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‘Marana Tenge LITERATURA E DIREITTOS HUMANOS: UMA APROXIMACAO ENTRE Luis FERNANDO VeRIssimo £ ANTONIO CANDIDO Mariana Thiengo Universidade Federal do. Espirito Santo Resume: Estuda-se acrdnica“O povo” de Luis Fernando Verissimosob o prisma da defesa dos direitos humanos que Antonio Candido empreende no texto “O direito literatura”, no sentido de que a abordagem adotada por Candido estaria em consonincia com a finaironia de Luis Femando Verissimo, revelando assim o texto literério como um espago privilegiado dde emaneipagio do ser humano, Palavras-chave: Luis Fernando Verissimo; Crdnica; Direitos humanos, O que é 0 “povo”? Existiria um grupo definido que esse termo no- meia? Ou tratar-se-ia de uma daquelas abstragdes que servem bem ao uso, € a véirios usos, mas que se esboroam ao contato de uma abordagem mais atenta e reflexiva? Verificando 0 Diciondrio Houaiss da Lingua Portuguesa, encon- tramos varias acepgoes para o termo, algumas mais préximas da aborda- ‘gem aqui feita: 1. conjunto de pessoas que falam a mesma lingua, tém costumes ¢ interesses scmelhantes, historia tradigdes comuns [..]; 2. conjuntode pessoas que vive ‘em comunidade num determinado terrt6rio; nagdo, sociedade; 3. conjunto de individuos de uma mesma regido, cidade, vila ov aldeia[..J:4. conjunto de indivi- ‘duos de uma mesma ou de varias nacionalidades. agrupados num mesmo Esta- do{.-}; 5. conjunto de pessoas que ndo habitam o mesmo pais. mas que estio ligadas por uma origem, sua religiGo ou qualquer outro lago [J 6. conjunto dos ? E interessante observar que a separacio estabelecida pela autora entre “necessidades minimas materiais e culturais", de um lado, e “bens supérfluos”, de outro, encontra paralelo na distingdo que Candido faz entre “bens incompressiveis” e “bens compressfveis”, no citado ensaio sobre direitos humanos."" Destacamos também que o incentivo midiético ao con- sumo dos “bens supérfluos” tinha sua contrapartida em um aviltamento das condigdes que asseguravam as “necessidades mfnimas materiais ¢ culturais”, como tio bem a autora explicita em seu texto. Assim, no & dificil prever que tal contexto gerasse, nas elites dirigentes, uma ojeriza em relagdo ao “povo”, vitima de um proceso de acumulagao dirigida de renda que gerou uma das maiores desigualdades sociais do mundo”, e parado- xalmente acusado de atrapalhar o avango do pa‘s, numa inversio ideolégi- ‘ca que a crénica de Verissimo tio bem o ilustra. ‘A respeito da abordagem feita, focando aspectos ideoldgicos pre- sentes no texto literdrio, cumpre fazer uma observagiio final, justamente sobre a posigdo de resisténcia que se deve adotar em relago a ideologia e suas manifestagdes discursivas. Utilizando os modos de leitura discutidos por Jonathan Culler**e Ria Lemaire™, podemos lero texto de Luis Femando Verissimo como “assenting reader” (Ieitor concordante), sem operar a Literatura dietas numancs: uma aprovimagso entre Luls Femando Venssimo e Antonko Canseo desmontagem das ideologias que o texto encena, ficando apenas no riso, na comicidade imediata e fugaz, e podemos Ié-lo na posigdo de “resisting reader" (leitor resistente), indo além do riso, tendo o necessério espanto diante da dramaticidade da situagdo nele exposta. A segunda posigio é a que interessa em termos de criticidade, e traz implicita uma cumplicidade com o préprio grau de resisténcia do texto. Alfredo Bosi, no ensaio “Narrativa e resisténcia™, propde que a literatura, ou melhor, a narrativa, pode se colocar na posigao de resisténcia em duas frentes: pelo tema e pela forma. O primeiro caso observar-se-ia mais em perfodos de maior intensidade politica, como foi o caso da 2* Guerra Mundial. O segundo, mais distendido, independeria de contextos politicos especificos, apresentando antes uma tensdo interna que atravessa © texto, mediante o trabalho com a linguagem e a posiciio do narrador. Podemos ver na crdnica“O povo” um exemplo desse segundo caso. Nao se trata de uma militancia politica especffica. O tema, tal como aparece, se estivesse desvinculado de uma reflexdo formal, constituiria apenas uma série de enunciados de carter negativo acerca do povo. ‘A questo central reside entio na forma, no modo com que o texto se constr6i, mediante a posigio da voz enunciadora, que passa de “uma posi¢io [aparentemente] antipopular”™*, no inicio da narrativa, para uma Posigao critica e distanciada, enunciando obliquamente o discurso ideolégico aque finge aderir no inicio do texto, em sucessivas coordenagées, visando sua desarticulacdo. A imitagao do cardter simplista desse tipo de discurso, tendendo a0 caricato, indica que 0 locutor nio esté aderindo a ele, mas sim pondo-o sob cerrada critica. O necessério complemento de um discurso de resisténcia € um leitor resistente, que opere a desmontagem ideolégica proposta, ou pelo menos sugerida, no e pelo texto. oy eros 9-204 (ga Vatoska Notas ' HOUAISS, Anténio. Diciondrio Eletrénico Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, [2002]. 1 CD-ROM. Verbete “povo”. 2 VERISSIMO, Luis Fernando. O popular. 3. ed. Porto Alegre: LPM Editores, 1984. 3 A I" edigio de O popular data de 1973, publicada pela Editora José Olympio. “Por nose tratar propriamente de urn narrador, visto que predomina na crénica em pauta a descricao, e para ndo haver ambigilidades quanto a figura do autor, CULLER, Jonathan, Teoria literdria: uma introduedo. Trad. Sandra Vascon- celos. Sao Paulo: Beca Produgdes Culturais, 1999, p. 45. + LEMAIRE, Ria. A cangdo de malmaridada. In: GOTLIB, Nadia Batella (Org.). A muther na literatura, Vol. H. Belo Horizonte: UFMG, 1990. p. 14. ® BOSI, Alfredo. Narrativa eresisténcia. In: __. Literatura e resistencia. Sio Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 18-135, **VERISSIMO, op.cit.p. 122. = Coreto-sno x18 2004

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