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MEMÓRIAS DE ICAPUÍ MEMÓRIAS DE ICAPUÍ

Os agentes museais confrontam-


se sistematicamente com dois A história das revoluções - do
movimentos de memória: um que se
verão de 1776, na Filadélfia, e

MEMÓRIA E PODER:
dirige ao passado e lá se cristaliza -
como lembrança que aliena e evade do verão de 1789, em Paris, ao
o sujeito de si e do seu tempo, outono de 1956, em Budapeste
lembrança reificada e saturada de si - que decifraram politicamente
CONTRIBUIÇÃO mesma e por isso sem possibilidade
de criação e inovação – e outro que
se orienta para o presente.
a estória mais recôndita da
idade moderna, poderia ser
narrada alegoricamente como
PARA A TEORIA
Dirigir-se ao passado, sem nenhuma
perspectiva de mudança, implica a a lenda de um antigo tesouro,
comemoração da ordem estabelecida,
a afirmação da ordem jurídica, dos
que, sob as circunstâncias mais

E A PRÁTICA NOS valores culturais dados, da verdade várias, surge de modo abrupto
científica imposta. Orientar-se para e inesperado, para de novo
o presente implica a operação com desaparecer qual fogo-fátuo, sob

ECOMUSEUS
uma espécie de contramemória, que
articula-se com a vida e se instala,
diferentes condições misteriosas.
como diria Nietzsche, “no limiar (...) A perda, talvez inevitável
do instante, esquecendo todos os em termos de realidade política,
passados.” Segundo o autor de consumou-se, de qualquer modo,
“Da utilidade e desvantagem da
história para a vida” (1999: p.273),
pelo olvido, por um lapso de
Mário Chagas*
aquele que não for capaz desses memória que acometeu não
esquecimentos não conseguirá apenas os herdeiros como,
manter-se concentrado num ponto de certa forma, os atores, as
Entre a memória como uma deusa de vitória e “nunca
testemunhas, aqueles que por
saberá o que é felicidade e, pior
do poder e o ainda, nunca fará algo que torne os um fugaz momento retiveram
poder da memória outros felizes.” Um homem que não o tesouro nas palmas de suas
pudesse mais esquecer, perderia a mãos; em suma os próprios
própria humanidade e em seguida
Penso na moda “retrô” o poder de agir. O confronto entre
vivos.
atualmente em voga. Que vem a esses dois movimentos mantém (1992:30-1)
ser esta moda? Quer dizer que se a dinâmica da vida. A vitória do
primeiro sobre o segundo configura-
descobrem certas raízes ou que se se como a perda da utopia, a perda
querem esquecer as dificuldades dos sonhos ou a “perda do tesouro” a
do presente? que se refere Hannah Arendt:

Jacques Le Goff

* Mário Chagas - Poeta e museólogo. Doutor em Ciências Sociais (UERJ). Professor da Escola
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de Museologia (UNIRIO) e Assessor Cultural do Museu da República 21
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Às instituições de memória, e de O vocábulo museu, como se sabe, dos museus celebrativos da memória
modo particular aos museus, é tem origem na Grécia, no Templo
freqüentemente atribuída a função das Musas (Museión). As musas,
do poder decorre da vontade política O poder está em toda parte; não
de indivíduos e grupos e representa
de casas de guarda do tesouro. Mas, por seu turno, foram geradas a porque englobe tudo e sim porque
a concretização de determinados
se o tesouro foi perdido o que elas partir da união mítica celebrada interesses. Os museus celebrativos provém de todos os lugares.
guardam? E se guardam de fato um entre Zeus (identificado com o da memória do poder - ainda que E ‘o’ poder, no que tem de
tesouro, que tesouro é esse? poder) e Mnemósine (identificada
Nos museus normalmente estão com a memória). O retorno à
tenham tido origem, em termos permanente, de repetitivo, de
de modelo, nos séculos XVIII e
guardados os testemunhos origem do termo museu não tem inerte, de auto-reprodutor,
XIX - continuaram sobrevivendo
materiais de determinados períodos nada de novo. Diversos textos e multiplicaram-se durante todo o é apenas efeito de conjunto,
históricos. No entanto, a estes trazem essa referência. Avançando século XX. Aqui não se está falando esboçado a partir de todas essas
testemunhos materiais (alguns um pouco pode-se reconhecer, ao
com valor de mercado) associam- lado de Pierre Nora (1984), que os
de instituições perdidas na poeira mobilidades, encadeamento que
do tempo; ao contrário, a referência
se valores simbólicos e espirituais museus vinculados às musas por se apóia em cada uma delas e,
incide em modelos museológicos
de diferentes matizes. Assim, o herança materna (matrimônio) são que, superando as previsões em troca, procura fixá-las. Sem
tesouro guardado nos museus não “lugares de memória”; mas por apocalípticas de alguns especialistas, dúvida, devemos ser nominalista:
está necessariamente relacionado herança paterna (patrimônio) são
a valores monetários. Esse tesouro configurações e dispositivos de
sobrevivem e continuam ditando o poder não é uma instituição e
regras.
museológico, apenas aparentemente poder. Assim, os museus são a um nem uma estrutura, não é uma
Para estes museus, a celebração do
reside nas coisas, uma vez que as só tempo: herdeiros de memória e passado (recente ou remoto) é a certa potência de que alguns sejam
coisas estão despidas de valor em de poder. Estes dois conceitos estão pedra de toque. O culto à saudade, dotados: é o nome dado a uma
si. O que está em jogo é a tentativa permanentemente articulados nas
de construção de uma tradição que instituições museológicas.
aos acervos valiosos e gloriosos situação estratégica complexa
é o fundamental. Eles tendem a
possa vincular o presente ao passado É fácil compreender, por esta picada numa sociedade determinada.
se constituir em espaços pouco
(e quem sabe, por uma vereda de mitológica, que os museus podem ser democráticos, onde prevalece o (1997: p.89).
memória insubmissa, o passado ao espaços celebrativos da memória do argumento de autoridade, onde o
presente?). Em outros termos: se o poder ou equipamentos interessados que importa é celebrar o poder ou A tendência para a celebração da
museu pode, por um lado, significar em trabalhar com o poder da o predomínio de um grupo social, memória do poder é responsável
que o tesouro foi perdido e ali está memória. Essa compreensão está étnico, religioso ou econômico sobre pela constituição de acervos
apenas o seu duplo, sem potência e atrelada ao reconhecimento da os outros grupos. Os objetos (seres e e coleções personalistas e
sem vida; por outro, pode também deficiência imunológica da memória coisas), para os que alimentam estes etnocêntricas, tratadas como se
lembrar que o tesouro existiu, que em relação ao contágio virótico modelos, são coágulos de poder fossem a expressão da totalidade das
ele já esteve nas mãos dos vivos e do poder e da inteira dependência e indicadores de prestígio social. coisas e dos seres ou a reprodução
que pode reaparecer abruptamente, química do poder em relação ao Distanciados da idéia de documento, museológica do universal, como se
permitindo que o sentido da vida entorpecimento da memória. A eles querem apenas monumentos. pudessem expressar o real em toda
seja reapropriado. memória (provocada ou espontânea) O poder, por seu turno, nestas a sua complexidade ou abarcar as
Pensado por essa estrada, o museu é construção e não está aprisionada instituições, é concebido como sociedades através de esquemas
(despido também de valor em si) nas coisas, ao contrário, situa-se na alguma coisa que tem locus próprio, simplistas, dos quais o conflito é
é um campo onde encontram-se dimensão interrelacional entre os vida independente e está concentrado banido por pensamento mágico
os dois movimentos de memória e seres, e entre os seres e as coisas. em indivíduos, instituições ou grupos e procedimentos técnicos de
desde o nascedouro está marcado Com todos esses ingredientes, o sociais. Essa concepção está distante purificação e excludência.
com os germes da contradição e do agente museal está habilitado para o daquela enunciada por Foucault: As relações estreitas entre a
jogo das múltiplas oposições. entendimento de que a constituição

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institucionalização da memória e as museus, dando provas de que para a conexão com o presente. possível uma nova leitura. Onde há
classes privilegiadas têm favorecido a mudança é possível, buscam Essa assertiva é válida tanto para poder há memória.
esta concepção museal. Não é fruto transformar-se em equipamentos os museus de arte contemporânea, O poder em exercício empurra
do acaso o fato de muitos museus voltados para o trabalho com o poder quanto para os ecomuseus envolvidos a memória para o passado,
estarem fisicamente localizados da memória. com processos de desenvolvimento subordinando-a a uma concepção
em edifícios que um dia tiveram O diferencial, neste caso, não está comunitário. A questão fundamental, de mundo, mas como o passado é
uma serventia diretamente ligada no reconhecimento do poder da como indicou Le Goff, é saber se a um não-lugar e o seu esquecimento
a estâncias que se identificam memória, mas sim na colocação desse instituição museológica está aderindo é necessário, as possibilidades de
e se nomeiam como sedes de poder ao serviço do desenvolvimento ao passado e à moda “retro” para insubordinação não são destruídas.
poder ou residência de indivíduos social, bem como na compreensão compreender e atuar aqui e agora O tesouro perdido não está no
“poderosos”. teórica e no exercício prático da ou para esquecer “as dificuldades passado, está perdido no presente,
Importa esclarecer, no entanto, apropriação da memória e do seu do presente”. Em qualquer hipótese, mas importa lembrar (ou não
que os museus uso como ferramenta remontar (museograficamente) ao esquecer) que ele pode surgir
A memória
surgidos com caráter de intervenção social. passado é reinventar um passado, abruptamente incendiando os vivos.
celebrativo não estão (provocada ou Trabalhar nesta uma vez que dele guardam-se
maculados por pecado espontânea) é perspectiva (do poder apenas restos. Contudo, à tentativa
original e fadados construção e não da memória) implica de “esquecer as dificuldades do
O acervo de
à reprodução de está aprisionada nas afirmar o papel dos presente” alia-se muitas vezes um problemas e
modelos que eliminam coisas, ao contrário, museus como agências movimento de promoção passadista
a participação social situa-se na dimensão capazes de servir e que, vinculando o conceito de
o patrimônio
e a possibilidade interrelacional entre os de instrumentalizar patrimônio aos objetos materiais, espiritual
de conexão com o indivíduos e grupos busca afirmar que a memória e a
seres, e entre os seres
presente. Até mesmo para o melhor história estão sendo preservadas,
porque essa afirmação e as coisas. equacionamento sem conflito, sem contestação, sem A agonia das coleções é o
seria a negação do entendimento do de seu acervo de problemas. O produção inovadora. (Le Goff, 1986:
museu como um “corpo” por onde museu que adota este caminho p.55). sintoma mais claro de como se
o poder circula. Assim, dentro dos não está interessado apenas em Trabalhar com a perspectiva de desvanecem as classificações que
próprios museus desenvolvem-se ampliar o acesso aos bens culturais um movimento de memória que distinguiam o culto do popular e
canais de circulação de poder que acumulados, mas, sobretudo, em se conecta estrategicamente ao ambos do massivo.
permitem a produção de programas, socializar a própria produção de bens, presente sem querer esquecê-lo, mas
projetos e atividades que traem a serviços e informações culturais. O olvidando necessariamente alguns Néstor Garcia Canclini
missão original da instituição. Para o compromisso, neste caso, não é com aromas do passado, conduz o agente
bem e para o mal os museus não são o ter, acumular e preservar tesouros, museal ao reconhecimento de que
blocos homogêneos e inteiramente e sim com o ser espaço de relação, aquilo que se anuncia nos museus Os estudos até agora desenvolvidos
coerentes. Ali mesmo em suas capaz de estimular novas produções não é a verdade, mas uma leitura permitiram perceber que onde há
veias circulam corpos e anticorpos, e abrir-se para a convivência com as possível, inteiramente permeada pelo memória há poder e onde há poder
memória e contramemória, seres diversidades culturais. jogo do poder. Onde há memória há há exercício de construção de
vivos e mortos. De qualquer modo, Operando com objetos herdados esquecimento e “lá onde há poder há memória. Memória e poder exigem-
para além dessa visão microscópica, ou construídos, materiais ou não- resistência”.(Foucault, 1997: p.91) se. O exercício do poder constitui
não se deve desconsiderar as materiais, os museus trabalham com A possibilidade de múltiplas leituras “lugares de memória” que, por sua
tendências gerais predominantes. o já feito e já realizado, sem que isso resgata para o campo museológico vez, são dotados de poder. Nos
Interessa aqui afirmar que alguns seja, pelo menos em tese, obstáculo a dimensão do litígio: é sempre grandes museus nacionais e nos

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pequenos museus voltados para o 1º - O Museu Nacional do 2º - A Casa del Museo, no 3º - Museus locais em
desenvolvimento de populações e
comunidades locais, nos museus
Níger, em Niamei. México. Portugal.
de arte, nos de ciências sociais
Existindo pelo menos desde 1958, Após a Mesa Redonda de Santiago Após a Revolução de abril de 1975,
e humanas, bem como nos de
esse museu ganhou notoriedade do Chile (1972), o Museu Nacional diversas experiências museológicas
ciências naturais, o jogo da memória
na década de 70. Trata-se de um de Antropologia do Instituto aconteceram em Portugal,
e do poder está presente, e em
projeto original desenvolvido Nacional de Antropologia e História decorrentes de iniciativas locais,
conseqüência participam do jogo o
por Pablo Toucet (1975: p.32-5), do México lançou o Projeto realizadas por associações culturais
esquecimento e a resistência. Este
museólogo e arqueólogo catalão experimental a Casa del Museo, ou autarquias. Alguns museus
jogo concreto é jogado por indivíduos
em exílio, sensível às necessidades em três áreas populares: Zona do surgidos ou transformados com base
e coletividades em relação. Não há
e problemas da população. Numa Observatório, El Pedregal de Santo nessas experiências passaram a
sentido imutável, não há orientação
área de aproximadamente 24 Domingo e Nezahualcoytl. A prática considerar as suas coleções como um
que não possa ser refeita, não há
hectares instalou-se um complexo nessas áreas apontou para uma “meio” para a realização de trabalhos
conexão que não possa ser desfeita
museológico que no dizer de concepção museológica, segundo de interesse social; suas intervenções
e refeita.
Hugues de Varine, abrangia: a qual o museu passava a ser um ampliaram-se e orientaram-se
Ao tratar dos dois movimentos de
um museu etnológico ao ar livre, veículo de educação e comunicação para a valorização da localidade, o
memória, com orientações vetoriais
jardim para crianças, jardim integrado ao desenvolvimento fomento do emprego e as áreas de
distintas, tratei esquematicamente de
zoológico e botânico, lugar para da comunidade. Como assinala comunicação e educação. Como
sublinhar a vinculação com o passado
espairecer e passear, para os desfiles Moutinho: aconteceu, porém, que o afirma o responsável pelo Museu
ou a conexão com o presente, mas
de moda africana e européia, e sucesso do trabalho em El Pedregal, Etnológico de Monte Redondo:
esses movimentos são complexos e
centro para a promoção de um fruto aliás dos ensinamentos esta é a verdadeira riqueza [tesouro]
não são lineares, existem avanços e
artesanato de recolhidos na primeira experiência que estes museus contêm, riqueza
recuos em diversos sentidos.
qualidade que fabrica objetos úteis, [Zona do Observatório] e que essa sempre em transformação, e em
Para finalizar quero introduzir um
constitui, afinal, a maior escola de em 1980 se cimentavam através correspondência, com os processos
debate que talvez interesse, de modo
alfabetização e, quando é o caso, do curso de formação de novos de transformação que abrangem
especial, aos museus voltados para o
um centro de difusão de programas museólogos [cidade Nezahualcoytl], todas as áreas da vida do país.
desenvolvimento social e a operação
musicais. foi pressentido pelos conservadores É nossa convicção que o acervo de
com um acervo de problemas que
(1979: p. 73). da museologia tradicional como um novo museu é composto pelos
afetam indivíduos e grupos a eles
uma ameaça aos museus instituídos. problemas da comunidade que lhe
ligados.
(...) Num meio adverso, receoso dá vida. Assim sendo, fácil é de
As experiências que nos anos 70
de mudança, ao projeto da Casa admitir que o novo museu tem de
opunham-se teórica e praticamente
do Museu foram sendo retirados ser gerido e equipado por uma forma
ao caminho adotado pelos museus
progressivamente todos os apoios, a poder lidar com um acervo, cujos
clássicos, de caráter enciclopédico,
de modo que em 1980 foi dado por limites são de difícil definição e, pior
desaguaram caudalosas nos anos
encerrado. (1989: p.39-40). ainda, sempre em contínua mudança.
80 , permitindo a construção de
(1985: p.46).
veredas alternativas e a busca de
O esforço para sistematizar as novas
sistematização teórico-experimental.
experiências museológicas e marcar
Entre essas experiências quero
as diferenças com outros referenciais
destacar as seguintes:
teóricos levou os especialistas a
estabelecerem o seguinte quadro

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esquemático: Museu tradicional O termo território, por seu turno, Se por um lado, marcar o território se justifica pelo vínculo com o
= edifício + coleção + público. exige cuidado conceitual. pode significar a criação de passado seja ele qual for, mas sim
Ecomuseu/Museu Novo = território O estabelecimento e a defesa de ícones de memória favoráveis pela sua conexão com os problemas
+ patrimônio + população. Visualizo territórios museológicos não têm à resistência e a afirmação dos fragmentados da atualidade, a vida dos
aqui um problema teórico-prático de valor em si. A prática de demarcação saberes locais frente aos processos seres humanos em relação com outros
grande interesse museológico. de territórios pode também ser homogeneizadores e globalizantes, seres, coisas, palavras, sentimentos
Como busquei demonstrar, a excludente e perversa. Qual é por outro, assumir a volatilidade e idéias. Assim, é no polo população,
relação entre memória e poder nos afinal de contas o território do desse território pode implicar com suas múltiplas identidades, que se
museus não é fortuita ou ocasional, humano? Arrisco-me a pensar que a construção de estratégias que encontra, ao meu ver, o desafio básico
ao contrário faz parte da própria as práticas ecomuseológicas não favoreçam a troca, o intercâmbio e do museu.
constituição museal. Ainda que nos têm sido sempre de territorialização, o fortalecimento político-cultural Questão síntese: o repto para as
museus tradicionais essa relação ao contrário elas movimentam- dos agentes museais envolvidos. propostas museológicas alternativas
alcance maior visibilidade através se entre a territorialização e a O conceito de patrimônio que teimam em não perder o seu
do edifício (tipologia arquitetônica), desterritorialização, sem assumir também não é pacífico, envolve potencial transformador não estará
da coleção (anéis, armas, bandeiras, uma posição definitiva. Lembro-me determinados riscos e pode ser colocado na utilização do poder da
pinturas e esculturas monumentais, de um dos responsáveis pelo Museu utilizado para atender a diferentes memória ao serviço dos indivíduos e
coroas e artefatos de povos Etnológico de Monte Redondo dizer interesses políticos. Portanto, ao se da sociedades locais, cada vez mais
“primitivos”), do público (vigiado, em certa reunião de trabalho: “O realizar uma operação de passagem complexas?
seleto e pouco participativo) e do Museu é a Taberna do Rui quando do conceito de coleção para o de
discurso museográfico, ela não está lá nos reunimos para a tomada patrimônio, os problemas foram
ausente nos projetos alternativos de decisões, e também a casa do ampliados. No entanto, as práticas
de museus, sejam eles ecomuseus, Joaquim Figueirinha, em Genebra, ecomuseológicas também aqui não O conceito de patrimônio
museus regionais, comunitários, quando lá estamos trabalhando.” parecem, em muitos casos, reforçar também não é pacífico,
locais ou tribais. Contudo, é preciso Não há noção de território que a idéia de coleção ou mesmo
envolve determinados
reconhecer que nesses casos ela suporte esses deslocamentos de patrimônio, concebido como
ganha algumas especificidades. abruptos. De outra feita, essa mesma um conjunto de bens culturais.
riscos e pode ser utilizado
Também nos ecomuseus a pessoa achava importante fazer Práticas museológicas como as para atender a diferentes
memória poderá estar orientada coincidir o território de abrangência do Museu Didático-Comunitário interesses políticos.
para o passado ou para o presente, física do Museu Etnológico com de Itapuã (BA), do Ecomuseu Portanto, ao se realizar uma
também ali ela poderá vir a ter um mapa da Região de Leiria em de Santa Cruz (RJ) ou do Museu operação de passagem do
uma função emancipadora ou termos medievais (Gomes, 1986: Etnológico de Monte Redondo conceito de coleção para o
coercitiva. O modelo não tem p. 9). As idéias: museu estilhaçado, operam com o acervo de problemas de patrimônio, os problemas
funcionamento automatizado e a museu de múltiplas sedes, museu dos indivíduos envolvidos com os
foram ampliados.
prática tem permitido compreender descentralizado, museu com processos museais. O que parece
que ecomuseus também se antenas e outras, são ao meu ver, a estar em foco, aqui também, é
tradicionalizam. confirmação do que aqui foi exposto. uma descoleção, na forma como a
conceitua Canclini. (1997: p.283- O que está em jogo nos museus é
350). memória e é poder, logo também é
Nos três casos, não há uma perigo.
preocupação patrimonial no Um dos perigos é o exercício do poder
O Museu é a Taberna do Rui quando lá nos reunimos sentido de proteção do passado, de forma autoritária e destrutiva, outro
mas sim um interesse na dinâmica é a saturação de memória do passado,
para a tomada de decisões, e também a casa do Joaquim da vida. Em outros termos: o a saturação de sentido e o conseqüente
Figueirinha, em Genebra, quando lá estamos trabalhando. interesse no patrimônio não bloqueio da ação e da vida.

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