.10.2014 – matinal
Hoje a programação é de ordem popular159, trata-se de uma homenagem a Tom Jobim.
O público ficou muito entusiasmado com as apresentações, pois as músicas eram muito
conhecidas160, sobretudo pelos mais velhos. As músicas eram muito românticas e/ou alegres.
159
Quero fazer uma ressalva sobre a concepção de popular. Por mais que chamemos assim, esse tipo de
repertório (Tom Jobim, Cesar Camargo Mariano, Gilberto Gil, Chico Buarque), não atinge as grandes massas.
Podemos chamar de popular, simplesmente por não ser uma música de concerto, instrumental, contudo, os
nomes citados, não formam o gosto do público menos abastado, das classes populares. Isso é notório quando
conversamos com as pessoas com menos capital econômico. Quando vamos a um bairro periférico. Esses lugares
são alcançados pela eficiência da indústria cultural, aquela que de fato, preocupa-se com a vendagem e não com
a “arte”. Sendo assim, o popular aqui tem que ser analisado com muitas aspas; é o popular das classes médias,
dos agentes cultivados.
143
Hoje foi a primeira vez que vi uma apresentação de piano nos matinais (eram dois).
Hoje o público era heterogêneo – idosos, adolescentes, crianças. Muitas famílias
presentes; todavia, há aqueles que vêm desacompanhados.
O público não tem muita paciência de esperar a música acabar, ouvir a última nota; as
pessoas ficam com pressa para aplaudir.
07.12.2014 – matinal
Hoje o Coro da Osesp se apresentou.
As pessoas usavam vestimentas bem casuais, esportivas, sobretudo por causa do calor.
Ficou evidente que muitos agentes vieram para ver a apresentação de seus familiares, o
que aumenta a chance da plateia ficar ainda mais inclinada a tirar fotografias e fazer filmagens
não autorizadas. Os pais acenam para os filhos e ficam muito emocionados.
Neste tipo de apresentação, sempre há muita conversa paralela e isso atrapalha e
incomoda algumas pessoas (ainda mais que hoje havia presença maciça de crianças).
Hoje o público estava muito impaciente (entravam e saíam em todo momento).
Além disso, o repertório cantado pelo coro formado por adolescentes não era muito
palatável, pois era composto por músicas mais lentas, músicas sacras e isso acarretou na saída
de muitas pessoas. O que denota o quanto o público do matinal não está acostumado com um
repertório mais denso, pois eles preferem músicas animadas.
Já na apresentação do coro infantil, as músicas eram mais alegres e o público gostou
mais, dado à graciosidade das crianças e também por conta das canções natalinas que boa
parte do público conhece.
O regente também explicou uma das peças, como sempre ocorre nos matinais, além de
dizer que o coro faz parte dos programas educacionais da Osesp.
O regente também falou a questão dos movimentos das obras, no entanto, o público
mais uma vez errou o momento de aplaudir.
08.03.2015 – matinal
Os matinais desde 2014 passaram a ser muito disputados. Os ingressos se esgotam
muito rapidamente durante a semana, porém alguns ingressos são disponibilizados minutos
antes do início do concerto. Para tanto, uma grande fila é formada no guichê do
160
Samba do Avião, Desafinado, Insensatez, Águas de Março (Tom Jobim); Domingo no Parque (Gilberto Gil);
Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes). Programação disponível em www.osesp.art.br. Acesso em:
22/10/2015.
144
estacionamento. Esta fila facilita muito o meu trabalho, haja vista que percebo de antemão o
comportamento das pessoas, suas vestimentas, vejo se vêm acompanhados, se já estão
familiarizados com o lugar. Converso aleatoriamente com os informantes.
O público de hoje era bem variado no que se refere à idade e sexo, mas homogêneo com
relação à etnia (a maioria era formada por pessoas de pelo branca). Percebo a cada matinal a
presença constante de jovens universitários. Percebo através dos estereótipos – os homens
brancos, com barba, cabelo grande, usando roupas mais alternativas como camisas
estampadas; as mulheres geralmente usam vestidos que vemos em brechó, sandálias rasteiras,
cabelos “modernos”, adornados, enfim, são estereótipos típicos de alunos de cursos de
humanas. Há também aqueles que vêm de bicicleta e consequentemente trajam roupas
esportivas. O público é predominante jovem (até 40 anos).
As famílias compareceram maciçamente, sobretudo pais e mães jovens que
possivelmente têm a preocupação de introjetar este tipo de habitus em seus filhos pequenos.
O matinal hoje traz a comemoração dos 25 anos da Jazz Sinfônica. As roupas dos
músicos estavam fora do padrão (roupas coloridas, bem casuais). O maestro explicou que o
compositor homenageado de hoje (Edmundo Villani-Cortês) transita entre o popular e o
erudito – o que confirma a proposta dos matinais, que é atrelar essas duas instâncias da
música. As primeiras músicas eram mais clássicas e as outras peças seguiam a ordem do
popular. O público foi informado sobre o processo de composição. Os maestros dos matinais
se preocupam em deixar o público mais à vontade, as apresentações são mais divertidas, de
modo que as músicas quase incitaram o público a dançar.
Pela manhã, quando a música é muito extensa e mais lenta, a concentração do público
fica prejudicada, pois as pessoas ficam sonolentas ou agitadas. Penso que a orquestra percebe
isso, por isso, eles mesclam os tipos de música e logo passam para uma composição mais
agitada. No caso de hoje, o uso da percussão foi bem importante para atrair o público que ao
final ficou mais entusiasmado.
O concerto de hoje terminou com peças de Chico Buarque e o público gostou muito,
pois as pessoas foram convidadas para cantar a música.
Como acontecem em todos os matinais, as pessoas filmam e fotografam apesar de não
ser permitido. Muitos chegaram atrasados, mas em respeito ao bom andamento do espetáculo,
só entram entre os intervalos das músicas.
145
15.03.2015 – matinal
A Orquestra Criança Cidadã apresentou-se hoje. O público era formado por algumas
ONGs. Sentei perto de um grande grupo – “meninos da Brasilândia”. Hoje também havia um
grande grupo de turistas coreanos. As pessoas que aparentemente pertencem às classes médias
sempre estão presentes, assim como os universitários. As famílias vêm em peso; não há um
concerto em que não ouço o choro de uma criança.
O repertório de hoje é muito popular161 e isso faz as crianças ficaram ainda mais
agitadas. Eu estava perto de algumas crianças de 10 ou 12 anos que não conseguiam ficar
caladas por muito tempo. Os funcionários ficam atentos às crianças e repreendem algumas
vezes suas mães.
Foi muito significativo ver um maestro negro e nordestino. Uma coisa que percebo é
que sempre há negros na plateia quando a orquestra tem uma proposta mais inclusiva, neste
caso, como há alguns músicos negros, as famílias vêm prestigiá-los.
As apresentações de hoje foram inusitadas. Um músico saxofonista acompanhou a
orquestra, vestido do personagem de “malandro” e tocou Chico Buarque. A plateia gostou
muito e cantou junto com a orquestra. O forró e o frevo também agitaram o público.
No final do concerto o homem trajado de “malandro” que é um importante
instrumentista do frevo de rua de Recife, disse que na rua os músicos podem tocar bem ou
mal porque todos querem se divertir, mas no “principal templo sagrado da música clássica” o
músico tem que se superar e isso, segundo ele, é muito enaltecedor para um artista de rua.
Hoje, os músicos improvisaram bastante, explicaram o que era o frevo, mudaram o
repertório, foi de fato, um concerto popular e agradou a visivelmente a todos. A plateia
aplaudia muito, pedia bis e não queria ir embora.
05.04.2015 – matinal
Havia uma fila imensa de retirada dos ingressos, como já afirmei, o público dos
matinais está aumentando cada dia mais.
Hoje foi realizado mais um concerto popular. O repertório da Orquestra Jovem Tom
Jobim. Os músicos estavam usando chapéu branco, fazendo alusão ao músico. O repertório
foi composto por músicas nordestinas e também por canções populares – Milton Nascimento,
Pixinguinha, Vinicius de Moraes. O maestro explicou que os jovens músicos eram bolsistas.
Ary Barroso – Aquarela do Brasil; Autores Diversos - Homenagem a Jackson do Pandeiro; Dominguinhos –
161
Lamento Sertanejo; Maestro Spok – Um pouco da história do Frevo. Disponível em www.osesp.art.br. Acesso
em 25/10/2015.
146
O público filmou a apresentação, bateu palmas no momento errado por duas vezes
(mesmo após o maestro explicar que haveria uma sequência de sete músicas), ou seja, a
plateia não é conhecedora das regras, aplaudiram quando o maestro ainda estava regendo.
A necessidade de ver a orquestra é constante. As pessoas ficam muito curiosas.
As músicas foram muito dançantes, a plateia gesticula para acompanhar o maestro.
O maestro por sua vez, enalteceu a música popular brasileira, disse que ela tem grande
representatividade no exterior. Disse que foi uma revolução trazer as cordas (violinos e
violas) para a música brasileira, pois durante muito tempo esse naipe só fortalecia a tradição
europeia. Ele comentou a respeito do distanciamento que há entre a cultura brasileira e a
música erudita.
Muitas canções infantis no repertório. As crianças apreciaram muito. O maestro pediu
para o público acompanhar com a música. E mais uma vez a última música foi um frevo e isso
deixa a plateia muito animada.
03.05.2015 – matinal
Hoje a apresentação foi diferenciada, a ópera La Traviata foi encenada. Nos matinais
isso ocorre raramente. Antes do início do espetáculo, a ópera foi explicada detalhadamente.
Não sei se isso acontece também nos concertos noturnos. Não tive a chance de assistir a uma
ópera à noite na Sala São Paulo, mas quando fui ao Theatro Municipal, não houve explicação,
apenas a tradução no telão. Partindo do pressuposto de que nos matinais o público é mais
leigo, a explicação faz-se necessária.
As pessoas ficaram muito encantadas, prestaram bastante atenção, ainda mais porque se
tratava de uma triste história de amor. A ópera chamou muito a atenção da plateia devido à
encenação e também porque raramente o público dos matinais é contemplado com este tipo de
apresentação.
Não vejo nenhum funcionário repreendendo os frequentadores, pois eles não utilizam o
celular no durante as apresentações.
A sacralização do ambiente é muito forte. A quietude permanece até mesmo quando os
funcionários arrumam o palco.
O intervalo é um momento propício para verificar a distinção dos frequentadores, pois o
salão onde fica o restaurante e o café fica lotado. É uma perfeita forma de sociabilidade, pois
os agentes encontram seus pares, são vistos. Tudo é requintado, muitos transitam com suas
taças de vinho.
24.05.2015 – matinal
Hoje finalmente a Osesp se apresentou no matinal, foi a mesma apresentação de quinta
à noite e a única diferença é o tempo da apresentação.
O público é muito volumoso e diversificado. É interessante quando percebo a reação de
pessoas que nunca vieram antes. Uma moça perguntou “cadê o maestro?”. Quando o spalla162
entrou, ela o confundiu com o maestro. Eles têm muitas curiosidades, fazem perguntas uns
aos outros.
Ao meu lado, uma senhora reclamava do choro de uma criança. Muito provavelmente
ela não está acostumada com a presença de crianças nos concertos, mas essa é uma
característica do matinal. Outra senhora ao meu lado não reconhecia o momento correto de
bater palmas. O público em geral aplaude no momento inoportuno.
Como se trata do mesmo repertório de um concerto de horário nobre, a diferença entre
os públicos fica ainda mais latente. Sem dúvida, tudo é diferente, a “atmosfera” do matinal
tem um clima de festa, o público é descontraído, as vestimentas são mais despojadas e o
deslumbramento das pessoas é visível.
Hoje não houve nenhuma informação sobre o concerto. Geralmente quando é a
Osesp o caráter mais didático não opera.
162
“A palavra italiana "spalla" é o nome dado ao primeiro violinista de uma orquestra. Existe somente um Spalla
para cada orquestra. Ele é a figura mais importante depois do maestro. Além de orientar a afinação da orquestra é
a referência para os outros instrumentistas, caso haja dúvidas sobre as indicações do maestro”. Fonte:
Conservatório Digital. Disponível em: http://www.conservatoriodigital.com.br. Acesso em: 25/10/2015.
148
O público em geral não é muito idoso, a maioria está na faixa dos 40 anos. O que é
curioso, pois geralmente os frequentadores dos concertos da tarde são mais velhos.
Como a maioria é habitué quase ninguém fotografa a sala; sentei do lado de uma moça
que estava tirando fotos e logo soube que era o primeiro dia dela na Sala.
A estrutura da apresentação do coral em horário nobre é mais elaborada. É uma
superprodução que utiliza, de fato, o espaço do coro, há apresentação de solistas, a orquestra
acompanha o coro, ou seja, a dinâmica é bem arquitetada.
Chamou-me atenção o fato da cantora principal ser negra. É muito difícil isso acontecer.
O público se concentra, apesar de a peça ser extensa. Embora eu perceba que as
apresentações de maior duração canse até mesmo o público mais acostumado com a música
clássica.
163
Para ilustrar isso, exponho a conversa que ouvi entre duas senhoras num banheiro: uma delas disse que foi a
um concerto em outro lugar e o porteiro disse a outro que não sabia do que se tratava o evento. Então, a amiga
dela disse: “que povo sem cultura”. Ou seja, na economia das trocas simbólicas, ir a um concerto e ser
conhecedor desse tipo de arte, é uma forma de pertencer a uma classe, de ser reconhecido; coisa que o porteiro,
por não conhecer ou não apreciar, não poderia ser.
149
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desta pesquisa tentei analisar a relevância de uma sala de concerto como a
Sala São Paulo na disseminação da cultura dominante, já que a Sala São Paulo junto com os
outros espaços culturais da região da Luz são âncoras culturais que permitem o maior contato
do público em geral com a arte “legítima”, dado o seu valor histórico e também em razão de
serem espaços voltados para as atividades turísticas. Além disso, como vimos no capítulo
primeiro, existe a pretensão por parte do poder e da iniciativa privada de “revitalizar” esta
região da cidade de São Paulo através desses equipamentos em face da degradação social que
se instalou no bairro, para tanto, a “cultura” é vista como uma estratégia indefectível.
A Sala São Paulo, apesar de ser um dos redutos da alta burguesia, em razão do tipo de
prática que ali é desenvolvida, busca por meio de vários programas democratizar a música de
concerto, como também o acesso a um equipamento visto como elitizado a frações menos
prestigiadas da sociedade, haja vista que a Fundação Osesp tem compromissos de
responsabilidade social. Assim, como consta no segundo capítulo, seus programas educativos
têm a missão de ampliar o público dos concertos no sentido de que a Sala seja ocupada por
pessoas que não necessariamente tiveram contato com a arte “legítima” ainda nos primeiros
anos de trajetória.
O trabalho também discutiu no terceiro capítulo, as políticas culturais que visam
quebrar a barreira simbólica que há entre o grande público e as manifestações artísticas
denominadas legítimas. Também tratamos da importância do trabalho do terceiro setor na
ampliação do público de cultura por meio de parcerias como a que acontece entre algumas
ONGs e a Osesp, especialmente nos concertos matinais.
Embora seja evidente, que pelo menos na Sala São Paulo, a frequentação seja
realizada, grosso modo, pelas classes mais altas, há também um público detentor de menor
capital (econômico e cultural) que passou a frequentar este espaço em função de um espectro
de fatores. Desde já, posso elencar alguns: os programas educativos; as parcerias com as
ONGs; a frequentação a cultos e o aumento do grau de escolaridade, por exemplo, vão de
encontro à visão de que apenas as elites frequentam os equipamentos culturais, especialmente
uma sala de concertos.
No entanto, o maior objetivo da presente pesquisa era compreender como o gosto pela
cultura dominante foi formado, mais especificamente saber se a prática do concerto é
homóloga a outras práticas dominantes. Para tanto, foi realizado um trabalho de campo que
usou dois tipos de método: a etnografia dos concertos noturnos e dos concertos matinais, que
150
REFERÊNCIAS
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ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO
1. SEXO:
( ) Feminino
( ) Masculino
2. IDADE: ______________________________
5. OCUPAÇÃO: ____________________________________________________________
7. RELIGIÃO
1. ( ) Católico
2. ( ) Evangélico Pentencostal
3. ( ) Evangélico Não pentecostal
4. ( ) Muçulmano
5. ( ) Judeu
6. ( ) Espírita
7. ( ) Religiões Afros (Umbanda, Candomblé etc)
8. POSIÇÃO POLÍTICA (Em quem votou para presidente nas últimas eleições?):
___________________________
A. Televisão:
Assiste televisão? Com que frequência? Que tipo de programa prefere? Pode dizer os nomes dos
programas que assiste?
Assiste mais à TV aberta ou fechada?
B. Rádio
Costuma ouvir rádio? Quais as estações preferidas?
C. Esportes:
Pratica algum esporte? Anda, corre, faz academia/ginástica?
D. Exposições de arte:
Você gosta de frequentar exposições? Quais os lugares? Qual o tipo de exposição preferido?
Pode citar a última exposição que foi?
E. Jornal e Revista
É assinante de algum jornal ou revista? Lê na internet?
Pode citar o nome? Lê frequentemente?
F. Livros
Você gosta de ler livros? Qual o último livro que leu ou está lendo?
Qual o tipo de literatura favorito? Costuma frequentar bibliotecas?
G. Cinema:
Vai a cinema com frequência?
Pode citar o nome do último filme que assistiu?
Frequenta que tipo de cinema? Shopping, Belas Artes...
161
H. Teatro
Costuma ir a teatro?
Pode dizer o nome da última peça que assistiu?
Qual teatro costuma frequentar?
I. Museu
Costuma visitar museus? Com que frequência? Quais?
J. Gênero Musical
Qual o seu estilo de música favorito?
Pode citar um artista preferido?
Costuma comprar cd? Baixar música na internet? Ouvir música no celular, iphone, no carro?
Costuma ir a shows?
L. Roupas:
Com relação às suas roupas, onde costuma compra-las?
Lojas de grife? Lojas populares? Pode dizer o nome da loja? Costura em casa?
M. Bebida
Qual o tipo de bebida favorito?
19. O. Que outros tipos de atividades culturais você costuma participar? (Saraus, espetáculos de dança,
shows, circo, festas populares, feira de artesanato, dança)
20. Que tipo atividade que você nunca costuma participar: _____________________________________
21. Você consegue dizer o que te influencia a praticar atividades culturais? (família, escola, amigos?)
Desde quando passou a gostar de frequentar?
22. Com que tipo de transporte chega à sala São Paulo? _______________________
23. É a primeira vez que vem à Sala São Paulo? 1. ( ) sim 2. ( ) não
23.1. É assinante dos concertos? 1. ( ) sim 2. ( ) não
23.2. Com quem você costuma vir à Sala São Paulo? __________________________________________
23.3. Você costuma ver concertos com certa frequência? ____________________________________
24.3. Como você veio à Sala SP? Quem te trouxe? Foi convidado? _______________________________
25. Desde quando aprecia música clássica? Com quem aprendeu este
hábito?____________________________________________________________________________________
_
27. Quais outros espaços culturais você costuma frequentar em São Paulo? (museus, parques, shoppings,
Sesc, biblioteca etc)
___________________________________________________________________________________
29. Você recebeu algum tipo de ensino voltado para arte (música, teatro, pintura, dança, desenho etc) ao
longo de sua vida?
1. ( ) não
162
Sexo
Estado Civil
masc.
45% fem. 46% 44%
55% 8% 2%
solteiro casado divorc. viúvo
Cor de pele
2% 7%
4% branco
7% Religião
pardo 3%
negro 9%
4% católico
7% 31%
80% n. decl. evangélico
23% 23%
outros sem religião
espírita
Posição Política
direita
esquerda
5%4%
6%
34%
apolítico
26%
centro
25%
centro-
esquerda
164
mais R$ 11820,00 3%
5%
de R$ 3940,00 a R$… 27%
15%
de R$ 2364,00 a R$… 11%
12%
até R$ 1576,00 17%
8%
sem renda 2%
Faixa Etária
Série1
70 a 79 10%
60 a 69 15%
50 a 59 11%
40 a 49 17%
30 a 39 24%
20 a 29 19%
15 a 19 4%
Escolaridade
Ens. Médio
6% 4% completo
Escolaridade do Pai
Ens. Fundamental
7% 12% incompleto
Tipo de universidade
Ens. Fundamental
pública privada 34% 17%
completo
25% Ensino Médio
5% incompleto
39%
61% Ens. Médio
completo
Escolaridade da Mãe
Ens.
Fundamental
incompleto
Ens.
Fundamental
11% 12% completo
18% Ens. Médio
completo Língua Estrangeira
28%
21% Ens. Técnico
74%
10% Ens. Superior
26%
completo
outros
sim não
Meio de transporte
Série1
não
carro público taxi outros 76%
sim
28% 51%
32%
5% 12%
não
72%
166
75% não
21% 4% 35%
sim
sim não às vezes 65%
Série1
sim
33%
conhecem 25%
não
67%
não muito 75%
conhecedores
Série1
38%
33%
29%
65% 50%
6%
espírita 8%
70 a 79 4%
mais R$ 11820,00 1%
60 a 69 6%
de R$ 7880,00 a R$ 11820,00 11%
50 a 59 20% de R$ 3940,00 a R$ 7880,00 11%
40 a 49 18% de R$ 3152,00 a R$ 3940,00 11%
30 a 39 25% de R$ 2364,00 a R$ 3152,00 14%
20 a 29 24% de R$ 1576,00 a R$ 2364,00 24%
15 a 19 3% de R$ 788,00 a R$ 1576,00 24%
sem renda 4%
Escolaridade
Pós-graduação 3%
Ens. Sup. Completo 20%
privada 79%
Ens. Sup. Incomp. 7%
Ens. Médio 21%
Ens. Fund. Compl. 25%
pública 21% Ens. Fund.Incomp. 17%
Nunca estudou 7%
Escolaridade da Mãe
Pós-graduação 2%
Ens. Sup. Completo 20% Idioma
Ens. Sup. Incomp. 4%
Ens. Médio 25% não
sim
Ens. Médio Incomp. 5% 49%
51%
Ens. Fund. Compl. 18%
Ens. Fund.Incomp. 22%
Nunca estudou 4%
sim
34%
não
66%
Meio de Transporte
10%
35%
55%
169
50%
32%
18%
outros
12% não
família
22%
internet 35%
23%
sim
amigos 78%
30%
não 60%
46%
31%
sim
54% 10%
internet CD rádio
170
não
aprecia
8%
infância
vida
41%
adulta
36%
adolescê
ncia
15%
sim sim
não 62%
47%
53%
nenhuma ou quase
62%
não nenhuma
34%
de 3 a 4 músicas 24%
sim
66%
acertou todas 14%
outros 7%
empresa 3%
filhos 13%
sozinho 8%
escola/ faculdade 12%
igreja 12%
amigos 18%
família (desde criança) 27%