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26/05/2023, 11:13 12ft | A advocacia estava em festa com Appio - 24/05/2023 - Conrado Hübner Mendes - Folha

Conrado Hübner Mendes


Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório
Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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FOLHAJUS

A advocacia estava em festa com Appio


Perdeu-se a linha entre o apropriado e o inapropriado nas profissões jurídicas
24.mai.2023 às 19h01

Apertem os cintos, a regra sumiu. Também o decoro, a discrição, a impessoalidade. Não


me refiro às mesas de negociação da política partidária, onde a pessoalidade é assumida,
legítima e pressuposta. Quando ocorre nos gabinetes da Justiça, a lei vira verniz de
fachada numa construção sem andaimes. Lá, política como ela é. Aqui, prática jurídica
como não pode ser. Ou política no lugar errado.

No regime da legalidade cordial, operada por homens cordiais de coração aberto para a
promiscuidade, a ideia de instituição se dilui em personalismo. Imparcialidade vira
favoritismo. Uma lubrificação anti-institucional. Sobra o palavrório bacharelesco que
tenta fabricar legalidade e esconder conflito de interesses e jogos de forças.

Nesta semana soubemos que André Mendonça compareceu a jantar privado de


homenagem antecipada à sua pessoa. Um elogio prematuro àquilo que ainda não fez no
STF, mas a advocacia gostaria que fizesse. Homenagens antecipadas são acordos
promissórios. Miram comportamento futuro, não realizações passadas. Organizam-se
jantares, entregam-se comendas, publicam-se livros.

Também viemos a conhecer o grupo dos "pensadores da justiça" no WhatsApp. Alguns


imaginaram John Rawls e Karl Marx, Lélia Gonzalez e Milton Santos, Von Mises e Hayek.
Mas era um ponto de encontro republicano onde Augusto Aras, Sergio Moro, políticos e
advogados trocam ideias e farpas. Lugar eficiente para aplainar extremos num coquetel
magistocrático.

Ainda tivemos a notícia de que o juiz federal Eduardo Appio foi afastado, por medida
cautelar, da 13ª Vara Federal de Curitiba pelo TRF-4. É suspeito de ter telefonado ao filho
de desembargador federal,
um advogado sócio do escritório do casal Moro, intimidando-o. A decisão teria feito
Appio "disparar mensagens" para altas autoridades do governo e "acionar também aliados
de Lula na área jurídica", em busca de apoio.

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26/05/2023, 11:13 12ft | A advocacia estava em festa com Appio - 24/05/2023 - Conrado Hübner Mendes - Folha

O juiz federal Eduardo Appio, que foi afastado da Lava Jato, durante entrevista à Folha, em fevereiro - Catarina
Scortecci - 14.fev.23/Folhapress

A decisão liminar teve grande repercussão e aguarda a produção de provas. Mas não
mereceu maiores atenções o comportamento extravagante de Appio desde que assumiu o
posto. Concedeu entrevistas, elogiou a maestria do STF, reiterou críticas genéricas à Lava
Jato que a ele não cabe fazer.

No curto período, também tomou decisões extravagantes. Anulou processo contra Sérgio
Cabral, sob fundamento da suspeição de Moro, apesar de não existir conversa na Vaza
Jato envolvendo Cabral, e se insurgiu contra decisão contrária do TRF, que lhe é superior.

Intimou, de ofício, Tacla Duran para depoimento sobre tema objeto de investigação
anterior arquivada. Marcou depoimento de Palocci, que anos depois resolveu alegar
tortura.

Diante de críticas, a advocacia se apressou em publicar nota em sua defesa. Acusou parte
da comunidade jurídica por permitir que o "ovo da serpente do arbítrio fosse chocado",
comemorou "finalmente um juiz comprometido com a Constituição", que já seria "vítima
de lawfare", e afirmou "nunca mais o conluio" entre juiz e promotor.

A desinstitucionalização do país repercute na Justiça. Dispararou-se alarme estridente


para "descriminalizar a política", mas não se procura relegalizar a Justiça. Criticou-se a
grotesca articulação entre juiz e promotor, simbolizada pela tabelinha Moro-Dallagnol.

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26/05/2023, 11:13 12ft | A advocacia estava em festa com Appio - 24/05/2023 - Conrado Hübner Mendes - Folha

Mas não parecem enxergar problema nos cortejos diurnos e noturnos entre juiz e
advogado.

Nada disso é apropriado. Não cabe a juiz incendiar a política, inflar polarização e receber
elogios por isso. Nem "acionar" seus contatos. O país não vai se reconstruir com um Aras
do PT na PGR, um Kassio do PT no STF, um amigo do PT na vara de Curitiba. Precisa de
agentes independentes.

Pode-se dizer que a prática sempre existiu, mas talvez haja uma diferença: perdeu-se a
consciência de qual a medida do apropriado, de correção, de pertinência do
comportamento de atores jurídicos (a chamada "judicial propriety" em inglês"). Carreiras
jurídicas normalizaram o ilícito ético. Isso é ótimo para alguns operadores do direito, não
para o Estado de Direito.

A advocacia progressista por autodeclaração (a Appa) esteve em festa com


Aras. Comemorou sua nomeação, cortejou sua atuação, lutou por sua recondução. Quando
a colaboração de Aras com a violência bolsonarista se escancarou, e sua amizade ficou
inconveniente, veio o silêncio. A Appa também estava em festa com Appio.

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