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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

FERNANDA SALES DIOGO

GUARULHOS
2016
FERNANDA SALES DIOGO

A apropriação da cultura dominante pelo público frequentador da


Sala São Paulo.

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São


Paulo como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais, na área da Sociologia da
Cultura.

Orientador (a): Profa. Dra. Marcia Cristina Consolim

GUARULHOS
2016
Diogo, Fernanda Sales.

Título : A apropriação da Cultura Dominante pelo


público frequentador da Sala São Paulo / Fernanda
Sales Diogo. Guarulhos, 2016.
1 f.

Dissertação de Mestrado – Universidade Federal de


São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, 2016.
Orientação: Profa. Dra. Marcia Cristina Consolim

1. Sociologia da Cultura. 2. Sala São Paulo. 3.


Distinção. I. Orientador. II. Título.
FERNANDA SALES DIOGO

A apropriação da cultura dominante pelo público frequentador da Sala São Paulo

Dissertação apresentada à Universidade Federal de São


Paulo como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais, na área da Sociologia da
Cultura.
Orientador (a): Profa. Dra. Marcia Cristina Consolim

Aprovação: ____/____/________

Profa. Dra. Orientadora Marcia Cristina Consolim


Universidade Federal de São Paulo

Profa. Dra. Carolina Martins Pulici


Universidade Federal de São Paulo

Profa. Dra. Maria da Graça Jacintho Setton


Universidade de São Paulo
Aos meus pais
AGRADECIMENTOS
Agradeço de modo muito especial e carinhoso à minha professora orientadora Marcia
Cristina Consolim que realiza como poucos o trabalho de orientação, uma vez que mostra o
caminho de uma maneira muito clara, segura e objetiva. A possiblidade de ingressar na pós-
graduação certamente se tornou possível através da confiança que depositou em meu trabalho.
A eficiência com que apresentou a Sociologia da Cultura, ainda na graduação, impulsionou
meus primeiros passos na vida acadêmica.
Agradeço à professora Carolina Pulici pelo modo como amparou minha pesquisa desde
a iniciação científica, mostrando-se sempre acessível e atenciosa. O que corroborou muito na
construção do meu objeto de estudo. Seu campo de estudo serviu de inspiração ao meu
trabalho desde o início. E agradeço também pelo apoio que suas avaliações deram à pesquisa,
sobretudo na qualificação.
Quero também agradecer à professora Maria da Graça Setton pelas valiosas
contribuições na banca de qualificação. As considerações foram imprescindíveis para a
reorganização desta pesquisa.
Não posso deixar de agradecer também ao professor Ivan Ribeiro que tanto me auxiliou
no desenvolvimento da pesquisa quantitativa. Seus ensinamentos deram-me mais confiança na
escolha do método.
Essa pesquisa não teria sido concluída sem a ajuda de grandes amigos que se
dispuseram a ir a campo comigo. Amigos que nem esperaram eu pedir ajuda, pois quando eu
chegava à Sala São Paulo, alguns já me esperavam para aplicarmos os questionários ao
público. Agradeço imensamente e sempre serei devedora, como já dizia Mauss no “Ensaio
sobre a Dádiva”. Assim agradeço de coração a Debora, Diego, Gabriele, Marina, Meire,
Roberto, Rosangela e Silvia. Agradeço também aos amigos que fiz na pós-graduação, em
especial, à Patricia Jimenez pela amizade, pela força, pelo companheirismo.
Agradeço aos meus pais que apesar da baixa escolaridade sempre deram condições a
mim e a meus irmãos para estudarmos. Em especial agradeço a meu irmão Geraldo, por
ajudar-me na estruturação do trabalho, como também pelo apoio nos momentos mais difíceis.
Sou muito grata também aos frequentadores dos concertos que se dispuseram a
contribuir, concedendo-me as entrevistas sobre suas práticas culturais. A maioria dos
informantes foi muito prestativa.
Por fim, agradeço à CAPES que possibilita a permanência nos estudos de um grande
contingente de estudantes. Através da bolsa pude reduzir meu tempo de trabalho para dedicar-
me à pesquisa.
RESUMO

Este trabalho se subscreve no âmbito da Sociologia da Cultura e tem como objetivo


compreender a formação do gosto cultural do público da Sala São Paulo. Foi realizado um
estudo comparativo entre as práticas culturais dos frequentadores dos concertos noturnos e
dos concertos matinais com o intuito de saber se a prática de concerto é homóloga a outras
práticas dominantes.
A Sala São Paulo foi escolhida como local de estudo, tendo em vista que há poucas
expressões artísticas que se destacam tanto, como símbolo da arte “legítima” do que a música
de concerto. Para tanto, procurei identificar as disposições e práticas a partir das preferências
dos agentes em relação à televisão e ao rádio; ao tipo de esporte, à exposição de arte; leitura
de jornal, revistas e livros; à frequência ao cinema, teatro e museu; à audição de música,
indumentária e à bebida. Foram identificados três grupos distintos, conforme suas práticas
culturais – cultivados, ecléticos e dominados. Avaliei que além da influência familiar, o gosto
dominante pode ser formado por fatores como a religião, a formação acadêmica e a posição
política.
Assim sendo, a sociologia do gosto vem traduzir as formas de comportamento, o modo
como os sujeitos se destacam e são percebidos pelo olhar do outro. E neste contexto, o gosto
por música de concerto e a frequência à Sala São Paulo foram o caminho trilhado por esse
trabalho a fim de responder como e se os agentes sociais passam a transformar seus gostos
culturais ao longo de sua trajetória.

Palavras-chave: Sala São Paulo – Gosto Musical – Classe social – Circulação de Bens
Simbólicos – Distinção
ABSTRACT

This work subscribes within the scope of the sociology of culture, and has the aim to
comprehend the construction of cultural preference of the attendants of Sala São Paulo. It has
been made a comparative research between night concert and day concert attendants and their
cultural practices, with the goal to discover if the concert practice is similar to other dominant
practices.
Sala São Paulo has been chosen as a research place, having in view that there are
fewer highlighted artistic expressions, as symbol of genuine art, than concert music.
Notwithstanding, it has been aimed the identification of the dispositions and practices through
attendants’ preferences related to television and radio; the kind of sports, arts exhibition,
reading; how often they attend cinemas, theatres and museums; music listening, clothing and
beverages. It has been identified three distinct groups according to their cultural practices the
cultivated, the eclectics and the dominated.
The conclusion taken is that beyond the influence of the family, the dominant
preference might be formed by factors such as religion, academic education and political
position. Therefore, sociology of preference
comes to translate the behavior forms, the
manner as people highlight themselves and are seen by someone else's eye. In this context, the
preference for concert music and the attendance to Sala São Paulo have been the walked path
for this work, with the objective to answer how and if the social agents change their cultural
preferences alongside their life journey.

Keywords: Sala São Paulo - Musical Taste – social class – circulation of cultural practices -
Distinction
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

CAPÍTULO 1 – A SALA SÃO PAULO E O SEU ENTORNO 27


1.1. História da região da Luz 28
1.2. Discussão sobre “revitalização” 31
1.3. Projetos de intervenção urbana 36

CAPÍTULO 2 - SALA SÃO PAULO E ORQUESTRA SINFÔNICA DO


ESTADO DE SÃO PAULO – OSESP 43
2.1. Sala São Paulo – História 44
2.2. Música de concerto e orquestras sinfônicas 49
2.3. Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp 52
2.4. Programas Educativos 54
2.5. Repertório diferenciado 59

CAPÍTULO 3 – INTERMEDIÁRIOS CULTURAIS 72


3.1. A democratização da cultura: visão política e sociológica 73
3.2. Políticas Culturais no Brasil 77
3.3. A presença de ONGs nos concertos matinais 82
3.4. A mediação e a formação de públicos 89

CAPÍTULO 4 – CULTIVADOS, ECLÉTICOS E DOMINADOS:


O PÚBLICO DA SALA SÃO PAULO 95
4.1. Perfil do público dos concertos de horário nobre 96
4.2. Análise dos questionários – concertos matinais 110
4.3. Público dos concertos matinais e suas práticas 124
a) Análise das práticas e preferência dos “dominados” 126
b) O gosto dos dominados conforme algumas variáveis 128
c) Análise das práticas e preferência dos “ecléticos” 129
d) O gosto dos ecléticos conforme algumas variáveis 131
e) Análise das práticas e preferências dos “cultivados” 133
f) O gosto dos cultivados conforme algumas variáveis 134

ETNOGRAFIAS 135

CONSIDERAÇÕES FINAIS 152

REFERÊNCIAS 156

ANEXO 1 – Questionário 162


ANEXO 2 – Gráficos concertos noturnos 166
ANEXO 3 – Gráficos concertos matinais 170
9
10

INTRODUÇÃO

A partir da observação de minhas preferências estéticas, passei a inquietar-me com a


temática do gosto1 cultural dos indivíduos, em virtude da impressão de que os gostos denotam
a posição social dos agentes sociais, ou seja, a preferência por arte erudita ou popular é
reveladora de sua origem social. O contato com as bases teóricas da Sociologia do Gosto, em
especial Pierre Bourdieu e Norbert Elias, foi fundamental para a compreensão de que o espaço
social é palco de uma constante luta simbólica realizada pelos atores sociais.
Apesar de fazer parte de um grupo social desprivilegiado econômica, geográfica e
culturalmente, passei a frequentar equipamentos culturais que se distanciavam dos do meu
grupo de origem a partir do momento em que iniciei um cursinho pré-universitário popular.
Não só no que se refere ao espaço, mas também à sua dimensão simbólica, quando comecei a
ir à Pinacoteca do Estado e à Sala São Paulo percebi que os frequentadores habitués eram
provenientes de outras classes sociais, dado o modo de comportamento, o modo de vestir-se, a
origem étnica, dentre outros fatores observáveis que expressam a disparidade entre as classes.
A presente pesquisa é um desdobramento de um trabalho de iniciação científica2 que
objetivou a verificação da influência da escola na formação do gosto musical, (gosto por
música erudita). A partir da pesquisa anterior surgiu a intenção de analisar o funcionamento
interno da Sala São Paulo e a dinâmica de seus concertos. Assim, o objetivo geral deste
trabalho foi identificar e analisar a possível mudança de habitus do público frequentador dos
concertos, ou seja, verificar se a visitação da Sala São Paulo – prática nobre e culta – é
homóloga a outras práticas consideradas dominantes.
Diante do exposto, também observei que a Fundação Osesp desenvolve projetos
educacionais que visam ampliar o público da Sala São Paulo. No caso do público dos
concertos matinais – público alvo deste trabalho – é muito forte o caráter pedagógico
realizado, no sentido de prepará-lo para concertos mais “nobres”. Considerando que a elite
culta proveniente das frações das classes altas tende a ser frequentadora de eventos culturais
dominantes, averiguei que o público dos concertos matinais da Sala São Paulo é um público
que foge a este padrão. Diante disso, há a hipótese de que tal público depende deste tipo de
1
Cf. o trabalho que realizei de Iniciação Científica, sob a orientação da Profª Marcia Cristina Consolim,
intitulado “A importância do capital escolar na formação do gosto musical”, Bourdieu define gosto como
“faculdade de julgar valores estéticos de maneira imediata e intuitiva”, porém ele possui dois sentidos,
primeiramente, “serve para justificar a ilusão da geração espontânea que tende a produzir esta disposição culta”
(...) e também tem o “sentido de capacidade para discernir os sabores próprios dos alimentos que implica a
preferência por alguns deles”. (Bourdieu, 2011a, p. 95)
2
A pesquisa intitulada “A importância do capital escolar na formação do gosto musical”. Diogo, Fernanda.
Unifesp, 2012.
11

mediação para frequentar um equipamento cultural como uma sala de concertos, dado às
barreiras simbólicas que são construídas através de objetivações como classe social,
escolaridade, origem familiar dentre outros já postulados pela Sociologia do Gosto. Diante
disso, busquei avaliar se o gosto cultural dos agentes sociais, especialmente aqueles oriundos
das classes populares pode sofrer alterações a partir de alguns estímulos. Além de tentar
captar o papel de instituições como a escola, a igreja, as ONGs e a mídia no desenvolvimento
deste processo. Sendo assim, para compreender como se dá o desenvolvimento das práticas
culturais dos indivíduos é imprescindível que se avalie o processo de socialização dos
indivíduos, uma vez que “as ações e representações sociais e individuais são produto de um
feixe de condições específicas de socialização” (Setton, 2010, p. 21), ou seja, as práticas de
cultura podem ser analisadas como resultado do processo de inculcação de habitus, com isso,
a Sociologia da Cultura não pode ser dissociada da Sociologia da Educação.
Para tanto, utilizei duas instrumentos metodológicos: a etnografia e a aplicação de
questionários. O trabalho etnográfico foi desenvolvido nos concertos matinais de domingo e
também nos concertos de sábado à tarde e nas noites de quinta e sexta-feira. Tal como aponta
Goffman (2011), considerei “o termo ‘fachada pessoal’ como referente às partes cênicas de
equipamento expressivo” (Goffman, 2011, p. 31). De modo que visualizei meus informantes
atuando neste ‘cenário’ propício de demonstração de status, ou seja, os frequentadores da Sala
São Paulo, independentemente do tipo de concerto, demonstram ou querem demonstrar seu
posicionamento no espaço social, seu refinamento, seu conhecimento em matéria de arte
legítima. Assim, o trabalho etnográfico foi fundamental para registrar as diferenças entre os
frequentadores, uma vez que o público dos concertos matinais se diferencia dos públicos dos
concertos de horário nobre, sobretudo com relação à postura, à heterogeneidade de origem
social e das características étnicas. Pude verificar que o público dos concertos noturnos age
com mais discrição, com sobriedade, uma vez que são mais familiarizados com este tipo de
evento, pois possui maior volume capital econômico e cultural. Em contrapartida, os
frequentadores dos concertos matinais, embora também tenham alto capital escolar, ainda não
é um público que, de fato, conhece a dinâmica de um concerto. Ao longo das etnografias
avaliei o quanto a Sala São Paulo ainda impõe ao público dos concertos matinais certa
etiqueta, no sentido de que os informantes não agirem de forma espontânea, eles sempre
procuram a maneira mais “correta” de se portarem. Além disso, o trabalho etnográfico
também deixa claro que há diferenças entre os repertórios dos concertos, uma vez que ao
público tradicional, as apresentações ficam por conta da Osesp e, portanto, a as apresentações
são mais “clássicas” e têm maior duração. Ao passo que nos concertos matinais, a Osesp
12

apresenta-se em média 07 vezes por ano e as outras apresentações ficam por conta de
orquestras menos prestigiadas, sobretudo ficam a cargo de bandas, especialmente a Banda
Sinfônica do Estado de São Paulo, a Orquestra Experimental de Repertório e a Jazz Sinfônica.
A participação destas bandas e orquestras fazem com a o repertório dos concertos matinais
transite entre o erudito e o popular, com o intuito de agradar aqueles que têm pouca
experiência com o mundo da música de concerto.
Para mensurar a homologia entre a prática de concerto e as outras disposições dos
frequentadores, utilizei o método de aplicação de questionários. Assim, 98 informantes dos
concertos de horário nobre e 112 frequentadores dos concertos matinais participaram da
pesquisa. A partir deste método encontrei três tipos de frequentadores nos dois tipos de
concerto que classifiquei como: cultivados – ecléticos – dominados a partir das preferências
em relação ao gosto por televisão e rádio; ao tipo de esporte, à exposição de arte; leitura de
jornal, revistas e livros; à frequência ao cinema, teatro e museu; à audição de música,
indumentária e à bebida. O questionário continha 32 questões e procurei aplicá-lo de maneira
que o informante concedesse pequenas entrevistas, ou seja, procurei buscar informações para
além dos questionários, à medida que entrevistava, analisava a postura, a vestimenta, a
necessidade que alguns tinham de demonstrar cultivo, como também o fato de se
preocuparem com a imagem que estavam passando. Muitos perguntavam se “estavam indo
bem”.
Com isso, vejo que este trabalho também discute a questão das lutas simbólicas,
batalhas nas quais os agentes galgam uma distinção evidenciada pela realidade social,
marcadamente hierarquizada. Não se trata de dizer que a arte erudita é superior, mas sim de
não ignorar a realidade tal como ela se dinamiza. Falar em hierarquia, legitimidade, distinção,
não significa que concordemos com as desigualdades, logo, o que está implícito na discussão
desta pesquisa, é uma crítica da realidade social que perpassa a esfera da cultura. Além disso,
a elaboração deste trabalho se justifica em razão da falta de trabalhos etnográficos que trazem
o público dos matinais da Sala São Paulo como mote de discussão.
Assim sendo, parto do pressuposto de que o gosto não é uma predestinação; ele é
fruto/produto da formação familiar e escolar, embora seus amantes digam o contrário, pois as
formas simbólicas instituem uma plena distinção entre os “cultos” e os “bárbaros” à medida
que as classes superiores criaram mecanismos para manter tal distinção. Uma das grandes
barreiras simbólicas neste imbróglio é a forma pela qual os indivíduos lidam com a arte, no
sentido de que essa fruição é permeada por regras, tomemos como exemplo a própria Sala São
Paulo onde o público recebe um folheto que informa como os frequentadores devem se
13

comportar. No entanto, mesmo quando as regras de etiqueta não são “distribuídas” o próprio
frequentador já prevê que um ambiente como um museu, por exemplo, restringe a sua
espontaneidade. Imaginemos um grupo de alunos excursionando num dado equipamento
cultural: as regras já são ditadas antes mesmo do grupo chegar ao local, de modo que já
chegam preparados para se comportar devidamente, fazendo silêncio, andando devagar, não
portando alimentos etc. Além disso, o próprio local também já transmite certa seriedade
através da postura de seus funcionários, da frieza do local, da beleza arquitetônica. As regras,
portanto, já são previamente compreendidas e aceitas.
Outro aspecto muito importante diz respeito às condições que proporcionam ou
inibem a frequentação dos equipamentos culturais pelos atores sociais e de que modo projetos
tais como os promovidos pela Sala São Paulo podem influenciar a formação, os valores e os
habitus dos frequentadores menos legítimos. De um lado, há os que afirmam que apesar de
um equipamento cultural ter a entrada gratuita e desenvolver parcerias com escolas, empresas,
ONGs, ter projetos educacionais e midiáticos para atrair um público novo, somente aqueles
que desde a infância recebem os códigos necessários para a decifração das obras é que se
sentem à vontade e/ou obrigados a participar deste tipo de evento. De outro lado estão os que
acreditam que esse tipo de ação e de intervenção, se direcionados com critério, poderiam
gerar novos habitus e novos valores estéticos a despeito da classe de origem. Sendo assim,
trago a seguinte hipótese: é possível que a visita à Sala São Paulo reverbere na transformação
do gosto dos agentes que não são acostumados com este tipo de prática, considerando a
possibilidade desta frequentação aguçar a curiosidade de conhecer outras artes dominantes?
O presente trabalho, portanto, inscreve-se no âmbito da Sociologia do Gosto e traz
como aporte principal o pensamento de Pierre Bourdieu, principalmente no que se refere à
temática da distinção social. O estudo se restringe à Sala São Paulo3, sede da Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP, tendo em vista que ela é palco de uma das
práticas mais elitizadas relacionadas ao consumo cultural, uma vez que a ida ao concerto é a
mais “legítima” das disposições artísticas (Bourdieu, 2011a).
Tomando como base a teoria abordada em “A Distinção”, a afirmação de que “gosto
não se discute”, amplamente conhecida pelo imaginário social, é contestada, uma vez que
tanto o gosto dos indivíduos como os bens que consumimos (os bens simbólicos, neste caso),

3
A Sala São Paulo, com 984 m² e 1509 lugares, situa-se na região central da cidade, próxima da estação da Luz.
O edifício, tombado como patrimônio histórico pelo Condephaat, comportava antes a Estrada de Ferro
Sorocabana e atualmente abriga a sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e tornou-se uma das mais
importantes casas de concertos do mundo. Fonte: www.osesp.art.br. Saliento que no capítulo 1 deste trabalho, a
Sala São Paulo será analisada com um maior enfoque.
14

fazem parte de uma construção social. O gosto, segundo Bourdieu, além de ser construído
pela educação, também está atrelado à origem social do indivíduo, de maneira que cada classe
social possui um estilo de vida diferente, no que tange, sobretudo, às preferências
relacionadas à estética. De acordo com o autor, “nada determina mais a classe e é mais
distintivo, mais distinto, que a capacidade de constituir, esteticamente, objetos quaisquer”
(Bourdieu, 2011a, p.13). De tal modo, as preferências estéticas dos indivíduos não são
dádivas, não fazem parte da natureza, pois dependem de um conhecimento prévio adquirido
pelos atores nas diferentes esferas nas quais eles se inserem ao longo da vida, ou seja,
depende do repertório cultural que lhes é inculcado durante a sua trajetória4.
Bourdieu explica que os agentes sociais vivenciam lutas simbólicas, visando
reconhecimento e status. As relações sociais demonstram um esquema de desigualdade que se
solidifica nos planos material e simbólico5. Os indivíduos competem por diversos tipos de
poder, assim, um agente que vai a um concerto, frequenta um museu de arte contemporânea,
aprende a falar várias línguas, pratica um esporte de elite (o tênis, por exemplo) é considerado
um “dominante” mesmo que ele não tenha capital econômico significativo.
O consumo cultural de qualquer produção erudita demanda que seu consumidor tenha
algum conhecimento prévio para entender seu conteúdo. Neste sentido, os programas
educacionais6 da Osesp podem ser vistos como estratégias de inserção cultural dos
“desprovidos de legitimidade”, pois são ações educativas que visam a “educar” previamente
os espectadores de concertos. Se aceitarmos que a apropriação dos bens culturais demanda
uma aprendizagem, negamos que o gosto seja um dom natural – e aceitamos, conforme indica
Bourdieu, que o gosto é uma criação perpassada por fatores objetivos, tais como como o lugar
de nascimento (berço) e o tipo de escola frequentada, o que, por sua vez depende de estruturas
relacionadas com dinheiro e poder. Mas para os nascidos em famílias abastadas e dotados de
grande capital cultural, é interessante manter o mito de que o “bom gosto” é um dom, pois as
classes dominantes não podem e não querem admitir que o gosto pode ser aprendido, ou seja,
às classes dominantes não interessa, consciente ou inconscientemente que indivíduos de
outras classes se apropriem dos bens culturais que fazem parte de uma estratégia social de
distinção. (Bourdieu, 2007).
4
Bourdieu define o conceito de trajetória como “a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos”. (Bourdieu, 2010, p. 292)
5
Aqui utilizo o artigo “Poder simbólico e fabricação de grupos”. Wacquant, Loïc, que explica a dinâmica das
lutas simbólicas vivenciadas pelos agentes sociais.
6
A Osesp desenvolve os seguintes programas educacionais: Descubra a Orquestra; Falando de Música; Música
na Cabeça; Osesp Itinerante; Coro Infantil. Coro Juvenil, Academia de Música da Osesp; Masterclass Osesp;
Curso Livre para Metais; Visita Monitorada à Sala São Paulo; Sobre a Música de Concerto; Mediateca. Fonte:
www.osesp.art.br. Tais programas serão abordados mais abrangentemente no primeiro capítulo deste trabalho.
15

É preciso salientar que os indivíduos são semiconscientes, pois apesar de terem


consciência de seu lugar no mundo e de efetivamente produzirem a própria realidade, os
agentes também são guiados por uma estrutura que determina objetivamente a sua posição,
bem como suas condições de ação dentro do espaço social. Portanto, as ações dos agentes não
são livres de modo integral. Com isso, Bourdieu não nega as desigualdades entre as classes
sociais, porém dá enfoque aos signos e às representações que as práticas dos agentes incitam.
De modo que a despeito do volume de capital econômico da condição de classe (economia),
os indivíduos e grupos sociais podem almejar uma mobilidade social a partir da aquisição de
outros tipos de capital7 – em especial, o capital cultural. (Bourdieu, 2011a)
A análise bourdiesiana sobre classe social8 refere-se tanto à dimensão material quanto
ao plano simbólico, no sentido de que um indivíduo pode ser originário de uma posição de
classe economicamente determinada e ascender socialmente à medida que adquire
experiências culturais com os indivíduos de outra classe, por exemplo. Os agentes sociais
podem transitar entre as classes conforme experimentam signos distintivos que se traduzem
em suas práticas culturais. É preciso dizer que as marcas simbólicas são fatores distintivos que
determinam a posição do agente na estrutura social, tornando-o independente daquela
estrutura hierárquica pautada exclusivamente na condição material. (Bourdieu, 2011b).
A análise de Bourdieu dialoga com aquela feitas por Weber pela referência ao conceito
de status e pela análise da religião. A apropriação da cultura dominante por frações das
classes populares pode ser analisada a partir do pensamento weberiano acerca dos grupos de
status, que é acúmulo de “honras” que indicam sua posição mais ou menos prestigiada
socialmente, de modo que o que está em voga não é a diferença objetiva criada pelo acúmulo
de dinheiro e de bens, mas a significância que é atribuída aos signos de prestígio que revelam
o bom gosto dos indivíduos, tais como a vestimenta, a linguagem, o refinamento, a cultura
(Bourdieu, 2011b). De maneira que “deve-se levar em conta que a procura consciente ou
inconsciente da distinção toma inevitavelmente a forma de uma busca do refinamento e
pressupõe o domínio das regras desses jogos refinados que são monopólio dos homens
cultivados de uma sociedade”. (Bourdieu, 2011b, p. 21). Neste contexto, a Sala São Paulo,

7 Para Bourdieu, a sociedade é formada por diversos campos nos quais os agentes sociais se distinguem conforme o capital e
o poder que possuem. Há quatro tipos de capital: o capital econômico, que está relacionado aos bens,/propriedades e aos
recursos financeiros; o capital social que se dá em função da rede de relações entre os sujeitos e o poder que resulta de tais
trocas; o capital cultural, que é adquirido por meio familiar e escolar (diplomas), e o capital simbólico que tem a ver com o
prestígio e o reconhecimento que os indivíduos alcançam ao longo da vida em razão de um dos outros três tipos capital.
(Bourdieu, 2011b).
8 Segundo Bourdieu, “a posição de um indivíduo ou de um grupo na estrutura social não pode jamais ser definida apenas de

um ponto de vista estritamente estático, isto é, como posição relativa (“superior”, “média” ou “inferior”) numa dada estrutura
e num dado momento. O ponto da trajetória, que um corte sincrônico apreende, contém sempre o sentido do trajeto social.”
(Bourdieu, 2011b, p. 7).
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que é um equipamento cultural de distinção, é um lugar que exerce sobre seus frequentadores
expressiva violência simbólica. A luta ocorre entre os próprios agentes das classes cultas, pois
o prestígio, o reconhecimento da origem social do frequentador da Sala é observável através
de seu jeito de andar, do modelo e do tecido das roupas, do refinamento do modo e agir, de
falar. Essas características podem ser notadas durante os intervalos dos concertos, (os salões,
o café, o restaurante), pois são locais onde os agentes mostram pela hexis corporal quem são e
de onde vieram. Além disso, na Sala São Paulo, é notável a postura que os indivíduos
desenvolvem independentemente de serem ou não habitués, devido tanto à boa vontade
cultural9 em relação à música de concerto, bem como pelo fato de estarem num ambiente
suntuoso; neste espaço simbólico, os agentes sentem-se tacitamente incumbidos de se
portarem com elegância e polidez, é como se o evento em si desenvolvesse um tipo de
comportamento homogêneo.
A dicotomia entre dominantes/dominados, sagrado/profano, erudito/popular é
explicada fazendo uma alusão com a teoria da religião elaborada por Bourdieu, que por sua
vez baseia em Durkheim e Weber. O autor recorre a Weber (especialmente ao conceito de
legitimação) para construir as posições dos indivíduos no espaço social. A legitimação é
pautada no consentimento e na crença de que tais posições são estruturadas e devem ser
reconhecidas. A legitimação das desigualdades tem suas bases na estrutura religiosa, pois
historicamente a religião justificou a existência das diferentes posições sociais, conforme
determina o estilo de vida dos indivíduos e reforçou sua resignação. Além disso, o conceito de
legitimação perpassa a noção de poder, uma vez que, em cada esfera, há competições perenes
que “naturalizam” a desigualdade. Partindo da noção de que não há bens suficientes para
serem distribuídos igualitariamente, os indivíduos são divididos em dominantes, ou seja,
aqueles que possuem maior quantidade de bens e os dominados, os que lutam alcançar tais
bens. As esferas sociais, portanto, são dinamizadas por essa luta, devido ao desequilíbrio na
distribuição de poder, dinheiro, prestígio, educação, entre outros (Bourdieu, 2011b).
Esta concepção provém desta análise que Weber faz do monopólio da igreja em
relação à posse dos bens de salvação, através da qual é formada a noção de hierarquia entre
sacerdotes, profetas e feiticeiros que lutam pelo domínio de tais bens, de modo que o
sacerdote detém o poder e os menos prestigiados (profeta e feiticeiro) almejam que suas

9
A boa vontade cultural é a vontade dos indivíduos de mostrar conhecimento acerca de bens culturais: livros,
músicas, pinturas. Eles reconhecem a autoridade da cultura dominante; aqui está fixada a ideia de
reconhecimento sem conhecimento, pois “um dos mais seguros testemunhos de reconhecimento da legitimidade
reside na propensão dos mais desprovidos em dissimular sua ignorância ou indiferença e em prestar homenagem
à legitimidade cultural” (Bourdieu, 2011a, p. 298).
17

práticas sejam reconhecidas. Aqui podemos fazer um paralelo entre o campo religioso e o
campo artístico, uma vez que a divisão entre quem pratica/consome a arte erudita e arte
popular é resultado da crença na sacralidade da primeira, fazendo com que os produtores e
consumidores de arte popular fiquem à margem, pois suas obras e práticas são consideradas
profanas. Os compositores de música erudita, bem como seus produtores e difusores, veem a
Sala São Paulo e outras salas de concerto como verdadeiros templos da arte sagrada. Portanto,
tais equipamentos culturais detém o monopólio dos bens de salvação e garantem a seus
produtores e difusores grande prestígio social. Partindo da proposição de que cada campo de
produção simbólica é relativamente autônomo e tem o poder de criar suas próprias regras, o
autor também chama atenção que para as obras “puras” se manterem consagradas, o papel das
instituições que as abrigam é fundamental, pois há uma rede de interesses que determina o
que pode ou não ser considerado erudito. Tal rede é formada por instituições, pelo sistema de
ensino, academias, que se opõem à “estética” popular que geralmente é consumida pelo
grande público. Neste contexto, os produtores de arte precisam ser consagrados pelo campo
da arte erudita, e, portanto, precisam seguir as regras desse campo de produção simbólica à
risca. Há aqui, portanto, a prevalência da violência simbólica devido às competições que são
constantes em cada campo. (Bourdieu, 2011b).
No caso desta pesquisa, parto do pressuposto de que as práticas de elite são distintivas
e, com isso, reitero que cada classe social possui o seu estilo de vida, de modo que a análise
do campo religioso se torna pertinente e necessária para compreendermos a construção das
hierarquias e, do lado do consumo, do conceito de habitus10, pois a religião dominante é a
responsável pela legitimação do estilo de vida dominante ao considerar o ethos das classes
altas como legítimo, em detrimento do estilo de vida e as práticas dos menos favorecidos.
Weber explica que o funcionamento de cada esfera é diferente uma da outra porque cada
esfera está voltada para um fim: por exemplo, na esfera econômica, a lógica de mercado
predomina, de maneira que as pessoas almejam o acúmulo de riqueza, ao passo que na esfera
social as pessoas podem desejar apenas pertencer a um grupo, serem reconhecidas. O estilo de
vida da alta burguesia que conhecemos hoje em dia tem sua origem nessa nova educação
direcionada pela ética protestante, uma vez que podemos analisar que o estilo de vida burguês
contemporâneo, muito se assemelha ao ethos criado pelo protestantismo. Já que tal estilo é

10
Conceito fundamental na obra de Bourdieu, o habitus pode ser definido como uma segunda natureza. É um
esquema gerador de comportamentos que são inculcados nos indivíduos de acordo com o espaço social no qual
eles nascem, crescem e se desenvolvem, ou seja, é um sistema de disposições duráveis e transponíveis
(Bourdieu, 2011b).
18

voltado para a austeridade, e que também condena a ostentação, além dos gestos não poderem
ser muito espontâneos, ou seja, excessivos ou alegres, todas as práticas, enfim, devem
apresentar um fim em si mesmas, de maneira que o divertimento é sempre rechaçado, é visto
com algo condizente às classes inferiores. (Bourdieu, 2011b).
A religião justifica as posições sociais através das práticas e das representações dos
agentes. A legitimidade se ampara na premissa da aceitação, ou seja, os indivíduos creem na
má distribuição. A crença é intransponível porque a legitimidade não é questionada. É o que
ocorre com a arte dominante, que é consagrada como algo que deve ser consumido porque
tem maior valor do que uma arte popular. Em outros termos, a música clássica tem mais valor
no cenário social do que gêneros musicais populares tais como o funk e o pagode; o filme
europeu tem mais prestígio do que o hollywoodiano e o teatro que encena Shakespeare é mais
reconhecido do que um musical. Foram essas diferenças nas disposições dos informantes que
utilizei numa perspectiva relacional, através da teoria de Bourdieu e Elias, com o intuito de
analisar a possível transformação do habitus e vi que isso não se dá de forma linear, isto é, o
habitus não é homogêneo. Através das entrevistas, sobretudo no grupo que denominei como
“ecléticos” há casos em que os frequentadores demonstram conhecimento acerca de música
de concerto, mas nas outras disposições, praticam atividades “dominadas”.
A teoria bourdiesiana, ao englobar a temática da educação prévia que os atores
precisam adquirir para consumir a cultura dominante, produz a ideia da diferenciação entre
“conhecimento” e “reconhecimento”, para explicar que um indivíduo com pouca instrução
pode até, por exemplo, saber que Pablo Picasso é um pintor, mas em contrapartida, não saberá
citar um quadro dele, nem tampouco falar sobre o movimento artístico no qual Picasso está
inserido11. Em outras palavras, o consumo cultural das classes populares se dá de modo
“superficial”, pois são os sentidos e os sentimentos que fazem a “leitura” do objeto; os
sujeitos desprovidos da educação formal tendem a buscar o realismo das obras, de modo que
não são capazes de perceber a obra além do que é evidente12, pois eles acreditam que toda
manifestação artística deve ter uma utilidade. Além disso, o indivíduo pouco familiarizado

11
O reconhecimento resulta de um processo de submissão à cultura legítima por parte dos agentes mais
desprovidos de capital. Eles, por sua vez, expressam a boa vontade cultural ao prestarem reverência à estética
dominante, em outras palavras, reconhecerem sua legitimidade. Assim afirma Bourdieu, “qualquer relação com a
cultura da pequena burguesia pode se deduzir, de algum modo, da diferença, bastante marcante, entre
conhecimento e reconhecimento, princípio da boa vontade cultural, ou seja, segundo a origem social e o modo
de aquisição da cultura que é seu correlato: a pequena burguesia ascendente investe sua boa vontade desarmada
nas formas menores das práticas e dos bens culturais legítimos” (Bourdieu, 2011a, p. 300).
12
De acordo com Bourdieu, para atingir o “deleite erudito”, é preciso que o indivíduo tenha inúmeros
conhecimentos prévios que o façam desenvolver a capacidade do indivíduo de ir além das sensações, ou seja,
“segundo uma intenção propriamente estética” (Bourdieu, 2007, p. 82).
19

com a cultura dominante desenvolverá, segundo Bourdieu, a boa vontade cultural 13 que
denota a aspiração de consumir a “alta cultura” ao assumir que ela é signo de distinção social.
(Bourdieu, 2011a).
Neste contexto da necessidade de se obter conhecimento, a escola perpetua as
desigualdades relacionadas ao consumo cultural porque oferece apenas a uma pequena parcela
da população (os eleitos) a devida formação em matéria de cultura. O conhecimento
relacionado à cultura dominante é diretamente proporcional à posição dos indivíduos na
hierarquia social. Ao ingressar na universidade, o agente se depara com o “mundo culto”,
assim, ele se sente no dever de se apropriar da cultura. O autor atenta para o fato de que as
práticas culturais estão em intersecção, porque quem vai ao teatro, vai ao concerto, ao cinema
e ao museu. A escola inspira a familiaridade com o universo da arte, ou seja, é ela que ensina
como algo deve ser consumido e com que grau de reverência, pois ela classifica as obras
segundo seu grau de legitimidade. Ela é determinante na distinção entre aqueles que
consomem a arte de modo correto (legítimo) e a maneira de apropriação da arte realizada, por
exemplo, pelos novos-ricos (Bourdieu, 2007). É preciso dizer que aqui no Brasil, tal realidade
é ainda mais problemática em razão da desigualdade promovida por um sistema escolar
falido, haja vista a diferença do volume de capital escolar que há entre um aluno de escola
particular e outro de escola pública. É notório que quem estuda num colégio particular caro e
tradicional tem excelentes chances de manter-se numa posição privilegiada no espaço social,
ou seja, estudará nas melhores universidades, bem como terá as melhores vagas de emprego,
em detrimento da grande maioria da população que frequenta escolas públicas nas quais a
precariedade do ensino já deixou de ser novidade e que, por sua vez, mantém a posição de
classe dos estratos sociais. Em outras palavras, o sistema educacional brasileiro é excludente
porque distancia ainda mais as elites das classes baixas, tendo em vista as mínimas
possibilidades de mobilidade social daqueles que dependem do ensino público. Um exemplo
de dimensão simbólica que pode ser analisado neste contexto educacional é a convivência
dentro da universidade entre alunos oriundos de colégios particulares e alunos de escola
pública. O conhecimento cultural “legítimo” (literatura, música, filmes etc), o domínio de
algum idioma, a facilidade de oratória pelos alunos provenientes das classes mais altas são
fatores que exemplificam muito bem a defasagem educacional acima descrita.

13
Bourdieu, Pierre. A Distinção. Porto Alegre, Zouk, 2011a.
20

Essas diferenças, também ocorrem entre as frações das classes altas. Partindo para o
âmbito das diferenças de apropriação da arte entre os ricos de nascença e os novos-ricos
abordado por Pulici14, vemos os gostos estéticos das classes altas, mais especificamente as
diferenças dos gostos entre os agentes dominantes/dominantes (possuidores de capital cultural
e capital econômico) e os dominantes dominados (aqueles que possuem apenas capital
econômico). A pesquisa revela a disparidade que há com relação às preferências estéticas,
haja vista que do ponto de vista estético, o bom gosto aparece apenas nas preferências dos
dominantes/dominantes, lembrando que os agentes que possuem apenas capital econômico
lutam arduamente para adotar, de modo pleno, o estilo de vida dominante, obtendo o prestígio
e o reconhecimento que apenas o capital econômico não traz.
Aqui ponderamos que a estilização da vida é permeada de tensões simbólicas e a
Sociologia do Gosto desmistifica a dominação tácita que permeia as inter-relações no espaço
social. Há inúmeros equipamentos culturais em diversas cidades no mundo; há sinais de que
no caso da cidade de São Paulo, o acesso a eles é incentivado e facilitado por estratégias como
excursões escolares, barateamento dos ingressos, anúncio de exposições pela grande mídia,
alguns museus determinam a gratuidade em um dia da semana, dentre outros. Olhando o caso
dos equipamentos culturais da cidade de São Paulo, contudo, percebemos que malgrado tantas
facilidade de acesso, os equipamentos culturais não são frequentados pela maioria das
pessoas. Assim, levantar o perfil do público dos concertos foi primordial para este trabalho15.
Dentro deste contexto, há pesquisas que revelam que a população da cidade de São
Paulo busca entretenimento mais relacionado com a indústria cultural, em detrimento das
práticas de elite como teatros e museus. De acordo com esta pesquisa de Botelho (2005)16, a
grande maioria dos entrevistados tem preferência por TV e rádio. Com isso, Botelho refuta a
ideia de que apenas a cultura erudita deve ser apreciada e difundida, haja vista a
heterogeneidade de público. Os equipamentos culturais foram historicamente construídos para
dar conta de dois aspectos: pelo próprio desenvolvimento da cidade e também “em função de

14
Pulici, Carolina. Tese de doutorado “O charme (in)discreto do gosto burguês paulista: Estudo sociológico da
distinção social em São Paulo”.
15
Bourdieu, Pierre; Darbel, Alain. O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu público. É uma das
principais referências para o desenvolvimento desta pesquisa, assim como o trabalho de mestrado de Santos,
Bruno. Visitando o museu pela porta dos fundos: vigilantes e transportadores de obras de arte e a ressignificação
do habitus. Unifesp, 2015. Pois, partimos do pressuposto de que há barreiras simbólicas que impedem o
consumo da arte dominante pelas classes populares, de modo que os que as impede não é apenas o preço do
ingresso ou a posição geográfica do equipamento cultural, mas sim, fatores que estão ligados à apropriação de
códigos necessários a tal consumo e que são inculcados por algumas instituições como a família e a escola.
16
Botelho, Isaura. Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um desafio para a gestão pública. Espaço e
Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. São Paulo: Annablume, n. 43-44, 2004. O estudo analisa a
distribuição espacial dos equipamentos culturais na cidade de São Paulo, bem como as práticas culturais da
população.
21

demandas dos setores já mais habituados ao consumo de cultura” (Botelho, 2005, p. 04), bem
como foram construídos em regiões onde o transporte público é adequado, ou seja,
principalmente nas regiões central e oeste. No entanto, o consumo de bens culturais não
depende dos equipamentos estarem ou não acessíveis, pois o principal entrave é o caráter
simbólico, por causa dos hábitos culturais adquiridos ao longo das trajetórias individuais,
sobretudo trajetória educacional.
À luz da literatura na qual a problematização da presente pesquisa se apoia, malgrado
as portas dos equipamentos estejam abertas, a reverência, o amor pela arte e pela cultura
depende de condicionamentos sociais, não é, portanto, uma escolha livre. Assim, Bourdieu
(2007) afirma que o acesso à “alta cultura” só é consolidado quando os agentes possuem
aportes para isso, ou seja, adquirem conhecimentos, estudam música, teatro, literatura,
cinema, conhecem artistas, movimentos, escolas e estilos. Ao ver um quadro no estilo
moderno, conseguem compreender sua “forma” sem pensar na sua “função”, conseguem
apreciar a arte pela arte sem apresentar uma necessidade de explicação e, sobretudo, sem
incitar seus sentimentos. O amor pela arte surge, portanto, através de anos de contato com o
belo, contato esse que é, no entanto, negado à maior parte da população porque faz parte de
um estilo de vida das classes superiores, devido a fatores econômicos, culturais, sociais e
geográficos. Em outras palavras, a ida a um museu de arte contemporânea, a apreciação de
uma composição de Debussy, o gosto por um quadro de Salvador Dalí, a preferência por um
filme iraniano, em vez de um filme comercial, enfim, todas essas práticas dependem de um
ensinamento prévio, de uma disposição objetivamente inculcada. Essa inculcação, em virtude
das diferenças hierárquicas constantes no espaço social, é algo oferecido para poucos, assim,
as classes privilegiadas mantêm o seu domínio simbólico em relação aos menos favorecidos,
pois a necessidade de acesso à “alta cultura”, segundo Bourdieu, é resultado de sua inserção
na posição dominante do sistema educacional.
Dentro desta perspectiva, o trabalho de Jean Costa17 é de grande valia, pois o autor
aborda a importância da escola no desenvolvimento do habitus dos indivíduos, ou seja, de
suas disposições estéticas. Para ele, caso o indivíduo não esteja inserido numa família que
desenvolva o gosto pela arte dominante, ele estará propenso a gostar de produtos associados à
indústria cultural. Assim, o autor confirma a teoria de Bourdieu no que tange à aquisição de
capital cultural por meio da família e da escola, ao utilizar como exemplo o gosto por música

17
“Reflexões sobre a indústria cultural a partir de Pierre Boudieu: a importância dos conceitos de Habitus e
Capital Cultural”. Costa, Jean H. Revista Espaço Acadêmico – nº14, 2013. O artigo relaciona os conceitos de
habitus e capital cultural na tentativa de compreender o desenvolvimento da indústria cultural.
22

erudita, que segundo ele só é engendrado quando o contato é forjado desde cedo, de modo que
“seja por meio da prática musical, seja por meio da frequência a concertos, cria-se esse
habitus musical erudito” (Costa, 2013, p.13). Além da família e da escola, o autor também faz
menção ao papel da igreja na transformação do gosto, pois a igreja, sobretudo a evangélica, é
formadora de músicos, devido ao uso de instrumentos de orquestra tais como o violino, a
flauta, por exemplo. Esse contato do fiel com a aprendizagem musical também gera
disposições distintas daquelas presentes em seu mundo de origem (Costa, 2013). Além das
instituições citadas, a pesquisa de campo que realizo na Sala São Paulo, faz-me pensar
também a respeito da influência de outro tipo de instituição na transformação do gosto
cultural de alguns agentes. Trata-se da atuação das ONGs18 que viabilizam o acesso de seus
membros/filiados aos concertos, pois há indícios que sem a mediação destas instituições tais
agentes não iriam a um concerto.
Bourdieu utiliza a expressão “nível cultural de aspiração” (Bourdieu, 2007, p. 39)
para explicar a maneira como as práticas da elite são vistas pelos agentes com pouco capital
cultural, dado que eles aceitam a legitimidade instaurada, pois também querem realizá-la,
mesmo sem possuir os códigos de decifração; assim, os agentes que não têm diplomas
aspiram um dia a tê-lo, pois prezam o conhecimento19 escolar e reconhecem que a cultura é
um signo de distinção. Além disso, o autor afirma que os agentes sociais menos instruídos
sentem a obrigação de fazerem parte do mundo culto. A obrigação está ligada à vontade de
ascender socialmente, de ser bem visto, de ser admirado como um agente da alta sociedade. A
necessidade de ascensão social alcançada através da aquisição de conhecimento prévio que
garante o pleno consumo dos bens culturais legítimos cria uma situação conflituosa e violenta,
à medida que um indivíduo das classes baixas, ao ter inclinação para o consumo desses bens,
pode até mesmo ser ridicularizado pelos seus pares, no sentido de “ser colocado em seu
lugar”; em contrapartida, os indivíduos das classes cultas, também passam por um conflito,
pois precisam obedecer às regras, comportar-se de modo condizente ao estilo de vida
dominante (Bourdieu, 2007).
A estilização da vida, além de ser demasiado importante para os agentes cultivados e
estabelecidos na alta sociedade passou a ser importante nas classes baixas, pois um indivíduo
despojado de capital cultural geralmente reconhece a superioridade de uma obra de arte, bem
como das práticas legítimas ao exercer a boa vontade cultural. Com isso, os atores

18
Essa investigação ficará mais clara nos Capítulo 3.
19
No que diz respeito à frequência a museus, na pesquisa descrita em “O amor pela arte”, “de todos os fatores, o
nível de instrução é, de fato, o mais determinante (Bourdieu, 2007, p. 45).
23

desprovidos de capital cultural tendem a reconhecer a legitimidade dos bens culturais, apesar
de não conhecerem, não terem aportes educacionais que o façam compreender a obra20.
(Bourdieu, 2011a).
Os estratos sociais, ao assumirem um gosto, comportam-se de determinada maneira,
frequentar certos lugares, (re)afirma sua posição no espaço social. Sob tal perspectiva, a teoria
de Elias21 é primordial, já que ele discute o nascimento dos novos costumes que surgiram a
partir do desenvolvimento do processo civilizador; e esses costumes, por sua vez, estão
relacionados à temática da distinção. O que persiste em termos de refinamento nos dias atuais
foi algo construído arduamente ao longo da história moderna. Sendo assim, a teoria eliasiana
colaborará especialmente para o entendimento da cultura dominante nas sociedades
contemporâneas, pois ele explicita as razões pelas quais um estrato social (no caso, a nobreza)
adquire um comportamento discreto, sóbrio e inibidor dos impulsos naturais, já que a
distinção está ligada ao luxo, riqueza, moderação, elegância, além das regras de etiqueta. É
importante observar que é justamente esta postura discreta que se faz presente na Sala São
Paulo. (Elias, 1990)22.
Seguindo ainda esta linha, Caroline Müller (2014)23 buscou compreender como os
indivíduos das classes populares passam a se interessar pelas práticas da cultura legítima. A
autora utilizou a Lei do Vale Cultura, que é válida para os trabalhadores que recebem até
cinco salários mínimos, com o objetivo de investigar se as classes populares precisam de
incentivos para frequentarem os equipamentos que abrigam a arte legítima. O trabalho de
Müller também lida com a questão da apropriação dos bens culturais dominantes pelas
camadas populares; a autora cita os tipos de manifestações com as quais as classes populares
não têm muito contato (cinema, museu, espetáculos de dança) e sua conclusão vai na

20
Na Sala São Paulo, a teoria foi reforçada, na primeira fase desta pesquisa (quando da iniciação científica); ao
serem questionados acerca da autoria de algumas composições famosas, os informantes reconheciam, por
exemplo, Mozart ou Beethoven, no entanto não conheciam uma de suas canções. Diogo, Fernanda. “A
importância da formação escolar na formação do gosto musical”, 2012.
21
As bases teóricas de Norbert Elias também serão utilizadas nas referências deste trabalho porque traz à tona a
temática das lutas simbólicas que são travadas pelos indivíduos ao longo dos séculos. A ascensão dos Estados
Modernos deixou a nobreza submetida ao poder real, de modo que muitos mecanismos de sobrevivência social
foram criados pelos nobres no sentido de não serem confundidos com a burguesia ascendente. Esses mecanismos
podem ser traduzidos como as novas maneiras de comportamento que distinguiriam os nobres mantendo seu
prestígio social. Logo que a burguesia ganhou seu espaço e manteve-se detentora do poder econômico também
teve necessidade de adquirir novos hábitos voltados, sobretudo para o que hoje chamamos de boas maneiras
(Elias, 1990).
22
Elias, Norbert. O Processo Civilizador: Uma História dos Costumes, tradução brasileira de Ruy Jungmann,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, vol. 1, 1990.
23
Müller, Caroline Regina. “Os iguais, desiguais: entendendo o consumo cultural pelas classes populares”.
Unisino, São Leopoldo, 2014. O artigo analisa a relação das classes populares com a cultura legítima. Tem como
base a teoria de Bourdieu e a Lei do Vale Cultura.
24

contramão da teoria de Bourdieu, já que afirma que o acesso ou não à cultura por parte de tais
camadas está relacionado a uma questão financeira, pois ao adquirir o vale-cultura o
trabalhador muda seu habitus.
O trabalho de Oliveira (2009)24 discute a questão colocada por Dabul (2008)25, sobre a
relação entre as classes populares e a alta cultura, pois também analisa a relevância dos
equipamentos culturais na difusão cultural. O estudo de caso se deu nas unidades do sistema
Sesc (Itaquera, Pinheiros e Pompeia) e teve como objetivo ponderar sobre a aproximação dos
equipamentos culturais com seus públicos potenciais. A autora afirma que a condição
educacional dos frequentadores é fundamental, embora a mobilização que a rede Sesc incita
reverbere no aumento da frequência. A intenção da autora, além de estudar a relação entre
práticas e públicos, é dar subsídios e aportes metodológicos para que políticas públicas sejam
elaboradas a fim de aumentar o acesso do público a equipamentos culturais. Segundo a autora,
a mediação pode suprir a carência educacional do potencial frequentador, pois tais políticas
inculcam os códigos e linguagens necessárias para quebrar a barreira entre a obra e o agente
social; a autora assume, portanto, que a cultura é um processo de aprendizado e que seu
consumo é possível mesmo por aqueles desprovidos de formação familiar ou de educação
formal. Essa pesquisa dialoga com meu trabalho também porque analisa o modo como o
equipamento cultural deve tratar seus frequentadores; analisa a maneira de apropriação das
obras artísticas e afirma que o consumo também depende do diálogo histórico que o
equipamento mantém com o público. Além disso, Oliveira (2009) também trata da
democratização cultural e conclui que os centros culturais são instituições que podem exercer
a função de orientar o gosto do público, coisa vista através da família e da escola. Segundo
ela, os gostos e os hábitos dos indivíduos podem ser transformados a partir da frequentação
dos equipamentos.
Avalio, por fim, que para falar de “cultura”, é preciso primeiramente decidir sobre o
tipo de cultura que será abordado. Esta pesquisa lança luz ao consumo da “cultura
dominante”, avaliada do ponto de vista da Sociologia da Cultura, ou seja, aqui o conceito se
dá no plano sociológico, conforme aponta Botelho, aquela cultura que “ocorre no circuito
organizado” (Botelho, 2001, p. 74). Diante disso, reitero que não analisarei a cultura a partir
do pressuposto antropológico que a percebe como algo acessível a todos os agentes sociais,

24
Oliveira, Maria Caroline V. “Instituições e públicos culturais. Um estudo de mediação a partir do caso Sesc-
São Paulo. O trabalho analisa a importância dos equipamentos culturais na difusão da cultura.
25
Dabul, Lígia. “Museus de grandes novidades: centros culturais e seu público”. A autora fala sobre o
questionamento da legitimidade do público no sentido de saber se o público deve ter prévia educação para lidar
com as obras de arte.
25

por abranger os costumes, hábitos em comum, a sociabilidade. Segundo Botelho (2001) a


cultura na sua dimensão antropológica traz à tona os costumes, os valores, a sociabilidade
entre os indivíduos nas suas diversas formas e lugares, de maneira que ela perpassa todos os
aspectos da vida da sociedade, ou seja, “modos de pensar, valores, rotinas, construção de
identidades e diferenças” (Botelho, 2001, p. 74). Dito isso, avaliaremos o consumo cultural a
partir da compreensão de que existe um sistema que envolve produtores, mediadores e
consumidores de um conjunto de manifestações artísticas. Trata-se de um “aparato que visa
propiciar o acesso às diversas linguagens, mesmo como prática descompromissada, mas que
colabora para a formação de um público consumidor de bens culturais” (Botelho, 2001, p.
74).
Em contrapartida, Fleury (2009), entende que a cultura pode ser apreendida sob três
pontos de vista: “a cultura como estilo de vida, a cultura como comportamento declarativo, a
cultura como corpus de obras valorizadas” (Fleury, 2009, p. 14). É importante dizer que tomo
como base o primeiro e o último exemplo porque delimito meu campo de análise à
apreciação/apropriação de manifestações artísticas ditas legítimas. A partir disso, parto da
hipótese de que o estilo de vida dos agentes sociais que passam pelo processo de apreciação
pode ser transformado, ou seja, os agentes podem gostar deste tipo de “cultura” e procurar
outras fontes de acesso; acesso este que pode ser estimulado por meio das experiências que os
frequentadores vivenciam ao no decorrer da trajetória. Pois malgrado a acepção antropológica
de cultura que atenta para as maneiras de pensar, agir e sentir de um povo, a cultura que está
delimitada aos domínios da Sociologia do Gosto, é aquela consumida pelos agentes através de
práticas culturais. Logo, a cultura aqui tratada é a que se traduz nas manifestações artísticas
como a pintura, música, escultura, teatro, dança, cinema e literatura. Assim sendo, ao longo da
revisão bibliográfica ficou evidente que ainda são raros no Brasil trabalhos que abordem os
públicos de equipamentos culturais. Assim a presente pesquisa torna-se pertinente, tanto mais
pelo fato do público da Sala São Paulo não ter sido ainda estudado.
Para atingirmos os objetivos propostos, os capítulos a seguir pretendem desenvolver o
argumento dessa pesquisa. No capítulo primeiro foi necessário fazer um apanhado histórico
acerca do bairro da Luz a fim de compreendermos como se deu a construção de um complexo
cultural e turístico do porte do realizado na região. Neste capítulo são analisadas as iniciativas
geridas pelos setores público e privado no desenvolvimento de políticas que propõem a
“revitalização” da região; políticas que trazem a cultura como carro-chefe.
Já no segundo capítulo, abordo a Sala São Paulo como um todo – a Fundação Osesp,
os Programas Educacionais, a preocupação com a democratização da música de concerto. A
26

construção da antiga Estação de Ferro Sorocabana também é enfatizada em virtude desta


edificação ser símbolo da cultura dominante, seja nos áureos tempos do café (pois foi
construída para representar o poder econômico paulista), seja no cenário atual, abrigando uma
sala de concerto. Pretende-se mostrar que a Sala São Paulo, desde a sua fundação foi parte de
um projeto mais abrangente de revitalização do centro pela cultura e de retorno das antigas
elites à frequentação de concertos. No segundo capítulo também apresento informações sobre
as fases da música de concerto em razão deste gênero musical não ser difundido e, portanto,
ser algo ainda intocável até mesmo pelos frequentadores dos concertos. O capítulo 2 também
lança luz sobre a recente reestruturação da Osesp. A orquestra, desprestigiada até 1996, foi
reinserida no cenário da música clássica mundial a partir da construção da sede própria e,
sobretudo da valorização dos músicos o que assegurou-lhes excelentes condições de trabalho.
Tal abordagem é pertinente por causa da magnitude que a Sala São Paulo alcançou ao ser
recentemente considerada uma das 10 melhores salas de concerto do mundo.
No terceiro capítulo apresento um panorama das políticas culturais no Brasil, dando
ênfase para as problemáticas que a esfera da cultura enfrenta desde a época de Mario de
Andrade; essas políticas são tratadas também como forma de associá-las aos programas
educacionais desenvolvidos pela Osesp que objetivam ampliar o público da Sala São Paulo.
O capítulo 3 também apresenta as ONGs que comparecem aos concertos matinais na Sala São
Paulo, uma vez que percebo que a heterogeneidade do público muito se dá em função da
parceria entres as entidades e a Osesp.
No último capítulo apresento os resultados da pesquisa que foram alcançadas por meio
da aplicação dos questionários e também por intermédio do trabalho etnográfico. Tais
métodos permitiram-me avaliar o público através da integração das metodologias quantitativa
e qualitativa, e foi a partir desses instrumentos que concluí que nos dois tipos de concertos há
três grupos diferentes de frequentadores no que diz respeito às disposições estéticas e práticas
cotidianas, ou seja, frequentadores cultivados, ecléticos e dominados.
27

CAPÍTULO 1 – A SALA SÃO PAULO E O SEU ENTORNO

À luz da literatura na qual apoio minha problematização, malgrado as portas dos


equipamentos estejam abertas, a reverência, o amor pela arte, pela cultura, depende de
condicionamentos sociais e, não é, portanto, uma escolha livre. Assim, Bourdieu (2007)
afirma que o acesso à “alta cultura” só é consolidado quando os agentes possuem aportes para
isso, ou seja, adquirem conhecimentos, estudam música, teatro, literatura, cinema, conhecem
artistas, movimentos, escolas e estilos. Ao ver um quadro no estilo moderno, conseguem
compreender sua “forma” sem pensar na sua “função”, conseguem apreciar a arte pela arte
sem apresentar uma necessidade de explicação e, sobretudo, sem incitar seus sentimentos. O
amor pela arte surge, portanto, através de anos de contato com o belo, contato esse que é, no
entanto, negado à maior parte da população porque faz parte de um estilo de vida das classes
superiores, devido a fatores econômicos, culturais, sociais e geográficos.
Em todos os aspectos vemos que a educação está diretamente ligada à dinâmica da
frequentação da Sala São Paulo, uma vez que a música erudita é um tipo de expressão artística
que demanda a seus apreciadores um prévio conhecimento, devido ao fato do campo da
cultura exercer grande importância na reprodução social, ou seja, a ida a um concerto
promove uma distinção ao frequentador, uma vez tal evento faz parte do estilo de vida das
classes superiores. Neste contexto, a educação feita pelos programas da Osesp podem dar aos
frequentadores que não tiveram contato com a educação necessária para a apreciação plena do
concerto, aquilo que Bourdieu chama de aquisição tardia de capitais, pois é a desigualdade
escolar (de aquisição de capitais) que reproduz a desigualdade social (Bourdieu, 2011a).
A região da Luz é uma área que incita curiosidade devido à sua composição múltipla.
Ao mesmo tempo em que comporta muitos problemas sociais, é uma potência cultural e
turística; além de abrigar um dos cartões postais da cidade de São Paulo – a Estação da Luz.
A história do bairro pode ser revisitada durante um breve passeio por suas ruas. Com
isso, o visitante logo percebe as realidades distintas e desproporcionais que certamente
causam estranhamento. Os equipamentos culturais que por ali foram edificados convivem
com os transtornos sociais de dimensões gigantescas como o tráfico de drogas, a prostituição,
com grande número de agentes em situação de rua, com a presença dos cortiços. Diante disso,
a região da Luz ao longo da recente história (a partir de 1970) tornou-se campo fértil de
intervenções de ordem público-privada que visam à solução de seus problemas, sendo assim,
um apanhado histórico deste bairro se faz necessário, uma vez que nosso objeto de estudo – os
28

projetos de educação musical da Sala São Paulo – envolvem um equipamento que está
localizado nesta região.
Sob esta perspectiva, o presente capítulo versará sobre a região da Luz com o intuito
de compreender a importância dos equipamentos culturais no bairro. As intervenções às quais
o bairro foi submetido desde meados da década de 1970 também serão aqui apresentadas em
razão da restauração do Complexo Julio Prestes – local onde a Sala São Paulo foi implantada
– ter sido obra desse tipo de projeto. Tais operações visam à reabilitação da região central face
à degradação26 no âmbito sociogeográfico que a caracteriza. Assim, compreender as
características histórico-arquitetônicas da região da Luz, faz-se necessário em virtude da Sala
São Paulo fazer parte deste cenário cultural, arquitetônico histórico e turístico da cidade. É
oportuno ressaltar ainda que a cultura é uma das principais instâncias ativadoras das propostas
intervencionistas, desse modo, a relação entre a Sala São Paulo e tais propostas é intrínseca.
O capítulo tratará também da implantação da Sala São Paulo, bem como do
ressurgimento da Osesp, para discutir acerca das políticas educacionais de inclusão dos
agentes sociais que são formuladas pela instituição com a intenção de problematizar a
inserção do grande público neste equipamento, uma vez que partimos do pressuposto de que a
despeito da oferta de equipamentos culturais, a frequentação requer outras condicionantes que
perpassam a esfera educacional.

1.1. História da região da Luz


“A estação da Luz simbolizava o arrojo ferroviário de uma cidade
nascente” (Guimarães, 1977, p. 68).

Embora os primeiros anos de ocupação na região da Luz tenham se dado no século


XVI com a construção de uma pequena igreja – denominada Nossa Senhora da Luz – o bairro
ganhou características urbanas somente após a segunda metade do século XVIII. Até esta
data, a Luz era um local com pouca densidade demográfica e ainda com características rurais,
com muitas chácaras em seu território. Antes do seu desenvolvimento urbano, a região era
conhecida como “Campos do Guarépe”, devido à confluência dos rios Tamanduateí e Tietê,
passando a ser chamada depois de “Campo da Luz” (Guimarães, 1977).

26
A degradação urbanística da área, visível no descaso para com os espaços públicos – incluindo, de maneira
absurda, um dos mais bonitos parques da cidade, o Jardim da Luz – no estado geral dos edifícios, muitos de
reconhecido valor arquitetônico; na forma de ocupação das ruas e dos passeios; no comércio informal e,
sobretudo, na concentração de questões sociais relativas aos moradores de rua, aos grupos de menores carentes, à
proliferação de cortiços e a um relativo trânsito livre para prostituição e tráfico de drogas. (p. 130-131).
29

A história da cidade de São Paulo revela que desde sua origem, “os centros” da cidade
estiveram ligados à presença das elites, de modo que “a Luz, o Arouche e o Campo Redondo
constituíam regiões habitadas por importantes personagens, que sabiam muito bem recorrer ao
peso de seu prestígio, sempre que necessário” (Campos, 2005, p. 5). A ocupação da área por
aqueles que detinham posses fica clara em virtude da análise das casas que ali foram
levantadas quando a cidade de São Paulo ainda era semi-rural. Os casarões, que apresentavam
um estilo arquitetônico neoclássico e/ou eclético, deixavam transparecer a classe social dos
habitantes. E foi na Luz (mais precisamente nos Campos Elíseos) que a elite cafeeira se
instalou, trazendo paulatinamente o progresso citadino. Em contrapartida, em outra região da
cidade ocorria uma situação inversa, pois foram construídas na zona sul edificações
depreciadas como a forca, o cemitério e o matadouro (Campos, 2005). Com isso, vemos que a
região da Luz, desde a sua fundação, foi um local prestigiado do ponto de vista do estilo de
vida dominante, dado que fora o primeiro local de residência escolhido pelas elites paulistas.
Não é de se estranhar, portanto, a escolha da região para abrigar edifícios ligados à
esfera cultural. Assim, a preocupação com a cultura é até hoje um fator constitutivo do bairro,
diferentemente do que ocorreu em outras adjacências como a Móoca, o Brás e o Belenzinho,
por exemplo, que se organizaram como bairros fabris (Guimarães, 1977).
A partir do estudo da história do bairro, fica evidente que o lado cultural da Luz está
intimamente ligado à presença das elites que ergueram seus casarões a partir da segunda
metade do século XIX. Suas instalações convergiam para traduzir a imagem e o estilo de vida
de uma elite dominante, seus casarões, a escolha do lugar para abrigar equipamentos ligados à
educação e à cultura. Mesmo antes de se tornar uma das principais e prósperas cercanias de
São Paulo, o bairro já indicava uma tendência de grandiosidade arquitetônica, haja vista, além
dos palacetes, a edificação de equipamentos importantes, tais como:
“o Recolhimento da Luz, originado de velha ermida quinhentista (a parte
mais antiga do edifício atual foi inaugurada em 1788); mas havia também o Jardim
Público, antigo Jardim Botânico, criado em 1825; a Casa de Correção, nome da
penitenciária provincial em forma de panóptico, com projeto do Marechal Müller
datado de 1832, e cujo primeiro raio foi inaugurado 1851; e o Seminário Episcopal”
(Campos, 2005, p. 15)

Os mais abastados também garantiriam a sociabilidade através da construção de outro


signo de distinção: o Jardim da Luz. De acordo com Guimarães (1977), o jardim foi
construído com donativos dos moradores mais abastados da época e era o ponto de encontro,
e guardadas as proporções populacionais da época, era um ponto turístico bastante visitado.
Os moradores mais privilegiados vivenciaram uma época de elegância, de glamour, e de
sofisticação.
30

Não podemos deixar de relatar que os áureos tempos vividos nas adjacências da Luz,
foram proporcionados a partir da construção da ferrovia Santos-Jundiaí (1860 a 1867), uma
vez que tal acontecimento foi o grande responsável pelo progresso e o desenvolvimento da
cidade de São Paulo. De acordo com Guimarães (1977), a ferrovia transformou a cidade em
todos os âmbitos, sobretudo no que diz respeito à expansão do povoamento, bem como ao
desenvolvimento nas áreas comercial, acadêmica, técnica e cultural. Assim,
“Quando a cultura e a técnica se instalaram na senhorial residência do
Marquês de Três Rios, a tecnologia se implantaria no bairro polo de irradiação geral.
E São Paulo não mais pararia, pois dali partiriam engenheiros e arquitetos que
ergueriam São Paula para o alto!” (Guimarães, 1977, p. 41)

Diante deste contexto, percebemos que a história da cidade de São Paulo se funde à
história da Luz, dado que a vitalidade associada à metrópole surgiu a partir desta localidade
ter sido escolhida para a construção da estação de trem. A primeira delas, “a São Paulo
Railway”27, fez com que uma pequena vila, isolada e com poucos habitantes, se transformasse
numa das principais metrópoles mundiais. Sabe-se que a construção da ferrovia paulista se
deu em virtude da necessidade de escoamento da produção cafeeira proveniente do Vale do
Ribeira; a ferrovia foi instalada devido à posição geográfica estratégica que iria facilitar o
transporte do produto até o porto de Santos. Sob tal perspectiva, é importante destacar a
atuação dos imigrantes no processo de urbanização de São Paulo, haja vista as novas técnicas
que foram trazidas no que diz respeito ao crescimento da indústria, da diversificação de
profissões, do desenvolvimento do comércio, pois foi no bairro da Luz (nos arredores da
estação ferroviária) que o comércio da cidade se expandiu (Morais, 1998).
Nesse contexto, é importante ressaltar que a cidade de São Paulo, quando da
inauguração da São Paulo Railway, em 1867, possuía apenas 20 mil habitantes. A partir de
então, a cidade passou a ganhar ares de metrópole dado seu acelerado crescimento. A estação
da Luz tornou-se além de ponto de chegada e partida, um ponto turístico em função da beleza
de seu estilo arquitetônico. A estação tornou-se rapidamente o símbolo da cidade, pois apesar
de sua construção ter sido criticada (por se tratar de um lugar ermo), foi ela a responsável pela
reconfiguração da vida social. (Guimarães, 1977). Em contrapartida à visão
desenvolvimentista, Campos (2005) afirma que foi a própria construção da ferrovia que
propiciou a degradação da região, uma vez que impossibilitaria a ligação da cidade no eixo
norte-sul, o que ele segundo acarretaria numa “desvalorização ambiental e fundiária”. A partir
de 1930, iniciou-se na Luz um período de abandono e degradação, concomitante à mudança
27
“O Barão de Mauá, graças ao seu prestígio e poder econômico conseguiu interessar capitais ingleses no
empreendimento. Subscrevendo a maioria das ações fundou a “The São Paulo Railway”, com sede em Londres”
(Guimarães, 1977, p. 65). Esta ferrovia foi a primeira deste gênero na América Latina (Guimarães, 1977).
31

do centro para outra região da cidade, nos arredores da Avenida Paulista, em virtude da
transferência das elites para esse novo lugar. Tal processo, no caso de São Paulo, demonstra
que o desenvolvimento de cada lugar está sempre conectado à presença e interesses dos mais
favorecidos, pois à medida que a classe dominante se estabeleceu em outra região, os serviços
públicos deixaram de priorizar a Luz.
A educação promovida nas dependências da Sala São Paulo, também se debruça sobre
a história da Estação de Ferro Sorocabana por meio do programa “Visita Monitorada”. Nele, o
visitante faz uma inscrição prévia e participa de um passeio pelas dependências do
equipamento. A explicação histórica referente à influência dos barões do café na construção
da estação Júlio Prestes é parte obrigatória, haja vista os detalhes na arquitetura que fazem
alusão ao poderio econômico do qual o café era o vetor. A visita também proporciona ao
visitante explicações sobre a acústica da casa, bem como aos recursos tecnológicos que foram
empregados na construção da Sala São Paulo.
A problematização do presente trabalho centra-se, portanto, em uma avaliação do grau
de inclusão e exclusão das classes populares à Sala São Paulo. A literatura que utilizo para
formular o problema de pesquisa (o pensamento bourdiesiano) afirma que a alta cultura é
consumida em geral apenas pelas classes dominantes porque o gosto cultural dos agentes e
grupos sociais depende de condicionantes como classe social e trajetória individual. Neste
sentido a Sala São Paulo torna-se um objeto privilegiado, pois permite testar os limites da
validade do discurso democratizante dos vários projetos educacionais abrigados na instituição
que visam a disseminação da música sinfônica ao grande público, além da formação musical
de um público leigo. A dificuldade de tais projetos está exatamente na barreira das normas de
conduta exigidas por uma frequentação contínua, bem como o tempo exigido por uma
educação gradativa dos frequentadores.
Dito isto, apresentaremos uma breve análise sobre o surgimento da preocupação em
melhorar a área da Luz, face à degradação que se instalou. Como veremos, a partir dos anos
de 1970, algumas políticas de intervenção foram projetadas e/ou realizadas e correspondiam
ao conceito de cidade global, que colocaria São Paulo num patamar competitivo junto com as
grandes metrópoles mundiais.

1.2. Discussão sobre “revitalização”


O termo “revitalização” foi muito empregado ao longo da história recente de São
Paulo, especialmente no que se refere às tentativas de melhorias no centro degradado. A
“revitalização” também foi disseminada pelas notícias de jornal quando o assunto era sobre
32

alguma intervenção da polícia, da prefeitura ou de ONGs realizada na região da Luz.


Contudo, este termo é demasiado contraditório quando pensamos que ele pode ser utilizado
para denotar que não existe vida nas adjacências aqui estudadas. Sob tal perspectiva, veremos
abaixo algumas contribuições da literatura relacionada ao urbanismo, para compreender o
aspecto empregado nas intervenções que são desenvolvidas na região.
O termo “revitalização”28 é empregado em geral em oposição à situação de
“degradação” que se alastrou no bairro. Como já foi dito, a partir da segunda metade do
século XIX, os agentes sociais mais privilegiados, habitavam os Campos Elíseos. A
degradação desta região pode ser explicada por meio da análise do fenômeno denominado
segregação29 sociogeográfica, que é um fenômeno produzido pelas classes dominantes
(Campos, 2005). Por sua vez, Frúgoli (2001) ao fazer um panorama sobre a criação das
associações privadas que tanto influenciaram a região em questão, prefere denominar de
“requalificação” o conjunto dessas ações, porque “implica incorporar um dinamismo
econômico e social que ali ainda existe” (Frúgoli, 2001, p. 55).
Segundo Mosqueira (2007), malgrado as intervenções tenham ocorrido a partir dos
anos 1970, apenas nos últimos anos, é que a chamada “reabilitação urbana” começou a ser
tendência mundial. A reabilitação está ligada à recuperação de áreas urbanas degradadas,
sobretudo aquelas com importância histórico-arquitetônica, possibilitando o desenvolvimento
econômico do local. Tais disposições foram inspiradas na Carta de Atenas 30. De acordo com a
autora, ainda há questões divergentes que envolvem essa temática de reabilitação: uma delas é
que a reabilitação ocorra de uma forma global, ou seja, que o plano de restauro, bem como as
melhorias do entorno da região restaurada contemple as pessoas que ali moram, no sentido de
acolhê-las. Essa é uma das definições da Declaração de Amsterdã31, que sugere que a
população local tem direito de participar das ações. Em contrapartida, as Normas de Quito32,
que foram seguidas pelas intervenções na região da Luz, veem o patrimônio histórico como

28
A revitalização é um termo atribuído à “qualificação e valorização ambiental com manutenção e recuperação
do patrimônio edificado”. (José, 2007, p. 29-30).
29
De acordo com Villaça (1999), as cidades podem se configurar a partir da, ou seja, as áreas das cidades são
compostas por grupos sociais distintos, de maneira que a localização é um fator de distinção. Cogita-se que os
moradores da zona sul do Rio de Janeiro possuam renda alta, do mesmo modo, em São Paulo, as classes mais
privilegiadas moram no quadrante sudoeste, ou seja, os grupos de alta renda se segregam, formando um novo
centro, acarretando transformações na dinâmica socioespacial.
30
Documento que dá diretrizes para o restauro de monumentos. A partir dele, criou-se a tendência internacional
de recuperação, restauração, valorização de monumentos em processo de degradação.
31
Declaração de Amsterdã deriva de uma reunião ocorrida em 1975 que dá diretrizes para a conservação do
Patrimônio Arquitetônico Europeu e assume que “o patrimônio arquitetônico da Europa é parte integrante do
patrimônio cultural do mundo inteiro e nota com satisfação o engajamento mútuo para favorecer a cooperação e
as trocas no domínio da cultura”. Disponível em http://portal.iphan.gov.br. Acesso em: 18/04/2015.
32
Normas compiladas após reunião de conservação e utilização de monumentos e lugares de interesse histórico e
artístico – O.E.A. – Organização dos Estados Americanos. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/.
33

uma potência econômica, dada a possibilidade de criação de uma área turística. É neste
contexto que a região da Luz se encontra até os dias atuais, pois há a mobilização da justiça e
da opinião pública no que tange à reabilitação. Portanto, o que vemos até agora é o embate
relacionado aos fins que se destinam as reabilitações urbanas, de um lado, há preocupação
com o desenvolvimento urbano, histórico e social do lugar33, ideia que se contrapõe aos
interesses econômicos que são potencializados pelo turismo cultural e pela especulação
imobiliária, pois “a concessão urbanística prevista pela Nova Luz consiste em deixar a
revitalização a cargo da iniciativa privada, que poderá fazer as desapropriações necessárias e
vender os terrenos com lucro34”.
De acordo com Zancheti35 (2012), o pioneirismo referente à ideia de recuperação de
determinados espaços urbanos nasceu sob influência da Declaração de Amsterdã. Trata-se
aqui do conceito de conservação urbana integrada que, em sua gênese, esteve ligada à
transformação de um espaço antigo e degradado, levando em consideração a população local,
bem como a justiça social. Os primeiros bairros nos quais a conservação integrada foi
efetivada eram bairros periféricos de centros históricos na Itália e Espanha. Portanto, as
primeiras recuperações de zonas urbanas eram envolvidas por um caráter social, que deixou
de ser seguido a partir do momento em que os projetos interventores passaram a priorizar
apenas a revitalização ou a reabilitação e desconsiderar os habitantes envolvidos. Segundo o
autor, a revitalização está associada tão somente a problemas econômicos, no sentido de que
as políticas neoliberais objetivam recuperar o valor dos imóveis tombados. O autor afirma que
a principal função da conservação integrada é melhorar a imagem da cidade escolhida “num
mundo globalizado, onde localidades competem diretamente por investimentos produtivos, o
que decide o jogo da competição são as especificidades das localidades e suas imagens”
(Zancheti, 2012, p. 24). Aqui no Brasil, apenas as cidades de Salvador e de Recife tiveram de
fato a requalificação consolidada como desenvolvimento local.
No caso de São Paulo, quando a elite cafeeira ascendeu, ela se segregou nos Campos
Elíseos; contudo, após 1930, segregou-se novamente em outros bairros – na região da
Avenida Paulista e ao longo da Marginal dos Pinheiros (quadrante sudoeste) – formando
outro centro em detrimento do Centro Velho. Ainda dentro deste contexto, há outra
33
“População aguarda revitalização da Luz, em SP”. Disponível em:
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/vc-reporter-populacao-aguarda-revitalizacao-da-luz-em-sp. Acesso em:
28/04/2015.
34
“Justiça suspende projeto de revitalização da Luz, em SP”. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-
paulo/noticia/2012/01/justica-suspende-projeto-de-revitalizacao-da-luz-em-sp.html. Acesso: 28/04/2015.
35
Plano de Gestão da Conservação Urbana: Conceitos e Métodos / Norma Lacerda e Sílvio Mendes Zancheti /
Olinda: Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada, 2012.
34

explicação acerca da degradação da cidade. De acordo com Meyer (1999) a cidade, erguida
sobre o tripé: fábrica, ferrovias e vilas operárias, precisa ser reordenada, no sentido de
promover a integração urbanística que não foi pensada no início da metrópole. A degradação
da região da Luz é explicada pela autora como o resultado da decadência do setor ferroviário
e da ênfase ao setor rodoviário, com a formação de um plano de avenidas. A degradação – que
conhecemos hoje – iniciou-se, dentre outros fatores, com a construção da rodoviária na praça
Julio Prestes, em 1970, de maneira que “o elevado número de linhas terminais que acessavam
a rodoviária, acabou por degradar de forma irreversível as ruas adjacentes” (Meyer, 1999, p.
27). Corroborando com isso, Izzo Jr (1999) afirma que a região central passou a se
descaracterizar à medida que a cidade foi redesenhada para atender as demandas do transporte
público; grandes avenidas (como a Avenida Tiradentes), bem como a própria ferrovia,
modificaram a paisagem urbana, produzindo problemas como a segregação de bairros e
vazios urbanos.
A partir da década de 1970, o poder público começou a se preocupar com a
degradação a que a região estava sendo submetida ao longo das décadas. É interessante notar
os dois lados deste progresso; de um lado, o crescimento da cidade tendo sido promovido pela
ferrovia e pela expansão do setor rodoviário; de outro lado, diante deste mesmo processo de
crescimento, o centro da cidade não conseguiu, por sua vez, desenvolver concomitantemente
um crescimento social no sentido de ser uma localidade qualificada.
Neste ponto, é preciso analisar as políticas público-privadas que tiveram a intenção de
desacelerar a deterioração do centro da cidade. Tratar de tais políticas é imprescindível, dado
que a implantação da Sala São Paulo foi gestada no âmbito da Associação Viva o Centro36,
instrumento utilizado pelo poder público e pelo setor privado para promover a transformação
do centro face aos problemas sociais que o assola e caracteriza. Diante disso, analisaremos as
intervenções realizadas ao longo da recente história da cidade, mais precisamente a partir de
1970, período em que a ideia de “revitalização” do centro ganhou notoriedade37.

36
“O processo de revitalização da Luz, região central da cidade conhecida como Cracolândia, pode voltar a
caminhar no início do próximo ano. A região recebeu uma injeção de recursos da ordem de R$ 3,6 milhões,
captados da iniciativa privada pela Operação Urbana Centro, que reúne 14 entidades da sociedade civil, entre
elas autarquias e secretarias públicas e organizações não-governamentais (ONGs)”. Disponível em:
http://www.vivaocentro.org.br/noticias/clipping/2006/291106_dcomercio.pdf. Acesso: 08/05/2015.
37
Isso pode ser visto através de notícias como: Cconheça o Projeto de Revitalização da Nova Luz”. disponível em:
http://noticias.r7.com/; “plano de revitalização da nova luz começa a ser executado em 17 de junho”. disponível em:
http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias; “nova luz: veja aqui o passo-a-passo da revitalização cultural”. disponível em:
http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=218133. para citar apenas três delas. acesso em: 06/04/2015.
35

É interessante notar nas propostas de intervenção, o papel dado à cultura, uma vez que
o patrimônio histórico que compõe o bairro foi muito bem aproveitado para esta finalidade.
De acordo com José (2007), as intervenções urbanas promoveram
“(...) a construção da Sala São Paulo no interior da Estação Julio Prestes
restaurada; a reforma da Pinacoteca do Estado; a restauração da Estação da Luz,
acompanhada pela instalação de um museu da Língua Portuguesa em seu interior; e
a implantação do Programa Monumenta – BID” (José, 2007, p.20).

Tais propostas pautaram-se na tendência mundial que transformou as algumas


metrópoles em cidades globais38. Neste contexto, a cidade de São Paulo, por ser uma
megalópole e por ter sido escolhida para fazer parte das cidades que lançam tendência, pode
ser colocada ao lado de cidades como Nova York, Tóquio, Londres, Paris, Cidade do México,
Cingapura, Hong Kong, ou seja, das cidades que têm características semelhantes do ponto de
vista econômico. As intervenções urbanas na Luz, portanto, inserem a cidade de São Paulo no
âmbito das cidades globais porque dentre outras características, o principal requisito é fazer
com que a cidade promova “qualidade de vida: boa oferta cultural, ambiente urbano, ‘vida’
nas ruas” (Véras, 1999, p.199).
Para autores como Véras (1999), José (2007) e Zanchetti e Lacerda (2012), fica
evidente a influência das tendências no que concerne à nova ordem mundial promovida pela
globalização, pois malgrado todas as problemáticas sofridas pelas cidades do mundo todo em
decorrência do desenvolvimento urbano, da industrialização, do crescimento populacional, da
pobreza, da miséria, da violência, dentre outros, no cenário urbano mundial, a competitividade
continua prevalecendo. Os autores veem a “revitalização” do ponto de vista geográfico e
urbanístico, e consideram que os processos de revitalização transformam a cidade num local
de alta competitividade internacional, tendo em vista que a imagem da cidade é um dos
principais fatores neste processo. De tal modo, o mais importante no processo de
transformação das cidades é “ser competitivo internacionalmente sem abandonar os interesses
locais, ou seja, conseguir fazer a gestão da metrópole global sem exclusão social” (Véras,
1999). Com isso, o espaço urbano referente à região da Luz, ao longo da história recente, vem
recebendo algumas propostas de invenção que objetivam transformar a região num lugar
menos degradado.

38
De acordo com Borja (1994 apud Véras, 1999), cidades globais são cidades competitivas; elas controlam o
mercado mundial, de maneira que as decisões no âmbito globalizado e capitalista perpassam seus territórios, ou
seja, as cidades globais lançam tendências, são seguidas. No termos de Véras, “para ser competitivo, para as
bases territoriais serem eficientes, é preciso produzir algo que interesse ao mundo e que aumente o produto
global” (Véras, 1998, p. 198).
36

A abordagem analítica que aqui será feita a partir da exposição das políticas de
intervenção enfatizará o uso da cultura como cerne de tais programas, ou seja, o objetivo será
avaliar o como e por que a cultura foi utilizada para alavancar tais políticas; logo, as ações
sociais que podem ou não estar embutidas não são foco de nossa análise.

1.3. Projetos de intervenção urbana


Os projetos de requalificação urbana que foram desenvolvidos na Luz, embora não
tenham obtido pleno êxito, por razões que iremos ver em seguida, alavancaram a cultura
como vetor do esperado controle da degradação do centro da cidade. É importante ressaltar
que o exemplo francês que fez a França ser considerada o maior polo cultural do mundo, foi
seguido pelo Brasil, quando da elaboração de tais propostas de requalificação urbana
(Arantes, 2000). Neste contexto, a Associação Viva o Centro foi uma das principais
mediadoras das recentes mudanças ocorridas na região central da cidade39, trazendo a cultura
como fator principal de desenvolvimento ao neutralizar a degradação, de maneira que o
primeiro equipamento cultural foi o Theatro São Pedro.
De acordo com José (2007), as políticas culturais no Brasil, das quais o caso paulista
faz parte, aproximam a relação entre Estado e área da cultura. Isso se deu em razão da
influência de governos liberais, e no caso de São Paulo, da gestão de Mario Covas (em que o
avanço na área cultural foi intenso), ainda que sua política na área de cultura seja fruto
também da concomitância com a presidência de Fernando Henrique Cardoso, dado que ambos
pertenciam ao mesmo partido (PSDB). Foi nesse período que, com a criação da Lei Rouanet
(lei nº 8.313/91), as empresas começaram a receber incentivos fiscais para projetos culturais.
A despeito dessas discussões, a partir dos anos 1990, surgiram as parcerias público-
privadas40 que elaborariam projetos de requalificação urbana em muitas cidades brasileiras.
Segundo a autora José (2007), a expansão do setor cultural se deu a partir de duas estratégias:
a consolidação da lei de incentivo fiscal, bem como a parceria com o Banco Interamericano

39
As políticas culturais avançaram durante a gestão do Secretário Estadual de Cultura, Marcos Mendonça.
Foram elas: “reforma da Pinacoteca do Estado (1995-1998); instalação do Complexo Cultural Estação Júlio
Prestes e Sala Sala São Paulo (1996-1999); restauração do Mosteiro da Luz e Ampliação do Museu de Arte
Sacra (1997-1999); recuperação do Jardim da Luz (1999); restauro da Igreja de São Cristóvão (1995-2002);
restauro e reforma do antigo Hotel Flórida, para sediar a Universidade Livre de Música; implantação do Museu
da Energia e restauração da Estação da Luz, com a instalação do Museu da Língua Portuguesa” (José, 2007, p .
183).
40
“Neste cenário, o poder público atua como regulamentador (ou flexibilizador da regulamentação existente), e
investe na reabilitação dos espaços públicos e na infraestrutura a fim de atrair o setor privado” (José, 2007, p.
154).
37

de Desenvolvimento - BID; parceria que objetivava o aumento do turismo cultural através da


requalificação do patrimônio histórico.
Diante dessas intenções de minimizar os problemas sociais através da cultura, um dos
principais programas efetuados na região da Luz foi o Programa Monumenta BID que parte
da ideia de que quando há investimentos no âmbito da cultura, o efeito imediato que a cidade
ganha é a revitalização urbana. Foi neste intuito que o Brasil aceitou a proposta do BID ao
desenvolver o Programa de Preservação do Patrimonio Histórico Urbano – Monumenta. Na
primeira fase de parceria com o Ministério da Cultura (MinC) e o BID, São Paulo estava entre
as sete cidades selecionadas junto com Ouro Preto, Olinda, São Paulo, São Luís, Salvador,
Rio de Janeiro e Recife (José, 2007).
Diante da enormidade de questões que são inerentes ao bairro da Luz, limitarei o
estudo às intervenções das quais a região foi e ainda é alvo; intervenções que dizem respeito à
problemática referente à requalificação urbana. Por causa das características que aqui já foram
expostas, as intervenções partem da ideia de que a região precisa de aprimoramento,
renovação, reordenamento, tendo em vista a sua condição geográfica, histórica, cultural e
social, face à degradação em que ela ainda se encontra, malgrado as propostas
intervencionistas que serão aqui apresentadas, que tiveram o objetivo de transformar a cidade
numa cidade global.
Assim sendo, surgiu em 1974, o projeto “Área da Luz - Renovação Urbana41” no qual
havia a preocupação com os problemas de moradia e principalmente com a qualidade de vida
dos moradores. O plano42 abrangia a preocupação com os edifícios históricos, de maneira que
já havia, naquela época, o intento de aproveitar os edifícios como potencialidade de
exploração cultural, estimulando a população a se beneficiar dos aprimoramentos do bairro.
No entanto, essa temática cultural foi elaborada de fato em 1984, a partir do projeto
“Luz Cultural”. Esse projeto, ainda sob regulação apenas do poder público, visava à ações que
interligassem a população como um todo à região da Luz através da criação de intervenções
culturais. Neste sentido, alguns projetos foram criados: programa “Leitura no Parque”;
“Educação Ambiental”; Desenho no Parque”; todos eles em parceria com a Secretaria
Municipal da Cultura (Meyer e Izzo Jr, 1999). O maior intuito do projeto era conectar a

41
“Realizado pela equipe do escritório Rino Levi Arquitetos Associados, desenvolveu um amplo diagnóstico
técnico e o mapeamento detalhado da área, classificada na legislação de zoneamento urbano como Z8-007. Esse
estudo, encomendado pela Cogep – Coordenadoria Geral de Planejamento, órgão que antecedeu a atual Sempla
(Secretaria Municipal de Planejamento)” (Izzo Jr, 1999, p. 171)
42
O trabalho realizado em 1974 pela equipe do escritório Rino Levi Arquitetos Associados. Esse estudo,
encomendado pela Cogep – Coordenadoria Geral de Planejamento, órgão que antecedeu a atual Sempla
(Secretaria Municipal de Planejamento), p. 132.
38

população, sobretudo a população moradora ao bairro, criando uma identificação, a sensação


de pertencimento. Segundo os autores, o projeto ia na contramão das intervenções que apenas
pensavam a revitalização a partir da expulsão dos moradores da região.
O projeto Luz Cultural objetivava cuidar das praças, melhorar a iluminação para,
assim, melhorar a sociabilidade, ou seja, que o espaço público ficasse mais limpo e
organizado. Outra intenção do projeto era dar uma iluminação específica aos edifícios
históricos, para que eles fossem identificados e integrados; essa comunicação visual forjaria a
identidade do bairro. Além disso, a cultura estaria à frente, pois a região teria uma vida social
mais intensa, com os moradores e visitantes usufruindo do espaço público, além da arte e da
cultura tornarem-se acessíveis a todos (Izzo Jr (1999). O caráter principal do Projeto Luz
Cultural era a promoção do turismo cultural na cidade, dada a “vocação” da área para este fim
por causa de seus equipamentos culturais. Na época, havia o Museu de Arte Sacra, a
Pinacoteca do Estado, o Liceu de Artes e Ofícios.
De acordo com José (2007), havia o intuito de estabelecer a revitalização sem precisar
transformar a zona urbana de maneira drástica. O programa era simples porque trata-se apenas
de divulgar a oferta cultural já existente43. Neste período não havia ainda as parcerias público-
privadas, por isso, os custos não poderiam ser altos. Segundo os idealizadores do projeto 44, o
turismo além de recuperar o patrimônio arquitetônico, ele promoveria o melhoramento da
infraestrutura local, além de propiciar o crescimento da economia.
Neste período, cogitou-se transferir a Sede da Osesp para o prédio que abrigava a
antiga Faculdade de Farmácia e Odontologia da Usp, contudo o prédio não tinha estrutura
apropriada. O secretário da cultura, portanto, tinha a intenção de “transformar a Luz num
Greenwich Village paulistano” (José, 2007, p. 66), em virtude da preocupação com o
patrimônio histórico, como também com a estética da paisagem urbana. No entanto, o projeto
Luz Cultural terminou prematuramente devido à descontinuidade de suas propostas, bem
como pela escassez de parcerias.
Apenas em 1996, dado o avanço da degradação da região, foi realizado o “Concurso
Nacional de Ideias para um Novo Centro de São Paulo45” a fim de surgirem ideias de

43
“O projeto era composto pelos seguintes itens: a) implantação de programas e roteiros turísticos envolvendo
todos os equipamentos culturais do estado, localizados na região; b) organização do zoneamento do bairro, em
conjunto com a prefeitura; c) elaboração de um projeto gráfico de divulgação; d) algumas intervenções pontuais
de recuperação de edifícios de interesse histórico”. (José, 2007, p. 61).
44
O Projeto Luz Cultural foi elaborado pelo então Secretário da Cultura Cunha Lima e coordenado pela arquiteta
Regina Prosperi Meyer. (José, 2007).
45
“Iniciando uma ampla discussão sobre a área central da cidade de São Paulo - que compreende os centros
velho e novo, o Vale do Anhangabaú, o Parque D. Pedro II, a Zona Cerealista, e o pátio de manobras do Pari
(antiga estação ferroviária) -, a prefeitura paulistana abriu o "Concurso Nacional de Ideias Para um Novo
39

melhorias para o centro. O projeto ganhador do prêmio não foi realizado em razão de sua
complexidade que demandaria muito tempo e altos custos, pois almejava a transformação
radical da paisagem urbana (modificação de avenidas, construção de novas estações, terminais
de ônibus). Neste projeto, a estação Julio Prestes serviria de terminal para os trens que
passariam a viajar para o interior do Estado.
Contudo em 1998 o “Projeto Luz46”. Baseado em outras iniciativas outrora realizadas,
o projeto trouxe novamente o intento de recuperar a área central. Tal iniciativa possuía as
características do Projeto Luz Cultural de 1984, em virtude de “elevar a cultura como
emblema do bairro, além de pensar a reabilitação” da região por meio do restauro de prédios
históricos, da melhoria da iluminação, da construção e renovação de praças, construção de
estacionamentos; neste sentido, reabilitar o centro significa, aos olhos dos urbanistas, deixá-lo
mais organizado e menos sujo, melhorando assim as condições de circulação, além de garantir
a segurança. O Projeto Luz traz em sua gênese o conceito de requalificação que guia os
projetos do IPHAN ligados à reforma e restauro de centros históricos em cidades do Brasil.
(Izzo Jr, 1999).
A partir de 1990, a iniciativa privada passou a ser parceira do poder público no que se
refere às políticas de intervenção no centro da cidade. A recuperação está atrelada ao
planejamento urbano voltado para melhoria dos transportes, o aumento do número de
residências, melhoria da infraestrutura, possibilitando o aumento do número de transeuntes até
mesmo no período noturno (garantia de segurança). A reestruturação do centro, portanto, seria
“a dinamização da vida coletiva como forma de recuperar a urbanidade, ou seja, as relações
de convivência equilibrada entre a população e o meio (Izzo Jr, 1999, p. 143).
Diante do quadro de intensa degradação urbana, sobretudo no que se refere à
prioridade dada às grandes avenidas, que prejudicou a vida dos pedestres, o projeto Pólo
Luz47 nasce para impactar de maneira positiva a acessibilidade do bairro, a circulação dos

Centro". O edital solicitava o incentivo à diversidade funcional, a confirmação da vocação de São Paulo para
Cidade Mundial, e a garantia de um equilíbrio de acessibilidade que priorizasse o transporte coletivo sem excluir
o particular”. Projeto vencedor: dos arquitetos Martinez Correa, José Paulo de Bem e outros, 1996. Fonte:
http://au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo. Acesso: 20/04/2015.
46
Dentro do Programa de Reabilitação do Patrimônio Cultural, desenvolvido pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura) e destinado à requalificação de centros
históricos em cidades brasileiras com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Trata-se de
um projeto coordenado pelo DPH (Departamento de Patrimônio Histórico, órgão da Secretaria Municipal de
Cultura), em associação com o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico,
Artístico e Turístico do Estado de São Paulo), montado com base nos trabalhos já realizados sobre a área da Luz.
47
Dentro do Programa de Reabilitação do Patrimônio Cultural, desenvolvido pelo IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Ministério da Cultura) e destinado à requalificação de centros
históricos em cidades brasileiras com recursos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). (Pólo Luz,
p.138)
40

pedestres, a utilização do espaço público e dos equipamentos culturais. A Sala São Paulo e
expansão da Pinacoteca do Estado fazem parte deste projeto de renovação e requalificação do
espaço urbano.
De maneira geral, o discurso do poder público representado pelo então Secretário da
Cultura, Marcos Mendonça, a política de requalificação urbana que traz a cultura como pano
de fundo, melhora as condições de convivência dos moradores da cidade; pois há a
preocupação em afirmar que o patrimônio histórico do bairro pertence a todo o povo. E não há
outra região da cidade que possua tantos edifícios históricos. Diante disso, o reaproveitamento
desses prédios para funções culturais, foi a maneira encontrada pelo poder público de
recuperar o centro. Esse discurso sobre a importância da requalificação como caminho
fundamental para a cidade, é endossado pelos responsáveis pelas associações, ao afirmarem
que a requalificação traz benefício para toda coletividade, em razão dos planos urbanísticos
que precisam ser feitos.
O mais recente projeto intervencionista que abarca a região da Luz foi lançado em
2011, denominado Projeto Urbanístico Específico (PEU48) - “Nova Luz49” e foi desenvolvido
pela Prefeitura Municipal de São Paulo para traçar planos e metas que tangem ao espaço
público a fim de propor um desenvolvimento urbano que será consolidado até 2025. O projeto
dá ênfase às âncoras que são edifícios situação na região, como a Sala São Paulo, por
exemplo, e objetiva trazer soluções urbanísticas para o bairro tanto no âmbito público como
no privado, no sentido de fazer com que as áreas degradadas (de baixa utilização) sejam
reabitadas. O documento evidencia que é pretensão da prefeitura transformar a área num local
heterogêneo do ponto de vista da habitação, ou seja, que a Luz seja habitada por indivíduos de
todas as classes sociais.
O PUE traz uma visão clara de cidade compacta que é uma tendência mundial no que
se refere às melhorias urbanísticas. Trata-se da requalificação de uma área totalmente
construída, visando concentrar o maior número de pessoas em seu perímetro, evitando que as
pessoas se desloquem, diminuindo a expansão da RMSP. É objetivo valorizar a área através

48
Um dos objetivos do PEU é fazer que “tal incremento ocorra mantendo os atuais moradores e permitindo a
entrada de novos, criando um bairro com perfil habitacional variado a partir da possibilidade de produção de
residências para diferentes segmentos de renda. Além disso, pretende-se também diversificar os tipos de
emprego, criando espaço para alocar setores econômicos diversos, permitindo, inclusive, a instalação de
empresas a serem beneficiadas pela Lei de Incentivos Seletivos”.
49
A Nova Luz agrega um conjunto de 45 quadras que perfazem 356.417m2 de área de terreno, com
1.216.056m2 de área construída existente. O projeto prevê a demolição de 284.096m2 e a construção de
1.079.062 m2 de área construída, localizados em 191.508 m2 de área de terreno que serão renovados. Neste
momento, é importante destacar que o volume de demolição corresponde a cerca de 24% da área construída
atual.
41

do restauro de edifícios históricos, aumentar o número de edifícios residenciais e minimizar a


visão negativa que designa o bairro dado seus problemas sociais. A ideia é, portanto, melhorar
a área com o intuito de propiciar a seus visitantes e moradores melhorias na infraestrutura
urbana. Há a pretensão também de fazer com que os agentes de todas as camadas sociais
possam se sentir beneficiados a partir da (re)significação negativa do bairro, com a construção
de praças, jardins e ciclovias.
O estudo das intervenções urbanas, ou ao menos as intenções a este respeito, evidencia
que o patrimônio histórico-arquitetônico da região foi preponderante na escolha do bairro da
Luz. Percebe-se desde o primeiro projeto em 1974, a relação entre planejamento urbano e a
utilização da cultura e do turismo numa tentativa de se chegar ao que os intervencionistas
chamam de requalificação urbana. Assim, diante de todos os projetos aqui discriminados,
ficou clara a preocupação dos órgãos públicos e das associações privadas em modificar a
imagem da região, de maneira que haja maior motivação para desfrutar o espaço público.
Todos os projetos atentam para a resolução dos problemas sociais da região; a transformação
arquitetônico-paisagística no sentido de que a paisagem seja um convite para a população se
apropriar do espaço público, em razão da melhoria da infraestrutura, conferindo maior
movimentação à região. Além da integração do público com os equipamentos culturais que
compõem o perímetro estudado, de modo que se construam ligações de acesso de interligação
entre eles, facilitando e potencializando a frequentação. A transformação do lugar seria
alcançada por meio da transformação urbanística, pois as propostas modificariam o sistema
viário ao adaptar avenidas, construir boulevares, (re)valorizar o patrimônio histórico.
Diante de toda a historicidade realizada, não podemos deixar de analisar tais políticas do
ponto de vista da Sociologia da Cultura, uma vez que por mais que sejam realizadas políticas
urbanas como essas, seus gestores e colaboradores desconsideram que o hábito cultural não
está intimamente ligado com a simples oferta de equipamentos, tal como ficou claro
principalmente no Projeto Luz Cultural (1984) que dava ênfase ao turismo cultural.
Como já afirmou Bourdieu, o gosto pela cultura é construído ao longo da trajetória50
do agente social, de maneira que ele depende da inculcação de um habitus. Neste sentido,
instituições como a família e a escola, são as principais responsáveis pela construção de um
gosto, sobretudo no que diz respeito às preferências estéticas mais elitizadas, uma vez que
para adentrar na Sala São Paulo, na Pinacoteca, ou no Museu de Arte Sacra, para citar os
equipamentos da Luz, é preciso que o agente possua códigos de decifração das obras de arte.

50
Bourdieu define o conceito de trajetória como “a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo
agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos”. (Bourdieu, 2010, p. 292)
42

Caso contrário, a visitação aos equipamentos pode ser dar apenas de uma maneira pontual,
possibilitada por alguma circunstância desconectada da educação prévia que o agente precisa
ter para entrar em contato com uma obra de arte (Bourdieu, 2007).
A cultura como parte principal do processo destas intervenções, pode ser analisada
também por ser algo oposto daquela degradação característica do bairro, uma vez que a ela, a
menos nos termos eliasianos, é algo que promove distinção, promove a diferenciação plena do
que vimos nas ruas, ou seja, é preciso esconder o degradante, o feio, o fétido, e abrir as portas
para a civilização na qual a cultura é o principal instrumentalizada.
É preciso destacar aqui a diferenciação que há entre a requalificação da cidade
traduzida como a intenção de propiciar aos habitantes um local não deteriorado do ponto de
vista da estética, da higiene, da facilidade de trânsito, da segurança; da outra dimensão que
fora dada aos projetos desde o início das tentativas de requalificação nos anos 1970 que foi
dar enfoque à cultura, que figuraria como a grande responsável pela transformação dos
arrabaldes da Luz. Embora haja a oferta de equipamentos culturais, isso não necessariamente
significa que os agentes sociais irão revisitá-los e passarão a apreciar as expressões artísticas
de modo automático. Como já afirmou Bourdieu, não é a falta de equipamentos culturais que
afasta algumas frações de classe da arte legítima, mas sim, a disposição que não foi introjeta
ao longo de sua trajetória.
Desse modo, por mais que um equipamento, como a Sala São Paulo, por exemplo,
esteja de portas abertas para receber o público, isso não significa que a visitação será de fato
efetivada. Diante disso, o funcionamento da Sala São Paulo será analisado com o intuito de
avaliarmos o quanto seus programas educacionais podem ser uma das pedras fundamentais da
esperada “transformação pela cultura” pensada pelas propostas. Obviamente todos os outros
equipamentos culturais desenvolvem seus programas de inclusão, sobretudo a inclusão de
crianças e adolescentes por meio de parcerias com as escolas, contudo, nosso estudo se
restringirá ao que ocorre na sala de concertos instalada na Estação Júlio Prestes desde 1999.
43

CAPÍTULO 2 - SALA SÃO PAULO E ORQUESTRA SINFÔNICA DO ESTADO DE


SÃO PAULO – OSESP
“(...) mesmo que o cara frequente, não significa que
ele tenha conhecimento ou que ele tenha adquirido
conhecimento por frequentar, não é uma condição sine qua
non51”. (Mariana Marcondes, 04/11/2014).

Essa frase introduz o presente capítulo por sintetizar a impressão bastante difundida
sobre música erudita e a frequentação de um concerto, pois, grosso modo, os agentes sociais
detentores de pouco capital econômico, escolar e social veem esta disposição como algo
inacessível por tratar-se justamente de um dispositivo de diferenciação de classe social.
Ademais, há a disseminação no imaginário social de que é preciso conhecer minimamente
este gênero musical para apreciá-lo. Dessa forma, a Sala São Paulo para quem não a conhece,
é um lugar simbolicamente distante, sobretudo na vida daqueles agentes que não tiveram o
gosto “puro” engendrado desde a infância.
Nesta perspectiva, este capítulo tenta abranger os elementos que compõem este campo
artístico, além de fazer um panorama histórico da Sala São Paulo, bem como da
reestruturação da Osesp, haja vista que ambas “reconstruções” estão imbricadas, pois sem
condições apropriadas de infraestrutura, a Osesp talvez não seria reconhecida hoje como uma
das melhores orquestras sinfônicas do mundo. Também serão feitas considerações acerca do
desenvolvimento da música de concerto no mundo, da formação das orquestras sinfônicas,
bem como sobre o repertório que a Osesp e outras orquestras executam durante o ano. Num
primeiro momento, o foco será dado à Sala São e ao prédio que a abriga – a antiga estação de
trem Sorocabana, contudo, a ênfase maior será dada às características que compõem o mundo
da música de concerto, já que se trata de um campo não muito difundido.
É pertinente lembrar que a restauração da Sala São Paulo foi um dos resultados dos
projetos iniciados nos anos 1998. Projetos que transformaram a região da Luz num polo
cultural, especialmente a partir da gestão de Mario Covas. De acordo com Talhari, Silveira e
Puccinelli (2012)52, “a ideia de consolidação de um polo cultural nesta região surgiu com o
Projeto Luz Cultural e se efetivou nos anos 1990 através de investimentos estaduais”; este
projeto foi o pioneiro dentre aqueles que utilizam a “cultura” como forma de requalificar a
região (Meyer; Izzo Jr, 1999). Dentro deste contexto de políticas públicas de diminuição da

51
Parte de uma entrevista realizada com uma funcionária da Sala SP. A entrevistada forneceu informações
acerca dos projetos educacionais da Osesp, e falou sobre a necessidade de “educar” os frequentadores. Data da
Entrevista: 04/11/2014.
52
Segundo esses autores, os locais culturais da região da Luz mostram a “vocação cultural” proposta pelas
políticas de revitalização que enfatizam o uso da cultura. A ideia geral da “revitalização” da Luz é retomar a aura
cultural que foi perdida através da degradação que a região sofreu.
44

degradação do espaço urbano utilizando a cultura como carro-chefe, a Sala São Paulo junto
com outros equipamentos – Pinacoteca do Estado, Museu da Língua Portuguesa, Estação
Pinacoteca, Museu da Resistência – são chamados de “âncoras culturais”, isto é, espaços que
estão geograficamente próximos e que, apesar de distintos do ponto de vista de sua função
específica, convergem na disseminação de uma cultura que podemos denominar como
“legítima”. Nesta perspectiva, Ohtake (2000) também afirma que alguns equipamentos
culturais, especialmente os museus passaram, a partir do século XVIII, a ter grande
importância para as grandes cidades em razão de propiciarem o desenvolvimento do setor de
serviços, tendo em vista “a globalização da atual fase capitalista” (Ohtake, 2000, p. 111). Na
mesma linha de raciocínio, Arantes (2011) também afirma:
“A cultura, ao mesmo tempo que “ancora” os negócios privados, aparece
como um investimento democrático e universal (não classista) e, assim altamente
consensual [...] quem seria contra uma sala de concertos? [...]” (Arantes, 2011, p.
21).

Uma das primeiras impressões que qualquer visitante do bairro da Luz tem é o contato
com a beleza da arquitetura dos prédios históricos. Beleza que pode ser vista de longe,
sobretudo à noite, quando a Sala São Paulo e a Estação da Luz estão iluminadas. As duas
construções, por certo, formam um cartão postal da capital paulista.
A transformação da região da Luz, conforme alguns estudos, teria sido impulsionada
pelo “consumo cultural das camadas mais altas” (Talhari, Silveira e Puccinelli, 2012, p.12),
Embora seja evidente, que pelo menos na Sala São Paulo, a frequentação seja realizada,
grosso modo, pelas classes mais altas, há também um público detentor de menor capital
(econômico e cultural) que passou a frequentar este espaço em função de um espectro de
fatores que no decorrer da pesquisa iremos tratar. Desde já, posso elencar alguns: os
programas educativos; as parcerias com as ONGs; a frequentação a cultos e o aumento do
grau de escolaridade, por exemplo, vão de encontro à visão de que apenas as elites frequentam
os equipamentos culturais, especialmente uma sala de concertos.

2.1. Sala São Paulo – História

Um breve histórico da Sala São Paulo e da Osesp se faz necessário não apenas para
contextualizar meu objeto de estudo, mas também para mostrar a relevância que as ferrovias
tiveram para o desenvolvimento da cidade de São Paulo no sentido não só econômico como
também simbólico, haja vista que tanto a Estação da Luz como a Estação Sorocabana
representam o desenvolvimento econômico da elite paulista cafeeira e denotam um estilo de
vida nascente a partir do “progresso” advindo dessa riqueza. Há um elo expressivo entre a
45

sociabilidade das camadas mais privilegiadas e a construção da Sala São Paulo em virtude da
significação que uma sala de concertos tem para tal público e devido à representatividade de
um estilo de vida, isto é, a prática de concertos ainda é algo característico de frações de classe
mais cultivadas. Os grandes salões também são lugares propícios para os agentes sociais
serem vistos por seus pares, de modo que a frequentação pode lhes reservar prestígio social.
Em outras palavras, a revalorização deste patrimônio histórico pretende retomar os tempos
áureos que viu a cidade e sua elite ascenderem.
Sabe-se que em todo mundo ocidental, em meados do século XIX, as ferrovias formaram
um modelo viário que impulsionou o desenvolvimento capitalista, o que passaria a representar
o progresso das nações. O Brasil, apesar de não ter nacionalizado este tipo de transporte,
como a Argentina, por exemplo, foi um dos pioneiros53 neste ramo, com o intuito de escoar
com mais dinamismo seus produtos de exportação. Neste contexto, a Estrada de Ferro
Sorocabana54 surgiu após a expansão da primeira ferrovia – a Companhia São Paulo Railway,
inaugurada em 1868. (Borges, 2011). Segundo o autor, “a história nos revela que as vias
férreas sempre estiveram sob a tutela do poder de Estados ou de grupos econômicos, e
serviram de elemento modernizador e civilizador, segundo os interesses dominantes” (Borges,
2011, p. 28). É interessante notar que a preocupação com um processo civilizatório é algo que
se faz presente quando falamos no desenvolvimento das cidades, bem como de uma casa de
concertos ou um polo cultural. A ideia de civilização envolve a região, seja com os trens de
outrora, seja com os equipamentos culturais de hoje, pois como aponta Arantes, “a
recuperação do último grande edifício da República Velha, não só mediante o restauro, mas
pelo uso nobre que atualmente abriga, representa simbolicamente o resgate da história de
hegemonia e da autoestima da burguesia paulista” (Arantes et al, 2001, p. 7).
O estilo de vida dominante esteve presente no edifício Júlio Prestes desde a concepção
do projeto, uma vez que a estação de trem foi projetada para diferenciar os passageiros em
classes distintas. No projeto original, havia um declive contrapondo o embarque e

53
“A Era Ferroviária brasileira havia iniciado antes. Em 1852, o governo imperial instituiu uma legislação de
transporte que arcaria o início das construções ferroviárias no país. A lei n. 641 foi uma resposta às novas
condições econômicas internas e externas que exigiam a melhoria das comunicações terrestres. A legislação
estabelecia concessões e favores sólidos para as companhias ferroviárias com objetivo de atrair capitais
nacionais e estrangeiros para o setor, tais como privilégios de exploração da zona cortada pelas linhas e garantia
de juros acima de 5% ao ano para os investimentos ferroviários”. Matos (1974, p. 49 apud Borges, 2011).
54
“A ferrovia inglesa serviu de base para a expansão dos trilhos no Sudeste do país. Outras companhias paulistas
de transportes organizadas, na época, fariam conexão com a São Paulo Railway. O poder público e a iniciativa
privada investiram pesados no setor, visando estender as linhas de ferro aos mais distantes centros produtores de
café do interior da Província. Entre as ferrovias implantadas no século XIX que acompanharam a onda verde do
café no Sudeste, destacaram a Companhia Paulista, a Estrada de Ferro Sorocabana e a Companhia E. F.
Mogiana”. (Borges, 2011, p. 31).
46

desembarque dos passageiros de primeira e segunda classes. No caso da Sala São Paulo,
chama a atenção a divisão que há entre um dos salões e as plataformas da estação de trem.
Através de uma parede de vidro blindado, pessoas de diferentes níveis sociais ficam próximas
umas das outras, contudo o vidro é mais que uma barreira física, pois é, sobretudo, uma
barreira simbólica que separa os diferentes estilos de vida. A diferenciação social é ainda mais
agravada pelo fato de se tratar de um prédio público que tacitamente restringe o acesso
àqueles que não são portadores de capital simbólico e que, portanto, não têm o passe livre
para estar ali.
Assim como a Estação da Luz, a Estação Júlio Prestes55 conheceu uma São Paulo em
ascensão econômica. A estação também fez parte de uma das políticas de valorização do
centro da cidade, que culminou na “consolidação de um polo cultural expressivo, conectado
aos grandes centros do circuito internacional de música, museus e artes plásticas” (Izzo Jr,
1999, p. 37). O complexo Júlio Prestes onde funciona a Sala São Paulo, a Secretaria de Estado
da Cultura e a estação de trem da CPTM – Júlio Prestes foi construído em meados do século
XX, mais precisamente de 1926 a 1938 pela Companhia Estrada de Ferro Sorocabana. Seu
estilo arquitetônico é o denominado “Luis XVI56”. As flores de café desenhadas nos pisos e
nos vitrais fazem alusão à época de crescimento econômico dado pela monocultura. O jardim
de inverno (construído especialmente para a primeira classe) é outro elemento físico que dá
vida a uma das grandes salas de concertos do mundo em razão de seu formato de “caixa de
sapato”, ao permitir que o som seja reverberado perfeitamente segundo as leis da engenharia
acústica.
O projeto de reforma e restauração, que custou R$ 44 milhões57, ganhou notoriedade
mundial devido à complexidade técnica empregada. A Sala São Paulo, que recentemente foi
considerada uma das 10 melhores salas de concerto do mundo58, também comporta a sede da
Orquestra Sinfônica de São Paulo – Osesp, já que um dos objetivos da Secretaria da Cultura,

55
Em 15 de outubro de 1938, doze anos após o início de suas obras, foi finalmente inaugurada a Estação Júlio
Prestes, um monumento exemplar da École de Beaux-Arts, temporão artístico na cidade que então crescia
vertiginosamente moderna. Com o nome de Estação Inicial da Estrada de Ferro Sorocabana, balizava como hoje,
em conjunto com a torre da Estação da Luz, o eixo ferroviário que corta a cidade ao norte de seu centro histórico
(Izzo Jr, 1999, p. 37)
56
“A arquitetura baseia-se em simetria, unidade, equilíbrio e ritmo, regidos por estilos históricos e a escolha do
“estilo Luiz XVI simplificado”. Disponível em: http://www.galeriadaarquitetura.com.br/. Acesso em: 28/8/2015.
57
“O projeto arquitetônico, desde a sua elaboração até a conclusão da obra, consumiu R$ 44 milhões”. Revista
Vitruvius. Disponível em: www.vitruvius.com.br. Acesso em: 04/04/2015.
58
“Sala São Paulo é uma das dez melhores do mundo” – 07/03/2015. Disponível em: http://www.dci.com.br/
Acesso em 31/03/2015; “Jornal 'The Guardian' inclui Sala São Paulo entre as 10 melhores do mundo”.
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada. Acesso em 31/03/2015.
47

bem como de Jonh Neschling59, era dar à Orquestra condições para alcançar padrões
internacionais, Assim, pode-se dizer que o sucesso da Osesp está intrinsecamente relacionado
à construção da Sala São Paulo.
O prédio também comporta outras salas, pois há a sala dos músicos, o restaurante, o
café, a loja, os banheiros, enfim, o complexo Júlio Prestes foi construído de forma a atender
padrões internacionais não só no que diz respeito à excelência musical, como também no que
se refere à eficiente infraestrutura arquitetônica. Dessa maneira, “o projeto da Sala São Paulo
é um exemplo vivo no qual acústica e arquitetura fundem-se num único corpo que é a própria
sala. Tudo é acústica e tudo é arquitetura60”. É importante ressaltar que a obra foi desafiadora
também por se tratar de um edifício tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo – Condephaat.
Foi notório o peso das decisões políticas no processo de escolha do local, uma vez que
em consonância com as obras de renovação do centro da cidade bem como a influência da
Associação Viva o Centro na tomada de decisões dos projetos de requalificação urbana, a
escolha do prédio da Júlio Prestes não se deu ao acaso, pois a área da Luz já era um local
contemplado por um complexo cultural. A obra de estreia “Sinfonia nº2 – Ressurreição61, de
Gustav Mahler foi uma alusão não só ao renascimento da Osesp, mas também da região.
Segundo reportagem da época “(...) a Sala São Paulo inaugura também o momento de
ressurreição de toda a região da Luz62”, ideia propagada pelos idealizadores dos projetos de
intervenção e pelo poder público, como já foi citado anteriormente (Izzo Jr,1999).
O discurso justificador da fundação da própria Sala São Paulo foi alicerçado na
premissa de democratização do acesso à música erudita, conforme fala de Fernando Henrique
Cardoso, presidente de honra do Conselho da Fundação Osesp63. Esse discurso também fora
assumido por Izzo Jr (1999, p. 80), pois para ele, a Sala São Paulo “para a cidade, significa
refinar e ampliar o público voltado para a música erudita”. Adotando estas afirmações como

59
Como mostra o trabalho de Souza, Gabriela G. “A reestruturação da Orquestra Sinfônica de São Paulo: da
entrada de Jonh Neschling à Fundação Osesp – 1997 a 2008. Unifesp, 2014. O trabalho avalia a importância do
maestro na reestruturação da orquestra. “No caso Osesp, os maestros – Eleazar de Carvalho, John Neschling e
Roberto Minczuk (regente associado) - foram agentes fundamentais para a continuidade da orquestra” (Souza,
Gabriela, 2014, p. 13).
60
Palavras de José Augusto Nepomucemo, Consultor de acústica do projeto de restauro e readequação da Sala
São Paulo. Disponível em: http://www.salasaopaulo.art.br/. Acesso em: 04/04/2015.
61
“Localizada no antigo saguão da estação de trem Júlio Prestes, a Sala São Paulo foi inaugurada no dia 9 de
julho 1999 com a apresentação da sinfonia 'A Ressurreição', de Gustav Mahler, executada pela Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo. Os R$ 44 milhões empregados pelo governo estadual na sua reconstrução
trouxeram para a cidade uma das melhores salas de concertos do mundo”. Disponível em:
http://acervo.estadao.com.br/noticias. Acesso em: 04/04/2015.
62
Noticiado em http://www.cidadedesaopaulo.com/. Acesso: 04/04/2015.
63
www.salasaopaulo.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
48

um ponto crucial a ser analisado, a frequentação da Sala São Paulo, particularmente, seus
programas educacionais também serão aqui avaliados a fim de compreendermos o grau de
inclusão e/ou exclusão das classes populares neste projeto. Como indica nossa hipótese,
baseada em Bourdieu, aparentemente tal equipamento é algo de uso quase exclusivo das
classes dominantes, dada a relação construída entre as elites e a arte legítima ao longo da
história moderna.
Esta pesquisa se baseia na ideia de que, apesar dos esforços da Sala São Paulo de
vender a imagem de um espaço cultural democrático, sobretudo no que diz respeito à
formação de espectadores, apreciadores da arte legítima64, a Sala não conseguiu até o presente
se democratizar, uma vez que há fatores simbólicos que impedem ou limitam o consumo ou a
frequentação de um ambiente como esse e que não são levados em consideração. As
intervenções de requalificação urbana (no que se refere a oferecer a cultura para todos os
agentes sociais) adaptam-se a uma estratégia de política pública – no sentido de colocar a
cultura acessível do ponto de vista econômico aos “cidadãos”, sem, no entanto, considerar os
fatores que engendram o gosto cultural dos agentes culturais, uma vez que tal gosto está
intimamente ligado à classe social que gradativamente inculca as disposições, especialmente
as disposições estéticas de acordo com a trajetória individual (Bourdieu, 2001a).
A leitura que faço a respeito do projeto de renovação da Sala São Paulo diz respeito à
noção de “cultura”, que está diretamente ligada à necessidade de reprodução da “cultura
europeia”, uma cultura que remonta ao século XVIII, já que “atualmente as cidades de São
Paulo e Rio de Janeiro, pela posição do país no sistema internacional, ainda continuam
importando fórmulas e modelos originados ou nos Estados Unidos ou na Europa” (Ohtake,
2000, p. 111). Se considerarmos tal cultura como parte de um “processo civilizatório”, tal
como a concebe Norbert Elias, a ida a um concerto está associada a indivíduos ou grupos
sociais que exprimem sua posição social de maneira mais discreta, sem espontaneidade, pois
está em questão a contenção dos instintos e ao mesmo tempo a expressão do requinte de
forma natural. Diante desta perspectiva e considerando a afirmação bourdieusiana de que a
ida a um concerto é uma das mais distintivas práticas das elites (Bourdieu, 2011a), analisarei a
frequentação da Sala São Paulo para verificar se essa prática se conecta e/ou engendra outras
disposições estéticas dominantes. A partir deste tipo de visão, entende-se o prestígio conferido
não apenas pela frequentação à Sala São Paulo, mas a tudo o que ela representa, no sentido de

64
“A cultura erudita organiza-se basicamente em relação a um sistema de obras culturais que lhe servem de
apoio e expressão e a cultura popular, por sua vez, é privada das objetivações que definem a cultura erudita”.
(Bourdieu, 2011b, p. 221 e 222).
49

dar ênfase à cultura “legítima”, a um processo civilizatório e, sobretudo, à tentativa de resgate


do glamour do bairro. No dia de estreia da Sala São Paulo, uma reportagem dizia que o espaço
cultural atrai desde “o Presidente da República ao pipoqueiro”65. Essa frase está diretamente
ligada à presente pesquisa que investiga se e como as classes populares chegam aos concertos,
uma vez que no imaginário social, uma sala de concertos é frequentada apenas pelas classes
dominantes.

2.2. Música de concerto e orquestras sinfônicas


Antes de falar especificamente da Osesp farei uma breve contextualização sobre a
criação das orquestras sinfônicas e sobre música de concerto, uma vez que esses elementos
permeiam todo o corpo deste trabalho, além de estarem presentes também no
desenvolvimento do trabalho de campo, nas incontáveis conversas que tive com meus
informantes. Conforme Adami (2012), as orquestras sinfônicas foram criadas no início do
século XVII. Sua história se divide em dois momentos: o primeiro vai do início até o final do
tempo barroco e o segundo data do período chamado clássico até os dias atuais, ou seja, a
orquestra tal como conhecemos hoje. As orquestras sinfônicas atingem seu auge a partir da
fase do Romantismo, que vai de 1810 a 1900. Auge no sentido de já ter a formação parecida
com a ilustrada na Figura 1. A característica que permite a ruptura em dois períodos é a
consolidação da divisão da orquestra que trouxe o naipe de cordas como base para a execução
dos trabalhos orquestrais (Adami, 2012). Vejamos abaixo a divisão de uma orquestra
sinfônica tal como a identificamos na atualidade, isto é, com a disposição dos instrumentos
segundo os grupos de naipes66.
Figura 1. Disposição dos instrumentos das orquestras sinfônicas

Fonte: http://www.ufrgs.br

65
Reportagem contida em: www1.folha.uol.com.br/fsp/acontece/ac11079901.htm. Acesso em 25/08/2015.
66
“Cada naipe é composto por diferentes grupos de instrumentos (frequentemente chamados também de naipes).
O tamanho de uma orquestra sinfônica pode variar, de acordo com a época e o estilo da obra, mas os
instrumentos que tocam quase invariavelmente em obras orquestrais, desde o final do período clássico,
são: Madeiras – flautas (2), oboés (2), clarinetes (2) e fagotes (2); Metais – trompas (2 a 4), trompetes (2 a 4),
trombones (3) e tuba (1); Percussão– tímpano; Cordas – violino I, violino II, viola, violoncelo e contrabaixo”.
(Adami, 2012). Fonte: http://www.ufrgs.br. Acesso em: 20/12/20105.
50

A história das orquestras está intimamente ligada ao desenvolvimento da música de


concerto. Este tipo de música se subdivide em alguns períodos – Renascentista, Barroco,
Clássico e Moderno - neoclássico, contemporâneo e de vanguarda (Gama, 2005). Na fase
renascentista que vai de 1450 a 1600, ainda não havia orquestras, apenas alguns instrumentos;
vale lembrar também que a maior parte das composições eram feitas para as atividades da
Igreja Católica. A fase seguinte, a Barroca (1600 a 1750) é a fase em que as orquestras são
formadas. O período subsequente, que vai de 1750 a 1810, é denominado “Clássico”; talvez
por esse período ser constituído por compositores mais famosos a música de concerto seja
chamada por muitos informantes de “clássica”. É oportuno tratar desta diferenciação porque,
no decorrer da pesquisa fui corrigida por alguns informantes quando eu dizia “música
clássica”, já que se trata de um período histórico e não de um estilo musical67. Assim, para
evitar dúvidas ao interlocutor, é mais indicado falar “música de concerto”.
Não posso deixar de abordar, mesmo que de modo sucinto, como este tipo de música
foi introduzida no Brasil, uma vez que temos nomes muito expressivos neste campo artístico,
tais como Heitor Villa-Lobos, Carlos Gomes e Camargo Guarnieri. A música de concerto no
Brasil passou a ganhar espaço a partir da vinda de Dom João VI, pois a transferência da Corte
Portuguesa representou um momento de efervescência cultural no país. Foi a partir desse
momento que a primeiras sinfonias foram compostas68, mas até 1840 a música orquestral
brasileira reduzia-se às composições ligadas à Igreja e ao Império 69. As primeiras orquestras
foram formadas por sociedades autônomas como Clube Mozart, o Clube Beethoven e a
Sociedade de Concertos Clássicos (todas do século XIX). Somente em 1932 é que foi fundada
uma orquestra pelo governo – a Orquestra do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, seguida
pela Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo (1939) e pela Orquestra Sinfônica
Brasileira, em 1940. (Rodrigues, 2003). Diante disso, podemos verificar o quanto é recente a
história de nossas orquestras. Penso que este seja um dos fatos pelos quais a música de
concerto é incipiente em nosso cotidiano, haja vista as dificuldades de formação e custeio
deste tipo de empreendimento. No caso da Osesp, por exemplo, há uma diferença entre ela e
outras grandes orquestras do mundo, como a New York Philharmonic, no que diz respeito à

67
Essa questão também é importante em outro sentido: alguns dos informantes se sentem seguros – em razão de
sua posição legítima no campo artístico – para corrigir a pesquisadora. Questão essa que foi desenvolvida na
introdução à pesquisa.
68
“Com essa bagagem cultural transplantada da Europa para cá, os portugueses se surpreenderam ao descobrir
no Rio de Janeiro um compositor mulato que não tinha nenhuma relação com a Europa, a não ser seu próprio
interesse de formação: Padre José Maurício. Considero sua Sinfonia Fúnebre, composta em 1790, a obra
inaugural da música sinfônica brasileira”. (Rodrigues, 2003, p. 9)
69
Neste tempo, as músicas eram tocadas pela Orquestra Capela Imperial – “extinta em 1831 e reativada em
1843”. (Rodrigues, 2003, p. 10).
51

dependência do capital financeiro, pois em geral quanto maior o capital privado investido
numa orquestra, menor a dependência em relação ao financiamento estatal, o que permite que
a orquestra tenha maior autonomia em relação à vida política. Todavia, apesar da dependência
financeira da Osesp em relação ao poder público, ela alcançou e mantém um padrão
internacional de qualidade (Gall, 2000). As orquestras, portanto, dependem muito dos
mantenedores públicos e privados, conforme a afirmação abaixo:
“Para que as orquestras no Brasil passem a fazer música brasileira
regularmente será necessário um esforço político. Será necessário que os principais
interessados pela questão, os compositores, pressionem de alguma forma as
instituições que estão por trás das orquestras”. Harry-Crowl – presidente da
Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, em entrevista à revista Textos do
Brasil, nº12.

Meus informantes foram questionados a respeito dos compositores de música de


concerto que eles conheciam ou apreciavam, pois eu tinha o intuito de avaliar o grau de
conhecimentos deles acerca da música de concerto à medida que os mesmos contavam sobre
suas experiências musicais. Como mostrarei no capítulo 4, a maioria dos frequentadores citou
apenas os mais famosos e, apenas alguns, que eu considerei mais cultivados, citaram nomes
menos comuns. Grosso modo, apenas aqueles que têm uma profissão ligada à música
mostravam conhecimento efetivo sobre os autores, falavam sobre o período, corrigiam minha
fala quando eu dizia “música clássica”, davam dicas sobre como melhorar meu questionário
do seguinte tipo: “a Quinta sinfonia não é só do Beethoven; vários outros compositores têm
uma quinta sinfonia”. Diante dessas experiências vividas em campo, compreendi que é
pertinente informar o leitor sobre a relação período-compositor, e então reestruturei alguns
nomes de compositores e seus estilos musicais, conforme tabela abaixo.
Quadro 1 - Períodos e compositores da música de concerto (resumido)
Períodos Compositores
Renascentista Giovanni da Palestrina; Orlando Lassus
Barroco Monteverdi; Vivaldi; Bach
Clássico Mozart, Haydn, Beethoven70
Beethoven, Chopin, Schubert, Liszt,
Romântico Schumann, Brahms, Wagner Tchaikovsky, Rossini,
Berlioz, Mahler, Strauss, Verdi, Carlos Gomes
Moderno (Neoclássico, Ravel, Stravinsky, Prokofiev, Villa-Lobos
Contemporâneo, Vanguarda) Schoemberg, BartokBoulez, Stockhausen,
Jorge Antunes
Fonte: Livro: “Introdução às Orquestras e seus instrumentos71”

70“Beethoven foi um compositor erudito alemão do período de transição entre o Classicismo (século XVIII) e o período
Romântico (século XIX)”. Disponível em http://www.portaledumusicalcp2.mus.br. Acesso em 19/03/2016.
52

Essas concisas informações foram expostas aos informantes para facilitar a


identificação dos compositores, uma vez que este campo artístico é disseminado pelas grandes
mídias e permanece distante da maior parte da população devido aos obstáculos enfrentados
pelas orquestras e pelos músicos e compositores brasileiros de música sinfônica. Como disse
Harry-Crowl72 “a difusão da música no Brasil está diretamente ligada ao lado puramente
comercial. Tanto a música popular de qualidade quanto a música de concerto estão relegadas
a um segundo plano”. A baixa comercialização, ou seja, empecilhos de ordem técnica e
econômica para sua disseminação, estão relacionados à preferência das classes cultas por tais
gêneros musicais.

2.3. Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – Osesp


“Quem frequenta a Sala São Paulo pode estar certo de vir a ouvir
comentários do tipo ‘aqui a gente se sente fora do Brasil’. Aí reside a força
do vínculo criado entre a orquestra e seu público cosmopolita, graduado e
culturalmente engajado”. (Teperman, 2015, p. 237)

A Osesp nasceu no ano de comemoração73 dos quatrocentos anos da cidade de São


Paulo – seu decreto de criação data de 13/09/1954 – mas um ano antes a orquestra já
começara a fazer suas apresentações. A história da Osesp é constituída por algumas fases de
alternância entre tentativas de sucesso e estagnação, de maneira que o desenrolar de cada ciclo
traz a importância dos maestros para garantir as mínimas condições de qualidade dos ensaios
e das apresentações, como aponta Souza (2014). Segundo a autora, os maestros Eleazar de
Carvalho, Jonh Neschling e Roberto Minczuc foram essenciais para a consolidação da nova
Osesp, confirmando em certa medida que “(...) inexiste expressão mais manifesta do poder do
que a atividade do maestro. Cada detalhe de seu comportamento público é característico; o
que quer que ele faça lança alguma luz sobre a natureza do poder”. Canetti (2005, p. 395 apud
Souza, 2014). Importante salientar que o primeiro regente titular da orquestra foi o pianista,
maestro e compositor João de Souza Lima e que embora a Osesp tenha sido oficialmente
criada, nos dez anos que se seguiram, a orquestra passou por um período de estagnação.
Os estudos sobre determinantes do sucesso de uma orquestra apontam que a
quantidade de concertos reverbera na visibilidade dos músicos, do maestro, bem como na

71
GAMA, Nelson. Introdução às Orquestras e seus instrumentos. São Paulo, Britten, 2005.
72
Entrevista concedida pelo presidente da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea à revista nº12 “Textos
do Brasil” patrocinada pelo Ministério das Relações Relações Exteriores.
73
Além da criação orquestra, o Monumento às Bandeiras, o obelisco Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de
1932, a nova Catedral da Sé e a restauração do Pátio do Colégio também fizeram parte da comemoração do
quarto centenário da cidade. www.osesp.art.br. Acesso em 23/10/2015.
53

qualidade do trabalho como um todo. Em seus primórdios, em 1953/54, a orquestra não foi
muito requisitada. Apresentou-se apenas quatro vezes, além da estreia no Theatro Municipal
em 18/07/1953. Somente em 1964, conduzida pelo então regente Bruno Roccella, a Osesp foi
“recriada”74 e viveu quatro anos de atividade intensa. No entanto, a orquestra voltou à inercia
entre 1967 e 1973, quando o maestro Eleazar de Carvalho assumiu sua regência, mas foi
apenas em 1978 que a orquestra recebeu o nome de Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo e passou a realizar temporadas no Teatro Cultura Artística. Apesar dos esforços de
Eleazar de Carvalho, somente a partir da efetiva reestruturação da orquestra, que ocorreu em
1997, a Osesp ganhou notoriedade mundial, em virtude da viabilização dos trabalhos pelo
poder público.
Segundo alguns estudos, a renovação da orquestra ocorreu a partir de 1996 com a
contratação do músico, regente e diretor artístico de renome internacional, John Neschling
(Gall 2000; Gasparotto, 2014). Para aceitar o convite do então secretário da Cultura de São
Paulo, Marcos Mendonça, o futuro diretor artístico da Osesp fez as seguintes exigências: “(1)
construção de uma sala de concertos permanente; (2) triplicar o salário dos músicos e; (3)
através de concurso público, elevar o nível pessoal da Orquestra” (Gall, 2000, p.5) A
despeito das difíceis condições econômicas pela quais os cofres públicos do governo do
Estado passavam, o projeto de renovação da Orquestra foi aceito pelo então governador,
Mario Covas.
A Osesp e a Sala São Paulo são administradas pela Fundação Osesp75, que é uma
Organização Social76, presidida desde a sua fundação pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. A Fundação Osesp – criada em 2005 – é uma instituição de direito privado, sem fins
lucrativos, e que possui autonomia na área administrativa, operacional e financeira77. Um dos
objetivos da fundação é exatamente “realizar eventos e/ou ações educacionais para adultos,
jovens e crianças” (Arruda, 2010), como também garantir a “formação de plateias”.

74
Com um contingente de 81 músicos, entre os quais Benito Juarez e José Eduardo Gramani, a orquestra
apresentou-se pelo menos 22 vezes na capital e 38 vezes no interior do estado. www.osesp.art.br. Acesso em
23/10/2015.
75
“Organização Social da Cultura, mantém contrato de gestão com a Secretaria da Cultura do Estado de São
Paulo para a manutenção da Osesp, a Sala São Paulo, o Coro da Osesp, os coros Infantil e Juvenil da Osesp, a
Academia da Osesp, a Editora “Criadores do Brasil” e o Centro de Documentação Musical ‘Maestro Eleazar de
Carvalho’”. Disponível em: http://www.fundacao-osesp.art.br/. Acesso em: 05/04/2015.
76
A lei das Organizações sociais do Estado de São Paulo estabelece que entidades privadas portadoras de
determinadas características, sem finalidade de lucro, poderão ser qualificadas, pelo governador do Estado como
organizações sociais da Cultura ou da Saúde.
77
Apesar de sua autonomia, a fundação Osesp presta contas para: Secretaria de Estado da Cultura; Comissão de
Avaliação das Organizações sociais; Secretaria de Estado da Fazenda; Tribunal de Contas do Estado; Ministério
Público do Estado de São Paulo e Curadoria de Fundações. (Arruda, 2010, p. 18).
54

2.4. Programas Educativos


A Osesp promove a democratização da cultura por meio de seus programas educativos.
Como aponta Arruda, 2010 “os projetos educacionais crescem a cada ano em tamanho e
qualidade, trazendo cada vez mais crianças e professores para o mundo da música. Partindo
da premissa de que a música erudita é um gênero musical conhecido pelo grande público, a
Osesp desenvolve alguns projetos a fim de difundir não apenas seu trabalho, mas a música
erudita em geral. De acordo com as informações divulgadas em seu site, há a preocupação de
“democratizar o acesso do grande público à música sinfônica de qualidade 78”. Nessa tarefa, a
Orquestra desenvolve atividades gratuitas tais como concertos ao ar livre, oficinas 79 e cursos,
percorrendo algumas cidades do Estado. Essas ações fazem parte do projeto Osesp
Itinerante80. As aulas itinerantes abordam a temática das escolas musicais para que o público
leigo (re)conheça os diferentes estilos e épocas (Antiguidade, Renascença, Barroco,
Classicismo, Romantismo etc) Além disso, as apresentações se dão de duas formas: em
teatros e igrejas (orquestra de câmara); e em espaços maiores como praças públicas e praias
(concertos). Apesar do programa “Osesp Itinerante” ser um projeto sólido, a tentativa de
democratização se evidencia também por meio da educação realizada nas dependências da
própria Sala São Paulo que conta com uma série de programas voltados para a educação do
público leigo. Um dos principais programas é o “Descobrindo a Orquestra81”, que dá
formação sobre música erudita para alunos e professores da rede pública e particular de
ensino. Esse programa é um dos mais importantes para a presente pesquisa e foi através dele
que tomei conhecimento sobre os programas educativos da Sala São Paulo – ao acompanhar
um grupo de alunos em um dos concertos didáticos, em 2012. O programa é abrangente, pois
a cada concerto desta natureza 120 alunos são inseridos no mundo da música sinfônica, sob a
obrigatoriedade do professor acompanhante participar de um curso à parte sobre formação
musical. O curso dado aos professores permite que o conhecimento ali apreendido seja
reproduzido na escola de origem, possibilitando que a formação do público de concertos faça
parte da vida escolar, de modo que seja possível ampliar o repertório cultural dos agentes que
tinham pouco ou nenhum contato com a cultura da música sinfônica. Já o programa “Falando

78
Informação contida na explicação sobre o Programa “Osesp Itinerante”. Disponível em
http://www.osesp.art.br/paginadinamica.aspx?pagina=osespitinerante. Acesso em 19/03/2016.
79
“Nas oficinas, os alunos aprendem a tocar instrumentos de cordas (contrabaixo, violino, viola e violoncelo),
sopros (flauta transversal, oboé, clarinete, trompa e fagote) e metais (trompete, trompa, trombone e tuba).
Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
80
A Osesp conta com o patrocínio da Lei de Incentivo à Cultura, Banco do Brasil e Mafre Seguros; E com a
correalização do Sesc e do Ministério da Cultura. Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
81
Programa dividido em três etapas: Formação de Professores; Formação de Público e Atividades na Osesp
(contato com os músicos e instrumentos e gincanas). Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
55

de Música”, dá oportunidade ao público pagante dos concertos da temporada da Osesp a


participarem de uma espécie de aula, que tem início uma hora antes dos concertos. Trata-se de
dar informações ao público sobre o programa que será apresentado, tais como a história dos
compositores e as características estéticas da obra. No entanto, esse programa pode não ser
tão significativo no que diz respeito à democratização, pois apenas os frequentadores dos
concertos pagos é que têm a chance de usufruir desta aula. Um visitante que, por exemplo,
tenha sido contemplado pelo programa “Passe Livre82” não pode participar da “aula”, bem
como os frequentadores dos matinais, pois antes dos concertos de domingo, a aula não é
oferecida. Nesta mesma perspectiva, o programa “Música na Cabeça” realiza palestras e
debates com intelectuais e artistas tendo como pano de fundo a arte como um todo, dando
ênfase à música sinfônica. O programa é divulgado numa parceria com a revista Osesp e o
participante pode se inscrever gratuitamente.
Outra maneira que a Osesp encontrou de inserir o público leigo na formação musical
foi através da criação do Coro Infantil83, em que a criança não necessariamente deve possuir
formação musical. A Osesp dá continuidade a esse programa ao manter também o Coro
Juvenil, dirigido a adolescentes entre 14 a 17 anos, neste caso com um nível de exigência e
complexidade maior. Tanto as crianças como os adolescentes fazem apresentações na Sala
São Paulo e em outros eventos.
Em meu Trabalho de Conclusão de Curso (2012)84, analisei por meio de questionários
os frequentadores da Sala São Paulo e concluí que o público de concerto necessita de algum
estímulo, que geralmente vem da família ou da escola, de modo que o gosto musical depende
em grande medida de uma trajetória forjada por essas instituições. Em geral, a educação
musical, sobretudo aquela voltada para o desenvolvimento do gosto por música erudita, está
associada à posição dominante na escala social privilegiada, pois são os indivíduos mais
abastados que possuem tempo para fruição e para a aprendizagem de coisas imateriais, tal
como a arte85 (Bourdieu, 2011a). Isso foi confirmado também com o trabalho de Travassos

82
Programa muito procurado e disputado, o “Passe Livre” é um programa recente que dá oportunidade a
estudantes universitários a chance de assistir aos concertos de todas as programações gratuitamente. É preciso
fazer um cadastro no site da Osesp e aguardar os informes da disponibilidade por e-mail.
83
Qualquer criança pode ingressar no Coro Infantil. O grupo reúne meninos e meninas, em sua maioria sem
formação musical anterior, para aulas de solfejo, percepção musical, técnica vocal, contato com outros idiomas,
além da oportunidade de se apresentar ao lado da Osesp na Sala São Paulo, em grandes obras do repertório coral-
sinfônico. A idade estabelecida para inscrição no Coro Infantil da Osesp é de 8 a 13 anos, para meninas, e de 8 a
12 anos, para meninos. Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em: 05/04/2015.
84
Diogo, Fernanda S. “A importância do capital escolar na formação do gosto musical”. Unifesp, 2012, op. cit.
85
Neste contexto, Bourdieu, afirma que “a relação entre gostos varia necessariamente segundo as condições
econômicas e sociais de sua produção, por um lado, e, por outro, os produtos que, por intermédio desses gostos,
recebem suas diferentes identidades sociais”. (Bourdieu, 2011a, p. 96).
56

(1999), que evidenciou que os estudantes de música em sua maioria pertencem às camadas
mais privilegiadas da população. Apesar de tais tendências, os projetos educacionais da
Osesp, sobretudo aqueles voltados às crianças de todas as classes, visam transpor, mesmo que
de maneira embrionária, essas condições, ao permitir que o maior número de crianças seja
atendido em tais programas, formando assim, um público e ou profissionais (no caso do Coro
e da formação musical) independentemente de sua origem social. Esses programas podem ser
considerados uma tentativa de minimizar a tendência de que o público de concertos está
envelhecido, conforme apontam não só minhas observações empíricas feitas durante a
pesquisa na Sala São Paulo, como também uma pesquisa recente86 feita na França, que
concluiu que as salas de concerto precisam inventar maneiras de atrair um público mais
jovem. Num contexto mais específico de formação profissional, foi criada a “Academia de
Música da Osesp87” devido à escassez de músicos aqui no Brasil, o que denota que a
formação musical e o gosto por música erudita no Brasil ainda é incipiente.
Os Concertos Matinais são aqui classificados como concertos didáticos, uma vez que
verifiquei seu caráter pedagógico em quase todos os concertos, o maestro assume o papel de
“educador” ao explicar a obra que será executada. Verificamos também que os tipos de obra
executados nos Matinais são mais populares. As apresentações são muito variadas, tanto do
ponto de vista da composição estética (popular ou erudito88), quanto pelo tipo de banda ou
orquestra89. Em comparação aos Matinais, os concertos realizados em outros dias e horários,
que denomino concertos de horário nobre, o único momento de aprendizagem se dá no
Programa Falando de Música. Esses concertos são pagos e a Osesp ainda criou uma série
personalizada90, na qual o frequentador mais assíduo pode comprar ingressos para toda a
temporada. Os concertos noturnos e vespertinos são muito diferentes dos Matinais com
relação ao comportamento do público e ao repertório, conforme vamos analisar no capítulo 4.
Isso se deve a alguns motivos principais. Em primeiro lugar porque a ideia de democratização

86
Le Renouvellement des publics de la Musique Classique. Disponível Em:
http://www.francemusique.fr/emission/le-dossier-du-jour/2014-2015/le-renouvellement-des-publics-de-la-
musique-classique. Acesso em: 22/01/2015.
87
Com treinamento de prática coral, orientações técnicas e realização de ensaios e apresentações junto ao Coro
da Osesp, os alunos vivenciam e participam do dia a dia de um coro profissional.
88
O distanciamento da arte “legítima” em relação à arte “popular” segue os ditames das diferenciações sociais
eternizadas pelos conflitos de classe. A grande diferença entre a arte legítima e arte popular é que a primeira é
mais formal e exige uma postura mais contemplativa, ao passo que a outra é capaz de fazer o público se envolver
com ela de maneira mais informal e desatenta, pois sua função é a de coesão do grupo e não a de contemplação
do indivíduo. (Bourdieu, 2001a)
89
Orquestra Jovem do Estado, Filarmônica Bachiana Sesi – SP, Banda Sinfônica do Estado de São Paulo,
Orquestra Sinfônica de Santo André, Orquestra Sinfônica de Santos, entre outros.
90
O assinante pode adquirir um série personalizada de concertos escolhendo o mesmo número de ingressos pelo
menos três concertos da Temporada Osesp. Disponível em: 08/052015. Acesso em: 05/04/2015.
57

da cultura erudita dos Concertos Matinais e do Programa Descubra a Orquestra implica contar
com um público formado por instituições convidadas91, pois tais instituições fazem a
intermediação entre as classes populares e a Sala São Paulo. E o Programa Descubra a
Orquestra também é de extrema importância porque insere os alunos, em especial os alunos
da rede pública, no mundo música erudita e dá condições de reprodução deste ensinamento ao
formar os professores que acompanham a turma.
Em virtude da variedade de programas educacionais, a tabela abaixo visa a melhor
compreensão de seus objetivos.
Quadro 2 - Programas Educacionais da Osesp

Programas Objetivos Público-alvo


Alunos e professores de escolas
Descubra a
Promover a iniciação musical públicas e particulares e
Orquestra
instituições beneficentes
Público pagante dos concertos da
Falando de música Abordar aspectos estéticos das obras
Osesp
Realizar palestras sobre música e Público em geral. É preciso fazer
Música na Cabeça
encontros com artistas a inscrição 15 dias antes.
Oferecer concertos, oficinas e cursos de
Osesp Itinerante apreciação musical gratuitos em cidades Público em geral
do estado de São Paulo.
Promover formação musical (solfejo,
Meninas de 8 a 13 anos
Coro infantil percepção musical, técnica vocal e contato
Meninos de 8 a 12 anos
com outros idiomas).
Desenvolver estudos de musicalização,
Coro juvenil solfejo, percepção musical e contato com Adolescentes de 14 a 17 anos
outros idiomas.
Visita monitorada à Divulgar a história da Sala São
Público em geral
Sala São Paulo Paulo
Sobre a música de Informar o público leigo sobre o
Público em geral
concerto universo dos concertos
Passe Livre Facilitar o acesso a jovens
Estudantes universitários
Universitário universitários (ingressos gratuitos)
Fonte: Informações retirdas do site www.osesp.art.br

91
As instituições convidadas são: AACD, Casa Hope, EMESP Tom Jobim, Santa Marcelina, Projeto Guri,
Fundação Gol de Letra, Lara Mara, Pastoral da Criança, Instituto Bacarelli, Fundação Abrinq, Save Children,
GURI.
58

Nesse contexto, a Osesp apresenta dentro de suas circunstâncias e condições um


positivo exemplo nesta empreitada de facilitar a conexão entre uma manifestação artística
dominante e os agentes sociais que dificilmente teriam contato com este tipo de arte, dado seu
posicionamento no espaço social. Aqui não se trata de dizer que tal conexão é precisa e
necessária para a formação de um indivíduo, bem como não significa que a arte popular não
tenha suas significações. Trata-se apenas de analisar que diante de um discurso de
democratização da arte, é preciso muito mais do que a oferta de equipamentos culturais que
por si só não garante a frequentação do grande público. A frequentação também não está
relacionada ao preço dos ingressos, pois a entrada dos matinais é gratuita92. Digo isso porque,
como moradora de periferia, percebo que no imaginário social, pelo menos no dos agentes
com os quais convivo, este tipo de evento não faz parte do estilo de vida93 das classes
populares. Em conversas informais, fica evidente que não é comum um morador de periferia
ver um filme “cult", ir a uma exposição de pintura, frequentar um museu etc. Tal percepção é
corroborada, por exemplo, pelas pesquisas de Isaura Botelho (2005)94 que estuda as práticas
culturais dos paulistas. Essa pesquisa evidenciou que a população pesquisada, busca
entretenimento mais relacionado com a indústria cultural, em detrimento das práticas de elite,
tais como teatros e museus. De acordo com esta pesquisa, a grande maioria dos entrevistados
tem preferência por TV e rádio. Assim, para realizar o intento de ampliar o público, a Sala
São Paulo deixa claro que é preciso recuperar a educação que deixou de ser dada previamente,
por meio de programas educacionais.
Sabemos que há inúmeros equipamentos culturais em diversas cidades no mundo e, no
caso da cidade de São Paulo, há sinais de que o acesso a eles é incentivado e facilitado por
estratégias tais como excursões escolares, barateamento dos ingressos, anúncio de exposições
pela grande mídia, gratuidade em um dia da semana etc. Olhando o caso dos equipamentos
culturais da cidade de São Paulo, contudo, percebemos que malgrado tantas facilidade de
acesso, não são frequentados pela maioria das pessoas.

92
Os ingressos são disponibilizados a partir da segunda-feira anterior ao concerto e são limitados a quatro por
pessoa. A partir de cinco ingressos, é cobrado o valor de R$ 2,00 por ingresso também limitados a quatro por
pessoa. No dia do concerto, havendo disponibilidade, a distribuição de ingressos ocorre a partir das 10 horas,
limitando a um ingresso por pessoa. Já os ingressos dos concertos no horário vespertino e noturno que ocorrem
de quinta a domingo, variam de R$ 45,00 a 178,00, de acordo com o lugar escolhido. Disponível em:
www.osesp.art.br. Acesso em 05/04/2015.
93
Para Bourdieu, “Os estilos de vida são um conjunto de práticas de um agente – ou do conjunto dos agentes
que são o produto de condições semelhantes (...) e, ao mesmo tempo, sistematicamente distintas das práticas
constitutivas de um outro estilo de vida”. (Bourdieu, 2011a, p. 163).
94
Botelho, Isaura. Pesquisa do CEM – CEBRAP: “Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um
desafio a gestão pública”.
59

Os programas educacionais da Osesp podem ser um caminho tanto para o


aprimoramento dos códigos de percepção necessários para o entendimento da música erudita,
como também para a inserção de um novo público. Assim sendo, analisaremos como a Sala
São Paulo gerencia seus programas de educação musical, pois a cultura considerada
“legítima” não é algo que faz parte do estilo de vida de todos os agentes sociais. Sendo assim,
os Programas Educacionais objetivam a inclusão das classes populares por meio da educação
gradativa dos agentes frequentadores.

2.5. Repertório diferenciado


“Ouço o repente e o que diz lá no canto lírico”- Racionais Mc’s

Ao longo deste trabalho, sobretudo a partir da pesquisa etnográfica feita aos domingos
nos concertos matinais, como também nos concertos realizados em outros horários (de quinta
a sábado) verifiquei que há uma diferenciação entre os repertórios apresentados. A partir de
uma entrevista informal com um funcionário da Osesp e também através da interpretação que
fiz dos objetivos da Sala São Paulo como um todo, percebi que há uma preocupação
institucional de formar (no sentido de educar) o público que não conhece todos os meandros
que envolvem a apreciação da música de concerto, bem como a frequentação de um ambiente
cultural altamente elitizado.
Assim, o repertório dos concertos matinais é variado e mais próximo do público
“leigo”. De acordo com o funcionário entrevistado da Osesp, diferentemente do que ocorre na
Hungria, país onde a música “clássica” faz parte da vida dos indivíduos desde seu nascimento,
aqui no Brasil, como se trata de um tipo de música não muito difundido, é preciso preparar o
público através da educação musical, uma vez que um espectador não habitué, não digere tão
facilmente um concerto, sobretudo se o concerto tiver longa duração, como acontece nos
concertos de horário nobre. Diante disso, os concertos matinais são mais curtos, têm em
média duração de uma hora isso, segundo o entrevistado, promove a “educação” gradual do
público que não é muito familiarizado com este tipo de evento. Diante disso, podemos dizer
que a música erudita, que é considerada uma arte “pura”, perpetua um distanciamento entre
seus apreciadores e a sociedade “comum”, pois para gostar desta expressão artística o agente
por si só já se diferencia dos demais, tendo em vista que ele pertence ao mundo dos poucos
(de sua classe) que cultivaram esta prática desde cedo. (Bourdieu, 2011a).
Dentro deste contexto, destacarei o repertório dos concertos matinais realizados em
2015 para analisar a forma como a qual os matinais são pensados, ou seja, de que maneira o
60

repertório é programado para atender um público mais inexperiente. Exponho também


informações a respeito das orquestras e bandas que se apresentam, com o intuito de mostrar
que as bandas têm significativa participação nesses concertos, além de orquestras menos
prestigiadas que também têm espaço na programação de domingo. A Banda Sinfônica do
Estado é uma das orquestras mais frequentes nos Matinais, isso é um indicativo do caráter
mais popular desses concertos, tendo em vista que pude perceber durante o trabalho
etnográfico que as bandas geralmente trazem um repertório mais vibrante. Por outro lado,
veremos que o formato dos Matinais também enfatiza o repertório legítimo, sobretudo com as
apresentações da Osesp e da Orquestra Experimental de Repertório. Com isso, fica
evidenciada a variedade das apresentações, coisa que não ocorre nos concertos noturnos, uma
vez que praticamente todos os concertos têm um repertório legítimo, já que a Osesp se
apresenta regularmente.
A título de comparação dos tipos de repertório, portanto, segue abaixo toda a
programação de 2015 dos concertos matinais.
Quadro 3. Repertório dos concertos matinais – 2015
Dia 22/02/2015 – Banda Sinfônica do Estado
 Fernando de OLIVEIRA - Maxixe Urbano
 Alexandre TRAVASSOS - Danças do Autômato
 João Guilherme RIPPER- Cervantinas
 Osvaldo LACERDASuite Guanabara
 Cyro PEREIRA – Gonzaguiana
Dia 08/03/2015 – Orquestra Jazz Sinfônica
 Edmundo VILLANI-CORTÊS
 Abertura da Ópera Poranduba
 Balada das Flores: Excertos
 Luz
 Os Borulóides
 Álbum de Retratos
 Buarquiana
Dia 15/03/2015 – Orquestra Criança Cidadã
 Clóvis PEREIRA - Concertino Para Violino e Orquestra de Câmara
 Ary BARROSO - Aquarela do Brasil [arr. Nilson Lopes]
 Homenagem a Jackson do Pandeiro [arr. Nilson Lopes]
 DOMINGUINHOS - Lamento Sertanejo [arr. Nilson Lopes]
 Homenagem a Sivuca [arr. Nilson Lopes]
 Levino FERREIRA - Último dia;
 Maestro SPOK
 Um Pouco da História do Frevo
 Matias da ROCHA / Joana BATISTA RAMOS
 Vassourinhas
 Luiz BANDEIRA
 É de Fazer Chorar
Dia 22/03/2015 – Osesp
 Antonín DVORÁK - Abertura Carnaval, Op.92
61

 Zoltán KODÁLY - Variações Sobre uma Canção Húngara - O Pavão


 Pyotr I. TCHAIKOVSKY - A Dama da Neve, Op.12: Dança dos Acrobatas
Dia 29/03/2015 – Osesp
 Benjamin BRITTEN - Guia da Orquestra Para os Jovens, Op. 34
 Maurice RAVEL - Ma Mère l'Oye: Suíte; La Valse
Dia 05/04/2015 – Orquestra Jovem Tom Jobim
 Milton NASCIMENTO / Ronaldo BASTOS
 Fé Cega, Faca Amolada [Arr. Nelson Ayres]
 Autores diversos
 Cancioneiro Nordestino [Arr. Adail Fernandes]
 Vinicius de MORAES
 Valsa de Eurídice [Arr. Nelson Ayres]
 Ricardo HERZ
 Quase Caindo [Arr. Tiago Costa]
 Chamaoquê [Arr. Adail Fernandes]
 Edu LOBO
 Zanzibar [arranjo de Nelson Ayres]
 Ricardo HERZ
 Cantigas de Ciranda [Arr. Nelson Ayres]
 PIXINGUINHA
 Carinhoso [Arr. Nelson Ayres]
 Ricardo HERZ
 Mourinho [Arr. Nelson Ayres]
 Nelson AYRES
 Chiquito no Frevo
Dia 12/04/2015 – Brasil em dois pianos
 Tom JOBIM - Samba do Avião
 Radamés GNATTALI - Uma Rosa Para Pixinguinha
 Vinicius de MORAES - Serenata do Adeus
 Frédéric CHOPIN - Prelúdio nº 4 em Mi Menor, Op.28
 Gilberto GIL - Domingo no Parque
 Cesar Camargo MARIANO - Samambaia
 Egberto GISMONTI - Baião Malandro

Dia 19/04/2015 – Banda Sinfônica do Estado


 Giuseppe VERDI - La Forza Del Destino: Excertos
 Ferrer FERRÁN - Euterpe
 Frank TICHELI - An American Elegy
 John MACKEY- Strange Humors
 Herbert Owen REED - La Fiesta Mexicana
Dia 26/04/2015 – Orquestra Experimental de Repertório
 Rodrigo DOMINGOS - Abertura Festiva [Estreia Mundial]
 Pyotr I. TCHAIKOVSKY - Romeu e Julieta
 Max BRUCH - Concerto nº 1 Para Violino em Sol Menor, Op.26
Dia 03/05/2015 – Banda Sinfônica Jovem do Estado
 Giuseppe VERDI - La Traviata [arr. Lorenzo Pusceddu]
Dia 10/05/2015 – Coros Infantil e Juvenil e Alunos da Academia da Osesp
José Carlos Amaral VIEIRA - Fronteiras, Op.297: Allegro festivo
Leonard BERNSTEIN - West Side Story: Excertos [arr. de Jack Gale]
Ary BARROSO - Aquarela do Brasil [arr. de Duda]
Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY - Nas Asas do Canto
Leroy ANDERSON - O Gato Dançante [arr. de Shinitiro Ikebe]
Shohkoh MAITA - Harmonia é Assim que se Faz
Anônimo - Maria Costurar [melodia austríaca em arranjo de Teruo Yoshida]
62

Cesare Andrea BIXIO - Mamma


Joseph HAYDN - How Oft, Instinct With Warmth Divine
Randall THOMPSON - Velvet Shoes
Anônimo - Morning Has Broken [melodia gaélica em arranjo de John Rutter]
Tom JOBIM - Estrada do Sol [arr. de Naomi Munakata];
Canta, Canta Mais [arr. de Paulo Celso Moura]
Noel ROSA - Palpite Infeliz [arr. de Paulo Celso Moura]
Vicente ARICÓ JR.- Dia das Mães [adaptação e arranjo de Teruo Yoshida]
Dia 17/05/2015 – Osesp
 Hector BERLIOZ - Sinfonia Fantástica, Op.14
Dia 24/05/2015 – Osesp
 Darius MILHAUD - A Criação do Mundo, Op.81a
 Francis POULENC - Les Biches: Suíte
 George GERSHWIN - Um Americano em Paris
Dia 31/05/2015 – Orquestra Sinfônica de São José dos Campos
 Felipe SENNA - Lendas (Suíte Folclórica) [Estreia Mundial]
 Patrícia DE CARLI - Nebulae Para Saxofone Soprano e Orquestra [Estreia Mundial]
 Charles GOUNOD - Sinfonia nº 1 em Ré Maior
Dia 07/06/2015 – Osesp
 Carl NIELSEN - Concerto Para Clarinete, Op.57
 Ludwig van BEETHOVEN - Sinfonia nº 8 em Fá maior, Op.93
Dia 14/06/2015 – Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros Navais
 Franz von SUPPÉ - Cavalaria Ligeira
 Pyotr I. TCHAIKOVSKYO Quebra-Nozes, Op.71a: Excertos
 Autores diversos - I Hate You Then I Love You
 Richard KERR / Will JENNINGS - I'll Never Love This Way Again
 Francesco SARTORI / Lucio QUARANTOTTO - Canto Della Terra
 Henry Francis LYTE - Abide With Me
 Ludwig van BEETHOVEN - Sinfonia nº 9 em Ré Menor, Op.125: Excertos
 VANGELIS - Conquest of Paradise
 Heitor VILLA-LOBOSBachianas Brasileiras nº 2: Excertos
 Rolf LØVLAND - You Raise me up
 Giuseppe VERDI - La Traviata: Excertos
 John HIGGINS - The Beatles: Echoes of an Era
 Ernesto LECUONAMalagueña [arr. Sammy Nestico]
 Waldir AZEVEDO - Brasileirinho
Dia 28/06/2015 – Orquestra Experimental de Repertório
 Alberto GINASTERA - Estância, Op.8ª
 Pyotr I. TCHAIKOVSKY - Sinfonia nº 4 em Fá Menor, Op.36
Dia 09/08/2015 – Osesp
 Joaquín TURINA - Danças Fantásticas, Op.22
 Georges BIZET - Carmen: Suíte nº 1
 Manuel DE FALLA - El Sombrero de Tres Picos: Suítes nº 1 e 2
Dia 16/08/2015 – Banda Sinfônica do Estado
 Richard STRAUSS - Wiener Philharmoniker Fanfare
 David R. GILLINGHAM - Concertino For Four Percussion And Wind Ensemble
 James BARNES - Third Symphony - "The Tragic", Op.89
Dia 23/08/2015 – Academia Jovem Concertante
 Ludwig van BEETHOVEN - Sinfonia nº 2 em Ré Maior, Op.36
 Robert SCHUMANN - Concerto Para Piano em Lá Menor, Op.54
Dia 30/08/2015 – Osesp
 Silvestre REVUELTAS – Ventanas
 Jan JÄRVLEPP - Garbage Concerto
63

 Silvestre REVUELTAS - La Noche de los Mayas


Dia 06/09/2015 – Orquestra Experimental de Repertório
 Mario FICARELLI – Epigraphe
 Sergei PROKOFIEV - Concerto nº 3 Para Piano em Dó Maior, Op.26
 Arthur BARBOSA - Fantasia Velhos Carnavais
Dia 13/09/2015 – Jazz Sinfônica
 Duke ELLINGTON - Ellington's Medley [Arr. Laércio de Freitas]
 Hoagy CARMICHAEL - Stardust [Arr. Morton Gould] [Adaptaçao Cyro Pereira]
 Cyro PEREIRA - Cole Porter Suíte [Fantasia sobre temas de Cole Porter]
 Victor YOUNG / Ned WashingtonStella by Starlight [Arr. Luiz Arruda Paes]
 Cyro PEREIRA - Suíte Jerome Kern [Fantasia Sobre Temas de Jerome Kern]
 Thad JONES - Us [Arr. Nelson Ayres]
 Cyro PEREIRA - Suíte Broadway [Fantasia Sobre Temas Da Broadway]
Dia 20/09/2015 – Banda Sinfônica do Estado
 Alexandre TRAVASSOS - Abertura Dramática
 André WAIGNEIN - Dois Movimentos Para Saxofone Alto e Banda
 Paul HINDEMITH - Sinfonia Mathias o Pintor
Dia 27/09/2015 – Coro Osesp
 Johannes BRAHMS - O Heiland, reiss die Himmel auf, Op.74 nº 2
 Felix MENDELSSOHN-BARTHOLDY - Seis Provérbios, Op.79
 Joseph RHEINBERGERMissa a Oito Vozes em Mi Bemol Maior, Op.109 - Cantus
Missae
 Robert SCHUMANN - Quatro Canções Para Coro Duplo, Op.141
Dia 04/10/2015 – Jazz Sinfônica
 Rodrigo MORTE - Hot Five [Sobre Temas de Louis Armstrong]
 Rodrigo MORTE - Monkish [Sobre Temas de Thelonius Monk]
 Kurt WEILL - My Ship [Arranjo de Gil Evans e Alexandre Mihanovich]
 Alexandre MIHANOVICH - Dukeness [Sobre Temas de Duke Ellington]
 Billy STRAYHORN - My Little Brown Book [Arranjo e Orquestração de Tiago Costa]
 Cyro PEREIRA - Suíte Duke Ellington & Billy Strayhorn

Dia 18/10/2015 – Banda Sinfônica do Estado


 Ferrer FERRÁN - Comic Overture
 Vinicius de MORAES - A Arca de Noé [Arranjo de Júlio César Figueiredo]
Dia 01/11/2015 – Banda Jovem do Estado de São Paulo
 Witold LUTOSLAWSKI - An Overheard Tune [Transcr. João Victor Bota]
 Cécile CHAMINADE - Concertino Para Flauta, Op.107 [Transcr. Clayton Wilson]
 John CORIGLIANO - Sinfonia nº 3 - Circus Maximus
 Carl WITTROC - KLord Tullamore
Dia 08/11/2015 – Leitura Pública com Coro da Osesp
 Georg Friedrich HÄNELO Messias: Excertos

Dia 15/11/2015 – Banda Sinfônica do Estado


 Dmitri SHOSTAKOVICH - Abertura Festiva, Op.96 [Transc. Donald Hunsberger]
 James BARNES - Concerto Para Tuba e Banda, Op.96B [Transc. R. Mark Rogers]
 Leonard BERNSTEIN - Candide: Suíte [Transc. Clare Grundman]
 Leonard BERNSTEIN - West Side Story: Danças Sinfônicas [Transc. Paul Lavander]
Dia 22/11/2015 – Orquestra Experimental de Repertório
 Anton BRUCKNER - Sinfonia nº 4 em Mi Bemol Maior, WAB 104 – Romântica
64

Dia 13/12/2015 – Coros Infantil e Juvenil da Osesp


 César FRANCK - Ave Maria
 Folclore Austríaco - Vinde, Pastores, à Pequenina Belém (arranjo de C.Dickinson)
 Melodia Francesa - Glória (arranjo de Toshinao Sato)
 Pot-Pourri - 'Canções Natalinas' (arranjo de Kozaburo Hirai)
 Folclore Tcheco - Seu Rebanho a Pastar (arranjo de Antonio Duran)
 Johnny MARKS - Rudy, a Rena de Nariz Vermelho (arranjo de Toshinao Sato)
 J. Fred COOTS - Que o Papai Noel vai Chegar (arranjo de Toshinao Sato)
 James Lord PIERPONT - Jingle Bells
 Nestor de Hollanda CAVALCANTI – Descontraído
 John LENNON e Yoko ONO - Happy Christmas (arranjo de Samuel Kerr)
Dia 20/12/2015 – Orquestra Jovem do Estado de São Paulo
 Carl ORFF - Carmina Burana
Fonte: Tabela baseada nas informações do site www.osesp.art.br

Podemos avaliar que o repertório dos matinais é pensado para atrair um novo público,
pois o gênero musical predominante é algo entre o popular e o erudito, haja vista as
apresentações da Banda Sinfônica do Estado e da Jazz Sinfônica. Destaque para gêneros
como o maxixe, o samba, o frevo, a MPB, o chorinho. Ora, tais gêneros ocupam posição
hierárquica intermediária entre o puro “popular” e o puro “clássico” – principalmente quando
tocados na Sala São Paulo, que tem por função enobrecer a música que difunde. Músicas
criadas por autores, como no “clássico”, mas com harmonias, melodias e ritmos provenientes
da música popular, tem aqui por função fazer uma ponte entre as referências musicais do
público neófito e o tratamento formal de uma orquestra. Além disso, durante as apresentações
dos matinais é notório ver as pessoas se divertindo, praticamente dançando, ou seja,
conectando o corpo à música através do ritmo, um tipo de comportamento “corporal” que não
caberia num concerto convencional. Ao falar sobre música de concerto, não pude deixar de
analisar as diferenças que Bourdieu (2011a) faz entre e a arte legítima95 e arte popular96. O
distanciamento da arte “legítima” em relação à arte “popular” segue os ditames das
diferenciações sociais eternizadas pelos conflitos de classe. Assim, a arte pura, em certos
momentos chamada a “a arte pela arte”, tem uma preocupação apenas com a forma e não com
a repercussão que ela pode ou não oferecer para grupos ou instituições com interesses

95
É preciso ressaltar que desde o Renascimento que a arte pura é aquela que foge de tudo o que é humano, pois
ela não pode despertar emoções, sentimentos, já que se separa daquilo que é palpável às pessoas comuns há,
portanto, uma veemente oposição e porque não dizer um repúdio à estética popular por parte da visão erudita.
Porque a arte legítima pode “rejeitar o ‘humano’ e, evidentemente, rejeitar o que é genérico, ou seja, comum...”
(Bourdieu, 2011a, p. 35), assim, a arte pura se torna algo inacessível e de difícil compreensão.
96
A arte popular, por sua vez, é aquela com a qual seu público se identifica, diverte-se, vê-se representado, ou
seja, ela se baseia na “continuidade da arte e da vida, que implica a subordinação da forma à função, ou, se
preferirmos, na recusa da recusa que se encontra na própria origem da estética erudita, ou seja, o corte radical
entre as disposições comuns e a disposição propriamente estética”. (Bourdieu, 2011a, p. 35).
65

“mundanos” ou “comerciais”. Este tipo de arte se distanciou das emoções ao longo da história
e não faz menções nem analogias ao que é mundano, de maneira que, como afirma Bourdieu,
“o olhar puro implica uma ruptura com a atitude habitual em relação ao mundo que, levando
em consideração as condições de sua plena realização, é uma ruptura social.” (Bourdieu,
2011a, p. 12). A intenção dos Matinais é, portanto, encontrar alguns pontos de comunicação
entre os dois universos para que seja possível preparar o público não cultivado para um
concerto mais “sério”. De acordo com Bourdieu (2011a) as pessoas menos abastadas, além de
não gostarem de algo menos ‘realista’ ou abstrato – que a música de concerto encarna –,
percebem que tal gênero estético faz parte de um mecanismo social de exclusão simbólica
também exercida pelos equipamentos culturais que abrigam este tipo de arte.
Por outro lado, os Matinais também recebem a Osesp e outros grupos especializados
em música erudita. Nesses dias, a única diferença com os concertos de horário nobre é a
duração do concerto, pois à noite há intervalo e a duração é praticamente o dobro do tempo do
Matinal. Em 2015, foram realizados 34 concertos matinais97. A tabela abaixo mostra as
orquestras que se apresentaram ao longo do ano. Trago estes dados com o intuito de visualizar
o predomínio das bandas no repertório dos matinais, pois isso demonstra o trabalho da Sala
São Paulo na difusão de um repertório variado98, ou seja, aquele une a música erudita com a
música popular.

Tabela 1. Orquestras e Bandas – Concertos Matinais


Quantidades das
Orquestras e Bandas Percentuais
apresentações
Osesp 07 21%
Banda Sinfônica do Estado 06 18%
Orquestra Experimental de Repertório 04 12%
Coros da Osesp + Leitura Pública 04 12%
Jazz Sinfônica 03 9%
Banda Jovem do Estado de São Paulo 02 6%
Banda Sinfônica do Corpo dos 01
Fuzileiros Navais
Orquestra Jovem Tom Jobim 01

97
Um desses concertos foi reservado ao Programa Prelúdio da TV Cultura no dia 06/12/2015.
98
“Outros exemplos que carregam consigo a renovação da música erudita são os das Orquestras Jazz Sinfônica e
Jovem Tom Jobim, pioneiras em introduzir nos repertórios populares arranjos sinfônicos - trabalho este que tem
chegado às diversas camadas sociais [...]” (Tobias, 2012, p. 18).
66

Academia Jovem Concertante 01


Orquestra Criança Cidadã 01 22%
Banda Sinfônica Jovem do Estado 01
Orquestra Sinfônica de São José dos 01
Campos
Brasil em dois pianos 01
Programa Prelúdio 01
Total de concertos matinais 34 100%
Fonte: o autor (2016)
A título de demonstração do esforço que algumas orquestras fazem para conectar o
popular e o erudito, trago o exemplo da Banda Sinfônica do Estado que no ano de 2015,
apresentou-se seis vezes. Nesta banda, há o predomínio dos instrumentos de sopro e
percussão, além do piano e dos contrabaixos99. O objetivo principal da banda é difundir a
música de concerto, além de criar novos arranjos para este tipo de formação musical 100. A
Orquestra Experimental de Repertório também se preocupa em democratizar o acesso, pois
leva a música erudita a lugares periféricos, e da periferia também retira os jovens que a
compõem. É uma orquestra de formação de músicos. Segundo o maestro Carlos Moreno101, a
maioria dos jovens que fazem parte das orquestras é advinda das igrejas evangélicas. No ano
de 2015, eles realizaram um projeto denominado “jeans e camiseta”, que consiste na
vestimenta dos músicos e nos maestros se equiparar a do público. Essa é uma forma utilizada
para aproximar ainda mais o público e a orquestra, fazer com a plateia sinta-se representada
no palco, e isso não acontece quando os músicos estão vestidos com mais formalidade. Carlos
Moreno, em entrevista à TV Brasil, disse que “vivemos numa sociedade onde aquele palco
elitizado não existe mais, (...) a gente precisa tocar para todas as pessoas”. A Jazz Sinfônica
também transforma melodias populares de compositores brasileiros em arranjos sinfônicos.
Os concertos são muito apreciados pelo público dos matinais em virtude da popularidade das
canções. De acordo com seu site, a Jazz sinfônica “Já desenvolveu mais de 1,4 mil partituras
baseadas em temas da música popular brasileira e mundial”102. Essas bandas ocupam uma
posição inferior no campo da música de concerto devido à sua própria formação (predomínio
de sopro e percussão). Assim, os músicos das bandas

99
De acordo com Lehmann (2005), as cordas são os instrumentos mais legítimos, em detrimento dos sopros que
ainda buscam a legitimação. Sendo assim, uma banda que tem como características os instrumentos de sopro são,
por, sua própria formação, dominadas se comparadas a uma orquestra sinfônica clássica.
100
Informações disponíveis em http://www.bandasinfonica.org.br/historia/. Acesso em 17/03/2016.
101
Informações retiradas da entrevista concedida pelo maestro Carlos Moreno da Orquestra Experimental de
Repertório ao programa “Repórter São Paulo” da TV Brasil. Disponível em
http://tvbrasil.ebc.com.br/reportersaopaulo/episodio/regente-da-orquestra-experimental-de-repertorio
102
Informações disponíveis em http://www.jazzsinfonica.org.br/historia-jazz/ . Acesso em 17/03/2016.
67

“Conscientes de suas “ilusões perdidas”, as cordas desclassificadas procuram


refúgio na “formação etérea” do quarteto de cordas, em busca de um mundo melhor.
Já o ecletismo dos músicos de Jazz — gênero em via de legitimação — deve-se
principalmente ao desejo de ter uma competência completa da história e do espaço
em que buscam reconhecimento (p. 131)”. Lehmann (2005, p. 131 apud Castro,
2009, p. 29).

Segundo Tobias (2012), cresce em São Paulo um movimento democratizante do


acesso à música erudita por jovens e crianças das classes populares. Movimento feito por
maestros e músicos que tem a intenção de fundir a música popular e com a erudita. Essa nova
tendência é vista na Sala São Paulo, nos matinais, através das apresentações das orquestras
acima citadas. Através disso o público da música de concerto é ampliado, pois
“A música de concerto e popular tem caminhado juntas em projetos de
reprodução dos clássicos eruditos em repertórios populares. Entre eles, merecem
destaque o da orquestra Jovem Tom Jobim e o da Jazz Sinfônica – ambas da cidade
de São Paulo. Esses projetos contribuem para que o erudito e o popular trilhem
paralelamente [...]” (Tobias, 2012, p.8).

Como os matinais trazem uma proposta didática, todas as vezes que uma banda se
apresenta, o maestro explica ao público a diferença entre bandas e orquestras. Na banda, há o
predomínio de instrumentos de sopro e percussão, além do piano e contrabaixos103. Ora,
instrumentos de sopro e percussão são subordinados na hierarquia dos instrumentos musicais
– que tem nas cordas, principalmente no violino, sua carga de maior nobreza. Já foi
demonstrado por outros estudos (Lehmann, 2005) que tal posição corresponde ao
recrutamento social, uma vez que os músicos do sopro em geral têm origem social mais baixa
(tocadores de banda militares, por exemplo) do que os profissionais de cordas. Assim a banda,
em comparação a uma orquestra, especializa-se em geral em gêneros em que o ritmo é o foco
e a harmonia é coadjuvante. Assim, aos poucos o público mais frequente vai se familiarizando
com a música erudita através do ritmo e da melodia que ele pode memorizar mais facilmente
e se expressar fisicamente com maior facilidade. Sendo assim, vê-se que há nos concertos
matinais o predomínio dessas bandas que têm como principal característica aproximar o
popular e o erudito através da transformação das melodias por meio de arranjos novos e isto
promove uma conectividade positiva com o público.
Já o repertório dos concertos que são realizados nas noites de quintas e sextas-feiras,
bem como aos sábados e domingos à tarde são mais concernentes ao que podemos considerar
como a “verdadeira” música de concerto, no sentido de que as apresentações são executadas
por uma orquestra sinfônica (a maior parte dos concertos é realizada pela própria Osesp) e não

103
Informação confirmada em: www.bandasinfonica.org.br. Acesso em 01/11/2015.
68

por bandas ou orquestras jovens e experimentais. O repertório da Osesp é “moderno,


contemporâneo e de música brasileira”, conforme aponta Teperman (2015).
A seguir, alguns exemplos dos programas exibidos à noite.
Quadro 4 - Repertório dos concertos de horário nobre
Dia 06/03/2015 (sexta-feira) – às 21h00 – Osesp
 Sergei PROKOFIEV – Valsas, Op. 110: Excertos
 Wolfgang A. MOZART – Concerto nº 20 para Piano em Ré Menor, KV 466
 Joan TOWER – Fanfarra Para a Mulher Incomum nº 2
 Pyotr I. TCHAIKOVSKY – Sinfonia nº 6 em Si Menor, Op. 74 – Patética
Dia 24/09/2015 (quinta-feira) – às 21h00 – Osesp
 Johannes BRAHMS – Sinfonia nº1 em Dó Menor, Op. 68
 Johannes BRAHMS – Sinfonia nº2 em Ré Maior, Op. 73
Dia 14/10/2015 (sexta-feira) – às 21h00 – Osesp
 Bela BARTÓK – Concerto para Orquestra
 Hector BERLIOZ – O Carnaval Romano, p. 9
 Joaquim RODRIGO – Concierto Andaluz
Dia 26/11/2015 (quinta-feira) – às 21h00 – Osesp
 Nikolai TCHEREPNIN - O Reino Encantado, Op.39
 Wolfgang A. MOZART - Concerto nº 10 Para Dois Pianos em Mi Bemol, KV 365
 Heitor VILLA-LOBOS - Sinfonia nº 9
 Igor STRAVINSKY - O Pássaro de Fogo: Suíte - Versão 1919
Dia 04/12/2015 (quinta-feira) – às 21h00 – Osesp
 Claude DEBUSSY - Dois Prelúdios [Orquestração de Colin Matthews]
 Alexander SCRIABIN - Concerto para Piano em Fá Sustenido Menor, Op.20
 Toru TAKEMITSU - A Flock Descends Into The Pentagonal Garden
 Claude DEBUSSY - La Mer

Fonte: Baseado nas informações do site www.osesp.art.br

Utilizo aqui as contribuições de Teperman (2015) que ao analisar o repertório da Sala


São Paulo afirma que os períodos Romântico e Moderno são os mais contemplados nos
concertos nobres. Em relação aos compositores, Mozart e Beethoven são os mais frequentes
na programação; se analisarmos a programação inteira da Sala São Paulo, veremos que os
mais tocados são os compositores românticos. Em menor escala, Bach (barroco) também é
bastante frequente e lembrado pelos produtores.
Apresentei os diferentes repertórios na tentativa de evidenciar a diferenciação de
propostas de eventos dentro da Sala São Paulo. O repertório dos concertos nobres é formado
por obras consideradas “clássicas” e compositores que não são muito conhecidos pelo público
“leigo”, tais como, Bella Bartók. O caso de Bartók é interessante, pois permite diferenciar o
69

público entre aqueles que reconhecem a música erudita dos que a conhecem: quando o
informante cita algo mais “raro”, ele possui mais capital acerca deste tipo de prática do que
aquele que cita um “Mozart”. Houve informantes durante a pesquisa de campo que citaram
como “clássicos” um autor como Tom Jobim e uma frequentadora de um dos matinais, ao ser
questionada sobre a obra “As Quatro Estações”, de Mozart, citou as quatro estações do ano.
Um público que não detém muito conhecimento sobre este tipo de música, geralmente
reconhece (pelo menos o nome) os compositores mais famosos, tal como Beethoven. Por isso,
a importância de se escolher um repertório em torno de músicos nacionais, tais como
Gonzaguinha e Ary Barroso. Porém, é importante frisar que o repertório do matinal não é
ouvido efetivamente pela maioria da população ou pelo “grande público”. O termo “popular”
refere-se, no caso da Sala São Paulo, a estilos musicais e a compositores considerados
“clássicos” dentro do popular, tais como Tom Jobim, Chico Buarque e Vinicius de Moraes.
Ou seja, aquele tipo de música que foi incorporada ou sempre fez parte do gosto das classes
médias e que Philippe Coulangeon104 chama de “estetização da escuta dos gêneros populares”
pelas classes mais altas. Na história da música popular do século XX, o samba e o jazz, por
exemplo, deixaram de fazer parte do cotidiano das classes mais populares ao serem
apropriados por frações das classes médias cultivadas. Assim, afirma o autor – “a música não
tem mais usos funcionais a partir da estetização da escuta (...) e passa a ter uma função
estética e é favorecida pela diversificação” – tradução minha (Coulangeon, 2010, p.70).
Segundo Tinhorão (1997) há um processo de circulação da música que vai das camadas e
gostos populares aos grupos e gostos cultivados.
“O problema da evolução da música popular está diretamente ligado a um processo
geral de ascensão social, que faz com que a música das camadas mais baixas seja
elitizada pela semicultura das camadas médias, nas músicas de dança orquestradas,
para acabar sendo “elevada” à categoria de música erudita pelas minorias
intelectualizadas” (TINHORÃO, 1997, p. 62)

A música de concerto apresentada nos repertórios vespertinos e noturnos, por sua vez,
é algo que faz parte do cotidiano das frações de classes mais altas, como foi demonstrado
também em pesquisa sobre a realidade brasileira, como, por exemplo, o trabalho de Pulici
(2010) ao retratar o estilo de vida das elites paulistas. Apenas uma ida a um concerto noturno,
ao menos aparentemente, fica evidente a presença de agentes mais abastados e detentores de
capital econômico e escolar, ou seja, agentes possivelmente cultivados105. Neste sentido,
pode-se dizer que a Sala São Paulo é um espaço de encontro entre produtores de valores

104
COULANGEON, Philippe. “Musique: la montée de l’éclectisme des goûts. In: Sociologie des pratiques
culturalles. Éditions La Découverte, Paris, 2005, 2010.
105
Essas impressões serão analisadas nos capítulos a frente que tratam especialmente da metodologia.
70

estéticos “legítimos”, ou seja, a música erudita, que reúne indivíduos culturalmente


dominantes (produtores musicais) e socialmente dominantes (público tradicional de classes
abastadas). Logo, nesse espaço simbólico estão colocadas as relações exclusivas entre uma
elite que possui capital cultural alto e um grupo de consumidores ou público cujas disposições
estão há muito tempo incorporadas para a apreciação desse gênero musical. Isto é, pessoas
provenientes das classes médias e altas. Do ponto de vista do consumo, parece, à primeira
vista, um espaço burguês feito para a demonstração do estilo de vida burguês.
Em relação ao valor dos concertos, em geral tidos como indiferentes à frequentação
das classes populares – em particular no caso dos museus – é preciso reconhecer que na Sala
São Paulo ele ainda faz diferença. Os concertos mais nobres são relativamente caros – os
ingressos mais baratos, no coro, custam R$ 42,00, enquanto no caso dos Matinais é a sua
gratuidade. O público pode retirar o ingresso na bilheteria durante a semana, limitado a quatro
ingressos por pessoa e no próprio domingo, a partir das dez da manhã, quando os ingressos
são distribuídos gratuitamente para uma imensa fila que é formada no 1º subsolo. Mesmo
quando os ingressos acabam outros são impressos na hora; creio que isso ocorre, porque é
muito difícil a sala ficar plenamente lotada, apesar da grande procura aos domingos. Essa é
uma contestação importante e que diferencia os concertos de música erudita mais nobres dos
museus mais nobres; enquanto neste as mesmas obras são expostas a todos, ou seja, não há
diferenciação de qualidade e, por assim dizer, o “espetáculo” é o mesmo – dependendo a
“apenas” da capacidade de decifração do olhar – no caso da música os ingressos costumam
ser caros e sua apresentação em horários noturnos pouco acessíveis às camadas populares. Por
que isso ocorre? Ora, tal fato em parte se deve à maior “nobreza” da música de concerto, mais
abstrata e “pura” em relação à arte pictural, mas também porque ela só pode ser difundida por
uma apresentação de músicos, sem a qual ela não se materializa. Assim, além do
“produto/artista” e do “público”, como ocorre em um museu, a música precisa de um
“intermediário” que, também ele, se hierarquiza segundo o tipo e a posição na carreira.
Assim, os músicos das orquestras nobres e dos concertos nobres são eles mesmos mais
enobrecidos – por sua formação e tempo de profissão. No caso dos concertos noturnos, o
preço varia de R$ 45, 00 a R$ 178,00106. O coro, por ficar atrás da orquestra, geralmente é um
lugar menos prestigiado e, portanto, mais barato. Os balcões e mezaninos podem ser
considerados mais “nobres”. Durante uma visita monitorada que fiz na Sala São Paulo, um

106
Preço referente à temporada de 2015, conforme conta no site: www.osesp.art.br.
71

funcionário relatou-me que há frequentadores mais cultivados que compram o lugar mais
escondido, onde ele apenas possa ouvir e não ver a orquestra.
O meio de difusão também conta. O último matinal de 2015, por exemplo, foi
divulgado na televisão aberta e foi a primeira vez que vi muitos frequentadores não
conseguirem assistir ao concerto devido à grande procura. Isso sugere uma hipótese,
mencionada por Tobias (2012, p. 24), segundo a qual “é necessário que haja mais difusão para
que mais pessoas possam se achegar e assim poder compartilhar as experiências e ajudar a
construir novos caminhos na produção musical”. Não creio que uma simples divulgação seja
uma porta de entrada para formar o gosto de pessoas que desconhecem a música de concerto;
segundo os estudos sociológicos conhecidos, esses casos seriam exceção e não regra, pois os
meios de difusão midiática ignoram, por exemplo, a trajetória dos agentes.
A Sala São Paulo também realiza concertos a preços populares que custam R$ 15,00,
um exemplo deste tipo de concerto foi o realizado no Dia das Crianças, com a cantora
Adriana Calcanhoto, interpretando uma obra de Prokofiev “Pedro e o Lobo”. A Osesp investe
muito na tentativa de aproximação do público mais leigo com a música erudita, por meio de
seus trabalhos educativos e promoção de concertos itinerantes e populares. Os concertos
matinais estão se popularizando aos poucos. O formato (duração) e seu repertório são
fundamentais para a gradativa educação musical dos frequentadores novatos.
72

CAPÍTULO 3 – INTERMEDIÁRIOS CULTURAIS


“A capacidade humana de simbolizar é o
atributo que torna possível a produção da cultura”
(Franco, 2006, p. 16)

Procuro ao longo desta pesquisa compreender ou encontrar os meios pelos quais os


agentes sociais consomem cultura, especialmente a cultura legítima. Com este objetivo em
mente, trato neste capítulo da cultura organizada por um circuito “oficial”, ou seja, aquela que
constitui as práticas culturais associadas a produtores, difusores e consumidores da chamada
“alta cultura”. Isso porque entendo que a formação do gosto cultural depende de estímulos
diversos do meio social. Diante disso, é preciso atentar para o papel dos chamados
“mediadores culturais” no engendramento do gosto dos agentes sociais, uma vez que alguns
informantes desta pesquisa dificilmente seriam estimulados a assistir a um concerto ou
frequentar eventos relacionados à cultura dominante. Se não tivessem sido convidados por
eles.
Como observei anteriormente107, além da família e da escola, outras instituições, tais
como a igreja, o ambiente de trabalho, a mídia e os novos círculos de amigos formados já na
idade adulta (nas universidades) também possibilitam o contato e a assimilação de valores
associados ao consumo da “alta cultura”. Mas, tal constatação, é claro, não impede de se
observar que tais modalidades de familiarização podem também ser hierarquizadas – que vão
desde a formação no âmbito familiar na primeira infância até a informação no âmbito
profissional já na fase adulta.
No caso da Sala Paulo, a mediação que contempla parte do público dos concertos
matinais, por exemplo, é feita parcialmente por algumas ONGs convidadas. Tal parceria entre
a Sala São Paulo e essas organizações faz parte, a meu ver, da tentativa da OSESP de
promover a “democratização da cultura”, que é colocada em prática por meio do
desenvolvimento dos programas educacionais. Dentro deste contexto, neste capítulo tento
analisar o desenvolvimento das recentes políticas culturais que foram implementadas no país,
haja vista que os programas de democratização da programação da OSESP se encaixam neste
contexto, isto é, programas que almejam a inserção da cultura na vida de todos. Sendo assim,
tais políticas figuram no âmbito político, já que veem a cultura como um direito de todo
cidadão.

107
“A influência da escola na formação do gosto musical” – pesquisa de iniciação científica sob a orientação da
prof. Drª Marcia Cristina Consolim – Unifesp – 2012. Op.cit.
73

É preciso dizer também que os projetos relacionados a políticas culturais têm como
meta criar formas de familiarizar o público leigo com a música erudita para inseri-lo no
mundo cultivado. Percebe-se que os concertos matinais se assemelham aos concertos públicos
realizados nos anos 1930, em virtude da preocupação didático-pedagógica. A título de
exemplificação, nos concertos públicos eram distribuídos panfletos explicativos que
continham informações sobre os compositores das obras, bem como as características do
movimento ao qual a obra se encaixava (Barbato, 2004)108. Tal procedimento também é
realizado atualmente nos matinais da Osesp, ainda que não de modo tão veemente, pois na
Sala São Paulo, as explicações geralmente são conduzidas pelo regente.
As atividades pedagógicas realizadas nos equipamentos culturais fazem parte das políticas
culturais – tal como é feito nos conceitos matinais. A mediação cultural é desenvolvida por
muitos atores e se concretiza através de (1) políticas culturais e educacionais; (2) atividades
de mediação cultural; (3) instituições com programações culturais (Martinho, 2011)109. A
preocupação da Osesp com a formação de novos públicos pode ser observada também no caso
com as visitas monitoradas que é um serviço gratuito no qual após os concertos os
frequentadores têm a chance de conhecer os bastidores da Sala São Paulo. No caso dos
intermediários, além da mediação feita dentro da própria Sala São Paulo, há também a
mediação de “ordem externa”, tal como as ONGs que frequentam o matinal.
Por um lado, constato a importância de políticas culturais para potencializar a formação
do público apreciador de bens simbólicos, pois o primeiro contato, no caso do público adulto,
geralmente é mediado. Essas ações, contudo, dependem da concepção de cultura que as
subjazem e que, grosso modo, podemos subdividir em uma “visão política” e outra
“sociológica”. Essas políticas fornecem subsídios para o andamento da cadeia de criação,
aquela constituída pela formação, difusão e consumo dos bens simbólicos. Apresento em
seguida, tais concepções e um histórico de suas várias fases, crises e sucessos.

3.1. A democratização da cultura: visão política e sociológica


As diversas fases pelas quais passaram as políticas públicas de cultura apresentam um
ponto em comum: o fato de que a cultura dominante precisa ser disseminada ao público
“leigo” e que essa ação é fundamental para a democratização da cultura e formação cidadã.
Dentro desta perspectiva, o acesso será analisado a partir das visões política e sociológica.

108
Barbato (2004) traz descrições dos concertos públicos realizados no Theatro Municipal nos anos 1930.
109
A tese de doutorado de Martinho (2011) aborda os agentes que realizam a mediação cultural em Portugal.
74

Segundo Coulangeon (2010)110, há duas lógicas que se defrontam no que diz respeito às
políticas culturais – a da “democratização da cultura” e a “democracia cultural”. A primeira
tem uma concepção universalista e objetiva reduzir as desigualdades de acesso à “alta
cultura”, e a segunda, prioriza o desenvolvimento da cultura local, no sentido de que os
agentes deveriam escolher suas atividades, suas práticas.
A democratização da cultura (visão política) é ocasionada por ações governamentais que
visam à mediação entre o grande público e a cultura, constitui a visão normativa, ou seja, um
direito de todos. É o pensamento que prevalece nas abordagens de autores como Simis (2007)
e Fleury (2009), quando afirmam que há uma asserção defendida desde a Revolução Francesa
de que “todos deveriam ter acesso à cultura”111, tendo em vista que a falta de acesso à cultura
“dominante” está relacionada com uma realidade de exclusão social em todas as esferas.
Assim, para superar a desigualdade de acesso, a democratização poderia ser enfrentada como
“um instrumento revolucionário, capaz de propiciar à população o acesso à cultura nas
mesmas condições que a burguesia privilegiada” (Barbato Jr, 2004, p. 150), dessa maneira, a
ação dessas políticas também pode expandir o conhecimento artístico dos agentes sociais,
possibilitando a abertura para outras práticas culturais. A democratização exercida pelo
Estado por meio das ações realizadas por equipamentos culturais tais como a Sala São Paulo
traz em si um processo “civilizatório” à medida que revela a intenção de conectar o público
preconcebido como “leigo” e a arte considerada legítima112.
De outro lado, Rubim (2007) analisa que há uma ligação entre classe social e cultura, ou
seja, o acesso à “cultura” depende das possibilidades reais que os indivíduos têm no campo
social. Remeto-me aqui ao que Bourdieu chama de “campo dos possíveis”, onde cada agente
social tem contato com determinadas práticas, desenvolve seus gostos, atinge determinados
patamares em função da sua posição no espaço social. Logo, o gosto pela cultura dominante é
mais facilmente assimilado por agentes sociais pertencentes às camadas mais abastadas da
população, tendo em vista que o estilo de vida é um fator condicionado pela classe (Bourdieu,
2011a).
Podemos dizer que o pensamento pautado no direito de acesso à cultura (visão política)
parte do pressuposto de que o público “leigo” não frequenta os equipamentos culturais devido

110
Coulangeon, Philippe. Sociologie des pratiques culturelles. La Découverte, Paris, 2005, 2010.
111
Assim, é preciso “formular políticas públicas de cultura que a tornem acessível, divulgando-a, fomentando-a
como também políticas de cultura que possam prover meios de produzi-la” (Simis, 2007, p. 135).
112
Segundo Barbato Jr (2004), o Departamento de Cultura desde a sua criação assumiu um caráter civilizador da
cultura, pois havia a intenção de aumentar o nível cultural das pessoas, uma vez que as políticas do departamento
aspiravam não apenas as atividades culturais, como tinham como foco influenciar no modo de vida da
população, tornando-a mais moralizada.
75

a fatores tais como: falta de equipamentos nos bairros periféricos, altos preços, difícil
localização. Diante disso, seus defensores acreditam que a arte dominante precisa estar ao
alcance de todos, independentemente da origem social.
Em contrapartida, Canclini (1987) vê incongruência neste tipo de medida, pois há a
preocupação em priorizar apenas o contato do público com as manifestações artísticas
dominantes. Segundo ele, “(...)como não há uma só cultura legítima, a política cultural não
deve dedicar-se a difundir só a hegemônica, mas a promover o desenvolvimento de todas as
que sejam representativas dos grupos que compõem uma sociedade” (Canclini, 1987, p. 50).
Nesta perspectiva, a outra visão que se contrapõe à democratização da cultural tem um cunho
mais antropológico113 e é denominada de “democracia cultural”. Essa interpretação tem uma
dimensão emancipatória, pois “tem por princípio favorecer a expressão de subculturas
particulares e fornecer aos excluídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para
eles mesmos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências” (Botelho, 2001,
p. 36). Ou seja, a democracia cultural é um meio de favorecer todas as formas de cultura e não
apenas a cultura “legítima”. A ideia é fazer com que as políticas culturais se inseriram dentro
das comunidades, de modo a compreender a realidade de seus consumidores. Isso pode
possibilitar a aproximação de um agente de origem mais humilde com qualquer tipo de arte,
pois se houver uma política voltada para a formação, o evento que a princípio serve de
entretenimento, pode abrir ampliar o gosto cultural. A “questão crucial da democracia cultural
é a formação de públicos através de mediações realizadas por instituições e agentes culturais”
(Lacerda, 2009). O trabalho das entidades parceiras da Osesp encaixa-se perfeitamente aqui.
O que as duas perspectivas – democratização da cultura x democracia cultural – não
levam em conta, no entanto, são os postulados da Sociologia da Cultura, no sentido de avaliar
a trajetória dos agentes sociais, pois a inculcação do habitus determina a predisposição que os
agentes têm para apreciar determinado tipo de bem simbólico. Ou seja, as políticas de
democratização são importantes, mas é preciso ter ciência de que o gosto não é transformado
de modo automático: ele precisa ser estimulado, ser ensinado por um longo período de tempo
e, por isso, vejo que as ações educativas são um caminho positivo e democratizante, ainda que
não subversivo das hierarquias culturais e da relação das classes com a cultura dominante.
Neste contexto, vejo as ações realizadas pela Osesp como um fator positivo das tentativas
de democratização, porque perpassam a noção do ensino/aprendizagem em seus programas
educativos. Isso porque uma fração das classes populares, ainda que seja pequena, sempre

113
A autora Isaura Botelho trata desse tema em seu artigo Dimensões da Cultura e Políticas Públicas
76

será atraída e poderá até mesmo transformar seu gosto, ou seja, passar a gostar de bens
simbólicos que não fazem parte do seu cotidiano, uma vez que o contato seja possibilitado.
Entendo, assim, que as políticas culturais podem auxiliar na ampliação da visão de mundo de
uma fração das camadas menos abastadas e que tal inclusão não pode ser desprezada, ainda
que não deva ser hipostasiada. A transformação dessa fração – ou a ampliação do público
frequentador – é algo que visualizei através das entrevistas com os informantes, pois aqueles
que não tinham possibilidade de aumentar o seu cultivo, em razão de seu baixo volume de
capital, puderam através dos mediadores (seja a ONG, a escola, a igreja, o trabalho etc),
ampliar seu repertório cultural. O trabalho de campo também mostrou que o cultivo pleno (se
assim pode ser chamado) depende de vários fatores, pois até mesmo alguns agentes
portadores de capital econômico e que exercem profissões mais prestigiadas, não
necessariamente têm um gosto mais ligado ao estilo de vida das classes dominantes. Ou seja,
as políticas públicas de cultura não necessariamente atingem somente os grupos menos
privilegiados, mas priorizam simplesmente a formação estética do maior número de pessoas
possível.
Neste sentido, as políticas de cultura ampliam minimamente o repertório de certas frações
das classes menos cultivadas e mesmo daquelas mais cultivadas. Veja-se o que ocorre com os
frequentadores dos concertos noturnos que ganham, por exemplo, uma palestra antes do
concerto. A Osesp não assume que se trata de uma espécie de “aula”, pois é destinada ao
público mais cultivado, mas o programa “Falando de Música”, apesar de não contemplar a
todos, mas sim aos grupos relativamente iniciados, também tem um propósito didático. Desse
modo, a arte dominante sempre exige processos de mediação – de iniciação ou interpretação –
no caso destes exigindo em geral algum conhecimento cultural por parte de seus apreciadores,
independentemente de sua posição no espaço social. Talvez o mais importante esteja nesse
ponto: enquanto os programas de educação aos não iniciados sejam de perfil mais pedagógico
e “leve”, os programas de introdução ao concerto noturno supõem um público que, mesmo
não iniciado em música, têm um repertório cultural amplo. É preciso, portanto, ter cuidado ao
se falar em “especialização” na música, pois no caso das hierarquias culturais ela parece estar
abaixo do conhecimento genérico no campo cultural. Um exemplo pode ilustrar a questão: um
professor de arte e cultura terá mais valor simbólico do que um exímio instrumentista de
igreja gospel. Este último capital específico – os meandros da escala, dos sons e da harmonia
musical – é menos prestigiado se não vier acompanhado de uma formação cultural ampla.
Assim, as políticas que almejam a democratização da cultura desconsideram os
mecanismos que produzem a vontade de consumir os bens culturais, pois a democratização
77

não leva em conta que os atores sociais têm perfis diversos, ou seja, há os leigos e os
iniciados. Por isso, muitos autores especialistas em políticas públicas na área cultural falam
em “fidelização, diversificação, ampliação de públicos” (Donnat, 2008). Ora, também para
Bourdieu é preciso considerar as características socioeducacionais dos atores. Nesta pesquisa,
pude verificar através das entrevistas que que há elementos sociais que podem ajudar a
entender as razões para que parcelas (pequenas) das camadas populares consigam se
apropriar da linguagem da “alta cultura”. Esse é o caso, como veremos, dos agentes que vão
ao concerto porque tiveram o gosto musical engendrado pela igreja. Ou seja, o estilo de vida
não muda inteiramente, mas de maneira isolada (na esfera musical), uma vez que ele adquire
conhecimento específico sem ter acesso aos fundamentos culturais mais amplos de um juízo
estético esclarecido. É um especialista no sentido técnico do termo – conhece notas e
harmonia. Pude perceber também que o contato com novos ambientes reflete na própria
socialização dos indivíduos, fazendo-o transitar por vários gostos, ampliar seu repertório.
Sendo assim, o trabalho de democratização consegue ampliar o público e também transformar
de algum modo as disposições de parcela (pequena) das classes populares.

3.2. Políticas Culturais no Brasil


As políticas públicas realizadas no Brasil ao longo das últimas décadas a fim de
compreender o conjunto de intervenções que visam à inserção das classes populares tiveram
início na gestão de Mario de Andrade, no Departamento de Cultura, em São Paulo. O
principal objetivo destas políticas era inserir as classes populares no “mundo” das
manifestações artísticas ditas “dominantes”. Tais políticas de cultura foram um marco não só
em São Paulo, mas no Brasil como um todo, pois os intelectuais envolvidos neste projeto
visavam “compreender a realidade nacional e lançar propostas para o destino do país”
(Barbato Jr, 2004, p. 16). Além disso, esses projetos serviram de inspiração para outros
programas desenvolvidos ao longo do século XX.
É preciso enfatizar que o desenvolvimento de políticas públicas depende do momento
histórico. No caso do Departamento de Cultura, as atividades culturais foram fruto da
efervescência cultural que São Paulo vivia114, ainda que o acesso à arte em São Paulo era
reservado à aristocracia, dado que os intelectuais e artistas reuniam-se em salões restritos.
Assim, não havia ainda neste período a consolidação de um mercado de bens simbólicos.

114
Na década de 1930 foram fundadas a Universidade de São Paulo e a Escola de Sociologia e Política. Além
disso, não podemos deixar de enfatizar o legado deixado pela Semana de Arte Moderna.
78

(Barbato, 2004). Todavia, São Paulo passava a vivenciar nesse período uma ebulição
resultante da industrialização e da urbanização.
“Nas décadas de 1920 e 1930, em São Paulo, o senador Freitas Valle, Yolanda
Guedes Penteado e a família Prado abriram seus salões para incentivar as artes e os
artistas. Nos anos 1940, deu-se uma alteração significativa no mecenato paulista.
Integrantes da elite cafeeira e imigrantes enriquecidos [...] uniram-se para criar
instituições de apoio à arte [...].” (Franco, 2006, p.61).

A Semana de 1922 foi um marco na transformação da sociedade com relação à cultura e


mais especificamente no estímulo a este tipo de consumo, pois deslocou-se “o eixo literário
nacional para São Paulo e despertou uma nova mentalidade” (Franco, 2006, p. 31). Naquela
época, o Modernismo era o movimento artístico em evidência, tendo sido uma das bases do
Departamento de Cultura, que, por sua vez, tinha como meta reconhecer a realidade nacional
por meio de pesquisas etnográficas que ressaltavam o folclore (Franco, 2006).
O estudo sobre políticas públicas na área da cultura no Brasil é algo recente, pois
conforme será exposto, a área da cultura sempre ficou em segundo plano por parte dos
governos115. As primeiras políticas públicas no Brasil foram criadas na época do governo
Vargas116 (1930-45). Contudo no período de 1945-64, o setor privado foi o responsável pelo
desenvolvimento de políticas culturais no país, pois o Estado neste período não promoveu o
desenvolvimento de políticas no campo da cultura. Foi durante o governo militar que esta
questão foi repensada pelo poder público, pois em 1966 foi criado o Conselho Federal de
Cultura. Apesar disso, embora houvesse planos governamentais para o desenvolvimento da
esfera cultural, eles não foram colocados em prática. De 1969-74117, o governo criou o Plano
de Ação Cultural (PAC)118 que realizaria eventos culturais; a cultura passou a ser financiada
pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Além do PAC, foi criado o
Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC)119 e no final da década de 1970, foi

115
Ainda que tais políticas tenham sido iniciadas entre as décadas de 1930-40, “a institucionalização da política
cultural é uma característica dos tempos atuais” (Calabre, 2007, p. 88).
116
No governo Vargas foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) – 1937;
Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e do Instituto Nacional do Livro (INL). Em 1937 – foi criado o
primeiro Conselho Nacional de Cultura (Calabre, 2007, p. 88-89).
117
É interessante notar a gama de ações/órgãos/ instituições na área cultural criados durante a ditadura. O que o
inconsciente coletivo notadamente pensa, no entanto, é que se trata de um período de obscurantismo em todos os
âmbitos, haja vista as ações instituídas pelo AI-R com relação à censura, por exemplo.
118
“O PAC abrangia o setor de patrimônio, as atividades artísticas e culturais, prevendo ainda a capacitação de
pessoal. Ocorria, então, um processo de fortalecimento do papel da área da cultura. Lançado em agosto de 1973,
o Plano teve como meta a implementação de um ativo calendário de eventos culturais patrocinados pelo Estado,
com espetáculos nas áreas de música, teatro, circo, folclore e cinema com circulação pelas diversas regiões do
país, ou seja, uma atuação no campo da promoção e difusão de atividades artístico-culturais” (Calabre, 2007, p.
91).
119
Os principais objetivos do projeto eram o de propiciar o desenvolvimento econômico, a preservação cultural e
a criação de uma identidade para os produtos brasileiros. Em 1976 o projeto foi definitivamente oficializado
através de um convênio entre a Secretaria de Planejamento, o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério
79

concebida em nível nacional também a Secretaria de Assuntos Culturais120. O Ministério da


Cultura – fundado pelo governo Sarney em 1985, nunca obteve muitos recursos financeiros
para desenvolver suas ações. Este fato corroborou na construção dos projetos das leis de
incentivo fiscal que têm como objetivo “criar novas fontes de recursos para impulsionar o
campo de produção artístico-cultural” (Calabre, 2007, p. 94).
Malgrado a existência dos órgãos acima mencionados, a área da cultura viveu durante o
governo Collor uma época de retrocesso, em virtude da escassez de investimento nesta área, a
área que ficou, portanto, estagnada. Devido a este descaso, a cultura passou a ser regulada
pelos poderes estadual e municipal. A primeira lei de incentivo fiscal foi a lei Sarney – em
vigor de 1986 a 1990. Após o período de crise econômica que paralisou os investimentos na
área da cultura no Brasil, foi elaborada e aprovada a Lei Rouanet121 – em vigência ainda hoje.
Em 1992, já na gestão de Itamar Franco, o Ministério da Cultura – MinC foi recriado. Não
obstante, o Ministério passou a ter menos influência nas decisões devido ao crescimento da
atuação das leis de incentivo, a partir das quais a iniciativa privada passou a ser determinante
nas tomadas de decisão de ações referentes à área da cultura. Isso ocorreu mais
preponderantemente na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Já nos tempos atuais,
especialmente a partir do governo Lula122, com o trabalho do então ministro da cultura
Gilberto Gil, o Brasil viveu um período de plena realização no que se refere à área cultural,
pois somente a partir de 2004 o Ministério da Cultura passou a ser um órgão voltado para a
sua finalidade, pois o diálogo entre o MinC e a sociedade civil se efetivou (Calabre, 2007).
Diante do histórico pouco favorável para o desenvolvimento da área cultural no Brasil, os
produtores de bens simbólicos passaram a pensar novas formas que possibilitassem arrecadar
meios para viabilizar seus trabalhos. A Fundação Osesp, por exemplo, passou a angariar
recursos públicos e privados, a partir de parcerias criadas entre o governo e o terceiro setor.
Um espaço público não estatal surgiu, a partir da criação das leis 123 de Organizações Sociais

da Indústria e do Comércio, a Universidade de Brasília e a Fundação Cultural do Distrito Federal. (Calabre,


2007, p. 92).
120
Aqui havia uma dicotomia entre a preocupação com o patrimônio cultural, bem como com a produção,
circulação e consumo da cultura. (Calabre, 2007, p. 93).
121
Lei número 8.313/91, elaborada quando era ministro da cultura o embaixador Sérgio Paulo Rouanet.
122
Foram criadas as secretarias de Políticas Culturais, de Articulação Institucional, da Identidade e da
Diversidade Cultural, de Programas e Projetos Culturais e a de Fomento a Cultura. Estava formada uma nova
estrutura administrativa para dar suporte à elaboração de novos projetos, ações e de políticas. (Calabre, 2007, p.
98).
123
Lei nº 9.637/98 - Organizações Sociais (OS); Lei nº 9.790/99 - Organização da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs).
80

(OS)124 e da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Essa nova


configuração foi possibilitada pelo estabelecimento do Estado mínimo – característica do
governo FHC – bem como pela (re)elaboração das leis de incentivo fiscal. Esta nova proposta
é denominada publicização ou gestão pública não estatal. (Ponte, 2012). Assim,
“O controle desta parceria com o Terceiro Setor é feito por meio da celebração de
um contrato de gestão, no caso das OSs, ou termo de parceria, no caso das Oscips,
nos quais são explicitadas metas e atividades a ser realizadas de acordo com o
serviço, programa ou equipamento gerido”. (Ponte, 2012, p. 25).

A publicização foi uma forma encontrada pelo Estado para aumentar a sua
eficiência125. O Estado não conseguindo executar todas as suas obrigações, assistiu ao
nascimento de um número considerável de ONGs que complementavam os serviços não mais
realizados por ele. À medida que as ONGs126 se multiplicaram, o Estado passou a financiar os
serviços prestados por elas através de renúncia fiscal, conforme aponta Mendes (1999 apud
Ponte, 2012).
O caso da Osesp será aqui exposto a título de visualização da eficiência a partir da qual o
poder público se pautou para modificar a consecução de seus serviços. A Orquestra, criada em
1954, passou por momentos críticos referentes à estrutura organizacional. Embora tenha
vivido um período de renovação com a chegada do Maestro Eleazar de Carvalho em 1974,
tendo como consequência a positiva notoriedade mundial por meio das novas possibilidades
de avanço na qualidade artística. Os resultados desta nova gestão são extremamente positivos;
a OS não dá conta apenas do aspecto artístico da orquestra, mas sim, de toda estrutura da Sala
São Paulo que compreende a parte administrativa e documental. Além da Osesp, a OS
também gerencia o coro (sinfônico, de câmara, juvenil e infantil). Com isso, vê-se que a
publicização, especialmente no caso citado, obtém ótimos resultados, sobretudo no que se

124
Uma OS é administrada por membros da sociedade civil, que por sua vez, são responsáveis por determinado
bem estatal. No caso da Fundação Osesp, este bem é a Sala SP. A publicização se diferencia da privatização,
porque o Estado, apesar de delegar a gerência de um bem a terceiros, mantém-se no controle, uma vez que ele é
o “responsável por planejamento financiamento e controle da atividade”. (Ponte, 2012, p. 25).
125
Assim, a partir dos anos 1990, o governo brasileiro adotou este novo modo de administração, com a criação
do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare). Determinou-se que algumas áreas poderiam ser
administradas indiretamente pelo Estado, o que propiciou a formação das organizações sociais acima citadas.
Diante disso, é pertinente observar que a Osesp é uma fundação criada nesta conjuntura, pois “todos os espaços e
programas da Secretaria de Cultura estão sob a gestão de OSs” (Ponte, 2012, p. 78), assim, já que a cultura é
uma das áreas que o Estado definiu como prescindível de seu controle, pois o governo passou a incentivar a
efetivação de parcerias com entidades da sociedade civil para o desenvolvimento de serviços como “o ensino, a
pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico, a proteção e a preservação do meio ambiente, a saúde, a
ação social, a agropecuária, o desporto, e, finalmente, a cultura” (Ponte, 2012, p. 26).
126
“No exercício de 2008, o Governo Federal contabilizou um montante de 3 (três) bilhões de reais transferidos
para as organizações não governamentais, mediante convênio, termos de parceria e outros instrumentos
congêneres (MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, 2010, p, 107, 108). (Ponte, 2012, p. 29)
81

refere ao trabalho de difusão artística, bem como na área de educação e capacitação


desenvolvidos pela Osesp127.
Além dessas parcerias entre o Estado e o Terceiro Setor que possibilitaram a criação das
Organizações Sociais como a Fundação Osesp, é preciso dizer também que a área da cultura é
beneficiada por um prática muito antiga chamada mecenato. Os mecenas são pessoas físicas
que, por meio de seus donativos, promovem a cultura de maneira livre e espontânea, e
“enriquecem o patrimônio e o repertório cultural coletivos” (Durand, 2013, p, 49). Os
patrocínios são imprescindíveis para qualquer evento e/ou ação cultural. Como podemos ver
num dos salões da Sala São Paulo, as empresas patrocinadoras128 têm o aval de expor sua
marca, que pode ser considerado como a “moeda de troca” do patrocínio. A Fundação Osesp
também conta com a ajuda de pessoas físicas, através de um programa de voluntariado. Esse
tipo de contribuição tem um significado muito importante no âmbito da economia das trocas
simbólicas, haja vista o reconhecimento social que um doador ou voluntário almeja diante de
seus pares, seja ele pessoa física ou jurídica. O patrocínio corporativo, em contrapartida, tem
como principal característica o fato da empresa ser a doadora e não uma pessoa ou uma
família, como acontece no mecenato. Os patrocínios atuais são feitos com intuito de ser
revertido em capital simbólico para o dono da empresa, pois ver o nome da empresa associado
a uma causa cultural garante prestígio diante da sociedade (Durand, 2013).
Em contraposição à prática do mecenato, Lauro Machado Coelho129 ao tratar do cenário
da música erudita no Brasil, cita a fala de Claudia Toni130 (diretora executiva da Osesp até
2002). Segundo ela, é preciso “deixar de lado práticas como o mecenato [...], pois a “Osesp de
fato montou um esquema de trabalho voluntário – forma direta de envolver a comunidade nas
atividades da ‘sua’ orquestra”. Ou seja, há uma crença de que o ser voluntário na Osesp dá um
sentimento de pertencimento à orquestra. Claudia foi uma das criadoras do slogan “Pode

127
Para escrever essas considerações, retirei informação do próprio site da Osesp e da Fundação Osesp.
Disponível em: www.osesp.art.br. Acesso em 01/09/2015.
128
A Fundação Osesp conta com um grupo de empresas patrocinadoras: Itaú Personnalité, BMF&Bovespa,
Banco do Brasil, Mapfre Seguros, Deloitte, Banco Votorantim, Mattos Filho Advogados. Tem também um grupo
de apoiadores, dentre eles estão a Scotabank, Philips e Localiza. Além dos veículos apoiadores: Folha, CBN,
Carta Capital, Piauí. Disponível em www.osesp.art.br. Acesso em: 28/10/2015.
129
Ensaio de Lauro Machado Coelho sobre o cenário da música erudita, sob o título “A música erudita no
Brasil”. Disponível em http://www.digestivocultural.com/ensaios. Acesso em 01/03/2013.
130
“Historiadora dedicou sua carreira à administração cultural pública, passando por organismos como o Teatro
Municipal de São Paulo, MAC e Osesp”. Informação disponível em: http://www5.usp.br/. Acesso em:
01/03/2016.
82

aplaudir que a orquestra é sua”, na época de sua gestão, quando o grande desafio era formar o
público da Osesp que antes da reestruturação era absolutamente escasso131.
Além dessa “modalidade” de doador também podemos considerar como muito importante
para o aspecto simbólico, o grupo de assinantes. Conforme aponta Teperman (2015), ser um
assinante cativo, tem uma carga simbólica para a classe dominante, pois existe uma ideia de
“perfil-ideal” dos assinantes, além do imaginário compartilhado por esse grupo, ou seja, ser
um assinante é como um investimento que reverbera na imagem positiva do agente perante o
grupo social ao qual pertence. Neschling (2009 apud Teperman, 2015) afirma que é preciso
fazer com que o público crie uma relação de pertencimento para com a orquestra. Não se nota,
no entanto, esse tipo de objetivo (ou consequência) nos concertos matinais, uma vez que o
público tem outras características sociais e de maneira geral é mais dominado no que diz
respeito ao volume de capital.

3.3. A presença de ONGs nos concertos matinais


Tendo em vista a presença das Organizações Não-Governamentais – ONGs – nos
concertos matinais de domingo, entendo ser necessária uma descrição da história deste
seguimento para que seja compreendida a atuação dessas entidades na Sala São Paulo.
Focalizo mais especificamente sua atuação no desenvolvimento na área cultural, pois de
acordo com a bibliografia abordada, o campo cultural é um dos escolhidos para serem
administrados pelo Terceiro Setor, sobretudo a partir dos anos 1990. Este tópico, portanto,
aborda a atuação das ONGs que de algum modo promovem o acesso de seus filiados a
eventos culturais.
As ONGs surgiram na Europa e têm forte ligação com as expectativas da ONU de criar
projetos de desenvolvimento para os países periféricos, tais organizações são formadoras do
Terceiro Setor132 e foram registradas primeiramente, em 1945 pela Organização das Nações
Unidas – ONU133. A conceituação destas entidades, conforme afirmam autores como Ponte
(2012) e Xavier (2012) ainda não foi consolidada, pois não há um consenso firmado pelo

131
Informações contidas em http://www5.usp.br/101631/claudia-toni-uma-estrela-nos-bastidores-da-cultura/.
Acesso em 01/03/2016.
132
O Terceiro Setor é o “conjunto de organizações privadas, sem fins lucrativos, que atendem a finalidades
públicas ou coletivas” (Falconer, 2001, p.28).
133
Montenegro apud Grossi (1989), diz que ONGs são “um tipo particular de organizações que não dependem
nem econômica nem institucionalmente do Estado, que se dedicam a tarefas de promoção social, educação,
comunicação e investigação/experimentação, sem fins de lucro, e cujo objetivo final é a melhoria da qualidade
de vida dos setores mais oprimidos” (p.11). Só a título de conceituação, para Ioschpe (1997) [et.al.] o primeiro
setor é o governo propriamente dito, o poder público. Já as atividades lucrativas (mercado) constituem o segundo
setor.
83

direito administrativo sobre este tipo de organização. Contudo, pode-se dizer que as ONGs
são “pessoas jurídicas sem fins lucrativos, não constituídas pelo Estado, que exercem
atividades de relevância social” (Xavier, 2012, p.15).
Os primeiros indícios do surgimento de ONGs no Brasil “no âmbito do sistema
internacional de cooperação para o desenvolvimento” (Fernandes, 1997, p. 26) ocorreram nos
anos 1970, as primeiras instituições estavam ligadas às demandas conduzidas pela esquerda.
Foi no período de redemocratização, que a potencialidade da sociedade civil veio à tona,
permitindo que diversos grupos se organizassem em prol de alguma causa, pois assim,
“indivíduos e instituições particulares exerceriam a sua cidadania de forma direta e
autônoma” (Fernandes, 1997, p.27).
“As ONGs irão se defrontar, no Brasil, com o regime de força iniciado com o golpe
de Estado em 1964, ocupando espaços de atuação a nível local, em meio à sociedade
civil, com projetos de curto alcance, ou de pouca visibilidade, e com a presença
marcante da Igreja Cristã” (Mendes, 1999, p. 3-4).

Todavia, foi a partir da crise vivida nos anos 1990 que o Terceiro Setor foi se
consolidando no Brasil, pois o governo elaborou estratégias que possibilitaram mudanças
consideráveis na área administrativa, a partir das quais alguns serviços passaram a ser
responsabilidade das ONGs, sem, no entanto, deixar de ser encargo do governo. Além disso, a
realização da ECO 92 evidenciou o trabalho dessas organizações no Brasil, pois elas se
aproveitaram da notoriedade do evento para realizar “um fórum paralelo às atividades oficiais
com cerca de 9000 ONGs de 167 países” (Falconer, 2001, p. 14). O Terceiro Setor também
ganhou evidência por meio do relevante trabalho do sociólogo Betinho134, que possibilitou, de
certo modo, a transformação do pensamento da sociedade brasileira para a urgência de
desenvolvimento de projetos sociais.
O trabalho das ONGs também é importante do ponto de vista da empregabilidade,
segundo pesquisa feita pela Universidade Johns Hopkins em 1998, 17% dos empregos
gerados por este tipo de instituição são correspondentes à área da cultura e recreação, ao lado
de setores preponderantes como a saúde (17,8%) e serviços sociais (16%), a educação, é a
área que possui o maior índice de empregabilidade (36, 9%)135.
Tradicionalmente, o Terceiro Setor atua nas áreas de educação, saúde e cultura, porém as
áreas de direitos humanos, meio ambiente e cidadania também estão em crescimento 136. Na

134
Através da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida (Falconer, 2001).
135
Falconer apud Lester Salamon, Helmut Anheier ET AL, global civil society: Dimensões of the nonprofit
sector, Baltimore: Johns Hopkings University, 1999.
136
Uma visão crítica sobre esse grande crescimento, não pode deixar de questionar tais ações, haja vista os
incentivos fiscais que as empresas envolvidas neste tipo de atividade recebem, bem como a imaculada imagem
que as entidades constroem diante do enfrentamento de problemas relacionados às injustiças sociais. Embora não
84

década de 1990, apenas na cidade de São Paulo, mais de mil entidades por ano eram
registradas. Atualmente, a última pesquisa publicada pelo IBGE137, em 2012, aponta que no
Brasil, no ano de 2010, o total de ONGs era de 290, 7 mil. A despeito dos problemas mais
visíveis, há outras demandas de ordem imaterial que também são importantes e que precisam
ser supridas. Isto pode ser visto a partir da análise das práticas das instituições que frequentam
os matinais. Estas instituições têm preocupacão em fomentar o consumo de cultura entre seus
filiados, independentemente da missão da entidade.
Nem todas as ONGs parceiras têm contato direto com a música de concerto, por isso
divido as entidades em três grupos, conforme quadro abaixo:

Quadro 5 - Áreas de atuação das ONGs


Saúde Vulnerabilidade Social Cultura
AACD Fundação Abrinq Instituto Baccarelli
Casa Hope Fundação Gol de Letra Santa Marcelina Cultura
Laramara Pastoral da Criança
Fonte: o autor (2016)
Apresentarei de maneira sucinta o histórico e a missão das entidades que trabalham
especificamente com música.
O Instituto Baccarelli138 é uma associação civil sem fins lucrativos, que atende mais de
1300 crianças e jovens em programas socioculturais que visam oferecer formação musical e
artística de excelência, proporcionando desenvolvimento pessoal e oportunidade
profissionalização na música. Com sede em Heliópolis – que já foi considerada a maior favela
de São Paulo, o Instituto Baccarelli oferece para os moradores da comunidade uma estrutura
de ponta e professores altamente qualificados, aulas em grupo e individuais, de teoria e
técnica, além de prática de conjunto em orquestras, corais e grupos de câmara, podendo ir da
musicalização à especialização em um instrumento ou em canto. A missão do Instituto é
oferecer formação musical e artística de excelência proporcionando desenvolvimento pessoal
e criando oportunidade de profissionalização, com foco em crianças e jovens em situação de

seja tarefa deste trabalho, não me furto de questionar a idoneidade deste tipo de proposta, diante do grande
crescimento das unidades - Questionamento baseado no filme “Quanto vale ou é por quilo?” do diretor Sergio
Bianchi, no qual as ONGs são analisadas do ponto de vista da corrupção.
137
O IBGE e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em parceria com a Associação Brasileira de
Organizações Não Governamentais - ABONG e o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - GIFE trazem a
público o mais recente estudo realizado sobre as organizações da sociedade civil organizada no Brasil, com base
nos dados do Cadastro Central de Empresas - CEMPRE, do IBGE. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/
Acesso em: 27/05/2015.
138
Informações disponíveis em: http://institutobaccarelli.org.br
85

vulnerabilidade social. Dentro deste contexto de exclusão social, os idealizadores do


Baccarelli acreditam que a arte é um instrumento capaz de despertar e desenvolver potenciais.
Já a Organização Social Santa Marcelina Cultura139, criada em 2008, administra dois
programas de educação musical do Governo de São Paulo: O Guri – com seus Grupos Infantis
e Juvenis e a série Horizontes Musicais; e a Escola de Música do Estado de São Paulo
(EMESP Tom Jobim) – com seus Grupos Jovens, Ópera Estúdio, Núcleo de Música Antiga,
Camerata Aberta e Mostra Tom Jobim EMESP. Também foi responsável pelo Festival
Internacional de Inverno de Campos do Jordão nas edições 2009, 2010 e 2011. O objetivo da
Santa Marcelina Cultura é criar um ciclo virtuoso para a formação musical na Região
Metropolitana de São Paulo, integrado a um sólido projeto de inclusão sociocultural com o
intuito de formar pessoas para a vida e para a sociedade. O Programa Guri tem como missão a
educação musical e a inclusão sociocultural de crianças e adolescentes na Grande São Paulo.
Foi lançado em 2008 a partir de uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura de São
Paulo e é gerido pela Santa Marcelina - Organização Social de Cultura. Por meio da educação
musical de qualidade, apoiada por um serviço de atendimento social, uma oportunidade real
de crescimento cultural e inclusão social é oferecida a estudantes de 6 a 18 anos. Possui
excelente infraestrutura, especialmente no que diz respeito à qualidade do material de ensino e
prática musical (métodos e instrumentos musicais). Um dos valores desenvolvidos é o
comprometimento dos alunos, famílias e comunidades com o programa, bem como a
consonância com os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No Guri, a
música é uma fonte inesgotável de possibilidades na vida das crianças e adolescentes. É a
partir da música que eles buscam novas perspectivas pessoais, sociais e comunitárias. O
Programa integra educação musical de qualidade aliada a uma intervenção social
transformadora. O objetivo é oferecer aos alunos e familiares, na maioria moradores de
regiões de alta vulnerabilidade social, apoio e experiências capazes de transformar a realidade
em que vivem. Com todo o suporte que o Guri oferece, os alunos e familiares encontram um
novo caminho na busca de oportunidades e na construção da autonomia.
Tais ONGs em geral, visam o público infantil ou crianças e jovens em situação de
vulnerabilidade. O Instituto Baccarelli e a Fundação Santa Marcelina apostam na formação
educacional e cultural como uma forma de ampliar as potencialidades artísticas (formação
musical, por exemplo), ao mesmo tempo que inibem a possibilidade de desenvolvimento de
uma vivencia à margem – uma preocupação do Instituto Baccarelli. Uma peculiaridade do

139
Informações disponíveis em: http://santamarcelinacultura.org.br
86

Guri Santa Marcelina é a preocupação de levar a programas culturais também os pais dos
adolescentes filiados, como uma forma de inseri-los em outras realidades sociais. Segundo o
Instituto Baccarelli, “a arte é um instrumento capaz de despertar e desenvolver potenciais”. A
cristandade presente na Pastoral da Criança, também é uma característica do Santa Marcelina
Cultura que tem sua origem na Congregação das Irmãs Marcelinas. Assim, a preocupação da
formação de pessoas para a vida e para a sociedade, como é afirmado por essas instituições
também dialoga com a preocupação de todas as outras entidades.
A prioridade dessas ONGs, independentemente de sua missão, é viabilizar a
integração dos agentes sociais, ou seja, propiciar o pleno desenvolvimento individual (termo
usados pelas entidades) através da garantia de direitos, da profissionalização, da integração
das famílias, do entretenimento, da socialização. Dentro desta perspectiva, a ida à Sala São
Paulo é uma maneira de incluir socialmente esses agentes, sobretudo aqueles que sem o apoio
destas ONGs não teriam condições para sair de seu “mundo” dadas a suas limitações, sejam
elas geradas por deficiências, doenças ou pela vulnerabilidade social.
Assim, a parceria entre a Osesp e as entidades convidadas pode ser vista como algo
preponderante para a minimização da barreira simbólica que permeia a relação entre as
frações das classes populares e a Sala São Paulo. No desenvolvimento desta pesquisa observei
pessoas de origem social muito simples, tais como alguns grupos de idosos ou de adolescentes
que se deslumbravam logo que adentravam no edifício, ao se deparem com aquele tipo de
arquitetura e com a dinâmica do evento. Diante disso, as ONGs nos matinais são um fator-
chave que demonstram na prática a democratização do acesso das classes populares a bens
simbólicos legítimos. Embora o público não seja formado majoritariamente por pessoas das
classes populares, conforme veremos no próximo capítulo, a presença dessas entidades se
conecta ao objetivo da Osesp e da Sala São Paulo que é o de expandir o público, haja vista
todos os outros projetos educacionais que visam a educação não só dos frequentadores, mas
do público potencial (como é feito, por exemplo, com os Concertos Didáticos e com a Osesp
Itinerante).

3.4. A mediação e a formação de públicos


Pesquisas interessantes foram desenvolvidas para tratar do papel dos centros culturais
na mediação entre as classes populares e a arte dominante. A partir de 1970 houve a
proliferação de centros culturais que propiciou esse contato, dentro deste contexto, o papel
interventor do Estado foi substancial. A construção de centros culturais em locais de fácil
acesso e a gratuidade dos ingressos aumentam a heterogeneidade do público; a expansão do
87

público também é garantida pelas excursões escolares140 e pelo apelo turístico (por exemplo,
fazer alguns locais serem prioritários no roteiro em razão do valor histórico dos edifícios).
Com relação à formação de novos públicos, sempre há o questionamento da
legitimidade do público, no sentido de enfatizar a capacidade que ele deve ter para lidar com
as obras de arte, como afirma Dabul,( 2008)141. Neste contexto, os centros culturais têm um
diferencial que é o de preparar as exposições especialmente para o público oriundo das classes
populares, um público minoritário, mas que se esforça para receber as mensagens das obras e
delas se apropriar. Ou seja, a leitura que o grande público faz das obras, ainda que não
legítima porque não instruída pelos critérios legítimos de consagração, pelo berço ou pela
escola, contribui – para essa pequena fração das classes populares – para a aquisição de novas
disposições. Em contrapartida, uma visão mais crítica acerca da construção de equipamento
culturais é desenvolvida por Donnat142 (2008), que considera que somente a instalação de
espaços culturais não garante o aumento de público; a oferta e a demanda, portanto, são
variáveis autônomas.
Neste sentido, o papel da escola enquanto formadora de critérios legítimos, mas não
transformadora das disposições estéticas populares, também é objeto de discussão. Mesmo na
França, em que o padrão médio da qualidade da educação é superior, Bourdieu demonstrara a
pouca frequência aos equipamentos culturais (Bourdieu, 2003). Ora, no Brasil presume-se que
tal papel é ainda menos importante dada a falta de autonomia financeira e pedagógica do
ensino médio. As instituições escolares são excelentes locais de mediação, segundo Martinho
(2011), pois se a educação formal abarcasse essa preocupação, o público de cultura cresceria
muito e já teria conhecimento mais consolidado. Sabemos, porém que ao menos aqui no
Brasil essa é uma realidade ainda muito distante, e, portanto, as ações educativas realizadas
nos próprios equipamentos são muito bem-vindas e ao menos na Sala São Paulo conseguem
cumprir o seu papel, pois a demanda, pelo menos dos concertos matinais, está crescendo a
cada ano.

140
As escolas deveriam ser instituições privilegiadas neste sentido, em razão do grande número de crianças e
adolescentes que podem ser beneficiados com programas culturais. No entanto, pelo menos atualmente, a falta
de verbas, sobretudo nas estaduais, prejudica este tipo de intervenção. Ano passado tentei levar os alunos a dois
eventos culturais, mas a escola não tinha subsídio para alugar os ônibus. Além disso, há uma tradição dentro da
escola que prioriza passeios nas áreas do entretenimento como parques (Hopi Hari), clubes com piscina, em
detrimento de passeios a museus ou teatros. Na verdade, os professores quase não têm autonomia para decidir os
destinos dos raros passeios que os alunos de escola pública estadual têm a oportunidade de ir.
141
Dabul (2008) elaborou um trabalho acerca do contato do grande público com as artes plásticas.
142
Donnat (2008) trata da realidade da sociedade francesa no que se refere às desigualdades de acesso à cultura.
O autor afirma que os estudos sobre os públicos de cultura estão em evidência.
88

As políticas culturais são uma forma recente de gestão política, nos países
economicamente desenvolvidos143, elas estão num estágio mais avançado, ou seja, em países
onde problemas sociais já estão relativamente resolvidos, a cultura passa a ser prioridade
(Durand, 2013). Um funcionário da OSESP que cuida da gestão cultural comparou o Brasil
com a Hungria, no que diz respeito ao envolvimento que os dois países têm com a cultura,
especialmente com relação à música. Segundo meu informante, na Hungria, a música faz
parte do cotidiano das pessoas desde a infância, pois a música compõe a vida dos agentes, de
modo que são estimulados a ouvir e a cantar. Ao passo que aqui no Brasil, isso não acontece,
já que não é todo mundo que tem a possibilidade de ter uma formação musical, embora isso
seja resguardado legalmente144. No entanto, há muitos entraves nas esferas municipal e
estadual para que o ensino de música se efetive nas escolas145. Minha própria experiência
como docente me diz que há uma hierarquia disciplinar nas escolas públicas do estado de São
Paulo e que o ensino de arte em geral ocupa posição dominada. Trabalho em escola pública há
mais de 10 anos e acompanho como é feita a escolha das disciplinas escolares. Algumas
disciplinas são vistas como “de menor importância” e o ensino de artes é colocado também
como algo secundário e até os alunos têm essa percepção. Além disso, ainda há a questão da
burocracia que envolve as almejadas melhorias na infraestrutura escolar (bibliotecas, salas de
vídeo, laboratórios, auditórios, quadras poliesportivas) a morosidade das licitações, os baixos
custos recebidos são empecilhos que dificultam o desenvolvimento de muitas atividades que
poderiam ser feitas nas escolas. Assim também seria com o ensino de música, pois isso
demandaria a compra dos instrumentos, a contratação de professores especializados, a
construção de um local adequado, além do convencimento de que este tipo de medida seria de
grande valia para a comunidade escolar. Sendo assim, malgrado a promulgação da lei nº
11.769, ainda há muitos entraves a serem transpostos para a rede de ensino público no Brasil
levar a sério o ensino de arte.

143
“EUA, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Espanha, Áustria, Alemanha, Holanda, Finlândia, Suécia,
Dinamarca, Noruega, Japão, Austrália e Nova Zelândia” (Durand, 2013, p. 86).
144
Lei nº 11.769, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dispor sobre a
obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em:
15/12/2015.
145
“De acordo com o trabalho, baseado no Censo Escolar da Educação Básica 2007, o Brasil possui 124 mil
professores de Artes. A grande maioria (92%) tem licenciatura. Mas o dado preocupante é que Artes é a
disciplina com menor proporção de docentes com formação na área específica de atuação: 25,7%, nos anos finais
do ensino fundamental. Destes, só 2,4% lecionam a disciplina correspondente ao curso em que se formaram na
graduação. O trabalho do MEC informa ainda que 50,2% dos professores que lecionam Artes são formados em
outras áreas e 24,1% estudaram Pedagogia”. Disponível em http://artenaescola.org.br/uploads/boletins/boletim-
57.pdf. Acesso em: 15/12/2015.
89

A Osesp através do programa educacional “Descubra a Orquestra”, tenta minimizar a


distância entre os alunos do ensino fundamental e médio e a música de concerto, pois
contempla o professor com um curso de formação musical, além de iniciar os alunos neste
campo artístico através dos “Concertos Didáticos”. Durante uma entrevista com uma
informante de um concerto noturno, ouvi uma crítica direta a este programa da Osesp.
Segundo a entrevistada, que falou de maneira aleatória sobre isso, os concertos didáticos
dissimulam a tentativa de aproximação entre o público leigo e a música erudita. Ela é
assinante e estava indignada com o serviço prestado: disse-me que estava cogitando cancelar a
assinatura, pois para ela, o concerto didático deveria ser “sério”, deveria trazer uma
apresentação como a que o público pagante assiste.
Ao longo da minha pesquisa de campo, bem como através das conversas que tive com
meus informantes, analisei o crescimento do público de concertos, especialmente nos
matinais, uma vez que frequento a Sala São Paulo há quase quatro anos. Atualmente os
frequentadores que chegam aos matinais sem o ingresso correm o risco de não conseguir
assistir ao concerto, o que não acontecia até 2014. No entanto em 2015 a concorrência para a
retirada dos ingressos cresceu notadamente.
O aumento da demanda pode ser relacionado ao trabalho de mediadores como as
escolas, as ONGs, universidades, as igrejas, como também as ações educativas da Osesp, pois
ao menos nos matinais a presença de grandes grupos é uma característica marcante. Todos os
domingos chegam excursões do interior, patrocinadas por secretarias de cultura das cidades
do interior paulista, como também grupos de adolescentes, idosos etc. Visualizei ao longo
deste trabalho que há um grande número de pessoas que são estimuladas por inúmeras
instituições a frequentarem a Sala São Paulo. Obviamente, há as pessoas que já têm esse
hábito cultivado desde cedo, como também os frequentadores que revelaram que estavam no
concerto porque ganharam um ingresso da empresa ou porque pesquisaram na internet. Mas
de maneira geral, o trabalho de mediação é efetivo e muitas vezes contínuo. Por exemplo, a
ONG Laramara, cuja responsável concedeu-me uma entrevista. Apesar das dificuldades de
locomoção (pois esta entidade cuida de pessoas com deficiência visual), há necessidade de
explicar todos os detalhes de modo pormenorizado no desenrolar das apresentações, eles
tentam por meio de vários eventos culturais facilitar o convívio social destas pessoas. Isso
demonstra que a mediação propicia a socialização dos indivíduos através do acesso ao lazer e
à cultura: “os mediadores culturais [...] estabelecem pontes, criando condições para que haja
90

contatos e interações entre campos/contextos culturais distintos” (Peres et al. (2005, p. 762)146
Outro fator que corrobora na formação de novos públicos é a atuação dos
meios de comunicação. Observa-se, no caso brasileiro, que há também uma tentativa de
distinção pela via de atividades culturais “eruditas”, mas massivamente divulgadas pela
grande mídia. Essa possibilidade se deve ao crescimento da espetacularização mediada
especialmente pela televisão. Dessa forma, os consumidores sentem-se na obrigação de ir a
uma exposição ou ver determinada peça teatral, por exemplo, simplesmente porque “está na
moda”. Isso faz com que boa parcela da população queira consumir os produtos culturais
padronizados e universalizados, de modo que “as atividades culturais geram efeitos
econômicos positivos” Bennett (1995, p. 90 apud Durand, 2013). Vale lembrar que no
“mercado” da “espetacularização da cultura” não há preocupação com a qualidade artística,
pois o que está em voga são os ganhos de capital que a atividade proporciona. Como pode ser
visto no Capítulo 4, a televisão e a internet também estimulam os agentes a frequentar
determinados ambientes culturais, sobretudo as exposições de grande porte, bem como
espetáculos de música, pois o “marketing cultural” tem o poder de aumentar vertiginosamente
o público de algum show devido às ações midiáticas. Contudo essa não é uma estratégia
muito eficaz quando há intenção de formar um público regular, pois mesmo com a
proliferação de eventos “espetacularizados”, parece não haver vínculo maior com a cultura do
que a oportunidade do entretenimento. São Paulo é um grande laboratório. Há muitos eventos
recentes que nos mostram o quanto a ação da publicidade é eficaz. Como exemplos recentes,
cito o trabalho de Ron Muek, na Pinacoteca, de Salvador Dalí, no Instituto Tomie Ohtake,
Picasso e a Modernidade Espanhola e ComCiência no Centro Cultural do Banco do Brasil.
Tais eventos parecem ser uma oportunidade de distinção para as classes médias com boa
vontade cultural, mas uma hipótese (que não posso dar conta nos limites deste trabalho) seria
que uma parte desse público não transforma de fato seu gosto estético, mas encontra em tais
eventos oportunidade de distinção via entretenimento. O caso da Sala São Paulo, contudo,
diverge desses grandes empreendimentos culturais amplamente divulgados pela mídia –
talvez porque a música exige uma contenção do corpo e uma introspecção maior do que
eventos de arte em museus ou pavilhões (que não exigem postura corporal, indumentária
específica, silêncio absoluto, introspecção etc), parece-me pois, que os indivíduos, mesmo os
mais descomprometidos com a atividade musical que vão à Sala São Paulo estão mais

146
Peres, Fabio de Faria; BODSTEIN, Regina; RAMOS, Célia Leitão e MARCONDES, Willer Baumgarten.
Buscaram através do artigo “Lazer, esporte e cultura na agenda local: a experiência de promoção da saúde em
Manguinhos” compreender a representação do trabalho dos mediadores culturais para moradores de um conjunto
de favelas no Rio de Janeiro.
91

dispostos a sair de sua zona de conforto dado o peso das regras de um evento como esse. Em
que medida ir a uma atividade cultural via anúncio midiático é diferente de ir por convite de
parentes, amigos ou ONGS? É preciso investigar esses vínculos, mas parece-me que são de
natureza distinta pela própria relação entre o público frequentador e a família, a mídia e uma
ONG. Creio que um espetáculo como um concerto de música erudita poderia gerar o efeito de
uma grande exposição midiática – e atrair milhares nos meios das camadas médias – se fosse
um evento de “massa” amplamente divulgado pela mídia, tal como os concertos de André
Rieu no Ibirapuera ou grandes centros de convenção. Ora, a diferença entre a informalidade e
a grandiosidade de tais espaços de “eventos” e a sobriedade da Sala São Paulo é gritante. Daí
que é difícil, por mais eventual o contato, a equiparação entre a frequência à Sala São Paulo e
aos eventos midiáticos.
Como a pesquisa de campo evidenciou, há o grupo de agentes mais dominados
culturalmente que frequentam os ambientes e os eventos culturais de maneira pontual, ou seja,
por acaso, a convite de amigos ou porque ganharam ingresso da empresa onde trabalham.
Neste sentido, os postulados da Sociologia da Cultura são aqui enfatizados, dado que a
transformação do gosto depende de aprendizado, de cultivo. Nas palavras de Durand (2013),
“Não é que não se faça nada para ampliar públicos para a cultura no Brasil.
Acontece que o pouco que se faz é desarticulado de uma visão mais abrangente,
incapaz de dimensionar necessidades no tempo e no espaço e de articulá-las a
diretrizes de política de educação (Durand, 2013, p. 27).

Segundo o autor, “a paisagem cultural só se enriquece e se diversifica consistentemente no


longo prazo, fruto de processos de aprendizado e transmissão que alargam o repertório de
gosto” (Durand, 2013, p. 27). A ideia referente ao papel do marketing cultural na formação do
público de cultura se torna pertinente (Durand, 2013). Vemos com isso, que é imprescindível
para a formação de um novo público de cultura (seja ela erudita ou popular) que as políticas
tenham um sentido de formação, de educação, pois ao contrário, o público será sempre
esporádico. Além disso, também é claro que quanto mais cedo elas se difundirem na trajetória
de um indivíduo, mais chances ele terá de transformar seu gosto no sentido de incorporar tais
práticas na sua rotina.
O interessante aqui é questionar quais os condicionantes sociais para que frações das
classes populares se interessem por arte: conversei com informantes que disseram que a partir
de determinada oportunidade ou fase da vida passaram a buscar conhecimento a respeito de
música e também sobre várias manifestações culturais. Por isso, a mediação, especialmente
nas camadas populares, possibilita em certa medida a formação de novos públicos.
92

CAPÍTULO 4 – CULTIVADOS, ECLÉTICOS E DOMINADOS: O PÚBLICO DA


SALA SÃO PAULO.
Neste capítulo tratarei especificamente dos resultados do meu trabalho de campo que
consistiu na realização de etnografias e aplicação de questionários com o público dos
concertos matinais de domingo e também dos concertos realizados nos horários nobres –
quintas, sextas e sábados.
As etnografias consistiram na observação do desenvolvimento dos concertos, da
postura do público, de conversas aleatórias com os frequentadores, a participação na visita
monitorada. Meu intento era observar as possíveis diferenças entre os concertos matinais e os
concertos nobres. Para quem desconhece a dinâmica da Sala São Paulo, a diferença mais
evidente entre os concertos é o preço, pois os matinais são gratuitos. No entanto, ao longo da
pesquisa, outras diferenças foram evidenciadas, conforme será exposto.
As etnografias consistiram também na análise comportamental dos frequentadores,
bem como de suas características como vestimenta, postura, expressões, o que Goffman
chamaria de “fachada pessoal”, ao dizer que os agentes sociais representam um papel quando
estão na presença de outros (Goffman, 2011). A ideia de representação norteou esta parte da
pesquisa em razão do ambiente ensejar aos visitantes um comportamento mais discreto e
controlado. Essa impressão foi confirmada mais fortemente nos concertos noturnos onde há
um verdadeiro jogo simbólico, pois os frequentadores, sobretudo os habitués, são
notadamente percebidos, particularmente quando a percepção parte de agentes menos
familiarizados com o estilo de vida dominante como eu e meus ajudantes de pesquisa.
O questionário é composto por 32 questões. A primeira parte avalia aspectos
socioeconômicos, de modo a obter informações gerais sobre o público, uma vez que não
foram encontradas pesquisas secundárias sobre o público dos matinais. Já a segunda parte do
questionário traz perguntas mais abertas com relação à trajetória e aos gostos dos
entrevistados, o que de certa forma transformou-se em entrevistas. Este questionário
intentava, portanto, compreender como o gosto pela cultura em geral foi formado e,
especialmente, o da cultura musical. Em resumo, através deste instrumento tentei visualizar se
a prática de concerto é homóloga a outras práticas dominantes, ou seja, o quanto meus
informantes têm familiaridade com um conjunto de bens simbólicos denominados
“legítimos”. Lanço luz na ideia de distinção social, ou seja, o gosto dominante é revelador da
posição social dos indivíduos. Como afirma Setton (2010), as práticas classificam de forma
hierárquica os grupos sociais. Com isso, os dados obtidos através da análise dos questionários
permitiram-me dividir o público dos concertos noturnos e dos concertos matinais em três
93

grupos que denominei de – cultivados, ecléticos e dominados. Averiguei diferenças no


contingente de cada um desses grupos conforme o tipo de concerto, conforme pode ser visto
na tabela abaixo.

Tabela 2 - Porcentagem dos três tipos de grupos


Grupos Matinais Noturnos
Dominados 52% 27%
Ecléticos 39% 35%
Cultivados 9% 38%
Fonte: o autor (2016)
Percebi que a maior parte do público dos matinais é formada por pessoas que têm os
hábitos mais “dominados”, ou seja, apreciam bens simbólicos de ordem mais comercial, ao
passo que o índice de frequentados com hábitos “dominantes” é maior no público dos
concertos noturnos. O ecletismo, por sua, vez mescla as disposições dos informantes, já que é
um grupo que equilibra a disparidade do percentual entre os “dominados” e os “dominantes”.
Informo ainda que o questionário procurava identificar as disposições e práticas a
partir das preferências declaradas dos agentes em relação à televisão e ao rádio; ao tipo de
esporte, à exposição de arte; leitura de jornal, revistas e livros; à frequência ao cinema, teatro
e museu; à audição de música, indumentária e à bebida. As análises e nuanças que os dados
proporcionaram à pesquisa estão expostas abaixo.

4.1. Perfil do público dos concertos de horário nobre


“(...)a arte não é necessária como a comida, mas nem por isso é dispensável”147

Em um primeiro momento analiso de modo geral148 o público que denomino


“legítimo” e, em seguida, apresento uma visão mais específica para depois tratar das práticas
culturais.
A amostra do público noturno, como afirmei, é composta por 98 informantes, entre os
quais 55% mulheres e 45% homens. A faixa etária variou muito: embora a maior parte dos
entrevistados tenha de 30 a 39 anos (24%), a presença de idosos é grande e visível nesses
concertos, pois 25% têm idade acima de 60 anos. No que diz respeito à situação matrimonial,
os solteiros somam a maior parte (46%), embora aqueles que se declaram casados também
formem um grande número (44%).

147
Frase dita por uma informante quando questionada sobre sua relação com as manifestações artísticas.
148
Cujos gráficos encontram-se nos anexos.
94

A maior parte do público nasceu e vive em São Paulo ou na região metropolitana. Há,
claro, alguns que vêm de fora (de outras cidades, estados e países), já que a Sala São Paulo e
outros equipamentos da região certamente fazem parte do roteiro turístico dos visitantes e
deve movimentar muito o setor do turismo149. Mas também há estrangeiros radicados no
Brasil que vêm a trabalho ou por causa dos estudos.
Tabela 3. Local de Moradia do Público Noturno
Local de Moradia do Público Noturno
São Paulo 72%
Grande São Paulo 11%
Interior de São Paulo 7%
Outros Estados 8%
Outros Países 2%
Fonte: o autor (2016)
Apesar das impressões dadas pelas etnografias de que o público “legítimo” da Sala
São Paulo é formado majoritariamente por pessoas brancas era pertinente inserir no
questionário uma questão sobre a cor de pele para constatar essa impressão.

Gráfico 1 – Cor de pele público noturno

Cor de pele
2%
4%
7% branco
7% pardo
negro
n. decl.
80%
outros

Fonte: o autor (2016)


Não foi surpresa que 80% das pessoas declarassem ter a pele branca, uma vez que a
presença de negros é escassa nos concertos. Interessante que tal como nos afirmou

149
Veja no portal da prefeitura da cidade de São Paulo – “O que visitar”. Disponível em:
http://www.cidadedesaopaulo.com/sp/o-que-visitar/pontos-turisticos/222-sala-sao-paulo. Acesso em 12/01/2016.
95

Schwarcz150 (2012), há pessoas que sentem dificuldade para dizerem a sua cor, pois 2% não
souberam ou não se declararam, ao passo que alguns citaram cores como “canela”, “morena”,
“mestiço”. Essa questão gerou algumas situações embaraçosas, sobretudo quando o
entrevistado mostrava o braço como quem diz “é evidente que sou branco”, por exemplo.
Os informantes declararam exercer as mais diversas profissões. Aquelas de maior
prestígio social, como profissionais liberais (advogados, médicos, engenheiros, arquitetos), e,
em menor medida, as profissões ligadas à área da administração, tais como gerentes e
contadores. Em seguida, um público muito ligado à arte: cantores líricos, músicos, designers,
diretores de arte, produtor cultural. Alguns profissionais mais modestos também estão
presentes na Sala São Paulo, tais como uma costureira, um eletricista, um funcionário de
gráfica e um vendedor. Esses casos chamaram minha atenção porque não esperava encontrá-
los nos concertos noturnos por serem mais comuns nos concertos matinais, haja vista que se
trata de um programa de “inclusão cultural”.

Tabela 4 - Correspondências entre as categorias sócio- profissionais e grupos sócio- profissionais


Grupos Profissionais Categorias Profissionais
Percentuais

Pequenos agricultores
Operários agrícolas
Agricultores médios
Agricultores de grande exploração
Artesãos, comerciantes Artesãos, comerciantes e empresários 1%
Profissionais liberais
Professores universitários
Executivos do Serviço Público
Quadros superiores e
profissões intelectuais Profissionais da informação, artes e
entretenimento
Profissionais de vendas e estruturas 43%
administrativas de empresas
Engenheiros e gerentes técnicos
Professores de escola, professores e
assimilados
Profissões intermediárias - profissões de
Profissoes intermediárias Saúde e Assistência Social
Clero, religiosos
16%
Profissionais associados administrativas
Serviço Público
Profissionais de nível intermediário-
administrativa, negócios

150
Schwarcz, Lilia (2012). “Nem Preto Nem Branco, Muito Pelo Contrário – cor e raça na sociabilidade
brasileira”, pesquisa que trata da dificuldade dos brasileiros em assumir a cor da pele.
96

Técnicos de nível médio


Supervisores
Funcionários civis e oficiais de serviço de
serviço público
Funcionários Policiais e militares
Funcionários administrativos corporativos
5%
Empregados do comércio
Dos trabalhadores dos serviços pessoais
Trabalhadores não qualificados
Trabalhadores qualificados do tipo artesanal
Trabalhadores
Motoristas
Empregados de manutenção, vendas e 4%
transportes
Empregados não qualificados do tipo
industrial
Antigos operários agrícolas
Antigos artesãos, comerciantes e
Aposentados
empresários
Antigos executivos
9%
Antigos profissionais de nível médio
Antigos funcionários e trabalhadores
Desempregados que nunca trabalharam
Outras pessoas sem
Alunos, universitários, donas de casa
ocupação 6%

Fonte: o autor (2016)


O público dos concertos noturnos é heterogêneo no que diz respeito aos grupos
profissionais, mas entre eles há uma importante representatividade (43%) de profissionais
liberais (advogados, arquitetos, engenheiros), professores universitários, músicos e artistas.
Dentro desse espectro, analisei as profissões conforme os grupos dominados, ecléticos e
dominantes com o intuito de ver alguma ligação entre as profissões e o gosto cultural. Com
relação aos dominantes, 53% exercem profissões liberais ou profissões que podemos chamar
de intelectualizadas, tais como professores universitários e também profissionais ligados às
artes. Já no grupo dos ecléticos, há também além das profissões liberais (27%), há também a
presença de grupos profissionais intermediários (professores de nível médio, profissões
ligadas à computação, funcionários públicos). O grupo dos dominados é mais heterogêneo há
donas de casa, aposentados, mas também há profissionais de nível médio e superior. Achei
interessantes três médicos constarem no grupo de dominados, junto de profissionais ligados a
funções menos prestigiadas como uma costureira e um mecânico. De maneira geral, vejo que
o tipo de profissão condiciona as escolhas dos indivíduos em relação ao gosto por
determinados bens simbólicos. O caso do grupo dos dominantes dos concertos noturnos
97

mostra que profissões151 mais intelectualizadas ou ligadas às artes influenciam nas práticas
legítimas.
Com relação à religião, embora os católicos tenham boa representatividade (31%),
posso considerar que esse número seja um tanto quanto induzido, pois as pessoas pensam um
pouco antes de responder, pois dizem “posso dizer que sou católico” ou “não pratico”. Em
contrapartida, os evangélicos (pentecostais e não pentecostais) somam 23%, o que pode ser
considerado um reflexo do aumento do número de evangélicos no Brasil, conforme
pesquisas152 já deixaram claro. Um número grande de entrevistados disse não ter religião
(23%) e surgiram casos pontuais declarando-se: “católica e espírita”, adventista, umbandista,
eclético, espiritualista, cristãos, messiânica, budista.

Gráfico 2 – Religião público noturno

Religião

católico

3% evangélico
4%
7% 9%
31% sem
religião
espírita
23%
23% judeu

agnóstico

outros

Fonte: o autor (2016)


É interessante analisar um informante específico como um eletricista para verificar a
sua introdução no mundo cultivado, já que na área da Sociologia do Gosto assume-se que a
trajetória individual é um fator primordial para se compreender as disposições estéticas dos
agentes sociais.
Neste caso específico, classifiquei o informante no grupo dos “ecléticos”, em função do
conhecimento musical que ele revelou, pois através da igreja evangélica ele teve maior

151
Para exemplificar, neste grupo temos profissionais como: professor universitário de filosofia, supervisora de
ensino, alto executivo de negócios internacionais, psicanalista, produtor de música, produtor cultural, estilista
entre outros.
152
Dados do censo ibge 2010 confirmam que o “número de evangélicos aumenta 61% em 10 anos,”. Notícia disponível em:
http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html. Acesso em 12/01/2016.
Ou como aponta uma pesquisa publicada na revista exame “católicos serão ultrapassados por evangélicos até 2040”.
disponível em http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/catolicos-serao-ultrapassados-por-evangelicos-ate-2040.
Acesso: 12/01/2016.
98

proximidade com a música de concerto. A partir da entrevista, soube que o mesmo compra CDs
de música “clássica”, frequentou um conservatório musical, toca saxofone alto e é tenor. Era
o primeiro dia dele na Sala São Paulo e estava lá a convite da irmã. Afirmou que teve
influência desse gênero musical desd e a infância através da igreja. Acertou todas as questões
nas quais eu testava o conhecimento e reconhecimento dos compositores, em compensação, em
outros campos posso classificá -lo como “dominado”, pois não vai a cinema, teatro, museu
(nunca foi), assiste a televisão aberta, o livro preferido é a Bíblia, isso para citar alguns
itens.
Esse caso é muito significativo do ponto de vista da presença de um profissional de
nível médio (ele cursou apenas o Ensino Médio) num local tão elitizado socialmente, o que
talvez se explique pelo pertencimento a uma comunidade religiosa: prática típica de estratos
sociais de baixo capital cultural, mas que expõe os frequentadores a gêneros musicais eruditos
durante os cultos e mesmo oferece cursos e a oportunidade de tocar um instrumento. Além
disso, vê-se a influência de instituições como a igreja evangélica na formação de um gosto
cultural dominante, mesmo que seja apenas no campo musical. Há inúmeros casos públicos de
músicos que começaram a carreira cantando ou tocando um instrumento musical na igreja,
católica ou evangélica, tais como Bob Dylan, Elvis Presley, Nina Simone.
A posição política dos entrevistados também foi um dado interessante a ser analisado
para desmistificar várias impressões que eu mesma tinha a respeito não só do lugar, mas do
público. Partia do pressuposto de que por se tratar de agentes provenientes das frações mais
altas da população, o posicionamento político estaria mais “à direita”. Contudo, somente 34%
se declaram de direita, ainda assim percentual maior que de esquerda (25%) o que por sua vez
pode estar relacionado à presença significativa de estudantes e de professores universitários.

Gráfico 3 – Posição política - público noturno

Posição Política

direita

5%4%
6% esquerda
34%
apolítico
26%
centro

25%
centro-
esquerda

Fonte: o autor (2016)


O que mais chamou a atenção foi o alto índice de pessoas que se diziam sem
posicionamento político (26%) da amostra. Uma das frases mais ouvidas que justificavam este
distanciamento com a política era “depois de tudo o que está acontecendo...”. Então percebi
99

que a conjuntura política diz muito em relação ao posicionamento daqueles que não têm muita
proximidade com as discussões políticas. Para sondar esta suposição, quando o informante
não sabia informar sua posição política, perguntávamos qual era o partido com o qual mais se
identificava ou em quem votou para presidente nas últimas eleições. De maneira geral
ouvimos frases como “sou anti-PT, anti-corrupção, anti-Dilma” – o que em parte corresponde
a declarações “de direita”. Em contrapartida, ouvi de um senhor advogado: “sou PT! Não
tenho vergonha de dizer”. Essas frases foram importantes para a classificação final que
realizei de seu posicionamento político, já que muitos não sabiam dizê-lo com clareza, outro
indício de baixo grau de politização.
Já com relação à renda dos informantes, conforme gráfico abaixo, perguntamos a
renda bruta familiar e quantos membros constituem a família e dependem da renda informada,
com isso calculamos a renda individual a partir da renda bruta familiar.

Gráfico 4 - Renda familiar per capita – concertos noturnos

Renda familiar per capita

mais R$ 11820,00 3%
de R$ 7880,00 a R$ 11820,00 5%
de R$ 3940,00 a R$ 7880,00 27%
de R$ 3152,00 a R$ 3940,00 15%
de R$ 2364,00 a R$ 3152,00 11%
de R$ 1576,00 a R$ 2364,00 12%
até R$ 1576,00 17%
até R$ 788,00 8%
sem renda 2%

Fonte: o autor (2016)

A renda familiar é uma informação importante para mensurar as condições de vida de


uma pessoa/família, pois o capital econômico é um vetor que pode influenciar na formação do
gosto juntamente com o capital escolar, dadas as oportunidades que eles podem proporcionar.
Um agente com uma renda considerada alta, dentro dos parâmetros da realidade brasileira,
pode preocupar-se com outras questões além das necessidades básicas, a cultura pode ser um
item priorizado para aqueles que já têm sua subsistência garantida. Conforme aponta o Censo
IBGE de 2010, “as famílias com maior renda (acima de R$ 6.225) gastaram com cultura 9,7%
do orçamento total, R$ 707,33, incluindo nesse valor gastos com a telefonia. Aquelas com
100

menor rendimento (R$ 830,00) gastaram 6%.”153. Em razão do horário do concerto que é
frequentado por um público que aparentemente é possuidor de alto capital econômico, o
maior percentual (27%) ficou entre R$ 3940,00 e 7880,00, mas se analisarmos os gráficos de
uma maneira geral, a renda é bastante diversificada. Atribuo isso ao fato da dificuldade que
tivemos para entrevistar aqueles que pressuponho que eram mais abastados (casais idosos
muito distintos), pois eles chegavam antes para jantar e não tinham muito tempo para
responder ao questionário.
O tipo de transporte também é um fator que denota a posição social dos indivíduos em
São Paulo, também é um elemento que distingue os dois tipos de público, pois à noite a maior
parte vem de carro (47%) ou também utilizam taxi (13%), já que o entorno da Sala São Paulo
é considerado muito “perigoso” devido à degradação social. O transporte público é utilizado
por boa parcela dos entrevistados (33%) – esse dado pode ser explicado pela presença dos
jovens, especialmente aqueles que são contemplados pelo programa Passe Livre
Universitário. Entrevistamos muitos jovens no hall e que de fato não chegavam pela entrada
do estacionamento, mas sim pela entrada da rua, esses informantes eram mais acessíveis.
A escolaridade dos frequentadores dos concertos noturnos é alta, pois 70% têm ensino
superior, entre os quais 23% com pós-graduação. Apenas 4% cursaram até o Ensino Médio.
Por outro lado, a maior parte dos informantes estudou em escola pública (45%), no primário
ou secundário, e 61% estudaram em universidade privada, ou seja, apesar da alta escolaridade,
a maioria do público não frequentou as melhores universidades do país, o que pode ser um
indicador de posição dominada entre os culturalmente dominantes. Os cursos de formação
superior são os mais variados conforme pode ser visto na tabela abaixo.

Tabela 5 - Cursos de Formação Superior – público noturno


Área Representatividade
Administração, Ciências Contábeis, Economia, Negócios Internacionais 16%
Arquitetura, Design, Moda 6%
Comunicação Social 6%
Direito 13%
Engenharias e Computação 16%
Física e Matemática 3%
Humanas – Filosofia, Ciências Sociais, Letras, Pedagogia, Serviço social 18%

153
Pesquisa publicada pela Agência Brasil “Famílias destinam 42% dos gastos com cultura para telefonia,
mostra IBGE. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013-10-18/familias-destinam-
42-dos-gastos-com-cultura-para-telefonia-mostra-ibge. Acesso em 12/01/2016.
101

Medicina, Psicologia, Enfermagem, Fonoaudiologia, Biologia 12%


Música 8%
Turismo e Hotelaria 2%
Fonte: o autor (2016)

Essa amostra revelou que o público noturno tem ligação relevante com a área das
humanidades, haja vista que entrevistei muitos professores de nível médio e universitário. Há
indícios de que a área de humanas é mais propensa a desenvolver um habitus voltado para as
artes legítimas, em razão dos lugares mais alternativos que essas pessoas costumam frequentar
(e isso também está ligado com a posição política dos indivíduos). Mas as engenharias e as
carreiras relacionadas à administração também são bastante acentuada dentre os
frequentadores. Vejo que profissionais dessas áreas têm muito prestígio social, pois
geralmente eles são provenientes das camadas superiores. Neste sentido, aparentemente eles
mantêm o estilo de vida concernente com sua origem social, ou seja, a disposição por bens
simbólicos dominantes. Como o acesso ao ensino superior no Brasil foi apenas recentemente
democratizado, é difícil encontrar pessoas de mais idade com Ensino Superior Completo. Essa
amostra, no entanto, que diz respeito a uma fração da sociedade que tem maior capital
econômico, já é formada por gerações que já têm contato com a educação formal há mais
tempo, já que a maioria, 34% dos pais dos informantes possui ensino superior completo,
seguida de 25% que possui ensino médio completo. Com a escolaridade das mães também
ocorre uma porcentagem parecida, ainda que um pouco abaixo da dos pais, pois a maior parte
(28%) completou o Ensino Superior. Do ponto de vista da sociologia, esses dados são muito
significativos, pois para a formação do gosto estético dos indivíduos, a despeito de outras
condicionantes, a instrução familiar, a introdução da criança no mundo das artes garante a
formação de um gosto mais “puro” ou “desinteressado” Assim, esses informantes, muito
provavelmente tiveram ainda no seio familiar uma tradição de apreciação estética dominante,
em razão da alta escolaridade dos pais que pressupõe uma formação mais ampla que influi na
vida cultural.
Para ilustrar isso, exponho o caso de uma produtora cultural, formada em História
pela PUC, cujos pais têm formação superior. Mostrou -se muito cultivada durante a entrevista,
pois citou disposições não muito comuns. Fala fluentemente inglês e francês. Apre cia arte
contemporânea, diz que gosta de “exposição como linguagem” (Galeria Millan, Paulo Pasta),
lê livros de filosofia, romances clássicos (Cem anos de solidão), assiste a filmes de arte,
compra roupas em brechó. Os pais a ensinaram a ouvir música de co ncerto, participa de
grupos de estudos em casa (de filosofia), disse gostar muito de Debussy e afirmou que “a arte
a desloca do lugar comum”. Do mesmo modo, outro entrevistado que declarou que a ligação
102

com a arte ocorreu porque a sua mãe “queria um filho que tocasse piano”, ou seja, a
influência da família nestes casos é inegável.

Não é por acaso que classifiquei tais perfis como “cultivados”, cujas práticas constam
no quadro 7. Ao contrário do perfil “eclético”, mencionado anteriormente, aqui não se trata do
conhecimento com foco na música e desprovido de outras práticas culturais e educacionais,
mas há uma coerência maior entre as práticas. O que significa que a família, mais do que a
igreja, é o centro de uma educação cultural e legitimação simbólica mais efetiva. Talvez seja
possível dizer que um terço da amostra esteja nesta categoria. Veja-se por exemplo a questão
do domínio de uma língua estrangeira.
Quando questionados sobre o domínio de alguma língua estrangeira, 74% dos
informantes disse que possui alguma familiaridade. Para melhor averiguar esta informação,
foi perguntado também o nível de fluência e 39% disse que (lê, fala e escreve). Essa nuance
foi importante porque o informante poderia apenas dizer que tem proximidade com uma
língua estrangeira, mas só isso não confirma tal domínio. A sondagem acerca do nível de
fluência mostrou que de fato, há aqueles que somente utilizam para ler ou viajar, ou seja, de
modo instrumental.
Sobre a frequência específica à Sala São Paulo, temos algumas informações que
indicam como os agentes passam a gostar de um concerto, ou seja, o que os leva a frequentar
outros ambientes culturais e que tipo de influência sofreram. A maioria dos entrevistados
(76%) é frequentador assíduo e costuma vir com a família ao concerto (51%). Ao contrário do
que imaginei, apenas 28% eram assinantes dos concertos. Parcela significativa afirmou ouvir
música de concerto em casa (75%) e frequenta outros ambientes relacionados a este tipo de
música (57%). Os lugares mais citados foram o Masp, o Theatro Municipal e o Teatro São
Pedro e os SESCs.
Além da influência da família e da comunidade religiosa, a formação do gosto por
música de concerto pode ter outras origens, tal como o ensino voltado para a arte, por meio de
escolas especializadas em formação artística ou prática instrumental. É importante observar
que, entre a maior parte dos entrevistados, boa parte (65%) disse ter recebido ou buscado
algum tipo de ensino artístico fora da escola fundamental. Os tipos de gênero estético foram
os mais variados, tais como curso de música (instrumento, canto), pintura, fotografia ou
desenho. No entanto, apenas 33% dos entrevistados disseram tocar algum tipo de instrumento.
Essa questão é fundamental, pois toca nas relações entre o dominante cultural e o dominante
social. Poderíamos supor que os mais bem providos de capital artístico específico (em
particular os músicos ou cantores) são dominantes no campo das hierarquias culturais? Qual o
103

grau de transposição de recursos específicos em uma área para a formação cultural mais
ampla?
O critério que criei para analisar a ligação dos informantes com o universo da música
de concerto foram questões acerca do conhecimento e do reconhecimento que o público teria
sobre os compositores e suas obras. Perguntei quais eram os compositores que eles mais
gostavam. Muitos informantes (75%) mencionaram os nomes mais conhecidos tais como
Chopin, Mozart e Beethoven. Digo mais conhecidos porque, geralmente, mesmo os agentes
que não têm a menor ligação ou nunca foram a um concerto, sabem que Beethoven é um
compositor importante. Nas palavras de um entrevistado “dos mestres, não têm o que falar,
né?”. Então, parti da ideia de que se o informante citasse nomes menos conhecidos, tais como
Debussy, Berlioz, por exemplo, ele de fato teria um conhecimento mínimo mais aprofundado
acerca desse campo. Contudo, apenas 25% mostraram essa competência. Não quero dizer que
aqueles que citaram Beethoven não conhecem música de concerto, mas ao longo das
entrevistas era possível perceber quem conhecia mais profundamente e quem apenas
reconhecia os compositores eruditos, uma vez que alguns tinham medo de errar. Um dos
informantes ao fim da entrevista perguntou-me: “Eu fui bem? Está de acordo com o que está
procurando?”. Esses casos demonstram o quanto essa pergunta perturbava-os, de modo que
ninguém gostava de demonstrar que não sabia.
A segunda questão para avaliar o conhecimento dos entrevistados era um pouco mais
elaborada e pedia para que eles dissessem o nome dos compositores de cinco músicas. Nesta
pergunta, escolhi cinco compositores e músicas mais famosas neste meio artístico154. Neste
caso, a maioria dos entrevistados (38%) não soube relacionar as músicas a seu compositor,
embora, 33% tenham acertado todas. Essa questão também deixava os agentes muito
encabulados, pois de modo geral, os frequentadores gostam de demonstrar erudição.
Um caso marcante nesse ímpeto de demonstrar refinamento é o de uma médica que
estava acompanhada por um gru po de amigos, todos turistas do Rio de Janeiro. Ela não tinha
muito conhecimento a respeito dos compositores e com relação às práticas , não soube citar
nomes de peças, filme s ou exposições, mas se referiu algumas vezes às suas viagens ao
exterior, enfatizando que só vai a exposições fora do país e citou o museu do Louvre três
vezes.

Esse comportamento ocorreu com outros informantes e creio que recorrer às viagens
ao exterior pode ser uma forma de escapar de perguntas mais específicas para demonstrar
conhecimento cultural geral. Como afirmei anteriormente, o papel do conhecimento artístico
específico no conjunto do capital cultual não é algo necessariamente equivalente. Atente-se

154
Jesus, alegria dos homens (Bach); Danúbio azul (Strauss); A flauta mágica (Mozart); As quatro estações
(Vivaldi); Sonata ao luar (Beethoven).
104

para o fato de que conhecer a França, no caso desse grupo carioca, parece ser mais importante
(ou menos equivalente) do que conhecer a história da música erudita.
Já no grupo dos “ecléticos”, a influência familiar (34%) foi menor, pois a maior parte
dos entrevistados (66%) não tem um gosto muito apurado, nem tampouco este tipo de música
faz parte de seu cotidiano. Ou seja, muitas pessoas passaram a gostar há pouco tempo, foram
influenciadas por amigos, até mesmo pelo “chefe”, um informante disse que “não ouve com
frequência, mas quando ouve, sabe de quem se trata”. Este grupo de “ecléticos” não teve uma
formação no berço e, portanto, o gosto por música de concerto é fluido, esporádico.
Por meio das respostas dos agentes que classifiquei como “dominados” ficou
evidenciado que a família teve pouca importância no engendramento do gosto por música
clássica, pois alguns estavam no concerto por motivos aleatórios – “o aniversário da filha”,
porque eram turistas, porque tem algum amigo ou familiar que ia se apresentar ou porque o
ambiente é “agradável”.
Informei no início que encontrei três grupos distintos de frequentadores no que diz
respeito às práticas culturais – cultivados, ecléticos e dominados. A partir disso, tentei avaliar
as influências que tais agentes sofreram para ter maior ou menor conhecimento não apenas em
relação à música de concerto, mas no que se refere às práticas culturais como um todo. Assim,
no geral, 47% disseram que foram iniciados ainda no âmbito familiar, seguidos de 28% que
atribuem o ingresso no mundo da cultura através dos amigos, e 13% dos entrevistados disse
que foi por meio da escola. Outras interferências citadas foram: mídia, o trabalho, a igreja e a
faculdade.
Gráfico 5 – fatores de influência de frequentação – público noturno
família escola amigos outros

12%
47%
28%

13%

Fonte: o autor (2016)


A mídia influência a frequência daqueles que não têm uma formação cultural mais
voltada para o gosto legítimo. Por exemplo, nas exposições que batem record de público
(Kandinsk, Frida Kahlo, Joan Miró – para citar alguns casos recentes de São Paulo ), o
trabalho dos meios de comunicação interfere no sucesso das bilheterias. No entanto, a
105

presença do público habitué também é notável. Mas por si só, essa prática não é um sinal de
uma vida cultural ativa, pois tais atividades podem ser praticadas num puro espírito de
entretenimento. Os equipamentos culturais de grande porte, tais como o Centro Cultural do
Banco do Brasil, Instituto Tomie Otake e a Pinacoteca geralmente usam esta eficaz forma de
divulgação e obtêm uma média de público considerável, que pode ser tanto fugaz como fiel.
Daí a importância de se estimar não apenas a ida a tais eventos específicos, amplamente
divulgados pela mídia, mas a frequência e a variedade dessas práticas. Como a visitação é
impulsionada pelas grandes mídias, muitas vezes a ida a uma exposição dessas de grande
porte, torna-se uma “obrigação” por um efeito de moda – de modo que mesmo aquelas
pessoas não muito cultivadas prestigiam o evento para mostrar que estão bem informadas.
Para detalhar um pouco mais, separei as diversas influências de acordo com o “grupo”
em que meus informantes estão classificados. No grupo dos “cultivados”, 43% disseram que
aprenderam a gostar de música de concerto com a família, “a tia era pianista”, “a mãe deixava
o rádio ligado”, “o avô italiano gostava de ópera”, “a mãe era bailarina”. No entanto, muitos
passaram a gostar a partir da idade adulta e as influências foram as mais diversas, como uma
musicista que passou a ter familiaridade “tocando em projeto social”, ou outro informante que
atribui ao conservatório que passou a frequentar na adolescência a formação do seu gosto
musical. As outras influências são mais dispersas e pontuais, tais como o convívio com
amigos (muitos vêm a convite de amigos), “depois que se casou”, alguns afirmam ser
“autoditadas”.
Abaixo, seguem as informações que obtive a partir das entrevistas e que nortearam a
classificação que fiz de meus informantes.

Quadro 7 - Práticas culturais citadas pelos informantes


PRÁTICAS CULTIVADOS ECLÉTICOS DOMINADOS
Jornais, entretenimento, Noticiários,
TV Cultura, Séries, Documentários. novela, filmes, seriados, humorístico,
Televisão “cada vez menos”; “pouco”; documentários, musicais. TV Novela, culinária,
“de vez em quando” fechada. entrevistas, reportagens,
“tudo” seriados, filmes.
Cultura, CBN, Jovem Nativa, Jovem Pan,
Cultura, Kiss FM, Usp, Pod Casts, Pan, Band News, Radio Rock, Metropolitana, Band
Rádio
RFI, Antena 1, Nova Brasil, Eldorado Transamérica, Metropolitana, News, Sulamérica, CBN.
Usp, Nova Brasil.
Academia, tênis, natação, artes Corrida, futebol, Corrida, natação,
Esportes
marciais, pilates, ioga, condicionamento ginástica, natação, dança, tênis, academia, ginástica,
106

físico. academia. caminhada, bicicleta.


Arte contemporânea, pintores Escultura, realistas, 59% não
românticos, arte moderna, galerias, pintura, impressionista, egiptologia, frequentam.
escultura, instalações, abstracionismo, Kandinsky, Miró, Frida, “todas”
Galeria Millan (Paulo Pasta), arte barroca, Picasso. “quadros”
Exposições
Kandinsky, Frida, Kafka, Dalí, Miró, Yayoi “Vou ao MoMA” “não tem
Kusama. “Não manjo muito” preferência”
“meio do ano em Viena” “Quando viajo” “Dificilmente. Não
é a minha praia”
Jornalistas livres / independentes O Povo, Revista Época, Veja, G1,
Economista / Valor Econômico Concerto, Folha, Estadão, Carta Isto é, Planeta, Folha, Veja
Jornal e
Blogs. Revistas acadêmicas Capital, Veja, História em 4 rodas, Blog de moda, O
Revista
Carta Capital, The New York times, quadrinhos, Isto é, Marie Claire, Globo, Estadão, Exame,
Uol Nova, Época. Revista Virtual, Glamour.
Violência urbana, Bíblia,
Literatura Russa, história, Ciências, Espiritualistas, Medicina Didáticos, Bíblia,
Técnicos, Ciência Política, Sociologia, Alternativa, Policial, Aventuras, Filosofia, Ficção,
Filosofia, Literatura Brasileira, Astronomia, Jornalísticos, Best Sellers, Financeiros, Política.
Livros
Poesia, Divulgação Científica, Clássicos Crônicas, Filosofia, Auto-ajuda, Infantil.
(Proust, Jorge Amado, García Márques, Antropologia,
Tolstoi) “menos os mais
vendidos”
Drama, europeu, argentinos, de arte, 59% não frequentam.
documentários, mediterrâneo, animação. Ficção, Ação, Policial, “sou fraco para filme”
Cinema
“que nos fazem refletir” Europeu, aventura. “um bom romance”
“não vai a blockbuster”

Sescs, Roosevelt (Sátiros), Ead Usp, CCBB 54% não frequentam.


Bixiga, Aternativo (Trotsky) Contemporâneo Comédia, Musical,
“que não seja popular, algo que Infantil Expressão Corporal
Teatro
acrescente” Musical “não gosto de drama”
“não costuma ir à comédia” Comédia
“Clássico! O básico todo mundo
tem que ver”
MASP, MAM, MIS, MAC, Galleria Uffizi (Florença), MASP
Pinacoteca, Estação Pinacoteca, Museu da Edifício Matarazzo, Museu do Museu Ipiranga,
Casa Brasileira, Museu de Ciências Futebol, Caixa Cultural, Museu Museu do Futebol
Museu
(Londres), Museu da República, do Catavento, Solar da Museu da L. Portuguesa
Schönbrunn (Viena), Museu da Arte Sacra, Marquesa de Santos (RJ), 81% não vão.
Museu Afro Brasil, Casa Modernista, MASP, MAM, MIS, Museu da
107

Instituto Tomie Ohtake Língua Portuguesa, Museu do


Vaticano, Louvre.
Indie Rock, Rock (clássico, anos 70, Pop, MPB, Jazz, Rock Clássica, Popular, Seresta,
progressivo, metal), MPB, Blues, Bossa Nacional, Rock (Heave Metal, Samba, Jovem Guarda,
Nova, Soul, Música Erudita, Samba, progressive, pop/rock, clássico, MPB, Pop/80, Sertanejo,
Chorinho, Jazz. anos 80), Soul, Eletrônico, Country, Românticas,
Música
“música boa – Chico, Milton, Bossa Nova, Instrumental, Internacionais, Rock, Jazz.
Caetano, Bethania” Forró, Maracatu, Romântica
“tudo menos ‘funk’, pois promove a Internacional.
coisificação da pessoa” “gosto de tudo”
Grife: Fendi, Prada, Levis, Grife fora do Brasil
Promoções, onde for barato, lojas Lacoste, Loius Vuitton, Mr. Grife carioca
Roupas populares, lojas de rede, brechó, fora de Kitsch. Lojas populares. Garbo
moda, bazar com desconto, grife dos EUA. “roupa boa” 19% compram roupas de
grife
Vinho: 23% Vinho: 16%
Variado (vinho, cerveja, champanhe): 48% Variado (uísque, vodca, Cerveja ou vinho: 42%
Bebidas Não bebe: 29% cerveja): 23% Variado: 16%
Cerveja ou uísque: 16% Não bebe: 42%
Não bebe: 45%
Fonte: o autor (2016)

Vemos diferenças importantes nas práticas dos três grupos. À medida que analisamos
cada prática na linha horizontal, vemos que as práticas vão se popularizando, ou seja, as
disposições dos “cultivados” são mais “puras” e ganham um caráter mais comercial quando
tratamos do gosto dos “dominados”. Só para exemplificar, há disparidades no gosto pela
leitura, de maneira que grandes clássicos da literatura constituem o gosto dos mais cultivados,
ao passo que os ecléticos conseguem misturar o gosto por best sellers e livros de filosofia. O
item das exposições é um dos que mais chamam a minha atenção, pois 59% dos dominados
simplesmente não realizam essa prática, ao passo que 99% dos cultivados frequentam de
maneira assídua vários tipos de exposição. Essas disparidades ocorrem em quase todos os
itens. De maneira inversa, por exemplo, a prática de assistir à televisão é maior dentre os
dominados (99% assistem), em contrapartida, dentre os dominantes, esse percentual cai para
18%. Ou seja, uma prática mais ilegítima faz mais parte do estilo de vida dos mais
dominados. Da mesma forma, os cultivados praticam com mais frequência as práticas
dominantes.
108

4.2. Análise dos questionários – concertos matinais


“A desigualdade cultural é também fundada na desigual plasticidade dos repertórios
mobilizáveis e da mestria de sua mobilização nos contextos adequados que
constituem em si mesmo em competência desigual estruturada segundo o volume de
capital cultural e social”. Erickson (1996 apud Coulangeon (2010).

Foram aplicados 112 questionários com os frequentadores dos concertos


matinais. Dentre eles, 65% eram do sexo feminino. Isso não significa necessariamente que as
mulheres sejam maioria nos concertos (aparentemente sim), mas que elas têm maior
predisposição para responder ao questionário. Em muitas ocasiões, quando estavam em casal,
o homem ou fez brincadeiras do tipo “quando você paga por questionário?” ou não gostavam
que a cônjuge respondesse. Durante o trabalho de campo, portanto, muitas nuanças são
percebidas e talvez o maior número de informantes do sexo feminino se deva a esse tipo de
comportamento em relação ao papel e ao contexto de uma entrevista direta e não agendada.
Pode-se considerar que o público do matinal é constituído por adultos jovens, pois
49% dos informantes declararam ter idade entre 20 e 39 anos. A porcentagem de idosos foi
baixa, apenas 10%. Com relação ao estado civil dos meus informantes, metade deles é
solteiro e 38% são casados. Uma característica dos matinais é a presença de jovens casais com
crianças pequenas, crianças que por sinal gostam muito das apresentações, pois chegam a
dançar e fazer coreografias, outras formas de controle do corpo.
O transporte público é o mais utilizado pelos frequentadores dos matinais (55%). O
horário do concerto talvez estimule o público a utilizar trem e metrô, visto que durante o dia é
maior a circulação de transeuntes nas adjacências da Sala São Paulo, diferentemente do que
ocorre à noite quando muitos consideram andar pelas ruas da região “perigoso”. Outros
utilizam ônibus de excursão, bicicleta ou mesmo caminham, pois moram perto da Sala (10%).
Por outro lado, há uma parcela do público que utiliza o próprio veículo (35%).
Como acontece nos concertos noturnos, o maior número dos frequentadores tem a pele
branca (72%), ainda que nos matinais a porcentagem de negros seja maior. Este dado pode
estar ligado a fatores socioeconômicos, uma vez que há uma parcela menos abastada se
comparada com os frequentadores habitués, como também ao fato de alguns integrantes das
orquestras que se apresentam nos matinais serem negros e, por conseguinte, a família vem
prestigiá-los. Além do mais, há algumas excursões das ONGs e que frequentam a Sala e que
convidam parte do público dos matinais, conforme as etnografias evidenciaram. Em menor
percentual estavam presentes frequentadores de cor amarela (3%) e os que se declararam
“morenos” (3%).
109

No que diz respeito às ocupações, agrupei as respostas profissões conforme os grupos


delimitados acima (cultivados, ecléticos e dominados). Isso porque queria testar se os
indivíduos que ingressam na vida artística ou cultural levados pela família seriam os mesmos
que ocupariam posições superiores na hierarquia profissional ou se haveria autonomia relativa
entre os dois grupos. No grupo dos “dominados”, há profissionais que desfrutam de maior
reconhecimento social, tais como engenheiros, advogados, médicos, por exemplo, cujo gosto
cultural não é dominante.
Como é caso de um jovem médico, João (nome fictício) que não vai a teatro, cinema,
museus, só lê livros de sua área de trabalho, joga futebol e o estilo favorito de música é o
rock. Não soube citar um tipo de exposição preferida. Seu contato com a arte, no entanto, dá -
se através das aulas de música, pois toca violão, guitarra, bandolim e gai ta. A baixa
frequência a práticas e lugares culturais também se dá com outros profissionais, arquitetos,
engenheiros, professores, publicitários, ou seja, agentes que eu como pesquisadora, esperava
terem disposições mais cultivadas.

Esse é um fenômeno que já mencionamos acima, ou seja, muitas vezes o


conhecimento de música e mesmo a prática de um instrumento não condiz com um estilo de
vida cultivado, mas está circunscrito a uma expressão única de uma vida socialmente
dominante, mas culturalmente dominada. Há profissionais que têm ocupações mais modestas
do ponto de vista da hierarquia social, tais como carteiro, cabeleireira, inspetora de alunos e a
julgar pelo seu posicionamento no espaço social, suas práticas são congruentes, ou seja,
possuem um gosto mais popular.
Esse é o caso de uma atendente de farmácia que assiste a novelas, programas de
culinária, gosta de romances policiais e quando vai ao teatro, prefere os musicais. Seu estilo
de música preferido é o sertanejo. Chegou à Sala São Paulo a convit e de amigos e nunca
recebeu nenhum tipo de ensino voltado para arte. No entanto, acertou três músicas na questão
sobre conhecimento e reconhecimento dos compositores.

É preciso, pois, para se compreender a função da arte na vida desse público, conhecer
o conjunto de suas práticas e sua posição social. A maior ou menos coerência, contudo não
invalida a análise em seu conjunto, vista como tendência de resultado de uma força de atração
por homologia de posição.

Tabela 6. Correspondências entre as categorias sócio- profissionais e grupos sócio-profissionais

Grupos Profissionais
Categorias Profissionais Percentuais

Pequenos agricultores
Operários agrícolas
Agricultores médios
Agricultores de grande exploração
Artesãos, comerciantes Artesãos, comerciantes e empresários 4%
110

Profissionais liberais
Professores universitários
Executivos do Serviço Público
Quadros superiores e
Profissionais da informação, artes e 26%
profissões intelectuais
entretenimento
Profissionais de vendas e estruturas
administrativas de empresas
Engenheiros e gerentes técnicos
Professores de escola, professores e
assimilados
Profissões intermediárias - profissões de
Saúde e Assistência Social
Clero, religiosos
Profissoes intermediárias 28%
Profissionais associados administrativas
Serviço Público
Profissionais de nível intermediário-
administrativa, negócios
Técnicos de nível médio
Supervisores
Funcionários civis e oficiais de serviço
público
Funcionários Policiais e militares
13%
Funcionários administrativos corporativos
Empregados do comércio
Dos trabalhadores dos serviços pessoais
Trabalhadores não qualificados
Trabalhadores qualificados do tipo artesanal
Trabalhadores Motoristas
11%
Empregados de manutenção, vendas e
transportes
Empregados não qualificados do tipo
industrial
Antigos operários agrícolas
Antigos artesãos, comerciantes e
Aposentados
empresários
Antigos executivos
2%
Antigos profissionais de nível médio
Antigos funcionários
Antigos trabalhadores
Desempregados que nunca trabalharam
Outras pessoas sem 15%
Alunos, universitários, donas de casa
ocupação

Fonte: o autor (2016)

As categorias profissionais encontradas nos matinais apontam que dentre o grupo dos
dominados, 20% são de profissionais de grupos superiores, como os profissionais liberais,
mas a maior parte dos dominados (25%) exerce profissões de nível intermediário. Vejo que é
111

muito interessante no grupo dos dominados culturalmente, constarem pessoas de diferentes


grupos profissionais, uma vez que é mais fácil aceitar que uma cabeleira ou uma atendente de
farmácia possam ter gostos culturais mais voltados para o popular, como acontece neste grupo
(dominados dos concertos matinais); mas o caso de um psicólogo, por exemplo, por ser uma
profissão concernente aos quadros superiores, destoa um pouco do que afirmei na análise dos
concertos noturnos, pois se espera que este tipo de profissional tenha uma bagagem cultural
minimamente expressiva.
Esse psicólogo, que apesar de ir a concertos semanalmente e ter acertado quatro das
cinco questões que mediam o reconhecimento/reconhecimento dos compositores, com relação
às outras práticas o seu conhecimento é incipiente, não soube dizer o tipo de exposição de arte
que mais aprecia, apenas lê livros técnicos, não vai a teatro, nem a cinema, não citou nenhum
ambiente cultural da cidade além da própria Sala São Paulo, ou seja, seu contato com a
cultura legítima se dá apenas no âmbito da música de concerto (vai a outros concertos, ouve
este estilo musical em casa). Neste caso, portanto, a formação não teve grande influência na
ampliação do gosto cultural legítimo.

Já à medida que analisei as categorias profissionais dos “ecléticos”, vi que 35% é


formado por profissionais que ocupam os quadros superiores – gestor cultural, advogado,
musicista – como também ocupações intermediárias (29%), como professor de nível médio,
bancário, assistente administrativo. No caso dos ecléticos vejo uma relação mais forte entre os
grupos profissionais e a propensão a ter um gosto parcialmente legítimo. Os “cultivados”, por
sua vez, exercem as profissões de quadros superiores (30%) - arquiteto, produtor de elenco,
artista plástico - como também dos quadros intermediários (40%), sobretudo professores de
nível médio. Segue abaixo a tabela dos cursos de formação superior dos frequentadores dos
matinais.
Tabela 7 – Área de Formação Superior – matinais
Área Representatividade
Administração, Economia, Recursos Humanos 19%
Arquitetura, Design, Moda, Artes, Cinema 15%
Comunicação Social 6%
Direito 5%
Engenharias, Computação, Matemática 13%
Humanas – Filosofia, História, Letras, Pedagogia 17%
Medicina, Psicologia, Enfermagem, Fonoaudiologia, Biologia 14%
Música 10%
Fonte: o autor (2016)
O público dos matinais tem formação ampla e diversificada. Vemos a presença de
informantes ligados à área dos negócios (administração e economia), mas também há forte
presença dos profissionais ligados à educação, sobretudo os cursos voltados para formação de
112

professores. A presença de pessoas que atuam na área artística também é relevante, o que
denota que o público dos matinais tem uma propensão a desenvolver um gosto cultural mais
cultivado.
Esta pesquisa indica que o público dos matinais também tem alta escolaridade, pois
53% completaram o ensino superior (dentro desse índice, 20% concluíram a pós-graduação).

Gráfico 6. Escolaridade – público matinais

Escolaridade
Ens. Médio Ens. Sup. Incomp.

Ens. Sup. Completo Pós-graduação

outros
10%
20%
20%
17%

33%

Fonte: o autor (2016)


Para confirmar a realidade brasileira no que diz respeito à disparidade entre o tipo de
escola e universidade frequentadas, apresento os gráficos abaixo. É interessante verificar que
poucos alunos de escola pública ingressam nas universidades públicas.

Gráfico 7. Tipo de Escola – público matinais


Gráfico 8. Tipo de Universidade – público matinais

Tipo de Escola Tipo de Universidade

ambas 20% privada 79%


privada 20%
pública pública 21%
60%

Fonte: o autor (2016)

Surpreendeu-me o grau de escolaridade dos pais de meus informantes, pois é muito


difícil ver pessoas mais velhas com nível superior completo como ocorre nesta amostra,
conforme apontam os gráficos acima. Por outro lado, o percentual é de apenas 20% e estamos
na cidade de São Paulo que, comparativamente ao Brasil, apresenta taxas de escolarização
superior maiores.
113

Gráfico 9. Escolaridade do pai – matinais Gráfico 10. Escolaridade do mãe - matinais

Escolaridade do Pai Escolaridade da Mãe

Pós-graduação 3% Pós-graduação 2%
Ens. Sup. Completo 20% Ens. Sup. Completo 20%
Ens. Sup. Incomp. 4%
Ens. Sup. Incomp. 7%
Ens. Médio 25%
Ens. Médio 21%
Ens. Médio Incomp. 5%
Ens. Fund. Compl. 25% Ens. Fund. Compl. 18%
Ens. Fund.Incomp. 17% Ens. Fund.Incomp. 22%
Nunca estudou 7% Nunca estudou 4%

Fonte: o autor (2016) Fonte: o autor (2016)

De fato, a maior parte dos frequentadores mora em São Paulo ou na Região


Metropolitana. Entrevistamos poucos turistas, como pode ser visto na tabela abaixo,
diversamente do que ocorre nos concertos noturnos, não tivemos nenhum informante
estrangeiro.
Tabela 8 - Local de Moradia do Público dos Matinais
Local de Moradia do Público dos Matinais
São Paulo 7
1%
Grande São Paulo 1
5%
Interior de São Paulo 1
1%
Outros Estados 3
%
Fonte: o autor (2016)
No que diz respeito à variável religião, é preciso fazer uma importante relação entre
prática religiosa e vocação musical. A partir desta pesquisa, vejo que a religião evangélica
propicia especialmente a jovens pertencentes às classes baixas, o contato com a música de
concerto, haja vista o tipo de formação das bandas que se formam nas igrejas. O violino é um
instrumento muito comum nas igrejas evangélicas, além dos órgãos e teclados. Coisa que
ocorre de maneira diferente, por exemplo, na igreja católica, que malgrado haja formação de
banda, não há um incentivo de apresentações musicais e de dança como ocorre nas igrejas
evangélicas. Além disso, a banda na igreja católica geralmente é formada por apenas um
grupo que não se renova. Sendo assim, a grande incidência de evangélicos nos matinais
(32%), explica em parte a presença deles na Sala São Paulo. Embora a maioria ainda seja
constituída de católicos (38%), o que explica em parte pela maior proporção de católicos no
114

país (em São Paulo) em relação a evangélicos. Ainda neste contexto, outros informantes
disseram seguir crenças diversas: “várias”, “Deus”, “cristã”, ateu, budista, adventista.
No que se refere à posição política, quase a metade (48%), afirma não entender ou não
ter interesse por política ou responderam: “contrários ao poder”; “isentos”; “não tenho
noção”; “apolítica”; “depende da ocasião”. Já aqueles que se posicionam, mantiveram
praticamente empatados (direita “25%” e a esquerda “24%”). Ao conversar com o público
avaliei que as pessoas mais engajadas politicamente, sobretudo as que dizem ser de
“esquerda”, têm maior propensão a frequentar lugares mais alternativos – ou culturalmente
legítimos (teatros, cinemas, exposições) ou o que chamam de arte marginal. Por exemplo,
uma informante citou a peça que iria estrear sobre a vida das guerrilheiras no Araguaia. Ora, a
escolha por uma peça engajada está intrinsecamente ligada ou à prática ou ao menos à
simpatia pela esquerda, haja vista o conteúdo político que permeia o roteiro. Outros agentes
de esquerda citaram o filme “Que horas ela volta”, dirigido por Anna Muylaert, como um dos
preferidos, o filme que trata do acesso dos menos abastados às universidades públicas, bem
como das problemáticas enfrentadas pelas empregadas domésticas. É uma temática e um
posicionamento crítico que muito diverge do pensamento daqueles que se denominam de
“direita”, o que leva a afirmar que a posição política é algo que reverbera na escolha das
práticas simbólicas.
A renda bruta familiar dos frequentadores dos matinais segue abaixo junto com o
gráfico dos concertos noturnos para visualizarmos com mais clareza a diferença entre os
públicos neste quesito.
Gráfico 11. Renda familiar per capita - matinais Gráfico 12. Renda familiar per capita - noturno

Renda familiar per capita - matinais Renda familiar per capita - noturnos

mais R$ 11820,00 1% mais R$ 11820,00 3%


de R$ 7880,00 a R$… 11% de R$ 7880,00 a R$… 5%
de R$ 3940,00 a R$… 27%
de R$ 3940,00 a R$ 7880,00 11%
de R$ 3152,00 a R$… 15%
de R$ 3152,00 a R$ 3940,00 11%
de R$ 2364,00 a R$… 11%
de R$ 2364,00 a R$ 3152,00 14% de R$ 1576,00 a R$… 12%
de R$ 1576,00 a R$ 2364,00 24% até R$ 1576,00 17%
de R$ 788,00 a R$ 1576,00 24% até R$ 788,00 8%
sem renda 4% sem renda 2%

Fonte: o autor (2016)


Assim, vemos que há praticamente há uma inversão gráfica, pois a renda familiar per
capita do público dos matinais é inferior à renda dos frequentadores dos concertos noturnos.
Houve alguns empates nas faixas salariais, mas vemos que a maioria (48%) tem renda
115

relativamente baixa. No entanto, os matinais também são frequentados por um grupo mais
intelectualizado (26%) – formado por profissionais liberais, professores, profissionais ligados
às artes – o que explica o percentual relevante como uma renda per capita acima de R$
3940,00. Mesmo havendo um contingente de pessoas que têm uma renda relativamente alta, a
maior parte dos frequentadores dos matinais (52%) revelou ter disposições consideradas
“dominadas”, sendo assim, o gosto por bens simbólicos “legítimos”155, não está intimamente
ligado a uma questão de renda apenas. Isso também serve para os frequentadores dos
concertos noturnos, pois a classe economicamente dominante não necessariamente consome
cultura dominante.
Nos matinais, a ocorrência de quem não domina um idioma estrangeiro é maior do que
nos concertos noturnos (49%). No entanto, boa parte daqueles que estudaram outras línguas,
afirma ter um bom nível de fluência (74%). O público dos matinais, de fato é formado por
agentes não habitués, isto é, aqueles que não tiveram no seio familiar uma formação escolar e
cultural mais completa. A falta de domínio de línguas estrangeiras denota a defasagem escolar
de muitos agentes, coisa que pude verificar durante as entrevistas quando alguns agentes
sentiram-se mais à vontade para falar de sua trajetória.
Um jovem produtor de elenco que afirmou sua visão de mundo, bem como as práticas
culturais, não condiziam com o seu cotidiano na periferia, pois quando morava na zona leste
de São Paulo, ele não podia, por exemplo, vestir-se como queria, coisa que segundo ele não
ocorreria no centro da cidade ou na Avenida Paulista, onde não mais se preocupa com os
olhares de reprovação de terceiros. É estudante de História, morou em Londres e passou a ter
um gosto mais legítimo a partir do contato que teve com atores. Gosta de fotografia, de teatro
“underground”, lê livros de ciência política (Caio Prado), assiste a filmes europeus e
nacionais (práticas que me fizeram classificá -lo como um dos poucos dominantes que encontre i
nos matinais). Este chamou a minha atenção devido ao fato de ser um caso nítido de
mobilidade social, em razão do volume de capital cultural adquirido no decurso de sua
trajetória.

Os agentes também foram questionados acerca dos fatores que condicionam a


frequentação aos concertos, assim como também a outros lugares culturais. Como se trata de
indivíduos que desenvolvem práticas culturais tardiamente, foi possível, para além da família,
identificar um leque de influências.

155
Como ficou evidenciado na tese de doutorado de Pulici (2010), na qual a autora fez uma análise das práticas
culturais da elite paulistana, concluindo que há diferenças entre os ricos de nascença que são cultivados desde o
berço e aqueles que se tornam ricos no decorrer dos anos, que por sua vez, não desenvolvem um gosto legítimo a
despeito do capital econômico adquirido. PULICI, Carolina Martins. O charme (in)discreto do gosto burguês
paulista: estudo sociológico da distinção social em São Paulo. 2010. Tese (Doutorado em Sociologia) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível
em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8132/tde-10122010-102833/>. Acesso em: 2015-01-21.
116

Gráfico 13 - Fatores influentes na formação do


gosto cultural

outros 7%
empresa 3%
filhos 13%
sozinho 8%
escola/ faculdade 12%
igreja 12%
amigos 18%
família (desde criança) 27%

Fonte: o autor (2016)


Na verdade, a família permanece um fator de influência, mas dos filhos para os pais. A
partir da idade adulta, muitos dos entrevistados passaram a frequentar eventos culturais por
causa dos filhos, dos sobrinhos pequenos que por sua vez tiveram um contato com alguma
instituição musical (a EMESP e os Coros da Osesp foram muitas vezes citados) e que pela
circunstância das apresentações de seus familiares passaram a frequentar os corais, balés,
concertos, enfim, passaram a ter maior contato com o mundo da música de concerto. Ou seja,
nestes casos, o engendramento do gosto, deu-se maneira inversa – os mais novos abrindo
caminho aos mais velhos. Ouvi de muitos familiares das crianças e adolescentes que iriam
tocar ou cantar nos matinais o discurso de que “não entendiam muito” e que esta prática era
“recente”. Isso pode explicar o grande número de agentes não cultivados nos matinais. Ora, é
preciso reconhecer que no caso dessa direção de influência, não se trata de indivíduos com
alto capital cultural que passam a seus filhos desde cedo tais valores e práticas, mas de
indivíduos adultos que são levados a tais experiências por relação afetiva, assim como as
crianças, que ainda estão em processo de familiarização com tal mundo.
A escola e mesmo a faculdade também aparecem como forças que proporcionam um
novo gosto cultural, pois a faculdade em especial, traz um “novo mundo” àqueles que não
pertencem às classes dominantes. Os trabalhos de campo, as pesquisas, as disciplinas
optativas ampliam de forma geral o conhecimento de alguns alunos. De modo menos
expressivo (3%), mas nem por isso insignificante, há o local de trabalho de alguns agentes,
pois algumas empresas premiam seus funcionários dando-lhes ingressos de shows, teatros e
concertos. Apesar disso, não vejo neste tipo de incentivos, grandes possibilidades de
transformação de gosto, haja vista que são eventos pontuais.
A partir de alguns depoimentos, observei que muitos agentes procuram num concerto,
especialmente os menos cultivados, algo além do contato com a música. A ida à Sala São
Paulo representa objetivamente uma espécie de “ascensão”, ou seja, “se sentir parte”, “ver
117

pessoas”, “conhecimento cultural”, “crescer na música”, conforme alguns relatos. Além disso,
há também o contentamento de estar “num lugar tranquilo”, num “ambiente lindo” que
proporciona “leveza na alma”156. Ou seja, para esses informantes a frequentação de um lugar
como a Sala São Paulo, pode ser até mais importante do que a apreciação da música em si,
pois tais expressões podem lembrar o ambiente de uma igreja. Talvez para alguns exista uma
associação inconsciente entre a “tranquilidade” e o “pertencimento” da Sala com um ambiente
religioso tal como uma igreja. Sentimento esse que dever se reforçar com o aumento da
frequência. Assim, observei que apenas uma minoria (34%) estava no equipamento pela
primeira vez. Metade dos frequentadores costuma vir acompanhada por seus familiares, dado
que confirma a impressão das etnografias, pois nos matinais são poucas as pessoas que vêm
sozinhas, apenas (18%), já que é um programa que se constitui como um grande de
entretenimento de domingo para as famílias e grupos de amigos.
Outro fator que influencia a ida à Sala é a mídia, em particular a internet, já que 23%
das pessoas chegam ao concerto matinal por meio do site da Osesp, da Catraca Livre, do Guia
Folha, o que mostra a frequência de um público que busca antes o entretenimento do que a
cultura. Todavia, enquanto 35% do público vêm a convite da família, o convite dos amigos
são os responsáveis por 30% do público. Outros tipos de divulgação ficam por parte da
Faculdade (4%); Guia Turístico (2%); Folder, TV, Trabalho, Revista Concerto (6%). O caso
da Revista Concerto é interessante, pois sua assinatura ou aquisição revela um público mais
fidelizado à música erudita, pois ela não apenas difunde a programação musical em várias
capitais do país, mas também publica resenhas críticas dos concertos, dos músicos e maestros.
No gráfico abaixo, pode-se observar que o modo de conhecer o evento diz muito sobre o
sentido dessa prática.

Gráfico 14 - Como soube dos matinais?

outros
12% família
internet 35%
23%

amigos
30%

Fonte: o autor (2016)

156
Essas são algumas das expressões capturadas no decorrer das entrevistas
118

A maior parte afirma que assiste a concertos com regularidade e que não estavam no
matinal porque é um evento gratuito; além disso, 78% deles afirmaram que iriam e vão a
outros concertos que são pagos. Além disso, 60% escuta música de concerto em casa. É
importante dizer que tentei explorar as formas pelas quais o público dos matinais ouve música
a fim de obter maior fidedignidade nas respostas em vez de perguntar de maneira mais direta
e “mecânica”, que tende a ser menos fidedigno. Dentro desta perspectiva, 47% disseram que
ouvem música pela internet e o restante ouve no cd e/ ou rádio. Ora, tanto a internet quanto o
rádio são meios em que a qualidade do som é muito inferior ao do CD – principalmente
quando estes são gravações de selos de prestígio. Ouvir música “apenas” pelo rádio e pela
internet é um indício da baixa exigência musical do público em questões.
Nesse sentido, não sei se posso tomar ao pé da letra a informação de que 41% dos
entrevistados aprecia música desde a infância; mais razoável é aceitar que os 36% que
passaram a gostar de música na idade adulta está subdimensionado. Interessante que 8% dos
entrevistados disseram que não gostam de música ou deste tipo de evento, pois só estavam
presentes porque foram convidados.
Foi o caso de um informante que é carteiro, cujos gostos culturais o classificam no
grupo dos “dominados”, pois não frequenta exposição de arte, não lê livros, assiste a
telejornais de televisão aberta, gosta de música sertaneja e gospel (é evangélico pentecostal),
ouve este tipo de música no celular e no carro, ou seja, de modo frequente. O contato com a
música de concerto deu -se em virtude da religião e, afirma que está na Sala São Paulo porque
quer “crescer na música”. Os filhos são músicos e ele os acompanha. Apesar de tocar
violoncelo e trompete, não apresentou muito conhecimento sobre os compositores clássicos
(citou os mais famosos) e acertou duas músicas – uma de Vivaldi e outra de Beethoven.

O que concluo com esse caso específico – caso este que é parecido com de outros
frequentadores – é que a despeito do contato com a música clássica, a igreja não
necessariamente forma um gosto dominante em outros campos artísticos. Forma dominada de
ingressar no mundo da arte, ela parece predestinar seus recrutados a permanecer no nível mais
técnico – tocar um instrumento – sem com isso desenvolver grandes associações com o
restante dos mundos da arte. Para investigar essa hipótese, o público também foi questionado
a respeito de outros equipamentos que por ventura frequentem. E embora a maior parte não vá
a outros lugares relacionados a concertos (53%), aqueles que vão citaram os seguintes
ambientes culturais e/ou eventos: Centro Cultural São Paulo; Conservatório Villa Lobos;
Emesp; Espetáculos de Dança; Festival de Campos do Jordão; Ibirapuera; Igrejas; Masp;
Pinacoteca; Sescs; Shows abertos; Teatro Santo André; Teatro São Pedro; Teatros Municipais
Um dos fatores que mais influenciam a presença do público na Sala São Paulo,
principalmente o adulto, é a procura por algum tipo de curso voltado para a arte (música,
teatro, pintura, dança, desenho etc). Em todos os três grupos, a incidência dessa busca ao
119

longo da trajetória é grande, no grupo dos “cultivados” todos eles fizeram cursos de arte e até
mesmo entre os “dominados” mais da metade (58%) têm alguma formação. Estão separados
nos quadros 08, 09 e 10, os locais onde as pessoas buscam a formação artística, bem como os
tipos de manifestação. Assim, 62% buscaram ensino artístico fora da escola normal, e a
maioria toca algum tipo de instrumento (66%).

Quadro 8. Ensino voltado para a arte – GRUPO DOS DOMINADOS


58 % têm algum tipo de contato com a arte
Local Tipo
Flauta, Violão, guitarra, bandolim, gaita, pintura, Desenho artístico, sax,
Escola particular
piano, trompete, artes plásticas
Professor particular Órgão, teclado, piano
Programas da Prefeitura Guitarra, violão
Teclado, Órgão, Música, Violino, Coral, Canto, Guitarra, Violoncelo,
Igreja
Trompete
Ong – Guri Coral
Escola SP Música
Escola pública Percussão (timpa, atabaque)
Família Pintura
Conservatório Villa Lobos Piano
Faculdade História da Arte
Fonte: o autor (2016)

Quadro 9. Ensino voltado para a arte – GRUPO DOS ECLÉTICOS


82% têm algum tipo de contato com a arte
Local Tipo
Escola particular Violão, Canto, Violino, Piano e kalimba, Violão, Flauta,
Igreja Violão e teclado
Projetos da Prefeitura Música, teatro, dança
Escola Trompete, caixa, surdo
Biblioteca Municipal de Suzano Dança
Universidade História da Arte, Musicalização
Amigos Pandeiro
Usp Teatro
Universidade Livre de Música - ULM Música popular e canto
Senai Trombone de vara e flugelhorn
Conservatório de Tatuí Piano
Professor Particular Piano
120

Conservatório fundado pelo pai Piano, violão, flauta transversal


Instituto de Cegos Padre Chico Trombone de vara
Emesp Violão e teclado
Clube Piratininga Canto
Coro da Osesp Flauta, canto
Fonte: o autor (2016)

Quadro 10 - Ensino voltado para a arte – GRUPO DOS CULTIVADOS


100 % têm algum tipo de contato com a arte
Local Tipo
Escola particular Piano, Desenho, Pintura, Violão, Piano, Canto Lírico
Escola técnica Desenho
Secretaria da Cultura de Indaiatuba Bateria, Música, Teatro, Desenho
Bolsista em escola particular Teatro, História da Arte
Fonte: o autor (2016)

Um critério para averiguar o quanto os informantes conhecem música é pedir que


citem compositores fora do circuito mais conhecido. Assim, 84% não souberam dizer ou não
citaram nenhum nome além dos mais “clássicos”. Alguns informantes, de modo interessante,
citaram compositores da música popular brasileira como Dorival Caymmi, Tom Jobim,
Vinicius de Moraes, Cartola, o que reflete a falta de conhecimento neste campo, bem como a
relação que o próprio matinal faz entre música popular e erudita, pois tais artistas são muito
contemplados pelo tipo de repertório que a Sala São Paulo se propõe a fazer nos matinais.
Ainda dentro deste contexto, a porcentagem daqueles que conseguem relacionar a
música ao compositor é muito baixa, apenas 14%, enquanto que os agentes que acertam uma
ou quase nenhuma música somam 62%. Essa questão é muito reveladora do conhecimento
artístico deles, pois neste momento, muito ficam envergonhados e previamente já avisam que
não “não tem conhecimento específico, “sabem as mais básicas”, como certa informante que
tentou disfarçar dizendo “são tantos nomes...uns nomes meio difíceis, né?”.
De maneira geral, portanto, pode-se dizer que o público do matinal é um percentual
mais dominado no que diz respeito às práticas culturais. O percentual de dominados e a forma
como realizam a própria dominação é maior entre o público dos matinais do que o dos
noturnos.
121

4.3. Público dos concertos matinais e suas práticas


Para apresentar com o mínimo de clareza as práticas culturais de meus
informantes, apresento as práticas culturais divididas por grupos, conforme o
distanciamento ou proximidade com a cultura “legítima”. Da mesma, apresento as análises
de cada “tipo” de agente, bem como a relação que fiz entre algumas variáveis
socioeconômicas e a escolha por determinadas expressões artísticas e ou práticas. Informo
ainda que em alguns momentos foram feitas comparações com o grupo de controle – os
frequentadores dos concertos noturnos.

Quadro 11. Práticas culturais citadas pelos informantes – matinais


PRÁTICAS DOMINADOS ECLÉTICOS CULTIVADOS
Programas culinários, novela, TV Cultura, Globo,
esportes, desenhos, Discovery, desenhos Programas jornalísticos,
entretenimento (Programa do (Simpsons, Soult Park), esportivos, seriados,
Jô), filmes, programas Séries, Novelas, filmes, documentários.
Televisão evangélicos, programas Netflix/DVD,
jornalísticos (Globo Repórter, documentários, programas
Jornal Nacional, Jornal da esportivos, programas
Globo, Bom Dia SP) esportivos, de música, de
arte.
Nova Brasil, Cultura, Alpha, Cultura, Eldorado,
Rádio Globo, Jovem Pan, Eldorado, Brasil Atual, Antena 1, CBN, Radio
Rádio
CBN, Band News, Antena 1, Kiss , Band News, Rock, Nova Brasil, Band
Metropolitana. Jovem Pan. News
Ginástica, basquete, ciclismo, Ciclismo, ioga, pilates, Ioga, pilates, capoeira,
caminhada, musculação, caminhada, corrida, jiu jitsu, patins, natação, tênis,
Esportes dança, academia, futebol, luta, patins, futebol, ciclismo
corrida de rua. hidroginástica, capoeira,
dança, natação, ginástica.
“quadros” Acervo permanente da Arte contemporânea,
Ron Mueck “06 horas na fila” Pinacoteca, Volpi fotografia, antiguidades,
Exposições Artes sem especificar (Ibirapuera), Mayas (Oca), feiras de artes, pintura.
Fotografia fotografia, pintura, Lasar
Segall
G1, Uol, Folha, Estadão, Casa Valor Econômico, Veja, Folha e Estadão, Isto É,
e Construção, Claudia, Revista Estadão, O Globo, Fisio Superinteressante, Carta
Jornal e Revista
Escola, Veja, Época, Lar Brasil, Galileu, Capital, Piauí, El País,
Cristão, Quem, Diário do Superinteressante, Caras, História, Concerto.
122

ABC, Despertai e Sentinela People, Isto é, Exame, Le


(Testemunhas de Jeová), Monde, Uol
Agora, Celebridades, Você
S/A, RH Gestão de Pessoas e
Empresas
Auto-ajuda, Best Sellers, Ficção, história, técnicos, Poesias/poemas, grandes
Evangélicos, Romance, Bíblia, romance, biografias (Mauá), clássicos da literatura
Técnicos, Feng Shui, espiritualistas, evangélicos, política, filosofia,
Livros
Espíritas, Área da Educação, suspense, sociologia, divulgação científica.
aventura, policiais, ficção economia, história, best
científica, culinária sellers.
Hollywood (Jogos Vorazes, Ação, comédia, drama,
Star Wars, 007, Missão comédia romântica, Filmes nacionais,
Cinema Impossível), Aventura, ficção, europeus, asiáticas, infantis, europeus, asiáticos, latino-
comédia, suspense, nacionais terror, americanos.
(Tropa de Elite),
Musical, comédia Musical, alternativos, peças Drama, comédia, tragédia,
Teatro “Minha mãe é uma peça” líricas, óperas, comédia, underground.
drama, circuito Sesc
MIS, MAM, MASP,
Museu da Língua Portuguesa MASP, MIS, MAM, Museu da Língua
(com a escola), Museu do Pinacoteca, CCBB, Museu Portuguesa, Caixa
Ipiranga, CCBB, Museu da da Língua Portuguesa, Cultural, Itaú Cultural,
Museu
Resistência, Masp, Pinacoteca, Instituto Tomie Ohtake. Estação Pinacoteca, Centro
MIS Cultural dos Correios,
CCBB, Instituto Tomie
Ohtake.
Gospel, sertanejo, caipira
(raízes), MPB (Roberto
Carlos), Clássica, Eletrônica, MPB, clássica, rock, samba MPB, Clássica, Rock,
Pop Rock, Samba Rock, Black (Beth Carvalho), românticas Indie, Jazz, Blues,
Music, Pagode, Forró, 80’, gospel, pop, rock, Instrumental.
Música
Evangélica, Samba (Arlindo pagode, jazz, blues, tango
Cruz), Romântica, Orquestra,
Sertanejo Universitário,
Cânticos da Igreja,
Internacional, Pop.
Populares: 37% Populares: 58% Brechó
Roupas Rede: 12% Rede: 19% Populares
Sem especificação: 51% Variado: 23% Variado
123

Cerveja e ou variado: 21% Variado: 26% Variado


Bebidas Não bebe: 79% Não bebe: 56%
Vinho: 18%
Fonte: o autor (2016)

Como o grupo dos dominados é maior do que o grupo dos dominantes, nesta tabela a
incidência de gêneros mais comerciais é maior. O gosto por televisão no grupo dos
dominados tem maior percentual, pois 79% assistem a programas televisivos. Muito
significativo o fato de 85% dos dominados têm o hábito da leitura, porém os gêneros literários
são muito populares, detalhe que a presença de livros evangélicos, espíritas (voltados para
espiritualidade como um todo – “25 Leis Bíblicas do Sucesso”) é muito frequente. A ida a
museu também é prejudicada, pois 72% dos dominados não costuma frequentar este tipo de
equipamento. Enfim, aqui dei maior enfoque ao dominados por eles constituírem o maior
grupo (52%). Mas as considerações mais pormenorizadas vêm a seguir.

a) Análise das práticas e preferência dos “dominados”


“A igreja está mantendo a música clássica porque os
guetos só estão no funk”157

Com relação às práticas daqueles que chamo de “dominados” seguem algumas


considerações. A maior parte deles (79%) vê televisão e ouve rádio (51%). Embora
atualmente haja outros meios de comunicação e de entretenimento, sobretudo com a
propagação do acesso à internet, ainda há muitos agentes que se fixam nestes tipos de mídia.
Como pode ser visto no quadro 11, os programas mais citados são de entretenimento e/ou
jornalísticos, coisa que muito distingue esse grupo dos agentes cultivados, dado que estes
últimos raramente veem televisão, sobretudo os canais abertos.
Há uma diversificação na área dos esportes em todos os grupos. Embora aqui
apareçam os esportes coletivos, tais como o basquete e o futebol, também há esportes
individuais tais como a natação, a musculação e a caminhada. Contudo, não aparecem
atividades associadas às classes dominantes. Um dado significativo é que mais da metade
(55%) dos “dominados” dizem que não praticam esportes.
Outra variável que mostra a falta de disposição para práticas culturais dominantes é a
frequência a exposições de arte. É muito difícil encontrarmos agentes que de fato conhecem
as diversas manifestações artísticas e saibam diferenciá-las e classificá-las, pois esse tipo de

157
Frase da informante Maria Julia (nome fictício) no final da entrevista.
124

gosto geralmente requer uma mínima “bagagem cultural”. É certo, porém, que os agentes são
muitas vezes impulsionados pela grande mídia, pelo grupo de amigos ou pelo trabalho, como
percebi através das entrevistas. Quando perguntados sobre a frequência a exposições, 51%
disseram que não têm este hábito. Pouquíssimos informantes souberam especificar a
exposição artística que mais gostaram. Um deles, a título de exemplo, para “provar” que tinha
ido à Pinacoteca ver as obras de Ron Mueck, pegou o celular para mostrar as fotos e enfatizou
que passou seis horas na fila de espera. Isso indica o quanto a ida a uma exposição é bem
cotada no mercado dos bens simbólicos, valorizada como signo de conhecimento e de boa
frequentação. Ainda neste quesito, não podemos nos esquecer da grande força que as mídias
têm ao divulgar as grandes mostras, pois o evento passa a ser quase uma obrigação e uma
forma que os indivíduos encontram de mostrar que são bem informados ou “cultos”. Nos dias
de hoje as redes sociais servem muito bem para este fim e para a divulgação de boa imagem
pessoal: as exposições, bem como teatros e shows são sempre objetos que propiciam certa
admiração.
Em relação às práticas de leitura, os entrevistados menos cultivados têm o hábito de
lerem jornais e revistas de grande circulação, revistas femininas, evangélicas, de celebridades,
como disse um dos informantes, “tem sempre o assunto do momento”. Contudo, muitos
(57%) disseram que com o advento da internet não leem mais revistas e jornais impressos.
A leitura de livros, por sua vez é também um bom indicador dos gostos culturais do
público. Se por um lado, 85% declararam ler frequentemente, todavia os tipos citados não têm
muita projeção no mercado dos bens simbólicos, pois são livros de autoajuda e espiritualistas,
best sellers (tai como “A culpa é das Estrelas). Uma entrevistada, para explicar a falta de
cultivo em todas as práticas, disse que “gosta de praia, de viajar”; outros disseram que leem
“muito a Bíblia” e que “amam livros”, referindo-se à coleção de Harry Potter.
Seguindo a ordem das práticas dominadas, o cinema também foi citado como uma
prática consideravelmente rotineira, pois 58% declararam frequentar salas de cinema. Apenas
um único informante – técnico em telefonia, afirmou que nunca foi ao cinema. Esse grupo vai
em geral a cinemas de shopping e assistir a filmes tipo “blockbusters”. Nenhum cinema de rua
foi mencionado. Em relação ao teatro, 51% dos entrevistados foram a musicais ou comédias,
peças em geral direcionadas ao “grande público” e que por isso são palatáveis. Os teatros
citados foram teatros patrocinados por grandes bancos ou financeiras, tais como o Teatro
Bradesco e o Porto Seguro, ou seja, mais comerciais e onde não há espaço para apresentação
de espetáculos “alternativos”. Em relação à visitação de museus, os números são ainda mais
significativos, pois 72% não vão a esse tipo de equipamento, embora alguns tenham sido
125

citados: Museu da Língua Portuguesa, Museu do Ipiranga, CCBB, Museu da Resistência,


Masp, Pinacoteca, MIS.
Em relação às práticas musicais, foco da pesquisa, pode-se dizer que sua preferência é
por música comercial, além do samba e o rock. A MPB é um gênero que perpassa todas as
classes e todos os grupos aqui distribuídos, mas há aqueles que classificam Roberto Carlos
como expoente da MPB, ao lado de Maria Gadú e Nando Reis”.
A variável “indumentária” infelizmente não pode ser muito explorada, pois a questão
sobre os tipos de roupa usados sempre causava constrangimento, sendo que muitos diziam de
modo não muito fidedigno seu “estilo favorito”. A maioria (51%) afirmou que não tem um
gosto específico.
Diante disso, vemos que as práticas dos agentes sociais mais “dominados” são ligadas
às preferências do grande público, coisas que estão no mainstream, da mídia, tais como o
gosto por sertanejo universitário, pelas exposições divulgadas pelas grandes mídias, por
televisão entre outras práticas que podemos chamar de “mais populares ou comerciais”. A
seguir, apresento algumas tentativas de análise dos gostos em conformidade com as variáveis
tratadas nos questionários.

b) O gosto dos dominados conforme algumas variáveis


As variáveis utilizadas foram: idade, escolaridade, posição política e religião. Fica
evidente que o grupo dos dominados é formado por pessoas mais velhas, acima de 43 anos e
também por duas adolescentes de 15 e 16 anos. Os mais jovens ainda não tiveram tempo para
apresentar um cultivo elevado, e os mais velhos possivelmente não tiveram oportunidades que
os levassem a desenvolver um gosto mais “puro” ou eclético.
Com relação ao capital escolar, boa parte dos agentes dominados também têm
escolaridade relativamente baixa – 39% cursaram até o Ensino Médio, o que pode significar
que parte do cultivo está ligado à escolaridade, conforme preveem as pesquisas sobre o gosto.
Contudo, não se pode afirmar que apenas a escolaridade determina as práticas culturais, dado
que neste grupo também há pessoas com pós-graduação. É o caso de uma jornalista, de uma
professora de biologia e de um assistente financeiro que, a despeito de terem boa formação
escolar, não têm um gosto cultural considerado dominante. Nesses três casos foram à São
Paulo a convite de terceiros.
Esta pesquisa sugere que possivelmente há uma correlação entre a visão política dos
agentes e seu estilo de vida, ou seja, suas preferências estéticas. Penso isso pelo fato de 86%
dos “dominados” serem de “direita”, intitularem-se “anti PT” ou dizerem “depois de tudo o
126

que está acontecendo...”. Tal variável estimulou um interesse particular, pois à medida que
agrupei os agentes denominados de “esquerda”, observei que eles têm um gosto mais
cultivado, conforme veremos mais adiante.
Outro quesito muito importante e que merece destaque nesta análise é a presença de
evangélicos. Em minha amostra, 35% são protestantes pentecostais ou não pentecostais e
atrelam seu gosto por música de concerto à prática religiosa. Os comentários que anotei
durante as entrevistas expressam essa ligação – “na igreja tem orquestra”; “desde criança,
devido à igreja” – e isso pode explicar o cultivo apenas na área da música em detrimento do
conjunto de outras práticas culturais legítimas e que demandariam disposições estéticas mais
“nobres”. Até mesmo no campo da música, há aqueles que apesar de tocarem na igreja não
souberam relacionar nenhuma obra ao autor. Esse foi o caso de uma informante autônoma na
área de eventos e que toca órgão desde os 11 anos, o que indica que o mundo dos evangélicos
pode até introduzir a pessoa numa prática artística, mas só essa frequência não é suficiente
para engendrar disposições mais “puras” ou dar impulso a preferência mais legítimas nos
outros gêneros artísticos. Assim, entende-se que muitos deles, especialmente os mais velhos,
estavam lá para ver o sobrinho, o filho, o neto.
Percebi também que a escolaridade dos pais é uma categoria fundamental no grupo
dos dominados. Tanto os pais como as mães dos informantes não têm grau de escolaridade
superior e, quando muito, concluíram o ensino médio. No entanto, como a maior parte é mais
idosa a possibilidade dos pais e das mães terem alto grau de estudo é mais difícil.
Com isso vejo que há fatores que homogeneízam as preferências estéticas, desse grupo
específico: a idade mais avançada, a preferência política pela “direita”, a prática da religião
evangélica e a baixa escolaridade dos pais. Com a análise dos outros grupos, tentaremos
chegar a conclusões com base em comparações mais claras e ou semelhantes.

c) Análise das práticas e preferência dos “ecléticos”

Nos grupos dos “ecléticos”, conforme o próprio nome já diz, agentes sociais mais
versáteis e que diversificam suas preferências culturais de modo pouco coerente, ou seja,
podem assistir novela, gênero muito popular, e ao mesmo tempo gostar de filme europeu; ou
ouvir pop/rock e conhecer artistas de arte contemporânea. Enfim nestes casos o leque de
possibilidades é extenso. Se levarmos em consideração os estudos de Coulangeon (2010),
veremos que a legitimidade do gosto cultural passa por uma redefinição a partir da variedade
de gostos (pluralidade de repertório). Ao tratar do ecletismo relativo ao gosto musical, por
127

exemplo, o autor afirma que “a legitimidade é menos fundada na proximidade com a música
“pura” do que com certo pluralismo de gostos”. Coulangeon (2010, p. 23, tradução nossa).
Assim, vemos em nossos agentes que têm gosto estético diversificado, vestígios de
conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória, em geral não iniciada na infância. Ou seja,
nesse conjunto percebi a influência da escolaridade, bem como da mudança de vida no sentido
mais amplo, tais como mudança de bairro ou de trabalho.
Metade dos “ecléticos” assiste à TV. O tipo de programa preferido pode ser
considerado mais “cult”: desenhos com o Simpsons, por exemplo, constituem o gosto de
pessoas mais politizadas, com a cabeça mais aberta. Assistem em geral a canais da televisão
fechada, documentários da Discovery, ou seja, programas educativos, séries, mas também
assistem a novelas e programas esportivos. A mesma variedade ocorre com as estações de
rádio, Neste grupo 77% ouvem esse tipo de mídia. As estações mais citadas são rádio que
tocam músicas menos comerciais, ou seja, músicas menos conhecidas se compararmos com
pagode e sertanejo universitário. As rádios Nova Brasil, Usp, Brasil Atual, Cultura e Antena 1
apresentam um repertório diferenciado, com MPB de qualidade e música de concerto. Enfim,
são músicas dirigidas a grupos específicos e não do “grande público”, como é o caso das
rádios Metropolitana, Nativa e Gazeta cujo repertório é extremamente popular, sobretudo as
músicas que estão na moda e que dão muito rendimento à indústria cultural por atingir as
massas.
Os ecléticos também chamam a atenção porque 84% dizem gostar de exposições de
arte. Esse índice se comparado com o grupo dos “dominados”, é bem alto. Esses agentes
souberam citar os tipos de manifestação, tais como fotografia, pintura, escultura, arte abstrata,
moderna, contemporânea e artes visuais, e frequentam lugares importantes nesses eventos –
MIS, MAM, MASP, Instituto Tomie Ohtake e Pinacoteca. Deixaram claro, portanto, que os
frequentam e conhecem algum tipo de arte.
Já no que se refere à leitura de jornais e revistas, há aqueles que leem e/ou assinam
revistas de grande circulação, tais como a Veja e a Época, mas também conversei com
pessoas que leem revistas como a Carta Capital e a Piauí. Há também aqueles que gostam de
revistas de celebridades, tais como a Caras e a People, o que faz este grupo ser muito
interessante, em virtude do espectro de informações passadas através das conversas e
entrevistas. Importante observar que 70% afirmam ler esse tipo de fonte de informação. Os
livros, por sua vez, também compõem o gosto dos informantes, já que 88% têm o hábito da
leitura. Isso sem falar na ampla variação que vai de best sellers a livros de economia,
passando por livros de arte e religiosos.
128

A frequência a cinema também é alta (71%), aqui aparecem tanto os filmes de grande
repercussão até como aqueles mais alternativos – filmes europeus, asiáticos. Já o teatro tem
menor aceitação (53%), como esperado, uma vez que o gosto pelo teatro não é algo é muito
comum, mesmo entre os mais cultivados (40% dos cultivados não vão ao teatro).
O maior cultivo dos informantes desse grupo é revelado através do gosto por estilos
menos popularizados. Em geral, apreciam música “clássica”, MPB (todos os grupos ouvem),
jazz, blues e tango – gêneros não muito difundidos que, por exemplo, dificilmente tocam nas
rádios. É claro que neste grupo também há aqueles que gostam de música mais populares,
mais dançantes, como o pagode. O gospel é um tipo de música que faz muito sucesso nos dias
atuais, em razão do crescimento do número de evangélicos no país e, por isso, é muito
mencionado. Apesar disso, ficou mais evidente pelas falas de meus informantes que este
grupo procura ouvir estilos mais cultivados. Digo isso a partir de comentários tais como:
“ouço de tudo, menos axé, sertanejo e funk”. Isso denota a preocupação com a própria
imagem, uma vez que gostar de funk, por exemplo, pode muitas vezes fazer com que a pessoa
seja rotulada de maneira pejorativa por ser um gênero musical comumente associado à
sexualidade158. Meus informantes também disseram que fazem downloads frequentes de
músicas e também ouvem no rádio, pelo celular, iphone, no carro, enfim, de muitas maneiras,
com disse uma entrevistada vive com música “24 horas, a casa é musicada”. Essa é uma
questão interessante, pois um praticante “legítimo” de audição musical nunca se contenta com
uma audição desse tipo dada a baixa qualidade da música. Além disso, costumam comprar
CDs, pois entendem que se trata de uma obra autoral e que um CD é um todo indivisível, um
momento no curso da obra de um músico.

d) O gosto dos ecléticos conforme algumas variáveis


A faixa etária dos “ecléticos” é mais jovem que a dos “dominados”, pois é formada
por pessoas que têm entre 20 e 30 anos. Apenas uma pessoa não tem nível superior e, não
obstante, faz curso de teatro (o que possivelmente abre um leque de oportunidade para a
variação de gosto). Nesse grupo, a formação acadêmica, mais especificamente a instituição de
ensino, é algo que permite aos agentes transitarem pelos diversos tipos de arte. O tipo de
instituição de ensino superior tem relevância, dado que 53% dos entrevistados frequentou
universidades conceituadas, tais como a USP, Unesp, UFRJ, Unifesp, PUC e Mackenzie. Não

158
Não quero aqui fazer julgamentos deste estilo musical baseados no senso comum, haja vista que percebo o
funk como uma das muitas vozes das periferias paulistas. Embora esse não seja o foco da discussão, não quero
deixar espaço para interpretações equivocadas.
129

há no grupo dos ecléticos, profissionais com ocupações que não exijam diploma. A maior
parte é formada por profissionais liberais ou profissões ligadas à arte (cantora, gestor cultural,
produtora) e, o único profissional mais modesto que encontrei foi um funcionário público
(CPTM), morador da periferia – zona leste de São Paulo – que está aos poucos mudando seus
gostos culturais.
A escolaridade dos pais é relativamente baixa, pois apenas 26% têm ensino superior,
taxa que é ainda mais baixa com relação às mães (23%). Com isso, percebo que tais agentes
adquiriram o gosto ao longo da trajetória, no sentido de que o convívio com pessoas e
ambientes diferentes do seu berço familiar podem proporcionar a formação de um gosto
estético mais apurado. Embora tenham alta escolaridade, 44% não falam nenhum idioma, o
que explica também um cultivo tardio, fora da esfera familiar.
Conforme aponta Coulangeon (2010), os jovens gostam de variedade e o gosto
estético deles é determinado por seus pares. Embora o autor trate da realidade francesa, aqui
no Brasil, a escola também foi democratizada: logo, essa análise pode ser válida também para
explicar o ecletismo desses jovens brasileiros que frequentam os matinais.
Para exemplificar um caso de mudança tardia de gosto, enfatizo a trajetória de um
agente de 29 anos, estudante de arquitetura (bolsita do Prouni) que descobriu o gos to por
eventos culturais através da faculdade. De maneira geral, suas preferências são cultivadas,
pois assiste a documentários, gosta de exposição de fotografia, de arte moderna, ouve Chico
Buarque, apesar de ler também best sellers (“A menina que roubava livros”). Afirmou que
frequenta ambientes culturais para “ampliar o repertório” e que está “descobrindo o gosto”.

Ao contrário dos “dominados”, não há primazia de evangélicos neste grupo; a religião


é múltipla, mas parte considerável é ateia ou não tem religião (38%). O gosto pela arte, não
obstante, foi influenciado pela família, pela escola ou faculdade; o trabalho também aparece
como uma influência tardia. Dentro desta realidade, são poucos que não têm contato com a
arte através de cursos. Aqui também há aqueles que têm mais idade e tiveram (como os
dominados) a influência dos filhos e sobrinhos.
Assim, vemos que os ecléticos dependem de outras condicionantes além da família
para apreciarem manifestações estéticas relativamente dominantes. Seguimos agora com a
análise dos gostos do grupo qualificado de “cultivado”.

e) Análise das práticas e preferências dos “cultivados”

Neste grupo, 40% não vê televisão e aqueles que assistem, preferem os filmes e
documentários. As estações de rádio seguem o padrão dos ecléticos, ou seja, rádios que tocam
MPB (Chico Buarque, Caetano etc). É interessante verificar como a música popular tornou-se
mais elitizada, tal como o samba de raiz que hoje em São Paulo é tocado nos bares de classe
130

média alta como Pinheiros e Vila Madalena. Essa mudança que ocorreu com o samba aqui em
São Paulo, ocorreu com o Jazz nos EUA, como aponta Coulangeon (2010), ao tratar da
estetização dos gêneros populares. O forró pé-de-serra também é um gênero musical que
agrada uma fração de classe das camadas mais cultivadas. O reduto do forró pé-de-serra do
bairro de Pinheiros geralmente é frequentado por jovens brancos, de classe média e
universitários da USP. Esse fenômeno de estetização da cultura popular também tem o poder
de transformar o gosto das pessoas por ser um elemento de um novo estilo de vida.
Diante dos outros grupos, não há muita diferenciação em relação ao gosto pela leitura,
pois as mídias dominantes também aparecem (Folha, Estadão, Isto é etc.); porém há aqueles
que leem a revista Concerto, a revista História e a Carta Capital, que podem ser consideradas
mídias fora do padrão das comerciais. Por sua vez, traz conteúdos políticos ou mais
especializados (Revista Concerto) ou no plano político, mais à esquerda.
O tipo de literatura preferida dos informantes deste grupo demonstra mais cultivo, pois
foram citados livros clássicos, tais como os russos Dostoievski e Tolstoi, livros de ciência
política (Caio Prado), de filosofia (Como Conversar com um Fascista), bem como poemas e
poesias. Alguns disseram que leem mais de um livro por vez, porque apreciam muito essa
prática. Nas entrevistas com os agentes menos cultivados, pude observar que não conseguiam
lembrar o nome dos autores favoritos: durante a conversa não demonstravam muita
propriedade e falavam de um modo superficial, coisa que não acontecia quando estava
entrevistando um informante portador de disposições legítimas, que não titubeavam e
gostavam de falar sobre suas preferências.
Seguindo esta mesma linha, esses agentes preferem filmes e peças de teatro fora do
“mainstream”. Todos os agentes “cultivados” vão ao cinema frequentemente e são
expectadores de filmes de arte – europeus, latino-americanos, asiáticos. Importante salientar
que mesmo neste grupo a ida ao teatro não é uma atividade muito praticada, (40% não
frequentam): no entanto, aqueles que vão citaram lugares mais alternativos como os teatros da
praça Roosevelt e, o Circuito Sesc que são teatros mais “undergrounds”. Neste contexto, os
gêneros mais apreciados por este grupo é o drama, a comédia e a tragédia. Os “cultivados”
vão muito a museus (90%). Essa variável juntamente com o gosto pela leitura também é um
elemento que demonstra cultivo, pois nos outros grupos a frequência a museu é quase
prejudicada.
O gosto musical é voltado para a música instrumental, jazz e música de concerto,
músicas que não são reproduzidas pela indústria cultural e que circulam em alguns nichos e
que não mantêm relação com a dança, o que é típico em gêneros musicais mais populares.
131

Como ocorreu nos outros grupos, as variáveis de indumentária não obtiveram retorno
para análise, pois foram respondidos com pouca fidedignidade, De todo modo, o brechó foi
citado por este grupo, mas a maior parte disse que prefere as roupas mais baratas.

f) O gosto dos “cultivados” conforme algumas variáveis


O grupo dos “dominantes”, em relação à idade, é parecido com o grupo dos ecléticos,
pois está na faixa etária entre 20 e 30 anos, ou seja, pessoas relativamente jovens. Os mais
velhos (a maior parte) estão no grupo dos “dominados”.
Outra variável que homogeneizou o grupo foi a posição política, de modo que 70%
dos dominantes declararam ser de “esquerda”. Em relação a isso, percebo que em geral,
pessoas ligadas a essa ideologia são menos conservadoras também em termos culturais, ou
seja, mais abertas à inovação estética ou ao diferente. A arte legítima tem uma forte ligação
com o diferente e com o alternativo, sobretudo no caso de peças teatrais, filmes de arte,
exposições fora do circuito midiático, literatura mais clássica, enfim, das práticas menos
popularizadas.
A variável mais curiosa que surgiu nesta pesquisa foi a religião. Importante dizer que
esse dado é interessante não pela religião em si, mas pelo o fato de a religião evangélica ter se
tornado importante na formação do gosto cultural (mais especificamente por música de
concerto) dos agentes culturais menos cultivados. Como os praticantes da religião evangélica
em geral são provenientes de classes populares, pode ser imaginar sua menor importância
para aqueles socialmente dominantes e que já conhecem as práticas culturais legítimas.
Outro diferencial deste grupo é a formação, pois a maioria é formada por agentes que
frequentaram universidades renomadas – USP, Unesp, PUC, Faap, o que também pode ser um
indício de que as práticas estão ligadas à instituição escolar pela qual os agentes passam tanto
em razão das vastas possibilidades de cursos como também pelo convívio com pessoas mais
cultivadas. Além disso, neste grupo, o domínio de mais de um idioma estrangeiro também é
comum, o que indica formação cultural mais completa.
132

ETNOGRAFIAS

Dentro do contexto de observação produzido durante o trabalho de campo, embora


este trabalho não seja de políticas públicas, não há como deixar de mencionar o contraste que
há entre a Sala São Paulo e seu entorno, pois qualquer visitante que chegue ao equipamento a
pé ou utilizando o transporte público (a Sala fica muito próximo da estação da Luz e da
estação Júlio Prestes) faz esta análise óbvia, mas não menos importante. Como o teor desta
pesquisa é reforçado por uma análise comparativa entre os públicos dos concertos, até mesmo
a visão citada acima é vivenciada de modo diferente por ambos os públicos, uma vez que
geralmente quem chega ao concerto de carro ou de táxi, não percebe (embora conheça) as
problemáticas sociais que estão em volta de um dos maiores redutos da cultura legítima na
cidade de São Paulo. Essa disparidade que causa impacto constante não será aqui
destrinchada, foi citada, no entanto, devido à relevância, sobretudo no que concerne a uma
visão sociológica.
Fotografias 3 e 4 – público dos concertos noturnos

Fonte: o autor (2015)

 09.03.2014 – matinal
As vestimentas utilizadas pelos frequentadores dos matinais são as mais informais
possíveis (bermudas, camisetas, tênis), por isso, percebi que o público de hoje era composto
por pessoas aparentemente pertencentes às frações das classes mais altas devido ao tipo de
roupa (mais formal) além de serem brancos, de olhos claros. Havia, pois, muitos estrangeiros,
sobretudo alemães (pelo menos foi o idioma que mais ouvi). Isso se deu em razão do concerto
fazer parte das comemorações do “Ano da Alemanha no Brasil” e também porque o coro que
estava se apresentando era de Hamburgo.
Mas os grupos de costume também estavam presentes – as ONGs, as excursões, o
público que não é frequentador assíduo.
133

Uma diferença que vejo no público do matinal com relação ao público dos outros
concertos é que nos matinais poucas pessoas acompanham a programação no folheto, o que
denota falta de conhecimento das obras e composições. Geralmente quando a programação
traz um coral, percebo um público mais distinto, mais formal, embora hoje tenha sido um
evento especial, com a presença dos estrangeiros. O público de hoje é formado por pessoas
mais idosas.
As pessoas em geral tiram muitas fotos do espaço, ouvi um comentário “vou postar no
instagram”. Mostrar para os amigos e conhecidos que foi a um evento cultural é algo muito
comum hoje em dia, as redes sociais são alimentadas com este tipo de informação, o que de
certa forma contribui para ser reconhecido socialmente como uma pessoa que tem cultivo,
frequentação. A tentativa de ser reconhecido também é fácil de ser percebida através dos
comentários que os agentes fazem nos corredores, banheiros, como uma senhora que disse em
voz alta para um grupo “Villa-Lobos é Villa-Lobos, né?”, ou seja, demonstrando que sabia o
que iria ser tocado e que compreendia tal código.
As fotos e filmagens que são proibidas durante as apresentações são muito recorrentes
nos matinais.
Como se trata de um evento que demanda concentração, geralmente as mães de crianças
pequenas saem do ambiente, pois as crianças ficam muito agitadas.
Por duas vezes aplaudiram na hora errada, entre os movimentos, e as pessoas que
estavam perto de mim, entreolharam-se e riram da situação.
A apresentação era mais voltada para o popular, pois o coro trouxe instrumentos de
percussão, pandeiro, afoxé, e outros que não consegui identificar. Esse tipo de instrumento
tem apelo mais popular devido ao movimento de dança que provoca. E isso atrai a plateia que
gosta de interagir com os músicos e cantores.
Mais uma vez houve explicação do concerto, e essa é uma característica marcante dos
matinais.

 22/03/2014 – sábado à tarde


O tempo de duração do concerto de horário nobre é o dobro do tempo do concerto
matinal, dura em média duas horas, fora o tempo do intervalo.
Sempre que tenho espaço e oportunidade aproveito para escutar as conversas dos
frequentadores como forma de compreender melhor seu estilo de vida, seus gostos. Na fila do
ingresso hoje escutei pessoas conversando sobre peças de teatro, filmes, sobre a Pinacoteca, o
que demonstrou cultivo por parte do grupo.
134

Alguns professores do ensino médio que aparentemente estavam na Sala São Paulo pela
primeira vez, dado ao encantamento que demonstravam, estavam acompanhados por um
amigo que os “ensinava” como deveriam agir. Ele também falava sobre as gesticulações dos
músicos. Um deles disse para uma senhora “a gente tá descobrindo a orquestra”, depois que a
senhora ofereceu um folheto para um deles quando ouviu os comentários a respeito da
orquestra.
Nos concertos mais nobres dificilmente alguém tira foto, somente aqueles que, de fato,
não são frequentadores habituados. Vi uma senhora repreendendo duas pessoas que estavam
conversando durante a apresentação solo de um violinista.
Por certo, os frequentadores de hoje são bem diferentes do público dos matinais; a
diferença é notada pela postura, vestimenta (principalmente das mulheres). Tanto que quando
há um agente menos familiarizado, ele é facilmente identificado.
A atmosfera do evento é muito mais requintada. Durante o intervalo o salão fica cheio e
as pessoas bebem vinho e champanha. Percebe-se que as pessoas estão lá para serem vistas e
para encontrar seus pares.
Nos balcões os agentes com mais status se agrupam, é notória a diferenciação social, as
roupas, a elegância, as conversas sobre negócios e/ou arte.
Vi algumas pessoas tirando fotos da sala no intervalo, no espaço do Coro, fui até lá e vi
que eram turistas estrangeiros, ou seja, uma exceção, pois os habitués não tiram fotos, já que
estão acostumados com o lugar.
À tarde não há explicações didáticas, mas o maestro ou o diretor artístico sempre faz
uma acolhida, hoje, por exemplo, a regente Marin Alsop leu o folheto para dizer o que iria ser
tocado.

 30.03.2014 – matinal
Hoje, muitos grupos estão presentes. As excursões sempre marcam presença nos
matinais. Com isso, muitas pessoas de origem mais simples passam a frequentar a Sala São
Paulo. Em contrapartida, senhoras mais distintas que penso pertencer às frações das classes
médias e altas (em razão de suas vestimentas e também porque algumas delas eu encontro nos
concertos de outros horários). Essas senhoras são brancas, têm os cabelos e olhos claros,
vestem-se com roupa de alfaiataria, roupas por sinal, diferentes daquelas usadas por pessoas
mais simples que geralmente veem em grupo, nas excursões.
135

Hoje na apresentação da Banda Sinfônica, mais uma vez o maestro explicou que neste
tipo de conjunto musical, os instrumentos de sopro são predominantes, diferentemente da
orquestra que traz os instrumentos de cordas como naipe principal.
As pessoas que não estão acostumadas com a apresentação e com o lugar demonstram
em palavras e gestos. O casal ao meu lado diz que tudo é “impressionante”. Outro rapaz que
estava sentado ao meu lado tentava entender a disposição dos músicos. Hoje, um
representante da orquestra leu um texto explicativo sobre a sinfonia.
Houve alguns deslizes por parte do público, palmas no momento errado, celulares
tocando, crianças falando e chorando. Além de muitas pessoas que são repreendidas por
fotografarem no momento indevido. Os funcionários estão sempre atentos.
Nos matinais, poucas pessoas acompanham o folheto. Penso que esse é um dos
diferenciais entre os agentes que conhecem ou não o mundo da música “clássica”, pois nos
concertos tradicionais, muitos acompanham e apontam para os amigos que se trata de
determinada música.
O repertório de hoje é alegre, dançante, muitos balançavam a cabeça ao acompanhar a
música.
As crianças sempre ficam entusiasmadas com o desenrolar do concerto. Gostam de
dançar, de gesticular, de apontar os músicos. Mas também percebo muitos adultos encantados
com os músicos, com a forma deles se comportarem, os gestos, os movimentos. A maestrina
era muito alegre e bem disposta; fez todos baterem palmas para acompanhar o compasso da
música, e com isso ganhou a simpatia do público. As pessoas hoje saíram muito
entusiasmadas, não queriam que o concerto acabasse.
É comum esse tipo de reação do público nos matinais, ou seja, aproximar a orquestra do
público. Há inegavelmente uma preocupação com o divertimento da plateia, embora a
maestrina ter sido bastante espontânea.

 06.04.2014 – matinal
Como sempre retiro o ingresso na hora, pensei que hoje não conseguiria, pois os
ingressos haviam se esgotado, mas apesar da grande fila de espera, todos conseguiram entrar,
uma vez que aos domingos a bilheteria imprime ingressos quase na hora do início do
concerto. Sempre que a Jazz Sinfônica se apresenta, a procura é grande.
Ainda no hall de entrada, capitei o encantamento de algumas senhoras pela Sala São
Paulo – “Nossa! Que lindo!”.
136

Na sala de concertos, um grupo de crianças de uma excursão foi repreendido várias


vezes em virtude do comportamento indisciplinado (colocavam os pés na cadeira e falavam o
tempo todo).
O maestro explicou que a Jazz Sinfônica faz uma junção entre o erudito e o popular – o
que colabora com os objetivos do matinal, ou seja, levar uma música mais próxima do público
supostamente “leigo”. A música inicial faz parte da trilha sonora do filme “Um corpo que
cai”, o que muito agradou a plateia. Algumas canções de Pixinguinha também foram
executadas após o maestro explicar que o músico foi o primeiro no Brasil a fazer arranjos para
orquestra, utilizando música popular. A fronteira entre o erudito e o popular foi muito
enfatizada hoje.
O maestro sublinhou que os mais familiarizados conseguiriam entender o que a obra
queria passar. E já de antemão, explicou que haveria quatro movimentos, e mesmo assim, as
pessoas se confundiram e aplaudiram no momento inoportuno.
A última obra foi bem agitada, parecia um baile, todos “dançaram” nas cadeiras. A
plateia ficou muito animada e pediu bis, as crianças imitavam os músicos, enfim, de maneira
geral, foi um evento efusivo. Apesar disso, ainda avistei algumas pessoas dormindo em alguns
momentos e algumas crianças que não conseguiam ficar quietas.

 12.04.2014 – sábado à tarde


No sábado à tarde, por conta do “ingresso da hora”, percebo na fila de espera desses
ingressos um público mais despojado, são mais jovens, aparentemente universitários que
procuram a entrada mais barata.
Contudo de maneira geral, o público da tarde é predominantemente formado por
pessoas mais longevas. Ao fazer uma visão geral, seja ela de qualquer lugar da sala de
concertos, é perceptível a presença de idosos.
Outra característica muito forte é a quase ausência de negros. Hoje, não avistei nenhum
na plateia e nem os encontrei nos corredores.
Os funcionários que ficam dentro da sala, não precisam advertir ninguém, pois as
pessoas conhecem os códigos comportamentais.
Os códigos também são seguidos no que diz respeito à dinâmica dos próprios concertos,
pois durante os concertos da tarde e da noite, o público reconhece o momento correto de
aplaudir. E isso faz com que os concertos não sejam prejudicados.
Contudo, há aqueles que não estão muito familiarizados com este tipo de evento. Essas
nuanças são percebidas através do comportamento de alguns e também através de suas falas.
137

Um rapaz que estava sentado perto de mim disse “mas o maestro não fala nada?”, isso
demonstra que o público não é homogêneo, pois há aqueles informantes que ainda estão
aprendendo não só a se comportar como também a compreender melhor o desenvolvimento
dos concertos.

 15.06.2014 – matinal
Uma das principais características dos matinais é a presença de famílias; hoje a presença
das crianças é notável, contudo hoje o público também está formado por um número maior de
idosos, lembrando o público da tarde (idosos aparentemente cultivados).
As pessoas de modo geral ficam encantadas com os movimentos dos músicos, elas
comentam, apontam, debruçam-se sobre os balcões.
O concerto foi explicado didaticamente pelo diretor artístico e regente titular. Sempre
que uma banda sinfônica se apresenta, a diferença entre as bandas e orquestras é esclarecida.
Hoje o compositor da obra a ser executada Edson Zampronha, explicou como se deu o
processo de composição da sinfonia “Geia”. A oportunidade do compositor falar do próprio
trabalho é interessante por dois motivos: o público mais leigo fica ainda mais envolvido e a
meu ver, sai do espetáculo com a sensação de que aprendeu algo importante, e para o próprio
produtor de um bem simbólico é uma chance única de ganhar mais notoriedade num campo
restrito como o da música de concerto. Não tive a oportunidade de ver uma situação parecida
nos concertos noturnos.
Às vezes, o comportamento dos frequentadores, especialmente daqueles que estão
sentados perto de mim, traz elementos de análise que me permitem compreender parte do
público. Como um casal que não tinha paciência com o “entra e sai” do maestro e reclamava
todas as vezes que tinha de bater palmas. No mesmo instante, uma senhora tentava fotografar
o evento, outra, falava alto e a ainda algumas pessoas aplaudiram entre os movimentos. Todas
essas “profanações” num local “sagrado” foram vistos com muita indignação por um senhor
que olhava com desdém e impaciência para esses frequentadores não habitués.
Nos matinais é comum a presença de dois tipos de público, os mais leigos que não estão
acostumados com os “ritos” do concerto e demonstram seu estranhamento, como também
aqueles que minimamente se incomodam com a presença dos menos cultivados, em razão do
comportamento “impróprio” para a ocasião.
138

 21.06.2014 – sábado à tarde


Por muito tempo, nos concertos de sábado à tarde, havia uma promoção chamada
“ingresso da hora”. Quem ainda não tinha ingresso, podia comprar os ingressos na hora de
início do concerto (às 16h30). O ingresso custava R$ 10,00 (a inteira), e dava direito à pessoa
sentar-se em qualquer lugar da sala. Neste dia cheguei com este intuito, contudo fui informada
de que tal promoção havia acabado. Foi um dos primeiros dias que assisti a um concerto mais
tradicional e desde o momento que cheguei, visualizei uma atmosfera muito diferente do
matinal, pois o público é demasiado distinto, no sentido de possuir mais capital econômico.
As senhoras da alta sociedade estavam entusiasmadas com a execução das obras de Villa-
Lobos. A partir de uma visão geral, panorâmica, a presença de negros é praticamente nula. É
uma percepção que meus ajudantes sempre têm quando estão me acompanhando, esse
comentário é recorrente. A presença maciça, no entanto é a de idosos.
Mesmo entre os mais cultivados, o “ver” é importante, pois em todos os concertos as
pessoas se debruçam nos balcões. Avistei também uma senhora utilizando binóculos apesar de
estar próxima da orquestra. Esse componente pode ser visto como uma forma de
demonstração de pertencimento, de mostrar que compreende a dinâmica do concerto, enfim,
de demostrar que é uma habitué, pois se olharmos pela distância, não havia necessidade da
agente em questão utilizar um binóculo.
Hoje ninguém bateu palmas na hora inapropriada; na verdade, muito dificilmente isso
ocorre com um público mais distinto, embora muitos olhem ao redor, averiguando se é ou não
o momento de aplaudir. Eu, por exemplo, tenho sempre vontade de aplaudir no instante em
que a orquestra silencia, no entanto, passei a esperar a hora em que todos aplaudem para não
cometer este equívoco.
O diretor artístico da Osesp – Arthur Nestrovski – abriu o concerto falando sobre as
parcerias que a Sala São Paulo tem com outras orquestras, tendo em vista a importância da
educação musical para meninos e meninas moradores das periferias. Falou da parceria com a
Orquestra de Heliópolis e das ações educativas da Osesp, além de parafrasear Heitor Villa-
Lobos (cujas obras foram executadas neste dia) ao dizer que “a educação musical é a única
forma de civilização brasileira”.
Com esta informação sobre o caráter civilizador da música, vejo que a Sala São Paulo se
atém de fato à tentativa de formação de público novo e essa educação é feita de forma mais
intensiva nos matinais. Nos outros concertos não há explicações sobre as obras, sobre os
compositores. Apenas algumas apresentações demandam a tradução das peças, como ocorre
139

nas óperas, neste dia, por exemplo, o telão foi utilizado para explicar que a música de Villa-
Lobos abordava as lendas indígenas do Amazonas.

 01.08.2014 – sexta à noite


De maneira geral, o público da noite é bastante elitizado. Apesar de haver agentes
visivelmente menos abastados, a maior parte é composta por pessoas que aparentam pertencer
às classes altas. O retrato dessa elite são as mulheres, especialmente as mais velhas, pois o
porte, a roupa, o perfume, a elegância, o modo de andar, de gesticular são características que
se sobrepõem e denotam um estilo de vida mais elevado. São raras as pessoas que não têm
esse porte e, portanto, são facilmente reconhecidas, pois à noite, os homens também vão
vestidos com roupas formais como camisas sociais e/ou ternos. A vestimenta dos músicos
também é mais requintada – se comparada com a roupa dos músicos que se apresentam pela
manhã.
À noite dificilmente encontro pessoas negras, hoje avistei apenas cinco. E como a
plateia não estava cheia, a visualização ficou favorecida.
Apesar da maior parte do público ser composta por pessoas mais habituadas com a
dinâmica do concerto, ainda há alguns agentes que demonstram estar impressionados com o
evento e com a Sala, pois tiram fotografias e gesticulam como quem quer mostrar aos amigos
determinada postura do maestro ou dos músicos.
Além disso, assim como ocorre nos concertos matinais, o fato de “ver” a orquestra é
muito importante, há até quem fique em pé nos balcões para ter uma melhor vista.

 08.08.2014 – sexta à noite


A Osesp criou um novo programa para democratizar o acesso – o Passe Livre
Universitário. Os alunos se inscrevem no site e ganham os ingressos que não foram vendidos.
Esse novo público fica em evidência, pois eles geralmente formam uma fila no hall de entrada
para retirarem os ingressos a poucos minutos do início dos concertos.
Interessante ver que por causa desse programa o público fica minimamente heterogêneo,
uma vez que jovens de todas as classes sociais e etnias são contemplados, como duas jovens
negras que desceram da estação Júlio Prestes comigo rumo ao concerto.
Apesar disso, a alta sociedade paulistana é majoritária nos concertos.
Interessante notar que o restaurante – lugar muito requintado e caro – é frequentado pela
elite branca, alguns estrangeiros. O lugar favorece a sociabilidade.
140

Hoje há muitos casais e muitos idosos. Contudo, uma característica marcante nesses
concertos é a presença de pessoas que vão sozinhas.
Hoje vi pessoas tirando foto, mas obviamente o concerto não é frequentado apenas pelos
habitués. O maestro explicou a obra que ia ser tocada. Ele explicou que na época de Mozart
era comum aplaudir após os movimentos da música. Isso chamou a minha atenção, já que só
vejo isso acontecer nos matinais, pois à noite geralmente o público é conhecedor dos rituais.
E, de fato, as explicações não tiveram, a meu ver, um caráter pedagógico, foi uma espécie de
bate-papo entre o maestro e a plateia.

 24.08.2014 – matinal
Cada vez mais a Sala São Paulo está mais lotada. A fila de espera nos concertos
matinais é gigantesca.
A presença das famílias é notória. Fui a dois concertos noturnos esse mês e vi que as
“cores” do público são mais heterogêneas, uma vez que as pessoas pardas vêm com
frequência, no entanto, os negros são minoria.
As crianças sempre se divertem com as apresentações, elas ficam encantadas e prestam
muita atenção. Em todos os concertos há sempre uma ou mais crianças imitando o maestro.
Os adultos também acham interessante e comentam entre si.
Os agentes vêm trajados de maneira muito informal, sobretudo quando o dia está
ensolarado; algumas pessoas vêm com roupas esportivas; algumas chegam de bicicleta, enfim,
o clima é de descontração, de lazer.
Hoje a apresentação ficou por conta da Banda Sinfônica. Quando eu estava entrando,
escutei uma mulher dizendo que preferia a Osesp. Durante o concerto, mais uma vez, o
público foi perguntado sobre a diferença entre uma banda e uma orquestra. O maestro
explicou com muita clareza.
A peça unia o erudito e o popular. Efetivamente, as apresentações são mais animadas.
Os músicos se esforçam para tornar a apresentação mais agradável. Hoje eles fizeram uma
encenação. A música incorporava o ritmo de canções folclóricas da Argentina e o maestro
disse que “é difícil de acompanhar”. Hoje, a obra era longa, até senti falta de um intervalo
como ocorre nos noturnos.
Peguei o trem com um grupo de amigos que estava no concerto. Eles estavam
conversando sobre como as pessoas devem se comportar num lugar como a Sala São Paulo e
também em outros lugares onde a arte legítima está presente (exposições, museus). Na minha
avaliação, tratava-se de agentes muito dominados. Eles estavam satirizando as regras de
141

comportamento, mas ao mesmo tempo, concordando com elas; um deles disse “se for, tem
que entrar na dança”, ou seja, apesar de achar as regras engraçadas, quando lá estiverem, é
preciso se comportar adequadamente. Pela conversa que ouvi, eles frequentam o circuito
cultural de São Paulo e dão muita importância a isso. Sendo assim, começo a perceber que
existe uma frequentação sem a exata apropriação do habitus dominante.

 21.09.2014 – matinal
A apresentação de hoje ficou a cargo de uma banda. O público não estava muito
volumoso. Quando cheguei, os ingressos já estavam esgotados, no entanto, a sala de concertos
estava praticamente vazia.
No início do concerto, a maestrina explicou a diferença entre a música erudita e a
popular. Disse que a música popular é aquela que faz as pessoas se extroverterem, ao passo
que a erudita, projeta a introspecção nos agentes. Ela também falou sobre a música
contemporânea, que é aquela que faz o indivíduo “sair de si”, é a música que “choca”, pois
não é melodiosa.
Houve a preocupação com a legitimidade da banda sinfônica, face à importância das
orquestras. A maestrina ao enfatizar que Stravinsky escreveu muitas obras para os “sopros”,
quis dizer que as bandas tocam músicas “sérias” e não apenas músicas para o entretenimento.
Além disso, ela explicou todas as peças que foram tocadas, como também falou sobre a
questão dos movimentos, em razão das palmas em momentos inoportunos.
Hoje, a maioria do público demonstrou não conhecer as regras, por exemplo, a
maestrina entrou pela quarta vez e quase não foi aplaudida. As pessoas ficam esperando o
momento correto.
O público hoje estava muito agitado. Alguns celulares tocaram, muitas pessoas tiraram
fotografias e/ ou gravaram a apresentação e obviamente os funcionários tiveram que
repreendê-las.
O tipo de apresentação de hoje, fez-me pensar que o matinal é um programa
experimental tanto pela parte de formação de público, como também por abrir espaço a
bandas e orquestras ainda em ascensão. A banda de hoje, por exemplo, era composta por
alunos. A apresentação foi muito longa e cansativa, pois nos matinais não há intervalos.
A última música tocada tinha origem latino-americana. A plateia gostou muito,
sobretudo as crianças, pois quando a música é mais animada, elas se divertem e dançam
muito.
142

 27.09.2014 – sábado à tarde


A apresentação da tarde é muito concorrida. O hall de entrada fica sempre lotado. O
programa Passe Livre Universitário também é bastante procurado. Foram poucas as vezes que
consegui ingressos do Passe Livre, pois uma vez liberados, logo esgotam.
As frações das classes mais altas são maioria na plateia; além dos muitos estrangeiros
que frequentam os concertos tradicionais. A vestimenta das senhoras é impecável.
Muitos se conhecem, cumprimentam-se, circulam juntos. Tomam champanha ou vinho
durante o intervalo. É um clima muito sofisticado.
Apesar disso, também avisto algumas pessoas que ainda não estão acostumadas com o
ambiente e/ou tipo de evento. Alguns que estão sentados no coro, tiram fotografias.
Hoje mais uma vez, o público é formado por muito idosos. Em contrapartida, os
frequentadores mais jovens, penso que boa parte se beneficia do Passe Livre.
Um casal de idosos que estava ao meu lado, muito bem vestidos, perfumados,
acompanhavam o folheto com atenção, aparentando conhecer o repertório, e disseram que a
música era muito “triste”. Outro casal que estava perto de mim estava aborrecido com o
barulho que algumas pessoas estavam fazendo. O homem disse à mulher “esse pessoal
quando chega em casa, sintoniza na novela”.
Como neste dia ganhei um ingresso do Passe Livre Universitário, perguntei se poderia
participar do programa “Falando de Música”, mas soube que só tinha direito à entrada e não a
participar da palestra que antecede o concerto. Contudo perguntei a um funcionário como era
esse programa e ele informou que era uma conversa com o público pagante sobre o que é
apresentado e não tem nenhum caráter pedagógico como eu imaginava. Ele disse que não é
um programa que “ensina o público a não bater palma na hora errada”.

 12.10.2014 – matinal
Hoje a programação é de ordem popular159, trata-se de uma homenagem a Tom Jobim.
O público ficou muito entusiasmado com as apresentações, pois as músicas eram muito
conhecidas160, sobretudo pelos mais velhos. As músicas eram muito românticas e/ou alegres.

159
Quero fazer uma ressalva sobre a concepção de popular. Por mais que chamemos assim, esse tipo de
repertório (Tom Jobim, Cesar Camargo Mariano, Gilberto Gil, Chico Buarque), não atinge as grandes massas.
Podemos chamar de popular, simplesmente por não ser uma música de concerto, instrumental, contudo, os
nomes citados, não formam o gosto do público menos abastado, das classes populares. Isso é notório quando
conversamos com as pessoas com menos capital econômico. Quando vamos a um bairro periférico. Esses lugares
são alcançados pela eficiência da indústria cultural, aquela que de fato, preocupa-se com a vendagem e não com
a “arte”. Sendo assim, o popular aqui tem que ser analisado com muitas aspas; é o popular das classes médias,
dos agentes cultivados.
143

Hoje foi a primeira vez que vi uma apresentação de piano nos matinais (eram dois).
Hoje o público era heterogêneo – idosos, adolescentes, crianças. Muitas famílias
presentes; todavia, há aqueles que vêm desacompanhados.
O público não tem muita paciência de esperar a música acabar, ouvir a última nota; as
pessoas ficam com pressa para aplaudir.

 07.12.2014 – matinal
Hoje o Coro da Osesp se apresentou.
As pessoas usavam vestimentas bem casuais, esportivas, sobretudo por causa do calor.
Ficou evidente que muitos agentes vieram para ver a apresentação de seus familiares, o
que aumenta a chance da plateia ficar ainda mais inclinada a tirar fotografias e fazer filmagens
não autorizadas. Os pais acenam para os filhos e ficam muito emocionados.
Neste tipo de apresentação, sempre há muita conversa paralela e isso atrapalha e
incomoda algumas pessoas (ainda mais que hoje havia presença maciça de crianças).
Hoje o público estava muito impaciente (entravam e saíam em todo momento).
Além disso, o repertório cantado pelo coro formado por adolescentes não era muito
palatável, pois era composto por músicas mais lentas, músicas sacras e isso acarretou na saída
de muitas pessoas. O que denota o quanto o público do matinal não está acostumado com um
repertório mais denso, pois eles preferem músicas animadas.
Já na apresentação do coro infantil, as músicas eram mais alegres e o público gostou
mais, dado à graciosidade das crianças e também por conta das canções natalinas que boa
parte do público conhece.
O regente também explicou uma das peças, como sempre ocorre nos matinais, além de
dizer que o coro faz parte dos programas educacionais da Osesp.
O regente também falou a questão dos movimentos das obras, no entanto, o público
mais uma vez errou o momento de aplaudir.

 08.03.2015 – matinal
Os matinais desde 2014 passaram a ser muito disputados. Os ingressos se esgotam
muito rapidamente durante a semana, porém alguns ingressos são disponibilizados minutos
antes do início do concerto. Para tanto, uma grande fila é formada no guichê do

160
Samba do Avião, Desafinado, Insensatez, Águas de Março (Tom Jobim); Domingo no Parque (Gilberto Gil);
Serenata do Adeus (Vinicius de Moraes). Programação disponível em www.osesp.art.br. Acesso em:
22/10/2015.
144

estacionamento. Esta fila facilita muito o meu trabalho, haja vista que percebo de antemão o
comportamento das pessoas, suas vestimentas, vejo se vêm acompanhados, se já estão
familiarizados com o lugar. Converso aleatoriamente com os informantes.
O público de hoje era bem variado no que se refere à idade e sexo, mas homogêneo com
relação à etnia (a maioria era formada por pessoas de pelo branca). Percebo a cada matinal a
presença constante de jovens universitários. Percebo através dos estereótipos – os homens
brancos, com barba, cabelo grande, usando roupas mais alternativas como camisas
estampadas; as mulheres geralmente usam vestidos que vemos em brechó, sandálias rasteiras,
cabelos “modernos”, adornados, enfim, são estereótipos típicos de alunos de cursos de
humanas. Há também aqueles que vêm de bicicleta e consequentemente trajam roupas
esportivas. O público é predominante jovem (até 40 anos).
As famílias compareceram maciçamente, sobretudo pais e mães jovens que
possivelmente têm a preocupação de introjetar este tipo de habitus em seus filhos pequenos.
O matinal hoje traz a comemoração dos 25 anos da Jazz Sinfônica. As roupas dos
músicos estavam fora do padrão (roupas coloridas, bem casuais). O maestro explicou que o
compositor homenageado de hoje (Edmundo Villani-Cortês) transita entre o popular e o
erudito – o que confirma a proposta dos matinais, que é atrelar essas duas instâncias da
música. As primeiras músicas eram mais clássicas e as outras peças seguiam a ordem do
popular. O público foi informado sobre o processo de composição. Os maestros dos matinais
se preocupam em deixar o público mais à vontade, as apresentações são mais divertidas, de
modo que as músicas quase incitaram o público a dançar.
Pela manhã, quando a música é muito extensa e mais lenta, a concentração do público
fica prejudicada, pois as pessoas ficam sonolentas ou agitadas. Penso que a orquestra percebe
isso, por isso, eles mesclam os tipos de música e logo passam para uma composição mais
agitada. No caso de hoje, o uso da percussão foi bem importante para atrair o público que ao
final ficou mais entusiasmado.
O concerto de hoje terminou com peças de Chico Buarque e o público gostou muito,
pois as pessoas foram convidadas para cantar a música.
Como acontecem em todos os matinais, as pessoas filmam e fotografam apesar de não
ser permitido. Muitos chegaram atrasados, mas em respeito ao bom andamento do espetáculo,
só entram entre os intervalos das músicas.
145

 15.03.2015 – matinal
A Orquestra Criança Cidadã apresentou-se hoje. O público era formado por algumas
ONGs. Sentei perto de um grande grupo – “meninos da Brasilândia”. Hoje também havia um
grande grupo de turistas coreanos. As pessoas que aparentemente pertencem às classes médias
sempre estão presentes, assim como os universitários. As famílias vêm em peso; não há um
concerto em que não ouço o choro de uma criança.
O repertório de hoje é muito popular161 e isso faz as crianças ficaram ainda mais
agitadas. Eu estava perto de algumas crianças de 10 ou 12 anos que não conseguiam ficar
caladas por muito tempo. Os funcionários ficam atentos às crianças e repreendem algumas
vezes suas mães.
Foi muito significativo ver um maestro negro e nordestino. Uma coisa que percebo é
que sempre há negros na plateia quando a orquestra tem uma proposta mais inclusiva, neste
caso, como há alguns músicos negros, as famílias vêm prestigiá-los.
As apresentações de hoje foram inusitadas. Um músico saxofonista acompanhou a
orquestra, vestido do personagem de “malandro” e tocou Chico Buarque. A plateia gostou
muito e cantou junto com a orquestra. O forró e o frevo também agitaram o público.
No final do concerto o homem trajado de “malandro” que é um importante
instrumentista do frevo de rua de Recife, disse que na rua os músicos podem tocar bem ou
mal porque todos querem se divertir, mas no “principal templo sagrado da música clássica” o
músico tem que se superar e isso, segundo ele, é muito enaltecedor para um artista de rua.
Hoje, os músicos improvisaram bastante, explicaram o que era o frevo, mudaram o
repertório, foi de fato, um concerto popular e agradou a visivelmente a todos. A plateia
aplaudia muito, pedia bis e não queria ir embora.

 05.04.2015 – matinal
Havia uma fila imensa de retirada dos ingressos, como já afirmei, o público dos
matinais está aumentando cada dia mais.
Hoje foi realizado mais um concerto popular. O repertório da Orquestra Jovem Tom
Jobim. Os músicos estavam usando chapéu branco, fazendo alusão ao músico. O repertório
foi composto por músicas nordestinas e também por canções populares – Milton Nascimento,
Pixinguinha, Vinicius de Moraes. O maestro explicou que os jovens músicos eram bolsistas.

Ary Barroso – Aquarela do Brasil; Autores Diversos - Homenagem a Jackson do Pandeiro; Dominguinhos –
161

Lamento Sertanejo; Maestro Spok – Um pouco da história do Frevo. Disponível em www.osesp.art.br. Acesso
em 25/10/2015.
146

O público filmou a apresentação, bateu palmas no momento errado por duas vezes
(mesmo após o maestro explicar que haveria uma sequência de sete músicas), ou seja, a
plateia não é conhecedora das regras, aplaudiram quando o maestro ainda estava regendo.
A necessidade de ver a orquestra é constante. As pessoas ficam muito curiosas.
As músicas foram muito dançantes, a plateia gesticula para acompanhar o maestro.
O maestro por sua vez, enalteceu a música popular brasileira, disse que ela tem grande
representatividade no exterior. Disse que foi uma revolução trazer as cordas (violinos e
violas) para a música brasileira, pois durante muito tempo esse naipe só fortalecia a tradição
europeia. Ele comentou a respeito do distanciamento que há entre a cultura brasileira e a
música erudita.
Muitas canções infantis no repertório. As crianças apreciaram muito. O maestro pediu
para o público acompanhar com a música. E mais uma vez a última música foi um frevo e isso
deixa a plateia muito animada.

 03.05.2015 – matinal
Hoje a apresentação foi diferenciada, a ópera La Traviata foi encenada. Nos matinais
isso ocorre raramente. Antes do início do espetáculo, a ópera foi explicada detalhadamente.
Não sei se isso acontece também nos concertos noturnos. Não tive a chance de assistir a uma
ópera à noite na Sala São Paulo, mas quando fui ao Theatro Municipal, não houve explicação,
apenas a tradução no telão. Partindo do pressuposto de que nos matinais o público é mais
leigo, a explicação faz-se necessária.
As pessoas ficaram muito encantadas, prestaram bastante atenção, ainda mais porque se
tratava de uma triste história de amor. A ópera chamou muito a atenção da plateia devido à
encenação e também porque raramente o público dos matinais é contemplado com este tipo de
apresentação.

 22.05.2015 – quinta-feira à noite


Penso que os concertos de quinta à noite sejam os mais distintos. O público aparenta ser
mais abastado e ter um estilo de vida mais cultivado, ou seja, são agentes com alto volume de
capital simbólico. São brancos, muito bem vestidos e mais velhos (muitos casais de idosos).
Eles não toleram atrasos (entrei atrasada e ouvi reclamações). Geralmente quando estão
sozinhos leem a revista Concerto e/ou o folheto. Não demonstram entusiasmo, pois se sentem
muito à vontade neste ambiente.
147

Não vejo nenhum funcionário repreendendo os frequentadores, pois eles não utilizam o
celular no durante as apresentações.
A sacralização do ambiente é muito forte. A quietude permanece até mesmo quando os
funcionários arrumam o palco.
O intervalo é um momento propício para verificar a distinção dos frequentadores, pois o
salão onde fica o restaurante e o café fica lotado. É uma perfeita forma de sociabilidade, pois
os agentes encontram seus pares, são vistos. Tudo é requintado, muitos transitam com suas
taças de vinho.

 24.05.2015 – matinal
Hoje finalmente a Osesp se apresentou no matinal, foi a mesma apresentação de quinta
à noite e a única diferença é o tempo da apresentação.
O público é muito volumoso e diversificado. É interessante quando percebo a reação de
pessoas que nunca vieram antes. Uma moça perguntou “cadê o maestro?”. Quando o spalla162
entrou, ela o confundiu com o maestro. Eles têm muitas curiosidades, fazem perguntas uns
aos outros.
Ao meu lado, uma senhora reclamava do choro de uma criança. Muito provavelmente
ela não está acostumada com a presença de crianças nos concertos, mas essa é uma
característica do matinal. Outra senhora ao meu lado não reconhecia o momento correto de
bater palmas. O público em geral aplaude no momento inoportuno.
Como se trata do mesmo repertório de um concerto de horário nobre, a diferença entre
os públicos fica ainda mais latente. Sem dúvida, tudo é diferente, a “atmosfera” do matinal
tem um clima de festa, o público é descontraído, as vestimentas são mais despojadas e o
deslumbramento das pessoas é visível.
Hoje não houve nenhuma informação sobre o concerto. Geralmente quando é a
Osesp o caráter mais didático não opera.

 30.05.2015 – sábado à tarde


Hoje foi a apresentação de um coral.
O público é muito distinto, roupas, sapatos, até mesmo carrinhos de bebês são
estilizados.

162
“A palavra italiana "spalla" é o nome dado ao primeiro violinista de uma orquestra. Existe somente um Spalla
para cada orquestra. Ele é a figura mais importante depois do maestro. Além de orientar a afinação da orquestra é
a referência para os outros instrumentistas, caso haja dúvidas sobre as indicações do maestro”. Fonte:
Conservatório Digital. Disponível em: http://www.conservatoriodigital.com.br. Acesso em: 25/10/2015.
148

O público em geral não é muito idoso, a maioria está na faixa dos 40 anos. O que é
curioso, pois geralmente os frequentadores dos concertos da tarde são mais velhos.
Como a maioria é habitué quase ninguém fotografa a sala; sentei do lado de uma moça
que estava tirando fotos e logo soube que era o primeiro dia dela na Sala.
A estrutura da apresentação do coral em horário nobre é mais elaborada. É uma
superprodução que utiliza, de fato, o espaço do coro, há apresentação de solistas, a orquestra
acompanha o coro, ou seja, a dinâmica é bem arquitetada.
Chamou-me atenção o fato da cantora principal ser negra. É muito difícil isso acontecer.
O público se concentra, apesar de a peça ser extensa. Embora eu perceba que as
apresentações de maior duração canse até mesmo o público mais acostumado com a música
clássica.

Considerações acerca das etnografias


Percebo que a ida à Sala São Paulo é uma prática atrelada ao reconhecimento social, a
circulação do público pelo salão, especialmente no intervalo, é muito interessante, muito
representativa de um estilo de vida mais elitizado. A sensação de estar no matinal é muito
diferente dos concertos da noite. As pessoas são mais espontâneas, apreciam o evento como
um entretenimento. À noite, em contrapartida, todos ficam muito contidos e discretos. Pela
manhã, tudo é festa. De maneira geral, percebo que nos matinais a presença de uma classe
média cultivada é constante – estudantes universitários e professores são frequentadores
constantes. A maior parte das pessoas é branca e isso torna a presença de um grupo de negros
que ali estava, singular. Realizo as etnografias não somente na sala de concertos, mas em
todas as dependências em que posso estar, pois tenho o intuito de ouvir comentários dos
agentes que muito contribuem para a minha pesquisa. Uma conclusão que chego a partir desse
método, é a de que uma sala de concertos é um local considerado pelos seus próprios
frequentadores como um lugar intrinsecamente ligado ao cultivo dos mesmos, de modo que o
fato de estar ali significa que eles são dotados de capital cultural e, portanto, têm importância,
prestígio no espaço social, em virtude de seu estilo de vida163.

163
Para ilustrar isso, exponho a conversa que ouvi entre duas senhoras num banheiro: uma delas disse que foi a
um concerto em outro lugar e o porteiro disse a outro que não sabia do que se tratava o evento. Então, a amiga
dela disse: “que povo sem cultura”. Ou seja, na economia das trocas simbólicas, ir a um concerto e ser
conhecedor desse tipo de arte, é uma forma de pertencer a uma classe, de ser reconhecido; coisa que o porteiro,
por não conhecer ou não apreciar, não poderia ser.
149

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa tentei analisar a relevância de uma sala de concerto como a
Sala São Paulo na disseminação da cultura dominante, já que a Sala São Paulo junto com os
outros espaços culturais da região da Luz são âncoras culturais que permitem o maior contato
do público em geral com a arte “legítima”, dado o seu valor histórico e também em razão de
serem espaços voltados para as atividades turísticas. Além disso, como vimos no capítulo
primeiro, existe a pretensão por parte do poder e da iniciativa privada de “revitalizar” esta
região da cidade de São Paulo através desses equipamentos em face da degradação social que
se instalou no bairro, para tanto, a “cultura” é vista como uma estratégia indefectível.
A Sala São Paulo, apesar de ser um dos redutos da alta burguesia, em razão do tipo de
prática que ali é desenvolvida, busca por meio de vários programas democratizar a música de
concerto, como também o acesso a um equipamento visto como elitizado a frações menos
prestigiadas da sociedade, haja vista que a Fundação Osesp tem compromissos de
responsabilidade social. Assim, como consta no segundo capítulo, seus programas educativos
têm a missão de ampliar o público dos concertos no sentido de que a Sala seja ocupada por
pessoas que não necessariamente tiveram contato com a arte “legítima” ainda nos primeiros
anos de trajetória.
O trabalho também discutiu no terceiro capítulo, as políticas culturais que visam
quebrar a barreira simbólica que há entre o grande público e as manifestações artísticas
denominadas legítimas. Também tratamos da importância do trabalho do terceiro setor na
ampliação do público de cultura por meio de parcerias como a que acontece entre algumas
ONGs e a Osesp, especialmente nos concertos matinais.
Embora seja evidente, que pelo menos na Sala São Paulo, a frequentação seja
realizada, grosso modo, pelas classes mais altas, há também um público detentor de menor
capital (econômico e cultural) que passou a frequentar este espaço em função de um espectro
de fatores. Desde já, posso elencar alguns: os programas educativos; as parcerias com as
ONGs; a frequentação a cultos e o aumento do grau de escolaridade, por exemplo, vão de
encontro à visão de que apenas as elites frequentam os equipamentos culturais, especialmente
uma sala de concertos.
No entanto, o maior objetivo da presente pesquisa era compreender como o gosto pela
cultura dominante foi formado, mais especificamente saber se a prática do concerto é
homóloga a outras práticas dominantes. Para tanto, foi realizado um trabalho de campo que
usou dois tipos de método: a etnografia dos concertos noturnos e dos concertos matinais, que
150

visava observar o comportamento dos frequentadores face um ambiente de altíssima


distinção, ou seja, visualizar a familiaridade do público com o espaço, como também a falta
de proximidade que leva muitos agentes a se sentirem deslumbrados com a arquitetura do
lugar e também com o evento em si; o segundo instrumento metodológico foi a aplicação de
um questionário que mensurou a homologia entre o gosto por música de concerto e outras
práticas culturais dos entrevistados.
De modo geral, o público dos dois tipos de concertos tem algumas diferenças sutis. O
público da noite é majoritariamente formado por pessoas de pele branca, aparentemente
oriundos das mais altas frações das classes superiores, dado a sua postura, indumentária, o
modo como se comportam durante as apresentações, ou seja, acompanhando os folhetos,
aplaudindo nos momentos oportunos, não fotografam, nem fazem filmagens das
apresentações, demonstram familiaridade com o local.
Já o público dos matinais é formado por pessoas aparentemente provenientes das
classes médias (professores, estudantes universitários), famílias, sobretudo por pais jovens e
crianças pequenas, como também por frequentadores trazidos por algumas ONGs e excursões
do interior, enfim é um público mais heterogêneo do ponto de vista socioeconômico. Este
público demonstra deslumbramento quando adentram no hall de entrada da Sala, é formado
por muitas. Em todos os concertos algumas são repreendidos pelos funcionários por tiraram
fotografias e por filmarem os espetáculos. O público dos matinais carece de explicações por
parte dos maestros sobre as obras, sobre os compositores o que faz os concertos matinais
terem um caráter de aprendizagem, isto é, de formação da plateia e não só de entretenimento.
Parti da ideia de que quanto menos popular ou comercial é a prática, ela é mais
cultivada, e, portanto, dominante na esfera artística e social. Como por exemplo, um romance
de Dostoiévski versus um livro de autoajuda; o gênero musical de jazz versus o estilo
sertanejo universitário, isto é, quanto mais meus agentes afirmavam apreciar itens
disseminados ao grande público, mais propensão de estar no grupo dos “dominados”. O grupo
dos ecléticos, por sua vez é aquele que lida com os dois tipos de práticas. Uma pessoa pode
desenvolver disposições mais puras, como, por exemplo, apreciar exposições de arte
contemporânea, mas também pode assistir a filmes de grande bilheteria.
Antes de realizar a pesquisa de campo nos concertos de quinta e sexta-feira à
noite e de sábado à tarde esperava que a maior parte dos entrevistados fosse cultivada (para
não dizer todos), dada a própria expectativa gerada pela teoria bourdiesiana, segundo a qual
um concerto de música erudita requer um público provido de maior volume de capital
simbólico.
151

O público dos concertos matinais tem um maior contingente de pessoas que


desenvolveram um habitus considerado dominado, ao passo que o maior número de pessoas
cultivadas frequenta o público dos concertos de horário tradicional. Curioso o pequeno
percentual de cultivados nos concertos matinais.
A análise dos questionários mostrou que há alguns fatores que são muito influentes na
formação do gosto cultural dominante. Sobretudo no que diz respeito à formação musical.
Neste quesito visualizamos a importância, por exemplo, das igrejas (especialmente as
evangélicas) na vida de algumas pessoas. Muitas delas entraram em contato com o mundo da
música de concerto através dos ensinamentos musicais da igreja – canto, ensino de algum
instrumento como o violino, o órgão. No entanto, o prévio contato com este tipo de música na
igreja não reverbera na transformação do gosto cultural dominante como um todo, pois o
público dos concertos matinais, como já ficou explicitado, tem mais familiaridade com
práticas mais dominadas na esfera social.
Porém a família, mais do que a igreja, é o centro de uma educação cultural e legitimação
simbólica mais efetiva, em outras palavras, demonstrou ser fundamental na construção de um
gosto mais legítimo. A base familiar impulsiona os indivíduos a terem gostos concernentes
com a sua realidade social, ou seja, um frequentador mais abastado, geralmente frequenta uma
escola “melhor”, tem contato desde cedo com a arte dominante (museus, cinema, teatro,
música etc) de modo que quando os frequentadores já têm o habitus desenvolvido na família
ele obviamente o conserva e o aprimora. Mas uma variável importante na formação de um
gosto mais legítimo está ligada também com o curso de formação superior, dado que aqueles
mais voltados para as áreas das artes e das humanidades têm uma chance maior de entrar em
contato com manifestações artísticas mais puras. Os resultados da pesquisa mostraram
também que a variável sobre o posicionamento político também explica as disposições mais
dominantes, especialmente por indivíduos que têm predisposição para a ideologia mais
voltada para a “esquerda”.
Nos concertos noturnos também ocorreu esse mesmo fenômeno, pois no grupo dos
“cultivados” dos concertos noturnos também há o predomínio de informantes de esquerda.
Chamou-me a atenção ver pessoas com este posicionamento nos concertos noturnos, dado que
antes da pesquisa imaginei que a grande maioria fosse declaradamente de “direita” em razão
da posição no dominante campo social. Com isso, vejo que existe uma correlação entre o
posicionamento político e as práticas legítimas, assim como também ocorre com a questão da
religiosidade, pois ambas (re)configuram o habitus. Assim, observa-se que os modos de
152

apropriação e de contemplação de um objeto dependem de diferenciações sociais ajustadas


também ao capital cultural que cada indivíduo possui.
Neste sentido, pode-se dizer que a Sala São Paulo é um espaço de encontro entre
produtores de valores estéticos “legítimos”, ou seja, a música erudita, que reúne indivíduos
culturalmente dominantes (produtores musicais) e socialmente dominantes (público
tradicional de classes abastadas). Logo, nesse espaço simbólico estão colocadas as relações
exclusivas entre uma elite que possui capital cultural alto e um grupo de consumidores ou
público cujas disposições estão há muito tempo incorporadas para a apreciação desse gênero
musical. Isto é, pessoas provenientes das classes médias e altas.
Todavia, vê-se que ao menos no ponto de vista dos programas educativos, dos
concertos matinais, da atuação de algumas igrejas, a formação musical de uma fração das
classes populares também começa a usufruir de um bem simbólico legítimo. Como ficou
evidenciado no capítulo segundo, os concertos matinais priorizam um repertório mais eclético
– ao misturar o popular e o erudito – com o intuito de fazer uma prévia preparação do público
mais “leigo”.
Assim, dentre os “cultivados” há dois tipos de trajetórias a serem analisados. O
primeiro é o caminho clássico daqueles que já nasceram em “berço esplêndido”, os pais têm
ensino superior, o que permite um cultivo maior, desde criança, mas também há aqueles que
tiveram sua trajetória mudada por meio de fatores diversos, como é o caso de um produtor de
elenco, ex-morador do bairro de Guaianases – zona leste de São Paulo – que além de ter sido
bolsista numa escola particular, morou em Londres. A sua área de trabalho foi a responsável
pela transformação de seu gosto cultural, apesar dele afirmar que sempre foi “o diferente na
periferia”. Outra jovem estudante de biologia na Unesp, disse que passou a frequentar lugares
culturais a partir de um projeto da prefeitura de São Paulo, onde fez curso de música, teatro e
dança. Ou seja, a família exerce um fator primordial na formação do gosto legítimo, mas os
casos como os acima citados mostram que outros fatores podem possibilitar a mobilidade
social dos indivíduos.
153

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159

ANEXO 1 – QUESTIONÁRIO

1. SEXO:
( ) Feminino
( ) Masculino

2. IDADE: ______________________________

3. ESTADO CIVIL: _______________________

4. COR DE PELE: _______________________

5. OCUPAÇÃO: ____________________________________________________________

6. LOCAL DE NASCIMENTO: _______________ 6.1. LOCAL DE MORADIA: ________________

7. RELIGIÃO
1. ( ) Católico
2. ( ) Evangélico Pentencostal
3. ( ) Evangélico Não pentecostal
4. ( ) Muçulmano
5. ( ) Judeu
6. ( ) Espírita
7. ( ) Religiões Afros (Umbanda, Candomblé etc)

8. POSIÇÃO POLÍTICA (Em quem votou para presidente nas últimas eleições?):
___________________________

9. RENDA BRUTA FAMILIAR:


9.1 Há quantos moradores na casa, contando com você? ________________
9.2. Dessas pessoas, quantas têm renda? _______________________

1. ( ) sem renda / estudante


2. ( ) até R$ 788,00
3. ( ) de R$ 788,00 a R$ 1576,00
4. ( ) de R$ 1576,00 a R$ 2364,00
5. ( ) de R$ 2364,00 a R$ 3152,00
6. ( ) de R$ 3152,00 a R$ 3940,00
7. ( ) de R$ 3940,00 a R$ 7880,00
8. ( ) de R$ 7880,00 a R$ 11820,00
9. ( ) mais R$ 11820,00

10. GRAU DE ESCOLARIDADE:


1. ( ) Nunca estudou 7. ( ) Ens. Superior completo
2. ( ) Ens. Fundamental incompleto 8. ( ) Pós-graduação (especialização)
doutorado)
3. ( ) Ens. Fundamental completo 9. ( ) Mestrado
4. ( ) Ensino Médio incompleto 10. ( ) Doutorado
5. ( ) Ens. Médio completo 11. ( ) Pós-doutorado
6. ( ) Ens. Médio Técnico

11. NA FASE ESCOLAR, ESTUDOU EM QUAL TIPO DE INSTITUIÇÃO?

12. ( ) Pública 2. ( ) Particular 3. ( ) Maior tempo em pública 4. ( ) Maior tempo em


particular

13. VOCÊ CURSOU OU CURSA UNIVERSIDADE? EM QUAL TIPO DE INSTITUIÇÃO?


1. ( ) Não cursei universidade
2. ( ) Universidade Pública. Qual? ______________________________________
160

3. ( ) Universidade Privada. Qual? ______________________ Como custeou? _____________________

14. QUAL SEU CURSO DE FORMAÇÃO SUPERIOR? ____________________________________

15. GRAU DE ESCOLARIDADE DO PAI:


1. ( ) Nunca estudou 7. ( ) Ens. Superior completo
2. ( ) Ens. Fundamental incompleto 8. ( ) Pós-graduação (especialização)
doutorado)
3. ( ) Ens. Fundamental completo 9. ( ) Mestrado
4. ( ) Ensino Médio incompleto 10. ( ) Doutorado
5. ( ) Ens. Médio completo 11. ( ) Pós-doutorado
6. ( ) Ens. Médio Técnico

16. GRAU DE ESCOLARIDADE DA MÃE:


1. ( ) Nunca estudou 7. ( ) Ens. Superior completo
2. ( ) Ens. Fundamental incompleto 8. ( ) Pós-graduação (especialização)
doutorado)
3. ( ) Ens. Fundamental completo 9. ( ) Mestrado
4. ( ) Ensino Médio incompleto 10. ( ) Doutorado
5. ( ) Ens. Médio completo 11. ( ) Pós-doutorado
6. ( ) Ens. Médio Técnico

17. VOCÊ FALA ALGUMA LÍNGUA ESTRANGEIRA?


( ) não ( ) sim Qual (s)? _________________________________________
17.1. Qual o seu nível de fluência nessa língua?
1. ( )Muito bom
2. ( )Bom
3. ( )Não muito bom
4. ( )Ruim ou Quase nenhuma

18. ATIVIDADES CULTURAIS QUE PRATICA

A. Televisão:
Assiste televisão? Com que frequência? Que tipo de programa prefere? Pode dizer os nomes dos
programas que assiste?
Assiste mais à TV aberta ou fechada?

B. Rádio
Costuma ouvir rádio? Quais as estações preferidas?

C. Esportes:
Pratica algum esporte? Anda, corre, faz academia/ginástica?

D. Exposições de arte:
Você gosta de frequentar exposições? Quais os lugares? Qual o tipo de exposição preferido?
Pode citar a última exposição que foi?

E. Jornal e Revista
É assinante de algum jornal ou revista? Lê na internet?
Pode citar o nome? Lê frequentemente?

F. Livros
Você gosta de ler livros? Qual o último livro que leu ou está lendo?
Qual o tipo de literatura favorito? Costuma frequentar bibliotecas?

G. Cinema:
Vai a cinema com frequência?
Pode citar o nome do último filme que assistiu?
Frequenta que tipo de cinema? Shopping, Belas Artes...
161

H. Teatro
Costuma ir a teatro?
Pode dizer o nome da última peça que assistiu?
Qual teatro costuma frequentar?

I. Museu
Costuma visitar museus? Com que frequência? Quais?

J. Gênero Musical
Qual o seu estilo de música favorito?
Pode citar um artista preferido?
Costuma comprar cd? Baixar música na internet? Ouvir música no celular, iphone, no carro?
Costuma ir a shows?

L. Roupas:
Com relação às suas roupas, onde costuma compra-las?
Lojas de grife? Lojas populares? Pode dizer o nome da loja? Costura em casa?

M. Bebida
Qual o tipo de bebida favorito?

N. Frequenta bares e/ou restaurantes? Pode dizer o nome de algum lugar?

19. O. Que outros tipos de atividades culturais você costuma participar? (Saraus, espetáculos de dança,
shows, circo, festas populares, feira de artesanato, dança)

20. Que tipo atividade que você nunca costuma participar: _____________________________________

21. Você consegue dizer o que te influencia a praticar atividades culturais? (família, escola, amigos?)
Desde quando passou a gostar de frequentar?

22. Com que tipo de transporte chega à sala São Paulo? _______________________

23. É a primeira vez que vem à Sala São Paulo? 1. ( ) sim 2. ( ) não
23.1. É assinante dos concertos? 1. ( ) sim 2. ( ) não
23.2. Com quem você costuma vir à Sala São Paulo? __________________________________________
23.3. Você costuma ver concertos com certa frequência? ____________________________________
24.3. Como você veio à Sala SP? Quem te trouxe? Foi convidado? _______________________________

24. Você ouve música clássica em casa? ( ) sim ( ) não

25. Desde quando aprecia música clássica? Com quem aprendeu este
hábito?____________________________________________________________________________________
_

26. Você costuma frequentar outros ambientes relacionados à musica de concerto?


1. ( ) não
2. ( ) sim Qual (s): __________________________

27. Quais outros espaços culturais você costuma frequentar em São Paulo? (museus, parques, shoppings,
Sesc, biblioteca etc)
___________________________________________________________________________________

28. O que te leva a frequentar tais ambientes culturais?_________________________________________

29. Você recebeu algum tipo de ensino voltado para arte (música, teatro, pintura, dança, desenho etc) ao
longo de sua vida?
1. ( ) não
162

2. ( ) sim Onde: __________________________ Tipo: ____________________________________

30. Você toca algum instrumento? ( ) não ( ) sim. Qual? ________________________

31. QUAIS SÃO OS COMPOSITORES QUE MAIS APRECIA?


1. ( ) Beethoven 6) ( ) Chopin 11) ( ) Schubert 16) ( )
Outros.
2. ( ) Tchaikovsky 7) ( ) Villa-Lobos 12) ( ) Strauss
3. ( ) Mozart 8) ( ) Stravinsky 13 ( ) Brahms
4. ( ) Vivald 9) ( ) Rossini 14) ( ) Berlioz
5. ( ) Bach 10 ( ) Wagner 15 ( ) Bizet

32. RELACIONE O COMPOSITOR COM SUA OBRA:


1. Mozart ( ) Jesus, alegria dos homens
2. Beethoven ( ) Danúbio azul
3. Vivaldi ( ) A flauta mágica
4. Bach ( ) As quatro estações
5. Strauss ( ) Quinta sinfonia
163

ANEXO 2 – GRÁFICOS – CONCERTOS NOTURNOS

Sexo
Estado Civil

masc.
45% fem. 46% 44%
55% 8% 2%
solteiro casado divorc. viúvo

Cor de pele

2% 7%
4% branco
7% Religião
pardo 3%
negro 9%
4% católico
7% 31%
80% n. decl. evangélico
23% 23%
outros sem religião
espírita

Posição Política

direita

esquerda
5%4%
6%
34%
apolítico
26%
centro
25%

centro-
esquerda
164

Renda familiar per capita

mais R$ 11820,00 3%
5%
de R$ 3940,00 a R$… 27%
15%
de R$ 2364,00 a R$… 11%
12%
até R$ 1576,00 17%
8%
sem renda 2%

Faixa Etária

Série1

70 a 79 10%

60 a 69 15%

50 a 59 11%

40 a 49 17%

30 a 39 24%

20 a 29 19%

15 a 19 4%

Escolaridade

Ens. Médio
6% 4% completo

10% Ens. Superior


incompleto
10% Tipo de escola
Ens. Superior
23% completo privada pública ambas
Pós-graduação 15%
40%
47%
Mestrado
45%
outros
165

Escolaridade do Pai

Ens. Fundamental
7% 12% incompleto
Tipo de universidade
Ens. Fundamental
pública privada 34% 17%
completo
25% Ensino Médio
5% incompleto
39%
61% Ens. Médio
completo

Escolaridade da Mãe
Ens.
Fundamental
incompleto
Ens.
Fundamental
11% 12% completo
18% Ens. Médio
completo Língua Estrangeira
28%
21% Ens. Técnico
74%
10% Ens. Superior
26%
completo

outros
sim não

Meio de transporte

Série1

47% 1ª vez na Sala São Paulo?


33%
sim
13% 24%
7%

não
carro público taxi outros 76%

É assinante? Com quem costuma vir?

sim
28% 51%
32%
5% 12%
não
72%
166

Ouve música clássica em casa? Ensino voltado para a


Série1 arte?

75% não
21% 4% 35%
sim
sim não às vezes 65%

Toca algum instrumento? Conhecimento sobre os


compositores

Série1
sim
33%

conhecem 25%
não
67%
não muito 75%
conhecedores

Soube relacionar o compositor à


obra?

Série1

38%
33%
29%

não soube alguns todos


167

ANEXO 3 – GRÁFICOS – CONCERTOS MATINAIS

Sexo Estado Civil

masc. fem. casado divorciado solteiro viúva


6%
38%
35%

65% 50%
6%

Cor de Pele Religião


72%
outros 5%

sem religião 17%

espírita 8%

10% 12% evangélico 32%


6%
católico 38%
branco pardo negro outros

Faixa Etária Renda familiar per capita

70 a 79 4%
mais R$ 11820,00 1%
60 a 69 6%
de R$ 7880,00 a R$ 11820,00 11%
50 a 59 20% de R$ 3940,00 a R$ 7880,00 11%
40 a 49 18% de R$ 3152,00 a R$ 3940,00 11%
30 a 39 25% de R$ 2364,00 a R$ 3152,00 14%
20 a 29 24% de R$ 1576,00 a R$ 2364,00 24%
15 a 19 3% de R$ 788,00 a R$ 1576,00 24%
sem renda 4%

Escolaridade

Ens. Médio Ens. Sup. Incomp.


Ens. Sup. Completo Pós-graduação
Tipo de Escola
outros
Série1
10% 20%
20%
ambas 20%
33% 17% privada 20%
pública 60%
168

Tipo de Universidade Escolaridade do Pai

Pós-graduação 3%
Ens. Sup. Completo 20%
privada 79%
Ens. Sup. Incomp. 7%
Ens. Médio 21%
Ens. Fund. Compl. 25%
pública 21% Ens. Fund.Incomp. 17%
Nunca estudou 7%

Escolaridade da Mãe

Pós-graduação 2%
Ens. Sup. Completo 20% Idioma
Ens. Sup. Incomp. 4%
Ens. Médio 25% não
sim
Ens. Médio Incomp. 5% 49%
51%
Ens. Fund. Compl. 18%
Ens. Fund.Incomp. 22%
Nunca estudou 4%

1ª vez na Sala são Paulo?

sim
34%

não
66%

Meio de Transporte

veículo próprio público outros

10%
35%

55%
169

Com quem costuma vir?

50%
32%
18%

família amigos sozinho

Como soube dos matinais? Viria ao concerto se fosse pago?

outros
12% não
família
22%
internet 35%
23%
sim
amigos 78%
30%

Vai a concertos com frequência?

Ouve música de concerto em casa?

não 60%
46%
31%
sim
54% 10%

sim não às vezes

Qual o meio em que ouve música de


concerto em casa?
47%
29% 24%

internet CD rádio
170

Desde quando aprecia música de


concerto?

não
aprecia
8%
infância
vida
41%
adulta
36%
adolescê
ncia
15%

Ensino voltado para a arte?


Frequenta outros ambientes
relacionados
à música de concerto?
não
38%

sim sim
não 62%
47%
53%

Toca algum instrumento?


Conhecimento e Reconhecimento

nenhuma ou quase
62%
não nenhuma
34%

de 3 a 4 músicas 24%
sim
66%
acertou todas 14%

Fatores influentes na formação do gosto cultural

outros 7%
empresa 3%
filhos 13%
sozinho 8%
escola/ faculdade 12%
igreja 12%
amigos 18%
família (desde criança) 27%

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