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FACULDADE MADRE TEREZA – FAMAT

Pessoa humana, comunidade e direito.


Os fundamentos morais, jurídicos e filosóficos do princípio da dignidade da pessoa
humana.
O que são direitos humanos na filosofia?
Os direitos humanos são aqueles princípios ou valores que permitem a uma pessoa afirmar sua
condição humana e parti- cipar plenamente da vida. Tais direitos fazem com que o indivíduo possa
vivenciar plenamente sua condição biológica, psicológica, e- conômica, social cultural e política.

Da dignidade humana.
A dignidade humana sempre ocupou lugar privilegiado nas discussões do Direito, seja ele
público ou privado. Muito se usa da expressão “dignidade da pessoa humana” a fim de se
defender direitos essenciais ou “apelar”, como último recurso, para um princípio constitucional
que deve ser garantido de qualquer forma.
A luta pela dignidade individual e coletiva nasce muito antes de termos constituições escritas e
rígidas e até mesmo antes do consagrado código civil francês de 1804, mais conhecido como
“Código Napoleão”. De acordo com Ingo W. Sarlet, é bem verdade que “a ideia do valor
intrínseco da pessoa humana deita raízes já no pensamento clássico e no ideário cristão”.
A dignidade humana é um princípio que foi construído ao longo da história através das grandes
lutas do povo contra os Estados absolutistas ou totalitários, que não reconheciam o direito
natural do homem e sequer reconheciam também o valor da pessoa humana.

Para os doutrinadores, a dignidade humana é um atributo inerente ao ser humano, que não
depende de posição social, cor, raça, sexo etc. É o que deixa claro a Declaração Universal dos
Direitos Humanos da Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de dezembro do ano de 1948
quando diz:
"Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da
paz no mundo
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé
nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na
igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social
e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla" (...). (negrito meu).

O que é dignidade?
O dicionário Houaiss e Villar define dignidade como: “Consciência do próprio valor; honra; modo
de proceder que inspira respeito; distinção; amor próprio”. Ou seja, a dignidade é qualidade
moral que infunde respeito.
Outras definições são dadas como sendo a dignidade um substantivo feminino que significa
honradez, virtude, consideração.
A história do pensamento filosófico se desenvolve sempre no sentido de que a humanidade tome
o seu devido lugar na análise filosófica e moral. Segundo os professores Giovanni Reale e Dario
Antiseri numa obra magnífica chamada História da Filosofia – Volume I, os sofistas tiveram um
papel essencial para deslocar a pesquisa filosófica do cosmos para o homem, embora não
tivessem conseguido determinar a natureza humana como tal. Sócrates e os outros gregos
seriam os responsáveis imediatos por encontrarem uma base mais sólida da natureza humana
e sua dignidade.
Com Sócrates, a pessoa humana passou a ter mais lugar na análise filosófica. Ele foi o pensador
responsável pela descoberta da “essência do homem” procurando responder à questão: “O que
é a natureza ou realidade última do homem?”. Sócrates responde precisamente a esta pergunta
dizendo que o homem é a sua alma, e que ela o distinguia de qualquer outro animal ou coisa,
pois para ele, a alma é entendida como a nossa razão e o desejo pela atividade pensante e
eticamente operante.
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Pode-se dizer então, que é a partir de tal forma de olhar o homem, como ser dotado de razão e
de intelecto, que o princípio da dignidade humana vai se desenvolvendo.

O pensamento Kantiano: A dignidade de cada indivíduo


O fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana se encontra de forma clara na
filosofia moral que se desenvolve na história, mas é com o filósofo moderno alemão Immanuel
Kant, que este princípio tão fundamental ganha um corpo completamente formado e influencia
o conteúdo dos textos do Direito público e privado.
Para Kant, o trabalho deixaria de ser exclusividade de pessoas indignas e passaria a ser
condição de uma boa execução de decisões morais. Dessa forma, na visão moderna da
dignidade, não importa mais o grau de talento e de dons concedidos pela natureza, o que importa
é que todos, até o mais desprovido de inteligência, podem chegar a qualquer lugar pelo simples
fato de todo ser humano ser dotado de razão e dignidade. Nesse sentido, Kant põe todas as
pessoas no mesmo nível de dignidade partindo de um pressuposto básico: Todo ser humano é
detentor de um valor supremo e não pode, em nenhuma hipótese, ser comprado às coisas
inanimadas que não possuem razão nem sentido em si mesmas.

Kant expressa sua máxima sobre a dignidade humana quando propõe que a humanidade deve
ser tratada como sendo um fim em si mesma. Diz ele na sua obra intitulada “A fundamentação
da metafísica dos costumes”:
“Os seres cuja existência depende, não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, têm,
contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam
coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue
já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples
meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio.”

Com isso ele deixaria claro o valor absoluto que existe no ser humano, rompendo com qualquer
pensamento que ponha homens em posição superior a outros. O professor da faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo Fábio Konder Comparato, no seu livro “A afirmação
histórica dos Direitos Humanos” comentando esse posicionamento de Kant, chama a atenção
para o fato de que tratar a humanidade como um fim em si traz como consequência o dever de
favorecer o máximo possível o fim de outrem. Diz ele:
(...) a ideia de que o princípio do tratamento da pessoa como fim em si mesma implica não só o
dever negativo de não prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de obrar no sentido de
favorecer a felicidade alheia constitui a melhor justificativa do reconhecimento, a par dos direitos
e liberdades individuais, também dos direitos humanos à realização de políticas públicas de
conteúdo econômico e social, tal como enunciados nos artigos XXII a XVIII da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
De acordo com Sarlet, Kant relaciona a dignidade humana com o direito de liberdade, uma vez
que este direito é um direito natural por excelência que pertence a todos os homens em virtude
de sua humanidade. Enuncia Sarlet: Ressalte-se, por oportuno, que com isso não estamos a
sustentar a equiparação, mas a intrínseca ligação entre as noções de liberdade e dignidade, já
que, como ainda teremos ocasião de melhor analisar, a liberdade e, por conseguinte, também o
reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade (e dos direitos fundamentais de uma forma
geral), constituem uma das principais (senão a principal) exigência da dignidade da pessoa
humana.

Por essa razão o pensamento de Kant é tão importante para a análise do princípio da dignidade
humana, de tal forma que não se pensa hoje em dignidade da pessoa humana sem antes adotar
os princípios morais e filosóficos estabelecidos pelo mestre moderno Immanuel Kant

A pessoa humana como centro e fim do Direito


Os estudiosos apontam que até meados do sáculo XX, a dignidade humana não havia alcançado
pleno reconhecimento no mundo jurídico. Mas, atualmente, é visto de forma clara a preocupação
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com o reconhecimento da pessoa humana, nos ordenamentos jurídicos, como sendo o centro e
o fim do Direito.

Para notar a importância da pessoa humana no direito, basta olhar para a própria definição e
finalidade dele. De forma simples, o professor Olavo de Carvalho define direito como sendo “uma
espécie de garantia – de garantia do exercício de um poder – e nada mais”. Mas ainda
acrescenta ele, que o direito se distingue de outras garantias devido duas grandes
características: a reciprocidade e a socialidade.

A reciprocidade jurídica consiste em que ao direito de um corresponde uma obrigação para outro,
ou seja, um direito só surge quando existe e é claramente indicado o titular da obrigação
correspondente. Note-se que o direito só existe quando em algum tempo e em determinado
espaço, surge sujeitos e estes entram em estado de convivência. Por este motivo, portanto, é
que afirmamos ser a pessoa humana o centro e o fim do direito, pois ele existe por causa da
pessoa e para ela.

Se olharmos para a definição de direito dada a cima pelo professor Olavo, percebemos que o
direito é a garantia do exercício de um poder. Surge então a pergunta: “A quem é garantido esse
poder de ação?” Ora, a pergunta é extremamente desnecessária, pois a garantia é confiada a
nenhum outro ser senão a uma pessoa.
O direito tem um finalismo próprio que lhe permite a presença na vida humana. Esse finalismo é
justamente a missão do direito que é a de regular o convívio e prover a ordem social. Nessa
maneira finalista de olhar o direito fica ainda mais clara a importância e o lugar da pessoa
humana no direito, uma vez que este tem por finalidade regular uma sociedade composta por
pessoas e provê-las uma ordem para a convivência harmônica de todos.

O primado de que o homem é o ser supremo dotado de dignidade faz com que este seja o
fundamento primeiro do direito, devendo este princípio ser acolhido, respeitado e tutelado.

A importância da pessoa para o Direito Civil


O direito civil é o ramo do direito que mais se serve do conceito e importância da pessoa humana,
pois é extremamente visível a centralidade da pessoa neste ramo do direito privado.
Se de um modo geral o Direito não existe sem a pessoa humana, tem muito menos possibilidade
de existir o direito civil, que se caracteriza como ramo do Direito que regula as relações jurídicas
entre particulares. Pode-se dizer que o direito civil é uma vertente do direito privado, cujo objetivo
é determinar como as pessoas devem se relacionar e agir em sociedade.

Ora, mais uma vez podemos fazer uso de um olhar com caráter mais finalista para que vejamos
mais claramente a importância e centralidade da pessoa neste ramo do Direito.
Se a finalidade do direito civil é regular ou determinar como as pessoas devem se relacionar,
logo seu objeto principal é a conduta entre os particulares. Por uma questão de coerência e
lógica, se deduz que não existe direito civil sem os chamados “particulares”.

Por este motivo nos ensina Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que o “direito civil poder ser
traduzido, literalmente, como o “Direito do Cidadão”.

No capítulo IV do livro Novo curso de direito civil, os autores enfatizam a importância da


personalidade para esse “Direito do Cidadão”. Dizem eles:
Um dos temas mais importantes para a Teoria Geral do Direito Civil é, indubitavelmente, a
questão da personalidade jurídica, pois a sua regular caracterização é uma premissa de todo e
qualquer debate no campo do Direito Privado.

Serve-se da importância da pessoa o nosso Código Civil em seu artigo primeiro quando diz:
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
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Vemos então, que logo de início o Código Civil faz referência à pessoa, que pode ser sujeito
ativo ou passivo, como capaz de direitos e deveres. Não é preciso uma análise exegética
aprofundada do texto para notar uma referência ao princípio da dignidade humana, pois o
simples fato da lei empregar o termo “capaz” já demonstra um reconhecimento de autonomia e
vontade que em regimes totalitários nunca foram reconhecidos.

A dignidade humana como princípio fundamental e absoluto


Um dos grandes debates do Direito sempre foi a distinção entre direito público e direito privado.
Todavia, de acordo com Caio Mário Pereira, não são dois compartimentos herméticos,
incomunicáveis e totalmente separados. Pelo contrário, os dois lados intercomunicam-se com
muita frequência, de modo que regras privadas são vistas nos complexos do direito público e
vice versa. Afirma o autor que:

A interpenetração dos conceitos não permite o traçado de uma linha lindeira de extrema nitidez
entre umas e outras disposições. E, se é certo que normas existem que se identificam como ius
publicum puramente, e outras que formam ius privatum ("o direito privado"), precisamente, uma
zona de interferência recíproca se delineia, em que é difícil caracterizar com justeza a sua
natureza privada ou pública.

Surge então, o que os juristas chamam de Direito Civil Constitucional, que seria o processo de
constitucionalização do direito civil, ou ainda, a grande gama de direitos do “povo” que ascendem
à constituição. Seria, portanto, os princípios constitucionais que norteiam as relações privadas
e orientam a relação entre o Estado e os particulares, de tal forma a conciliar os princípios fixados
na Constituição Federal com as regras de relação interpessoal.

Com a Constituição de 1988, torna-se notório a positivação de direitos como liberdade,


propriedade, segurança etc. Que eram exclusivamente tratados pelo direito civil. A dignidade da
pessoa humana é um dos princípios que nos permite enxergar um exemplo disso. Este primado
exposto em nossa carta magna já no título I que se refere aos princípios fundamentais que fazem
de nossa república um Estado democrático de direito, também aparece no famoso artigo 5º do
mesmo documento supremo como fazendo parte dos direito e garantias fundamentais, e ainda
sendo a base de pelo menos cinco incisos do mesmo artigo (XLII, XLIII, XLVIII, XLIX, L).

As referências vão além dessas, sendo presente no artigo 8º, III da lei nº 11.340, de 2006 que
coíbe a violência doméstica e familiar e nas súmulas vinculantes nº 6, 11 e 14 do STF.

O próprio caput do artigo 5º expressa claramente sua base no princípio da dignidade quando
afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”.

Nota-se, então, que com a Constituição Federal de 1988, nosso ordenamento ganhou um
caráter mais humanístico e preocupado com a defesa da dignidade humana e que de forma
alguma iria permitir outras disposições que não fizessem “jus” aos valores estabelecidos.
Foi o que aconteceu com o Código Civil de 1916, uma obra escrita ainda no século XIX, que foi
iluminado, como diz Orlando Gomes, pelas ideias de um “país cujos tentáculos da sociedade
colonial foram baseados no trabalho escravo” O espírito oitocentista do Código Civil de 1916, o
fez incompatível com a atual Constituição, pois ele conserva com rigidez um aspecto
individualista apegado a pressupostos formais, como afirma Miguel Reale.

De acordo com Pontes de Miranda:


O Código Civil brasileiro, um tanto individualista, tímido, e menos político, mais sentimental do
que os outros, porém mais sociável e menos social do que devia ser, serve para que se lh e
descubra a intimidade daquele pensar por si, que Teixeira de Freitas ensinou à Sul -América, e
os traços de generosidade orgânica, de aferro leigo às instituições religiosas-morais, de povo
mais caracteristicamente jurídico do que todos os outros da América.
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É certo dizer que o Código Civil de 1916 apresentava-se de uma forma muito fechada e continha
apenas disposições que interessavam à classe dominante. Além disso, ser sujeito de direito
implicava ser “sujeito de patrimônio”, que para tanto precisa compra-lo. Tudo isso devido a
imperiosa ideologia liberal que recebeu.

Judith Martins Costa escreve sobre estas características: O Código traduz, no seu conteúdo
liberal no que diz respeito às manifestações de autonomia individuais, conservador no que
concerne à questão social e às relações de família -, a antinomia verificada no tecido social entre
a burguesia mercantil em ascensão e o estamento burocrático urbano, de um lado, e, por outro,
o atraso o mais absolutamente rudimentar do campo, onde as relações de produção beiravam o
modelo feudal.

Ficava clara, portanto, a necessidade de uma grande revisão do Código Civil para melhor se
adequar ao princípio que passou a tomar grandes proporções no ordenamento jurídico brasileiro,
a saber, o princípio da dignidade humana.
Sob a supervisão do grande jurista brasileiro Miguel Reale, uma comissão passou a ter a tarefa
de elaborar um novo diploma atualizado e baseado firmemente na dignidade da pessoa humana.
Um ideal de dignidade e a busca por uma sociedade livre, justa e solidária é o que define
concretamente o sentido do Código Civil de 2002.

O novo e atual código civil recebeu como herança da Constituição Federal alguns princípios e
dentre eles o que permeia todo o texto apresentando-se como o pressuposto supremo e
absoluto, a dignidade da pessoa humana.

Diferentemente do código civil anterior, o atual tem valores que buscam o bem comum de todos
aqueles que são considerados “cidadãos”, pois “Toda pessoa é capaz de direito e deveres na
ordem civil”.

De acordo com os doutrinadores, o código de 2002 é o fundamentado em três grandes valores:


a socialidade, a eticidade e a operabilidade.

O princípio da socialidade expressa bem o caráter mais coletivo do atual código, pois deixa de
priorizar apenas o indivíduo com suas posses, para preocupar-se com o social, o coletivo.

É com nossa Constituição estabelecendo princípios claros e nosso Código Civil sendo
formulado com base nestes primados, que nosso ordenamento demonstra-se preocupado com
o valor fundamental da dignidade humana. Podemos ainda, ir mais adiante e afirmar, como fez
Sarlet, que o princípio fundamental da dignidade não passível de ser concedida pelo
ordenamento jurídico, pois o precede e fundamenta. A Constituição Federal e o Código
Civil apenas teria o materializado no ordenamento jurídico brasileiro.

Com esta ideia defendida por Sarlet, entendemos, à guisa de conclusão, que o princípio da
dignidade humana é algo que não nasce com os códigos e leis, mas é intrínseco ao ser humano
e sua positivação nos ordenamentos é fruto de toda uma luta dos povos em busca do
reconhecimento de um primado essencial ao direito e à convivência harmônica na sociedade
nacional e internacional.

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